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NEWSLETTER Artigos O fim do princípio? O Brexit seis meses depois O que é nacional (e não afete o comércio transfronteiriço) é bom: Comissão Europeia publica decisões relativas a medidas locais de apoio público que não constituem auxílios de Estado Advogado-Geral do Tribunal de Justiça da UE considera que o recurso da Intel, no proc. C-413/14P, contra a coima de 1,06 mil milhões de euros deve ser julgado procedente Autoridade da Concorrência alcança a sua primeira vitória no âmbito do “esmagamento de margens” Acórdão do Tribunal Constitucional dividido quanto ao efeito não suspensivo dos recursos sobre decisões condenatórias da Autoridade da Concorrência MLGTS publica Lei da Concorrência Anotada Contribuição Especial: Mattos Filho Advogados Autoridades concorrenciais brasileiras emitem novas regras sobre Contratos Associativos Direito Europeu e Direito da Concorrência N.º 25, Dezembro 2016/Janeiro 2017

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N.º 25, Dezembro 2016/Janeiro 2017

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NEWSLETTER

Artigos

O fim do princípio? O Brexit seis meses depois

O que é nacional (e não afete o comércio transfronteiriço) é bom: Comissão Europeia publica decisões relativas a medidas locais de apoio público que não constituem auxílios de Estado

Advogado-Geral do Tribunal de Justiça da UE considera que o recurso da Intel, no proc. C-413/14P, contra a coima de 1,06 mil milhões de euros deve ser julgado procedente

Autoridade da Concorrência alcança a sua primeira vitória no âmbito do “esmagamento de margens”

Acórdão do Tribunal Constitucional dividido quanto ao efeito não suspensivo dos recursos sobre decisões condenatórias da Autoridade da Concorrência

MLGTS publica Lei da Concorrência Anotada

Contribuição Especial: Mattos Filho Advogados Autoridades concorrenciais brasileiras emitem novas regras sobre Contratos Associativos

Direito Europeu e Direito da Concorrência

N.º 25, Dezembro 2016/Janeiro 2017

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Decorridos mais de seis meses do refe-rendo de 23 de junho de 2016, no qual a maioria dos eleitores britânicos votou pela saída do Reino Unido da União Europeia (UE), não se produziu ainda qualquer alteração no seu estatuto en-quanto Estado-Membro de pleno direi-to da UE.

Com efeito, até que seja celebrado um acordo de saída, na sequência do proces-so estabelecido no Tratado da União Eu-ropeia, a legislação europeia, bem como todos os direitos e obrigações que dela resultam, continuam a aplicar-se plena-mente ao Reino Unido.

Segundo o Governo britânico o proces-so deverá iniciar-se formalmente até ao fim do próximo mês de março, devendo em princípio conduzir à saída do Reino Unido da UE até março de 2019. No entanto, os termos do acordo de saída e da nova relação do Reino Unido com a UE permanecem ainda rodeados de al-guma incerteza.

O processo de saída

O direito de secessão e o processo de saída de um Estado-Membro da UE encontram-se previstos no artigo 50.º do TUE desde a entrada em vigor, em 2009, do Tratado de Lisboa. Este pro-cesso, que é agora aplicado pela primeira vez, constitui a base jurídica para a ne-gociação e efetivação da saída do Reino Unido da UE.

O processo deve ser iniciado pelo Es-tado-Membro que pretende retirar-se da UE através da notificação formal ao Conselho Europeu da sua intenção de sair. A entrega desta notificação desen-cadeia a contagem de um prazo de dois anos para o Estado-Membro e a UE ne-gociarem as condições da saída. Após o termo do prazo de dois anos, mesmo na ausência de acordo o Estado deixa au-tomaticamente de ser membro da UE, a não ser que o Conselho Europeu, por unanimidade, consinta em prorrogar tal prazo.

Não existe qualquer prazo para a desig-nada “notificação do artigo 50.º”, pelo que o momento da sua apresentação é sobretudo uma decisão de natureza po-lítica.

Após grande controvérsia no Reino Unido sobre a competência do Gover-no para apresentar esta notificação, no passado dia 24 de janeiro o Supremo Tribunal do Reino Unido confirmou, no acórdão Miller, que os princípios da Constituição (não escrita) do Rei-no Unido impedem o Governo de de-cidir unilateralmente iniciar o processo de saída, nos termos do artigo 50.º do TUE, sem a aprovação prévia do Parla-mento britânico1.

Na sequência do acórdão Miller foi en-tretanto apresentado um projeto de lei ao Parlamento com vista a autorizar o Governo a submeter a notificação do ar-tigo 50.º2, o que pretende fazer até ao fim do próximo mês de março3.

R (Miller) v Secretary of State for Exiting the European Union, [2016] EWHC 2768 (Admin) e [2017] UKSC 5, disponível em <https://www.judiciary.gov.uk/judgments/r-miller-v-secretary-of-state-for-exiting-the-european-union/>. European Union (Notification of Withdrawal) Bill 2016-17, apresentada a 26 de janeiro de 2017.BBC, 2 October 2016, Brexit: Theresa May to trigger Article 50 by end of March, <http://www.bbc.com/news/uk-politics-37532364>.

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O fim do princípio? O Brexit seis meses depois

Carlos Botelho Moniz

Pedro Gouveia e Melo

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Declaração da “Reunião informal a 27”, Bruxelas, 29 de junho de 2016, disponível em <http://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2016/06/29-27ms-informal-meeting-statement/>, n.º 3.O grupo “Far Deal for Expats” anunciou a intenção de atacar esta “decisão presidencial” nos tribunais da União (BBC, “Brexit: British expats sue EU’s Juncker over talks”, 7 de outubro de 2016, <http://www.bbc.com/news/world-europe-37586587>).The process for withdrawing from the European Union, de 29 de fevereiro de 2016, disponível em <https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/504216/The_process_for_withdrawing_from_the_EU_print_ready.pdf>, parágrafo 3.11.

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Nos últimos meses surgiram vários ape-los, sobretudo no Reino Unido, ao iní-cio de negociações informais com as ins-tituições europeias antes da notificação formal do artigo 50.º. No entanto, os Chefes de Estado e de Governo dos res-tantes 27 Estados-Membros, bem como os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão, declararam perentoria-mente que “não pode haver qualquer tipo de negociações até ter sido feita esta no-tificação”4, e o Presidente da Comissão anunciou ter proibido os comissários e diretores-gerais da Comissão de iniciar conversações com representantes britâ-nicos enquanto não fosse apresentada a notificação formal5. Uma vez recebida a notificação, nos ter-mos do artigo 50.º o Conselho Europeu deve adotar orientações para as negocia-ções de um acordo com o Reino Unido. Na prática, é provável que as negocia-ções sejam conduzidas pela Comissão Europeia, em representação da UE, e pelo Governo do Reino Unido. O re-sultado de tal negociação deverá ser um acordo, materializado na celebração de um Tratado entre a UE (a 27) e o Reino Unido, que estabeleça as condições de-talhadas da saída do Reino Unido, igual-mente “tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União”. No en-tanto, o âmbito preciso das negociações para a saída, e em que medida as mes-mas deverão abranger as relações futuras do Reino Unido com a UE (que poderão

ser objeto de um acordo separado), per-manece em aberto e deverá ser objeto de acordo entre as partes.

Após negociado, o acordo de saída de-verá ser aprovado pelo Parlamento Eu-ropeu (por maioria simples) e celebrado pelo Conselho da UE (deliberando por maioria qualificada, sem o Reino Uni-do). O acordo deverá subsequentemen-te ser ratificado pelo Reino Unido, de acordo com as suas disposições constitu-cionais nacionais.

As estimativas para a duração das nego-ciações variam consideravelmente. Na campanha que antecedeu o referendo, o Governo britânico declarou que seria necessária “mais de uma década” para negociar a saída da UE, os termos da relação futura com a UE e os acordos internacionais com países terceiros, pois os acordos internacionais em que a UE é parte deixarão de vigorar no Reino Uni-do após a saída deste da União6. O Governo britânico declarou recente-mente que pretende concluir um acor-do sobre a relação futura com a UE até março de 2019, a que se seguirá um processo de implementação faseado, no qual tanto o Reino Unido como as insti-tuições europeias e os Estados-Membros se adaptarão gradualmente aos termos da nova relação que tiver sido acordada, e cuja duração poderá depender da ma-

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téria em questão (ex. controlos de imi-gração, cooperação em matéria criminal ou regulação de serviços financeiros)7.

Possíveis modelos para a relação Reino Unido-UE

Foram avançados vários modelos exis-tentes como base para a relação futura entre o Reino Unido e a UE:

• O “modelo norueguês”: adesão à As-sociação Europeia do Comércio Livre (EFTA) e ao Acordo do Espaço Eco-nómico Europeu (EEE), a fim de asse-gurar o acesso ao mercado interno eu-ropeu8. No entanto, enquanto membro do EEE o Reino Unido estaria obrigado a aplicar, designadamente, a legislação europeia em matéria da livre circulação de pessoas, uma das principais questões controversas no contexto do referendo, bem como a contribuir financeiramente para o funcionamento da UE, em medi-da a determinar (deixando contudo de beneficiar dos fundos europeus, reserva-dos aos Estados-Membros).

• O “modelo suíço”: aderir apenas à EFTA, à semelhança da Suíça, o único membro desta associação que não aderiu ao EEE. A Suíça mantém em vigor um conjunto de acordos bilaterais com a UE que lhe proporcionam acesso a determi-nadas áreas do mercado interno euro-peu. Significativamente, porém, os acor-

dos em vigor com a Suíça não incluem serviços financeiros, que são essenciais para a economia do Reino Unido. A Suíça aceitou igualmente o princípio da livre circulação de cidadãos da UE.

• Um acordo de comércio livre bilate-ral, como os celebrados com o Cana-dá ou com Singapura9. Estes acordos bilaterais, quando entrarem em vigor, proporcionarão um acesso praticamente integral ao mercado interno de merca-dorias e um acesso parcial ao mercado interno de serviços, embora não in-cluam a livre circulação de pessoas. Os países exportadores devem respeitar as regras europeias quando exportem para a UE, mas como Estados terceiros não têm qualquer influência sobre a adoção das mesmas.

• Prevalecer-se das regras da Organi-zação Mundial do Comércio (OMC) para continuar a negociar com a UE. Enquanto membro da OMC, o Reino Unido poderá negociar acordos comer-ciais com outros membros, incluindo a UE. No entanto, enquanto tais acordos não entrassem em vigor o Reino Unido deverá praticar tarifas e condições de tratamento em termos de igualdade a to-dos os membros da OMC (ao abrigo do princípio da “Nação Mais Favorecida”). As exportações do Reino Unido para a UE ficariam ainda sujeitas às tarifas da pauta aduaneira comum.

Theresa May, “The government’s negotiation objectives for exiting the EU”, discurso de 17 janeiro de 2017, Lancaster House, Londres, disponível em <https://www.gov.uk/government/speeches/the-governments-negotiating-objectives-for-exiting-the-eu-pm-speech>.O EEE, que inclui os 28 Estados-Membros da União e três dos quatro Estados da EFTA (Islândia, Liechtenstein e Noruega) prevê a aplicação da legislação da UE em diversos domínios, incluindo as quatro liberdades, embora não abranja políticas como a agricultura, emprego e assuntos sociais ou justiça e assuntos internos A UE e o Canadá assinaram a 30 de outubro de 2016 o Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA), que terá ainda que ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos nacionais antes de entrar em vigor (<http://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/ceta/ceta-explained/>). As negociações com Singapura foram concluídas a 17 de outubro de 2014 e o acordo rubricado aguarda ainda a aprovação da Comissão Europeia, bem como o acordo do Conselho e a ratificação do Parlamento Europeu.

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O futuro: o que sabemos

Durante vários meses após o referendo as pretensões do Governo britânico per-maneceram rodeadas de algum misté-rio. Os membros do Conselho Europeu (sem o Reino Unido) e o Presidente da Comissão exprimiram o desejo de que o “Reino Unido seja um parceiro próximo da UE”, advertindo todavia que “qual-quer acordo que for celebrado com o Reino Unido terá de basear-se num equilíbrio entre direitos e obrigações”, e em particu-lar que “[o] acesso ao mercado único exige a aceitação das quatro liberdades” (livre circulação de pessoas, mercadorias, ser-viços e capitais)10.

No passado dia 17 de janeiro a Primeira--Ministra britânica proferiu um discurso no qual pretendeu clarificar as preten-sões do Reino Unido quanto aos termos da saída da UE, tendo definido um con-junto de princípios que, embora gerais, são em todo o caso bem-vindos por per-mitirem conhecer com maior clareza o que poderá ser a posição britânica nas negociações que se avizinham11.

Em particular, o Governo britânico re-conhece que não terá acesso integral ao mercado interno após sair da UE, pois considera essencial (i) retomar o controlo pleno sobre as suas fronteiras, o que implica a possibilidade de restringir a entrada e permanência dos cidadãos da UE no seu território, e (ii) “assumir controlo sobre as leis do Reino Unido”, ou seja, afastar a competência dos tribu-nais da União Europeia para interpretar

as leis e regulamentos que se aplicam no Reino Unido.

Por outro lado, o Reino Unido pretende negociar um “acordo ambicioso de co-mércio livre” com a UE, mantendo li-berdade de negociação com outros países terceiros. Isto significa que a Grã-Breta-nha equaciona fixar as suas próprias ta-rifas aduaneiras no âmbito da OMC, o que será incompatível com a sua perma-nência (pelo menos em termos plenos) na União Aduaneira europeia.A Primeira-Ministra britânica reconhe-ceu ainda, como acima vimos, a neces-sidade de um período transitório para implementar de forma faseada a saída do Reino Unido da UE, após março de 2019, com vista a permitir a preparação dos agentes económicos e dos cidadãos, britânicos e da UE, para as alterações significativas que se produzirão no qua-dro legislativo e regulatório aplicável.

À luz do pensamento do Governo britâ-nico, parecem excluídas as hipóteses de o Reino Unido aderir ao EEE, tal como a Noruega, ou permanecer na EFTA e celebrar um conjunto de acordos bila-terais para aceder ao mercado interno europeu, como a Suíça, pois em ambos os casos estes países terceiros aceitam a livre circulação dos cidadãos da União. É possível que o Reino Unido tente ne-gociar e celebrar um acordo de comércio livre bilateral com a UE (a exemplo do Canadá). Contudo, tendo em conta a complexidade das negociações de saída, e as tensões que estas poderão originar entre o Reino Unido e alguns dos 27

Cf. a Declaração da “Reunião informal a 27”, Bruxelas, 29 de junho de 2016, cit., n.º 4.Cf. a nota 7.

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Estados-Membros que permanecerão na União Europeia, levam a que um cená-rio provável, pelo menos no curto prazo, possa ser o de o Reino Unido ser forçado a negociar com a UE ao abrigo das re-gras gerais da OMC.

Independentemente dos termos con-cretos da futura relação entre a UE e o Reino Unido que venham a ser ne-gociados, o direito da UE continuará a produzir certos efeitos no Reino Unido. Por exemplo, as empresas britânicas que desenvolvam atividade na UE continua-rão a estar sujeitas às normas europeias sobre especificações técnicas (standards) ou em matéria de concorrência. Assim, mesmo após a saída da UE, em diversas áreas a autonomia do legislador britâ-nico será fortemente condicionada pela necessidade de assegurar a continuidade da relação próxima da economia britâ-nica com as empresas e investidores eu-ropeus.

No entanto, as opções que serão toma-das nas negociações a iniciar em breve terão um impacto profundo nas relações dos cidadãos e empresas europeus com o Reino Unido e o mercado britânico, em múltiplas áreas, desde os serviços finan-ceiros às regras sobre insolvência, pro-priedade intelectual, relações laborais ou ambiente. É pois importante continuar a seguir com atenção os próximos desen-volvimentos.

À luz do pensamento do Governo britânico, parecem excluídas as hipóteses de o Reino Unido aderir ao EEE, tal como a Noruega, ou permanecer na EFTA e celebrar um conjunto de acordos bilaterais para aceder ao mercado interno europeu, como a Suíça, pois em ambos os casos estes países terceiros aceitam a livre circulação dos cidadãos da União

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Sempre que um Estado-Membro concede uma vantagem patrimonial, independen-temente da forma que assuma, que favo-reça certas empresas, setores ou atividades, deve notificar essa ajuda de Estado à Co-missão Europeia, quando a mesma dis-torça a concorrência no mercado e afete o comércio transfronteiriço. As ajudas de Estado são consideradas ilegais à luz do Tratado de Funcionamento da União Eu-ropeia, podendo, contudo, ser aprovadas pela Comissão em determinadas circuns-tâncias, após terem sido notificadas pelo respetivo Estado-Membro.

No âmbito desses poderes, a Comissão Europeia anunciou a conclusão de cinco processos de avaliação da compatibilidade de medidas locais de apoio público em Es-panha, Alemanha e Portugal com as regras de auxílios de Estado da União (doravan-te, as “decisões”).

Na decisão relativa à ajuda concedida pelo Estado Português12, estava em causa uma subvenção de 80% dos custos elegíveis de um projeto para a construção de residên-cias assistidas para idosos, com capacidade total de 60 camas, pela Santa Casa da Mi-sericórdia de Tomar.

Nas decisões sobre as ajudas concedidas pelo Estado espanhol, a Comissão anali-sou duas medidas de apoio a línguas re-gionais – o Basco e o Valenciano13. Em ambos os casos, o Estado espanhol preten-dia conceder apoios financeiros a meios de comunicação locais que utilizassem as res-petivas línguas nas suas publicações.

Vd. Caso SA.38920, Alegado auxílio estatal à Santa Casa da Misericórdia de Tomar (SCMT), de 9 de agosto de 2016.Vd. Caso SA.45512, Alegado auxílio estatal para promoção do Valenciano nos media, de 1 de agosto de 2016 e Caso SA.44942, Alegado auxílio estatal aos media locais de língua Basca, de 4 de agosto de 2016.Vd. Caso SA. 44692, Alegado auxílio estatal ao investimento no Porto de Föhr, de 20 de julho de 2016 e Caso SA. 43983, Alegado auxílio estatal ao BLSV Sportcamp Nordbayern, de 9 de agosto de 2016.

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O que é nacional (e não afete o comércio transfronteiriço) é bom: Comissão Europeia publica decisões relativas a medidas locais de apoio público que não constituem auxílios de Estado

Joaquim Vieira Peres

Gonçalo Pereira Rosas

Já as ajudas concedidas pelo Estado ale-mão14 prendiam-se com apoios financei-ros (i ) à construção de diversas instalações desportivas no complexo “Sportcamp Nordbayern”, na região da Baviera, que se destinavam a ser utilizadas essencialmente por escolas, clubes desportivos sem fins lu-crativos e atividades sociais ou pedagógi-cas e (ii ) à renovação e modernização das infraestruturas no porto da ilha Föhr (com apenas 8.000 habitantes) que é utilizado quase exclusivamente para o aprovisiona-mento da mesma através de um serviço de ferries a partir do território continental alemão, durante todo o ano.

As decisões vêm confirmar que um Esta-do-Membro pode aplicar, sem controlo prévio da Comissão, determinadas medi-das de apoio público, na medida em que as mesmas não afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros. Estas decisões vêm na sequência de um conjunto de sete casos publicados em 2015 em que a Co-missão deu indicações sobre que medidas de apoio público de carácter local não ne-cessitariam de notificação prévia à Comis-são Europeia.

Nas suas orientações sobre a noção de au-xílio de Estado, de maio de 2016, a Co-missão tinha já referido que não se pode considerar que uma ajuda tenha efeitos no comércio transfronteiriço quando:

• A mesma apenas tem impacto numa área limitada no interior de um Estado-Mem-bro;

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• Não é suscetível de atrair clientes prove-nientes de outros Estados-Membros; e

• Não se pode prever que a medida teria um efeito mais que marginal sobre as con-dições dos investimentos ou do estabeleci-mento transfronteiriços.

Nas decisões mencionadas, a Comissão começou por referir que, se por um lado, não tem que demonstrar os efeitos reais desses auxílios sobre a concorrência e so-bre as trocas comerciais, por outro esse efeito não pode ser meramente hipotéti-co ou presumido. É necessário, por isso, efetuar uma análise dos efeitos previsíveis e concretos da medida no comércio trans-fronteiriço.

Nas análises que efetuou às medidas supra descritas, a Comissão apontou vários fato-res que contribuíram para a conclusão que os efeitos sobre as trocas comerciais intra--União são marginais, entre eles:

• Os serviços prestados pelas entidades em causa eram de natureza meramente local e só se encontravam disponíveis numa zona geográfica restrita;

• O número de beneficiários era limitado;

• Os serviços prestados não apresentavam uma particular atratividade para cidadãos de outros Estados-Membros;

• Os serviços eram prestados nas línguas locais e as comunicações dos operadores em causa tinham apenas dimensão local;

• Não foram apresentadas provas de an-teriores investimentos por operadores de outros Estados-Membros; e

• Os serviços apresentavam baixa rentabi-lidade (o que tornava improvável que estas atividades pudessem atrair investimentos significativos provenientes de outros Esta-dos-Membros).

Esta posição da Comissão aumenta a se-gurança jurídica dos Estados e operadores económicos nesta matéria, reduzindo os recursos necessários para a implementação deste tipo de apoios e o trabalho burocrá-tico para aprovação dos mesmos, dada a perspetiva mais estrita adotada relativa-mente ao conceito de afetação do comér-cio intracomunitário. Contudo, esta terá ainda que ser confirmada pelos Tribunais Europeus, cuja prática decisória tem se-guido uma interpretação mais ampla des-te conceito. A decisão relativa ao alegado auxílio estatal à SCMT encontra-se em recurso junto do TGUE, pelo que este promete ser um importante julgamento nesta área.

Um Estado-Membro pode aplicar, sem controlo prévio da Comissão, determi-nadas medidas de apoio público, na medida em que as mesmas não afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros. As decisões da Comissão revelam um alargamento dos casos em que tal acontece por via de uma interpretação mais estrita do conceito de afetação do comércio entre Estados-Membros. No entanto, estas decisões terão ainda que ser confirmadas pelos Tribunais Euro-peus, cuja prática decisória tem adotado uma interpretação mais ampla da-quele mesmo conceito de afetação do comércio intracomunitário.

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A Comissão Europeia (Comissão), por de-cisão de 13 de maio de 200915 (Decisão), aplicou uma coima de 1,06 mil milhões de euros à empresa norte-americana Intel, fabricante de microprocessadores, por esta ter alegadamente abusado da sua posição dominante no mercado de unidades cen-trais de processamento e de arquitetura x86 (CPUX86), em desconformidade com o artigo 102.º do Tratado sobre o Funcio-namento da União Europeia (TFUE).

De acordo com a Comissão, a Intel abu-sou da sua posição dominante no merca-do mundial de CPUx86 entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, mediante a aplicação de uma estratégia destinada a excluir do mercado a Advanced Micro Devices Inc. (AMD). A decisão sanciona-tória da Comissão considerou que a Intel ocupava uma posição dominante com base no facto que a empresa detinha quo-tas de mercado de cerca de 70% ou mais no período relevante, e de que era muito difícil aos concorrentes entrarem no mer-cado devido à existência de investimentos irrecuperáveis em investigação e desen-volvimento, em direitos da propriedade intelectual e em unidades de produção. Supostamente o abuso caracterizava-se por medidas adotadas pela Intel junto dos seus clientes (fabricantes de computado-res) e de um distribuidor europeu de apa-relhos microeletrónicos. Assim, de acordo com a Comissão, a Intel concedeu des-contos a quatro dos principais fabricantes de computadores (Dell, Lenovo, HP e NEC) na condição de estes lhe compra-

A síntese da Decisão foi publicada no Jornal Oficial da UE, série C 227, de 22 de setembro de 2009, p. 13.15

Advogado-Geral do Tribunal de Justiça da UE considera que o recurso da Intel, no proc. C-413/14P, contra a coima de 1,06 mil milhões de euros deve ser julgado procedente

Eduardo Maia Cadete

Dzhamil Oda

rem a totalidade, ou a quase totalidade, de CPUx86 de que necessitavam. Cumulati-vamente, a Intel concedeu, de acordo com a Comissão, pagamentos a um distribui-dor europeu na condição de este vender exclusivamente computadores equipados com processadores x86 da Intel. Segundo a Comissão, estes descontos e pagamentos garantiram a fidelização dos quatro fabri-cantes e do distribuidor, e reduziram sen-sivelmente a capacidade dos concorrentes da Intel desenvolverem a sua atividade no mercado.

A Intel recorreu da decisão da Comissão para o Tribunal Geral Da União Europeia (TGUE) (processo T-286/09), com vista a obter a respetiva anulação ou, subsidia-riamente, uma redução de coima, tendo o tribunal negado in totum provimento ao recurso. Com fundamentos-vários, a In-tel interpôs recurso do acórdão do TGUE para o Tribunal de Justiça da União Euro-peia (TJUE) – processo C-413/14P, pen-dente.

Nas conclusões não vinculativas apresen-tadas em 20 de outubro de 2016, o Ad-vogado-Geral do TJUE , no que respeita ao primeiro fundamento de recurso, con-sidera que o TGUE concluiu que os des-contos concedidos à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo eram descontos de exclusivi-dade, e que por este motivo não era ne-cessário analisar os respetivos efeitos anti concorrenciais. Neste particular, o Advo-gado-Geral salienta nas suas Conclusões o princípio decorrente da jurisprudência

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do TJUE relativo à presunção do caráter abusivo dos descontos de fidelização, mas salienta que, em termos práticos, o TJUE tem invariavelmente tomado em conside-ração todas as circunstâncias para determi-nar se um dado comportamento configura um abuso de posição dominante. Termos em que o Advogado-Geral deflui que o TGUE cometeu um erro de direito ao considerar que os descontos de exclusivida-de constituem uma categoria de descontos autónoma e única, que não exige a apre-ciação de todas as circunstâncias para se poder estabelecer a existência de um abuso de posição dominante.

Ademais, o Advogado-Geral considera que o tribunal a quo cometeu também um erro de direito ao não ter estabelecido, com base em todas as circunstâncias específicas do caso, que os descontos e os pagamen-tos concedidos pela Intel tinham, muito provavelmente, um efeito de exclusão da concorrência. No que respeita ao segundo fundamento da Intel, o Advogado-Geral arrima que o TGUE considerou suficiente realizar uma apreciação global da média da parte do mercado que foi ilicitamente encerrada durante o período entre 2002 e 2007 pela Intel. Como tal, entendeu ser irrelevante que durante os anos de 2006 e 2007 a cobertura do mercado pela In-tel tivesse sido consideravelmente inferior. Segundo o Advogado-Geral, ao proceder desta forma, o TGUE afastou o critério da cobertura suficiente do mercado e não veri-ficou se o comportamento controvertido era de facto suscetível de restringir a con-corrência nos anos de 2006 e 2007. No

seu entender, caso o TGUE tivesse efe-tuado essa verificação, teria concluído que uma parte do mercado tão reduzida seria insuficiente para provar a capacidade anti concorrencial do comportamento sancio-nado, thema este que não pode ser solucio-nado mediante o recurso ao conceito de infração única e continuada. O Advogado--Geral conclui, assim, que o segundo fun-damento do recurso da Intel deve também ser julgado procedente.

De igual modo, no que tange o terceiro fundamento de recurso, o Advogado-Ge-ral reitera que os descontos de exclusividade não constituem uma categoria autóno-ma de descontos. Todavia, mesmo que o TJUE não esteja de acordo com esta inter-pretação, o Advogado-Geral sustenta que este fundamento deve ser acolhido, uma vez que a existência de descontos de ex-clusividade deve depender do facto de o cliente se abastecer relativamente à totali-dade ou a uma parte importante das suas necessidades junto da empresa dominan-te, o que não acontece, no seu entender, no caso dos autos, dado que dois dos fa-bricantes de computadores (HP e LENO-VO) podiam adquirir à AMD quantida-des significativas de CPUx86.

No que concerne o quarto fundamento de recurso, o Advogado-Geral refere que o direito da UE obriga a Comissão a pro-ceder ao registo das audições efetuadas durante o procedimento sancionatório jus concorrencial, o que assegura às empresas sob suspeita de infração das regras de con-corrência a possibilidade de organizarem

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a sua defesa, e aos tribunais da União a capacidade de fiscalizarem se a Comissão exerce os seus poderes de inquérito em conformidade com o due process of law. As-sim, segundo o Advogado-Geral, o TGUE cometeu um erro de direito pelo facto de considerar que a Comissão não tinha vio-lado o due process of law ao não organizar e ao não registar uma reunião em confor-midade com a legislação aplicável. Além disso, o Advogado-Geral entende que esta irregularidade processual não pode ser sa-nada através de nota interna facultada a posteriori pela Comissão, uma vez que essa nota não reflete o teor da reunião que a Comissão manteve com um dirigente de uma empresa fabricante de computadores. O Advogado-Geral considera, assim, que o quarto fundamento da Intel deve igual-mente ser julgado procedente. No que respeita ao quinto fundamento de recurso e à questão de saber se a Comissão é com-petente, em direito internacional, para abrir um procedimento contra a Intel com fundamento no seu comportamento anti-concorrencial, o Advogado-Geral sustenta que não é possível considerar que o ale-gado abuso da Intel foi executado dentro

do Espaço Económico Europeu (EEE). Segundo este, o TGUE não examinou se os efeitos anticoncorrenciais decorrentes de certos acordos entre a Intel e a Lenovo eram imediatos, substanciais e previsíveis no EEE – por conseguinte, no seu entender, o TGUE cometeu um erro ao aplicar o cri-tério da execução e dos efeitos qualificados para rejeitar os argumentos da Intel sobre a falta de competência da Comissão.

Em síntese, o Advogado-Geral pugna que o acórdão confirmatório do TGUE deve ser anulado e o processo remetido ao tri-bunal a quo para serem examinadas todas as circunstâncias do mesmo e os efeitos reais ou potenciais do comportamento da Intel sobre a concorrência no mercado.

Note-se que as Conclusões do Advogado--Geral não vinculam os juízes do TJUE. A sua missão, nos termos do artigo 252.º, §2, do TFUE, consiste em propor ao TJUE, com toda a imparcialidade e inde-pendência, conclusões fundamentadas so-bre as causas que nos termos do Estatuto do TJUE, requeiram sua intervenção.

Cumpre agora aguardar para saber se as conclusões não vinculativas do Advo-gado-Geral, que propõem uma análise material e mais substantiva dos efeitos de condutas supostamente abusivas, agregadas entre o mais a descontos por uma empresa em posição dominante – e em descontinuação de uma análise mais jurídico-formal de per se dos pressupostos associados ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo do artigo 102.º do TFUE ao abrigo do atual acquis jurisprudencial – são acolhidas pelo TJUE.

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Introdução

A Autoridade da Concorrência (AdC) ob-teve recentemente, por parte do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), a primeira confirmação judicial de uma decisão relativa a abuso de posição dominante em resultado de práticas de es-magamento de margens. O acórdão, de 20 de outubro de 2016, será publicado pela AdC no site da autoridade, todavia, não se encontra ainda disponível.

O caso em apreço respeitava aos merca-dos da venda de dados comerciais das farmácias e venda de estudos de merca-do baseados naqueles dados, nos quais a AdC alega ter-se verificado um abuso de posição dominante por parte da Associa-ção Nacional de Farmácias (ANF) e de três outras empresas do grupo: por um lado, a Farminveste, SGPS, SA e a Farminveste – Investimentos, Participações e Gestão, S. A., ambas ativas na venda de dados comer-ciais das farmácias, e, por outro, a HMR – Health Market Research, Lda., ativa na realização de estudos do mercado farma-cêutico.

A AdC iniciou a investigação aprofundada a estes mercados no seguimento de quei-xa por parte da IMS Health, concorrente no mercado a jusante, que considerou que os preços praticados pelo grupo ANF na venda dos dados comerciais, em conjuga-ção com os preços dos estudos de merca-do, impossibilitavam a concorrência, na medida em que não permitiam aos con-

Autoridade da Concorrência alcança a sua primeira vitória no âmbito do “esmagamento de margens”

Luís do Nascimento Ferreira

Leonor Bettencourt Nunes

correntes ao nível da venda de estudos de mercado, ainda que igualmente eficientes, obter uma margem suficiente para cobrir os seus custos de produção.

Na decisão de condenação adotada em 2015, a AdC concluiu que as entidades em causa utilizaram práticas de esmaga-mento de margens (margin squeeze), de 2010 a 2013, tendo levado a uma exclu-são da concorrência no mercado da reali-zação de estudos de mercado e, em última análise, prejudicado os consumidores, no caso em apreço, os laboratórios farmacêu-ticos que adquiriam os respetivos estudos. A AdC considerou que tais condutas con-substanciavam uma violação grave da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, a Lei da Con-corrência, assim como do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que aplicou coimas no montante total de EUR 10,34 milhões ao grupo ANF.

Em sede de recurso, o TCRS confirmou, em geral, as conclusões da AdC, tendo, todavia, optado por reduzir o montante da coima total aplicada para EUR 6,89 milhões, em virtude das características do mercado afetado pelas condutas abusivas.

Comentário

O caso em apreço constitui uma impor-tante vitória para a AdC, a qual vem re-forçar a tendência verificada nos últimos anos, e evidenciada nas estatísticas dispo-níveis no mais recente Relatório de Ativi-dades da autoridade, referente ao ano de

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2015, de pretensão de consolidação da prática decisória no âmbito das condutas restritivas materializada numa resposta mais célere, investigações mais aprofunda-das e decisões mais sólidas e fundadas.

No início da sua atividade, a AdC viu as suas decisões de condenação por abuso de posição dominante serem revertidas pelos tribunais portugueses, tendo mesmo, du-rante um amplo período, deixado de con-duzir novas investigações relativamente a estas condutas. A decisão recente respei-tante ao grupo ANF é, assim, o primei-ro caso de confirmação judicial relativo a condutas de esmagamento de margens e o segundo de abuso de posição dominante também validado pelos tribunais, já que em 2013 a condenação da Sport TV em EUR 3,7 milhões por abuso no mercado dos canais premium de desporto foi confir-mada tanto pelo TCRS como pelo Tribu-nal da Relação de Lisboa (que, todavia, re-duziram a coima para EUR 2,7 milhões).

Por último, cumpre ainda sublinhar o impacto da criação do TCRS, em 2012, que dotou a jurisdição nacional de um tri-bunal especializado em matérias de con-corrência, o qual tem igualmente vindo a apresentar melhorias ao nível da celerida-de e qualidade das decisões adotadas.

A decisão recente respeitante ao Grupo ANF é o primeiro caso de confirmação judicial relativo a condutas de esmagamento de margens

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Introdução

Nos termos da Lei n.º 19/2012 (Lei da Concorrência), o recurso de impugnação judicial de decisões da Autoridade da Con-corrência não tem, regra geral16, efeito sus-pensivo (artigo 84.º, n.º 4 da Lei da Con-corrência). Assim, o destinatário de uma decisão que aplique uma coima (ou outra sanção) deve, em princípio, pagar a coima mesmo que impugne a decisão perante o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão17 (Tribunal da Concorrência). Este Tribunal apenas pode suspender os efeitos de decisões sancionatórias se: (i ) tal suspensão for requerida pela empresa visa-da no momento da impugnação judicial, (ii ) a execução da decisão causar «prejuí-zo considerável» à empresa visada, e (iii) a empresa prestar «caução em substitui-ção» no prazo fixado pelo Tribunal (artigo 84.º, n.º 5, da Lei da Concorrência).

Deste modo, o atual regime veio reverter a regra geral prevista no anterior diploma legal (Lei n.º 18/2003), nos termos da qual a impugnação judicial de decisões sancionatórias suspendia os efeitos da de-cisão (artigo 50.º, n.º 1, da antiga Lei da Concorrência), distinguindo-se também da solução prevista no regime geral aplicá-vel aos ilícitos criminais e administrativos, bem como do previsto em vários regimes regulatórios sectoriais.

Esta alteração visou, essencialmente, servir de desincentivo à apresentação de ações judiciais infundadas, motivadas por razões

A única exceção a esta regra está prevista para as decisões que apliquem medidas de caráter estrutural consideradas indispensáveis para pôr fim às práticas restritivas ou aos seus efeitos, tendo em conta o seu carácter frequentemente irreversível.O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão é o tribunal competente, em primeira instância, para apreciar os recursos de impugnação judicial das decisões da Autoridade da Concorrência (artigo 84.º, n.º 3, da Lei da Concorrência).Artigo 278.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e artigo 31 do Regulamento (CE) n.º 1/2003 do Conselho.

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Acórdão do Tribunal Constitucional dividido quanto ao efeito não suspensivo dos recursos sobre decisões condenatórias da Autoridade da Concorrência

Philipp Melcher

Nuno Igreja Matos

puramente dilatórias. No contexto mais vasto da reformulação da Lei da Concor-rência, que introduziu também a previsão de reformatio in peius, concedendo ao Tri-bunal da Concorrência a possibilidade de agravar as coimas aplicadas pela Autorida-de (artigo 88.º, n.º 1, da Lei da Concor-rência), o legislador procurou ainda refor-çar a eficácia e celeridade da aplicação e execução das regras concorrenciais, através da sua autonomização face ao regime geral aplicável aos ilícitos criminais e adminis-trativos e da aproximação ao mecanismos procedimentais previstos no Direito da União Europeia18, conforme acordado pelo Governo nos termos do Programa de Assistência Económica e Financeira.

Todavia, atenta, em particular, a frequente dimensão punitiva das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência, estas alterações legislativas vêm sendo criticadas por violarem direitos fundamentais ga-rantidos na Constituição, em particular a garantia da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição) e os direitos de acesso aos tribunais e à proteção judi-cial efetiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição).

Em dois recentes processos, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela pri-meira vez sobre esta questão. Contudo, enquanto no Acórdão n.º 376/2016, de 8 de junho de 2016, a 3.ª Secção deste Tri-bunal considerou que o regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concorrência, não violava os direitos fundamentais em

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causa, no Acórdão n.º 674/2016, de 13 de dezembro de 2016, a 1.ª Secção do mes-mo Tribunal subscreveu a posição oposta.

Contexto

Ambos os processos tinham por base de-cisões sancionatórias da Autoridade da Concorrência, nos termos das quais a Au-toridade aplicou coimas por prestação de respostas incompletas a pedidos de infor-mação19, o que constitui uma contraor-denação nos termos do artigo 68.º, n.º 1, alínea i ), da Lei da Concorrência. As em-presas visadas impugnaram judicialmente as decisões perante o Tribunal da Concor-rência e requereram a atribuição de efeito suspensivo aos seus recursos, alegando que o regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concorrência, infringia os seus direi-tos fundamentais. Alternativamente, ofe-reciam ainda a caução exigida nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

Em ambos os casos, o Tribunal da Con-corrência concluiu que o regime dos n.os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência violava direitos fundamentais, em parti-cular os direitos de acesso aos tribunais e à proteção judicial efetiva, uma vez que não se previa a possibilidade de atribui-ção discricionária de efeito suspensivo, e ainda por essa atribuição estar dependente de prestação de caução em substituição, independentemente da situação financei-ra da empresa visada. Em consequência, acolheu a alegação das visadas e recusou a aplicação do artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei

da Concorrência, suspendendo os efeitos das decisões recorridas até à realização do julgamento, com base no regime geral dos ilícitos administrativos (i.e., sem exigir a prestação de qualquer caução).

O Ministério Público recorreu das duas decisões do Tribunal da Concorrência para o Tribunal Constitucional.

O Acórdão n.º 376/2016 da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

No Acórdão de 8 de junho de 2016, a 3.ª Secção do Tribunal Constitucional con-cluiu que o artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concorrência, não violava os direitos fundamentais invocados, em particular de acesso aos tribunais e à proteção judi- cial20, porquanto:

• O direito à proteção judicial efetiva não se traduzia numa regra geral segun-do a qual as ações judiciais contra decisões sancionatórias administrativas devem ter sempre efeito suspensivo, dispondo o le-gislador de uma ampla margem de liber-dade na regulação do procedimento de acesso aos tribunais que apenas poderia ser posta em causa perante dificuldades exces-sivas ou iniquidades materiais;

• A escolha legislativa constante do artigo 84.º, n.º 4, da Lei da Concorrência, pela regra geral de atribuição de efeito mera-mente devolutivo, não poderia ser con-

Processos n.os INC/2015/1 (Peugeot Portugal Automóveis) e INC/2015/2 (Ford Lusitana). Os pedidos de informação em causa foram requeridos na sequência de uma série de investigações levadas a cabo pela Autoridade da Concorrência em face de suspeitas de violação do artigo 9.º da Lei da Concorrência e do artigo 101.º do TFUE, decorrentes da celebração de acordos entre fabricantes de automóveis e respetivos intermediários/agentes comerciais e oficinas, nos termos dos quais os consumidores não poderiam beneficiar da garantia do fabricante caso tivessem recorrido a oficinas não licenciadas para a manutenção e reparação dos seus veículos. Todas as investigações foram arquivadas na sequência de um compromisso assumido pelas empresas visadas no sentido de pôr fim à prática sob investigação

O presente comentário limita-se a sumarizar as principais considerações tecidas pelo Tribunal Constitucional quanto aos direitos fundamentais nos quais se a sua análise centrou.

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siderada injusta ou irrazoável, visto que prosseguia o interesse público na eficácia das regras concorrenciais através do desin-centivo à apresentação de ações judiciais infundadas e meramente dilatórias, que comprometeriam a defesa desse interesse; e

• A possibilidade, prevista no n.º 5 desse artigo, de suspensão dos efeitos de uma decisão sancionatória, cuja execução cau-saria «prejuízo considerável» ao visado, e mediante prestação de caução, pela forma e montante julgados adequados ao caso concreto pelo Tribunal, serviria como “válvula de escape”, retirando rigidez e automaticidade ao sistema, na medida em que permitiria equilibrar o interesse públi-co e o interesse individual e, ainda, mitigar os riscos de violação do direito à proteção judicial (caso a decisão viesse a ser anula-da) sem comprometer a eficácia da coima (caso a decisão fosse confirmada).

Em consequência, a 3.ª Secção deste Tri-bunal deferiu o recurso do Ministério Pú-blico e ordenou o Tribunal da Concorrên-cia a emendar a sua sentença.

O Acórdão n.º 674/2016 da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

Em contraste, no Acórdão proferido a 13 de dezembro de 2016, a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional concluiu que o regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5, infrin-

gia direitos fundamentais, em particular o direito de acesso aos tribunais e à proteção judicial efetiva, porque :

• O regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concorrência, ao fazer depender a atribuição de efeito suspensivo da exis-tência de um “prejuízo considerável” e da prestação de caução em substituição, está, essencialmente, a obrigar o visado a pagar (pelo menos parcialmente) a coima an-tes da impugnação judicial, obrigando-o portanto a incorrer (pelo menos parcial-mente) num prejuízo considerável; deste modo, está já a restringir o direito de aces-so aos tribunais e à proteção judicial;

• Esta restrição é desproporcional e, con-sequentemente, violadora dos referidos di-reitos: ainda que adequada a atingir o fim proposto (maior eficácia das regras con-correnciais), ao desincentivar à apresenta-ção de ações judiciais infundadas com in-tuitos meramente dilatórios, esta medida não se limitava à medida do indispensável para a prossecução desse fim, visto que, em primeiro lugar, o efeito dissuasor já re-sultava da introdução da possibilidade de reformatio in peius e, em segundo, existiam outras medidas, menos restritivas, e igual-mente eficazes;

• Em particular, e desde logo, o regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concor-rência — ao não permitir que o juiz dis-pense o visado de prestar caução e ao não prever qualquer margem de discriciona-riedade quanto ao montante dessa caução,

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que deve sempre corresponder ao mon-tante da coima aplicada —, seria menos restritivo se abdicasse dessa rigidez e auto-maticidade em favor da concessão de uma margem de discricionariedade ao juiz; e

• Mesmo que se pudesse concluir pela ne-cessidade desta restrição fundamental, ain-da assim o sistema seria desproporcional em sentido estrito (excessividade), desig-nadamente por não prever a possibilidade do juiz valorar uma eventual insuficiência dos recursos financeiros das empresas visa-das para prestação da caução, impedindo assim esta empresa de beneficiar do efeito suspensivo.

Em resultado, a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional indeferiu o recurso do Mi-nistério Público e confirmou a decisão do Tribunal da Concorrência.

Comentário

A decisão de 13 de dezembro de 2016, ao abrigo da qual a 1.ª Secção do Tribu-nal Constitucional declarou a inconstitu-cionalidade do sistema previsto no artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concorrência, é de saudar e marca uma importante inver-são da posição adotada no Acórdão da 3.ª Secção, de 8 de junho de 2016.

Um sistema que, por regra, permite a exe-cução de coimas potencialmente drásticas antes da conclusão da apreciação judicial da decisão que a aplica, e que apenas per-mite a suspensão dessa execução se a mes-

ma causaria um “prejuízo considerável” ao visado e caso este preste caução, indepen-dentemente da suficiência dos seus recur-sos financeiros para o efeito, constitui uma restrição excessiva da garantia da presun-ção de inocência e do direito à proteção judicial efetiva, em particular se conside-rado conjuntamente com a possibilidade de reformatio in peius.

Acresce que a própria motivação legislati-va, no sentido de desincentivar a apresen-tação de ações infundadas e meramente dilatórias, não aparenta constituir uma justificação válida, na medida em que ape-nas seria eficaz caso os dados empíricos existentes apontassem para a existência de um número significativo de recursos apresentados com essas características. Contudo, e pelo contrário, a verdade é que se vem verificando, nos últimos anos, uma tendência para a revogação (total ou parcial) de um número considerável das decisões sancionatórias da Autoridade, em particular em casos de maior notoriedade. Adicionalmente, a experiência de outros Estados Membros com um sistema seme-lhante do recurso de impugnação das deci-sões sancionatórias da respetiva autoridade da concorrência (e.g., a Alemanha) sugere que a atribuição de efeito suspensivo não afeta a eficácia das sanções impostas.

O Acórdão de dezembro de 2016 merece elogio, não apenas pelas suas conclusões, mas também pelo detalhe com que anali-sa o regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5, da Lei da Concorrência, à luz do princípio da

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proporcionalidade, análise essa que con-trasta com o exame superficial que guiou o Acórdão de junho de 2016. De facto, ape-sar da indispensabilidade da eficácia das sanções aplicadas pela violação de normas concorrenciais, e ainda que o legislador goze de uma ampla margem de liberdade na definição da forma de acesso aos tribu-nais, a solução encontrada deve ser sujeita ao mais apertado escrutínio sempre que redundar na restrição de direitos funda-mentais dos visados.

É ainda interessante notar que as distin-tas conclusões da 3.ª e 1.ª Secção do Tri-bunal Constitucional parecem basear-se numa distinta interpretação do n.º 5 do citado artigo 84.º. Enquanto a 3.ª Sec-ção entendeu que esta norma permitia ao juiz estabelecer, de acordo com critérios de adequabilidade e de equilíbrio de in-teresses, a forma e montante da caução a prestar (funcionando assim como “válvula de escape”), a 1.ª Secção considerou que a mesma norma era rígida e automática, retirando ao juiz qualquer discricionarie-dade (e.g., quanto ao montante da caução, que teria que corresponder ao da coima aplicada), exceto no tocante ao prazo para prestação dessa caução. Em todo o caso, mesmo com base na interpretação da 3.ª Secção, o artigo 84.º, n.º 5, da Lei da Con-

corrência, não permitiria, ainda assim, a atribuição de efeito suspensivo nos casos de inexistência de “prejuízo considerável” ou, independentemente desse requisito, se o visado não prestasse caução, mesmo nos casos de manifesta ilegalidade da decisão da Autoridade.

No entanto, o Acórdão de 13 de dezembro de 2016 ainda não é definitivo. Dado que as suas conclusões sobre a constitucionali-dade do artigo 84.º, n.º 4, 5, contradizem as do Acórdão de 8 de junho de 2016, se-ria, em princípio, objeto de recurso obri-gatório, pelo Ministério Público, ao Ple-nário do Tribunal Constitucional (artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei n. ° 28/82), compos-to por todos os 13 juízes. Pelas razões aci-ma expostas, a interpretação subscrita no Acórdão de 13 de dezembro de 2016 deve prevalecer. O facto de o Acórdão de 8 de junho de 2016 ter sido apoiado por todos os 5 juízes, conquanto o Acórdão de 13 de dezembro de 2016 resultou de uma deci-são de maioria de 3 votos a 2, não indica necessariamente um resultado indesejável, dado que 3 dos 5 juízes que apoiaram o Acórdão de 8 de junho de 2016 foram substituídos entretanto, após o termo dos seus mandatos.

A decisão de 13 de dezembro de 2016, ao abrigo da qual a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do sistema previsto no artigo 84.º, n.os 4 e 5 da Lei da Concorrência, é de saudar e marca uma importante inversão da posição adotada no Acórdão de 8 de Junho de 2016

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A MLGTS publicou, em 2016, o livro Lei da Concorrência Anotada, com chancela das Edições Almedina. A obra, editada na Coleção MLGTS, é coordenada por Carlos Botelho Moniz e conta com a participação de Joaquim Vieira Peres, Eduardo Maia Cadete, Gon-çalo Machado Borges, Pedro de Gouveia e Melo, Inês Gouveia e Luís do Nascimento Ferreira.

A Lei da Concorrência Anotada resulta da experiência que os seus autores acumula-ram ao longo dos anos, na sua atividade profissional, no tratamento de inúmeros processos relativos à aplicação das normas europeias e nacionais de concorrência e da vontade de partilharem as reflexões decor-rentes dessa experiência, procurando dessa forma contribuir, ainda que modestamen-te, para a consolidação de uma área do di-reito que só nas últimas décadas começou a ter a atenção devida em Portugal.

Não tendo a pretensão de ser uma obra doutrinária completa sobre o regime ju-rídico da concorrência, aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, a Lei da Concorrência Anotada dedica uma atenção especial à prática decisória das autorida-des portuguesas, tanto da Autoridade da Concorrência como dos tribunais, cujas decisões se têm revestido de importância determinante na densificação do conteú-do normativo das disposições legais e no preenchimento de conceitos de conteúdo relativamente indeterminado, que só a prática decorrente da respetiva aplicação permite burilar e delimitar com progres-sivo rigor.

MLGTS publica Lei da Concorrência Anotada

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Autoridades concorrenciais brasileiras emitem novas regras sobre Contratos Associativos

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) definiu recentemente novas regras para definição dos chamados “contratos associativos” entre empresas, que devem ser submetidos à aprovação do órgão brasileiro de defesa da concorrência, se a operação produzir efeitos (ainda que potenciais) no Brasil e se os grupos envol-vidos atingirem os critérios de faturamen-to previstos na legislação concorrencial brasileira.

A Resolução n.º 17/2016, em vigor desde 24 de novembro de 2016, traz mais clare-za ao conceito de “contratos associativos”, estabelecendo os seguintes critérios para sua caracterização: (i ) duração igual ou su-perior a dois anos; (ii ) estabelecimento de empreendimento comum para exploração de atividade econômica (i.e., aquisição ou oferta de bens ou serviços com propósi-to de lucro); (iii ) compartilhamento dos riscos e resultados da atividade econô-mica que será objeto do contrato, e (iv) desde que as partes contratantes ou seus

respectivos grupos econômicos sejam con-correntes no mercado relevante objeto do contrato.

Acordos com duração inferior a dois anos somente estarão sujeitos à aprovação pré-via do CADE se esse prazo for atingido ou ultrapassado, por meio da renovação ou prorrogação do contrato original. Nessa hipótese, os contratos deverão ser notifi-cados antes da renovação ou prorrogação e a continuidade de sua vigência dependerá da aprovação do CADE.

As novas regras representam avanço em relação ao cenário anterior, ao deixar de lado os critérios antigos, que se baseavam em participação de mercado e geravam incertezas, em especial nos casos em que não havia precedentes estabelecendo uma definição precisa de mercado relevante ou disponibilidade de dados para o cálculo dessa participação de mercado.

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Acima de tudo, as novas regras são mais seletivas do que as regras anteriores, elimi-nando a necessidade de notificar contratos comerciais recorrentes, que resultem pura-mente em uma relação vertical de forneci-mento ou distribuição entre as partes. Tais contratos verticais, a rigor, não significam qualquer tipo de associação ou parceria e, muitas vezes, não possuem qualquer rele-vância do ponto de vista concorrencial.

Até o momento o CADE analisou a Re-solução n.º 17/2016 em apenas uma oca-sião, no contexto de uma consulta apre-sentada pela Hamburg Südamerikanische Dampfschifffahrts-Gesellschaft KG, que teve por objeto o exame de eventual obri-gatoriedade de notificação ao CADE de um contrato destinado ao aluguel de es-paços em navio para colocação de contêi-neres (slots) para transporte internacional porto-a-porto (Slot Charter Agreement).

Nesse caso, o CADE chegou a afirmar que a exigência de empreendimento comum contida na Resolução n.º 17/2016 apro-ximou a figura dos contratos associativos às joint-ventures contratuais. Contudo, naquela situação concreta, o Slot Charter Agreement não estabelecia um empreendi-mento comum e nem o compartilhamen-to dos riscos e resultados, razão pela qual não foi considerado um contrato associati-vo. Os fatores que foram levados em con-sideração pelo CADE em sua análise fo-ram: o fato de que as partes (e seus grupos econômicos) continuariam a exercer seus serviços de transporte marítimo de cargas e contêineres de forma independente, fi-cando cada parte responsável pelo carrega-mento e pelas taxas de manuseios de seus respectivos contêineres e que não haveria acesso ou troca de informação sensível en-tre as partes.

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As novas regras são mais seletivas do que as regras anteriores, eliminando a ne-cessidade de notificar contratos comerciais recorrentes, que resultem puramente em uma relação vertical de fornecimento ou distribuição entre as partes

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