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INCLUSÃO: O QUE PROPÕEM CRIANÇAS DO PRIMEIRO ANO DE UMA ESCOLA DO MUNICÍPIO DE MARIALVA-PARANÁ PARA QUE ELA ACONTEÇA? Marcos Antonio dos Santos 1 Rosana Lopes Romero 2 Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula 3 Verônica Regina Müller 4 Resumo: O objetivo geral deste trabalho consistiu em verificar maneiras propostas por crianças que já tiveram vivências com uma aluna inclusa, para viabilizar a real inclusão na escola. Este trabalho teve origem a partir de discussões sobre a importância de escutar as vozes das crianças e estudar as suas formas de pensar a educação para a formação de professores. A metodologia utilizada foi a Educação Popular proposta por Freire (1967) com rodas de conversas com as crianças sobre inclusão e o que pensam a respeito das deficiências. Em relação à escuta das vozes e análises do protagonismo infantil, os referenciais teóricos adotados foram da Sociologia da Infância de Oliveira e Gomes (2013). Para a execução deste trabalho foram utilizadas brincadeiras de simulações de deficiências físicas com algumas crianças do primeiro ano de uma escola de Marialva. As brincadeiras foram: imobilização de um braço, das duas pernas, dos dois braços e privação momentânea da visão por meio da cobertura dos olhos com um pano. Com essas atividades, a turma toda precisou pensar junto em como incluir os amigos deficientes nas brincadeiras. Posteriormente, as crianças expressaram suas ideias por meio de desenhos. Como resultados verificou-se os desenhos e relatos evidenciaram propostas criativas para uma inclusão, no sentido amplo da palavra, enquanto aquela que está nos pequenos detalhes, como chamar um amigo para brincar ou cuidar dele para que ele não se machuque. As crianças mostraram que compreendem o real sentido da inclusão e fizeram várias propostas interativas. Palavras-chave: Inclusão. Crianças e Adolescentes. Sociologia da Infância. INTRODUÇÃO 1 Acadêmico de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá e membro do Projeto de Extensão Arte Brincadeiras e Literatura: Educação Social em Saúde. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail; [email protected] 3 Professora Doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá e coordenadora e membra do Projeto de Extensão Arte Brincadeiras e Literatura: Educação Social em Saúde. E-mail: [email protected] 4 Professora Doutora do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]

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INCLUSÃO: O QUE PROPÕEM CRIANÇAS DO PRIMEIRO ANO DE UMA

ESCOLA DO MUNICÍPIO DE MARIALVA-PARANÁ PARA QUE ELA

ACONTEÇA?

Marcos Antonio dos Santos1

Rosana Lopes Romero2 Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula3

Verônica Regina Müller4

Resumo: O objetivo geral deste trabalho consistiu em verificar maneiras propostas por crianças que já tiveram vivências com uma aluna inclusa, para viabilizar a real inclusão na escola. Este trabalho teve origem a partir de discussões sobre a importância de escutar as vozes das crianças e estudar as suas formas de pensar a educação para a formação de professores. A metodologia utilizada foi a Educação Popular proposta por Freire (1967) com rodas de conversas com as crianças sobre inclusão e o que pensam a respeito das deficiências. Em relação à escuta das vozes e análises do protagonismo infantil, os referenciais teóricos adotados foram da Sociologia da Infância de Oliveira e Gomes (2013). Para a execução deste trabalho foram utilizadas brincadeiras de simulações de deficiências físicas com algumas crianças do primeiro ano de uma escola de Marialva. As brincadeiras foram: imobilização de um braço, das duas pernas, dos dois braços e privação momentânea da visão por meio da cobertura dos olhos com um pano. Com essas atividades, a turma toda precisou pensar junto em como incluir os amigos deficientes nas brincadeiras. Posteriormente, as crianças expressaram suas ideias por meio de desenhos. Como resultados verificou-se os desenhos e relatos evidenciaram propostas criativas para uma inclusão, no sentido amplo da palavra, enquanto aquela que está nos pequenos detalhes, como chamar um amigo para brincar ou cuidar dele para que ele não se machuque. As crianças mostraram que compreendem o real sentido da inclusão e fizeram várias propostas interativas.

Palavras-chave: Inclusão. Crianças e Adolescentes. Sociologia da Infância.

INTRODUÇÃO 1 Acadêmico de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá e membro do Projeto de Extensão Arte Brincadeiras e Literatura: Educação Social em Saúde. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail; [email protected] 3 Professora Doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá e coordenadora e membra do Projeto de Extensão Arte Brincadeiras e Literatura: Educação Social em Saúde. E-mail: [email protected] 4 Professora Doutora do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]

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Pensar a inclusão na sociedade atual ainda é um desafio. Embora muitas pessoas

discutam o tema, as mídias, as escolas e a sociedade, alguns professores ainda têm

dificuldades de realizar a inclusão de alunos deficientes nas escolas, pois se consideram

despreparados para exercer esse papel. Também existe ainda a dificuldade em aceitar as

diferenças e que as pessoas e os alunos apresentam diferentes ritmos de aprendizagem, estilos

de vida e de formação diferenciados. No entanto, poucos discutem a inclusão dos alunos em

conjunto com os seus alunos.

Em nossas vivências enquanto pós-graduandos do Programa de Pós – Graduação em

Educação – PPE da Universidade Estadual de Maringá, tivemos a oportunidade de cursar a

disciplina intitulada “Infância e Educação Social” ministrada pelas Professoras Doutoras

Verônica Regina Müller e Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula do referido programa de

pós. Como instrumento avaliativo da disciplina, nos foi proposto que realizássemos uma

prática educativa com o público infanto-juvenil que tivesse como tema central trabalharmos

com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Tendo em vista que ambos os pós-

graduandos possuíam vivências e inquietações relacionadas com a inclusão dentro e fora do

âmbito escolar, optamos por trabalhar com a referida temática. Escolhemos para prática

proposta uma das turmas de primeiro ano das séries iniciais do Ensino Fundamental da escola

Municipal Nilo Peçanha, considerada a mais numerosa do município de Marialva-PR e seus

distritos, com 729 alunos matriculados no ano de 2016. O Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB) equivale a 6,9 (o maior do município e distritos). Esta escola

compreende especificamente, cinco turmas de primeiro ano (duas matutinas e três

vespertinas) com aproximadamente 25 alunos cada. Além disso, possui sala de recursos

multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE).

O local proposto nos fez pensar em como a inclusão é vista por uma turma que já teve

uma aluna inclusa, desde o último ano da Educação Infantil até o início do primeiro ano,

momento em que ela mudou de escola. A aluna possui uma síndrome denominada Síndrome

de Down ou ainda, Síndrome do cromossomo XXI. Sua causa é atribuída à trissomia do

cromossomo 21, de maneira que os portadores da síndrome possuem 47 cromossomos ao

invés de 46 (no caso das pessoas que não possuem a síndrome). Esta modificação genética

ocorre no momento da concepção do feto e geralmente, atribui complicações no

desenvolvimento global do sujeito que possui a síndrome, tais como “alterações cardíacas,

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hipotonia5, complicações respiratórias e alterações sensoriais, principalmente relacionadas à

visão e audição”. Em termos de aprendizagem, há um atraso cognitivo que afeta a linguagem,

o raciocínio e a memória (BISSOTO, 2005, p.81). Por conta deste atraso cognitivo, a

síndrome também acarreta deficiência intelectual e tem direito de frequentar o ensino regular.

De acordo com Estatuto da Pessoa com Deficiência: Lei Brasileira de Inclusão, Nº

13.146, de seis de julho de 2015 (BRASIL, 2015, p. 32) no Capítulo IV, do Direito a

Educação, está descrito:

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

É notório neste artigo que existe a defesa da obrigatoriedade do direito a educação

para todos/as. Destacamos também que a inclusão, ainda que esteja presente na legislação, nas

pesquisas e nas principais discussões educacionais (o que é essencial e sumariamente

importante), implica mais profundamente, na mudança de olhares para com as deficiências

enquanto condição que envolve ao mesmo tempo igualdades e diferenças. Igualdades no

sentido de ser cidadão/ã e ter os mesmos direitos que os demais, sobretudo o de ser

respeitado/a plenamente no que tange diferenças, que correspondem às necessidades

específicas/ peculiares de quem possui determinada deficiência.

O sentido da palavra ‘diferença’ precisa ser constantemente problematizado, visto que

pode conotar a existência de um abjeto, excluído por possuir características distintas dos

padrões hegemônicos (WOODWARD, 2000). Ao pensar nesta lógica questionamos: o que é

ser diferente? Todos são iguais? Ser diferente incomoda? Por quê? Nosso pressuposto para

este trabalho é que a diferença abrange a todos e precisa ser discutida nas escolas.

O primeiro passo para compreendermos esta concepção de ‘diferença’, consiste em

desconstruir a ideia de que ela diz respeito a algo negativo. Bauman (2007, p.92) nominou

este sentimento de mixofobia, por referir-se ao medo, intolerância e enervância diante do

novo, diferente e inusitado. O sentimento oposto foi denominado pelo autor (2007) de

mixofilia que denota, por sua vez, o prazer em conhecer e conviver com o diferente. Sendo

assim, nossa proposta pauta-se na busca de um olhar mais mixofílico, por meio do qual, nosso

5 Significa “diminuição ou perda de tonicidade muscular”, de acordo com o dicionário Michaelis on line, Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/busca?id=b99LX>. Acesso em dez. 2016.

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principal intuito foi justamente buscar ideias/caminhos para efetivação da diversidade e da

igualdade na realidade.

Diante destas observações, este artigo teve como questão norteadora: como os alunos

que já conviveram com uma aluna inclusa percebiam a inclusão e como propunham sua

efetivação? O objetivo geral foi verificar as possíveis maneiras propostas pelas crianças do

primeiro ano de uma escola municipal na cidade de Marialva-PR (que já vivenciaram uma

situação de inclusão), para viabilizar a real inclusão na escola.

MÉTODOS

O percurso metodológico utilizado neste trabalho consistiu primeiramente em definir

quais práticas permitiriam tanto a discussão sobre a inclusão, quanto a devolutiva das crianças

com suas propostas para viabilizá-la. Inicialmente desenvolvemos uma roda de conversa

informal com todas as crianças (Teoria Freireana). Em um segundo momento, utilizamos

brincadeiras de simulações de deficiências físicas em algumas crianças (imobilização de um

braço, das duas pernas, dos dois braços e privação momentânea da visão por meio da

cobertura dos olhos com um pano) que deveriam fazer parte de diversas brincadeiras com as

demais crianças. A partir desta prática, todos precisaram pensar junto em como transformar a

brincadeira para que ela pudesse abarcar todos/as. Por fim, utilizamos o desenho como

instrumento de expressão política que permitiu que as crianças expressassem suas propostas

sobre a inclusão.

A metodologia desenvolvida foi embasada na Educação Popular proposta por Freire

(1967), com rodas de conversas e muita interatividade e sociabilidade. Também foram

utilizados os princípios da Sociologia da Infância que, de acordo com Oliveira e Gomes

(2013) tem o papel de romper com o modo limitado como a infância foi historicamente

pensada, e, acima de tudo, dar visibilidade a criança como ator social. Para tanto, nosso

pressuposto foi ouvir atentamente cada um dos alunos e discutir com eles tanto o conceito de

inclusão quanto as propostas para viabilizá-la de maneira próxima às suas vivências.

Para trabalharmos com ênfase nas práticas inclusivas, escolhemos o inciso I do Art.

206 da Constituição Federal promulgada em 1988(BRASIL, 1988) que prevê que o ensino

seja ministrado com base no princípio de “igualdade de acesso e permanência na escola”, bem

como o Artigo 16, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) que

postula o direito da criança/adolescente a “participar da vida familiar e comunitária, sem

discriminação”. Também trabalhamos de maneira concomitante o direito de brincar

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assegurado a todas as crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do adolescente,

artigo 16, inciso IV.

Optamos em pedir propostas em forma de desenhos elaborados pelas crianças porque

consideramos, assim como Camargo (2005, p.68) que “ao desenhar, a criança se expressa,

transferindo para o papel suas experiências e seus sentimentos”. Neste sentido demos

liberdade quanto à escolha do material (lápis colorido, canetinha, giz de cera). Também

tomamos o cuidado de perguntar e anotar o que cada criança quis expressar por meio de cada

desenho, que ao final, compôs um livro.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na prática educativa desenvolvida no dia 10 de dezembro de 2016 tendo como

mediadores os dois pesquisadores deste estudo, um com formação inicial em Educação Física

(Licenciatura e Bacharelado) e outra em Pedagogia (Licenciatura Plena), realizamos,

juntamente com as crianças, uma roda de conversa em cima de uma colcha de retalhos

bordada. Esta colcha foi produzida com retalhos trazidos pelas crianças e decorada por elas

mesmas em atividade anterior realizada em conjunto com as professoras e coordenadoras da

Educação Infantil do ano de 2015.

De acordo com Bego (2015) existem inúmeros aspectos que embasam a síntese das

práticas pedagógicas como: a acolhida, círculo de cadeiras, dinâmica de apresentação, roda de

conversa, exposição oral de determinados objetivos de trabalho em relação a um determinado

grupo, materiais como crachá (identificação com o nome), atividade escrita intitulada pela

autora como “Quero conhecer você”, e por fim a avaliação oral do encontro. Diante destes

aspectos é perceptível que a autora evidencia uma sensibilidade na aplicabilidade de qualquer

prática pedagógica, principalmente quando lidamos diretamente com crianças e adolescentes,

momento em que se faz necessário desconstruir nossa linguagem, de modo à ‘despir-se’

momentaneamente da formalidade acadêmica, para que possamos nos fazer compreender.

Iniciamos esta vivência com a preparação do ambiente, estendendo a colcha de

retalhos toda colorida no chão, com a inscrição “Roda de conversa” ao centro. Em princípio,

havíamos pensado em não usá-la, porém uma de nossas colegas da referida disciplina (e

também educadora), informalmente escutou-nos quanto à elaboração de nossa prática

educativa e rapidamente nos deu um “start” de como a colcha contribuiria com a modificação

do ambiente e ofereceria qualidade à nossas vivências, conforme também defende Bego

(2015). A partir deste olhar, de quem estava de fora, imediatamente optamos por incluir na

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aplicabilidade da prática proposta a colcha da roda de conversa a fim de deixar o ambiente

mais harmonioso, diferenciado e informal, sobretudo com crianças onde o lúdico, o artístico

compõem diferenciais bem expressivos.

As crianças ao entrarem na sala de aula, ficaram curiosas em querer saber qual o

motivo da modificação da estrutura tradicional a qual estão comumente acostumados dentro

da sala de aula (carteiras enfileiradas), professor passando conteúdo no quadro etc. E partir da

explicação inicial feita pelos professores de como seria abordagem a serem desenvolvidos

durante esta prática educativa, os alunos foram se soltando e ficando mais a vontade em

participar, bem como expor as suas opiniões. Como primeira atividade, e devido aos alunos

não conhecerem o professor de Educação Física, utilizamos a metodologia proposta por Freire

(1967) com a Roda de Conversa, porém de uma forma diferenciada, pois foi proposto pelos

professores que os alunos deveriam em vez apresentar a si mesmo e falar do que gostam,

deveriam apresentar o amigo do lado direito, dizendo o nome, o que ele mais gostava e

porque você (aluno) gostava dele.

As respostas foram as mais incríveis e foi perceptível que existia uma sociabilização e

um afeto entre eles a partir das próprias explanações sobre o coleguinha. A grande maioria

disse que gosta do amiguinho “porque ele é legal”, “porque faz bem estar perto dele” e

“porque é o momento em que eles têm para brincar juntos” e até mesmo “porque ele/a me

levanta quanto eu caio”. Mas como toda criança, elas sempre nos surpreendem tanto na

capacidade de imaginação, assim como na forma de pensar e que muitas vezes é somente

perceptível em atividades propostas com finalidades diferenciadas, como essa da Roda de

Conversa. Nestas interações, apareceram os valores, a questão do “Cuidado”, da “Ajuda”, da

“Amorosidade”, do “Afeto”, do “Respeito”, até mesmo do “Diálogo”, a principal essência

defendida por Freire (1967) nos processos de socialização. Foi tão gratificante saber e

presenciar que as crianças possuem estas caraterísticas que nos deu vontade de escutá-las por

horas e horas, pois suas falas nos motivam e nos revitalizam a continuar nessa profissão da

arte de ensinar que é tão difícil.

Em segundo momento começamos a adentrar o assunto central de nossa intervenção, a

inclusão. Como didática inicial escrevemos no quadro com formato grande e em letra ‘caixa

alta’ a palavra I-N-C-L-U-S-Ã-O. A partir disso começamos a conversar com eles sobre qual

o seu significado e o que eles pensam sobre esse tema.

Foi engraçado e ao mesmo tempo diferente que a grande maioria dos alunos entendeu

a palavra como ‘exclusão’. A partir deste antônimo começamos então a explicar melhor sobre

do que de fato, a palavra se tratava. A relação que a maioria dos alunos fez sobre a referida

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palavra foi sobre “Fazer novos amigos”, “Conhecer pessoas novas” e “Entender o outro”. Foi

incrível como eles tiveram uma percepção rápida das coisas e nos desmontaram de tal

maneira, pois na essência eles referiram-se sobre a inclusão em sua essência particular de

generosidade afetuosidade. Um dos momentos mais emocionantes ocorreu no momento em

que perguntamos se eles se lembravam da aluna inclusa que estudou com eles no ano anterior.

Eles começaram a descrever o comportamento dela e a compreensão que tinham com este

comportamento: “Ela pegava a bolsa da gente e mexia, mas era só pra olhar as coisas, depois

ela colocava de volta, e tinha gente que não entendia que ela só queria ver”. Começaram a

expressar a saudade que sentem dela e a relembrar as brincadeiras que faziam juntos. Um dos

meninos disse também que não brincava com ela porque tinha vergonha. Entretanto, a maioria

mostrou saudade, carinho e compreensão pela amiga.

Procuramos utilizar também variações durante a roda de conversa. Ficamos sentados

durante um tempo, depois deitamos de barriga para baixo, ficamos em pé de mãos dadas e por

fim, deitamos de barriga para cima com os olhos fechados. Esta variação evitou que a posição

na roda de conversa ficasse cansativa e as crianças se envolveram cada vez mais, de modo a

falarem por mais de uma hora e meia.

A partir dessa introdução inicial e de forma adaptada para linguagem deles

conversamos sobre o I do Art. 206 da Constituição Federal promulgada em 1988 (BRASIL,

1988) que prevê que o ensino seja ministrado com base no princípio de “igualdade de acesso e

permanência na escola”, bem como no Artigo 16, inciso V do Estatuto da Criança e do

Adolescente (BRASIL, 1990) que postula o direito da criança/adolescente a “participar da

vida familiar e comunitária, sem discriminação”. Concomitante, exploramos também o direito

de brincar assegurado a todas as crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do

adolescente, artigo 16, inciso IV.

Após as discussões nos organizamos para a brincadeira. Primeiramente retiramos a

colcha do chão, juntamente com as crianças e propomos que elas sentassem no chão. Pegamos

vários pedaços de T.N.T. colorido e uma cadeira de rodas, posicionando- os à frente das

crianças. Explicamos que a dinâmica consistia em simular deficiências físicas. Eles

mostraram-se muito animados/as e se ofereceram para fazer parte da simulação. Selecionamos

cinco por vez, de modo que todos pudessem experimentar como é não poder contar com um

braço, com as pernas, com os dois braços, ou com a visão. Brincamos principalmente de

ciranda e de repórter (faz de conta em que um deles era o repórter e outra cinegrafista, ambos

entrevistaram os demais sobre a aula daquele dia e o tema estudado). Utilizamo-nos do lúdico,

por considerar assim como Aranega, Nassim e Chiappetta (2006, 141) que “a atividade de

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brincar é o aspecto mais importante da infância, sendo um ato natural e espontâneo, que pode

ser observado desde os primeiros meses de vida”. As autoras também afirmam que “a criança

precisa sentir um vínculo afetivo e confiável e é o adulto que a ampara e confere

oportunidades para as configurações psíquicas se formarem” (p.141). No intuito de seguir

estes pressupostos, participamos das brincadeiras com as crianças.

Havia algo de tão divertido, leve e instigante, que até mesmo nós adultos, entramos na

brincadeira, de maneira que as horas passaram rapidamente, de forma prazerosa. Sobre isto,

podemos considerar os estudos de Huizinga (1972) acerca do jogo enquanto elemento cultural

(considerado não– sério), pelo qual a sociedade surgiu e desenvolveu-se com motivações que

transcendem o biológico e o fisiológico das pessoas. Segundo o autor o jogo possui:

[...] uma função significante, um determinado sentido. No jogo existe alguma coisas “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido a ação. Todo jogo significa alguma coisa (1972, p. 4).

É justamente essa função significante e social do jogo que Huizinga pretendeu estudar.

Para tanto o autor delineia as características do jogo. A primeira característica mencionada é a

voluntariedade, ou seja, a liberdade. Neste sentido, oferecemos às crianças liberdade para não

participarem. Quem não quisesse participar, simplesmente sentava e ficava observando. A

maioria das crianças que sentou, ficou poucos minutos fora da brincadeira e logo voltou a

fazer parte dela novamente.

A segunda característica concerne a separação existente entre jogo e realidade.

Huizinga menciona que “toda criança sabe perfeitamente quando está “só fazendo de conta”

ou quando está “só brincando”” (1972, p. 11). Nesse sentido, o jogo é visto como “um

intervalo em nossa vida quotidiana” (p.12), que possui início, meio e fim. Este aspecto

evidenciou-se na disponibilidade e na compreensão das crianças de que amarrar os braços, as

pernas, sentar em uma cadeira de rodas e encobrir os olhos era apenas um simulacro, uma

brincadeira. A terceira característica relaciona-se com a duração do jogo. Ele possui uma

limitação de tempo, ou seja, um final. A outra característica diz respeito a sua fixação.

Segundo Huizinga (1972, p. 13):

Mesmo depois de o jogo ter chegado ao fim, ele permanece como uma criação nova do espírito, um tesouro a ser conservado pela memória. É transmitido, torna-se tradição. Pode ser repetido a qualquer momento, quer seja “jogo infantil” ou jogo de xadrez.

Isto se evidenciou no desenho de várias crianças que explicitaram a brincadeira

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realizada conosco naquele dia. Esta foi à última etapa de nossa intervenção. Pedimos às

crianças que desenhassem jeitos diferentes de fazer com algum tipo de deficiência

participassem tanto do momento das brincadeiras, quanto da vida escolar como um todo.

Oferecemos à elas uma caixa grande de giz de cera, folhas brancas para somar aos materiais

que já possuíam em suas bolsas. Um de nós cuidou da distribuição dos materiais enquanto o

outro perguntou às crianças o que haviam desenhado e escreveu no verso da folha o que elas

falavam.

Algumas delas desenharam as nossas vivências da intervenção, outras, desenharam as

crianças brincando juntas em várias situações (com e sem deficiência), outro desenhou um

menino colocando um braço mecânico para poder pegar o lápis, outra desenhou um cadeirante

que voltou a andar graças a um milagre, conforme as figuras a seguir:

FIGURA 1- DESENHO DA INTERVENÇÃO

Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016).

FIGURA 2- O MILAGRE FIGURA 3- BRAÇO MECÂNICO

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Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016). Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016)

FIGURA 4- PEGA-PEGA FIGURA 5 - CUIDADO COM OS AMIGOS

Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016) Fonte: Registro produzido pelas crianças(2016)

Algo que nos chamou a atenção, tanto na roda de conversa quanto em um dos

desenhos, foi o desejo de que os deficientes fiquem bem e sejam cuidados. Isto se evidenciou

na preocupação das crianças em proteger as pessoas com deficiência para que elas não se

machuquem na brincadeira. Também demonstraram a necessidade de adaptar a brincadeira no

intuito de fazer com que todos/as possam participar, como por exemplo, correr “mais

devagar” durante o pega-pega, para que o cadeirante possa participar. Os desenhos e relatos

produzidos pelas crianças foram registrados e constituíram um livro que servirá aparato para

intervenções posteriores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos, a partir dos estudos e intervenção realizados, que as crianças, quando

entendidas como atores sociais que precisam fazer parte de discussões e até mesmo decisões

políticas, surpreendem, por tamanha criatividade, originalidade e humanidade com que tratam

as questões consideradas ‘difíceis’ e/ou ‘coisas de adultos’.

Os desenhos e relatos evidenciaram propostas criativas para uma inclusão, no sentido

amplo da palavra, enquanto aquela que está nos pequenos detalhes, como chamar um amigo

para brincar ou cuidar dele para que ele não se machuque.

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Também evidenciaram a abertura das crianças para discutir o tema, pela importância

que deram a cada uma das atividades. A roda de conversa se constituiu como um instrumento

importante para que esta abertura ocorresse, visto que demonstrou e delimitou o espaço para

que as crianças pudessem falar, porque, de fato, tinham pessoas também abertas a isto. Sobre

isto Karlsson (2008, p. 149) menciona que “[...] devemos também ouvir as crianças com

regularidade e levá-las a sério. Precisamos não avançar e nos concentrar; realmente escutar o

que as crianças estão nos contando e o que elas querem nos dizer”. Neste sentido, entendemos

que o ensino, tal como este organizado, não está propício a esta escuta e consequentemente,

ao desenvolvimento da criticidade das crianças.

REFERÊNCIAS

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Page 12: New INCLUSÃO: O QUE PROPÕEM CRIANÇAS DO PRIMEIRO ANO DE … · 2017. 12. 5. · inclusão e fizeram várias propostas interativas. Palavras-chave: Inclusão. Crianças e Adolescentes

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