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Clara Pelaez Alvarez 1 Neurometria: uma metodologia para análise de redes sociais “Arrancarei teus olhos e os colocarei no lugar dos meus; E arrancarei meus olhos para coloca-los no lugar dos teus; Então, eu te verei com teus olhos E tu me verás com os meus...” (Jacob Levi Moreno) Segundo Moreno a espontaneidade e a criatividade são as forças propulsoras do progresso humano. O amor e o compartilhar mútuo são a base da vida em grupo. Na primeira metade do século XX enquanto Auguste Comte pregava o positivismo e Karl Marx o socialismo, Moreno dizia que a sociedade deveria ser entendida sob um ponto de vista relacional. A evolução social estaria atrelada à capacidade de cada indivíduo de “trocar de olhos” com o outro. Além de métodos para trabalhar as relações sociais (o psicodrama e o sociodrama), Moreno desenvolveu também uma metodologia, a Sociometria (1933), que estuda a evolução e organização dos grupos humanos e a posição de cada indivíduo no grupo, sem considerar as características individuais. Antes da Sociometria ninguém sabia com precisão qual era a estrutura inter-relacional de um grupo. A Sociometria de Moreno evoluiu para o que hoje conhecemos como “análise de redes sociais” ou “social network analisys (SCA)”. Desde a década de 1940, os pesquisadores de redes sociais têm utilizado proposições matemáticas como a teoria dos gráficos, estatística e probabilidade e modelos algébricos buscando um entendimento mais amplo das estruturas grupais. A idéia central é analisar as relações entre os atores sociais (pessoas, instituições, etc) uma vez que nenhum ator social atua de forma independente. O estudo das redes sociais foi bastante intenso na segunda metade do século passado. Psicólogos (Leavitt 1949-1951, Bavelas 1948-1950, Smith 1950) descobriram propriedades estruturais úteis para estudar processos de grupo. Antropólogos como Barnes 1954, Bott 1957, Mitchell, 1969, Boissevan, 1968, Kapferer 1969, Thurman 1980 criaram novos conceitos para entender as interações sociais observadas. Burt 1976, Faust, 1988, Borgatti e Everett 1992 White e Reitz 1989, Winship e Mandel 1983 desenvolveram formulações matemáticas para expressar conceitos sociais. Atualmente, a análise de redes sociais está sendo utilizada em diversos contextos: economia, marketing, gestão, engenharia industrial, etc. Recentemente soube que as forças armadas dos EUA estavam utilizando metodologias de SCA para analisar o comportamento dos soldados em campo de batalha. Nos EUA e Europa já se utiliza com bastante freqüência a SCA como

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Clara Pelaez Alvarez 1

Neurometria: uma metodologia para análise de redes sociais

“Arrancarei teus olhos e os colocarei no lugar dos meus; E arrancarei meus olhos para coloca-los no lugar dos teus;

Então, eu te verei com teus olhos E tu me verás com os meus...” (Jacob Levi Moreno)

Segundo Moreno a espontaneidade e a criatividade são as forças propulsoras do progresso humano. O amor e o compartilhar mútuo são a base da vida em grupo. Na primeira metade do século XX enquanto Auguste Comte pregava o positivismo e Karl Marx o socialismo, Moreno dizia que a sociedade deveria ser entendida sob um ponto de vista relacional. A evolução social estaria atrelada à capacidade de cada indivíduo de “trocar de olhos” com o outro. Além de métodos para trabalhar as relações sociais (o psicodrama e o sociodrama), Moreno desenvolveu também uma metodologia, a Sociometria (1933), que estuda a evolução e organização dos grupos humanos e a posição de cada indivíduo no grupo, sem considerar as características individuais. Antes da Sociometria ninguém sabia com precisão qual era a estrutura inter-relacional de um grupo. A Sociometria de Moreno evoluiu para o que hoje conhecemos como “análise de redes sociais” ou “social network analisys (SCA)”. Desde a década de 1940, os pesquisadores de redes sociais têm utilizado proposições matemáticas como a teoria dos gráficos, estatística e probabilidade e modelos algébricos buscando um entendimento mais amplo das estruturas grupais. A idéia central é analisar as relações entre os atores sociais (pessoas, instituições, etc) uma vez que nenhum ator social atua de forma independente. O estudo das redes sociais foi bastante intenso na segunda metade do século passado. Psicólogos (Leavitt 1949-1951, Bavelas 1948-1950, Smith 1950) descobriram propriedades estruturais úteis para estudar processos de grupo. Antropólogos como Barnes 1954, Bott 1957, Mitchell, 1969, Boissevan, 1968, Kapferer 1969, Thurman 1980 criaram novos conceitos para entender as interações sociais observadas. Burt 1976, Faust, 1988, Borgatti e Everett 1992 White e Reitz 1989, Winship e Mandel 1983 desenvolveram formulações matemáticas para expressar conceitos sociais. Atualmente, a análise de redes sociais está sendo utilizada em diversos contextos: economia, marketing, gestão, engenharia industrial, etc. Recentemente soube que as forças armadas dos EUA estavam utilizando metodologias de SCA para analisar o comportamento dos soldados em campo de batalha. Nos EUA e Europa já se utiliza com bastante freqüência a SCA como

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instrumento de diagnóstico organizacional. No Brasil, a Sociometria de Moreno é bastante utilizada em instituições de ensino, porém as metodologias mais recentes de análises sociais são quase desconhecidas. É também importante notar que no Brasil praticamente não existe literatura a respeito. Embora seja possível encontrar algumas teses nas universidades, os livros têm que ser comprados lá fora. Fundamentalmente, redes sociais são redes de troca de informação/conhecimento. Isso se aplica a qualquer rede, não importa se estamos nos referindo a uma família, a um grupo de amigos, a uma empresa, ao sistema econômico mundial ou à sociedade como um todo. Na dinâmica das redes de conhecimento cada entidade ou ponto da rede (pessoas, instituições, etc) recebe e processa informações e as transmite para os outros pontos. Redes sociais ou de conhecimento estão em movimento e adaptação constantes. O foco passa a ser o estudo da relação entre as entidades e não as características individuais de cada entidade. Esta alteração de percepção causa uma revolução profunda na nossa compreensão das dinâmicas sociais. De maneira geral rotulamos as pessoas sem levar em consideração nosso próprio envolvimento na relação. Aquele cara é chato, o outro é antipático, já aquele ali é legal, e a menina lá no canto é sem graça. A pergunta que fica no ar é: as pessoas são “assim” ou é nossa forma de observa-las e conseqüentemente nossa relação com elas que privilegia a emergência destas ou daquelas características? Entendo que cada ser humano tem em si todas as potencialidades e é no exercício das relações com os outros que elas se manifestam. Ao rotular o outro nos eximimos da nossa própria responsabilidade na relação e na construção da realidade. A análise das redes sociais busca a compreensão da estrutura e funcionamento das redes de conhecimento. Formulações matemáticas permitem o entendimento de uma rede sob vários aspectos: coesão, prestígio, transitividade, posição social, influência, grupos e subgrupos, facções, balanço, reciprocidade, dominância, isolamento, popularidade, contatos, ponto de ruptura, etc. A aplicabilidade da Neurometria (análise de redes sociais) A análise de redes sociais é, acima de tudo, extremamente flexível, podendo ser utilizada numa enorme diversidade de situações. Na lista abaixo você poderá observar algumas aplicabilidades:

Saber como funciona a comunicação entre as diferentes áreas da empresa ou entre grupos;

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Saber como funcionam as ligações entre a empresa e seus clientes, fornecedores e parceiros.

Saber como funciona a comunicação entre os diferentes níveis hierárquicos, horizontal e/ou verticalmente;

Antes de uma gestão de mudanças saber que pessoas serão chave no processo de inovação e quais as que terão mais dificuldades adaptativas;

Saber se há problemas nos processos da empresa; Depois de implantada uma gestão por processos saber se as redes das

pessoas envolvidas nos diferentes processos têm uma estrutura adequada;

Antes de uma gestão de conhecimento saber como funcionam as redes de transição de informações;

Depois de implementadas as ações de gestão de conhecimento para medir a eficiência das mesmas;

Saber se as comunidades de prática atingem os resultados esperados; Antes de um treinamento, saber qual a estrutura relacional do grupo a ser

treinado e após o treinamento para medir a eficácia do mesmo; Saber como estão estruturadas as relações entre empresas num

determinado segmento de mercado; Etc...

Os resultados de uma análise de redes sociais auxiliam os estrategistas de uma organização a tornar claras as dinâmicas relacionais da empresa. Com este conhecimento é muito mais fácil ter clareza das ações que devem ser tomadas para a evolução da organização. Além disso, uma Neurometria (análise de redes sociais) pode e deve ser utilizada como métrica para saber se as soluções adotadas para o desenvolvimento da organização foram ou não eficazes. Uma rede de conhecimento está em constante mutação. Todos os dias surgem novas ligações entre pessoas e outras se desfazem. Essa dinâmica relacional quando estudada ao longo do tempo traz informações preciosas sobre a evolução de uma organização. Seria muito interessante que as empresas adotassem o hábito de analisar suas redes de conhecimento ao menos uma vez ao ano. Exemplos de resultados de uma Neurometria

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No exemplo acima, foi feita uma análise relacional em um grupo de 20 pessoas do nível estratégico (VP, diretores e gerentes) de uma empresa. Com este único gráfico é possível observar várias coisas:

O Fernando faz o papel de ligação entre os grupos; O grupo da área 2 tem baixa coesão. Observem que o César não se

conecta às pessoas da própria área. Além disso, o Paulo é que faz a ponte entre o Junior e o Julio;

Na área 3 o Victor e o Bento são equivalentes em termos de estrutura relacional. Já o Vicente e o Jorge não estão conectados entre si. A área 3 só se relaciona com outras áreas por intermédio do Fernando;

Na área 1 João e Mauro têm apenas uma ligação. O Fernando é a figura central seguido do Benjamim (observem que os dois não se relacionam);

Vejam o que acontece na rede se retirarmos o Fernando:

Vicente

Bento

Jorge

Victor

Fernando Luís Pedro

Gabriel

Mauro

Junior

Paulo

Julio

Alfredo

Felipe

Antonio

Benjamim

Fred

João Ana

Cesar

Área 1

Área 2

Área 3

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A saída do Fernando desconecta completamente as três áreas... Outro exemplo, desta vez com um grupo de 92 pessoas do nível estratégico (diretores, superintendentes e gerentes):

Vicente

Bento

Jorge Victor

Luís Pedro

Gabriel

Mauro Junior

Paulo

Julio

Alfredo

Felipe

Antonio

Benjamim

Fred

João

Ana

Cesar

Área 1

Área 2

Área 3

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Neste gráfico observa-se que existem 11 pessoas isoladas na rede. A coloração das linhas de ligação entre as pessoas se refere à intensidade da troca entre elas: azul nível baixo, verde médio e vermelho alto. Quanto maior a quantidade de ligações verdes e vermelhas maior a coesão do grupo. Este gráfico mostra um grupo com baixa coesão e baixa densidade relacional. Outra visão deste mesmo grupo:

Sincronias 9,93% 3. Alto 1,86% 2. Médio 2,76% 1. Baixo 5,75%

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Pode-se observar que as pessoas de números 25, 10, 58, 92 e 90 são as figuras dominantes da rede. Porém se observarmos as colorações das linhas de ligação fica fácil perceber que o número 25 é quem tem maior coesão. Os resultados de uma Neurometria conformam um conjunto de gráficos que demonstram claramente a estrutura da rede relacional de uma organização. É importante notar que a Neurometria pode ser efetuada em qualquer tipo de organização de qualquer segmento de mercado. Penso que nos próximos anos a análise das redes sociais ou de conhecimento será uma premissa básica na gestão das organizações. E como demonstra muito claramente a dinâmica de inovação no mercado, quem sair na frente vai ter uma enorme vantagem.