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NEOCONSTITUCIONALISMO E SUBCIDADANIA: o projeto “Cartilha Constitucionalcomo estratégia pedagógica para o aperfeiçoamento da Democracia. Claudio Cyrino da Silva Junior Mestre em Direito das Relações Sociais PUC/Sp. Professor de Direito da Faculdade de Belém FABEL. E-mail: [email protected] RESUMO O implemento do Novo Constitucionalismo nesta República pressupõe a superação do status de subcidadania, observado entre a maioria dos brasileiros. Nossa experiência cultural aponta para uma histórica separação entre Estado e Sociedade, o que dificulta o aperfeiçoamento da nossa Democracia, que é falha. A discrepância entre o texto e a realidade constitucional conduz à constatação de que prescrições do constituinte, inclusive acerca de Direitos Fundamentais, são meros arranjos simbólicos, dotados de má-fé institucional e elaborados por agentes do Estado, a fim de conter certos conflitos sociais. No afã de criar condições para a superação das habituais relações de poder no Brasil, é que se propaga uma exitosa experiência pedagógica chamada “Cartilha Constitucional”. Esse projeto implica na interlocução entre especialistas (cientistas da dogmática constitucional e das ciências da realidade) e não especialistas, no sentido de constituir os últimos em cidadãos cientes de seus direitos e deveres fundamentais, bem como de habilitá-los para a crítica e a interpretação das normas constitucionais, conforme suas vivências. É que se pugna pela ideia de que os destinatários da realidade constitucional devem ser seus sujeitos, não seus objetos. Palavras-chave: Novo Constitucionalismo; Subcidadania; Projeto Cartilha Constitucional; Indivíduos sujeitos da realidade constitucional.

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NEOCONSTITUCIONALISMO E SUBCIDADANIA: o projeto “Cartilha

Constitucional” como estratégia pedagógica para o aperfeiçoamento da

Democracia.

Claudio Cyrino da Silva Junior

Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/Sp.

Professor de Direito da Faculdade de Belém – FABEL.

E-mail: [email protected]

RESUMO

O implemento do Novo Constitucionalismo nesta República pressupõe a

superação do status de subcidadania, observado entre a maioria dos brasileiros.

Nossa experiência cultural aponta para uma histórica separação entre Estado e

Sociedade, o que dificulta o aperfeiçoamento da nossa Democracia, que é falha.

A discrepância entre o texto e a realidade constitucional conduz à constatação de

que prescrições do constituinte, inclusive acerca de Direitos Fundamentais, são

meros arranjos simbólicos, dotados de má-fé institucional e elaborados por

agentes do Estado, a fim de conter certos conflitos sociais. No afã de criar

condições para a superação das habituais relações de poder no Brasil, é que se

propaga uma exitosa experiência pedagógica chamada “Cartilha Constitucional”.

Esse projeto implica na interlocução entre especialistas (cientistas da dogmática

constitucional e das ciências da realidade) e não especialistas, no sentido de

constituir os últimos em cidadãos cientes de seus direitos e deveres

fundamentais, bem como de habilitá-los para a crítica e a interpretação das

normas constitucionais, conforme suas vivências. É que se pugna pela ideia de

que os destinatários da realidade constitucional devem ser seus sujeitos, não seus

objetos.

Palavras-chave: Novo Constitucionalismo; Subcidadania; Projeto

Cartilha Constitucional; Indivíduos sujeitos da realidade constitucional.

ABSTRACT

The implement of the New Constitutionalism in our Republic requires

overcoming undercitizenship status observed in most of Brazilians. Our cultural

experience points to a historical separation between State and Society, which

hinders the improvement of our democracy, that is flawed. The discrepancy

between the text and the constitutional reality leads to the conclusion that

prescriptions of our constituent, including those about Fundamental Rights, are

merely symbolic arrangements, endowed with institutional malfeasance and

prepared by State agents in order to contain some social conflicts . In an effort to

create conditions to overcome the usual power relationships in Brazil, it is

disclosed a successful educational experience called "Cartilha Constitutional".

This project involves the dialogue between experts (scientists of constitutional

dogmatic and of human sciences) and non-experts, to constitute these in citizens

aware of their fundamental rights and duties, as well as enable them to criticism

and interpretation of constitutional laws, according to their experiences. It is

strived the idea that the receivers of the constitutional reality should be its

subjects, not its objects.

Keywords: New Constitutionalism; undercitizenship; Project “Cartilha

Constitutional”; Individuals as subjects of constitutional reality.

1. Introdução.

Os quase 200 anos de Estado Constitucional no Brasil, desde o nosso

momento constituinte histórico que culminou na Carta Imperial de 1824,

padecemos para construir uma Democracia plena.

A esse propósito, o departamento de inteligência da revista The Economist

(2016, p. 15), ao divulgar seu boletim anual sobre o indice de Democracia

percebido em diversos Estados, apresentou dados preocupantes sobre o status do

regime brasileiro: houve uma queda significativa da percepção democrática no

Brasil. A publicação usa uma escala de 0 a 10 (do autoritarismo à plenitude

democrática) e nossa nota caiu de 7,38 (nossa melhor média histórica alcançada

em 2014, 2008 e 2006) para 6,96 (o pior desempenho nos últimos anos). (p. 15)

Trata-se de uma publicação internacional que, por mais prestigiada que

seja, oferece uma visão centrípeta das nossas relações institucionais. Assim, é

possivel que essa percepção estrangeira do nosso regime não alcance a

complexidade dele, ao não considerar peculiaridades domésticas melhor

entendidas por nossos cientistas da realidade, da nossa realidade.

Entretanto, cabe ressaltar que nosso Estado Constitucional há muito se

inspira num modelo democrático europeu, portanto, num modelo democrático

ocidental que acabou por se difundir por quase todo o globo. Deste modo,

parece-nos válido considerar como cientistas, constituídos em sociedades

exportadoras do modelo democrático que aqui se pretende, avaliam nosso estado

de Democracia. Por exemplo, entre os cinco critérios invocados para analisar

cada regime, a publicação (p. 06) aponta nosso pior desempenho em quesitos

como funcionamento do governo, participação política e cultura política (6,79,

5,56 e 3,75, respectivamente). Os quesitos processo eleitoral e pluralismo (9,58)

e liberdades civis (9,12) contam com bom desempenho, mesmo porque desde o

impedimento do ex-presidente Collor, em 1992, não há descontinuidade em

nosso processo de condução à Presidência da República e isso é certamente

captado por aqueles que elaboram a publicação. São números que, fora alguns

pormenores, reafirmam a natureza das relações institucionais e das relações entre

(sub)cidadãos e o Estado brasileiro no Estado brasileiro.

Partimos, então, de uma premissa valiosa para a remediação dessa

realidade: a superação de uma atual democracia falha e a construção de uma

futura democracia plena, demandam a transformação do mero indivíduo em

cidadão, através de uma educação científica, que contemple sua formação crítico-

reflexiva; e uma instrução cidadã, apoiada na assimilação de seus direitos e

deveres fundamentais , bem como de suas responsabilidades na edificação de

uma sociedade livre, justa e solidária. É na defesa desse segundo instrumento,

que discorremos boa parte deste trabalho.

Foi feita uma pesquisa exploratória, a fim de promover a familiarização

com nosso problema-base: a (sub)cidadania brasileira. Foram necessárias breve

análise histórica da questão, aplicação de teses contemporâneas do Direito

Constitucional e afirmação de uma Teoria de Democracia. Finalmente, a

descrição do instrumento pedagógico mencionado, precedida do adequado

levantamento bibliográfico e da análise de exemplos aplicada à nossa proposta,

auxiliou na compreensão dela.

2. O desafio da construção de um cidadão brasileiro sujeito de

direitos, deveres e responsabilidades.

É preciso fazer um breve resgate sobre a (de)formação da sociedade civil

brasileira, mais como em uma anamnese médica e menos como em uma

anamnese platônica; afinal, o nosso processo civilizatório se mostra pouco

saudável - ao menos se comparado aos processos de construção de outros

Estados-Nação.

O Brasil, então Estado recém-soberano, era uma sociedade formada, em

sua maioria, por escravos e homens “livres” incultos e analfabetos, mais

acostumados à condição de cativos e súditos, do que a de homens

verdadeiramente livres, posto o nosso processo de emancipação não ter sido

revolucionário e nem tampouco acompanhado da instituição de uma República

ou uma Democracia. Aqueles indivíduos (e por que não dizer os indivíduos

contemporâneos?) não se percebiam como sujeitos, cujo sucesso e bem estar

estivessem condicionados às políticas de Estado. Alguns mantinham vínculo de

lealdade a potentados, a polícias e a leis locais, cuja contrapartida era a aquisição

de favores e privilégios pessoais. Isto se configurava como um contundente óbice

à construção de um vínculo de pertencimento político de dimensão estatal e

nacional. Assim, nossa gênese enquanto Nação evidencia um povo sem um

sólido vínculo de cidadania com o Estado, um povo que não identifica a devida

coincidência entre o interesse pessoal e o interesse comunitário, pelo contrário.

Já nas primeiras décadas do século XX, diante de um anseio pela

industrialização da nossa economia, pela reforma das nossas relações

socioeconômicas, pela ressignificação da nossa autopercepção que encontrasse

alguma unidade em nossa diversidade, era urgente que um grande salto

civilizatório fosse dado.

Começavam a nascer os mitos de brasilidade, como o mito da mestiçagem

de Gilberto Freyre:

A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distancia

social que de outro modo se teria conservado enorme entre a casa-

grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala. O que a

monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido de

aristocratização, extremando a sociedade brasileira em senhores e

escravos, com uma rala e insignificante lambujem de gente livre

sanduichada entre os extremos antagônicos, foi em grande parte

contrariado pelos efeitos sociais da miscigenação. A índia e a negra-

mina a princípio, depois a mulata, a cabrocha, a quadrarona, a

oitavona, tornando-se caseiras, concubinas e até esposas legítimas dos

senhores brancos, agiram poderosamente no sentido de

democratização social no Brasil (1933, p. 33).

As vicissitudes da nossa diversidade eram negadas pela afirmação de uma

índole pacífica e o encobrimento e a negação de discrepâncias sociais históricas.

O primeiro mito de brasilidade era desenvolvido com o apoio político dos grupos

vencedores da “Revolução de 1930” (leia-se Varguismo). Por sua vez, os

derrotados (leia-se Paulistas) encontraram amparo na criação de outros mitos, o

da cordialidade e o da antítese personalismo-patrimonialismo, ambos de Sérgio

Buarque de Holanda:

A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão

gabadaspor estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um

traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que

permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de

convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano

supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”,

civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo

emotivo extremamente rico e transbordante. (...) Nossa forma de

ordinária de convício social é, no fundo, justamente o contrário da

polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a

atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica

deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”:

é a forma natural e viva que converteu em fórmula (1936, pp. 146 e

147).

O fato é que o contraponto feito por Buarque de Holanda, ao criticar a

estrutura personalista e hiperburocratizada do Estado brasileiro, fez parecer que

apenas isso era o que impedia o nosso desenvolvimento civilizatório: um mal de

origem que se resumia na oposição entre um Estado viciado e uma Sociedade

virtuosa. Portanto, a solução estaria na minimização do Estado. Simples.

Acontece que a tese buarquiana era perigosa. Perigo que subsiste até os

dias atuais, pois desincentiva a autocrítica e faz parecer que nossos males se

devem a uma realidade dada e espontânea e não a uma realidade construída; ou

seja, que a responsabilidade não é nossa. Ela, então, consagra a separação entre

Sociedade e Estado, tão arraigada em nossa cultura, e não depõe a favor do

fortalecimento do vínculo de cidadania, já tão incipiente.

Sabe-se que para responsabilizar é preciso empoderar (para usar um termo

em voga, hoje).

Então, partimos da premissa contrária: a construção de um Estado

Democrático, que personifique uma sociedade livre e justa, demanda a formação

do indivíduo não como súdito ou à margem do processo político, mas tampouco

sujeito apenas de direitos e garantias; demanda a formação de um cidadão,

consciente de suas faculdades, mas também de suas funções e deveres

fundamentais. É preciso habilitar o indivíduo para participar dos processos

decisórios que envolvam interesses da comunidade.

Neste caso, se o efetivo poder ascendente, como deveria ser em toda

Democracia plena, se manifesta do povo para o Estado e não o contrário; e se

este poder é prescrito e garantido em nossa Constituição que se pretende cidadã,

é preciso promover uma adequada interlocução entre os especialistas em Direito

Constitucional e os titulares do senso comum. Uma cartilha é o mais primitivo

livro didático, apto a comunicar aos mais neófitos aprendizes.

Mas o que é uma Constituição, afinal?

3. Constituição, Normatividade e a perniciosa

Constitucionalização meramente simbólica.

Não nos cabe, aqui, perscrutar pormenores relativos às distintas acepções

sobre o que seja uma Constituição, mas é devido esclarecer que seguimos a

delimitação conceitual feita por Marcelo Neves (2013), inspirado em Niklas

Luhmann, em sua obra “A constitucionalização simbólica”: uma intersecção

entre dois sistemas, a priori autorreferentes, a política e o Direito, os quais se

diferenciam e se relacionam através dela (NEVES, p. 65).

Dada a complexidade das sociedades modernas, não existe uma moral

universal compartilhada por todos os grupos sociais, de modo que a Constituição

se presta a evitar a manipulação política arbitrária feita por grupos hegemônicos

sobre o Direito.

A questão é que a promulgação de uma Constituição não produz de per si

a norma constitucional, mas apenas emite o texto constitucional. A norma só é

concebida a partir de uma interlocução entre texto e realidade, que materialize

suficientemente o texto, de modo a transformar sua sintaxe em dogma jurídico,

com o mínimo de imperatividade. Se tal concretização não acontece, e às vezes

sequer é possível acontecer, estamos diante de uma Constituição meramente

simbólica.

Na modernidade, a função social das Constituições é a prescrição de

Direitos Fundamentais aos cidadãos do Estado Constitucional. A alta

complexidade das relações sociais contemporâneas, ao impor a coexistência de

interesses e expectativas diversificados e até contraditórios, conduz à necessidade

de constitucionalizar princípios de inclusão e discriminação funcional

(tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais), institucionalizando

efetivamente direitos sociais, liberdades civis e participação política.

Prescreve nosso constituinte revolucionário:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Trata-se de patentes normas programáticas de eficácia limitada, no caso,

os programas fundamentais da nossa República Federativa desde 1988; as

finalidades gerais deste Estado; os fins sociais a permear toda a ordem jurídica

brasileira. Mas a questão é o quanto a construção de uma sociedade justa e

solidária, a erradicação da pobreza e o bem estar geral, livre de discriminações

injustificadas, são realizáveis?

As normas programáticas, agora na contemporaneidade, vinculam a

atividade estatal. Antes, a concretização de seus programas ficava

invariavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à

discricionariedade do administrador, por exemplo. Hoje, diz o ministro Luís

Roberto Barroso (2005, p. 07), as normas constitucionais são dotadas de

imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância

há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado. Mas

que mecanismos seriam esses? O indivíduo médio conhece institutos como o

Mandado de Injunção, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a

Ação Popular, etc.?

Sabemos que a resposta é negativa e, parece-nos, é conveniente para os

governantes que assim o seja.

O certo é que a ideia do aparte entre Sociedade e Estado, como um mal

cultural de raiz, nos termos de Sérgio Buarque de Holanda, perpetua-se. O

isolamento dos subcidadãos (a partir daqui, sem colocar em questão o prefixo

‘sub’) do processo decisório relativo às coisas da vida pública, remanesce.

Nossa Constituição de 1988 resgata a identificação meramente retórica

com o modelo democrático do Ocidente e em seus quase trinta anos de vigência

não foi capaz de promover significativa mudança nas relações de poder. Pode-se

dizer que seu texto é utilizado como um álibi, a fim de adiar de modo contumaz

os programas constitucionais para um futuro remoto, sem contudo, comprometer-

se com a construção de uma realidade social favorável ao atingimento dos seus

fins. Aqui, pugnamos pela tese de que a educação de base, neste caso, seria o

gatilho para o empreendimento de profundas transformações nas nossas

estruturas sociais, a viabilizar um ambiente que fosse ao encontro do texto

constitucional. Daí, a parca força normativa das nossas leis constitucionais, dada

a discrepância entre realidade e texto, conforme veremos no capítulo seguinte.

O indivíduo, alienado dos processos da vida pública, é levado a crer que a

não realização dos programas traçados pelo constituinte, se deve às

impropriedades do próprio texto constitucional e não ao voluntarismo político

dos agentes públicos. Nesse sentido, Marcelo Neves (2011) reitera:

Dessa maneira, não apenas se desconhece que leis constitucionais não

podem resolver imediatamente os problemas da sociedade, mas

também se oculta o fato de que os problemas jurídicos e políticos que

frequentemente se encontram na ordem do dia estão associados à

deficiente concretização normativo-jurídica do texto constitucional

existente, ou seja, residem antes na falta de condições sociais para a

realização de uma Constituição inerente à democracia e ao Estado de

direito do que nos próprios dispositivos constitucionais (p. 187).

Confunde-se, assim, a categoria dogmática das normas programáticas,

realizáveis dentro do respectivo contexto jurídico-social, com o

conceito de constitucionalização simbólica, indissociável da

insuficiente concretização normativa do texto constitucional (p. 186).

É que a constitucionalização simbólica se presta à difusão de um modelo

irrealizável sob condições sociais presentes e reais, dispondo normas

pseudoprogramáticas, desprovidas de normatividade, mas dotadas de ideologias

que amparam a retórica constitucional.

A má-fé do Estado-governo se evidencia ao induzir os indivíduos ao erro,

a fim de garantir, inclusive, sua lealdade: os governados confiam nos

governantes, porque estes dissimulam interesse e disposição para resolver

questões e demandas sociais que sabem são insolúveis (pelo menos, sem as

mencionadas transformações contundentes de ambiente). Assim, é até possível

obter-se certa pacificação de conflitos sociais, ao excluir do debate jurídico-

político, certos temas de relevância e urgência, garantindo o silêncio e a inércia

da sociedade.

Aqui, cabe-nos, entretanto, defender a difusão de instrumentos de cultura

dogmática, a fim de viabilizar maior participação cidadã, seja individualmente,

seja através de movimentos e organizações, habilitando nossos pares para se

envolverem de modo crítico com a realização de valores consagrados em nosso

texto constitucional e se integrarem no processo político.

Sendo assim, é possível a construção de uma esfera pública pluralista

que, apesar de sua limitação, seja capaz de articular-se com sucesso

em torno dos procedimentos democráticos previstos no texto

constitucional. (...) Isso se torna tanto mais provável à proporção que

os procedimentos previstos no texto constitucional sejam deformados

no decorrer do processo de concretização e não se operacionalizem

como mecanismos estatais de legitimação (NEVES, 2011, p. 189).

É difícil negar o alto grau de deformação das nossas normas

constitucionais, atualmente. O contexto seria muito fecundo, não fosse má

formação educacional e política do bonus pater familiae brasileiro.

4. Novo Constitucionalismo: por uma sociedade aberta a cidadãos

intérpretes, como estratégia de mediação entre Estado e Sociedade.

Na alvorada do século XXI, nossa dogmática constitucional incorporou de

vez a teoria de Constituição que desde o pós-Segunda Guerra Mundial fazia a

cabeça dos europeus: o Neoconstitucionalismo. A prevalência da Justiça sobre a

Segurança, a consagração dos Direitos Fundamentais considerados a partir do

supremo valor da Dignidade da Pessoa Humana e a juridicização da norma

constitucional (até então era mera norma política), a fim de se evitar eventual

insinceridade do texto constitucional em face de uma realidade social contingente

– são todas características dessa nova teoria sobre o que deve ser uma

Constituição.

Pugna-se pela força normativa da Constituição, a priori. Konrad Hesse

(1991), em ensaio sobre o tema, bem expõe sua tese nesse sentido:

Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode

impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas

tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de

orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a

despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos

juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar

essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição

converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência

geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis

pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur

Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur

Verfassung) (p. 07).

Esse novo Constitucionalismo já estava, ao menos simbolicamente,

representado em nossa Lei Magna de 1988. Vejamos, por exemplo, o texto

contido no §1º do art. 5º: as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata. Dada a natureza redemocratizante do

momento constituinte que antecedeu a promulgação da atual Constituição, data

venia eventual ingenuidade nossa, é possível especular a boa-fé do nosso

constituinte ao prescrever tal comando aos poderes estatais constituídos. Bem

verdade que o adjetivo “imediata” comporta uma noção ainda indeterminada de

tempo, entretanto quase trinta anos após a promulgação daquele comando,

parece-nos que a mora dos agentes estatais, que ainda não providenciaram

aplicabilidade para certos direitos fundamentais, é óbvia.

Segundo o Neoconstitucionalismo, o Poder Legislativo tem diminuída sua

liberdade de conformação na elaboração das leis e se obrigado a realizar os

programas constitucionais. Do mesmo modo, o Poder Executivo tem reduzida

sua margem de discricionariedade e mesmo sobre seus atos ainda discricionários,

cabe controle e eventual invalidação. Por seu turno, o Judiciário deve guardar a

Constituição como parâmetro de validade de atos legislativos, administrativos e

particulares; bem como para interpretar preceitos infraconstitucionais.

Contudo, o que se observa é um baixo índice de regulação das condutas

dos agentes estatais e de orientação das expectativas sociais. A realidade

constitucional é excludente, em vez de includente.

Peter Häberle, em sua tese de Hermenêutica Constitucional (1997), vai

além, afirma que a realidade constitucional não depende somente da articulação

de elementos objetivos presentes na vida social, mas também da inclusão do

povo pluralisticamente organizado no processo de interpretação constitucional:

"Povo" não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no

dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática

ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a

interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo

constitucional como partido político, como opinião científica, como

grupo de interesse, como cidadão. A sua competência objetiva para a

interpretação constitucional é um direito da cidadania (...) (p. 37).

Aqueles que experimentam a norma (todos os destinatários dela) devem

atuar, no mínimo, como pré-interpretes. A aproximação entre essa tese de

interpretação e a teoria democrática exige a concepção de um cidadão

politicamente ativo, dotado de potências públicas. Cabe mencionar nossa

experiência com as audiências públicas, ou os exemplos de leis nacionais

deflagradas por iniciativa popular.

Defende o constitucionalista alemão que os critérios de interpretação

constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a

sociedade. Assim, no processo de interpretação constitucional, além de todos os

órgãos estatais e de todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, estão

implicados no processo de concretização da norma constitucional, não sendo

possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado de intérpretes (p. 13).

O diálogo com seu orientador, Hesse (1991) na obra já citada, é inegável:

(...)a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e

preservação da força normativa da Constituição. A interpretação

constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da

norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm). (...) Se o direito

e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos

fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação

faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes,

correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A

interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma

excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das

condições reais dominantes numa determinada situação.

Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve

– provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo

tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da

interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação

normativa. (...)Uma interpretação construtiva é sempre possível e

necessária dentro desses limites. A dinâmica existente na interpretação

construtiva constitui condição fundamental da força normativa da

Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a

faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação

jurídica vigente (p. 09).

O Neoconstitucionalismo, ao contemplar a força normativa da

Constituição através da expansão da jurisdição constitucional e do

desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional,

concilia-se com a ideia de alargar o círculo de intérpretes da Lei Fundamental.

Assim, pretende-se que o poder de dicção normativa abarque, não apenas as

autoridades públicas e as partes formais nos processos de controle de

constitucionalidade de atos jurídicos em geral, mas todos os cidadãos e grupos

sociais que, de uma forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional.

5. Educação: um programa constitucional fundamental e a má-fé

institucional.

Vê-se que a grande angústia a motivar esta dicção e o projeto Cartilha

Constitucional, como já indicado antes, é a natureza da parca educação, tanto a

científica como a cidadã, disponibilizada à sociedade brasileira. Sabemos das

experiências curriculares obtidas com disciplinas como Educação Moral e Cívica

e Organização Social e Política do Brasil, bem como do desvirtuamento das suas

finalidades por governos oportunistas. O fato é que as vicissitudes do nosso

sistema educacional são históricas.

Considerando que nossas relações humanas são aperfeiçoadas diante de

um sistema econômico capitalista pautado na competitividade, o conhecimento, a

qualificação e a especialização são as principais ferramentas de desenvolvimento

pessoal, de inclusão social e, consequentemente, de promoção do bem estar. De

tal sorte refletir sobre nosso sistema educacional é preciso.

A formação da Instituição escolar no Brasil foi marcada pela exclusão e

pela seletividade, desde a escolástica dos jesuítas literários à expansão do ensino

de base, iniciada no fim da primeira república e empreendida até os dias atuais,

quando o acesso pode se dizer universal. Ora a exclusão se deu pelo

impedimento do acesso das classes menos favorecidas, ora pelo fracasso da

“ralé” que não consegue êxito perante um sistema de ensino que não fora

pensado para ela. Aqui, invocamos termo difundido por Jessé Souza em sua obra

“A ralé brasileira: quem é e como vive” (2009), em que o sociólogo e seus

colaboradores mostram que a despeito da prestação constitucional imposta ao

Estado, o fracasso de estudantes dessa ralé, cujo habitus familiar e social não cria

condições para o sucesso educacional, é quase certo diante de uma Instituição

não pensada para lidar com o perfil de seus credores.

Vejamos, nossa Constituição Republicana assim prescreve:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a

garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17

(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para

todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5

(cinco) anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da

criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do

educando;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação

básica, por meio de programas suplementares de material didático-

escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público

subjetivo.

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou

sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade

competente.

§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino

fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou

responsáveis, pela freqüência à escola.

Confrontar os deveres positivos assumidos por nossa carta republicana

perante a educação, principalmente o ensino de base, com alguns números de

Censo escolar, revela que a execução da prestação assumida não se mostra

exitosa. Levantamento feito pelo movimento Todos Pela Educação (TPE) aponta

que, em 2013, o Brasil tinha 93,6% da população de 4 a 17 anos na Educação

Básica (TPE, 2015), ao passo que pouco mais da metade dos jovens terminam o

Ensino Médio aos 19 anos de idade: 54,3% (TPE, 2014). O fracasso

experimentado por indivíduos marginalizados é evidenciado por altas taxas de

evasão escolar e de repetência e pode ser explicado pelo fato de a Instituição

escolar desprezar as peculiaridades dos seus destinatários:

(...) sem uma identificação afetiva com o mundo escolar que gere ao

menos uma noção de dever e responsabilidade moral para com os

estudos, sem disciplina, concentração e autocontrole suficientes para

vencer as tentações dos prazeres imediatos em nome de uma

recompensa futura, é muito compreensível que essas crianças prefiram

se entregar aos prazeres imediatos que as brincadeiras de rua oferecem

do que se inclinarem a atividades que exigem delas habilidades que

não lhes foram ensinadas e com as quais não têm nenhuma

familiaridade. Qualquer criança desde cedo percebe qual é o

comportamento que a escola reconhece e premia. No entanto, só

aqueles alunos que reconhecem a autoridade do sistema escolar e já

incorporaram a “disposição para o conhecimento” como parte

fundamental de sua autoestima podem almejar os prêmios que a

instituição oferece àqueles que conseguem cumprir as metas que ela

impõe. E, como vimos, essa adesão afetiva ao aprendizado é fruto de

uma configuração familiar capaz de transmiti-la como herança aos

seus descendentes (FREITAS, 2009, p. 289).

Lorena Freitas, colaboradora de Souza na obra citada acima, expõe valiosa

análise de um malfadado processo educacional disponibilizado pelo Estado aos

seus credores, o qual faz parecer que o fracasso da Instituição é fracasso

individual, insucesso daqueles que se não desempenham bem, o fazem por

incompetência subjetiva, quando na verdade, as chances de êxito no contexto em

que os excluídos vivem são de antemão remotas:

A crueldade da má-fé institucional está em garantir a permanência da

ralé na escola, sem isso significar, contudo, sua inclusão efetiva no

mundo escolar, pois sua condição social e a própria instituição

impedem a construção de uma relação afetiva positiva com o

conhecimento. (...) O grande feito da má-fé institucional foi lhes

mostrar o caminho por excelência do sucesso pessoal e do

reconhecimento social em uma sociedade capitalista competitiva

como a nossa, o conhecimento, apenas para fazê-los descobrir que as

portas desse caminho estão irremediavelmente fechadas para eles. E

pior: que se trata de um fracasso individual, e não de um processo

histórico que reproduz uma classe inteira (FREITAS, 2009, pp. 301 e

303).

Sem perder de vista os objetivos fundamentais traçados em nossa

Constituição, os quais se configuram como fins sociais gerais a permear todo e

qualquer ato estatal, sejam leis, políticas públicas ou sentenças judicias; é

possível negar a má-fé institucional da política educacional nacional, que pouco

faz para remediar e reverter números negativos contumazes?

Infelizmente, a discrepância percebida entre compromissos programáticos

constitucionais e o implemento deles através de leis regulamentadoras e políticas

públicas concretizadoras é comum em nossa ordem jurídica: o problema da

constitucionalização simbólica já apresentado no capítulo anterior.

6. O projeto “Cartilha Constitucional”: breve relato de um

instrumento pedagógico de formação cidadã e de dogmatização da

Constituição.

Ao entendermos que o estudo da Constituição Federal possibilita a

articulação de ações de desenvolvimento intelectual-reflexivo com vista ao

desenvolvimento e sustentabilidade política, social, econômica, ambiental e

cultural, no âmbito da Faculdade de Belém – FABEL foi instituído o Projeto de

Extensão “CARTILHA CONSTITUCIONAL” propondo como pressuposto

essencial que o estudo dos direitos e deveres fundamentais da pessoa humana,

presentes na Constituição Federal, no contexto de seus princípios e objetivos

estruturantes, fosse ministrado como conteúdo da matriz curricular no ensino

fundamental e médio, incluindo o tema em consonância com a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nº 9.394/96.

O projeto de extensão “Cartilha Constitucional” teve suas origens fincadas

na constatação da necessidade de contribuir na preparação para o exercício da

verdadeira cidadania na busca da realização de uma das finalidades da educação

nacional como forma de transformação social, ou seja, a democratização dos

conhecimentos científicos e outros de nosso cotidiano social encontrados na

Constituição Federal. Assim, ao visar transmitir aos educandos, os

conhecimentos e os princípios basilares da interdisciplinaridade e da

transdisciplinaridade da Constituição Brasileira e o enfoque da educação

ambiental, possibilitando suas assimilações em práticas de cidadania através do

saber-ser, saber-fazer e do saber participar, entendemos ser pertinente a

compreensão sobre as possíveis contribuições que o referido projeto oportunizou

aos sujeitos envolvidos em sua realização.

Inicialmente, as ações de extensão na Faculdade de Belém – FABEL

pretendem fortalecer a sua relação com a comunidade na perspectiva de suprir o

cenário local de atividades voltadas para a sustentabilidade e ações sociais, neste

sentido foi implantado o Projeto de Extensão “Cartilha Constitucional” com o

objetivo de promover a interação da Faculdade de Belém – FABEL com a

sociedade local, visando também contribuir para o desenvolvimento da Região.

Em sua essência pedagógica e extensionista, o projeto visa transmitir aos

educandos os conhecimentos e os princípios basilares da interdisciplinaridade e

da transdisciplinaridade da Constituição Brasileira.

Os conhecimentos dos princípios básicos constitucionais e da educação

ambiental foram desenvolvidos por meio de abordagens gerais sobre os direitos e

garantias individuais e coletivas, a biodiversidade, o desenvolvimento

sustentável, a economia e a política, de modo a desenvolver a capacidade dos

educandos em entender, compreender e agir sobre o meio social, político,

econômico e ambiental onde estão inseridos. Os temas abordados se utilizaram

de instrumentos didático-pedagógicos elaborados para tal fim, necessários e

suficientemente adaptados à realidade do público-alvo, conforme os programas

escolares e as disciplinas das referidas escolas da rede Municipal de ensino,

atendendo as especificações do Ministério da Educação, contidos na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/1996.

A Extensão Universitária pode ser entendida como prática acadêmica que

expressa a interação Universidade-Sociedade, por meio da articulação de

atividades de ensino e pesquisa com demandas sociais mais abrangentes, por

outro lado, a extensão, como trabalho social, passa a aparecer nas práticas

desenvolvidas no Ensino Superior. Esta relação entre as instituições de ensino

superior e as comunidades externas fortalece as atividades de Extensão,

constituindo- a como um trabalho social útil sobre a realidade, realizando-se

como processo dialético de teoria e da prática dos envoltos nesse trabalho,

externando um produto que é o conhecimento novo, cuja produção e

aplicabilidade possibilitam o exercício do pensamento crítico e do agir coletivo.

Ao se pensar a extensão universitária como trabalho, vê-se que este

trabalho não se exerce, apenas, a partir da mera participação dos membros da

comunidade universitária, isto é, docentes e estudantes. Na sua dialeticidade,

exige a dimensão externa à universidade, que é a participação de pessoas da

comunidade ou mesmo de outras instituições de ensino, no caso, a escola. A

relevância das atividades de extensão no ensino superior tem sido foco de

inúmeros estudos, especificamente no sentido de consolidá-la como um

importante espaço voltado á busca de solução para os problemas sociais, daí a

recomendação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior para que a

extensão venha pautar-se em valores educativos, primando por sua integração

com o ensino e a pesquisa, reforçando a necessidade da transferência do

conhecimento produzido nas IES e sua interferência no desenvolvimento regional

e nacional. As políticas de extensão devem cumprir os preceitos estabelecidos

pela missão da instituição, considerando a importância social de suas ações para

o desenvolvimento e promoção da cidadania.

É preciso que as ações extensionistas mantenham uma articulação entre os

setores público, produtivo e o mercado de trabalho, contribuindo para que o

aluno desenvolva, no processo de aprendizagem, o espírito crítico próprio da

formação cidadã, conforme destaca Carbonari (2007, p.27), A extensão,

enquanto responsabilidade social faz parte de uma nova cultura, que está

provocando a maior e mais importante mudança registrada no ambiente

acadêmico e corporativo nos últimos anos. Parcerias entre o poder público,

empresas, organizações não governamentais e voluntários poderão dar

abrangência aos projetos sociais, garantir perenidade e enfrentar os enormes

desafios que ainda temos pela frente. Outro ponto importante da articulação das

atividades de extensão no ensino superior está vinculado pelo envolvimento

direto dos estudantes de diferentes cursos em tais atividades, oportunizando aos

mesmos o contato com a realidade e o cotidiano das comunidades, ainda no

processo de formação profissional.

7. Considerações Finais.

Uma democracia não se aperfeiçoa apenas a partir da delegação de

responsabilidade formal do Povo para os órgãos estatais, seja mediante eleições

ou mediante subordinação às decisões do último intérprete formalmente

"competente", a Corte Constitucional – o Supremo Tribunal Federal. Numa

sociedade aberta e plural, ela se desenvolve, também, através instrumentos de

mediação do processo público e pluralista da política e da práxis cotidiana. Ela se

consolida mediante o fortalecimento das leis constitucionais capazes de filtrar os

interesses políticos, especialmente particularizados em nossa sociedade.

A legitimidade dos atos estatais melhor se consubstancia, quando do

advento de uma Constituição que estruture o Estado, a sociedade e até os setores

da vida privada, sem instrumentalizar as forças sociais.

Indivíduos, seja em sua dimensão “Povo”, seja em sua dimensão pessoal,

não podem ser destinatários da norma constitucional como objeto, mas sim como

sujeito. Sujeito-princípio e sujeito-fim desse Direito.

Acreditamos que o projeto “Cartilha Constitucional” é uma iniciativa

pedagógica necessária para a transformação das nossas relações de poder, que

vise resgatar o brasileiro médio da sua condição de subcidadão.

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