negócios da china · a sucessã quando susano santoa vítors a, primeira advogada plmj em pequim...

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ndvooatua 01-02-2012 Tiragem: 2500 Pals: Portugal Period.: Mensal Âmbito: Outros Assuntos Pág: 29 Cores: Cor Área: 22,74 x 31,17 cm J Corte: 1 de 1 www.advocatus.pt Fátima de Sousa jornalista fedbriefing.pt Dossiê Duas empresas chinesas concorreram à privatização parcial de duas empresas do sector energético português: é a ponta do iceberg de uma estratégia de investimento à escala mundial de um país que emerge como potência indiscutível Negócios da China A assinatura do memorando de entendimento entre o Estado português e a troika constituída pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu desencadeou o interesse de empresas estrangeiras por Portugal: é que nele está contida a obrigação de privatização de empresas estratégicas nacionais como ferramenta de encaixe financeiro. Da China veio, até agora, o principal interesse: duas empresas estatais - a China Three Gorges e a State Grid - concorreram ao capital a privatizar, a primeira aos 21,35 por cento da EDP e a segunda a 25 por cento da REN. O resultado do primeiro concurso foi favorável às pretensões da empresa chinesa, vencedora de uma operação em que concorreu com três outros players do setor energético internacional. Também a State Grid viu satisfeitas as suas pretensões a 25 por cento da REN - um desfecho inevitável dado que este era o máximo a privatizar por candidato (os restantes 15 por cento foram licitados, e conseguidos, pela árabe Oman Oil, igualmente candidata única). A propósito desta ofensiva chinesa nos mercados externos, Advocatus entrevistou dois advogados: Luís Miguel Cortes Martins, da Serra Lopes, Cortes Martins, a sociedade que assessorou a Three Gorges, e Rita Assis Ferreira, advogada da PLMJ residente em Pequim. Duas entrevistas, uma conclusão: o interesse chinês pela economia portuguesa é a longo prazo e uma oportunidade estratégica que o Estado não deve desperdiçar. Mais: Portugal vale por si. mas muito como plataforma para a expansão para outras geografias lusófonas, também para os Estados Unidos e mesmo para outros países europeus. A reter neste processo de privatizações, nas palavras de Cortes Martins, a ideia de que só boas empresas atrairiam o interesse de tantos investidores estrangeiros: afinal, esta é, porventura, a maior crise desde a segunda guerra mundial.

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ndvooatua

01-02-2012

Tiragem: 2500

Pals: Portugal

Period.: Mensal

Âmbito: Outros Assuntos

Pág: 29

Cores: Cor

Área: 22,74 x 31,17 cmJ

Corte: 1 de 1

www.advocatus.pt

Fátima de Sousa jornalista

fedbriefing.pt

Dossiê

Duas empresas chinesas concorreram à privatização parcial de duas empresas do sector energético português: é a ponta do iceberg de uma estratégia de investimento à escala mundial de um país que emerge como potência indiscutível

Negócios da China

A assinatura do memorando de entendimento entre o Estado português e a troika constituída pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu desencadeou o interesse de empresas estrangeiras por Portugal: é que nele está contida a obrigação de privatização de empresas estratégicas nacionais como ferramenta de encaixe financeiro. Da China veio, até agora, o principal interesse: duas empresas estatais - a China Three Gorges e a State Grid - concorreram ao capital a privatizar, a primeira aos 21,35 por cento da EDP e a segunda a 25 por cento da REN. O resultado do primeiro concurso foi favorável às pretensões da empresa chinesa, vencedora de uma operação em que concorreu com três outros players do setor energético internacional. Também a State Grid viu satisfeitas as suas pretensões a 25 por cento da REN - um desfecho inevitável dado que este era o máximo a privatizar por candidato (os restantes 15 por cento foram licitados, e conseguidos,

pela árabe Oman Oil, igualmente candidata única). A propósito desta ofensiva chinesa nos mercados externos, Advocatus entrevistou dois advogados: Luís Miguel Cortes Martins, da Serra Lopes, Cortes Martins, a sociedade que assessorou a Three Gorges, e Rita Assis Ferreira, advogada da PLMJ residente em Pequim. Duas entrevistas, uma conclusão: o interesse chinês pela economia portuguesa é a longo prazo e uma oportunidade estratégica que o Estado não deve desperdiçar. Mais: Portugal vale por si. mas muito como plataforma para a expansão para outras geografias lusófonas, também para os Estados Unidos e mesmo para outros países europeus. A reter neste processo de privatizações, nas palavras de Cortes Martins, a ideia de que só boas empresas atrairiam o interesse de tantos investidores estrangeiros: afinal, esta é, porventura, a maior crise desde a segunda guerra mundial.

advooa tua

01-02-2012

Tiragem: 2500

Pais: Portugal

Period.: Mensal

Âmbito: Outros Assuntos

Pág: 33

Cores: Cor

Área: 22,55 x 26,26 cm2

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"As privatizações permitem às empresas chinesas entrar no mercado português, mas sem dúvida que Portugal funciona como uma plataforma para outros mercados, como o americano e o brasileiro". É esta a leitura que Rita Assis Ferreira, 41 anos, associada sénior PLMJ e a única advogada portuguesa em Pequim, faz sobre o interesse chinês pelas privatizações de empresas portuguesas. Um interesse que, defende, devia ser aproveitado para negociar contrapartidas que continuassem a gerar negócio

Rita Assis Ferreira, associada sénior PLMJ

Portugal é uma oportunidade

Atlântico e a Europa e passou a ser o Pacífico e o hemisfério sul, isto é, a América Oeste, toda a frente asi-ática, África do Sul e Austrália. E a PLMJ, dentro da sua política de ter sempre projetos pioneiros, decidiu apostar nesse mercado. Daí esta parceria com a Dacheng Law Offi-ces, que é um escritório de referên-cia no mercado doméstico da China, com cerca de dois mil advogados

Advocatus | Qual a importância da China na estratégia de internacio-nalização da PLMJ? Rita Assis Ferreira | A PLMJ tem uma estratégia de internacionaliza-ção que remonta há 10 anos. Co-meçou com parcerias no Brasil e Angola, que depois se estenderam a Moçambique e a Cabo Verde. Há cerca de dois anos, o centro eco-nómico do mundo deixou a ser o

em 32 províncias, 400 dos quais só em Pequim. A PLMJ escolheu Pequim para se instalar porque é o centro de decisão e porque se afir-ma cada vez mais como centro eco-nómico. É onde estão presentes as empresas detidas pelo Estado [as SOE - State Owned Entreprises] e a Dacheng tem uma relação privile-giada com essas empresas e com a instituição estatal que as gere, a SA-

SAC. São as SOE que estão a inves-tir além-fronteiras, nomeadamente no mundo que mais interessa a nível de recursos naturais.

Advocatus | É importante ter uma presença física permanente? RAF | A PLMJ, quando estabelece uma parceria, acredita que o projeto funciona quando há uma presença efetiva. Tem a ver com a própria his-

"A PLMJ escolheu Pequim para se instalar porque é o centro de decisão e porque se afírma cada vez mais como centro económico. É onde estão presentes as empresas detidas pelo Estado"

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tória do Pais: fomos descobrindo o mundo e acabámos por ir ficando e a partir do momento em que saímos fomos perdendo esse mundo. Os erros não se podem repetir. Daí es-tarmos presentes fisicamente. Além disso, é uma cultura completamen-te diferente, em que estamos em competição relativa com escritórios internacionais, enormes e instala-dos na China e que também querem abranger os países da CPLP. Se não tivermos lá uma pessoa de confian-ça, da cultura PLMJ, que lhes lembre que falamos a língua deles (temos um advogado chinês) mas também falamos a língua dos países onde querem investir, que conhecemos a cultura chinesa mas também a dos países onde querem investir, caímos no esquecimento.

Advocatus | Quais são os objeti-vos desta parceria? RAF | A presença PLMJ na China tem como principal objetivo ser um porto de abrigo para as empresas portuguesas que queiram investir no mercado asiático, ainda que, por causa da crise, sejam muito poucos os clientes que estamos a receber

Tiragem: 2500

Pais: Portugal

Period.: Mensal

Âmbito: Outros Assuntos

"A presença PLMJ na China tem como

principal objetivo ser um porto de abrigo para as empresas portuguesas que

queiram investir no mercado asiático (...) mas o nosso mercado

mais forte são as empresas chinesas, principalmente as

estatais, que querem investir no estrangeiro"

EXPERIÊNCIAS

Uma portuguesa em Pequim

Rita Assis Ferreira, 34 anos, está na PLMJ desde 2000, tendo integrado a sociedade no estágio subse-quente ao fim da licenciatura na Universidade Católi-ca. Acompanhou desde a primeira hora a decisão de entrar no mercado chinês, acalentada pelo sócio Luís Sáragga Leal. O gosto por esta geografia - diz - sur-giu naturalmente. E naturalmente também se decidiu a sucessão quando Susana Santos Vítor, a primeira advogada PLMJ em Pequim, deixou a capital chine-sa. A primeira visita de Rita aconteceu em Abril de 2011, a mudança em Junho. Rita gostou de Pequim, que descreve como "es-teticamente semelhante a Nova Iorque", uma ci-dade evoluída, que funciona, com uma segurança fantástica. O trânsito é complicado, mas "não tan-to como em Angola", o pior é a poluição. A comi-da é boa: serve-se uma "gastronomia suave". Até agora, Rita tem conseguido escapar a particula-

ridades gastronómicas como os famosos miolos de macaco, uma iguaria mais a sul. Ainda assim há um pepino do mar que não aprecia - "parece um olho" - que é muito caro e que os chineses teimam em apresentar nos jantares. Os estrangeiros são muito bem tratados. E pre-cisamente por ser estrangeira, não nota qualquer diferença na relação com os investidores: já se fosse chinesa, o mesmo não aconteceria, porque homens e mulheres ainda estão longe da igual-dade. Do que Rita sente saudades é das pessoas. Mu-dou-se com o marido e a filha, então com 18 me-ses, mas a família e os amigos fazem-lhe falta. Es-tará de volta, em princípio, daqui a dois, três anos. Até lá, vai tecendo amizade entre os membros de uma comunidade portuguesa que reputa de "mui-to interessante". E vai aprendendo mandarim.

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nestas condições. O nosso mercado mais forte são as empresas chine-sas, principalmente as estatais, que querem investir no estrangeiro. A nível jurídico colocam-se vários cenários. Quando uma empresa portuguesa quer investir na China faço equipa com um advogado es-pecialista da Dacheng pois não sei o suficiente de lei chinesa, nem era nossa pretensão que eu fosse espe-cialista na lei chinesa. O que acon-tece é uma integração da equipa da especialidade com a minha coorde-nação e revisão. Muitas vezes os ad-vogados da Dacheng coordenam-se com os da PLMJ da mesma espe-cialidade, pois têm a perfeita noção de que não têm a mesma formação e o mesmo know-how que nós. Há esta abertura e esta modéstia, pois a advocacia na China tem apenas 20 anos. Mas a maioria das vezes so-mos solicitados para operações em sentido inverso, isto é, para a cana-lização do investimento estrangeiro das empresas chinesas que querem operar em Angola, Moçambique, Portugal e Brasil. O que fazemos é entregar esses projetos ao GLA em Angola e ao GLM em Moçambique ou à PLMJ em Portugal, sendo que Angola e Moçambique fazem sem-pre ligação com o Africa Desk que temos em Lisboa. É uma equipa alargada que se coordena em fun-ção da complexidade do projeto. Há ainda outra vertente que acontece quando os escritórios em Angola e Moçambique e mesmo em Portugal detetam oportunidades de negó-cio em áreas em desenvolvimento, transmitindo-as ao China Desk para identificação de potenciais investi-dores. Nesses casos, faço o match making, na medida em que já sei que empresas chinesas pretendem e podem investir - o que pretendem não é o que podem, porque o gover-no, através da SASAC, é que decide quem investe, onde e com que mon-tantes; as privadas podem decidir mas estão condicionadas a nível do financiamento.

Advocatus | E o mercado portu-guês que atrativos oferece? RAF | Há empresas chinesas interessadas e bem posicionadas. A recetividade às privatizações, por

exemplo, é muita. Neste momento temos duas empresas chinesas no mercado com ofertas muito attas. Para nós, China Desk, se uma delas ganhar significará uma abertura de portas, ajudará os chineses a ganha-rem confiança em Portugal. A cultura chinesa é desconfiada por natureza e está em pânico com a crise na Eu-ropa, não consegue conceber como é que a Europa chegou a este ponto, que na China seria inconcebível. Re-ceiam investir porque receiam perder dinheiro. Mas se estas duas empre-sas ganharem as privatizações em áreas que são rentáveis e em que vão ganhar imenso know-how será um sinal de confiança. Isso irá de-monstrar que Portugal, além de ser um pais acolhedor com quem gos-tam de negociar, também é um país de confiança, responsável, o que os chineses ainda não sabem. Mesmo com as limitações nas comunica-ções, vão passar palavra de que se pode investir em Portugal. Havendo um caso de sucesso todos confiam, se houver um caso de insucesso fe-cham as portas.

[Posteriormente a esta entrevista, as candidaturas da China Three Gorges e da State Grid à EDP e à REN, res-petivamente, venceram o concurso lançado pelo Estado.]

Advocatus | Mas Portugal interes-sa-lhes de per si ou como plata-forma para outros mercados? RAF | As privatizações permitem às empresas chinesas entrar no mer-cado português, mas sem dúvida que Portugal funciona como uma plataforma para outros mercados, como o americano e o brasileiro. Este último é muito apetecível para a China, apesar de ter fechado um pouco as portas ao investimento chi-nês. Os Países Africanos de Língua Portuguesa também estão a ganhar força e muitos investimentos estão a ser escoados para lá, até porque não existem limitações. O interes-se por Portugal poderá manter-se para lá das privatizações se hou-ver oportunidades de negócio tão boas. O ideal era que o governo, entregando uma das privatizações a uma empresa chinesa, negocias-se contrapartidas que permitissem desenvolver uma série de áreas em

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01-02-2012

"O interesse por Portugal poderá

manter-se para lá das privatizações se

houver oportunidades de negócio tão boas.

O ideal era que o governo, entregando

uma das privatizações a uma empresa

chinesa, negociasse contrapartidas

que permitissem desenvolver uma série

de áreas"

Portugal. Assim continuaria a haver negócio gerador de trabalho em Por-tugal e automaticamente gerador de interesse de outras empresas. Não estamos alicerçados em carvão e petróleo, mas somos muito bons em áreas de nicho, por exemplo na tec-nologia onde temos projetos muito inovadores. Eles não conhecem a nossa qualidade e o nosso grau de especialidade. Há boas oportunida-des, mas será que há interesse em promovê-las e abertura ao investi-mento estrangeiro?

Advocatus | E quanto ao investi-mento das empresas portuguesas pela China, está em retração ape-nas devido à crise? RAF | A minha experiência diz-me que essa retração acontece des-de a crise. Mas também é verdade que uma empresa portuguesa que se quer internacionalizar pensa em quase todos os países antes da China, infelizmente. Pensa primeiro no Brasil, mas temos visto que há empresas portuguesas a investir no Brasil em áreas que são praticamen-te monopólios, o que resulta em in-

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Pais: Portugal

Perlod.: Mensal

Âmbito: Outros Assuntos

sucesso. Preferem gastar o dinheiro lá do que ir para a China: porque é longe, porque é preciso ser pacien-te, porque os chineses não perdem a face... Agora já estão mais inte-ressadas porque tiveram casos de insucessos noutros mercados apa-rentemente mais fáceis e porque a China vive um boom económico. Mesmo assim, se for possível meter tudo num contentor e depois alguém vender lá excelente... Mas o risco é de o importador chinês receber um produto, fazer um milhão de pro-dutos iguais e registar a marca. E a empresa portuguesa fica sem o con-tentor e sem a marca. Já aconteceu. A China é um mercado de oportuni-dades mas é preciso estar lá.

Advocatus | Foi o que a PLMJ fez há dois anos. Qual é o balanço do China Desk? RAF | Está a ser uma experiência muito positiva a nível pessoal e pro-fissional e o balanço da parceria é muito positivo. Estamos a trabalhar com uma série de SOE - que são empresas dificílimas de trabalhar: só para ter uma noção, há escritórios in-ternacionais há quatro anos a tentar captar um cliente entre essas empre-sas e não conseguem; eu estou lá há seis meses e já estamos a trabalhar com algumas, em coordenação com Angola, Moçambique e Portugal. Claro que temos todos um caminho a percorrer, mas trabalhamos com uma visão de médio prazo.

Advocatus | Sendo a única socie-dade portuguesa com presença na China, com quem concorre a PLMJ? Com as sociedades inter-nacionais? RAF | Estamos em estádios diferen-tes e temos leques de clientes dife-rentes. Os escritórios internacionais querem abarcar todo o mercado e nós só a CPLP. Neste momento, es-tão a considerar a PLMJ como um parceiro e um complemento quando se trata de dar apoio juridico a em-presas que querem entrar, por exem-plo, em Angola e em Moçambique, cuja cultura, língua e legislação nós conhecemos. Não estamos, por isso, em competição e os próprios clientes estão a verificar que traba-lhamos em equipa.

"A cultura chinesa é desconfiada por natureza e está em pânico com a crise na Europa, não consegue conceber como é

que a Europa chegou a este ponto, que na China seria inconcebível. Receiam investir

porque receiam perder dinheiro"