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1 Negociação política e comunicação de massa Wilson Gomes Resumo: Este artigo trata do jogo político em eleições e no processo político regular que se estabelece pela relação entre governo e congresso e no interior dos partidos. O seu propósito é mostrar - contra os que afirmam a conversão absoluta de todos os recursos da política aos procedimentos espetaculares associados aos meios de comunicação - que as dimensões extra-mediáticas da política de partidos se mantêm eficientemente em operação na política contemporânea, principalmente na forma da política de negociações. Pretende, além disso, demonstrar - contra os que vêem os recursos e linguagens da comunicação de massa apenas como mais um conjunto de instrumentos de que lança mão a prática política na sua atividade básica, apoiada em alianças, articulações e disputas de poder no interior dos partidos e grupos de interesse - que a política de negociações é constantemente visitada por injunções provenientes das interfaces entre política e comunicação de massa. 1. Formulação do Problema Por mais que a nossa atenção tenha tendência a se concentrar nas formas mais recentes de práticas políticas, como a política de imagem e o espetáculo político, impõe-se como evidência que grande parte das atividades institucionais da esfera política consiste em procedimentos dedicados à competição entre as forças nela presentes. Trata-se do jogo político ou das negociações políticas, ou seja, de uma gama de interações entre as forças políticas que incluem o acordo, a articulação, o acerto, as barganhas, as alianças, as retaliações, as composições e as compensações de que a esfera política é pródiga. Nesse contexto, a política de negociações 1 é o conjunto de atividades, habilidades e princípios voltados para a composição de forças no interior do jogo político. Por mais que isso se imponha como evidência, a área de pesquisas de comunicação e política revela certa timidez na análise e interpretação do jogo político regular, particularmente no que tange à política de negociações. De fato, essa área tem se dedicado principalmente às teorizações gerais sobre as mudanças na natureza da política ou da democracia contemporâneas e à análise dos episódios eleitorais e dos procedimentos políticos naquilo que neles se restringe à interface entre o universo político e as linguagens, os meios e os modos da comunicação de massa. Aparentemente, ao seu esforço analítico não interessa o fenômeno político integralmente, mas apenas aquela zona da política que se estabelece em interseção com a comunicação de massa. São exemplos disso os estudos que costumamos chamar de “mídia e eleições”, que reúnem o maior volume de pesquisas na área, que entre analisar o fenômeno eleitoral no interior do sistema de comunicação ou no interior do sistema político claramente se restringe ao primeiro. Isso significa que aí se prefere estudar as eleições a partir da cobertura jornalística, da propaganda eleitoral ou dos efeitos, na instância da recepção, dos materiais expressivos dos jornais ou da televisão do que a partir do jogo de forças de alianças e barganhas entre os agentes do campo político. Isso gera um paradoxo curioso. De um lado, temos uma teoria que tende a ver o fenômeno da política e da democracia integralmente como uma zona de interface entre processos políticos tradicionais e comunicação de massa. Fala-se de “política espetáculo”, “política mediática” e “videopolítica” hoje como se esses fossem designadores adequados para todo o fenômeno político. De outro lado, a nossa 1 A característica fundamental da idéia de política de negociações é que a arena política é constituída por disputas e concorrências entre as forças políticas e que tais disputas e concorrências se estabelecem através de complexos jogos de alianças, barganhas, acertos, adesões, partilhas de poder, retaliações, concessões, compensações e outras práticas de composição política.

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Page 1: Negociação política e comunicação de massa · 2012. 6. 22. · representantes da vontade popular, apta a realizar a decisão política porque para isso deputada pelo cidadão

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Negociação política e comunicação de massa

Wilson Gomes

Resumo:

Este artigo trata do jogo político em eleições e no processo político regular que se estabelece pela relação entregoverno e congresso e no interior dos partidos. O seu propósito é mostrar - contra os que afirmam a conversãoabsoluta de todos os recursos da política aos procedimentos espetaculares associados aos meios de comunicação -que as dimensões extra-mediáticas da política de partidos se mantêm eficientemente em operação na políticacontemporânea, principalmente na forma da política de negociações. Pretende, além disso, demonstrar - contra os quevêem os recursos e linguagens da comunicação de massa apenas como mais um conjunto de instrumentos de quelança mão a prática política na sua atividade básica, apoiada em alianças, articulações e disputas de poder no interiordos partidos e grupos de interesse - que a política de negociações é constantemente visitada por injunçõesprovenientes das interfaces entre política e comunicação de massa.

1. Formulação do Problema

Por mais que a nossa atenção tenha tendência a se concentrar nas formas maisrecentes de práticas políticas, como a política de imagem e o espetáculo político,impõe-se como evidência que grande parte das atividades institucionais da esferapolítica consiste em procedimentos dedicados à competição entre as forças nelapresentes. Trata-se do jogo político ou das negociações políticas, ou seja, de umagama de interações entre as forças políticas que incluem o acordo, a articulação, oacerto, as barganhas, as alianças, as retaliações, as composições e as compensaçõesde que a esfera política é pródiga. Nesse contexto, a política de negociações1 é oconjunto de atividades, habilidades e princípios voltados para a composição de forçasno interior do jogo político.

Por mais que isso se imponha como evidência, a área de pesquisas de comunicação epolítica revela certa timidez na análise e interpretação do jogo político regular,particularmente no que tange à política de negociações. De fato, essa área tem sededicado principalmente às teorizações gerais sobre as mudanças na natureza dapolítica ou da democracia contemporâneas e à análise dos episódios eleitorais e dosprocedimentos políticos naquilo que neles se restringe à interface entre o universopolítico e as linguagens, os meios e os modos da comunicação de massa.Aparentemente, ao seu esforço analítico não interessa o fenômeno políticointegralmente, mas apenas aquela zona da política que se estabelece em interseçãocom a comunicação de massa. São exemplos disso os estudos que costumamoschamar de “mídia e eleições”, que reúnem o maior volume de pesquisas na área, queentre analisar o fenômeno eleitoral no interior do sistema de comunicação ou nointerior do sistema político claramente se restringe ao primeiro. Isso significa que aí seprefere estudar as eleições a partir da cobertura jornalística, da propaganda eleitoralou dos efeitos, na instância da recepção, dos materiais expressivos dos jornais ou datelevisão do que a partir do jogo de forças de alianças e barganhas entre os agentesdo campo político.

Isso gera um paradoxo curioso. De um lado, temos uma teoria que tende a ver ofenômeno da política e da democracia integralmente como uma zona de interfaceentre processos políticos tradicionais e comunicação de massa. Fala-se de “políticaespetáculo”, “política mediática” e “videopolítica” hoje como se esses fossemdesignadores adequados para todo o fenômeno político. De outro lado, a nossa

1 A característica fundamental da idéia de política de negociações é que a arena política é constituída por disputas e concorrências entre as forçaspolíticas e que tais disputas e concorrências se estabelecem através de complexos jogos de alianças, barganhas, acertos, adesões, partilhas de poder,retaliações, concessões, compensações e outras práticas de composição política.

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atividade analítica concentra-se no estudo dos aspectos da política vistos do lado dacomunicação ou do lado dos públicos, onde justamente a interface é mais explícita.

Ora, não parece razoável que toda a política seja considerada mediática, mas o nossointeresse analítico tenha se dedicado prioritariamente àquele conjunto de atividades dapolítica que lança mão de recursos, meios, linguagens e lógica da comunicação demassa. Nem me parece coerente a saída desse paradoxo com a afirmação de que aspráticas da política não submetidas à incidência direta das necessidades e exigênciasda comunicação de massa configurariam um conjunto de comportamentos,habilidades e funções em crescente desuso, autênticas superstições de uma políticade outro tempo, com tendência à extinção por falta de sentido e papel na era dacomunicação de longo alcance e de política mediática. Uma tese dessa natureza nemse comprova empiricamente nem se sustenta de forma argumentativa. Parece-memais razoável o esforço em sentido contrário, a saber, para, de um lado, reduzir oalcance das teorias que vêem comunicação demais na política e, de outro, paraavançar a análise até os fenômenos da política onde a interface com a comunicaçãose oferecem de maneira menos óbvia, a fim de verificar se as nossas hipóteses sobrea transformação mediática da política fazem, de fato, sentido e quanto o fazem.

Em geral, os pesquisadores especializados no jogo político reservaram para si a áreade estudos que trata da execução da luta política que se trava entre governo eparlamento e entre os que governam e os que se lhe opõem no interior das esferasparlamentares. Uma luta que se realiza principalmente nos bastidores da cena política,na discrição dos gabinetes, nas clausuras do poder político. Um jogo praticadopreferencialmente à distância dos holofotes dos meios de comunicação ou, pelomenos, que se resguarda dos modos de exibição das indústrias da informação e doentretenimento. Enquanto isso, os pesquisadores especializados em comunicação têmproduzido bons estudos dos fenômenos onde parece nunca ser demais destacar apresença da comunicação de massa. Essa partição dos territórios de pesquisa pareceresultar na implícita assunção, pelos dois partidos, de que nos bastidores da política,no interior, portanto, da política de negociação, as teses sobre a transformaçãomediática da política não conservariam nem alcance nem sentido.

Não é difícil aceitar que as teorias e hipóteses hipermediáticas de interpretação, quenão vêem no jogo político senão um espetáculo, simulação, encenação e outrasartificialidades ordenadas segundo a lógica da comunicação e da cultura de massa,têm fraco poder explicativo do jogo político regular, que consiste num conjunto deinterações competitivas entre as forças efetivas da política através de alianças,barganhas e outras formas de repartição e exercício do poder. Mas não se seguedessa assunção, entretanto, que a política de negociação é de tal maneira infensa àcomunicação de massa que impeça que comunicação contemporânea cumpraqualquer papel no seu funcionamento básico, em suma, não decorre de tal premissaque política de negociações e comunicação pública convivam sem se tocar, implicarou estabelecer interfaces significativas.

2. Formas e agentes da luta política

Do ponto de vista político, a sociedade pode ser pensada como dois âmbitos,domínios ou esferas distintas e integradas: de um lado, a esfera civil, onde seinscrevem todos os concernidos pela comunidade de leis e todos os que possuemdireitos e deveres delas decorrentes, a cidadania; de outro, a esfera da decisãopolítica, onde estão postos todos os que estão autorizados a realizar a decisão políticae a conduzir o Estado. No interior do Estado, os cidadãos têm diferentes posiçõesacerca de várias matérias de concernência comum, matérias cuja decisão afeta o

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sistema de regras que o constitui e interfere na configuração da coisa pública. Osistema democrático prevê que matérias concernentes à coisa pública devam serdecididas politicamente. As sociedades modernas organizaram o processo da decisãopolítica através de duas esferas especializadas e com responsabilidadesdiferenciadas.

Antes de tudo, há a esfera civil, o domínio de toda a cidadania, detentora da soberanialegítima, mas cuja função no processo de produção da decisão política é basicamentea autorização, revisável de tempos em tempos, daqueles que realizam a decisão. Asoberania da esfera civil consiste fundamentalmente na possibilidade de constituirintegralmente a esfera da decisão política, a esfera política em sentido restrito, isto é,de estabelecer, a cada pleito, todos aqueles que dela participarão. A especialidade daesfera política, assim constituída, consiste em produzir a decisão política. Esta última éde dois tipos. De um lado temos a decisão de governo, destinada à implementação deprogramas cujo resultado é sempre um modo de configuração da coisa pública (paramantê-lo ou alterá-lo conforme uma determinada visão ou percepção do mundosocial), usando-se para tanto os recursos do Estado. De outro lado, temos a decisãoparlamentar, que se caracteriza como uma decisão segundo regras (e as constituiçõesdemocráticas são basicamente sistemas de regras de decisão), que, por sua vez,torna-se ela mesma uma nova regra. Como a decisão de governo, a decisãoparlamentar comporta sempre um efeito direto sobre o estado da coisa pública.

Com a especialização de funções e poderes em duas esferas distintas, a democraciarepresentativa viu-se desde sempre presa nas malhas da controvérsia sobre aefetividade do poder da esfera civil. No interior dos discursos de autolegitimação deque é pródiga, a democracia tem um dos centros dogmáticos na idéia de soberaniapopular, a idéia segundo a qual o conjunto dos cidadãos se autodeterminapoliticamente e o povo está no comando do Estado. Nessa perspectiva, a esfera civil éconstituída pelos mandantes e a esfera política pelos mandatários. Historicamente,entretanto, o centro do poder de Estado parece ser ocupado pela esfera política, emcujo núcleo está o governo, restando à esfera civil apenas a função de intervençõesepisódicas em eleições para escolher, em função de cliente, uma dentre as váriasopções de configuração do Estado produzidas pela esfera política e oferecidas nobalcão eleitoral. Em outras palavras, na divisão social do trabalho político, para usar aexpressão de Bourdieu, a esfera dos mandantes, mais nobre em termos ideológicos,tornou-se politicamente a mais passiva, enquanto a esfera dos mandatários,ideologicamente secundária, tornou-se a mais ativa e a mais efetiva2. Do ponto devista do discurso de autolegitimação da democracia, a esfera política seria apenas odesaguadouro institucional da esfera civil, compreendida como um colegiado derepresentantes da vontade popular, apta a realizar a decisão política porque para issodeputada pelo cidadão comum. Historicamente, a esfera política não apenas nãofunciona como eco e reflexo da esfera civil, como assume a função ativa de gerar,além das leis e regulações em geral, os programas e os discursos descritivos eexplicativos de interesse político, as interpretações do mundo social, em competição,que a esfera civil consome apresentando-se ao balcão político para escolher.

Nesse contexto se dá outra contraposição básica no interior da atividade política entreas eleições, de um lado, e o exercício regular do poder político através do governo edo processo parlamentar, de outro. Não são apenas dois “momentos” diferentes daprática política ou dois institutos previstos pelo sistema democrático.

2 “O que faz com que a vida política possa ser descrita na lógica da oferta e da procura é a desigual distribuição dos instrumentos de produção de umarepresentação do mundo social explicitamente formulada: o campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele seacham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns,reduzidos ao estatuto de «consumidores», devem escolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados do lugar daprodução” (Bourdieu 1998:162).

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Fundamentalmente, toda a atividade política contemporânea se realiza ao redordessas duas especialidades maiores, para fazer face às quais são constituídosarsenais diferentes de competências, habilidades, regras, instituições, informações eserviços. Numa ou noutra, ou em ambas, consome-se a quase totalidade da energiapolítica disponível.

As competições eleitorais representam o único meio legítimo de introdução deindivíduos e grupos na condição de produtores da decisão política de Estado.Tecnicamente, através das eleições os cidadãos controlam, episodicamente, asfunções destinadas à gestão direta do poder político. No Brasil, por exemplo, em 2002o Estado colocou em disputa todas as vagas da esfera política para a Presidência e aVice-presidência da República e para a Câmara dos Deputados do CongressoNacional (513) e parte das vagas do Senado Federal (54 vagas de um total de 81cadeiras). Além dos governos dos estados da Federação e dos seus legislativosestaduais. Concorreram a essas vagas 18.880 candidatos, que, juntamente com osseus partidos, investiram para tanto R$ 830.415 milhões, segundo dados do TribunalSuperior Eleitoral. Tratando-se de um número extremamente pequeno de vagas paratantos concorrentes potenciais, não é de se admirar que a concorrência seja renhida.

A terceira contraposição básica, prevista pela democracia, dá-se, portanto, entre doisconjuntos de atividades correlacionadas no funcionamento regular da esfera política: ogoverno e o processo parlamentar. Como vimos, o primeiro se ocupa com a gestãodireta da coisa pública e o segundo se dedica à produção da deliberação política. Osistema democrático prevê poderes específicos para cada uma das instânciasresponsáveis pelo Estado: o governo dispõe dos recursos do Estado, tambémdenominados de “poderes públicos” (fazenda, força, inteligência, aparelhoadministrativo, etc.), mas também dispõe do mando e do controle sobre osmandatários que controlam os serviços de Estado, bem como do poder simbólico quese agrega a quem conduz a coisa pública (os patrimônios de autoridade e decredibilidade que põe quem governa na condição de intérprete da realidade política); oparlamento, por seu turno, dispõe do poder de produzir a decisão política e,conseqüentemente, do poder de constituição do Estado enquanto ordenamento legal,de configuração da coisa pública.

O poder relacionado ao emprego dos recursos de Estado é por demais conhecido paraque mereça maiores análises. Quero destacar, entretanto, o poder de conferir poder,também este associado ao governo, pela sua importância na política de negociação.Trata-se do poder de delegar funções e cargos por meio dos quais se executa aprestação de serviços públicos. Quanto maior for a esfera de intervençãogovernamental na prestação do serviço de Estado ao cidadão, maiores são as redesde cargos controladas apenas em última instância pelo Executivo. Quanto menor for aimportância da carreira pública para a ocupação desses cargos menor é a suadependência dos controles da esfera civil e maior o seu valor como patrimônio daesfera política, controlado pelo governo e por aqueles a quem ele deputa o mando. NoBrasil dão-se justamente os dois fatores: há uma extensa esfera de intervençãogovernamental ao mesmo tempo em que grande parte dos cargos destinados àprestação do serviço público localiza-se fora do alcance dos servidores de carreirafuncionando como patrimônio político à disposição do grupo que governa. Assim, porexemplo, um partido chega ao poder central tendo de preencher mais de 5.000 cargosimportantes, inclusive duas dúzias de Ministérios e os cargos do Palácio do Planalto,associados diretamente à Presidência da República. Além disso, as presidências ediretorias das empresas estatais e de órgãos assemelhados, as embaixadas e todo osegundo escalão federal. Por fim, os cargos de terceiro escalão pelos quais o Estadoalcança os estados e municípios da Federação. Não se sabe ao certo, mas fala-senum total superior a 20 mil cargos de confiança na administração federal.

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A malha de cargos à disposição do Executivo não possui, evidentemente, valorapenas simbólico. Muitos cargos trazem consigo o acesso à fazenda pública e o que ocontrole de quantidades enormes de recursos significa em termos de poder concreto.A Caixa Econômica Federal, por exemplo, pode emprestar, em 2003, R$ 8,4 bilhõesdo Orçamento da União e do FGTS para habitação popular e saneamento básico emtodo o território nacional. A quota de poder de quem controlar uma estatal como essapode ser mensurado pelo volume de recursos públicos de que dispõe e de que cadaprefeito e cada estado desse país necessitam.

Além disso, o poder, portanto, de distribuir e controlar, capilarmente, cargos no interiordo corpo do Estado é particularmente importante quando os costumes políticosorientam-se fisiologicamente e o Estado é organismo a ser parasitado por grupos deinteresses e indivíduos dedicados a transformarem a coisa pública em coisa própria.Principalmente porque enquanto o poder do governo sobre os recursos do Estadopode ser mais facilmente controlado pela atividade legislativa e, com mediações, pelaesfera civil, o sistema de mando no interior do Estado, sobretudo em sua dimensãomais microscópica, facilmente escapa à intromissão da cidadania e dos outrospoderes republicanos e permite aos grupos hegemônicos o real controle do Estado.

A política de negociação não pode subestimar, além disso, o poder atribuído aoLegislativo e o processo parlamentar que o controla. O sistema democrático prevê queas eleições sejam não apenas o instrumento de escolha do governante, mas tambémo mecanismo de autorização de colegiados, a funcionar de forma deliberativa, com afunção de controlar a decisão política. Por outro lado, trata-se de um colegiado que seorienta de forma competitiva tanto internamente quanto na relação com quem governa.De todo modo, o parlamento controla, competitivamente, a definição dos modos deemprego dos recursos públicos, que são administrados pelo governo que depende,para isso, dos produtores de decisão política na atividade parlamentar. Controla, alémdisso, ao mesmo tempo e de forma correlacionada, a decisão sobre que interessespolíticos serão satisfeitos e que interesses não o serão. Em suma, controla o podersobre o emprego dos recursos públicos objetivados e o poder sobre a conformação dacoisa pública através da decisão política.

De forma que, embora o governo tenha conseguido uma autorização civil para acondução do Estado, e embora os seus programas tenham sido autorizados nadisputa eleitoral, o seu poder consiste em conduzir a administração do Estado e emexecutar programas e projetos na dependência da sua aprovação pelo colegiado dosprodutores de decisão política, a assembléia política. Isso quer dizer que paraexecutar os seus próprios programas e projetos, o partido no governo precisa contarcom a mediação parlamentar, que é composta também por uma oposição que estápermanentemente em competição pelos poderes públicos com o partido que seencontra ao governo.

A base da atividade política regular é o jogo político que se estabelece numa arenaocupada por dois conjuntos de agentes: governo e congresso. De todo modo, é umjogo atravessado por várias linhas de força e com muitos agentes ocupando funçõesduplas. A primeira linha demarcatória, nítida, é aquela entre Executivo e Legislativo,mas eis que surge uma segunda linha para complicar, aquela que separa governo eoposição, que, portanto, associa parte do Executivo com parte do Legislativo. Depois,vêm outras linhas de contraposição, sem lugar constitucionalmente previsto, mas nãodesprezíveis no interior da luta política: as bancadas e sub-bancadas organizadas apartir dos estados, grupos de pressão de natureza social ou econômica, vinculaçõespessoais a personalidades políticas influentes, vinculações religiosas, de classe ou deinteresse e outras formas semelhantes.

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Por mais que se reitere a importância, em termos de teoria democrática, das relaçõesentre Executivo e Legislativo, o centro real da luta política é a relação entre governo eoposição. O grupo que governa tem o poder que lhe dá a administração dos recursosdo Estado, mas precisa da decisão política conforme os seus programas e projetos,além de precisar manter ou aumentar o seu poder eleitoral. O Congresso éresponsável pela decisão política, tem o poder deliberativo, mas se divide entre ogrupo que governa e os seus aliados, de um lado, e os grupos em oposição aogoverno, de outro, que têm interesses diferenciados. A parte governista do parlamentoaposta a própria sobrevivência nos êxitos do governo e quer o mesmo que oExecutivo. Os grupos de oposição querem interferir na execução governamental, aomesmo tempo em que pretendem aumentar o seu poder de realizar as decisões quelhe interessam além de incrementar o seu poder eleitoral. O antagonismo essencialque contrapõe os dois grupos faz com o êxito de um de alguma forma sempresignifique a frustração do outro. Na narrativa mais nobre, diríamos que os dois gruposcompetem para assegurar que o seu projeto de Estado se implemente. Uma narrativamais pragmática vê a competição como disputa para assegurar acumular o máximo decapital político possível, garantindo a sobrevivência do próprio grupo, como patamarmínimo, e a hegemonia, como objeto de desejo. Uma narrativa de realismo políticodiria, enfim, que se trata de uma competição em que se providencia o próprio sucessoatravés do fracasso do outro, daí a necessidade de cuidar para tornar-lhe a vida difícil,criando-se todos os constrangimentos possíveis.

Para que não nos iludamos sobre a paridade de forças dos concorrentes, é bomdestacar que no nosso sistema o autêntico núcleo do poder sobre o Estado érepresentado pelo Executivo, cabendo aos parlamentos o poder reativo de frear ouapoiar os seus programas, se puder. Esse núcleo do poder, por sua vez, inclui a redede mando que se espraia pelo Estado através dos cargos comissionados pelos quais opoder executivo se implementa, mas também inclui o centro da decisão política nointerior do Executivo, a instância nuclear do governo que projeta, elabora e decide aspolíticas e programas do governo central. Por isso mesmo, os partidos e a maior partedos agentes políticos formataram as suas habilidades políticas para conseguir omando e delegá-lo à sua rede de poder político, mantendo-a viva e forte enquanto sebeneficia do Estado, enquanto a outra parte desses agentes políticos buscamparticipar das instâncias nucleares do Executivo, onde o objeto de desejo é apossibilidade de configuração do Estado. Em geral, as instâncias nucleares seestabelecem em círculos concêntricos, estabelecendo-se no cerne da decisão deEstado um grupo pequeno que concentra a maior parte do poder político disponível,além de potencialmente consistir num dos pólos agregadores de mais poder político.

É no contexto dessa disparidade de forças entre Executivo e Legislativo, de um lado, eda prescrição do ordenamento jurídico das repúblicas modernas de que os quegovernam só podem satisfazer o seu interesse através das esferas deliberativas doprocesso parlamentar, de outro lado, que se estabelecem as várias formas demediação entre governo e parlamento. Algumas dessas formas, apesar de muitoeficientes e praticadas à larga, resultam em convenientes deturpações do modelodemocrático. É o caso de uma gama de alternativas que vai da fraude à corrupção, daameaça e de outras formas de coerção ao uso ilegal do Estado contra os adversáriosde quem manda, da intromissão direta do sistema econômico no campo político àinterferência da força militar. A democracia, entretanto, prevê apenas duas formasfundamentais de mediação política entre governo e parlamento, que são asnegociações com vistas a composições políticas e o convencimento através dasesferas regulares de disputa argumentativa. Deixarei de lado aqui o segundo modelo,das esferas públicas deliberativas, de que já tratei em outras oportunidades, paraexaminar a negociação como forma básica de condução do jogo político regular.

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3. A negociação política

Em situações de competição pelo poder político, há três modos principais deconcertamento da forças em disputas. O primeiro é quando uma das partes acumulatanta força que pode retirar todo o poder do outro: é o domínio. É a maneira maiseficaz para a implementação de programas e projetos por parte do grupo dominante,porque se estabelece numa situação de resistência zero às suas pretensões. Talforma, entretanto, não é aceita pelas regras do jogo democrático, que prescrevem quetodo membro da esfera política, em função da autorização que recebe da soberaniapopular, mantém durante todo o período do seu mandato o poder que lhe foi deputadopela esfera civil: o poder de intervir na esfera deliberativa e o poder de votar nasassembléias constituídas para a decisão política. Em nenhum caso, tal poder pode serretirado politicamente pelos outros membros da esfera política, embora se possa fazê-lo juridicamente em certas circunstâncias.

O segundo modo é o convencimento discursivo. Considerado o modo mais nobre deresolução das diferenças de pretensões entre grupos políticos, ele consiste em umconjunto de rituais em que as pretensões se convertem em palavras, que seapresentam como argumentos em esferas públicas, para, então, confrontar-se emdiscussões controladas pelas regras do jogo democrático com os argumentos de todosos outros participantes, com vistas à produção da deliberação política. Osparticipantes das assembléias devem ser, em princípio, pessoas prontas paraconvencer e dispostas a formar a sua opinião final a partir das disputasargumentativas. O pressuposto é que o acordo se dê por convencimento. Emboraconsoante com o ideal democrático, essa forma tem contra si uma desvantagem: é umprocedimento de resolução caso a caso das diferenças e não uma forma sistemáticade distribuição de poder. É adequada para colegiados, mas nada mais representamquando a esfera política deixa a forma de assembléia para se recompor como gruposde luta pelo poder. O colegiado é circunstancial, embora seja o coração do sistemademocrático, enquanto a competição pelo poder político é sistemática; o colegiado seestabelece para produzir a decisão política no final do processo de contraposições,enquanto as competições pelo acúmulo de poder permitem acúmulo e gozo do poderpolítico em todo momento do processo. As assembléias, por princípio, ignoram comocondição inicial a distribuição de poder no campo político, para redistribuirparitariamente a chances de ouvir e falar, convencer e ser convencido. Essaredistribuição das chances é algo contraproducente para o grupo mais forte, numalógica de acúmulo de capital político. Por outro lado, seria freqüente a únicaoportunidade de valer alguma coisa na esfera política por parte dos grupos maisfracos. Em suma, a deliberação política parlamentar pode ser a parte mais nobre daatividade política, mas não assegura o poder político estável, a principal das delíciasque podem ser desfrutadas durante a estadia na esfera política por parte dos gruposdominantes. Por isso mesmo, os seus agentes procuram garantir formas sistemáticasde controle da decisão política, mesmo que isso comporte o sacrifício da sinceridadeargumentativa do processo parlamentar e a renúncia ao poder deliberante doparlamento, enquanto os grupos mais fracos sonharão sempre com a possibilidade deuma esfera deliberativa “pra valer”.

O terceiro modo, portanto, estabelece-se entre a ilegitimidade do domínio e ainconveniência da argumentação para os grupos políticos dominantes. Pode serpraticado sozinho ou em combinação com a segunda forma, sempre de acordo com asconveniências e a cultura predominante na esfera política. Esse meio supõe que asquotas de poder parlamentar não podem ser canceladas politicamente e as admitecomo condição preliminar, enquanto, por outro lado, procura modos de controlesistemático da distribuição do poder sobre o Estado e de controle da produção da

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decisão política. A essa forma de concertamento da competição que admite aineliminabilidade das quotas de poder parlamentar, de um lado, e se orienta pelabusca de controles sistemáticos da distribuição do poder político, de outro lado, euchamo de negociação. Suposta a ineliminabilidade do outro, cada parte do jogopolítico empenha-se para acumular o maior número de quotas possível e para impedirque os seus adversários o façam primeiro ou o façam melhor. Como se trata de umadisputa por bens limitados (as quotas são só aquelas e não se pode forjar outras) aarte aqui é extremamente flexível e sensível ao sistema de posições dos outrosparticipantes da competição. É preciso saber impor-se quando se é muito forte, cedermuito quando se é muito fraco, permutar, compensar, retaliar a até conceder,conforme as circunstâncias do jogo.

Uma democracia é basicamente uma forma de governo em que a esfera política érecomposta periodicamente através de eleições e em que a decisão políticaparlamentar, consensual ou decorrente de apoio da maioria, se realiza por meio dadeliberação. Por outro lado, os governos, que por força do ordenamento jurídicodemocrático dependem da decisão política parlamentar, hão de procurar sempreagregar, em negociações, as forças políticas efetivas para obter uma situação estávele sistemática de facilidades parlamentares: a chamada maioria estável no Congresso.Na prática, a negociação que leva os governos à formação de maiorias parlamentaresconsiste numa oferta de participação no poder de Estado controlado pelo governo enuma demanda de restrição da deliberação dos parlamentares. O governo pederestrição do poder de produção da decisão em seguida à deliberação geral, enquantooferece participação no próprio poder, na forma de controle de cargos e verbaspúblicas.

Em tese há vários modos de formação de maiorias parlamentares e se pode imaginaruma forma em que o aliado conserve os seus poderes deliberativos e os seus direitosde, em plenário, convencer e ser convencido nas assembléias políticas. Na prática,entretanto, o horizonte de expectativas em torno da estabilidade das maioriasparlamentares parece sério demais para que os governos permitam, sem sanções esem ameaças de sanções, aquelas “veleidades” deliberativas, vistas como excesso deindependência e, mais comum ainda, como infidelidade aos pactos. Nem mesmo sepode dizer que as formas de controle da discussão política genuína (aquela em que sediscute sobre matérias e não sobre estratégias e procedimentos) seja uma questão darelação entre governo e parlamento, pois os partidos e blocos de oposição se engajamde maneira semelhante na cobrança de fidelidades e no esforço de colocar asobrevivência do grupo acima da sinceridade deliberativa. Principalmente quando aoposição é o grupo político mais forte no Congresso. De todo modo, o governo tem avantagem de poder conceder participação no poder que controla, pedindo em trocaque as suas propostas sejam aprovadas pelos aliados sem discussão na instânciaparlamentar a isso destinada.

Aparentemente, trata-se de uma forma de entendimento entre Executivo e Legislativo,cuja contraposição radical bloquearia a ação de governo e impossibilitaria ofuncionamento do Estado. Na verdade, as coisas são um pouco mais complicadas doque isso, a começar pelo fato de que a afirmação da diferença, da distinção, de umcerto desencaixe entre os dois poderes é essencial para o modelo da democracialiberal. Antes, a democracia do sistema se apóia em um certo nível de antagonismoentre os poderes, que praticamente desaparece se a esfera pública deliberativa ésubstituída por uma instância que, no seu extremo de auto-consignação ao Executivoconservaria apenas uma função de despachante do governo. Na forma mais extremadessa relação o parlamento perde função e sentido, pois ocuparia o mesmo espectrode poderes já ocupados pelo Executivo, de que se tornaria subsidiário. Mesmo quenão se chegue ao extremo, de fato, essas negociações comportam necessariamente o

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estreitamento da esfera da deliberação política e a produção, democraticamentecomplicada, de um poder político não deliberante.

As alianças sistemáticas

Excluídas as formas ilegítimas de negociação política, como corrupção, ameaças eintimidações, esta se dá principalmente através dos modos representados pelasalianças sistemáticas e pelas negociações miúdas. São formas de apoio àelegibilidade e de garantia da governabilidade, isto é, tanto estão destinadas aassegurar arregimentação de forças para garantir êxitos eleitorais quanto paraoferecer suporte para a formação de maiorias parlamentares governistas. Como empolítica nada se dá sem competição e adversidade, são também formas voltadas paraproduzir o efeito contrário disso, isto é, formas de composição política dedicadas aimpedir ou pelo menos dificultar a elegibilidade do adversário ou a governabilidade doExecutivo.

À diferença das negociações estabelecidas para o jogo parlamentar, as composiçõespolíticas não são suficientes para o êxito eleitoral, porque enquanto o processoparlamentar se realiza inteiramente dentro da esfera política, envolvendo os seusrecursos e agentes, na competição eleitoral a decisão não cabe aos profissionais docampo político. Como naquela anedota de futebol, não basta apenas realizar bonsacertos com partidos e agentes políticos, é preciso também combinar com a esferacivil, que, afinal, é quem decide. Por isso mesmo, o apoio dos líderes de opinião oudas instâncias sociais que controlam ou influenciam votos, como lideranças religiosas,comunitárias, das organizações civis ou mesmo a arraia miúda da política, deve serconsiderada. Muito embora os grandes agregadores de voto, para além dos âmbitosda política comunitária, sejam mesmo as lideranças políticas às quais se chega pelasalianças e barganhas regulares da política de negociação. Evidentemente, não sechega a vitórias eleitorais sem votos; sem dinheiro e sem aliados, por outro lado, nemsequer é sensato se pôr em campanha.

Certas alianças em período eleitoral constroem bases para maiorias parlamentares, see quando o grupo dos aliados chega ao governo por vontade dos eleitores, enquantohá outras posteriores à vitória eleitoral, que distribui igualmente acesso ao exercício dopoder sobre os recursos de Estado aos recém-aliados. Porque possui posições demando político para distribuir entre os que quiserem ser aliados, o Executivo estarásempre de posse de enorme vantagem sobre a oposição parlamentar nasdemocracias vigentes. A não ser que algum outro fator importante, como a pressão deuma opinião pública fortemente adversária ou uma crise da economia que solape asbases da fazenda pública, anule essa vantagem.

As alianças eleitorais podem gerar vantagens decorrentes do fato de os pactos entreos grupos terem sido, de algum modo, aprovados pelas urnas, mas podem igualmentecriar problemas para a governabilidade posterior. Circunstâncias eleitorais - dentreelas, a força eleitoral do grupo adversário - pode produzir alianças com base emcompromissos que não podem ser cumpridos posteriormente sem o risco de que secomprometa a governabilidade, pelo fato de que nem sempre as circunstânciaspolíticas coincidem com as eleitorais. Certas circunstâncias de governo, como criseeconômica ou forte oposição das forças sociais organizadas, ou mesmo aincompatibilidade interna de interesses da base aliada, contidas eleitoralmente, masque ganham a ribalta na hora da divisão do poder, transformam, anulam oureconfiguram alianças. Por isso mesmo, no período posterior às eleições as aliançascostumam ser re-examinadas e aliados de primeira hora, daquela hora da incerteza e

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inquietude, podem ser descartados ou preteridos diante de forças políticas maisconvenientes aos interesses de quem se prepara para assumir o governo ou de quemjá o assumiu, mas não consegue governar com os aliados trazidos dos campeonatoseleitorais. Há parceiros que podem se revelar interessantes companhias na campanhaeleitoral - em função de sua imagem pública, empenho militante, aporte de recursosfinanceiros ou outras razões – e um problema para a negociação política entregoverno e parlamento. São os aliados de primeira hora dos quais o vencedor sedesfaz como cadáveres de beira de estrada ou que mantêm como os familiaresinconvenientes que se tenta esconder dos olhos das visitas.

Mesmo as alianças obedecem ao princípio da competição constante e às premissaseleitorais. Nesse sentido, todos esperam sempre ganhar e as tensões geradas pelastáticas e estratégias produzem os movimentos típicos do jogo político, no interior doqual nunca há aliados para sempre nem rupturas eternas. Entende-se então porque asalianças e acertos são mais fáceis de se estabelecer por quem governa quando oscargos estão abertos e as equipes que vão participar do poder sobre os recursos deEstado ainda não se formaram, quando o chefe do Executivo tem grande apoiopopular ou quando a importância da fazenda pública for muito grande para a economiade uma região, um estado ou um município. Entende-se também porque os acordossão mais difíceis com a proximidade das eleições, onde os grupos que estão no poder(aliados ou oposicionistas), quando consideram grandes as próprias chanceseleitorais, deixam crescer expectativas de uma conquista própria do poder político.

Essa mesma linha de raciocínio se aplica, evidentemente, para a oposição. Torna-semuito difícil apresentar-se ao público como oposição a um governo com grandepopularidade, com a caneta presidencial operante e à distância das eleições. De formaque muitos oposicionistas com interesse eleitoral tendem a tratar de maneiradiferenciada o governo com tais características, principalmente quando a clivagemeleitoral ainda não se faz necessária, pois candidaturas prematuras são alvos fáceis.Uma liderança oposicionista, nesse caso, procurará acumular prestígio eleitoral semse chocar com o governo eleito enquanto ele estiver tão forte, mas estará pronto,todavia, para ganhar distância da Presidência da República se a popularidade dopresidente cair ou se chegar o momento que imponha uma decisão pela própriacandidatura à Presidência em algum momento mais próximo das eleições. Do mesmomodo, parece ser essa uma opção racional para um partido de oposição que pode seraliado eventual ou promover uma oposição sistemática apenas discreta num primeiromomento, para evitar a sua caracterização pelo público como obstáculo àimplementação de projetos “aprovados” nas urnas, mas pronto a assumir fúriasoposicionistas se essa popularidade cair, por exemplo, em virtude de propostasgovernamentais impopulares, ou se as conveniências eleitorais assim o exigirem.

Pode-se encontrar no campo político um sistema de práticas de aliança bastantevariáveis, cujos extremos são compostos, de um lado, por um modelo apoiado emafinidades ideológicas e, de outro lado, por outro que simplesmente leva emconsideração as forças políticas que estão envolvidas efetivamente no jogo políticoregular. Os espaços intermediários seriam gradações desses dois modelos-limite. Asalianças reputadas ideológicas são mais fáceis de se justificar pelos discursos deautolegitimação da política, enquanto correspondem a idéias-chave da narrativa nobreda democracia, segundo a qual o jogo política se estabelece a partir de programas eidéias a respeito da configuração da coisa pública. As alianças do segundo modelo,por outro lado, correspondem a uma concepção pragmática da política, entendidacomo competição e luta pelo poder político entre forças socialmente dadas. Embora setenda a associar o primeiro modelo à esquerda e o segundo à direita, na verdade amaior parte das alianças em qualquer campo político situa-se realmente nas partesintermediárias de um espectro cujas extremidades seriam as formas ideais desses

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modelos. Além disso, exceto nos casos, cada vez mais raros, que a direita e aesquerda se equilibrem numericamente no campo político, as alianças ideológicasoferecem muito menor garantias de eficácia eleitoral e de êxito em termos degovernabilidade do que as alianças pragmáticas que consideram as forças efetivas nocampo político a prescindir da sua coloração ideológica. Neste último caso, fatorescomo valores associados à imagem pública do eventual parceiro (ex. “honestidade”,“capacidade administrativa”, “improbidade” etc.) são mais importantes do que a suavisão política de mundo. O primeiro modelo parece admitir que a legitimidade de umaforça no campo político - portanto, o seu potencial como parceiro de alianças -depende de valores ético-políticos por ela respeitados e visões política de mundo porela sustentados, como, por ex. interesses emancipatórios com relação às classespopulares ou a concepção de que o Estado não deve intervir nos negóciosparticulares. O segundo modelo, por outro lado, reconhece que o fato de o parceiroestar no interior da esfera política estrita, tendo sido autorizado por um certo númerode cidadãos, torna-o um legítimo adversário da disputa política, portanto um legítimoparceiro para alianças. Fernando Henrique Cardoso conquistou e manteve ahegemonia política estabelecendo alianças que tendiam ao segundo modelo e o PT sóobteve sucesso eleitoral e viu-se dotado de chances de governo quando assumiu ummodelo de política efetiva deixando de lado o modelo de aliança por visão de mundo.

Raramente, um universo político chega a um grau tal de cinismo que as partes que sealiam não precisem conferir dignidade à aliança invocando uma honesta e legítimasintonia programática, mesmo que no fundo se deseje mesmo a distribuição dosprivilégios do Executivo, a feudalização do poder com o estabelecimento desusseranias e vassalagens. Uma forma de adotar o segundo modelo sem perdervantagens do primeiro consiste em um esforço para realizar alianças fazendo crer àpopulação tratar-se de adesões a um programa. Com isso, mantêm-se a identidade deimagem e a coerência cognitiva, que são importantes para o sucesso eleitoral,enquanto se pratica um modelo pragmático de alianças no interior do campo político.Obviamente, a credibilidade desse discurso depende de se respeitar certos limites nasalianças e de se levar em consideração, sobretudo a imagem pública dos parceirosescolhidos ou desejados.

De qualquer maneira, há uma diferença entre partidos que se põem na arena políticacom uma visão de mundo acerca do modo como deve ser configurada a coisa públicae partidos que se constituem como agregações de interessados em tirar vantagem docontrole do Estado. O primeiro caso se dá em sistemas democráticos maisamadurecidos, com esfera civil forte e uma esfera política constituída por partidos quedisputam em torno de projetos e programas. O segundo caso é típico de sistemaspolíticos onde o Estado é entendido como coisa particular do grupo que chegou aopoder, que pode, portanto, exercê-lo através de práticas clássicas em nossa região,como o velho clientelismo. De todo modo, em toda parte, em certos lugares mais, emoutros menos, a política é território fecundo para oportunistas sempre à procura dassaborosas sobras do poder, não importando quem o detenha.

A vitória do PT na luta pela Presidência da República nas eleições 2002 demonstrou aeficácia do segundo modelo de construção de alianças. Primeiro, o partido articulouum conjunto de alianças com forças políticas que não constituíam a base da aliançaoposta, forças desgarradas da corrente dominante. Ao mesmo tempo, empreendeu umesforço de comunicação política para afirmar a continuidade dos seus princípios eprogramas, e reiterar a clareza da sua posição ideológica suavizada apenas pela boavontade para receber apoios e adesões e a sua disposição ao diálogo com outrasforças políticas, salvaguardados os princípios que constituem a identidade partidária.Vencida a eleição com essas forças, torna-se necessária a explicitação das aliançasde maneira a permitir aos parceiros o compartilhamento do poder conquistado. É o

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momento das negociações miúdas e das grandes alianças em que o governo tentagarantir-se apoio parlamentar e os outros partidos tentam assegurar espaço nopróximo governo. Para ambos, é hora de garantir poder. E, novamente, faz-senecessário um esforço de política de imagem para demonstrar à sociedade que o PTcontinua o mesmo, salvo nos aspectos em que conseguiu melhorar, e que o governoque se partilha continua sendo o governo do PT.

Nesse caso explicitamente, a ausência de alianças nítidas entre parceiros visíveis epostos à luz do dia tem como alternativa apenas a barganha caso a caso, o escambopolítico circunstancial, que torna o grupo frágil aos assaltos dos outros grupos depressão e interesse no momento em que as suas forças não bastarem para asseguraro apoio parlamentar ao projeto de governo do partido.

A eleição de 2002 deixou o governo Lula com 220 votos de deputados aliados dos 257necessários para constituir o quorum mínimo para a votação de projetos de lei e dos308 de que precisaria para a aprovação de mudanças constitucionais. 513 são osvotos disponíveis. Tanto os 220 votos da base aliada quanto os que lhe faltam parauma maioria que assegure as condições mínimas de governabilidade dependerão dasua capacidade de estender ou retrair o conjunto das alianças, o que costuma passarpor alianças sistemáticas ou pelo balcão de trocas, envolvendo em ambos os casos adistribuição do poder executivo pelas redes de interesse dos partidos e pessoaspolíticas. Assim, na posse da nova Câmara em fevereiro, os partidos da base aliada jácontavam com 253 deputados.

A barganha

As barganhas caso a caso são formas de negociação em que o concorrente maisforte, geralmente o governo, concede vantagens, que as tem, ou estabelece sanções,quando o pode, vinculadas ao poder executivo em troca de apoio parlamentar. Essaprática é particularmente eficaz quando: a) o parceiro da negociação é partido ougrupo que realiza política apenas para o favorecimento daqueles que integram opróprio projeto de poder; b) há um sistema político em que o partido como sujeitoinstitucional tem pouca relevância eleitoral e, portanto, é um agregador frágil noprocesso parlamentar normal que se segue às eleições. À medida que o parlamentar eo público compartilham a percepção de que a eleição do sujeito político se deu porsuas próprias forças e qualidades, e não em virtude do seu vínculo com a legenda, oprimeiro sente-se à vontade tanto para a mudança de legenda conforme perspectivaspessoais de ganho quanto para negociar o seu voto diretamente com o governo, tudoisso conforme as suas conveniências e independente das vinculações institucionaisdos partidos. Essa mentalidade que constitui a cultura política brasileira facilitaenormemente a negociação direta entre governo e congressistas.

No fundo, o que o governo oferece ao parlamentar em troca do seu apoio semdeliberação é mesmo material empregado nas alianças sistemáticas. Trata-se dadistribuição miúda dos recursos de Estado, principalmente na forma acesso à fazenda(não necessariamente como corrupção, mas na forma, por exemplo, de liberação derecursos para emendas parlamentares) e da distribuição de posições de mandos paraa rede de dependentes e clientes políticos dos parlamentares, aquilo que vulgarmentese chama de “loteamento” de cargos. E se trata também de tornar difícil a vida dosoposicionistas e aliados infiéis impedindo ou dificultando o acesso à fazenda eimpedindo ou retirando da rede de mando os seus apadrinhados. O procedimento debusca de apoio parlamentar por meio de distribuição de posições de mando político ourecorrendo-se a facilitações de acesso à fazenda pública é o que vulgarmente se

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chama de método fisiológico. Em geral o custo de tais operações incidem sobre oscofres públicos, mas comporta também um certo risco para o partido que o praticauma vez que os apetites que se satisfazem pelo desfrute dos poderes do Estadofreqüentemente produzem escândalos políticos que incidem sobre o Executivo.

Esse método de negociação se distingue da aliança sistemática porque naquela sebusca um parceiro que assuma as responsabilidades de governo e nesta se requerprecipuamente o voto. De qualquer forma, entre nós esse método é muito eficiente,enquanto nele se satisfaz a vontade de poder dos parlamentares, dos seus partidos edas suas redes, enquanto os núcleos de poder se tornam ainda mais fortes pelaagregação da força parlamentar decorrentes dos congressistas favorecidos peloExecutivo. Entrega-se, de alguma maneira, o Estado para fortalecer o governo.Entretanto, o que comporta em eficiência comporta igualmente em risco para os quegovernam em função, sobretudo, das forças que controlam o campo político: avigilância parlamentar das oposições ou dos grupos rivais, o Ministério Público e,principalmente, o jornalismo político. Um dos principais riscos é o chamado “escândalopolítico” (Thompson 2002). Não é à toa que a maior parte dos escândalos desse tipoenvolva partidos da base de sustentação do governo. Emergindo o escândalo, porobra do jornalismo político e, hoje em dia, das interações densas entre MinistérioPúblico e imprensa, é a vez da oposição fazer a festa, promovendo as retaliações eprocurando enfraquecer o governo diante da opinião pública, através dos jornaisdiretamente e das CPIs, que também servem para alimentar os jornais e produzirpéssima exposição a quem governa. O governo tentará no seu trabalho com a opiniãopública, deslocar de si a responsabilidade pelo escândalo, procurando um isolamentosanitário do seu centro de poder e atribuindo ao indivíduo ou ao seu partido asresponsabilidades pelo desvio de conduta, ao mesmo tempo em que tentará impedir acriação de comissões parlamentares de inquéritos.

Há, no sistema político brasileiro, partidos especializados nessa forma de escambo.Para tanto, evitam as alianças programáticas e as adesões sistemáticas, preferindoatuar sozinhas e barganhar o seu apoio, com a oposição ou o governo, em cadadisputa parlamentar. Mas há também partidos que embora se engajem em alianças,desde que estas comportem participação no mando e nas redes de mando doExecutivo, nem por isso deixam os seus membros de solicitar a negociação no varejo,presumivelmente desfrutando, assim, do melhor dos dois mundos. O custo de ter emsua base aliada um partido especialista em combinar barganhas e alianças é muitogrande para o governo, que terá que negociar sempre com facções, grupos dedeputados, bancadas internas em conflito permanente e até mesmo comparlamentares isolados, além de alimentar com cargos e verbas a aliança institucionalcom o partido. Isso comporta também um custo considerável para o governo emtermos da sua imagem pública, além naturalmente das eventualidades de escândalospolíticos previsíveis na negociata primária desse tipo. O presidente Fernando HenriqueCardoso teve o PMDB durante oito anos como sua base aliada e ainda assimenfrentou uma parte oposicionista do mesmo partido, além de ter que descer anegociações miúdas mesmo com a parte governista do partido em todos os momentosdelicados das relações entre governo e parlamento.

Um governo apoiado predominantemente sobre a barganha caso a caso com outrasforças políticas, com outras forças sociais representadas politicamente e com gruposcom capacidade de pressão política põe em risco constantemente o Estado. O jogo deforça da política pode ser conduzido nesse caso de tal modo que os participantespodem envolver-se em lutas pelo monopólio do poder político tão concentradas no seupróprio interesse que o interesse comum ou até mesmo a sobrevivência do Estadovêm muito depois dos privilégios do próprio grupo e dos direitos autoconcedidos defavorecimento dos seus ou de retaliações aos grupos opostos.

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O procedimento do emprego do poder sobre os recursos do Estado parafavorecimento da rede de clientes do grupo político e para retaliações contra os gruposadversários foi de tal maneira naturalizado no campo político brasileiro quepraticamente se tornou sinônimo de prática política. Quando o governo Lula declarasua intenção de empregar setores sociais organizados e localizados fora do campopolítico - como ONGs, igreja, pastorais e sindicatos - para a distribuição dos recursosde seus projetos sociais, está tentando evitar, de forma sincera ou por meio de umaatitude estudada para consumo da comunicação política, que tais recursos sejamempregados “politicamente”, isto é, conforme as conveniências dos grupos políticosque controlam os serviços de Estado. Por outro lado, a retirada de tais recursos docontrole das pastas para transferi-los a gestores da sociedade civil retiraria uma parteconsiderável do poder político dos mandatários das redes de poder delegado peloExecutivo, o que comporta a afirmação de que o governo não se sente capaz de evitaras redes de mando que têm nele a sua origem nem de controlar o seu funcionamento.

De todo modo, a prática de empregar a deputação de poder de Estado para obtençãode apoio parlamentar em alianças ou barganhas caso a caso supõe estimativas dovalor relativo de cada cargo de mando disponível e de cada vitória parlamentar. Osvalores dos cargos dependem basicamente de complexas operações em que seavaliam desde o poder simbólico que ele agrega (prestígio, valor de exposiçãopositiva, capacidade de agregar valor à imagem etc.) até o orçamento à disposição dotitular da pasta e a distribuição da rede de confiança do agente político que a controla.Isso explica porque partidos entregam-se a alianças e apoios conceitualmenteincompreensíveis quando a moeda de troca é, por exemplo, ministério ou estatais comabundante orçamento, recursos preferencialmente previstos em lei e, a própriaperfeição, cargos que se espraiam por todas as unidades da Federação. Numa dessasfunções-rede há espaço suficiente para a acomodação de várias das malhas deinfluência de qualquer partido político.

4. Fatores que incidem sobre a política de negociação.

Embora a política de negociação se explique pelo seu sistema imanente - a saber,considerando-se fundamentalmente os recursos e os agentes envolvidos e os meios emodos sistemáticos da sua interação - isso não quer dizer que fatores quetranscendem o campo especificamente político não incidam consideravelmente sobreo seu funcionamento. A composição política quase sempre tem que levar em contaalguns elementos que não são propriamente da natureza das negociações específicasdo jogo político. Tais elementos não têm a forma do poder político, recurso com que sejoga basicamente no tabuleiro da política de negociações, mas são assimilados comoimportantes fatores em suas operações, em graus variáveis de incidência. Tãovariáveis que podem se sobrepor aos recursos regulares da prática de negociação emdecorrência de cálculos de custo-benefício que o agente político sempre precisarealizar.

Há fatores sociais, fatores econômicos e fatores relacionados ao público. Fatoressociais e econômicos, por exemplo, são aqueles que atingem os recursos públicosobjetivados (principalmente a fazenda, a segurança, a saúde), alterando o capitalfundamental das negociações políticas. Assim, crises econômicas, guerras, ataquesterroristas, revoluções ou epidemias se tornam fatores com incidência direta eimediata sobre as negociações. Além disso, como não há governos que nãodependam de algum grau de controle sobre a população (o povo da democracia ou aplebe dos sistemas absolutistas), ou porque dependem da soberania popular ou

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porque temem o número, não há política que não tenha que levá-lo em consideração.Assim, o favor do povo (ou o temor, como ensina Maquiavel) se torna um fator comincidência sobre a prática política.

Esses fatores têm influência variável no tempo e no espaço. Com a diminuição dasguerras e epidemias devastadoras, por exemplo, muitos fatores civis perderamenorme poder sobre a negociação política na maior parte das democracias liberais.Em sentido inverso, cresce de modo acelerado a importância dos fatores econômicosrelacionados ao público. No caso dos governos recentes do Brasil e de outros paísescom fundamentos econômicos semelhantes, fenômenos econômicos têm seconstituído como fatores importantes na negociação política e na política de imagem eopinião pública. A novidade está associada a um tipo especial de fenômeno: osmercados financeiros globalizados e os seus capitais que voam de um país a outroconforme as suas perspectivas de ganhos e perdas. Num país que depende em altograu dos recursos estrangeiros para fazer funcionar o sistema financeiro nacional ou,até mesmo, para fazer frente ao funcionamento do serviço que deve prestar aopúblico, os governos se tornam muito frágeis diante dos fornecedores de dinheiro.Primeiro, porque de alguma maneira retira-lhe de controle um dos principais recursosdo poder público: a fazenda. Sem dinheiro, não se implementam projetos nemprogramas e, sobretudo, não se garante o investimento infra-estrutural para osserviços de Estado nem a manutenção, em nível adequado, da prestação dessesserviços. Com pouco dinheiro, um governo é quase nada, o seu poder políticodecresce a níveis irrisórios e o seu poder de barganha se esvai. Segundo, porque, emconseqüência da não implementação dos programas de governo, da ausência oudecadência da infra-estrutura de serviços e da baixa qualidade dos serviços de Estadoo governo perde o seu principal poder simbólico: o apoio popular. Sem dinheiro e semapoio popular, um governo é menos que nada, porque o próprio Estado, que governa,torna-se muito pouco.

Já a sociedade entra nas contas do jogo político de diversos modos e por váriasrazões. Desde aquele que corresponde à narrativa ideal da política, em cujas fórmulasmais comuns governo e parlamento aparecem como representantes da sociedade, daopinião pública, dos interesses populares e a esfera política estrita é vista comodeitando profundamente as suas raízes na esfera civil, retirando dali seu sentido. Doponto de vista do jogo político pragmaticamente pensado, as categorias «povo» e«público» são já recursos produzidos pela esfera política para a sua competiçãointerna. Recursos que entram nos cálculos da política em pelo menos dois modos:como pressão direta sobre o campo político por meio das manifestações em quemassas humanas se apresentam nos espaços públicos ou como pressão indiretaatravés da opinião pública. No primeiro caso, há o valor institucional das massas quelogo irão transformar fúria em voto, além da potente impressão do poder do número.No segundo caso, há apenas voto em potencial.

No primeiro modelo, pode-se lançar mão, politicamente (isto é, como forma deinfluenciar a decisão política) da chamada pressão das “ruas”. A oposição, quando seextingue completamente a alternativa parlamentar de interferir na decisão política(diante de maiorias governistas extremas ou pouco afeitas à esfera discursivaproduzindo nos gabinetes a decisão política), tentará transferir para a mobilizaçãopopular as funções de refreamento e controle do governo. O governo, por sua vez,tentará apelar à pressão das ruas contra uma oposição majoritária e inexorável,buscando na mobilização do povo em comícios, passeatas e manifestações umaespécie de segunda eleição e trabalhando com a declarada legitimidade da vox populia seu favor. A “rua” apresenta-se também, nos dois casos, como um constrangimentosobre os outros jogadores.

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Em sociedades com consensos sociais mais firmados, a pressão das massas émanifestação mais extraordinária do que o segundo modelo de incidência do «público»sobre os negócios da política, aquele em que ele aparece principalmente na forma da«opinião pública». Esta categoria incide tão seriamente nos cálculos das articulaçõespolíticas que a esfera profissional da política se viu obrigada a criar um sistemasubsidiário de habilitações, de matrizes de percepções, de planejamentos e de açõescuja finalidade precípua é ajustar-se à opinião pública predominante. Isso se tornounecessário em função de dois fatores: a) a aceleração e a intensificação dainformação política que permite à esfera civil um controle cognitivo contínuo da esferapolítica e torna a opinião do público - público que periodicamente se converte emeleitorado - sobre os participantes da esfera política numa verdadeira e constantepreocupação desses últimos; b) a presença de uma esfera pública expositivapredominante, ou esfera de visibilidade pública, controlada pelas indústrias dainformação e do entretenimento, independente e desconfiada da esfera política, cujoresultado mais sério é justamente reduzir o âmbito de discrição onde se processam osnegócios políticos.

A eleição interminável e a esfera de visibilidade pública

Historicamente a esfera civil autoriza quem governa ou quem legisla, conferindolegitimidade democrática à esfera política, mas não exerce poder sobre o Estado enem tem controle sobre quem o exerce. Aparentemente, o único poder que lhe cabe édecidir a quem conferir o poder sobre os recursos do Estado e apenas isso. Apenas?De fato, isso é pouco se nos colocarmos na perspectiva de que quem governa todosos dias, o mesmo acontecendo com quem tem responsabilidades de controle sobre ogoverno e é encarregado de cuidar da produção de leis que determinam o estado dacoisa pública, enquanto o poder de autorização se exerce apenas episodicamente. Emtese pelo menos, é melhor governar todos os dias do que votar de vez em quando.

As coisas, entretanto, mudaram, pelo menos sob um aspecto específico. Houve umtempo em que a esfera civil tomava conhecimento das agendas do governo e daspautas do Congresso apenas através da imprensa de opinião associada a grupos deinteresse e a partidos políticos ou através da imprensa oficial, que representava ointeresse de quem governava. Houve um tempo em que o Estado (ou, maisprecisamente, o governo) controlava os fluxos informativos e, portanto, selecionava eeditava a informação política através da qual o cidadão comum formava a sua opinião.Houve um momento em que a esfera civil formava a sua decisão sobre ospretendentes à esfera política principalmente nos períodos imediatamente anterioresàs eleições e fundamentalmente por meio das campanhas políticas. Nesse caso, claro,a esfera civil entrega o cuidado quotidiano com a coisa pública aos agentes da esferapolítica e resigna-se aos exercícios de escolha dentre as opções previamenteconstituídas pela esfera política nas competições eleitorais.

Hoje vivemos em sociedades de fluxo contínuo, intenso, acelerado e multidirecional deinformação política. Nas democracias liberais a indústria do entretenimento e osistema industrial de informação assumiram o negócio da informação política em lugarda imprensa de opinião e da imprensa oficial e a censura prévia se torna umabrutalidade arcaica. Além disso, vivemos em sociedades com grande quota de tempolivre e capital cultural, onde a comunicação política, copiosa, leiga e variada, chega aovolume da informação contínua e ao padrão de velocidade do segundo. Emsociedades em que a política é secularizada e tratada no nível do consumível,devassa-se a esfera política como se devassa a vida privada das celebridades e dacultura em ondas cada vez mais crescentes de hiper-exposição.

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A alteração que assistimos é, portanto, antes de tudo de natureza cognitiva. Formou-se um domínio multivariado, livre, intenso, veloz e de fácil acesso composto porrepertórios de informação sobre a esfera política, sobre as questões de Estado e sobreo estado da opinião pública, um domínio que funciona como uma grande cena da qualtoda a cidadania pode se tornar espectadora e consumidora, a esfera de visibilidadepública política. Em sociedades desse tipo a esfera civil não depende mais dasconveniências da esfera política para formar a sua opinião e a sua disposição, queserão convertidas oportunamente em votos. Nem precisa esperar as campanhaseleitorais episódicas e os discursos de campanha para intervir, votando, no jogopolítico. Nas democracias liberais se chegou a um tal estágio de circulação deinformação política que a esfera civil pode praticamente reconfigurar todos os dias,depois da leitura do jornal matutino ou depois de apreciar o telejornal da noite, a suaopinião e a sua disposição sobre os partidos políticos, o governo, os sujeitos e temaspolíticos, as agendas parlamentares e o seu quadro de prioridades.

Como opinião e disposição públicas se convertem em votos, há uma virtualidadeeleitoral constante a assombrar a esfera política. Surge, então, uma necessidade novano campo político, isto é, a necessidade de saber, a cada momento, qual é a opinião ea disposição da esfera civil sobre o que se decidirá politicamente, sobre os atuaisparticipantes do jogo político, sobre os programas de governo, sobre as reformas doEstado e, sobretudo, sobre os agentes da esfera política. A sociedade passou, então,a produzir industrialmente estoques de informação política destinados ao consumointerno da esfera política. Se as indústrias do entretenimento e da informaçãoproduzem e distribuem para a esfera civil informação sobre a esfera política, osinstitutos de sondagem de opinião geram e distribuem para a esfera políticainformação sobre a esfera civil.

Do lado da esfera política, isso significa que o sucesso eleitoral depende dacapacidade que teria o agente emissor do mundo político de identificar e atenderpercepções, disposições e opiniões da esfera civil. O poder de autorização que épróprio da esfera civil se estende, então, à medida que se estende o seuconhecimento sobre a esfera política. Quando a esfera civil, que determina quemparticipa e quem está excluído da esfera política, pode formar durante todo o tempodos mandatos a sua opinião sobre os partidos, o governo e os sujeitos políticos, a suadecisão ganha a mesma extensão dos mandatos. Os mandatários, então, passam acortejar a esfera civil e a buscar reconhecer os seus humores e as suas tendências e asatisfazer os seus desejos. Passam a se assessorar de indivíduos com competênciano controle dos fluxos comunicativos, para descobrir o que pensa e sente o público epara produzir discursos e fatos conforme a opinião que se quer que o público tenha.Nesse sentido, a campanha agora se confunde com o mandato, solicitando da esferapolítica um dispêndio subsidiário e constante de energia. Os mandatários não apenasgovernam ou legislam, mas governam ou legislam como se estivessem o tempo todoem campanha. A campanha agora é permanente, a eleição é interminável.

Do ponto de vista dos públicos, a cena política é o grande espelho onde a vida políticase apresenta aos olhos dos leigos. Não apenas é uma grande cena, não é apenas aparte visível da esfera política, é a esfera política no seu modo de existir para ocidadão e pode ser por ele experimentada. Se há outra, não lhe é disponível. Por isso,é nela e por ela que a esfera civil forma a sua opinião e organiza a sua disposiçãosobre os sujeitos políticos, sobre o estado da coisa pública, sobre agendas eprioridades do congresso, do governo e da sociedade. Do ponto de vista da esferapolítica, a esfera de visibilidade pública é a forma com que um agente político ou umamatéria da pauta política, por exemplo, podem assegurar o reconhecimento público dasua existência. Para um agente profissional da política, existir para o público de massaé principalmente existir nessa esfera e a imagem que se fizer dele a partir da cena

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política será tomada pelo público como a constituição da sua natureza e do seucaráter. Portanto, é a sua cena principal, praticamente o único palco no qual tem opúblico como espectador. Não estar em cena significa não existir; parecer mau é sermau para o apreciador do teatro político quotidiano.

Os “fatores publicidade”

A política em cena é justamente a política que chega ao público, objeto das práticasque chamamos de política mediática. Aparentemente, então, a política de negociaçõesnada tem a ver com isso. O seu lugar de realização são os bastidores, os gabinetes, oâmbito da discrição, enfim, preservado da intromissão dos leigos e dos jornalistas. Anegociação é uma prática onde os agentes da esfera política exercitam sua máximamaestria e profissionalismo e onde a esfera civil, cujo papel já foi exercido na eleição,não teria lugar nem competência. Como, então, se pode encontrar uma conexão entreas negociações da esfera política e a esfera civil?

A hipótese que sustento aqui consiste em afirmar que uma série de dispositivos epossibilidades decorrentes da eleição interminável entra como um fator importantepara o cálculo de custo e benefício que fundamenta as negociações. As negociações,compensações, barganhas continuam sendo o que sempre foram, a saber, formas decomposição do poder no interior do jogo de forças político. Acontece que ascomposições supõem sempre um delicado conjunto de cálculos pelos quais se avaliaquanta força se tem, qual a potência do adversário, quanta força pode ser aliada e,portanto, o que se precisa ceder e o que se pode simplesmente tomar. Calcula-seainda em perspectiva, considerando-se o que se tem e se pode ceder em face do quese quer e se espera obter. Esses cálculos são baseados em uma certa quantidade defatores, como a capacidade do adversário de produzir alianças, o espectro ideológicopresente em um campo político determinado ou as pressões que os gruposeconômicos exercem sobre o campo político. A novidade nesse sistema é que há dese considerar, dentre as bases de cálculo das operações política, os fatoresassociados à esfera civil e à esfera de visibilidade pública.

Vou chamá-los de “fatores publicidade”, porque são associados ao lugar que a esferacivil, o “público” no seu sentido republicano, ocupa no interior do jogo. Alguns dessesfatores são originários desses novos tempos de eleição intermináveis, outros sãoconaturais à experiência política, mas foram reconfigurados e repotencializados apartir do fenômeno da extrema visibilidade pública da política e da conseqüenteeleição interminável. Examinemos.

a) Palcos políticos e quotas de visibilidade

O primeiro fator publicidade considerado no cálculo custo-benefício no interior dasnegociações políticas é a exposição na esfera de visibilidade pública predominante.Em tempos de cena política, o existir para as mentes, os corações e a memória dopúblico passa pela visibilidade mediática. Assim, esse fator entra nas negociações emprimeiro lugar agregando valor aos cargos e funções de máxima exposição,principalmente em âmbito federal e estadual. Estar à frente do Executivo garante aotitular imediatamente uma presença quotidiana, enquanto durar o mandato, nos laresde todos os brasileiros através da comunicação de massa. Também a titularidade dosministérios, principalmente os que têm maior orçamento ou maior efeito nasprioridades do país, as secretarias ligadas à Presidência da República, a presidênciade grandes empresas públicas e por aí vai, todos esses cargos representam umaenorme quota de visibilidade mediática em posse do governo para a sua distribuição

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nas negociações e barganhas. A quota de visibilidade que um desses cargoscomporta constitui uma boa parte do seu poder simbólico, pois, afinal, ser titular de umministério é não apenas ter à sua disposição um orçamento, um sistema de cargos e apossibilidade de implementar programas, mas é também ter a chance de fazer-se vere ouvir na esfera pública dominante.

As funções parlamentares também possuem a sua quota de visibilidade. Como ogrande centro de atração dos holofotes costuma ser o Executivo, a visibilidadeparlamentar está principalmente associada à sua relação com o governo. Mas hátambém para as funções que representem de forma emblemático o parlamento e oseu jogo, como as presidências das duas Casas Parlamentares, além, naturalmente,da restante configuração das duas Mesas Diretoras, das lideranças de bancadas. Têmainda grande capacidade de atrair as luzes da cena pública, as presidências erelatorias de Comissões Parlamentares de Inquérito e de algumas das 18 comissõespermanentes da Câmara e das sete do Senado - como a de Constituição e Justiça ede Redação - bem como a presidência dos partidos. Eis uma das razões porquealguns desses cargos e funções são disputados como se valessem a vida de quempor eles peleja.

O caso das presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é exemplardesse argumento. Sacrificam-se alianças ou estabelecem-se outras, novas, aposta-sepraticamente todo o cacife e o prestígio de um partido ou do próprio Planalto paradecidir quem representa tais papéis na cena pública, tal a quota de visibilidade quecomportam e o valor que agregam aos seus titulares. Quem os exerce supostamente édetentor de um patrimônio de credibilidade política, capacidade de liderança,articulação e composição, trânsito entre todas as bancadas, força política e derelacionamento adequado com o governo, que são características adequadas ao seupapel central nas negociações entre governo e parlamento. Mas a capacidade derelação com a imprensa, carisma mediático e boa capacidade de gestão da própriaimagem e condução da opinião pública tornam-se requisitos fundamentais para opapel, em virtude da enorme visibilidade que agrega. O centro de visibilidade docongresso, excetuado os casos de CPIs, é dado pela presidência das Casas3.

Nesse sentido, entende-se o lugar do fator “tempo de rádio e tv” no interior da lutapolítica. O “tempo de rádio e tv” é um dispositivo legal da política brasileira voltadopara garantir um tipo de presença da política na esfera de visibilidade pública fora docontrole dos agentes das indústrias da informação e do entretenimento, dedicado,portanto, a assegurar uma presença da política controlada politicamente, o que éparticularmente importante durante as competições eleitorais, quando os agentespolíticos querem falar diretamente à população. A base de cálculo da quota de tempode rádio e tv é, atualmente, o tamanho das bancadas dos partidos nos dias dasposses dos parlamentares na Câmara e no Senado Federal.

A busca pelo acréscimo da quota se dá em duas grandes lutas, que findam por ser aprimeira a primeira e a derradeira grande competição política dos mandatos

3 Ao romper ou permitir que fosse rompido o equilíbrio de poder entre os dois maiores partidos daquela que fora a sua base de sustentação durante seisanos, PMDB e PFL, permitindo que PMDB e PSDB tomassem posse da maior quota de visibilidade parlamentar, lançando o PFL numa semi-obscuridade com a qual não estava acostumado, o governo de Fernando Henrique expôs-se a um intenso processo de retaliação deste último parceirodurante todo o resto do mandato. O processo posterior de retaliações, compensações e contra-retaliações ganhou o centro da cena na cobertura política,destruiu a credibilidade dos acordos no interior da base aliada, forçou o governo a descer ao balcão de cargos e verbas para barganhar com agentespolíticos e mesmo assim não conseguiu impedir que sofresse pesadas derrotas quando os seus projetos foram apresentados ao Congresso. Tendoperdido um palco político institucional, o PFL de Antonio Carlos Magalhães providenciou-se um outro através do jornalismo político, de onde disparoudenúncias de corrupção no governo que culminaram numa forte queda da popularidade do presidente, numa tentativa impressionante de aprovação deuma CPI da corrupção e na espetacular contra-manobra do governo para que não fosse aprovada. Uma contra-manobra que, segundo os jornais daépoca, envolveu diretamente o Presidente da República, seus ministros e os líderes governistas, numa pesada e emergencial negociação que passou porcomposições, arranjos e acertos eleitorais, de um lado, e pela liberação copiosa de verbas orçamentárias e de convênios com prefeituras que torroucerca de 30 milhões de reais em 48 horas.

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parlamentares brasileiros. A primeira acontece entre as eleições e a posse dosparlamentares, durante um hiato de pouco mais de sessenta dias, dedicadosgeralmente ao chamado troca-troca partidário, a saber, aos deslocamentos dosparlamentares dos partidos nos quais foram eleitos para outros partidos conformesuas conveniências. Esses movimentos são pensados politicamente, isto é, orientam-se por perspectivas de lucros: os parlamentares buscam ganhos individuais nas novaslegendas – mais poder no interior da legenda ou, como é comum, as benesses defazer parte de um partido da base aliada do governo4 - enquanto os partidos e osblocos partidários calculam o aumento de quota de tempo de exposição napropaganda gratuita de rádio e televisão.

Também a derradeira grande luta entre partidos, nos anos considerados pré-eleitorais,dá-se em torno de perspectivas de manutenção ou acréscimo de quotas de exibiçãona propaganda eleitoral. É fator importante em qualquer cálculo de custo-benefício dealianças interpartidárias que se formam para as eleições, a quantidade de tempo que oaliado agrega. Nesse sentido, os partidos com grandes quotas são a “noiva dossonhos”, que se seduz com agrados e mimos de todos os tipos, enquanto os partidoscom quotas minúsculas serão sócios minoritários com pequeno poder de barganha.

Risco de exposição negativa

Se a visibilidade de per si já representa um palco que, somado à competência teatraldo ator pode constituir um enorme poder simbólico, sabe-se claramente que hávisibilidades desejáveis e outras indesejadas. De forma que não há negociação nointerior do jogo político que não considere o risco de exposição negativa quecomporta. Esse tipo de cálculo se justifica por duas razões.

A primeira é um paradoxo inerente à política de negociações em tempos de eleiçãointerminável. Por sua própria natureza, a articulação é uma arte que precisa dareserva, de certo segredo, de muita privacidade. Por outro lado, como a visibilidade éum cacife político importante que se agrega ao poder de cada um dos parceiros danegociação, a exposição precisa ser instrumentalizada de forma eficiente no interiordas composições políticas. A tensão entre a reserva necessária e a exibição queagrega poder produz e meios pelos quais a instância política procura administrar umacoisa e outra, através dos convenientes “vazamentos” de informação ou decompromissos com jornalistas, por exemplo. Aparentemente, o segredo da arteconsiste em produzir visibilidade sobre o que é vantajoso que seja visível e recobrircom reserva aquilo que é conveniente manter sob discrição. Essa administração doque vai à cena e do que fica nos bastidores seria simples se não fosse o fato de queas composições políticas são sempre movimentos no interior de um jogo organizadopor múltiplos interesses e por variadas fontes de poder. Nesse sentido, enquanto adeterminados agentes envolvidos em um acerto interessa reserva e segredo, a outrosagentes que seriam por ele prejudicados pode interessar a sua exibição. Trata-se deum jogo de forças em que a exibição negativa do outro pode ser o princípio de umanova composição política.

O segundo elemento a ser considerado é o fato de que a cena política mediática épredominantemente controlada por agentes externos ao campo político.Principalmente o jornalismo político, herdeiro do jornalismo de opinião, liberal eiluminista, de cuja essência parece fazer parte a idéia de vigilância da esfera política ede vínculo com o interesse público. Faz parte das tradições mais clássicas dojornalismo político a afirmação da sua representação da esfera civil; faz parte do

4 Pouco mais que duas dezenas de deputados federais mudaram de partido entre a eleição em 2002 e a posse em fevereiro de 2003. Todos semovimentaram para partidos da base aliada do governo.

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sistema de práticas do jornalismo industrial e leigo um conjunto de técnicas deapuração destinado a trazer para a esfera pública expositiva os acertos ecompromissos da composição de forças no interior do campo político. Mesmo omodelo considerado o extremo oposto do jornalismo público, o jornalismo de tablóide,manteve a hostilidade com respeito ao campo político, não exatamente por amor aopúblico-cidadão, mas por interesse no público-audiência, ávido pela exibição dossegredos da “política suja”. De um modo ou de outro, jornalismo investigativo é umperigoso adversário do segredo na esfera política e um potencial sabotador dasiniciativas de administração da reserva-exibição dos agentes políticos.

A confluência da possibilidade de que os adversários produzam luz sobre acertos ealianças que se desejaria abrigar do olhar público, de um lado, com a presençaconstante do jornalismo investigativo, interessado em “desmascarar” as articulaçõessilenciosas da política, de outro lado, torna o concertamento político através denegociações uma atividade que comporta um sempre crescente risco de exibiçãonegativa. Tal risco, portanto, passa a ser incluído nos custos de uma negociação eusado para fazer as equações custo-benefício. Ele é ainda maior porque não háapenas a presença simultânea de dois conjuntos de agentes potencialmenteameaçadores para os negociadores, mas também porque há um sistema de crescenteconjunção entre os adversários políticos e o jornalismo, através da interação repórter-fonte, que produz desde o escândalo político até o denuncismo e o “colunismo socialpolítico” que tão bem conhecemos.

A descoberta de acertos indevidos pode ser devastadora para o governo ou para osparlamentares. Um dos grandes fantasmas a assombrar a democracia é a idéia degoverno invisível, a idéia de que o Estado estaria sob o domínio de sujeitos nãoautorizados. Eis porque o público não gosta de composições secretas, montadasjustamente para enclausurar a esfera política e “protegê-la” do seu olhar. Consome,portanto, com grande interesse a informação política “reveladora” e tende a punir aforma escandalosa dos acertos políticos que chegam à esfera pública. Osnegociadores, portanto, passam a levar em consideração em suas negociações opotencial de exibição negativa que elas comportam e a resguardar-se de correrdemasiados riscos de aparecer mal na esfera de visibilidade pública.

b) Apoio popular

Se a visibilidade é um meio, a popularidade e a impopularidade são o objeto de desejoou temor dos agentes do campo político em tempos de eleição interminável ecomparecem largamente como base de cálculo de custo-benefício do fato e daspossibilidades de negociações no interior da esfera política. Em primeiro lugar, é fatorimportante nas disputas pelas indicações para a disputa dos cargos políticos e naformação de alianças eleitorais. Como os próprios agentes da política admitem, osíndices de popularidade representam um “cacife” dos mais importantes para aimposição ou rejeição de um sujeito no interior de partidos ou de alianças. Daaveriguação de tais índices decorre a noção empregada pelo campo político de“viabilidade eleitoral”.

Em segundo lugar, é uma das bases de cálculo nas relações entre oposição egoverno. A popularidade ou impopularidade do governo representa um capital queconfere força ou debilidade a um dos lados da relação. E isso pode ser até mesmomedido, de forma que quanto maiores forem os índices de apoio popular recebidomaior a força que o governo aporta nas negociações com a oposição. Uma força que,a rigor, tende até mesmo a eliminar a negociação. Um governo extremamente popularestabelece ao redor de si uma blindagem que o autoriza a ceder o mínimo possívelpara obter o que quer do Congresso. Em sentido contrário, um governo extremamente

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impopular é refém do Congresso e dos seus grupos internos, eventualmente é refématé mesmo da oposição.

E esse fator é tão importante que, em alguns casos, pode se sobrepor a outros, comoa força das maiorias parlamentares. Um governo com uma base de sustentaçãomenor do que a oposição tenderá a compensar a sua debilidade sob esse aspectocom os seus índices de popularidade, invocando sobre as oposições parlamentares asmaldições e retaliações da esfera civil. Como o governo é escolha majoritária daesfera civil, parte sempre em vantagem sob este aspecto diante da oposição, que foilevada a esse posição não por escolha própria, mas por ter sido derrotada. Assim, osgovernos partem fortes em apoio popular enquanto as oposições em geral não podemfazer muito mais do que esperar ou trabalhar para alterar os índices de popularidadede quem governa. Se isso acontecer, então terá a sua chance.

Como índices de popularidade tendem a modificar-se, os governos nunca deixam deprecaver-se para os períodos ruins tentando construir bases de apoio o mais forte quepuderem durante a bonança. De qualquer sorte, quanto maior for a duração dosíndices positivos maiores serão as suas chances de conseguir aliados com pequenodispêndio dos seus recursos e as possibilidades de ter aprovados os seus projetos.Apenas governos populistas, por outro lado, aposta todas as suas fichasexclusivamente no apoio popular, usando a esfera civil como instrumento de pressãosobre o congresso. Com meios de comunicação industrial e fora do campo político epartidos fortes na oposição, essa é uma hipótese que se pode dificilmente realizar naatualidade das democracias liberais, embora seja facilmente implementável quandoum desses elementos falta.

Em terceiro lugar, na produção da decisão política, tanto governo quanto oposição têmdificuldade de se opor a uma matéria com forte apoio popular, não havendo aliança ouacordo que possa tranqüilamente impor decisão impopular. Do mesmo modo, asituação de sonhos de quem governa é ter uma opinião pública amplamente favorávela determinadas reformas ou medidas de Estado. Esse fator é tanto mais importantequanto for a proximidade das eleições, pois conforme um princípio prático parlamentarnão se aprovam matérias polêmicas em anos pré-eleitorais. Como o apoio popular nãoé necessariamente uma grandeza espontânea, a esfera política de há muito seaparelha com recursos comunicacionais destinados à busca do apoio popular ou alançar os adversários e as suas propostas no inferno do ódio das massas. O governo,de novo, possui vantagens nesse processo, pois, pelo menos no Brasil, tem à suadisposição grandes somas de verbas publicitárias provenientes dos fundos públicos,em geral usadas não para a propaganda de Estado, mas para a publicidade dogoverno. Além disso, sendo o Executivo o centro da cena política, o governo possuinovamente lugar de fala privilegiado e mais chances de dizer e ser ouvido. À oposiçãorestam como recursos, em geral, conseguir o apoio dos príncipes da opinião dojornalismo político e a ocupação dos espaços parlamentares de visibilidade (que ogoverno trata sempre de ocupar antes, se puder).

c) Imagem

Sabemos que as destrezas para a luta pela formulação, controle e administração daimagem pública formam parte das habilidades, habilitações e matrizes de percepçãoque integram a política mediática, que se distingue por vários meios e modos dapolítica de negociação. Introduzir a questão da imagem pública numa discussão danegociação política não é, então, afirmar a indiferença sobre as duas formas depolítica, tese que se descartou desde o início desse artigo? Seria, sim, se a questãoaqui fosse a da imposição da imagem pública predominante, quando na verdade se

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trata de se levar em consideração a imagem pública nos cálculos que orientam asnegociações políticas.

Como todos os outros fatores publicidade, a imagem pública é fator inibidor oureforçador das composições políticas. Como vimos, o acúmulo de capital políticoatravés da política de negociação não depende apenas da realização de bons acertose de alianças vantajosas no interior do campo profissional da política. Afinal, a esferade visibilidade pública situa-se, nesse momento, na maioria das democracias liberais,em expansão sobre o campo político reduzindo de forma crescente as esferas dediscrição de que se valem a barganha e a política miúda. Nas esferas de discrição dapolítica de negociação, o agente político é um articulador, um parceiro do jogo entreprofissionais da política, um traficante de poder, um negociador etc., enquanto naesfera pública ele é um conjunto de discursos (dele e sobre ele), de apresentaçõesvisuais de atos, de configurações plásticas ou sonoras que serão decodificados pelopúblico como representações, opiniões, disposições afetivas, como imagem, enfim.Como a esfera de visibilidade dos sistemas do entretenimento e da informação instalaconstantemente colônias avançadas nos domínios da discrição política e realiza osseus raptos e seqüestros em território inimigo, a esfera política tem sempre que levarem conta o modo como os seus discursos e atos reservados repercutiriam na esferapolítica se para lá fossem conduzidos pelos agentes do universo da comunicação demassa.

A constante possibilidade de ver gerada sobre si uma imagem pública a partir de atose discursos produzidos para consumo reservado no âmbito das negociações ou damera administração das funções de Estado faz com que os agentes políticos se dotemde certas cautelas com as quais, embora não descuidando das matérias específicasda articulação política, aparelha-se para controlar, na medida do possível, a produçãoda sua própria imagem. A primeira cautela desse tipo é predominantemente negativa econsiste em tentar minimizar os riscos de geração de imagem negativa que certasnegociações comporta, tanto aumentando os controles sob os sigilos, quandopossível, quanto evitando envolver-se em acertos cuja publicação produziriacertamente efeitos negativos sobre a imagem pública dos envolvidos. O controle dosigilo é freqüentemente arriscado, por ser a política uma arte competitiva, de formaque uma péssima opinião pública sobre um dos contratantes pode ser um ótimonegócio para os outros. O que reforça ainda mais a importância de se evitar os efeitosde imagem causados por concertamentos políticos indevidos ou escandalosos.

Obviamente a consideração do risco de dano sobre a imagem dos agentes políticosenvolvidos em acordos e barganhas não impedem que negociações impublicáveis seestabeleçam. A esfera de visibilidade pública, infelizmente, não tem o poder ou opropósito de transformar a política em uma prática integralmente virtuosa. Significaapenas que nos concertamentos políticos resguardados por um extenso domínio dadiscrição é muito pequeno o valor atribuído ao custo político da publicação dos fatosreservados enquanto em uma esfera política constante e freqüentemente devassadapela informação política esse valor é altíssimo. Isso, se não refreia os agentes daprática dos acordos impublicáveis, pelo menos aumenta enormemente o seu custo nasnegociações políticas.

Além do caso mais extremo dos acertos indevidos, a iminência da esfera públicaexpositiva, instância fundamental da geração de imagens, impinge cálculos de custo ebenefício para a imagem nas negociações em geral. Cálculos de onde se depreendeque um acordo deve ser evitado enquanto outro deve ser buscado. Isso impõe anecessidade de se evitar alianças públicas com sujeitos cuja imagem pública énegativa e de se buscar alianças públicas com sujeitos e grupos com boa imagempública. Para que não se pense que aqui se repropõe o mesmo fator «apoio popular»

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de que se tratou há pouco, note-se que há agentes políticos com excelente imagem,mas com parco apoio popular e com pouca possibilidade de êxito eleitoral. Sãopessoas e partidos a que o público atribui valores predominantemente positivos, masdas quais descarta qualidades que considera essenciais ou importantes para oexercício do governo, por exemplo. Em 1989, o Dr. Ulysses Guimarães não poderia teruma melhor imagem pública de honestidade, correção moral, seriedade e convicçãodemocrática, além de contar com 40 minutos diários de TV, que era nada menos doque o dobro de todos os outros candidatos no primeiro turno da eleição presidencial.Obteve 3,9% dos votos.

Isso significa que em política há pessoas sem grande cacife eleitoral para um cargo degoverno, por exemplo, mas cuja imagem é tão positiva que se tornam excelentescompanhias em fotografia ou em um vídeo para o jornal das oito. Pessoas cujo apoio,por exemplo, represente sempre uma agregação de valor e cuja reprovação publicadaequivale a alguns pontos de perda de credibilidade pública. Com a vantagemintrínseca ao instinto competitivo da política de que um aliado político com excelenteimagem e pouco cacife não pode se tornar com facilidade um concorrente.

Por outro lado, há companhias que devem ser evitadas, pelo menos nas manchetes,porque afetam negativamente a imagem de quem os acompanha. Esse não é um fatorcom incidência menor no campo político, pois explica uma parte substancial dosmovimentos de compromissos, rupturas de pactos e sacrifícios de aliados durante osmandatos. Afetam sobretudo o governo, a quem a esfera civil atribui aresponsabilidade pelo mando no Estado. Os vários pontos das redes de mandodelegado no interior do Estado são para o público de responsabilidade do Executivo,de forma que os escândalos políticos que envolvem quaisquer dos mandatáriosrepercutem nos pontos superiores até atingir o poder central. Por outro lado, quantomais visibilidade possuir o mandatário maior a sua vinculação, em termos de imagem,ao Chefe do Executivo. Ministros de Estado e cargos do primeiro escalão ou funçõesparlamentares ligadas ao governo, por exemplo, são reputados como escolha diretado Presidente e, portanto, têm a sua imagem associada a ele.

Um episódio político de abril de 2001 ilustra bem o argumento. Trata-se da demissãodo senador José Roberto Arruda da função de líder do governo de Fernando HenriqueCardoso no Senado Federal. Depois de ter sido descoberta a sua participação naviolação do sigilo do painel eletrônico na votação que cassou o senador Luiz Estevãoe depois de não terem surtido efeitos as explicações e os panos quentes com que emgeral se tratam casos dessa natureza, a presença de Arruda vinculado ao governo,quando o Presidente se empenhava pessoal e desesperadamente para evitar aaprovação da CPI da Corrupção, só aumentaria os danos provocados na já avariadaimagem do governo de Fernando Henrique Cardoso naquele momento. Apermanência do aliado na liderança prejudicaria o governo porque prejudicaria aimagem pública do Presidente e do seu governo. O senador Arruda havia se tornadoum estorvo.

É claro que o governo poderia custeado, mesmo que a taxas altíssimas, o ônus quevinculação de imagens impunha e mantido a aliança, desde que o que lhe fosseoferecido em troca compensasse as perdas ou, melhor ainda, lhe desse algum lucro.Ou desde que o prejuízo não ficasse ainda maior com a dispensa do aliado. Não o fezporque o descarte do senador Arruda nem aumentava algum prejuízo nem podia sercompensado por alguma outra vantagem que o aliado pudesse ter. Afinal o senadorera do mesmo partido do Presidente, a sua imagem pública tinha se tornado muitoruim porque envolvido num escândalo político sério e não havia ninguém disposto asacrificar a sua própria pele para retaliar de alguma forma a ruptura da aliança. Omesmo não se deu no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, que

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se elegeu numa, então, espantosa aliança com o PFL, cuja imagem era praticamenteoposta à do PSDB (nas virtudes e nos defeitos) e àquela do próprio FernandoHenrique. Eleito, o seu partido possuía uma bancada de 62 deputados federais, deforma que para chegar aos 337 deputados da confortável base aliada de que se serviuno mandato foi preciso depender fortemente do PFL do senador Antonio CarlosMagalhães e do PMDB do senador Jader Barbalho. E pagar o preço que isso exigia davinculação da sua própria trajetória com agentes políticos cuja reputação possuíapropriedades em evidente conflito com a do Presidente. Nesse caso, FernandoHenrique pagou o preço dos conflitos de imagem porque a compensação deixava-oainda no lucro, tomou medidas para controlar a contaminação de imagens e manteve-se oito anos no exercício do poder.

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