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NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA: ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL

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NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO

A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL

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NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA:

ABORDAGEM CRÍTICA DO MODELO BRASILEIRO A PARTIR DO PARADIGMA ESPANHOL

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região.

Doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidad de Castilla La Mancha, Espanha.

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.

Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidad de Castilla La Mancha,

Espanha. Professor da FAP Teresina / Faculdade Maurício de Nassau.

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EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índice para catálogo sistemático:

©Todos os direitos reservados

Agosto, 2013

Paes, Arnaldo Boson

Negociação coletiva na função pública : abordagem crítica do modelo brasileiro a partir do paradigma espanhol / Arnaldo Boson Paes. — 1. ed. — São Paulo : LTr, 2013.

Bibliografi a

1. Administração pública — Brasil 2. Convenções coletivas de trabalho — Brasil 3. Negociações coletivas — Brasil I. Título.

13-07527 CDU-34:331.154:35(81)

1. Brasil : Negociação coletiva : Setor público: Direito 34:331.154:35(81)

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Versão impressa - LTr 4879.9 - ISBN 978-85-361-2661-6Versão digital - LTr 7633.6 - ISBN 978-85-361-2717-0

À 5

AGRADECIMENTOS

Este livro é fruto de longos anos de estudos e reflexões, idealizados e concretizados por meio do incentivo e apoio de muitas instituições e pessoas. Por essa razão aproveito esta ocasião para expressar meus agradecimentos àqueles que, de diversas formas, contribuíram para sua consecução. Mesmo correndo o risco de deixar de citar alguns, tenho que os nominar e agradecê-los, mas em nome deles reconheço e agradeço a todos a quem devo gratidão.

Inicialmente agradeço à Universidad de Castilla La Mancha, que me permitiu o acesso ao universo acadêmico europeu. Agradeço também ao professor Antonio Baylos, que me conduziu aos primeiros estudos sobre o tema e me reforçou a convicção de que a ação sindical é elemento essencial da civilização democrática. Agradeço-o muito especialmente pelo prólogo deste livro. Na Espanha, agradeço ainda pelo compartilhamento de ideias aos professores Joaquín Aparicio Tovar, Joaquin Perez Rey, Juan Lopez Gandia, Carlos Luis Alfonso Mellado, Amparo Merino Segovia e Francisco Jose Trillo Párraga.

Destaco o agradecimento à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela acolhida. Agradeço especialmente ao professor Renato Rua de Almeida pela admiração e amizade construídas ao longo de produtivos debates acadêmicos. Sou grato ainda ao professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior pela honra de ter sido seu aluno e com ele ter compartilhado importantes reflexões filosóficas. Agradeço de modo muito especial ao ministro Carlos Alberto Reis de Paula, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que me honrou com sua ilustre e brilhante participação na banca examinadora da tese de doutorado na PUC de São Paulo. Pela mesma razão, e também pela apresentação deste livro, agradeço à professora e desembargadora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva. Agradeço ainda aos professores Paulo Sérgio João e Gézio Duarte Megrado.

Agradeço igualmente ao Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, aos colegas magistrados, em especial aos desembargadores, que compreenderam e ajustaram minhas férias e pautas de modo que eu não precisasse me afastar das

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funções jurisdicionais para desenvolver minhas pesquisas acadêmicas. De modo especial agradeço aos servidores do gabinete, que, com o apoio permanente e a inestimável colaboração, permitiram que eu me dedicasse às pesquisas, assegurando assim a continuidade do trabalho, o cumprimento de todos os prazos e metas e garantindo de forma ininterrupta a prestação jurisdicional. Devo agradecer o apoio que recebi da FAP Teresina / Faculdade Maurício de Nassau, sobretudo de sua direção e dos colegas professores. E, por fim, agradeço a toda minha família, e muito especialmente aos meus pais Agnelo e Lourdes, à Fátima e aos meus filhos, Arnaldo Júnior e Taís, pelo sacrifício durante esses anos e, sobretudo, pelo incondicional apoio e compreensão.

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“[...] Los derechos humanos no son categorías previas ni a la

acción política ni a las prácticas económicas. La lucha por la

dignidad humana es la razón y la consecuencia de la lucha por

democracia y por la justicia. No estamos ante privilegios, meras

declaraciones de buenas intenciones o postulados metafísicos

de una naturaleza humana aislada de las situaciones vitales. Por

el contrario, los derechos humanos constituyen la afirmación

de la lucha del ser humano por ver cumplimentados sus deseos

y necesidades en los contextos vitales en que está situado.”

Joaquín Herrera Flores

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À SUMÁRIO

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À LISTA DE SIGLAS

ADIn — Ação Direta de Inconstitucionalidade

AGE — Administração Geral do Estado

AN — Audiência Nacional

BOE — Boletim Oficial do Estado

CCAA — Comunidades Autônomas

CE — Constituição da Espanha

CF — Constituição Federal de 1988

CLT — Consolidação das Leis do Trabalho

EBEP — Estatuto Básico do Empregado Público

EC — Emenda Constitucional

EELL — Entes Locais

ET — Estatuto do Trabalhador

LMRFP — Lei de Medidas de Reforma da Função Pública

LOLS — Lei Orgânica da Liberdade Sindical

LORAP — Lei de Órgãos de Representação, Determinação das Condições de Trabalho e Participação do Pessoal ao Serviço das Administrações Públicas

LOTC — Lei Orgânica do Tribunal Constitucional

LRJAP — Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e do Procedimento Administrativo Comum

LRJCA — Lei Reguladora da Jurisdição do Contencioso Administrativo

MTE — Ministério do Trabalho e Emprego

MI — Mandado de Injunção

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MNNP — Mesa Nacional de Negociação Permanente

MPOG — Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

OIT — Organização Internacional do Trabalho

OJ — Orientação Jurisprudencial

RDL — Real Decreto Lei

RJU — Regime Jurídico dos Servidores Civis da União

SAN — Sentença da Audiência Nacional

SDC — Seção de Dissídios Coletivos

SSTC — Sentenças do Tribunal Constitucional

STC — Sentença do Tribunal Constitucional

STF — Supremo Tribunal Federal

STJ — Superior Tribunal de Justiça

STS — Sentença do Tribunal Supremo

SUS — Sistema Único de Saúde

TC — Tribunal Constitucional da Espanha

TS — Tribunal Supremo

TST — Tribunal Superior do Trabalho

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APRESENTAÇÃO

DEMOCRACIA, LIBERDADE SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO

PÚBLICA: UMA APRESENTAÇÃO

Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva(*)

— I —

O ano de 2013 já está inscrito na história da cidadania e do Direito do Trabalho brasileiro. A recém-aprovação da Emenda Constitucional n. 72, que universalizou direitos sonegados aos trabalhadores domésticos, vem a somar com outro importante marco: a edição do Decreto n. 7.944, de 6 de março de 2013, que promulgou a Convenção n. 151 e a Recomendação n. 159, da Organização Internacional do Trabalho, sobre relações de trabalho na Administração Pública.

Guardadas as devidas proporções, ambos os diplomas normativos tocam a fundo um aspecto crucial da sociedade brasileira: o de uma cultura política autoritária, que recusa o reconhecimento do outro como portador de direitos, de vontades, de desejos. De um lado, resquícios de uma sociedade de trabalho que há menos de dois séculos assegurava juridicamente a escravidão, com a coisificação do homem — sem a ficção da mercadoria força de trabalho — e que

(* ) Doutora em Direito e Mestre em Ciências Jurídicas (PUC-Rio). Professora Adjunta da Faculdade Nacional de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq (2010-2012), é líder do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT), certificado no diretório de pesquisa do CNPq. Integrante da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD), do Instituto Brasileiro Cesarino Júnior e membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). É Desembargadora do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.

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ainda convive com a escravidão contemporânea. De outro, permanências de uma concepção organicista de Estado que insistem em nos lembrar das origens de nossa estrutura social, de um Estado patrimonialista, amparado pela burocracia e pelo estamento com “o soberano sobreposto ao cidadão” e com um funcionalismo público encarado como “o outro eu do rei, um outro eu muitas vezes extraviado da fonte de seu poder”.(1)

O reconhecimento tardio da titularidade de direitos coletivos e individuais a duas das três categorias de trabalhadores excluídas pelas alíneas do art. 7º do regime de direitos sociais assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho, demonstra a importância das novas regras, de natureza constitucional e supralegal, para a democracia brasileira. Democracia que pressupõe o convívio igualitário, o reconhecimento da alteridade, da riqueza constitutiva dos conflitos, de um direito a ter direitos que embale uma virtude cívica, amparada em uma cidadania ativa e não passiva, que se constitui como autonomia coletiva e resiste a mecanismos de opressão e de poder, sejam públicos, sejam privados.

A consolidação das promessas contidas nos diplomas supralegais recém--introduzidos em nosso país está a exigir uma vigilância atenta de todos os que se comprometem com o primado da igualdade, da cidadania e da concretização da justiça social. Não são poucas as interpretações que atribuem significação pretérita aos novos significantes, com criatividade tal que já se naturalizam afirmações como as que negam à Emenda n. 72 o intuito igualador que enuncia em seu preâmbulo.(2) E no campo do reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários públicos, os desafios não são menores.

Basta lembrar que instituídas no âmbito internacional desde 1978, a Convenção n. 151 e a Recomendação n. 159 só foram aprovadas pelo Congresso Nacional em 2010. Por outro lado, apesar do Decreto Legislativo n. 206, ser de 7 de abril de 2010, somente agora foi promulgado o Decreto presidencial. Consoante interpretação autêntica dada ao item 3 do art. 11 da Convenção n. 151, pelo Decreto n. 7.944, desde 15 de junho de 2011. Tais regras vinculam o Brasil no plano jurídico externo. Todavia, persiste como tarefa para a doutrina jurídica nacional perquirir sobre a eficácia jurídica no plano interno da referida

(1) FAORO, Raymundo. Os donos do poder; formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 197. Sobre a distinção entre agente e funcionário na organização administrativa da colônia brasileira e os vícios que revelam nos funcionários portugueses, com ordenados que pouco crescem no curso dos anos, numa despesa global fixa, enquanto os agentes desfrutam de vantagens indiretas, com títulos e patentes, que compensam a gratuidade formal, ver Raymundo Faoro.(2) A igualdade de direitos, conforme indica a Emenda Constitucional n. 72, que “Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais”.

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Convenção, no interregno entre 2011 e 2013, época em que a comunidade jurídica aguardou a promulgação do Decreto de ratificação.(3) Observe-se como tormentoso e relevante é o tema da negociação coletiva dos servidores públicos no Brasil.

É neste contexto político que a LTr publica o livro de Arnaldo Boson Paes. Nesta obra, a concepção democrática do autor se apresenta, com sua contundente crença na liberdade sindical, para afirmar que o direito à negociação coletiva dos servidores públicos se deduz da própria essencialidade da liberdade sindical e independe, portanto, do reconhecimento trazido pelo Decreto n. 7.944/2013.

Desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (Piauí), Arnaldo Boson Paes é mestre em direito pela Universidade Federal do Ceará, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pela Universidad Castilla--La Mancha (UCLM — Espanha) — na qual realiza seu estágio de pós-doutorado — e professor de direito da FAP em Teresina. Foi Presidente do TRT da 22ª Região (biênio 2006/2008) e conselheiro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, o CSJT, demonstrando sua profunda dedicação à Justiça do Trabalho, instituição na qual ingressou precocemente, aos 24 anos, após aprovação em Concurso Público para o cargo de Juiz Substituto. Seu vasto currículo, sua capacidade de trabalho, competência e seriedade são alguns dos atributos que o credenciam na comunidade jurídica nacional, por seus méritos e pela coragem de trilhar uma temática pouco estudada entre nós: a negociação coletiva dos servidores púbicos.

— II —

O reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores, mormente dos funcionários públicos, abre caminho para a ruptura com o modelo clássico do emprego púbico. Segundo Francisco Liberal Fernandes a temática exige uma nova abordagem, com a revisão do dogma da supremacia da Administração, tendo como “pano de fundo a necessidade de integrar o princípio democrático no direito da função pública, de forma que a prossecução do interesse geral da

(3) Sabe-se que em 15 de junho de 2010, o Governo brasileiro depositou junto à Direção-Geral da OIT o instrumento de ratificação, ocasião na qual apresentou declaração interpretativa das expressões “pessoas empregadas pelas autoridades públicas” e “organizações de trabalhadores.” Pelas regras da Constituição da OIT as convenções vigoram um ano após o depósito da ratificação. Todavia, o Decreto entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial. Sabe-se que no Direito brasileiro, o decreto legislativo é ato mediante o qual o Congresso Nacional resolve definitivamente sobre os tratados e convenções, atos de sua competência exclusiva e, portanto, “não sobe à sanção do Presidente da República, que assim, não lhe pode apor qualquer veto” leciona Arnaldo Süssekind: “Em seguida, o Poder Executivo expedirá o Decreto de promulgação, em virtude do qual torna público que o tratado foi ratificado, registra quando entrará em vigor para o Brasil e determina que suas disposições sejam respeitadas em território nacional”. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 47.

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Administração e a imparcialidade exigida aos funcionários no cumprimento das suas funções coexistam com a liberdade de exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores do Estado”.(4)

Embora a reserva legal conferida ao legislativo, sob a iniciativa do chefe do executivo, institua alguns limites à contratação coletiva, tal especificidade não deve implicar em uma situação de inferioridade para o exercício da autonomia coletiva por parte dos trabalhadores na Administração Pública. De toda sorte, ainda na esteira dos ensinamentos de Liberal Fernandes, a reserva de lei “não significa que toda matéria relativa ao emprego público tenha necessariamente de ficar submetida a uma disciplina unilateral ou autoritária”.(5)

Todavia, é importante observar que o exercício dos direitos coletivos e de contratação coletiva pelos funcionários públicos não interfere na conclusão de que a relação de trabalho entre os funcionários e a Administração persista não sendo “subsumível a um esquema puramente contratual”.(6) Por outro lado, a aplicação dos direitos fundamentais aos servidores públicos tem como consequência a superação da ideia do dever de fidelidade, que caracterizava uma visão organicista do servidor vinculado à estrutura do Estado. Afinal, hoje, “a lealdade que possa eventualmente ser exigida ao funcionário não envolve qualquer dever de conformação ao regime ou aos valores constitucionais, nem implica nenhum compromisso pessoal ou político perante os titulares do poder político ou de direção”.(7)

Em um contexto democrático, a relação dos servidores públicos com a determinação de suas condições de trabalho deve transcender a qualquer relação de poder. Estando o funcionário a serviço do público (e não de uma organização privada), sujeito a valores comuns que transcendem as relações hierárquicas internas ao serviço, sua moral profissional deve recusar o servilismo e proibir as arbitrariedades. Para Alain Supiot, a ideia de dignidade profissional designa uma dupla relação estabelecida entre o servidor com o usuário do serviço, o cidadão, assim como com seu superior hierárquico. Neste sentido, a estabilidade, a remuneração digna, a autonomia, servem para reforçar o espírito do serviço público e subtrair o servidor dos jogos do mercado.(8) Todavia, “se a dignidade na relação com o poder, a serenidade da relação com o dinheiro e a continuidade

(4) FERNANDES, Francisco Liberal. Autonomia colectiva dos trabalhadores da administração. Crise do

modelo clássico de emprego púbico. Universidade de Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 20.(5) FERNANDES, Francisco Liberal. Op. cit., p. 155.(6) FERNANDES, Francisco Liberal. Op. cit., p. 21. (7) Op. cit., p. 167.(8) SUPIOT, Alain. A crise do espírito do serviço público. Adverso. Porto Alegre, v. 5, n. 7, 1995. Agradeço ao mestre Rogério Coelho esta relevante indicação bibliográfica.

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na relação com o tempo”, características conformadoras do espírito do serviço público entram em crise, as garantias de integridade e de eficiência dos serviços são abaladas.(9)

A degradação progressiva das condições de vida e trabalho dos servidores públicos, ao lado de uma concepção autoritária de Estado, gera uma subjetividade contrária ao espírito do serviço público conforme descrito por Alain Supiot. Rogério Viola Coelho observa que as concepções autoritárias podem “gerar uma subjetividade marcada por um sentimento de desvalia em lugar da dignidade profissional; de resignação e acomodação em lugar do orgulho profissional, que é gerador da iniciativa e da busca de eficiência dos serviços; de fragmentação em lugar do sentimento de identidade que enseja uma moral profissional elevada”. Para o Rogério Coelho, “Se, de um lado, a formação do espírito de serviço público no Brasil encontra óbice nas determinantes autoritárias examinadas, marcadamente nas últimas décadas, por outra parte ela é obstaculizada desde os primórdios do serviço público pela tradição clientelista, que é uma característica marcante dos agentes políticos no estado patrimonialista”.(10)

Neste contexto não é a toa que tantas greves no serviço público tenham sido desencadeadas nas décadas de desmonte neoliberal da estrutura administrativa e de maior retração da capacidade de intervenção social do Estado, como uma reação às limitações sobre os serviços públicos prestados, pela busca de melhores condições de trabalho, pelo resgate do espírito do serviço público, desestabilizado pelas condições adversas de labor, pela desvalorização da identidade profissional dos funcionários públicos e pela introdução de argumentos típicos dos valores de mercado (intensificação do trabalho, labor por metas, produtivismo exacerbado etc.). O tema é relevante e demonstra como o “princípio da subordinação do emprego público ao interesse público só não é sinônimo de esterilização política ou ideológica dos funcionários como, por outro lado, não interfere com o gozo originário dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores,” afirma Francisco Liberal Fernandes, a exigir uma ruptura com o dogma da supremacia do interesse público, tradicionalmente assentado em uma superada concepção que opõe as esferas do público sobre as do privado.(11)

Uma releitura dos fins da administração, situando-os no mesmo plano de garantia jurídica dos direitos fundamentais dos trabalhadores na Administração Pública, torna insubsistente “defender a existência de um conflito radical ou uma diferença qualitativa entre a esfera do interesse público e a do interesse coletivo

(9) Op. cit., p. 19.(10) COELHO, Rogério Viola. A relação de trabalho com o estado. Uma abordagem crítica da doutrina

administrativista da relação de função pública. São Paulo: LTr, 1994.(11) FERNANDES, Liberal. Op. cit., p. 142.

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dos trabalhadores do Estado, bem como sustentar a superioridade absoluta da primeira sobre a segunda”.(12) Urge uma crítica contundente à doutrina tradicional que “transforma o interesse público em um fetiche” por meio de um processo de abstração que pretensamente o “liberta” de todo interesse particular, afirma Rogério Viola Coelho, na esteira das lições de Gordillo, para quem a doutrina dominante da relação de função púbica, autoritária, fundada na supremacia do interesse público, ao concebê-lo como uma abstração, uma noção mágica, promove uma fetichização do interesse público que tem serve ao “objetivo escuso de invalidar os direitos individuais”.(13)

Neste contexto, a democratização do Estado exige não só a ruptura com a racionalidade autoritária que conduz a Administração Pública, como os processos de negociação coletiva podem servir de instrumento de aproximação entre o Estado e os cidadãos. Destarte, as vontades publicamente expressas em reivindicações afirmadas em público, por interlocutores sociais legítimos, contribuem para superar a dicotomia do interesse privado x interesse público, permitindo apreender que a autonomia coletiva em movimento contém mais que reivindicações particulares, posto que se afirma portadora de interesse público.(14) Pode, pois, contribuir para superar a “propalada crise no serviço público”.(15) Nesse marco teórico, a partir das críticas ao unilateralismo na função pública, Arnaldo Boson Paes inscreve sua tese no cenário jurídico nacional.

— III —

A obra que o leitor tem em mãos está logicamente estruturada, em três partes bem definidas, cada qual com sua identidade, mas que se encaixam harmoniosamente, dialogando entre si. Desde logo, os marcos teóricos e normativos indispensáveis para o reconhecimento do direito à negociação coletiva na função pública são apresentados ao leitor. De modo coerente, o direito é

(12) FERNANDES, Francisco Liberal. Op. cit., p. 143.(13) COELHO, Rogério Viola. Op. cit., p. 55.(14) Op. cit., p. 19.(15) Melissa Demari. Transcreva-se, sobre o tema, a reflexão da autora: “Os processos de negociação coletiva entre funcionalismo e Administração inserem-se no Estado atual como instrumentos de aproximação entre o Estado e os cidadãos, e, até mesmo, como forma de superação da tão propalada crise no serviço público. Nesse sentido, não se pode olvidar que as demandas dos trabalhadores não se limitam à esfera pessoal ou corporativa, pois os servidores públicos, responsáveis pela prestação imediata do serviço público, estão em situação que os qualifica a identificar os pontos de estrangulamento do seu serviço e as deficiências na realização do mesmo, de forma que a instituição de um canal direto de comunicação com o Estado pode contribuir na superação de tais óbices, em proveito não só dos servidores, através da facilitação da execução das suas funções, como também da coletividade, principal beneficiária de eventuais acréscimos qualitativos na prestação do serviço público” (Negociação coletiva

no serviço público. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007. p. 202).

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reconhecido, não criado, pela regra estatal. No livro, a revisão dos postulados básicos da concepção unilateralista da função pública e das objeções aos conflitos coletivos na função pública precede a afirmação da contratualidade da função pública, com ênfase em sua dimensão coletiva, e o consequente estudo dos dois emergentes modelos de participação e de determinação das condições de trabalho na função pública: a consulta e negociação coletiva.

Dentre os fundamentos normativos, a atividade reguladora da Organização Internacional do Trabalho é destacada. O reconhecimento da liberdade sindical a todos os trabalhadores pela Convenção n. 87; o significado amplo da negociação coletiva e da exigibilidade dos instrumentos coletivos negociados afirmados pela Convenção n. 98; a exigência de procedimentos de negociação coletiva para a determinação das condições de trabalho na Administração Pública, com os quais o Brasil acaba de se comprometer, ao ratificar a Convenção n. 151, e a concepção de que a negociação integra a essencialidade da liberdade sindical, nos termos da Convenção n. 154, são examinados sob a perspectiva da inter--relação entre negociação na função pública e liberdade sindical. O autor dá ainda especial atenção aos precedentes do Comitê de Liberdade Sindical da OIT sobre problemas orçamentários e as interferências legislativas na negociação salarial no setor público.

Na esteira dos estudos de Alberto Odero e Horário Guido, o autor destaca a decisão n. 894,(16) na qual o Comitê de Liberdade Sindical afirmou que “A lei orçamentária, da competência da autoridade legislativa, não deveria ter por resultado impedir o cumprimento das convenções coletivas celebradas diretamente por essa autoridade ou em seu nome”. A relação entre limitações orçamentárias e negociação coletiva na função pública é delicada, mas não conduz à unilateralidade ou à primazia da política legislativa do governante. Vejamos:

“1034. O Comitê tem considerado que o exercício das prerrogativas da autoridade pública, em matéria financeira de uma maneira que tenha como efeito impedir ou limitar o cumprimento de convenções coletivas anteriormente negociadas por órgãos públicos, não é compatível com o princípio da liberdade de negociação coletiva. (ver Recompilação de 1996, parágrafo 895; e informe 325º, caso n. 2106, parágrafo 481).” (OIT, 2013, p. 246).

“1043. Um sistema em que os empregados públicos podem somente apresentar ‘memoriais respeitosos’ que não serão objetos de negociação coletiva alguma, em particular sobre as condições de emprego, cuja determinação é de exclusiva

(16) Parágrafo 894, segundo a Recompilação das decisões do ano de 1996. Na A quinta edição da Recompilação das decisões do Comitê (até seu informe 339, de novembro de 2005) foi recentemente traduzida para o português (revisão técnica de Sandro Lunard Nicoladeli e Tayana Scheila Friedrich) e publicada no vol. II da obra O Direito Coletivo, a liberdade sindical e as normas internacionais, pela LTr neste 2013 (OIT, 2013). Nesta obra, tal decisão está catalogada como n. 1.033 (OIT, 2013, p. 245).

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competência das autoridades não está em conformidade com as Convenções ns. 98, 151 e 154.” (OIT, 2013, p. 249)(17)

Realmente, são por demais importantes para o amadurecimento da democracia brasileira, trabalhos como o de Arnaldo Boson Paes, que transpiram as aspirações de respeito e democracia, em todas as relações laborais, independentemente de classificação e regime jurídico aplicável.(18)

Nessa senda, a segunda parte do livro examina a predominância da concepção unilateral no sistema brasileiro de negociação coletiva. As repercussões da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na ADIN n. 492-DF e o tardio reconhecimento do direito de greve dos funcionários públicos pelo Supremo Tribunal Federal não são desconsideradas. Todavia, ante a ratificação da Convenção n. 151, a pesquisa se volta para as iniciativas tendentes à institucionalização da negociação coletiva na função pública. Os parâmetros normativos do Decreto n. 7.674/2012 e as propostas de regulamentação elaboradas pelos Ministérios do Trabalho e Emprego e o do Planejamento, Orçamento e Gestão, dão uma boa medida de como tão díspares podem ser as políticas legislativas voltadas para a institucionalização dos conflitos coletivos de trabalho.

O projeto de lei discutido no Ministério do Trabalho e Emprego, aplicável aos âmbitos da União, Estados e Municípios, dispõe de modo unificado sobre organização sindical, liberação dos sindicalistas, direito de greve, negociação e custeio. Articulado a partir de uma concepção sindical mais tradicional, com prestigio nas recentes gestões do Ministério do Trabalho e Emprego, o projeto

(17) Ver ainda: “1014. O requisito da aprovação, pelo Conselho de Ministros, de convenções negociadas, e de estarem em conformidade com a política e diretrizes adotadas unilateralmente para o setor público, não se coaduna com os princípios da liberdade sindical, ficando bem entendido que isso se aplica a todos os trabalhadores amparados pela Convenção n. 98” (OIT, 2013, p. 241). E compartilhando a noção de que dadas as características particulares da autoridade pública, a Convenção n. 151 pode ser aplicada com “certas graduações de flexibilidade”, ver os verbetes 1.037, 1.038, 1.039 e 1.042 (números dos verbetes conforme Recompilação da tradução brasileira). (OIT, 2013, p. 245-249).(18) De passagem por este tema — e com a lembrança ainda viva das imagens do pedido de socorro com um simbólico SOS, formado pelos corpos das centenas de bombeiros detidos no Rio de Janeiro após grave conflito coletivo ocorrido em 2012 (conferir) — registre-se que, para o Comitê de Liberdade Sindical, incluir os bombeiros na categoria de empregados públicos não justifica exclui-los do direito de sindicalização. O verbete 231 é taxativo ao anunciar que “o pessoal de extinção de incêndios e o pessoal de estabelecimentos penitenciários deverão, portanto, gozar do direito de sindicalização”. Ver informe 308º, caso 1902, parágrafo 701; informe 329º, casos ns. 2.177 e 2.183, parágrafo 633 e informe 338º, caso n. 2187, parágrafo 170, do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, conforme a tradução brasileira (OIT, 2013). Aliás, também sobre as excessivas inclusões de categorias de trabalhadores no conceito de “militares” com vistas a excluí-los dos direitos de greve e negociação, transcreva-se o verbete 904: “Técnicos da aviação civil que prestam serviços sob a jurisdição das forças armadas não podem ser considerados, por força das tarefas que executam, como pertencentes a essas forças armadas para sua exclusão das garantias da Convenção n.98; competirá aplicar a estes trabalhadores a norma preconizada no art. 4º da Convenção, relativa à negociação coletiva”.

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submetia a organização dos funcionários ao sistema confederativo, ao princípio da unidade sindical e ao regime de contribuições obrigatórias. Toda a beleza e riqueza da organização autônoma dos servidores públicos, mormente os federais, gestado na liberdade do movimento que se constituiu a margem da legalidade repressiva do Estado brasileiro nas décadas de redemocratização, sucumbiriam ao aparato corporativo e limitador da regulação proposta com fundamento no regime do ultrapassado título V da Consolidação das Leis do Trabalho. Para Arnaldo Boson, o projeto produzido no âmbito do MTE contém importantes avanços ao estabelecer o dever de negociação, detalhar condutas antissindicais, prever a eficácia jurídica vinculante ao acordado em relação à Administração Pública, embora não ao ponto de estender essa “mesma eficácia no tocante ao Parlamento, o que parece até compreensível em razão da supremacia do poder de legislar”.

Substancialmente diversos são os três anteprojetos que contém a proposta de regulamentação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O primeiro contendo normas gerais aplicáveis aos distintos entes federativos, com regras sobre tratamento de conflitos, “democratização das relações de trabalho” e diretrizes sobre negociação coletiva, com a instituição da negociação permanente, aplicável aos servidores nos âmbitos da União, dos Estados, Municípios, bem como dos poderes da União e da Administração pública direta, autárquica ou fundacional. E os demais sobre liberação de dirigentes sindicais e sobre o sistema de negociação coletiva no âmbito da Administração Pública Federal. Compreendendo os projetos como direito em expectativa, Arnaldo Boson Paes constata que apesar do amplo debate em torno da matéria, há um impasse que impede a evolução das tratativas e priva os servidores públicos de instrumentos e procedimentos de institucionalização. E sujeita o país, a sanções da Comunidade internacional por falta de adequação legislativa aos preceitos da Convenção n. 151 da OIT.

Na terceira e última parte do livro encontramos mais que uma apresentação de direito estrangeiro. O público brasileiro terá acesso a um percuciente estudo do sistema jurídico espanhol de negociação coletiva na função pública, que decorre da pesquisa de doutorado de Arnaldo Boson, orientada pelo magistral professor Antonio Baylos Grau, na Universidade Castilla-La Mancha. A superação progressiva da unilateralidade, a tendência à homogeneização dos regimes jurídicos laboral e funcional, o fundamento constitucional, a infundada incompatibilidade entre o regime estatutário e a negociação coletiva, são apresentados com apoio em obras clássicas e de referência da literatura espanhola.(19)

(19) Com destaque para: MELLADO, Carlos Alfonso. Los derechos colectivos de los empleados públicos

em el estatuto básico, 2008; GAYOSO, Martínez. El derecho de negociación colectiva de los funcionários

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Na Espanha, a conformação da negociação coletiva foi paulatinamente construída, inicialmente com a Lei n. 9, de 1987, que dispôs sobre os Órgãos de Representação, Determinação das Condições de Trabalho e Participação do Pessoal a serviço das Administrações Públicas (LORAP), alterada pela Lei n. 7, de 19 de julho de 1990. Os procedimentos da negociação coletiva foram regulados com a LORAP, que estabeleceu a distinção entre acordos e pactos, sendo os primeiros regulamentos negociados, em modelo de negociação consultiva, e os segundos dotados de natureza obrigacional, significativo de um sistema de negociação vinculante. O reduzido alcance dos pactos e a ampla incidência dos acordos mereceram críticas da doutrina espanhola, vez que tal sistema encontra--se a meio caminho entre o modelo de função pública de natureza estatutária, unilateralista e sua ruptura.

Os avanços introduzidos pela Lei n. 7/2007, que aprovou o Estatuto Básico do Empregado Público (EBEP), alterou o Estatuto dos Trabalhadores e incorporou as alterações anteriores promovidas em 2006, pela Lei n. 21, foram muito bem examinados na obra, que saúda a possibilidade de negociação conjunta entre funcionários e o pessoal laboral. A eficácia do produto da negociação, a estrutura, os sujeitos negociadores, o procedimento, bem como os efeitos jurídicos dos consensos e dissensos atingidos, são objetos de exame minudente, com ênfase na singularidade do caráter obrigatório da negociação para as Administrações Públicas.

A distinta relação entre lei e negociação coletiva que emerge da inaplicabilidade do princípio da norma mais favorável ao funcionalismo público é um dos relevantes aspectos examinados, na medida em que a negociação dos servidores ingressa no esquema tradicional das fontes de direito administrativo, consoante critérios de competência, hierarquia e reserva legal. Como a normativa aplicável aos funcionários não representava limites mínimos, mas limites máximos não franqueados à melhora pela negociação, a jurisprudência afastava a possibilidade de negociação conjunta entre os empregados públicos submetidos ao regime trabalhista e os sujeitos ao regime estatutário. A realidade da negociação conjunta acabaria sendo admitida pelo EBEP, embora subsistam dois sistemas negociais no interior das Administrações Públicas. Observa Boson Paes que a estrutura negocial se caracteriza pela intervenção legislativa e fixação heterônoma das unidades negociadoras, com estrutura centralizada das

públicos en la Constitución, 2002; RODRÍGUEZ-PIÑERO, Bravo Ferrer. Ley e negociación en la función

pública, 1997; ALKORTA, Bengoetxea. Negociación colectiva y autonomía colectiva en la función pública, 2005; ZAPIRAIN, Landa; GRAU, Baylos. La negociación colectiva en el marco de las administraciones

publicas: los problemas de su configuracion legal atual; DAL-RÉ, Fernando Valdes. Los derechos de

negociación colectiva y de huelga de los funcionários públicos en el ordenamento jurídico español: uma aproximacion, 1997; e TOVAR, Joaquin Aparício. La contratación colectiva de los funcionários públicos,

1983. O autor, ademais, dialoga, com os estudos de importantes juristas brasileiros que o precederam no tema, em especial COELHO, Rogério Viola. A relação de trabalho com o estado e PEREIRA, Macedo de Brito. A negociação coletiva na função pública.

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unidades de negociação, estrutura vertical das unidades de negociação, bem como interdependência das unidades. Admite-se a instalação de mesas setoriais, a ser definida pela autonomia coletiva, desde que presentes os critérios legais pertinentes, relacionados ao número e as peculiaridades de setores concretos de funcionários púbicos, bem como a condições específicas de trabalho para as organizações administrativas afetas.

Ao lado do direito à negociação, a juridificação dos conflitos coletivos gera como consequência o dever de negociar. A Administração pode impulsionar o processo negocial com vistas a sua expressa resolução. Observe-se que quanto às matérias aludidas no art. 37.1 do EBEP, o exercício da atividade normativa administrativa está condicionado à concreta negociação, exitosa ou frustrada. Exaurido o diálogo, há a mediação, pouco eficaz, e os procedimentos extrajudiciais de solução. Destarte, o sistema não é infenso a críticas, pois os efeitos da recusa do dever de negociar não são simétricos. A doutrina confere uma supremacia ao poder público quando do descumprimento da obrigação de negociar por parte dos sindicatos, enquanto estes podem se valer da greve ou de uma complexa saída judicial quando a recusa de negociar advém da Administração.(20)

Por fim, no capítulo 9 o leitor se deparará com um primoroso estudo sobre a eficácia jurídica dos pactos e dos acordos no direito espanhol. A delimitação dos efeitos do descumprimento dos instrumentos negociados, a exigência de novo procedimento de negociação nas excepcionais hipóteses de suspensão ou modificação dos pactos e acordos são estudados com rigor. Pactos e acordos, além da eficácia normativa que lhes é inerente, vinculam as partes que os celebram, independentemente da necessidade de ratificação dos acordos. Diante do problema da delimitação do controle que o órgão do governo espanhol exerce sobre os acordos, Arnaldo Boson é peremptório ao afirmar não ser razoável admitir a possibilidade de juízo de discricionariedade para aprovação ou desaprovação do resultado da negociação. O critério de oportunidade há de ser apreciado anteriormente, motivo pelo qual as hipóteses de não ratificação são restritas, se admitindo apenas diante da ocorrência de ilegalidade, de modificação substancial das condições da negociação, bem como do descumprimento das instruções estabelecidas pelos órgãos governamentais, por seus representantes.

(20) Segundo Arnaldo Boson Paes: “Aos sindicatos legitimados resta a via judicial, quando então procurarão demonstrar o descumprimento do dever jurídico e assim obter uma sentença acolhendo a pretensão. O ato judicial verificará o descumprimento do dever, sua desconformidade com o Direito e a consequência será a anulação da resolução administrativa da denegação da negociação coletiva. Em todo caso, como o provimento judicial corresponde ao cumprimento de obrigação de fazer, o problema subsiste quando a Administração não o cumpre voluntariamente. A natureza da sentença impede sua efetivação coercitiva e nessa situação resta converter a execução em obrigação de negociar. Como medida última para forçar o cumprimento do dever de negociar, resulta evidente a possibilidade de deflagração da greve, que se legitima e será juridicamente válida”.

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A relevância econômica, política e social da questão, que obviamente escapa os limites do jurídico, vêm à tona em razão da adoção de medidas extraordinárias para redução do déficit público, incluindo a redução nominal dos salários dos empregados públicos, na ordem de 5%, pelo Real Decreto Lei n. 8, de maio de 2010. O estudo atualizado de Arnaldo Boson Paes permite aos estudiosos brasileiros conhecer os influxos da negociação coletiva, mormente quando ato de império descumpre acordo negociado entre governos e sindicatos que continha cláusula de revisão com objetivo de manter o poder aquisitivo, bem como regra para incrementar a massa salarial em 0,3% naquele ano. A regra, segundo o autor, não passa pelo filtro constitucional, na medida em que violou o direito de negociação coletiva dos funcionários públicos, vez que o RDL foi promulgado sem o esgotamento da negociação coletiva.

Os percursos para a concretização do direito não se esgotam, pois, no seu reconhecimento normativo. De toda sorte, fica de alerta para o legislador e para a doutrina brasileira, a concepção de que, pela negociação coletiva, não se pretende apenas limitar o poder discricionário de que dispõe a Administração. “Negar eficácia jurídica direta e imediata ao que foi ajustado — afirma o autor — seria reduzir a negociação coletiva a um expediente de mera consulta, razão pela qual deve prevalecer, como tendência, que os instrumentos coletivos aplicam-se diretamente, independente de aprovação ou incorporação a um texto legislativo, embora se admita que cada sistema jurídico poderá definir contornos específicos, podendo inclusive consagrar a exigência de ratificação do ajuste pelo Poder Executivo ou configurando um modelo de negociação pré-legislativa, em que a decisão final sobre o ajuste cabe ao Parlamento. Em todo o caso, o reconhecimento da eficácia jurídica, do que resulta a obrigação de cumprimento do produto negociado, deve-se constituir base sólida e estável para a configuração de um sistema democrático de relações coletivas de trabalho na função pública”.

Por fim, a correta afirmação de que a “via jurisdicional está muito longe de corresponder às imensas aspirações de exercício adequado e eficiente de controle dos demais poderes e de concretização dos direitos coletivos”, tanto no Brasil, quanto na Espanha, dá uma amostra da honestidade intelectual do magistrado Arnaldo Boson Paes. E a compreensão de que “o aparato constitucional e legal resulta incompleto, irreal e ineficiente sem a existência e permanente promoção de múltiplos espaços em condições de garantir socialmente a eficácia das normas consagradoras dos direitos”, denota o reconhecimento da importância dos atores sociais na formulação de garantias institucionais, pois democracia não se instaura apenas com a atuação dos atores institucionais.

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— IV —

Honrada com o convite do Desembargador Arnaldo Boson Paes para apresentar ao público brasileiro seu livro, que mereceu primoroso prefácio de nosso mestre comum — Antonio Baylos —, sublinho a qualidade da pesquisa realizada, a seriedade acadêmica e seu pensamento jurídico inovador.

Testemunhei a coragem, a firmeza e a clareza com a qual defendeu sua tese de doutoramento, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, perante a banca que tive o privilégio de integrar, ao lado de seu orientador brasileiro, o ilustre Professor Doutor Renato Rua de Almeida, dos professores doutores Paulo Sérgio João e Gesio Duarte Medrado (PUC-SP) e do Professor Doutor Carlos Alberto Reis de Paula (UnB), Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, diante de ampla assistência de juristas e familiares. A nota recebida — o merecido 10,0 — é uma boa indicação para o leitor da qualidade do livro que tem em mãos.

Rio de Janeiro, 21 de maio de 2013.

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PRÓLOGO Democracia, Libertad Sindical

y Negociación Colectiva en

la Función Pública: una Breve

Introducción

Antonio Baylos Grau(*)

Es una tendencia antigua la pretensión de preservar al Estado y al aparato público de su administración del ejercicio de derechos colectivos de quienes trabajan a su servicio. Los empleados públicos, que desempeñan una función pública en el seno de los organismos administrativos estatales, se representan como puras posiciones individuales que no alcanzan una situación de alteridad con el servicio que desempeñan o el interés público que realizan en su actividad profesional. Separados de la sociedad democrática en la misma medida que son servidores fieles de la misma, no se les reconoce los derechos colectivos que dan sentido a una ciudadanía social activa y se confía al poder público y al principio de jerarquía la capacidad de regular en lo concreto su profesionalidad y su prestación de trabajo. Esta tendencia al aislamiento de los funcionarios públicos — aunque en este texto se utilizará de forma predominante la expresión de “empleados públicos” que es la que recoge la normativa española — de la subjetividad colectiva y sindical como un territorio vedado a la acción de la misma o, en su caso, como un espacio en donde se restringen de forma importante la autonomía colectiva y la capacidad de regular las condiciones de trabajo y de empleo en el plano colectivo, ha estado muy extendida durante el siglo XX en

(*) Catedrático de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social de la Universidad de Castilla La Mancha (Ciudad Real). Director del Centro Europeo y Latinoamericano para el Diálogo Social (CEDLS).

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muchos ordenamientos jurídicos, y puede decirse que es una pauta general para algunas categorías específicas de estos funcionarios: los militares, los policías, los jueces y magistrados. Y también de una manera más débil, se ha proyectado en tantos ordenamientos jurídicos que hacen deducir de la “fidelidad”, el “servicio a la corona” o la “autoridad” una excepción al ejercicio del derecho de libertad sindical colectiva del que gozan el resto de los trabajadores.

El principio de unilateralidad como eje vertebrador de la relación de empleo público tiene por tanto una larga historia y se ha ido encarnando en la cultura de las administraciones como un residuo atávico difícil de remover. Se juega con todo un proceso de simbolización según el cual lo público se corresponde con el interés general o común, definido estrictamente desde el proyecto de gobierno que se determina mediante las elecciones generales y las mayorías resultantes, de forma que lo colectivo aparece como un elemento que distorsiona este proceso lineal y unilateral, porque introduce un elemento “privado”, “particular” o “corporativo”, en un espacio que debe reservarse al interés “general”, precisado como interés absoluto por la autoridad de gobierno. En este fenómeno simbólico encuentran su inserción las nociones de fidelidad y jerarquía de los empleados públicos, subsumidos formal y materialmente en el propósito e intención fijado siempre unilateralmente.

A partir de este cierto fetichismo de lo público concebido como un interés absoluto definido desde el vértice de una relación jerárquica y depurado de adherencias “particularistas” o “parciales”, se han ido desarrollando toda una serie de modelos de regulación de la relación de servicio de los empleados públicos que oscilan entre la negación de la libertad sindical hasta su modalización en términos restrictivos, en especial en lo referido a los derechos de huelga y de negociación colectiva. Son minoría los sistemas jurídicos que, frente a ello, toman partido por un paradigma contrario, la plena aplicación de las figuras colectivas de la representación de los trabajadores en el ámbito del empleo público.

Sin embargo, esta última aproximación es, ciertamente, la más apropiada a un sistema que se concibe a si mismo en términos democráticos y que por tanto no puede situar el espacio de la administración en general fuera de la vigencia de los derechos fundamentales. El libro al que esta breve nota quiere introducir, parte precisamente de este planteamiento sólido, lo conecta con importantes textos que positivizan esta realidad, con especial atención al plano internacional, y examina de forma exhaustiva el marco normativo de España y de Brasil en un ejercicio de comparatismo que no dudaría en calificar de emblemático.

Arnaldo Boson Paes ha concebido una obra científica en donde, partiendo del análisis jurídico y de su forma específica de analizar la realidad que regula, va desmontando uno a uno los planteamientos ideológicos de fondo que alimentan

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el autoritarismo y la unilateralidad en la regulación de las condiciones de trabajo y empleo de los empleados públicos, refutando esos paradigmas como falsos y nocivos para el propio desarrollo de la eficiencia y de la calidad del servicio público de interés general que lleva a cabo la Administración del Estado. En ese proceso, la obra examina agudamente la situación brasileña, y goza de la oportunidad de la publicación del Decreto 7.944, de 6 de marzo de 2013, al que se refiere, con la inteligencia y profundidad que la caracterizan, mi admirada colega y querida amiga Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva en la presentación de este libro.

Pero el examen que efectúa de la realidad española va mucho más allá de lo que podría pensarse de un contraste entre ordenamientos jurídicos como forma de afianzar las propias propuestas y sugerir algunas soluciones “importadas” y posteriormente “adaptadas” al sistema jurídico propio. La obra realiza un examen crítico profundo del sistema español y de un ventenio de evolución normativa del derecho de negociación colectiva de los empleados públicos (del tímido reconocimiento de un derecho de consulta ampliado hasta el establecimiento de un principio negociador en el Estatuto Básico del Empleo Público del 2007), avanzando elementos interpretativos y de crítica muy pertinentes y correctos. Es especialmente significativo que Democracia, Liberdade Sindical e Negociação coletiva na função pública haya podido abordar asimismo las evoluciones últimas de la normativa y jurisprudencia española como consecuencia de las políticas inducidas por la crisis, que han generado una nueva forma de restricción y de separación de los derechos colectivos de los empleados públicos de su base constitucional y ciudadana.

Porque lo que está realizándose en estos tiempos en los países periféricos de Europa, con especial incidencia en Bulgaria, Rumania, Grecia y Portugal, y también obviamente en España y, de forma mucho más débil en Italia, es la aplicación de unas políticas de austeridad o de rigor plasmadas en un mecanismo de equilibrio presupuestario de terribles consecuencias tanto sobre el gasto social y las prestaciones sociales que éste genera, como sobre los derechos de los empleados públicos y sus condiciones de empleo y de trabajo, demostrando por otra parte el ligamen indisoluble que existe entre estas dos categorías. En efecto, en el 2011, las medidas de apoyo a los estados en dificultades de financiación de su deuda, convergían en el Mecanismo Europeo de Estabilidad, cuya institucionalización implicó la reforma del art. 136 del Tratado, y que atrajo a su órbita la actuación del Fondo Europeo de Estabilidad Financiera. En ese contexto, el Consejo europeo, a finales del 2011, mediante la emanación de cinco Reglamentos y una Directiva puso en marcha un mecanismo de seguimiento de las economías nacionales para “prevenir los desequilibrios macroeconómicos y garantizar la sostenibilidad de las finanzas públicas” — el llamado Six — Pack — en el que se preveía un “pacto de estabilidad” para evitar desequilibrios excesivos y la reducción del porcentaje de la deuda pública, instituyendo un mecanismo de sanciones con mayoría cualificada

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inversa. En esta línea el Consejo ha impulsado la modificación de las constituciones nacionales para que éstas incorporen un “pacto de equilibrio presupuestario”, que en el caso español se anticipó mediante un acuerdo entre el PSOE y el PP que reformaba el art. 135 de la Constitución sin someter a referéndum popular dicho cambio por tratarse de “una cuestión técnica”, garantizar el principio de estabilidad presupuestaria.

La firma en febrero de 2012 del Tratado que instituye el Mecanismo Europeo de Estabilidad fue seguida de la de un “Tratado sobre la estabilidad, la coordinación y la governance de la Unión Económica y Monetaria” en marzo de 2012, conocido por su nombre en inglés Fiscal Compact y del que se abstuvieron la república checa y el Reino Unido. Este texto instauró una coordinación preventiva muy fuerte de las políticas económicas de la zona euro, con la finalidad de “conseguir los objetivos de la Unión Europea”, lo que en realidad implica afirmar las políticas de austeridad de forma muy exigente. Se trata además de unas medidas que marginan al Parlamento y deslegitiman a las instituciones europeas ante los ordenamientos del sur que sienten que se les arrebata el contenido de su status de ciudadanía social y se les empuja a una condición de existencia precaria. La violencia con la que se ejerce esta política se visualiza en la sumisión con la que los gobernantes de estos países se disponen a obedecer, sin ninguna capacidad de negociación o de propuesta, las decisiones del Banco Central – Bundesbank y de la Comisión o la canciller alemana. Esta situación está generando tensiones muy fuertes en el interior de los países sobre los que se ejercita esta presión a la baja sobre el contenido del Estado Social y sobre la reducción de los derechos individuales y colectivos derivados de la relación de trabajo, y en especial respecto de los empleados públicos, a los que se les ha negado el principio de negociación colectiva. La movilización social continuada, en el caso de España acrecentada durante todo el año 2012 y lo que llevamos del 2013 tras la llegada al poder de la derecha política (PP) y su programa radical de derogación de derechos sociales y laborales, es bien sintomática de este estado de cosas.

Se trata también de un proceso de simbolización que opone el Mercado (con mayúsculas) al Estado y que ve en el ámbito de actuación del Estado social no solo el peligro de la desmercantilización de las necesidades sociales que deben ser devueltas a la violencia de la moneda y a la lógica acrecentada de la explotación, sino un elemento disfuncional a la acumulación de riqueza en un capitalismo global financiarizado. Las consecuencias son el desmoronamiento de los servicios públicos esenciales de la sanidad y de la educación, con un incremento exponencial del paro correspondiente a una fuerte desaceleración económica. Las tasas de desempleo en Grecia, en España o en Portugal, son reveladoras de esta imposición desequilibrada a los países del sur que generan el sufrimiento de una gran parte de su población, la desprotección frente a los estados de necesidad, el crecimiento de las situaciones de desigualdad y de injusticia.

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Desde este proceso que invierte la realidad de las cosas utilizando una retórica cada vez menos atendible, los recortes de las prestaciones sociales se acompañan de la devaluación de las condiciones de trabajo de los empleados públicos y la erradicación en la práctica del principio de negociación colectiva en este ámbito, incluidos los trabajadores por cuenta ajena que dependen de las administraciones públicas. Se trata de medidas seguidas de forma general en los países europeos con dificultades para la refinanciación de su deuda soberana con mayor o menor vehemencia, y que inciden en un campo de ilegitimidad, tanto constitucional — como ha señalado el Tribunal constitucional portugués — como internacional — como ha señalado la OIT respecto del caso de Grecia. Los sindicatos españoles han llevado ante la OIT la vulneración por el Estado español de los Convenios ns. 98 y 151 de la OIT precisamente ante la negación del principio de negociación colectiva en el empleo público. La cuestión está aún sin decidir.

El problema se debe enfocar por consiguiente en términos de ciudadanía, lo que quiere decir en términos de libertad colectiva, igualdad y democracia. Este es el único planteamiento posible para un jurista del trabajo que, como el autor, incorpora a una ejecutoria profesional radiante, un talento doctrinal y teórico deslumbrante y un espíritu tan tenaz en la consecución de sus objetivos como crítico en la forma de analizar la realidad y sus figuras sociales reguladas por el derecho. Mi conocimiento de Arnaldo Boson Paes en el curso de doctorado que patrocinaba la Universidad de Castilla La Mancha y ANAMATRA en Ciudad Real, donde él destacó por su brillante participación en los seminarios impartidos y en los debates que éstas generaban, se fortaleció al elegirme como director primero de su tesis de maestría y luego su imponente tesis doctoral, que con el título “Negociación colectiva en la función pública. Eficacia jurídica de los pactos y acuerdos”, defendió el 24 de abril del 2012 en la UCLM ante un tribunal compuesto por Joaquín Aparicio Tovar como Presidente, Amparo Merino Segovia como secretaria, ambos de la UCLM, y como vocales Juan López Gandía, de la Universidad Politécnica de Valencia, María de Sande Pérez Bedmar, de la Universidad Autónoma de Madrid, y Carlos L. Alfonso Mellado, de la Universidad de Valencia, que mereció la máxima calificación de sobresaliente “cum laude” por unanimidad. Hoy este texto, mejorado a través de la obtención del grado de doctor en la PUC/ Sao Paulo, es al que pueden acceder los lectores brasileños. Que, a buen seguro, quedarán entusiasmados por el acierto y la oportunidad del tema, la inteligente forma de abordarlo y la claridad de sus propuestas interpretativas y resolutivas. Lo que a buen seguro hace que a mi juicio estemos frente a una obra científica de altura que ejercerá una gran influencia en el ambiente jurídico cultural al que va dirigida.

Florencia, 27 de mayo de 2013.

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À INTRODUÇÃO

Os sistemas democráticos de relações coletivas de trabalho vêm reconhe-cendo a legitimidade e a necessidade de os funcionários participarem na formação das normas que regulam suas condições de trabalho na função pública.(1) Incursão histórica nas democracias contemporâneas demonstra que gradualmente passou--se de um sistema de não negociação para um sistema de negociação formal, intercalado por uma realidade de negociação informal. E, na evolução desse processo de institucionalização da negociação coletiva, tem exercido papel decisivo a existência de movimento sindical organizado, reforçado por sucessivas lutas sindicais, levando os sindicatos “[...] a tomar conciencia de que corresponde a ellos el ejercicio de la autotutela de sus intereses laborales, cayendo, así, uno de los grandes obstáculos que se interponían en el camino hacia el pleno reconocimiento de la autonomia colectiva de los sindicatos de empleados públicos”.(2)

Progressivamente os métodos e procedimentos incorporados pelo Direito do Trabalho passaram a exercer forte influência sobre a institucionalização da negociação coletiva no âmbito da função pública, na medida em que, com o reconhecimento constitucional dos direitos sindicais dos funcionários públicos, passou a existir uma “[...] integración de los funcionarios públicos em el Derecho Coletivo del Trabajo”.(3) Nesse aspecto, por meio das experiências já consolidadas no âmbito do Direito do Trabalho, observa-se em muitos sistemas jurídicos uma tendência à renovação, à oxigenação e à democratização do Direito

1) Envolvendo o estudo dois sistemas jurídicos, ao longo do texto as expressões “servidor público”, “funcionário público”, “trabalhador público” e “empregado público” são utilizadas indistintamente para designar aqueles trabalhadores que mantêm com o Estado uma relação de natureza jurídico-administrativa. No Brasil, no entanto, o termo “servidor estatutário” designa apenas o servidor sujeito ao regime “estatutário” e ocupante de cargo público e o termo “empregado público” refere-se exclusivamente ao servidor contratado pela legislação trabalhista e ocupante de emprego público. Na Espanha, o trabalhador sujeito ao regime jurídico-administrativo é designado “funcionário público”, embora a Lei n. 7/2007 (EBEP), seguindo a terminologia da OIT, tenha unificado o termo “empleado público” para designar qualquer trabalhador da Administração Pública.(2) ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983. p. 209.(3) DEL REY GUANTER. Estado, sindicatos y relaciones colectivas en la función pública, 1986. p. 25.

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Administrativo, que passa por uma erosão de suas bases e de seus princípios fundamentais.

O Brasil, no entanto, não se encontra no rol dos países em que a negociação coletiva constitui instrumento democrático de participação dos funcionários no processo decisório, estando completamente afastada a figura da negociação e de seus instrumentos. Em face da decisão paradigmática proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) n. 492-DF, ainda nos idos de 1992, a Administração Pública brasileira ainda encontra-se presa a concepções teóricas já superadas, preservando práticas autoritárias que determinam unilateralmente as normas que regulam as relações de trabalho na função pública e negando aos funcionários públicos o pleno e efetivo exercício dos direitos coletivos que lhes são reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 (CF).

De fato, no Brasil não existe autêntica negociação, o diálogo não flui adequadamente, as reuniões são vazias, as autoridades públicas limitam-se a invocar genericamente argumentos econômicos, não há entendimento acerca da necessidade de revisão periódica do poder de compra dos salários nem existe compreensão da valorização do funcionário como instrumento de aprimoramento dos serviços públicos. Em decorrência da falta de um sistema de negociação, a Administração Pública apresenta sua proposta e tenta impor as condições de trabalho. Aceita a proposta, encaminha o projeto de lei ao Congresso Nacional. Recusada a proposta, envia mesmo assim, forçando os funcionários à deflagração das greves, que se arrastam indefinidamente à falta de instrumento adequado de composição dos conflitos coletivos.

No entanto, o Direito Comparado vem demonstrando a necessidade da adequação do modelo brasileiro de função pública à nova realidade sociopolítica que as experiências jurídicas democráticas consagram. Exemplos nesse sentido são numerosos, mas para o âmbito desta investigação é suficiente referir-se ao sistema espanhol de negociação coletiva na função pública. Conquanto apresente algumas deficiências, a Espanha, pela aproximação quanto ao sistema jurídico e de similitude quanto ao perfil da Administração Pública, constitui importante modelo a ser considerado para efeito de comparação.

Na Espanha, como no Brasil, a possibilidade de negociação coletiva sofreu inicialmente forte restrição dos tribunais, mas ali houve significativo avanço, evoluindo e abrindo espaço para que fosse construído novo entendimento, até o reconhecimento do direito à negociação coletiva. Em razão dessa similaridade de trajetória, parece evidente a importância desse estudo, com identificação dos pontos de contato e de divergência entre os dois sistemas jurídicos. Deve ser considerado, ademais, que o método comparativo é instrumento valioso para

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a compreensão do direito nacional, pois os estudos comparativos têm a virtude de permitir adquirir conhecimentos sobre outro sistema, mas também de fazer melhor compreender nosso próprio Direito.

Nesse contexto, este livro faz uma abordagem crítica do modelo de não negociação coletiva no regime jurídico-administrativo a partir do paradigma espanhol. O texto está dividido em três partes, sendo a primeira dedicada à análise dos marcos teórico e normativo para o reconhecimento do direito à negociação coletiva na função pública. A segunda parte trata do modelo brasileiro de não negociação coletiva, com ênfase sobre as consequências da prevalência do modelo baseado na definição unilateral pelo Poder Público das condições de trabalho e sobre as práticas informais de negociação coletiva, apreciando ainda os efeitos decorrentes da recente ratificação pelo Brasil da Convenção n. 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as propostas tendentes à institucionalização da negociação coletiva no serviço público. A terceira parte é dedicada à análise do sistema espanhol de negociação coletiva na função pública, identificando seus avanços e suas limitações, que podem ser considerados como experiência consolidada com possibilidade de seu aproveitamento pedagógico pelo Brasil.

A parte I, que trata dos marcos teórico e normativo sobre a negociação coletiva na função pública, compõe-se de dois capítulos.

O capítulo 1 é dedicado à investigação da natureza jurídica do liame que une o funcionário público ao Estado. Depois de analisados o aparecimento e a consolidação dos conflitos coletivos e revisados os postulados da concepção unilateralista de função pública, são apresentadas as bases para concebê-la como vínculo de natureza bilateral, consensual, em que se afirma sua contratualidade, cuja concepção propicia espaço para a negociação coletiva. No final, são apontados os meios de participação dos funcionários na determinação de suas condições de trabalho, demonstrando a importância da evolução de um modelo de simples consulta para o de negociação coletiva.

O capítulo 2 aborda o processo de reconhecimento e consolidação dos direitos coletivos dos funcionários públicos no Direito Internacional. Examina as principais convenções da OIT, na ideia de que suas normas continuarão orientando e influenciando a política social no mundo e na convicção de que seus instrumentos normativos constituem um piso para o qual ou sobre o qual há de evoluir o direito interno dos países. Em seguida são examinados precedentes da OIT sobre limitações orçamentárias e interferências legislativas na negociação coletiva. Finaliza buscando estabelecer a relação entre liberdade sindical e negociação coletiva dos servidores públicos.

A parte II examina o modelo brasileiro de não negociação coletiva.

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O capítulo 3 focaliza o tratamento conferido aos direitos coletivos dos funcionários pela Constituição Federal, seguindo uma análise crítica do acórdão do Supremo Tribunal Federal proferido na ADIn n. 492-DF, que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 240, alínea d, da Lei n. 8.112/90, que assegurava aos funcionários o direito de negociação coletiva. Aprecia então os efeitos provocados por esse precedente no universo jurídico, na jurisprudência dos tribunais e nas práticas administrativas. Em continuação, analisa de que forma o precedente do STF no julgamento dos Mandados de Injunção (MI) n. 708/DF e MI n. 712/PA, que admitiram o direito de greve dos servidores públicos mediante a aplicação por analogia da Lei n. 7.783/89, repercute e autoriza sua institucionalização por meio de legislação regulamentadora.

O capítulo 4 trata das iniciativas tendentes à institucionalização no Brasil da negociação coletiva na função pública. Aborda inicialmente a importância da ratificação da Convenção n. 151 da OIT e sua repercussão no debate pela concretização de sua regulamentação. Em seguida, examina o modelo de diálogo em curso no âmbito do Poder Executivo Federal, inclusive a novel regulamentação levada a efeito pelo Decreto n. 7.674/2012. Na parte final do capítulo, são examinadas as propostas de regulamentação da negociação coletiva elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), apontando as perspectivas em relação à evolução dos debates e à possibilidade de adoção no Brasil de um modelo democrático e efetivo de negociação coletiva entre os servidores e a Administração Pública.

A parte III aborda o sistema espanhol de negociação coletiva na função pública.

O capítulo 5 faz uma abordagem constitucional e legislativa sobre a tendência na Espanha à homogeneização dos regimes jurídicos dos trabalhadores privados e dos funcionários públicos. Examina a mudança absoluta e transcendental operada na tradição espanhola com a Constituição de 1978, sobretudo com a proclamação do Estado Social e Democrático de Direito (art. 1º, Constituição da Espanha-CE) e com o reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários (art. 28.1 CE). Demonstra que não há um único modelo de função pública e que o legislador ordinário tem a possibilidade de conformar o regime jurídico dos funcionários segundo a opção política de cada momento concreto, respeitados os demais princípios e valores constitucionais.

O capítulo 6 versa sobre o tratamento constitucional conferido ao tema a partir das decisões do Tribunal Constitucional da Espanha. Examina o problema decorrente do reconhecimento da negociação coletiva como direito de simples configuração legal e se o direito à negociação dos funcionários públicos extrai-se de forma direta e imediata da Constituição da Espanha, considerando o direito à

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liberdade sindical estatuído no art. 28.1, CE, o direito à negociação coletiva dos trabalhadores em geral disciplinado no art. 37.1, CE e o disposto no art. 103.3, CE, que trata do “estatuto de los funcionarios públicos” e que dispõe sobre “las peculiaridades del ejercicio de su derecho a sindicación”. O tema é analisado a partir da interpretação contida na Sentença do Tribunal Constitucional (STC) n. 57/1982, importante precedente que ainda hoje exerce forte influência na conformação da negociação coletiva dos funcionários na Espanha.

O capítulo 7 é dedicado ao estudo das leis que regulam a matéria. É realizado exame mais aprofundado da Lei n. 7/2007, de 12 de abril, que dispõe sobre o Estatuto Básico do Empregado Público (EBEP), que veio a substituir a legislação anterior. Esta parte é reservada ao estudo do novo marco normativo da negociação coletiva na função pública, abordando seus aspectos mais fundamentais, incluindo o âmbito subjetivo, estrutura da negociação, sujeitos negociadores, conteúdo, procedimento e conclusão da negociação. Em diversos momentos são apreciados os aspectos da obrigatoriedade da negociação e o dever de negociar de boa-fé.

O capítulo 8 é destinado à análise da eficácia jurídica dos Pactos e Acordos. Examina então a natureza e a eficácia jurídica desses instrumentos, enfocando, quanto a ambos, sua vinculação para a Administração Pública e, em relação aos Acordos, a possível vinculação para o Parlamento quando se tratar de negociação pré-legislativa. Aborda também a eficácia negativa da negociação coletiva, buscando estabelecer as consequências jurídicas decorrentes do descumprimento pela Administração Pública do dever de negociar. Trata ainda da previsão contida no EBEP de suspensão ou modificação dos Pactos e Acordos, com especial referência à apreciação dos aspectos jurídicos do Real Decreto-Lei (RDL) n. 8/2010, que em decorrência da recente crise financeira espanhola promoveu a redução de salários já objeto de regulação por meio de instrumento coletivo. Aborda, por fim, a atuação dos tribunais como instrumento de garantia e concretização do direito à negociação coletiva e da eficácia dos instrumentos dela resultantes.

O último capítulo é dedicado à sistematização das conclusões, sintetizando os aspectos que aproximam e distanciam as experiências brasileira e espanhola na temática, de modo a demonstrar a necessidade de se institucionalizar entre nós a negociação coletiva como instrumento necessário, adequado e legítimo para a resolução de conflitos coletivos no serviço público e para a determinação das condições de trabalho nesse âmbito, inclusive com o reconhecimento da eficácia normativa e vinculante do produto da negociação, tudo isso como consequência do modelo constitucional que reconhece os direitos coletivos dos servidores públicos e que objetiva instituir um Estado Democrático de Direito.

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PARTE I

MARCOS TEÓRICO E NORMATIVO PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO À

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

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À 1. MARCOS TEÓRICOS PARA O RECONHECIMENTO DO

DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA FUNÇÃO PÚBLICA

Este capítulo pretende aportar pressupostos teóricos suficientes para fundamentar o reconhecimento dos direitos coletivos dos funcionários públicos, em especial o direito à negociação das condições de trabalho, considerado integrante do conteúdo essencial da liberdade sindical. O desenvolvimento busca estabelecer as linhas gerais da liberdade sindical e da negociação coletiva, sem se reportar a ordenamento jurídico específico, na convicção de que a conformação do direito faz-se segundo as opções históricas de cada sistema normativo, devidamente contextualizado e vinculado à realidade de cada sociedade. Conquanto a conformação do direito esteja condicionada por razões temporais e espaciais, impõe-se a observância de seu núcleo essencial, considerando sua consagração nos ordenamentos jurídicos democráticos e nos instrumentos normativos internacionais que tratam da liberdade sindical e da negociação coletiva das condições de trabalho.

Procura verificar o processo de aparecimento dos conflitos na função pública e indicar as principais objeções teóricas ao reconhecimento da negociação coletiva como instrumento de solução desses conflitos. Como desdobramento, demonstra a natureza contratual da relação de função pública, pressuposto para justificar a relevância da negociação como instrumento adequado para solucionar os conflitos coletivos aí surgidos. Evidencia a contratualidade da função pública e, para tanto, faz-se necessária a revisão dos postulados da concepção unilateralista e a superação de dogmas da doutrina administrativista tradicional. O objetivo é demonstrar que a natureza contratual, bilateral, consensual, constitui uma exigência do Estado Democrático de Direito, na medida em que este reconhece aos funcionários o direito de liberdade sindical e produz uma considerável erosão dos

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princípios autoritários próprios do sistema estatutário dos funcionários públicos. Essa nova concepção oferece abertura à autonomia coletiva e melhor se ajusta ao modelo de relações coletivas democráticas, em que haja efetivo protagonismo da negociação coletiva. Na parte final, examina as formas de participação na determinação das condições de trabalho, distinguindo o modelo de simples consulta do modelo de negociação coletiva.

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No setor privado, foi árdua e penosa a luta pela conquista dos direitos coletivos dos trabalhadores.(1) Brevemente, pode-se pontuar que, objetivando evitar a pressão dos grupos organizados em detrimento da liberdade individual consagrada pela Revolução Francesa, a Lei Le Chapelier (1791) proibiu a coalizão de cidadãos, impedindo assim toda reunião de patrões e trabalhadores. Ficava então vedada a organização com o fim de pressionar pela implementação ou modificação de condições de trabalho. Nesse período de repressão, estavam em pleno vigor os princípios fundamentais do liberalismo e as leis puniam severamente a associação para fins reivindicatórios, instituindo o delito de coalizão. Somente em 1871, na Inglaterra, surgiu a primeira lei afirmativa do direito de sindicalização, mas foi a partir da Lei Waldeck-Rousseau, no ano de 1884, na França, que diversos países passaram a reconhecer o direito de sindicalização.(2)

Progressivamente, o conflito trabalhista moderno expande-se para além dos limites da fábrica e da empresa privada, ingressando de forma paulatina no antes impermeável âmbito da função pública. Com o incremento do número de trabalhadores a serviço da Administração Pública e com a sucessiva deterioração das condições de trabalho, entre 1880 e 1890, surgiram na Inglaterra as primeiras associações sindicais de servidores públicos. Depois da Segunda Guerra Mundial, a aglutinação de funcionários em associações sindicais ganhou proporções consideráveis, quando, com o advento de novas constituições, os principais

(1) Esses direitos, frutos de processos históricos de luta pela dignidade humana, como adverte Herrera Flores (Teoria crítica dos direitos humanos: os direitos humanos como produtos culturais, 2009. p. 195), não podem ser compreendidos como algo já conseguido, estabelecidos de uma vez por todas e cuja problemática residiria em colocá-los em prática, como se a efetividade de um direito fosse algo neutro, independente das relações de poder. Segundo esse autor, os direitos são “algo que existe como prática e, sobretudo, como potência, como algo a conseguir, a conquistar, a construir por meio de práticas sociais”. (2) Para uma consulta histórica: PALOMEQUE LÓPEZ. Derecho sindical español, 1991. p. 48-55; DE LA CUEVA. Derecho mexicano del trabajo, 1967. p. 238-25; SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA; TEIXEIRA. Instituições de direito do trabalho II, 1999. p. 960-975; RUPRECHT. Relações coletivas de trabalho, 1995. p. 59-76; e NASCIMENTO. Compêndio de direito sindical, 2000. p. 37-60.

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países europeus avançaram no campo democrático, sendo hoje assente que o sindicalismo de qualquer espécie é essencial às democracias. Na atualidade, independentemente do regime jurídico que seja aplicado aos agentes do Estado, estes são considerados, antes de tudo, prestadores de serviços em troca de certa remuneração e, como todo e qualquer trabalhador, pretendem que as condições de trabalho sejam melhores e mais justas possíveis.(3)

No passado, era inconcebível a ocorrência de conflito coletivo entre a Administração e os funcionários. A própria noção de conflito era incompatível com o princípio de autoridade e com a natureza unilateral que envolvia as relações entre o Estado e seus funcionários. E a visão de um método de solução da controvérsia por parte de um terceiro importaria uma delegação de poderes inteiramente inadmissível, quando não uma abdicação da autoridade. Com efeito, a função pública é conquista da modernidade, na medida em que, antes do advento do Estado moderno, os membros da função pública encontravam-se a ele vinculados por especial relação de poder, no exercício da qual desempenhavam um munus publicum, auferindo, em compensação, alguns privilégios. Não se compreendia o funcionário público como um trabalhador que realizava um labor e em compensação percebia uma remuneração para garantia de seu sustento próprio e familiar. O ganho auferido correspondia à simples compensação pela impossibilidade de trabalhar para o âmbito privado e pela dedicação à realização do interesse público. Nessa época, seria inviável reconhecer qualquer conflito entre o Estado e seus agentes, assim como seria incogitável a proclamação de direitos coletivos aos funcionários públicos.(4)

As transformações operadas no mundo das relações de trabalho no setor público implicaram a noção de que não era possível excluir a existência de conflitos coletivos de trabalho e, de fato, eles não somente ocorrem frequentemente, como se multiplicam em toda parte, gerando a necessidade de encontrarem--se métodos de composição paralelos ao incremento da prática de negociação coletiva destinada à determinação das condições de trabalho. De um modo

(3) O processo de surgimento e desenvolvimento do sindicalismo na função pública é apresentado por ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983. p. 52-80; e RASNEUR. Los servicios públicos y el movimiento sindical. In: AA.VV. Administración pública y sindicalismo, 1988. p. 15-23.(4) Análise crítica da concepção clássica de emprego público, com abordagem da evolução de sua natureza, sua estrutura e seus pressupostos é formulada por LIBERAL FERNANDES. Autonomia colectiva

dos trabalhadores da Administração: crise do modelo clássico de emprego público, 1995. p. 73/101; ORTEGA ÁLVAREZ. Los derechos sindicales de los funcionarios públicos, 1983. p. 29-43; CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001. p. 26-66; PINTO E NETTO. A contratualização da função pública: da insuficiência da teoria estatutária no Estado Democrático de Direito. Dissertação de Mestrado em Direito Administrativo, Universidade Federal de Minas Gerais, 2003; e ARAÚJO. Negociação coletiva dos servidores públicos, 2011. p. 103-177.

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geral, a trajetória do sindicalismo na função pública observou três fases distintas, compreendendo uma primeira de proibição absoluta, que incidia sobre todos os funcionários; uma segunda fase de proibição atenuada, na qual foi permitida a sindicalização de uma parcela dos agentes que prestavam serviços ao Estado, especialmente aqueles ligados à exploração de atividades econômicas; e uma terceira fase, quando se deu o reconhecimento genérico, com vedações a apenas alguns segmentos, notadamente às Forças Armadas e às Polícias, buscando-se também estabelecer a distinção entre funcionários com autoridade e funcionários de administração, estes compreendidos como exercentes de simples funções burocráticas.

Efetivamente, as razões que levaram os funcionários a sindicalizar-se e a deflagrarem conflitos coletivos são as mesmas que motivaram os trabalhadores privados. Em ambas as situações, as preocupações convergem e objetivam a definição de salários e vantagens econômicas, segurança no trabalho, igualdade de tratamento e procedimentos de solução de conflitos coletivos, porquanto em todo caso uma pessoa concorre com seu labor para a formação de uma relação de trabalho. Para a defesa de seus interesses coletivos, adotam os mesmos métodos de organização e luta dos demais trabalhadores, surgindo os sindicatos de funcionários públicos, que organizam manifestações, deflagram greves e instauram outras formas de expressão dos conflitos entre os funcionários públicos e o Estado, com a finalidade de fortalecer suas posições no âmbito da reivindicação de novas e melhores condições de trabalho.

Assim como ocorreu no âmbito do setor privado, a postura dos sistemas jurídicos em relação à sindicalização na função pública evoluiu desde a fase de intensa repressão à tolerância dessas formas de organização e reivindicação, alcançando então o reconhecimento como instrumentos essenciais ao regime democrático, expandindo-se e generalizando-se pelos países do espectro demo-crático. Com efeito, nos Estados em que a democracia política está consolidada, os conflitos coletivos, a organização sindical e os movimentos de pressão para a defesa de reivindicações a serem solucionadas por meio do diálogo social constituem elementos integrados aos sistemas jurídicos e às regras do jogo democrático. Hoje, a sindicalização na função pública não apenas está assegurada nos sistemas jurídicos dos países ocidentais, como as taxas de filiação nesse segmento superam os índices praticados nos setores privados.(5)

(5) Para um estudo de direito comparado, constituem referenciais importantes as seguintes obras: CANTERO MARTÍNEZ. El empleo público: entre estatuto funcionarial y contrato laboral, 2001. p. 67-247; MACEDO DE BRITO PEREIRA. La negociación colectiva en la función pública: una aproximación constitucional, p. 135-249; e ARAÚJO. Negociação coletiva dos servidores públicos, 2011. p. 247-337.

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