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Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Julgados não comentados por terem menor relevância para concursos públicos ou por terem sido decididos com base em peculiaridades do caso concreto: REsp 1.371.750-PE; REsp 1.234.153-SC. Leia-os ao final deste Informativo. ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIDORES TEMPORÁRIOS Acumulação de aposentadoria de emprego público com remuneração de “cargo” temporário. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Possibilidade de execução imediata de penalidade imposta em PAD. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Competência para julgar ação de improbidade proposta por Município contra ex-prefeito que não prestou contas de convênio federal. DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL Possibilidade de absolutamente incapaz sofrer dano moral. DPVAT Prazo prescricional para cobrança ou complementação de valor do seguro DPVAT. DIREITO DO CONSUMIDOR DIREITOS BÁSICOS DOS CONSUMIDORES Dever de utilização do sistema Braille por instituições financeiras. RESPONSABILIDADE POR FATO DO SERVIÇO Responsabilidade da ECT por roubo ocorrido no interior de banco postal. DIREITO EMPRESARIAL CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL Aval em cédulas de crédito rural. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Conexão por prejudicialidade. EXECUÇÃO Penhora de quotas sociais na parte relativa à meação. Responsabilidade do adjudicante por dívidas condominiais pretéritas.

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Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Julgados não comentados por terem menor relevância para concursos públicos ou por terem sido decididos com base em peculiaridades do caso concreto: REsp 1.371.750-PE; REsp 1.234.153-SC. Leia-os ao final deste Informativo.

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES TEMPORÁRIOS Acumulação de aposentadoria de emprego público com remuneração de “cargo” temporário. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Possibilidade de execução imediata de penalidade imposta em PAD. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Competência para julgar ação de improbidade proposta por Município contra ex-prefeito que não prestou contas

de convênio federal.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Possibilidade de absolutamente incapaz sofrer dano moral. DPVAT Prazo prescricional para cobrança ou complementação de valor do seguro DPVAT.

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITOS BÁSICOS DOS CONSUMIDORES Dever de utilização do sistema Braille por instituições financeiras.

RESPONSABILIDADE POR FATO DO SERVIÇO Responsabilidade da ECT por roubo ocorrido no interior de banco postal.

DIREITO EMPRESARIAL

CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL Aval em cédulas de crédito rural.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Conexão por prejudicialidade. EXECUÇÃO Penhora de quotas sociais na parte relativa à meação. Responsabilidade do adjudicante por dívidas condominiais pretéritas.

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EXECUÇÃO FISCAL Oferecimento de seguro garantia em execução fiscal. JUIZADOS ESPECIAIS Requisitos para admissibilidade de reclamação e de pedido de uniformização de jurisprudência. AÇÃO MONITÓRIA Demonstrativo de débito atualizado como requisito da petição inicial.

DIREITO PENAL

CRIME CONTINUADO Aumento de pena no máximo pela continuidade delitiva em crime sexual. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO Estelionato previdenciário e devolução da vantagem indevida antes do recebimento da denúncia. ART. 273 DO CP Inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, V, do CP. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO O crime de entrega de direção de veículo automotor a pessoa não habilitada é de perigo abstrato.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Competência para apreciar quebra de sigilo em investigação de crime de uso de artefato incendiário contra prédio

da Justiça Militar da União. Latrocínio cometido contra policiais rodoviários federais que reprimiram assalto a banco. RECURSOS Prazo para oposição de embargos de declaração contra acórdão que analisa astreintes impostas por juízo

criminal. EXECUÇÃO PENAL Perda dos dias remidos em razão de cometimento de falta grave.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Competência para apreciar quebra de sigilo em investigação de crime de uso de artefato incendiário contra prédio

da Justiça Militar da União.

DIREITO INTERNACIONAL

CONVENÇÃO DE HAIA Relação de prejudicialidade externa entre ação fundada na Convenção de Haia e ação de guarda.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES TEMPORÁRIOS Acumulação de aposentadoria de emprego público com remuneração de “cargo” temporário

Importante!!!

Maria é empregada pública federal aposentada. Como se aposentou cedo e ainda está cheia de vitalidade, ela decide que deseja continuar trabalhando e, por isso, se inscreve no processo seletivo aberto pelo Ministério do Meio Ambiente para contratar servidores temporários.

A empregada pública aposentada poderá ser contratada e receber, ao mesmo tempo, os proventos da aposentadoria e também a remuneração proveniente do serviço temporário?

SIM. É possível a cumulação de proventos de aposentadoria de emprego público com remuneração proveniente de exercício de “cargo” temporário.

O § 3º do art. 118 da Lei 8.112/90 proíbe apenas a acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo ou emprego público efetivo.

Os servidores temporários contratados sob o regime do art. 37, IX, não estão vinculados a um cargo ou emprego público, exercendo apenas uma função administrativa temporária (função autônoma, justamente por não estar vinculada a cargo ou emprego).

Além disso, ainda que se considere que isso é um “cargo” público, não se trata de cargo público efetivo já que as pessoas são selecionas mediante processo seletivo simplificado e irão exercer essa função por um prazo determinado, não possuindo direito à estabilidade.

Em suma, não é cargo; mas mesmo que fosse, não seria cargo efetivo.

Ademais, a aposentadoria da interessada se deu pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS (ela era empregada pública), não se lhe aplicando, portanto, o disposto no § 10 do art. 37 da CF/88, segundo o qual “É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração”. Isso porque a aposentadoria dos empregados públicos, concedida no regime do RGPS, é disciplinada não pelo art. 40 da CF/88, mas sim pelo art. 201. Logo, não se pode atribuir interpretação extensiva em prejuízo do empregado público aposentado pelo RGPS.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.298.503-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/4/2015 (Info 559).

NOÇÕES GERAIS SOBRE OS SERVIDORES TEMPORÁRIOS

Exceção ao princípio do concurso público A CF/88 instituiu o “princípio do concurso público”, segundo o qual, em regra, a pessoa somente pode ser investida em cargo ou emprego público após ser aprovada em concurso público (art. 37, II). Esse princípio, que na verdade é uma regra, possui exceções que são estabelecidas no próprio texto constitucional. Assim, a CF/88 prevê situações em que o indivíduo poderá ser admitido no serviço público mesmo sem concurso. Podemos citar como exemplos: a) cargos em comissão (art. 37, II); b) servidores temporários (art. 37, IX); c) cargos eletivos; d) nomeação de alguns juízes de Tribunais, Desembargadores, Ministros de Tribunais; e) ex-combatentes (art. 53, I, do ADCT); f) agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (art. 198, § 4º). Vamos estudar agora apenas a hipótese dos servidores temporários (art. 37, IX, da CF/88).

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Redação do art. 37, IX O art. 37, IX, prevê o seguinte:

IX — a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Servidores temporários Os servidores que são contratados com base nesse fundamento são chamados de servidores temporários. Características Para ser válida, a contratação com fundamento no inciso IX deve ser... - feita por tempo determinado (a lei prevê prazos máximos); - com o objetivo de atender a uma necessidade temporária; e - que se caracterize como sendo de excepcional interesse público. Processo seletivo simplificado A contratação com base no inciso IX ocorre sem a realização de prévio concurso público. A lei, no entanto, pode prever critérios e exigências a serem observadas pelo administrador no momento de contratar. Ex.: a Lei nº 8.745/93, que rege o tema em nível federal, exige que os profissionais a serem contratados sejam submetidos a uma espécie de processo seletivo simplificado (art. 3º), ou seja, um procedimento mais simples que o concurso público, por meio do qual, no entanto, se possa selecionar os melhores candidatos à função e de maneira impessoal. Nada impede também que a lei não preveja nem mesmo o processo seletivo simplificado. No âmbito federal, por exemplo, a contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde pública prescindirá de processo seletivo. Lei de cada ente deverá reger o tema Repare que o inciso IX fala que LEI estabelecerá os casos de contratação. Não se trata de uma só lei. O que esse dispositivo está afirmando é que cada ente da Federação deverá editar a sua própria lei prevendo os casos de contratação por tempo determinado. Não poderia uma só lei dispor sobre o tema porque é preciso que se respeite a autonomia administrativa dos entes. Ex.1: no âmbito federal, a lei que rege o tema é a Lei nº 8.745/93. Ex.2: em Goiás, quem traz as hipóteses é a Lei estadual nº 13.664/2000. Ex.3: em Manaus, a contratação por prazo determinado deverá observar a Lei municipal nº 1.425/2010.

Ao prestar concursos estaduais/municipais, é importante verificar se o edital exige a lei de contratação por tempo determinado. A lei de cada ente irá prever as regras sobre essa contratação, ou seja, as hipóteses em que ela ocorre, seu prazo de duração, direitos e deveres dos servidores, atribuições, responsabilidades etc. Vale ressaltar que a referida lei não poderá contrariar a moldura (os limites) que o inciso IX do art. 37 da CF/88 deu ao tema. Não ocupam cargo ou emprego público Os servidores temporários contratados sob o regime do art. 37, IX, não estão vinculados a um cargo ou emprego público, exercendo apenas uma função administrativa temporária (função autônoma, justamente por não estar vinculada a cargo ou emprego).

Vínculo especial de direito administrativo O vínculo jurídico entre o servidor contratado temporariamente (art. 37, IX) e o Poder Público é um vínculo de cunho administrativo. Apesar de existirem opiniões doutrinárias em sentido contrário, o STF já decidiu que a lei municipal ou estadual que regulamente o art. 37, IX não pode estabelecer que o regime a ser aplicado seja o celetista.

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SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO PODE SER CONTRATADO COMO SERVIDOR TEMPORÁRIO?

Imagine a seguinte situação adaptada: Maria é empregada pública federal aposentada (prestava serviços em empresa pública federal). Como se aposentou cedo e ainda está cheia de vitalidade, ela decide que deseja continuar trabalhando e, por isso, se inscreve no processo seletivo aberto pelo Ministério do Meio Ambiente para contratar servidores temporários para o órgão. Mesmo tendo sido aprovada, o administrador público recusou-se a contratar Maria alegando que o art. 6º

da Lei n. 8.745/93 (Lei de contratação temporária no âmbito federal) veda, em regra, que servidores públicos sejam contratados como servidores temporários. Confira o que diz o dispositivo:

Art. 6º É proibida a contratação, nos termos desta Lei, de servidores da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de empregados ou servidores de suas subsidiárias e controladas.

O administrador público afirmou, ainda, que Maria não poderia acumular os proventos da aposentadoria com a remuneração do exercício da função temporária porque existiria óbice expresso no § 3º do art. 118

da Lei n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos federais):

Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. § 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios. (...) § 3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade.

Irresignada, Maria procura a Defensoria Pública que impetra mandado de segurança contra a recusa. Indaga-se: agiu corretamente a Administração Pública? O art. 6º proíbe que servidores públicos aposentados sejam contratados como servidores temporários? NÃO. Segundo entendeu o STJ, “não se extrai da redação nenhuma restrição aos servidores inativos”. Em

outras palavras, o art. 6º da Lei n. 8.745/93 somente veda que servidores públicos da ativa sejam contratados como servidores temporários, não estendendo essa proibição para servidores aposentados.

E o art. 118, § 3º da Lei n. 8.112/90? A empregada pública aposentada poderá ser contratada e receber, ao mesmo tempo, os proventos da aposentadoria e também a remuneração proveniente do serviço temporário? SIM. É possível a cumulação de proventos de aposentadoria de emprego público com remuneração proveniente de exercício de “cargo” temporário. Ao ler o § 3º do art. 118, percebe-se que ele proíbe apenas a acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo ou emprego público efetivo. Os servidores temporários contratados sob o regime do art. 37, IX, não estão vinculados a um cargo ou emprego público, exercendo apenas uma função administrativa temporária (função autônoma, justamente por não estar vinculada a cargo ou emprego). Além disso, ainda que se considere que isso é um “cargo” público, não se trata de cargo público efetivo já que as pessoas são selecionas mediante processo seletivo simplificado e irão exercer essa função por um prazo determinado, não possuindo direito à estabilidade.

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Em suma, não é cargo; mas mesmo que fosse, não seria cargo efetivo. Ademais, a aposentadoria da interessada se deu pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS (ela era empregada pública), não se lhe aplicando, portanto, o disposto no § 10 do art. 37 da CF/88, segundo o qual “É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração”. Isso porque a aposentadoria dos empregados públicos, concedida no regime do RGPS, é disciplinada não pelo art. 40 da CF/88, mas sim pelo art. 201. Logo, não se pode atribuir interpretação extensiva em prejuízo do empregado público aposentado pelo RGPS.

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Possibilidade de execução imediata de penalidade imposta em PAD

Importante!!!

Atenção! Advocacia Pública

Determinado servidor público federal recebeu pena de demissão em processo administrativo disciplinar contra si instaurado. O servidor interpôs recurso administrativo com a decisão proferida. Ocorre que, antes mesmo de ser julgado o recurso, a Administração Pública já cessou o pagamento da remuneração do servidor e o afastou das funções.

É possível que a sanção aplicada seja desde logo executada mesmo que ainda esteja pendente recurso interposto no âmbito administrativo?

SIM. É possível o cumprimento imediato da penalidade imposta ao servidor logo após o julgamento do PAD e antes do julgamento do recurso administrativo cabível.

Não há qualquer ilegalidade na imediata execução de penalidade administrativa imposta em PAD a servidor público, ainda que a decisão não tenha transitado em julgado administrativamente.

STJ. 1ª Seção. MS 19.488-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é servidor público federal e praticou ato de corrupção. Foi instaurado processo administrativo disciplinar para apurar sua conduta, tendo-lhe sido imposta a pena

de demissão, conforme prevista no art. 132, XI, da Lei n. 8.112/90. João interpôs recurso administrativo contra a decisão proferida. Ocorre que, antes mesmo de ser julgado o recurso, a Administração Pública já cessou o pagamento da remuneração do servidor e o afastou das funções. A Administração Pública poderia ter feito isso? É possível que a sanção aplicada seja desde logo executada mesmo que ainda esteja pendente recurso interposto no âmbito administrativo? SIM. É possível o cumprimento imediato da penalidade imposta ao servidor logo após o julgamento do PAD e antes do julgamento do recurso administrativo cabível. Em outras palavras, não há qualquer ilegalidade na imediata execução de penalidade administrativa imposta em PAD a servidor público, ainda que a decisão não tenha transitado em julgado administrativamente.

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Argumentos: 1º) Os atos administrativos gozam de autoexecutoriedade, possibilitando que a Administração Pública realize, através de meios próprios, a execução dos seus efeitos materiais, independentemente de autorização judicial ou do trânsito em julgado da decisão administrativa. 2º) A execução dos efeitos materiais de penalidade imposta ao servidor público (ex: corte da remuneração) não depende do julgamento de recurso interposto na esfera administrativa, já que este, em

regra, não possui efeito suspensivo, conforme previsto no art. 109 da Lei n. 8.112/90:

Art. 109. O recurso poderá ser recebido com efeito suspensivo, a juízo da autoridade competente.

(...) O recurso administrativo é recebido, via de regra, apenas no efeito devolutivo, o que permite a execução imediata da decisão tomada no processo administrativo. (...) (STJ. 3ª Seção. MS 14.425/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/09/2014).

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Competência para julgar ação de improbidade proposta por Município contra ex-prefeito que

não prestou contas de convênio federal

Importante!!!

Determinado Município ajuizou Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa contra o ex-prefeito da cidade, sob o argumento de que este, enquanto prefeito, firmou convênio com órgão/entidade federal e recebeu recursos para aplicar em favor da população e, no entanto, não prestou contas no prazo devido, o que fez com o que o Município fosse incluído no cadastro negativo da União, estando, portanto, impossibilitado de receber novos recursos federais.

Esta ação de improbidade administrativa deverá ser julgada pela Justiça Federal ou Estadual?

Regra: compete à Justiça Estadual (e não à Justiça Federal) processar e julgar ação civil pública de improbidade administrativa na qual se apure irregularidades na prestação de contas, por ex-prefeito, relacionadas a verbas federais transferidas mediante convênio e incorporadas ao patrimônio municipal.

Exceção: será de competência da Justiça Federal se a União, autarquia federal, fundação federal ou empresa pública federal manifestar expressamente interesse de intervir na causa porque, neste caso, a situação se amoldará no art. 109, I, da CF/88.

STJ. 1ª Seção. CC 131.323-TO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação adaptada: O Município “XXX” ajuizou Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa contra João da Silva, ex-prefeito da cidade, sob o argumento de que este, enquanto prefeito, firmou convênio com a FUNASA, recebeu recursos para aplicar na saúde local e, no entanto, não prestou contas no prazo devido, o que fez com que o Município fosse incluído no cadastro negativo da União, estando, portanto, impossibilitado de receber novos recursos federais. Ressalte-se que as únicas partes na ação são o Município e o ex-prefeito.

Esta ação de improbidade administrativa deverá ser julgada pela Justiça Federal ou Estadual? Justiça Estadual.

Em regra, compete à Justiça Estadual (e não à Justiça Federal) processar e julgar ação civil pública de improbidade administrativa na qual se apure irregularidades na prestação de contas, por ex-prefeito, relacionadas a verbas federais transferidas mediante convênio e incorporadas ao patrimônio municipal.

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Exceção: será de competência da Justiça Federal se a União, autarquia federal, fundação federal ou empresa pública federal manifestar expressamente interesse de intervir na causa porque, neste caso, a situação se amoldará no art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Súmulas 208 e 209 do STJ O STJ possui dois enunciados muito conhecidos. Vamos relembrá-los:

Súmula 208-STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal. Súmula 209-STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.

Esses enunciados foram editados pela 3ª Seção do STJ, que julga processos e recursos criminais. Desse modo, tais súmulas foram aprovadas, originalmente, para resolver questões relacionadas com a competência em matéria penal. Nos processos criminais, para que a competência seja da Justiça Federal, basta que exista interesse da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Veja:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Vamos comparar:

Competência penal da JF Competência cível da JF

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; Em relação às matérias penais, o art. 109 estabelece critérios mais amplos na fixação da competência da Justiça Federal do que quanto às ações cíveis. Isso porque no âmbito criminal, para que a competência seja federal, basta que exista interesse da União, entidades autárquicas e empresas públicas.

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; Em matéria cível, a Justiça Federal só será competente se a União possuir interesse que lhe permita atuar como autora, ré, assistente ou oponente. Logo, se a União, entidade autárquica ou empresa pública não figurar como parte no processo cível, a competência não será da Justiça Federal.

Não se está afirmando que as súmulas 208 e 209 do STJ não possam ser aplicadas como critérios para definição de competência em matéria cível. Existem inúmeros precedentes do STJ que utilizam esses enunciados em processos cíveis, inclusive em ações de improbidade administrativa. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. REsp 1391212/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 02/09/2014.

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O que se está explicando é que as referidas súmulas, em especial o enunciado 208, não podem ser aplicadas de forma absoluta nos processos cíveis. Para a definição da competência cível, o principal será saber se a União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas estão intervindo no processo ou não.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA POR MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E ENTE FEDERAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PÚBLICOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Trata-se de ação de improbidade administrativa proposta por Município contra ex-prefeito, por suposto desvio de verba – já incorporada pela Municipalidade – sujeita à prestação de contas perante órgão federal, no caso, a FUNASA (fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde). 2. Nos termos do inciso I, do art. 109, da CRFB/88, a competência cível da Justiça Federal define-se pela natureza das pessoas envolvidas no processo – rationae personae –, sendo desnecessário perquirir a natureza da causa (análise do pedido ou causa de pedir), excepcionando-se apenas as causas de falência, de acidente do trabalho e as sujeitas às Justiças Eleitoral e do Trabalho. 3. Malgrado a demanda tenha como causa de pedir – a ausência de prestação de contas (por parte do ex prefeito) de verbas recebidas em decorrência de convênio firmado com órgão federal – situação que, nos termos da Súmula 208/STJ, fixaria a competência na Justiça Federal (já que o ex gestor teria que prestar contas perante o referido órgão federal), não há, no polo passivo da ação, quaisquer dos entes mencionados no inciso I do art. 109, da CF. Assim, não há que se falar em competência da Justiça Federal. 4. Corrobora o raciocínio, o entendimento sedimentado na Súmula 209/STJ, no sentido de fixar na Justiça Estadual a competência para o processo e julgamento das causas em que as verbas recebidas pelo Município, em decorrência de irregularidades ocorridas no Convênio firmado com a União, já tenham sido incorporadas à Municipalidade – hipótese dos autos. 5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito de Marcelância/MT, o suscitado. STJ. 1ª Seção. CC 100.507/MT, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 11/03/2009.

(...) 2. Deve-se observar uma distinção (distinguishing) na aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, no âmbito cível. Isso porque tais enunciados provêm da Terceira Seção deste Superior Tribunal, e versam hipóteses de fixação da competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal, nos termos do inciso IV do art. 109 da CF. 3. A competência da Justiça Federal, em matéria cível, é aquela prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, que tem por base critério objetivo, sendo fixada tão só em razão dos figurantes da relação processual, prescindindo da análise da matéria discutida na lide. 4. Assim, a ação de improbidade movida contra Prefeito, fundada em uso irregular de recursos advindos de convênio celebrado pelo Município com a FUNASA, com dano ao erário, não autoriza por si só o deslocamento do feito para a Justiça Federal. 5. No caso, a presença da autarquia na condição de assistente simples (art. 50 do CPC) já admitida no feito - em razão do interesse jurídico na execução do convênio celebrado - firma a competência da Justiça Federal, nos termos do mencionado art. 109, I, da CF. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1325491/BA, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 05/06/2014.

Voltando ao caso concreto: Na ação de improbidade ajuizada pelo Município, nem a União, nem a FUNASA, nem qualquer outra entidade federal manifestou interesse de intervir na causa. Assim, a despeito da Súmula 208 do STJ, a competência será da Justiça Estadual porque a competência absoluta enunciada no art. 109, I, da CF/88 exige, de forma clara e objetiva, a presença de uma entidade federal na lide. A situação seria diferente se, por exemplo, a FUNASA houvesse pedido para atuar como assistente do Município-autor. Neste caso, a competência para jugar a ação seria da Justiça Federal.

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DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Possibilidade de absolutamente incapaz sofrer dano moral

Determinado indivíduo é portador de doença mental grave (demência total e irreversível). Certo dia, a filha desse indivíduo notou que houve saques indevidos (fraudulentos) que foram feitos de sua conta bancária por um terceiro.

Foi proposta ação de indenização por danos morais contra o banco.

O absolutamente incapaz, mesmo sem entender seus atos e os de terceiros, pode sofrer dano moral?

SIM. O absolutamente incapaz, ainda quando impassível de detrimento anímico, pode sofrer dano moral.

O dano moral caracteriza-se por uma ofensa a direitos ou interesses juridicamente protegidos (direitos da personalidade). A dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação podem ser consequências do dano moral, mas não a sua causa.

Dano moral: é a ofensa a determinados direitos ou interesses. Basta isso para caracterizá-lo.

Dor, sofrimento, humilhação: são as consequências do dano moral (não precisam necessariamente ocorrer para que haja a reparação).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.245.550-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação adaptada: João é portador de doença mental (demência total e irreversível) e já foi, inclusive, declarado judicialmente interditado, tendo-lhe sido nomeada a sua filha como curadora. João mantém uma conta bancária onde recebe um benefício assistencial. Determinado dia, a sua filha notou que houve saques indevidos (fraudulentos) que foram feitos de sua conta bancária por um terceiro. Mesmo após ser alertado acerca do saque indevido, o banco nada fez, não restituindo a quantia sacada. Diante disso, João, representado por sua filha e curadora, ajuizou ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o banco. O banco contestou o pedido afirmando que o autor não sofreu qualquer dano moral porque, sendo ele portador de demência total, nem mesmo teve consciência de que foram feitos saques de sua conta. Logo, não se pode dizer que tenha sofrido uma dor, um abalo em seu íntimo. A questão chegou até o STJ. O absolutamente incapaz, mesmo sem entender seus atos e os de terceiros, pode sofrer dano moral? SIM. O absolutamente incapaz, ainda quando impassível de detrimento anímico, pode sofrer dano moral. O dano moral caracteriza-se por uma ofensa, e não por uma dor ou um padecimento. Eventuais mudanças no estado de alma do lesado decorrentes do dano moral, portanto, não constituem o próprio dano, mas eventuais efeitos ou resultados do dano. Os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A CF/88 deu ao homem lugar de destaque, realçou seus direitos e fez deles o fio condutor de todos os ramos jurídicos. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo – essência de todos os direitos personalíssimos –, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.

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Aprofundando mais a discussão: Para que haja dano moral, é necessário que o seu titular tenha sentido uma dor em seu íntimo? No voto, o excelente Min. Luis Felipe Salomão faz um interessante estudo sobre o conceito de dano moral. Segundo constata o Ministro, a doutrina se divide em dois grupos:

Dano moral exige dor da vítima Dano moral não exige dor da vítima

Há aqueles que dizem que o dano moral é a alteração negativa do ânimo do indivíduo. Assim, para que haja dano moral, é necessário que o titular tenha sido vítima de sofrimento, tristeza, vergonha etc, ou seja, alterações negativas no seu estado anímico, psicológico ou espiritual. De acordo com os que pensam o dano moral dessa forma, não há dano moral sem dor, padecimento ou sofrimento, físico ou moral. É o caso, p. ex., de Carlos Alberto Bittar, para quem os danos morais “se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado” (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004).

Por outro lado, há aqueles que reconhecem que existe dano moral pelo simples fato de ter havido uma violação de um bem ou interesse jurídico, sem exigir que a vítima tenha sofrido dor ou qualquer outra modificação no seu estado da alma. O dano moral existe pelo simples ataque em si a determinado direito, e não com sua consequência, ou seja, com o resultado por ele provocado. É a posição de Sergio Cavalieri, para quem: “o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade. Com essa ideia, abre-se espaço para o reconhecimento do dano moral em relação a várias situações nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá com doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra idade e outras situações tormentosas. Por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico, ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que o patrimônio. É a dignidade humana, que não é privilégio apenas dos ricos, cultos ou poderosos, que deve ser por todos respeitada. Os bens que integram a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar dano moral.” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 79-80)

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O STJ aderiu à segunda corrente e concluiu que é possível concluir que o dano moral se caracterize pela simples ofensa a determinados direitos ou interesses. O evento danoso não se revela na dor, no padecimento, que são, na verdade, consequências do dano, seu resultado. “As mudanças no estado de alma do lesado, decorrentes do dano moral, não constituem, pois, o próprio dano, mas efeitos ou resultados do dano” (ANDRADE, André Gustavo C. de. A evolução do conceito de dano moral. In Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, 2008). Resumindo: Dano moral: é a ofensa a determinados direitos ou interesses. Basta isso para caracterizá-lo. Dor, sofrimento, humilhação: são as consequências do dano moral (não precisam necessariamente

ocorrer para que haja a reparação). Existem outros precedentes do STJ no mesmo sentido da 2ª corrente? SIM. Há na jurisprudência do STJ precedentes que visualizaram a configuração do dano moral, por violação a direito da personalidade, em relação a sujeitos cujo grau de discernimento é baixo ou inexistente e, naquelas decisões, o estado da pessoa não foi motivo suficiente ao afastamento do dano. É o caso, por exemplo, de crianças de tenra idade ou mesmo recém-nascidos:

(...) 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicada. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1291247⁄RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 01⁄10⁄2014.

(...) As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC⁄02. - Mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6º, VI, assegura a efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do consumidor, notadamente sua idade. Ao contrário, o art. 7º da Lei nº 8.078⁄90 fixa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1037759⁄RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 05⁄03⁄2010.

DPVAT Prazo prescricional para cobrança ou complementação de valor do seguro DPVAT

(obs: nem todos os concursos cobram esse tema; verifique seu edital para não estudar matérias desnecessárias)

Qual é o prazo que o beneficiário possui para ajuizar ação cobrando da seguradora a indenização do DPVAT que não lhe foi paga? Qual é o termo inicial?

A ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT prescreve em 3 anos (Súmula 405-STJ e art. 206, § 3º, IX, do CC).

O termo inicial do prazo prescricional é a data em que o segurado teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez ou da morte.

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E se o beneficiário recebeu apenas uma parte do seguro, mas não concorda com o valor e quer o pagamento do restante? Ex: sofreu invalidez permanente, recebeu R$ 10 mil, mas acha que tem direito a R$ 13.500,00. Qual é o prazo neste caso?

O prazo de prescrição para o recebimento da complementação do seguro DPVAT também é trienal. Não há motivo para que o prazo da ação pedindo o complemento seja diferente daquele previsto para que se pleiteie o todo.

O prazo prescricional começa no dia que foi realizado o pagamento administrativo que o beneficiário considera que tenha sido menor que o devido.

Em suma, a pretensão de cobrança e a pretensão a diferenças de valores do seguro DPVAT prescrevem em três anos, sendo o termo inicial, no último caso, o pagamento administrativo considerado a menor.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.347-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 8/4/2015 (recurso repetitivo) (Info 559).

NOÇÕES GERAIS

Em que consiste o DPVAT? O DPVAT é um seguro obrigatório contra danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros. Ex.: dois carros colidem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.

Quem custeia as indenizações pagas pelo DPVAT? Os proprietários de veículos automotores. Trata-se de um seguro obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um valor cobrado a título de DPVAT. O STJ afirma que a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho social. O DPVAT é regulamentado pela Lei nº 6.194/74. VALOR DA INDENIZAÇÃO DO DPVAT

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei? no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima) no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima) no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso à cada

vítima. Como a indenização por invalidez é de até R$ 13.500,00, entende-se que esse valor deverá ser proporcional ao grau da invalidez permanente apurada. Nesse sentido, existe um enunciado do STJ:

Súmula 474-STJ: A indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez.

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AÇÕES DE COBRANÇA ENVOLVENDO O SEGURO DPVAT

Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário? Sim. A pessoa poderá ajuizar uma ação de cobrança contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT. Contra quem essa ação é proposta? Contra a Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT. O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP determinou que fossem constituídos consórcios de seguros privados para administrar o pagamento do seguro DPVAT, sendo esses comandados por uma seguradora líder (Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT). A Seguradora Líder-DPVAT é uma companhia de capital nacional, constituída por seguradoras que participam dos dois consórcios. As seguradoras consorciadas são responsáveis pela garantia das indenizações, prestando, também, atendimento a eventuais dúvidas dos usuários. No entanto, em demandas administrativas ou judiciais, elas são representadas pela Seguradora Líder-DPVAT. PRAZO PRESCRICIONAL NA AÇÃO COBRANDO A INDENIZAÇÃO DO DPVAT

Qual é o prazo que o beneficiário possui para ajuizar ação cobrando da seguradora a indenização do DPVAT que não lhe foi paga? A ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT prescreve em 3 anos (Súmula 405-STJ e art. 206, § 3º, IX, do CC). Qual é o termo inicial do prazo prescricional? O termo inicial do prazo prescricional é a data em que o segurado teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez ou da morte. Em regra, a pessoa somente tem ciência inequívoca da invalidez permanente com o laudo médico que atesta essa situação. Assim, em regra, o termo inicial do prazo é a data do laudo. Exceção: nos casos de invalidez permanente notória ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução, a ciência inequívoca da invalidez não depende de laudo médico. Dessa forma, em caso de invalidez notória, o termo inicial do prazo é a data da invalidez (em geral, a data do acidente). STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.030-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/6/2014 (recurso repetitivo) (Info 544). PRAZO PRESCRICIONAL NA AÇÃO COBRANDO A COMPLEMENTAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO DPVAT

E se o beneficiário recebeu apenas uma parte do seguro, mas não concorda com o valor e quer o pagamento do restante? Ex: sofreu invalidez permanente, recebeu R$ 10 mil, mas acha que tem direito a R$ 13.500,00. Qual é o prazo neste caso? O prazo de prescrição para o recebimento da complementação do seguro DPVAT também é trienal. Não há motivo para que o prazo da ação pedindo o complemento seja diferente daquele previsto para que se pleiteie o todo (STJ. 4ª Turma. REsp 1220068/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/12/2011). Qual é o termo inicial do prazo prescricional? O prazo prescricional começa no dia que foi realizado o pagamento administrativo que o beneficiário considera que tenha sido menor que o devido. STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.347-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 8/4/2015 (recurso repetitivo) (Info 559).

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PRAZO PRESCRICIONAL DURANTE A TRAMITAÇÃO ADMINISTRATIVA DO PEDIDO DO DPVAT

Como vimos acima, o prazo prescricional para que a pessoa cobre o seguro DPVAT começa na data em que o segurado teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez. Imaginemos que a vítima soube, no dia 02/02, que ficou inválida permanentemente em razão do acidente de trânsito. Este é o termo inicial para cobrar a indenização. Ela faz o requerimento administrativo na seguradora no dia 02/03. A seguradora demora um mês para analisar o pedido. Durante esse período de tramitação administrativa, o prazo prescricional fica suspenso, conforme prevê enunciado do STJ:

Súmula 229-STJ: O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão.

Depois que a seguradora informar ao beneficiário o resultado do seu pedido, podemos imaginar duas situações: 1) O pedido foi indeferido: neste caso, o prazo prescricional (que estava suspenso) volta a correr. Não há interrupção, mas simples retorno do curso do prazo prescricional. Isso significa que o beneficiário já perdeu uma parte do prazo, ou seja, o tempo que transcorreu entre a data da ciência da invalidez e a entrada do requerimento administrativo. 2) O pedido foi acolhido, mas a indenização paga não foi no valor máximo: neste caso, entende-se que houve interrupção do prazo prescricional para se postular a indenização integral. Em outras palavras, a partir do dia em que seguradora aceitou pagar parcialmente o valor da indenização surge o prazo de 3 anos para que o beneficiário ajuíze ação pleiteando a complementação do valor.

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITOS BÁSICOS DOS CONSUMIDORES Dever de utilização do sistema Braille por instituições financeiras

Importante!!!

As instituições financeiras devem confeccionar em Braille os contratos de adesão que são assinados para contratação de seus serviços a fim de que os clientes com deficiência visual possam ter conhecimento, por meio próprio, das cláusulas contratuais ali contidas.

Os bancos devem também enviar os extratos mensais impressos em linguagem Braille para os clientes com deficiência visual.

Além disso, tais instituições devem desenvolver cartilha para seus empregados com normas de conduta para atendimentos ao deficiente visual.

A relutância da instituição financeira em utilizar o método Braille nos contratos bancários de adesão firmados com pessoas portadoras de deficiência visual representa tratamento manifestamente discriminatório e tem o condão de afrontar a dignidade deste grupo de pessoas gerando danos morais coletivos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.315.822-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação adaptada: A associação de amparo aos deficientes visuais ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil pedindo que a instituição financeira fosse condenada a: a) confeccionar em Braille os contratos de adesão que são assinados para contratação de seus serviços a fim de que os clientes com deficiência visual pudessem ter conhecimento, por meio próprio, das cláusulas;

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b) enviar os extratos mensais impressos em linguagem Braille para os clientes com deficiência visual; c) desenvolver cartilha para seus empregados com normas de conduta para atendimentos ao deficiente visual; d) pagar indenização pelos danos morais coletivos causados, valor a ser recolhido em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. O Banco contestou a ação sustentando, dentre outros argumentos, que o pedido não tem amparo legal e que o BACEN disciplina os requisitos e trâmites exigíveis durante a contratação bancária e não impõe que os contratos sejam fornecidos em Braille. A Resolução do BACEN exige apenas que as contratações feitas com deficientes visuais sejam precedidas de leitura, em voz alta, por terceiro, das cláusulas contratuais, na presença de testemunhas. O STJ concordou com os pedidos feitos pela associação? SIM. As instituições financeiras devem utilizar o sistema Braille na confecção dos contratos bancários de adesão e todos os demais documentos fundamentais para a relação de consumo estabelecida com indivíduo portador de deficiência visual. Fundamentos legais: Apesar de não haver uma lei que diga de forma expressa que as instituições financeiras devem oferecer seus documentos em Braille para os clientes cegos, é possível extrair esse dever de três diplomas normativos presentes em nosso ordenamento jurídico: 1) Lei 4.169/62

O art. 1º da Lei n. 4.169/1962 oficializa as convenções Braille para uso na escrita e leitura dos cegos. 2) Lei 10.048/2000

A Lei n. 10.048/2000 determina que as pessoas portadoras de deficiência devem ter prioridade de atendimento, inclusive em instituições financeiras. A referida Lei, ao estabelecer normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, explicitou a necessidade de que sejam suprimidas todas as barreiras e obstáculos existentes para pessoas com deficiência, em especial, nos meios de comunicação. 3) Decreto 6.949/2009 O Decreto 6.949/2009 promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, cujo texto possui valor equivalente ao de uma emenda constitucional, e, por veicular direitos e garantias fundamentais do indivíduo, tem aplicação concreta e imediata (art. 5º, §§ 1º e 3º, da CF/88). A convenção impôs aos Estados signatários a obrigação de assegurar às pessoas portadoras de deficiência o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, conferindo-lhes tratamento materialmente igualitário (diferenciado na proporção de sua desigualdade), acessibilidade física, de comunicação e informação, além de inclusão social, autonomia e independência. Especificamente sobre a barreira da comunicação, a Convenção faz menção em diversos dispositivos ao método Braille, determinando que ele seja incentivado como forma de propiciar aos deficientes visuais o efetivo acesso às informações. Nesses termos, valendo-se das definições trazidas pelo Tratado, pode-se afirmar que a não utilização do método Braille durante as negociações e assinatura do contrato configuram, a um só tempo, intolerável discriminação por deficiência e inobservância da almejada “adaptação razoável”. 4) CDC A utilização do método Braille nos contratos bancários com pessoas portadoras de deficiência visual encontra fundamento, ainda, na legislação consumerista, que preconiza ser direito básico do consumidor o fornecimento de informação suficientemente adequada e clara do produto ou serviço oferecido,

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encargo a ser observado não apenas por ocasião da celebração do contrato, mas também durante todas as fases, inclusive pré-contratual. No caso do consumidor deficiente visual, a consecução deste direito somente é alcançada por meio da utilização do método Braille, que viabiliza a integral compreensão das cláusulas contratuais submetidas à sua apreciação, especialmente aquelas que impliquem limitações de direito, assim como dos extratos mensais, dando conta dos serviços prestados, taxas cobradas etc. Argumento de o BACEN não fazer essa exigência Ressalte-se que, diante da magnitude do direito em exame, que tem fundamento na convenção internacional, na CF/88 e na lei, mostra-se sem qualquer relevância o fato de a Resolução 2.878/2001 do BACEN não exigir o método Braille, contentando-se com a mera leitura em voz alta das cláusulas contratuais. Este singelo procedimento é insuficiente à proteção dos interesses dos deficientes visuais, além de violar sua intimidade, já que outras pessoas (terceiros) terão acesso às suas informações bancárias, que serão lidas perante testemunhas. É de se concluir, assim, que a obrigatoriedade de confeccionar em Braille os contratos bancários de adesão para os clientes portadores de deficiência visual, além de encontrar esteio no ordenamento jurídico nacional, afigura-se absolutamente razoável e consentâneo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Danos morais coletivos A jurisprudência mais recente do STJ tem admitido a existência de dano extrapatrimonial coletivo e o correspondente dever de repará-lo. O artigo 6º, VI, do CDC é explícito ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente. De igual modo, o artigo 1º da LACP, admite a pretensão reparatória por danos extrapatrimoniais causados a qualquer interesse difuso ou coletivo. Assim, o STJ entende que é possível, em tese, a configuração de dano moral coletivo sempre que a lesão ou a ameaça de lesão levada a efeito pela parte demandada atingir valores e interesses fundamentais do grupo, afigurando-se, pois, descabido negar a essa coletividade o ressarcimento de seu patrimônio imaterial aviltado. A propósito, cita-se os seguintes precedentes:

(...) O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1057274/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 01/12/2009.

(...) 8. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. 9. Há vários julgados desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento da condenação por danos morais coletivos em sede de ação civil pública. (...) 10. Esta Corte já se manifestou no sentido de que "não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. (REsp 1.221.756⁄RJ, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 10.02.2012).

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(...) 12. Afastar, da espécie, o dano moral difuso, é fazer tabula rasa da proibição elencada no art. 39, I, do CDC e, por via reflexa, legitimar práticas comerciais que afrontem os mais basilares direitos do consumidor. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1397870/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 02/12/2014

No caso concreto, o STJ entendeu que a relutância da instituição financeira em utilizar o método Braille nos contratos bancários de adesão firmados com pessoas portadoras de deficiência visual confere-lhe tratamento manifestamente discriminatório e tem o condão de afrontar a dignidade deste grupo de pessoas gerando danos morais coletivos.

RESPONSABILIDADE POR FATO DO SERVIÇO Responsabilidade da ECT por roubo ocorrido no interior de banco postal

Importante!!!

A ECT é responsável pelos danos sofridos por consumidor que foi assaltado no interior de agência dos Correios na qual é fornecido o serviço de banco postal.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.183.121-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/2/2015 (Info 559).

Banco postal O Banco Postal é a marca dos Correios que designa sua atuação como correspondente na prestação de serviços bancários básicos em todo o território nacional. Tem como objetivo levar serviços de correspondente à população desprovida de atendimento bancário e proporcionar acesso ao Sistema Financeiro. (Conceito disponível no site dos Correios: http://www.correios.com.br/). Em outras palavras, o banco postal é uma agência dos Correios que, além dos serviços postais tradicionais (envio de cartas, encomendas etc.), também oferece alguns serviços bancários, como pagamentos de contas até determinado valor. Os bancos postais existem normalmente em municípios do interior onde não há bancos ou onde existem muito poucos em razão dos altos custos para se manter agências nessas localidades. Imagine a seguinte situação hipotética: Cristiano estava pagando contas em um banco postal, quando foi vítima de um roubo armado, tendo, inclusive, levado um tiro. Em razão do ocorrido, ele ajuíza na Justiça Federal uma ação de indenização contra a Empresa de Correios e Telégrafos – ECT (empresa pública federal). A ECT contesta o pedido afirmando que o banco postal, por mais que preste serviços bancários, não pode

ser obrigado a cumprir as mesmas exigências de segurança impostas aos bancos pela Lei n. 7.102/83, já que não é uma agência bancária, mas sim uma agência de correios e que presta alguns serviços bancários mais simples em determinadas regiões mais afastadas do país, especialmente em locais onde não existem (ou são poucas) instituições financeiras. O pedido deverá ser julgado procedente? Os Correios possuem responsabilidade civil neste caso? SIM. A ECT é responsável pelos danos sofridos por consumidor que foi assaltado no interior de agência dos Correios na qual é fornecido o serviço de banco postal. Realmente, os Correios estão certos quando dizem que não é possível exigir de um banco postal todas as

exigências de segurança previstas na Lei n. 7.102/83, tais como: equipamentos de filmagem, vigilância ostensiva, artefatos que retardem a ação de criminosos, cabina blindada, dentre outros. Até mesmo

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porque se tudo isso fosse obrigatório, acabaria inviabilizando a instalação e o funcionamento dos bancos postais em diversas localidades do país.

No entanto, mesmo sem ter que cumprir todas as exigências da Lei n. 7.102/83, ainda assim a ECT possui responsabilidade civil no caso concreto com base no Código de Defesa do Consumidor. As pessoas que vão até a agência dos Correios, seja para utilizar os serviços postais propriamente dito, seja para os serviços do banco postal, são consideradas consumidoras, desde que sejam “destinatárias finais” do produto ou serviço. Foi o caso do cliente do exemplo. Os Correios, enquanto empresa pública prestadora de serviços públicos, submete-se à responsabilidade civil objetiva, seja por força do art. 37, § 6º da CF/88, seja em razão do art. 14 do CDC, devendo indenizar o consumidor. O fato de ter havido um roubo armado não pode ser enquadrado como fortuito externo, que é uma causa excludente de responsabilidade? NÃO. O banco postal presta um serviço cuja natureza traz, em sua essência, risco à segurança, justamente por tratar de atividade financeira com guarda de valores e movimentação de numerário, além de diversas outras atividades tipicamente bancárias. Assim, apesar de não ser juridicamente uma instituição financeira

para fins de incidência do art. 1°, § 1°, da Lei n. 7.102/83, aos olhos do consumidor nada mais é do que um banco, como o próprio nome revela: “banco postal”. Dessa forma, no caso de assaltos ocorridos dentro de bancos postais, sendo o risco inerente à atividade, é a instituição (ECT) quem deve assumir o ônus desses infortúnios. Os roubos em agências bancárias (e também em agências de banco postal) não podem ser enquadrados como fortuito externo porque são eventos previsíveis. Houve fortuito interno (não fortuito externo) Na hipótese, o serviço prestado pelos Correios foi inadequado e ineficiente, porque descumpriu o dever de segurança legitimamente esperado pelo consumidor, não havendo falar em caso fortuito para fins de exclusão da responsabilidade com rompimento da relação de causalidade, mas sim fortuito interno, porquanto incide na proteção dos riscos esperados da atividade empresarial desenvolvida.

Fortuito interno Fortuito externo

Está relacionado com a organização da empresa. É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

Não está relacionado com a organização da empresa. É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor. É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao serviço fornecido.

Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de transporte coletivo;

Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro da conta de um cliente. Ex3: durante o transporte da matriz para uma das agências ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria atividade desenvolvida).

Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a segurança dos passageiros contra assaltos);

Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.

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Para o STJ, o fortuito interno NÃO exclui a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.

Para o STJ, o fortuito externo é uma causa excludente de responsabilidade.

Ademais, como dito, aos olhos do usuário, inclusive em razão do nome e da prática comercial, não se pode concluir de outro modo. Com efeito, o consumidor efetivamente crê que o banco postal (correspondente bancário) nada mais é do que um banco com funcionamento dentro de agência dos Correios. De fato, dentro do seu poder de livremente contratar e oferecer diversos tipos de serviços, ao agregar a atividade de correspondente bancário ao seu empreendimento, acaba-se por criar risco inerente à própria atividade das instituições financeiras, devendo, por isso, responder pelos danos que essa nova atribuição tenha gerado aos seus consumidores, uma vez que atraiu para si o ônus de fornecer a segurança legitimamente esperada para esse tipo de negócio. ATENÇÃO. NÃO CONFUNDIR: No Info 536 do STJ expliquei um julgado do STJ que era um pouco diferente deste, mas que pode gerar confusão. Naquele Info foi comentado o seguinte: Cristiano estava pagando contas em uma casa lotérica, quando foi vítima de um roubo armado, tendo, inclusive, levado um tiro. Em razão do ocorrido, ele ajuíza na Justiça Federal uma ação de indenização contra a Caixa Econômica Federal (empresa pública federal), alegando que a casa lotérica é um estabelecimento equiparado à instituição financeira, prestando serviços bancários em nome da CEF. Em suma, a tese é a de que a casa lotérica, por realizar pagamentos em nome da CEF, deve ser equiparada a uma de suas agências bancárias. Logo, a CEF teria responsabilidade pelos roubos lá ocorridos. O STJ concordou com a tese exposta? NÃO. O funcionamento das loterias federais é regulado pela “Circular Caixa nº 539/2011”. As instituições financeiras são regidas pela Lei nº 4.595/64. O STJ, ao interpretar estes dois atos normativos, entendeu que as casas lotéricas, apesar de autorizadas a prestar alguns serviços bancários (como o recebimento de contas), não possuem natureza de instituição financeira, já que não realizam as atividades definidas pela Lei nº 4.595/1964 como sendo próprias das instituições financeiras (captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros). Em síntese, as loterias não são instituições financeiras, porque não fazem captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros. Como as casas lotéricas não são instituições financeiras, a CEF não é obrigada a adotar as mesmas normas de segurança exigidas para as agências bancárias e que estão previstas na Lei nº 7.102/83. Além disso, o contrato que é celebrado entre a CEF e os permissionários das casas lotéricas estabelece que a unidade lotérica assume responsabilidade direta e exclusiva por todos e quaisquer ônus, riscos ou custos das atividades, inclusive por indenizações de qualquer espécie reivindicadas por terceiros prejudicados. Outro argumento contrário à tese está no fato de que a loteria, sendo uma permissão, está submetida à Lei nº 8.987/95. Este diploma prevê que o permissionário exerce a delegação “por sua conta e risco” (art. 2º, IV) e que o delegatário responde por todos os prejuízos causados aos usuários ou a terceiros (art. 25).

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Assim, como não há qualquer obrigação legal ou contratual imposta à CEF que conduza à sua responsabilização por dano causado no interior de unidade lotérica, fica evidente a sua ilegitimidade passiva em ação que objetive reparar danos materiais e compensar danos morais causados por roubo ocorrido no interior de unidade lotérica.

Por fim, deve-se ressaltar que a eventual possibilidade de responsabilização subsidiária do concedente dos serviços públicos prestados pela agência lotérica, verificada apenas em situações excepcionais, não autoriza, por imperativo lógico decorrente da natureza de tal espécie de responsabilidade, o ajuizamento de demanda indenizatória unicamente em face do concedente (nesses casos, a CEF).

Por fim, um último argumento não explicitado no julgado, mas que é também pertinente. A Lei nº 12.869/2013 dispõe sobre o exercício da atividade e a remuneração do permissionário lotérico e em seu art. 2º, I reafirma a ideia já presente na Lei nº 8.987/95 de que o permissionário lotérico atua nos serviços delegados por sua conta e risco. Logo, não há responsabilidade da CEF. A Caixa Econômica Federal – CEF não tem responsabilidade pela segurança de agência com a qual tenha firmado contrato de permissão de loterias. STJ. 4ª Turma. REsp 1.224.236-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/3/2014 (Info 536). STJ. 3ª Turma. REsp 1.317.472-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/3/2013 (Info 518).

DIREITO EMPRESARIAL

CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL Aval em cédulas de crédito rural

(Obs.: esse assunto é cobrado em pouquíssimos concursos; verifique se o edital exige a matéria)

Admite-se o aval em cédulas de crédito rural.

A vedação contida no § 3º do art. 60 do Decreto-Lei 167/1967 (“são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas”) não é aplicável às cédulas de crédito rural. Isso porque a proibição contida no referido § 3º não se refere ao caput (cédulas de crédito), mas apenas ao § 2º (nota promissória e duplicata rurais).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.315.702-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/3/2015 (Info 559).

STJ. 1ª Turma. REsp 1.483.853-MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 4/11/2014 (Info 552).

TÍTULOS RURAIS Existem alguns títulos de crédito que são gerais e mais conhecidos, como é o caso da letra de câmbio, duplicata, cheque etc. No entanto, a experiência mostrou que seria interessante que fossem criados títulos de crédito com características específicas, para facilitar as negociações envolvendo determinados setores da economia. Em suma, verificou-se a necessidade de se criarem títulos de crédito específicos para algumas transações empresariais. No caso da atividade rural, por exemplo, foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados de “títulos rurais”. São eles: a) cédula de crédito rural; b) cédulas de produto rural; c) nota promissória rural; d) duplicata rural.

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CÉDULA DE CRÉDITO RURAL Em que consiste? A cédula de crédito rural é uma promessa de pagamento em dinheiro, sem ou com garantia real cedularmente constituída, sendo regulamentada pelo Decreto-Lei 167/67. Existem as seguintes modalidades de cédulas de crédito rural: I — cédula Rural Pignoratícia; II — cédula Rural Hipotecária; III — cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária; IV — nota de Crédito Rural. É possível que haja aval em cédula de crédito rural? SIM. Admite-se o aval nas cédulas de crédito rural. A vedação contida no § 3º do art. 60 do Decreto-Lei 167/1967 (“são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas”) não é aplicável às cédulas de crédito rural. Essa proibição do § 3º do art. 60 só vale para notas e duplicatas rurais. STJ. 1ª Turma. REsp 1.483.853-MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 4/11/2014 (Info 552).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Conexão por prejudicialidade

Importante!!!

A conexão entre duas causas ocorre quando elas, apesar de não serem idênticas, possuem um vínculo de identidade entre si quanto a algum dos seus elementos caracterizadores. São duas (ou mais) ações diferentes, mas que mantêm um vínculo entre si.

Segundo o texto do CPC, existe conexão quando duas ou mais ações tiverem o mesmo pedido (objeto) ou causa de pedir.

Quando o juiz verificar que há conexão entre duas causas, ele poderá ordenar, de ofício ou a requerimento, a reunião delas para julgamento em conjunto. Essa é a regra geral, não sendo aplicável, contudo, quando a reunião implicar em modificação da competência absoluta.

O conceito de conexão previsto na lei é conhecido como concepção tradicional (teoria tradicional) da conexão. Existem autores, contudo, que defendem que é possível que exista conexão entre duas ou mais ações mesmo que o pedido e a causa de pedir sejam diferentes. Em outras palavras, pode haver conexão em situações que não se encaixem perfeitamente no conceito legal de conexão. Tais autores defendem a chamada teoria materialista da conexão, que sustenta que, em determinadas situações, é possível identificar a conexão entre duas ações não com base no pedido ou na causa de pedir, mas sim em outros fatos que liguem uma demanda à outra. Eles sustentam, portanto, que a definição tradicional de conexão é insuficiente.

Essa teoria é chamada de materialista porque defende que, para se verificar se há ou não conexão, o ideal não é analisar apenas o objeto e a causa de pedir, mas sim a relação jurídica de direito material que é discutida em cada ação. Existirá conexão se a relação jurídica veiculada nas ações for a mesma ou se, mesmo não sendo idêntica, existir entre elas uma vinculação.

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Essa concepção materialista é que fundamenta a chamada “conexão por prejudicialidade”. Podemos resumi-la em uma frase: quando a decisão de uma causa interferir na solução da outra, há conexão.

No caso concreto, havia duas ações: em uma delas o autor (empresa 1) executava uma dívida da devedora (empresa 2). A executada, por sua vez, ajuizou ação declaratória de inexistência da relação afirmando que nada deve para a empresa 1. Nesta situação, o STJ reconheceu que havia conexão por prejudicialidade e decidiu o seguinte: “pode ser reconhecida a conexão e determinada a reunião para julgamento conjunto de um processo executivo com um processo de conhecimento no qual se pretenda a declaração da inexistência da relação jurídica que fundamenta a execução, desde que não implique modificação de competência absoluta.”

Importante: o CPC 2015 manteve, no caput do art. 55, a definição tradicional de conexão. No entanto, dando razão às criticas da doutrina, o novo CPC adota, em seu § 3º, a teoria materialista ao prever a conexão por prejudicialidade:

§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.941-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/2/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação adaptada: A empresa “AA” ajuizou ação de cobrança contra a empresa “BB”, tendo esta sido julgada procedente e transitado em julgado. Depois de a ação de cobrança ter sido julgada, mas antes de ser iniciado o cumprimento de sentença (execução), a empresa “BB” foi vendida parcialmente para a empresa “CC”. Ficou ajustado que os débitos da empresa “BB” continuariam sendo pagos por ela, ficando, em tese, a empresa “CC” livre das dívidas originárias da empresa “BB”. Cumprimento de sentença A empresa “AA” não concordou com essa cláusula de isenção da responsabilidade da empresa “CC” e ingressou com pedido de cumprimento de sentença (“execução”) contra as duas empresas: “BB” e “CC”. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica A empresa “CC”, por sua vez, ingressou com ação declaratória de inexistência de relação jurídica contra as empresas “AA” e “BB”. Na ação, a empresa “CC” pede que seja cumprida a cláusula que a isenta de responsabilidade por dívidas da empresa “BB” e que o Judiciário declare que ela não tem qualquer obrigação para com a empresa “AA”. Conexão A empresa “CC” alega, por fim, que existe conexão entre a execução em andamento e a ação declaratória que foi proposta. Logo, pede que a ação declaratória seja distribuída por conexão para o mesmo juízo (“vara”) onde tramita o cumprimento de sentença. O juiz do processo de cumprimento de sentença deferiu a distribuição por dependência e a tramitação conjunta. Ocorre que a empresa “AA” não concordou e suscitou “exceção de incompetência” O que decidiu o STJ: é possível que seja reconhecida a conexão no presente caso? SIM. Pode ser reconhecida a conexão e determinada a reunião para julgamento conjunto de um processo executivo com um processo de conhecimento no qual se pretenda a declaração da inexistência da relação jurídica que fundamenta a execução, desde que não implique modificação de competência absoluta.

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Conexão A conexão entre duas causas ocorre quando elas, apesar de não serem idênticas, possuem um vínculo de identidade entre si quanto a algum dos seus elementos caracterizadores. São duas (ou mais) ações diferentes, mas que mantêm um vínculo entre si. A conexão está prevista no art. 103 do CPC 1973 (art. 55 do CPC 2015):

Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.

Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

Assim, esse vínculo entre as ações por força da identidade de um de seus elementos denomina-se de conexão. Efeito da conexão Quando o juiz verificar que há conexão entre duas causas, ele poderá ordenar, de ofício ou a requerimento, a reunião delas para julgamento em conjunto. Isso está previsto no art. 105 do CPC 1973 (art. 55, § 1º do CPC 2015):

Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.

Art. 55. (..) § 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

É possível que haja conexão, mas sem que haja a reunião de processos Apesar de a redação do novo CPC ter sido muito enfática (“§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta”), é importante esclarecer que é possível que ocorra conexão entre duas ações, mas, mesmo assim, elas não sejam reunidas para julgamento em conjunto. Uma coisa é a conexão (fato); outra é o efeito (reunião de processos). Em alguns casos, o juiz pode reconhecer que há a conexão (“realmente as duas ações possuem uma semelhança entre si”), mas, mesmo assim, não ser possível/recomendável a reunião (“mesmo sendo conexas, serão julgadas em separado”). Exemplo de situação em que é reconhecida a conexão, mas não se deve reunir os processos: quando a reunião implicar em modificação da competência absoluta. Ex: duas causas são conexas, mas uma delas tramita na vara cível e outra na vara criminal. Não poderá haver reunião. Suspensão de um dos processos Nesses casos, em vez de reunir, um dos processos ficará suspenso aguardando o julgamento do outro, nos termos do art. 265, IV, “a”, do CPC 1973 (art. 313, V, “a,”, do CPC 2015):

Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Art. 313. Suspende-se o processo: (...) V - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

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Teoria materialista de identificação da conexão Conforme o conceito de conexão dado pelo CPC, duas ou mais ações serão conexas ser forem iguais:

o seu objeto (pedido); ou

a sua causa de pedir. Em suma, os pedidos das duas ações devem ser iguais ou, então, as causas de pedir devem ser iguais. Esse conceito de conexão previsto na lei é conhecido como concepção tradicional (teoria tradicional) da conexão. Existem autores, contudo, que defendem que é possível que exista conexão entre duas ou mais ações mesmo que o objeto e a causa de pedir sejam diferentes. Em outras palavras, pode haver conexão em situações que não se encaixem perfeitamente no art. 103, caput, do CPC 1973. Tais autores defendem a chamada teoria materialista da conexão, que preconiza que, em determinadas situações, é possível identificar a conexão entre duas ações não com base no pedido ou na causa de pedir, mas sim em outros fatos que liguem uma demanda à outra. Eles sustentam, portanto, que o conceito tradicional de conexão é insuficiente. Essa teoria é chamada de materialista porque defende que, para se verificar se há ou não conexão, o ideal não é analisar apenas o objeto e a causa de pedir, mas sim a relação jurídica de direito material que é discutida em cada ação. Existirá conexão se a relação jurídica veiculada nas ações for a mesma ou se, mesmo não sendo idêntica, existir entre elas uma vinculação. Nesse sentido:

“A conexão, neste caso, decorrerá do vínculo que se estabelece entre as relações jurídicas litigiosas. Haverá conexão se a mesma relação jurídica estiver sendo examinada em ambos os processos, ou se diversas relações jurídicas, mas entre elas houver um vínculo de prejudicialidade ou preliminaridade.” (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2015, p 233). Essa concepção materialista é que fundamenta a chamada “conexão por prejudicialidade”. Podemos resumi-la em uma frase: quando a decisão de uma causa interferir na solução da outra, há conexão. O tema é difícil, mas com exemplos talvez fique um pouco mais claro: Ex1: João (locador) ajuíza ação de despejo por falta de pagamento; Pedro (locatário), alegando que João cobra mais do que é devido, propõe ação de consignação em pagamento dos alugueis que entende corretos. Essas duas ações têm objetos (pedidos) diferentes e causas de pedir também diversas. João quer receber os alugueis e tirar o locatário da casa; Pedro quer pagar aquilo que reputa devido. A causa de pedir da primeira é o inadimplemento; a da segunda é a cobrança indevida. Mesmo não se enquadrando no art. 103 do CPC 1973, a jurisprudência reconhece que tais causas devem ser julgadas em conjunto, havendo conexão por prejudicialidade (teoria materialista). Ex2: a empresa “1” ajuíza ação pedindo que a empresa “2” cumpra as cláusulas do contrato; a empresa “2”, por sua vez, propõe demanda requerendo a nulidade do pacto. Importante. Novidade do CPC 2015: O CPC 2015 manteve, no caput do art. 55, a definição tradicional de conexão. Veja novamente:

Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

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No entanto, dando razão às criticas da doutrina, o novo CPC adota, em seu § 3º, a teoria materialista ao prever a conexão por prejudicialidade:

§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

Voltando ao caso concreto: No exemplo que dei logo no início desta explicação, a ação declaratória tem por objeto a declaração de inexistência de relação jurídica que fundamenta a execução. Neste caso, recomenda-se a reunião das ações para julgamento em conjunto por identificar-se uma conexão por prejudicialidade. A ação declaratória negativa serve ao executado como defesa heterotópica e muito se assemelha aos embargos do devedor, que também possuem a mesma natureza declaratória.

EXECUÇÃO Penhora de quotas sociais na parte relativa à meação

João foi casado com Cristina, com quem teve um filho (Arthur). O pai paga pensão alimentícia em favor do filho. Atualmente, João vive em união estável com Beatriz. Beatriz é sócia, juntamente com uma amiga, de uma sociedade empresária limitada (empresa XXX). Vale ressaltar que ela se tornou sócia desta sociedade depois que já vivia em união estável com João. João deixou de pagar a pensão alimentícia, razão pela qual Arthur ingressou com execução de alimentos. Ocorre que não foram localizados bens penhoráveis em nome de João.

Diante disso, o exequente pediu que fossem penhoradas 50% das cotas sociais de Beatriz (companheira do executado) na sociedade empresária “XXX”. A tese do exequente foi a seguinte: como Beatriz vive em união estável com João, metade do patrimônio dela pertence a João (direito dele à meação). Logo, ele possui metade das cotas dela na empresa. Sendo esse patrimônio dele, pode ser penhorado para pagar suas dívidas.

A tese construída pelo exequente é correta?

SIM. Se duas pessoas vivem em união estável, é como se elas fossem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC). Por isso, o companheiro (no caso, João) possui direito à metade dos bens da companheira (Beatriz), incluindo metade das quotas sociais porque estas foram adquiridas onerosamente durante à união estável, de forma que se comunicam ao companheiro.

A legislação permite a penhora de quotas sociais?

SIM. Isso está previsto no art. 655, VI, do CPC 1973 (art. 835, IX, do CPC 2015):

No caso concreto, era possível que o juiz já determinasse, como primeira providência, a penhora da metade das quotas de Beatriz (companheira do devedor)?

NÃO. O STJ entende que a penhora sobre as quotas sociais não deve ser a primeira opção porque esta medida poderá acarretar o fim da pessoa jurídica e nosso Direito consagra os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução.

Assim, não se pode autorizar desde logo a penhora sobre as quotas sociais. Cabia ao exequente requerer, antes disso, a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à meação do devedor, não podendo ser deferida, de imediato, a penhora das cotas sociais de sociedade empresária que se encontra em plena atividade, o que poderia causar prejuízo a terceiros, como funcionários, fornecedores etc. Somente se não houvesse lucros é que poderia ser feita a penhora das quotas com a liquidação da sociedade (art. 1.026 do CC).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.284.988-RS, Rel Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/3/2015 (Info 559).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João foi casado com Cristina, com quem teve um filho (Arthur). O pai paga pensão alimentícia em favor do filho. Atualmente, João vive em união estável com Beatriz. Beatriz é sócia, juntamente com uma amiga, de uma sociedade empresária limitada (empresa XXX). Vale ressaltar que ela se tornou sócia desta sociedade depois que já vivia em união estável com João. Execução de alimentos João deixou de pagar a pensão alimentícia, razão pela qual Arthur ingressou com execução de alimentos. Ocorre que não foram localizados bens penhoráveis em nome de João. Diante disso, o exequente pediu que fossem penhoradas 50% das cotas sociais de Beatriz (companheira do executado) na sociedade empresária “XXX”. A tese do exequente foi a seguinte: como Beatriz vive em união estável com João, metade do patrimônio dela pertence a João (direito dele à meação). Logo, ele possui metade das cotas dela na empresa. Sendo esse patrimônio dele, pode ser penhorado para pagar suas dívidas. A tese construída pelo exequente é correta? SIM. Se duas pessoas vivem em união estável, é como se elas fossem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC). Por isso, o companheiro (no caso, João) possui direito à metade dos bens da companheira (Beatriz), incluindo metade das quotas sociais porque estas foram adquiridas onerosamente durante a união estável, de forma que se comunicam ao companheiro. Logo, o STJ admite a penhora da meação do devedor para satisfação do débito que está sendo executado (REsp 708.143-MA, Quarta Turma, DJ 26/2/2007). A penhora de quotas sociais, em tese, é também admitida, estando prevista no art. 655, VI, do CPC 1973 (art. 835, IX, do CPC 2015):

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (...) VI - ações e quotas de sociedades empresárias;

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (...) IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

Essa penhora das quotas sociais é possível ainda que no contrato social da sociedade exista uma cláusula proibindo a alienação das quotas. Isso porque tal disposição não tem o condão de afastar a previsão legal e só vale mesmo entre as partes. Assim, para que Beatriz venda suas quotas, precisa da autorização de sua sócia, mas o Judiciário, para penhorá-las, não necessita (por óbvio) da concordância da referida sócia nem de Beatriz. Entendida a situação jurídica em tese, vem uma nova pergunta: no caso concreto, era possível que o juiz já determinasse, como primeira providência, a penhora da metade das quotas de Beatriz (companheira do devedor)? NÃO. O STJ entende que a penhora sobre as quotas sociais não deve ser a primeira opção porque esta medida poderá acarretar o fim da pessoa jurídica e nosso Direito consagra os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução. Assim, não se pode autorizar desde logo a penhora sobre as quotas sociais. Cabia ao exequente requerer, antes disso, a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à meação do devedor, não podendo ser deferida, de imediato, a penhora das cotas sociais de sociedade empresária que se encontra em plena atividade, o que poderia causar prejuízo a terceiros, como funcionários, fornecedores etc.

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Segundo o STJ, essa ordem de preferência (primeiro, penhora sobre os lucros; só depois, penhora das quotas com a liquidação da sociedade) está prevista no art. 1.026 do CC:

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Veja o que diz a doutrina em abono à decisão do STJ: “Note que o credor do sócio somente pode pedir a liquidação da quota do devedor se não houver lucros a distribuir. Se houver lucros, eles devem ser penhorados, não sendo lícito o pedido de liquidação da quota social. Não se trata de uma opção do exequente. É uma situação em que a aplicação do princípio da menor onerosidade da execução é fundamental. A liquidação parcial da sociedade, para a satisfação do crédito de um credor do sócio, é medida drástica, pois implica diminuição forçada do capital social de uma sociedade. Não se pode descartar a possibilidade de o juiz, diante das particularidades do caso concreto, e em homenagem à função social da empresa, rejeitar o pedido de liquidação parcial da sociedade. O dispositivo torna as quotas sociais eventualmente penhoráveis: ou seja, só podem ser penhoradas na ausência de outros bens do devedor, adotando-se sistema semelhante ao do CPC⁄39.” (DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Execução. Salvador: Juspodivm, 2009, vol. 5, p. 570-572) Assim, não cabe ao credor particular do sócio escolher se vai receber os lucros ou se vai liquidar parte da sociedade como forma de pagamento do que lhe é devido. O art. 1.026 do CC estabelece uma ordem de prioridade, devendo, sempre que possível, ser feita a opção pela retenção dos lucros correspondentes à quota social do devedor.

EXECUÇÃO Responsabilidade do adjudicante por dívidas condominiais pretéritas

Situação 1. O edital de hasta pública não menciona que o imóvel que está sendo oferecido possui vários meses de taxa de condomínio atrasados. Se uma pessoa resolver arrematar (adquirir) esse apartamento, ele ficará responsável pelo pagamento dessas cotas condominiais que venceram antes da arrematação?

NÃO. As dívidas condominiais anteriores à alienação judicial e que não estavam previstas no edital não serão de responsabilidade do arrematante, devendo ser quitadas com o valor obtido com a alienação judicial do imóvel, podendo o arrematante pedir a reserva de parte desse valor para o pagamento das referidas dívidas (STJ. 3ª Turma. REsp 1092605/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/06/2011).

Situação 2. Houve uma tentativa de alienação judicial do bem, mas não apareceram interessados. Diante disso, o exequente decidiu adjudicar o apartamento. O exequente ficará responsável pelo pagamento dessas cotas condominiais que venceram antes da adjudicação?

SIM. O exequente que adjudicou o imóvel deve arcar com as despesas condominiais anteriores à aquisição, ainda que tais dívidas tenham sido omitidas no edital da hasta pública.

A adjudicação e a arrematação possuem características diversas e, portanto, merecem tratamento distinto no que diz respeito à vinculação ao edital.

A adjudicação consiste na aquisição espontânea pelo exequente do bem penhorado por preço não inferior ao da avaliação, não havendo sua subordinação ao edital de praça, haja vista que essa forma de aquisição da propriedade não se insere no conceito de hasta pública. Logo, não podem ser aplicados à adjudicação os mesmos dispositivos que tratam sobre a arrematação.

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Em outras palavras, os dispositivos do CPC que permitem ao arrematante recusar-se a cumprir a arrematação caso o edital não esteja completo quanto aos ônus existentes, não pode ser aplicado ao exequente que faz a adjudicação.

Assim, nada impede que o adjudicante responda pelo pagamento das contribuições condominiais não pagas no período anterior à adjudicação, aplicando-se o art. 1.345 do CC em sua íntegra.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.186.373-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/3/2015 (Info 559).

ADJUDICAÇÃO Antes de explicar o julgado, é necessário relembrar o que consiste a chamada “adjudicação”. O que acontece com o bem penhorado? Se o bem penhorado for dinheiro, ele é transferido ao credor, quitando-se a obrigação. Se o bem penhorado for coisa diferente de dinheiro, ele poderá ser: a) adjudicado; b) alienado; c) concedido em usufruto ao exequente. Quando acontece uma dessas quatro situações acima, dizemos que houve a “expropriação”, conforme previsto no art. 647 do CPC 1973 (art. 825 do CPC 2015):

Art. 647. A expropriação consiste: I — na adjudicação em favor do exequente ou das pessoas indicadas no § 2º do art. 685-A desta Lei; II — na alienação por iniciativa particular; III — na alienação em hasta pública; IV — no usufruto de bem móvel ou imóvel.

Art. 825. A expropriação consiste em: I - adjudicação; II - alienação; III - apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.

Adjudicação A adjudicação ocorre quando a propriedade do bem penhorado é adquirida pelo exequente ou por terceiros legitimados previstos na lei.

CPC/1973 Art. 685-A. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

CPC/2015 Art. 876. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

Alienação Segundo o art. 879 do CPC 2015, existem duas espécies de alienação do bem: a) por iniciativa particular: ocorre quando o próprio exequente (ou algum corretor ou leiloeiro público credenciado) tenta conseguir um comprador para o imóvel, seguindo determinadas regras impostas pela lei b) leilão judicial (eletrônico ou presencial): é a oferta do bem penhorado aos interessados em adquiri-lo em um evento organizado pelo Estado-juiz.

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Obs: no CPC 1973, o que é chamado atualmente de “leilão judicial” era conhecido como “hasta pública”. Existiam duas formas de hasta pública (art. 686, IV do CPC 1973): a) praça, quando a coisa a ser alienada era bem imóvel; b) leilão, quando a coisa alienada era bem móvel. O CPC 2015 não repete tais palavras e não mais faz essa distinção. Agora, fala-se em leilão judicial tanto para bens móveis como imóveis. Apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens (antigo “usufruto de bem móvel ou imóvel”) No CPC 1973, isso era tratado como sendo “usufruto de bem móvel ou imóvel”, expressão que era criticada pela doutrina e que, por isso, foi substituída no novo Código. Compare:

CPC 1973 CPC 2015

Art. 716. O juiz pode conceder ao exequente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito.

Art. 867. O juiz pode ordenar a penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel quando a considerar mais eficiente para o recebimento do crédito e menos gravosa ao executado.

Ex: foi penhorado um apartamento do executado, que se encontra alugado a um terceiro; pode o juiz determinar que o exequente fique recebendo o valor dos aluguéis até que o débito da execução seja totalmente pago. CASO CONCRETO:

Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação adaptada: João fez um financiamento com o banco “XX” para poder adquirir um apartamento. Ficou ajustado que João (mutuário) pagaria as prestações mensais do financiamento por 10 anos, tendo sido o apartamento dado em garantia real da dívida. Em outras palavras, o bem ficou hipotecado em favor do banco. João ficou morando no apartamento e pagava normalmente as parcelas. Ocorre que ele perdeu seu emprego, o que fez com que atrasasse não apenas as prestações do financiamento, como também ficou em débito com as cotas do condomínio. O banco ajuizou execução hipotecária contra o mutuário pedindo a alienação judicial do bem para o pagamento da dívida. Abrindo um parêntese. Alguns de vocês poderiam estar pensando: João não poderia invocar que o apartamento onde ele morava era bem de família a fim de evitar a sua expropriação?

NÃO. Isso porque a Lei n. 8.009/90 (Lei do Bem de Família) prevê o seguinte:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

Fechando o parêntese, vamos imaginar agora duas situações: SITUAÇÃO 1: ARREMATAÇÃO E DÍVIDAS CONDOMINIAIS ANTERIORES

O banco “XX” não quis adjudicar o apartamento nem fazer a alienação por sua própria conta. Em razão disso, o juiz determinou a alienação judicial do bem (art. 881 do CPC 2015). Para que haja o leilão, é necessário que seja publicado um edital contendo várias informações, que estão previstas no art. 886 do CPC 2015 (art. 686 do CPC 1973). Esse edital é importante para que os eventuais interessados em arrematar (“comprar”) o bem possam saber se vale mesmo a pena ou não adquiri-lo:

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Art. 886. O leilão será precedido de publicação de edital, que conterá: I - a descrição do bem penhorado, com suas características, e, tratando-se de imóvel, sua situação e suas divisas, com remissão à matrícula e aos registros; II - o valor pelo qual o bem foi avaliado, o preço mínimo pelo qual poderá ser alienado, as condições de pagamento e, se for o caso, a comissão do leiloeiro designado; III - o lugar onde estiverem os móveis, os veículos e os semoventes e, tratando-se de créditos ou direitos, a identificação dos autos do processo em que foram penhorados; IV - o sítio, na rede mundial de computadores, e o período em que se realizará o leilão, salvo se este se der de modo presencial, hipótese em que serão indicados o local, o dia e a hora de sua realização; V - a indicação de local, dia e hora de segundo leilão presencial, para a hipótese de não haver interessado no primeiro; VI - menção da existência de ônus, recurso ou processo pendente sobre os bens a serem leiloados.

Repare que o inciso VI exige que no edital os interessados sejam avisados sobre a existência de ônus que recaiam sobre o bem, inclusive eventuais dívidas. Suponha que o edital não mencione que existem 10 meses de taxa de condomínio atrasados. Se Pedro (um terceiro) resolver adquirir esse apartamento, ele ficará responsável pelo pagamento dessas cotas condominiais que venceram antes da arrematação? NÃO. As dívidas condominiais anteriores à alienação judicial e que não estavam previstas no edital não serão de responsabilidade do arrematante, devendo ser quitadas com o valor obtido com a alienação judicial do imóvel, podendo o arrematante pedir a reserva de parte desse valor para o pagamento das referidas dívidas (STJ. 3ª Turma. REsp 1092605/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/06/2011).

O STJ assim entende porque os requisitos do edital constituem-se na lei básica da arrematação e o descumprimento desses requisitos enseja o desfazimento da hasta pública (ASSIS, Araken. Manual da execução. São Paulo: RT, 2010, p. 853). Nesse sentido, veja o que diz o CPC:

CPC/1973

Art. 694. (...) § 1º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito: (...) III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital; CPC/2015

Art. 903. (...) (...) § 5º O arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe imediatamente devolvido o depósito que tiver feito: I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital;

SITUAÇÃO 2: ADJUDICAÇÃO E DÍVIDAS CONDOMINIAIS ANTERIORES

Imagine agora a segunda situação hipotética. Houve uma tentativa de alienação judicial do bem, mas não apareceram interessados. Diante disso, o exequente decidiu adjudicar o apartamento. O banco ficará responsável pelo pagamento dessas cotas condominiais que venceram antes da adjudicação? SIM. O exequente que adjudicou o imóvel deve arcar com as despesas condominiais anteriores à aquisição, ainda que tais dívidas tenham sido omitidas no edital da hasta pública. A adjudicação e a arrematação possuem características diversas e, portanto, merecem tratamento distinto no que diz respeito à vinculação ao edital.

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A adjudicação consiste na aquisição espontânea pelo exequente do bem penhorado por preço não inferior ao da avaliação, não havendo sua subordinação ao edital de praça, haja vista que essa forma de aquisição da propriedade não se insere no conceito de hasta pública. Logo, não podem ser aplicados à adjudicação os mesmos dispositivos que tratam sobre a arrematação. Em outras palavras, os dispositivos do CPC que permitem ao arrematante recusar-se a cumprir a arrematação caso o edital não esteja completo quanto aos ônus existentes, não pode ser aplicado ao exequente que faz a adjudicação. Assim, nada impede que o adjudicante responda pelo pagamento das contribuições condominiais não pagas no período anterior à adjudicação, aplicando-se o art. 1.345 do CC em sua íntegra:

Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

EXECUÇÃO FISCAL Oferecimento de seguro garantia em execução fiscal

Importante!!!

A Lei 13.043/2014 alterou o inciso II do art. 7º da Lei 6.830/80 (LEF) e previu expressamente mais uma forma de garantia do juízo: o SEGURO GARANTIA.

A mudança foi importante porque o STJ possuía entendimento pacífico de que o seguro garantia não servia como garantia da execução fiscal em virtude da ausência de previsão na LEF.

A Lei 13.043/2014 entrou em vigor em 14/11/2014; é possível aceitar seguro garantia para uma execução fiscal que tenha se iniciado antes desta data e que ainda esteja tramitando? Em outras palavras, a alteração promovida pela Lei 13.043/2014 no que tange ao seguro garantia aplica-se às execuções fiscais que foram instauradas antes de sua vigência e que ainda estejam em curso?

SIM. O inciso II do art. 9° da Lei 6.830/80 (LEF), alterado pela Lei 13.043/2014, que faculta expressamente ao executado a possibilidade de oferecer fiança bancária ou seguro garantia nas execuções fiscais, possui aplicabilidade imediata aos processos em curso.

A norma que permite a garantia do juízo por meio de seguro garantia é de cunho processual, de modo que possui aplicabilidade imediata aos processos em curso.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.508.171-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/3/2015 (Info 559).

EXECUÇÃO FISCAL CONCEITO Execução fiscal é... - a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) - para cobrar do devedor - créditos (tributários ou não tributários) - que estão inscritos em dívida ativa. A execução fiscal é regida pela Lei nº 6.830/80 (LEF) e, subsidiariamente, pelo CPC. O procedimento da execução fiscal é especial e bem mais célere que o da execução “comum”. PETIÇÃO INICIAL A execução fiscal começa com a petição inicial proposta pela Fazenda Pública, que é uma peça processual muito simples, normalmente de uma ou duas páginas, indicando apenas:

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I — o Juiz a quem é dirigida; II — o pedido; e III — o requerimento para a citação. A petição inicial deverá ser instruída com a Certidão da Dívida Ativa (CDA), que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita. A petição inicial e a CDA poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico. DESPACHO DO JUIZ (ART. 7º DA LEF) Se a petição estiver em ordem, o juiz irá proferir um “despacho” deferindo a inicial e determinado que o executado seja citado. OPÇÕES DO EXECUTADO: Depois de citado, o executado terá um prazo de 5 dias para adotar uma das seguintes opções: 1º) pagar a dívida cobrada; 2º) garantir a execução; 3º) não pagar nem garantir. Opção 1: pagamento Se o executado decidir pagar o valor cobrado, a execução é extinta. O pagamento deve ser feito por meio de depósito em conta bancária vinculada ao juízo. Opção 3: não pagar nem garantir a execução Se o executado não pagar nem garantir a execução, o juiz determinará a penhora de bens. Penhora é o ato pelo qual são apreendidos bens do devedor que serão utilizados para satisfazer o crédito executado. Opção 2: se o executado decidir garantir a execução, o que significa isso? Como ele faz? O executado deve escolher essa opção quando ele não concordar com a dívida que está sendo cobrada e desejar se defender no processo, demonstrando que não deve aquele valor. Para isso, o devedor não precisa pagar a dívida imediatamente, mas deverá oferecer uma garantia de que, se perder a demanda, terá como quitar o débito. Oferecendo a garantia, o executado tem duas vantagens: • evita que a Fazenda Pública indique os bens do devedor que serão penhorados; • ganha o direito de poder oferecer uma defesa no processo chamada de “embargos à execução” (§ 1º do art. 16), que é um instrumento de defesa mais amplo que a exceção de pré-executividade (que dispensa a garantia do juízo). É indispensável que o executado ofereça garantia para que possa apresentar embargos à execução fiscal? SIM. A Lei nº 6.830/80 prevê, expressamente, que na execução fiscal, para que o devedor possa se defender por meio de embargos, é indispensável a garantia da execução (§ 1º do art. 16):

§ 1º — Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

Exige-se a garantia do juízo mesmo que o executado seja beneficiário da assistência judiciária gratuita? SIM. O STJ assim entende, com base no princípio da especialidade. O art. 3º da Lei 1.060/1950 (que prevê a assistência judiciária gratuita) é cláusula genérica, abstrata e visa à isenção de despesas de natureza processual, como custas e honorários advocatícios, não havendo previsão legal de isenção de garantia do juízo para embargar. Desse modo, em conformidade com o princípio da especialidade das leis, o disposto no art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980 deve prevalecer sobre o art. 3º, VII, da Lei 1.060/1950, o qual determina que os beneficiários

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da justiça gratuita ficam isentos dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. STJ. 2ª Turma. REsp 1.437.078-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/3/2014 (Info 538). Quais as formas por meio das quais o devedor poderá oferecer a garantia do juízo? Antes da Lei nº 13.043/2014, o devedor poderia oferecer a garantia do juízo de três modos: a) DEPÓSITO EM DINHEIRO: o executado faz o depósito em dinheiro do valor cobrado em uma instituição bancária oficial de crédito (ex.: Caixa Econômica Federal); b) FIANÇA BANCÁRIA: o executado apresenta uma fiança bancária, documento no qual o banco assume o compromisso de ser o fiador do devedor em relação ao valor cobrado; c) NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA: o próprio executado já oferece bens para que sejam penhorados e fiquem à disposição do juízo para alienação caso ele não pague a dívida.

A Lei nº 13.043/2014 alterou o inciso II do art. 7º da LEF e previu expressamente mais uma forma de garantia do juízo: o SEGURO GARANTIA.

Assim, depois da Lei nº 13.043/2014, o devedor poderá oferecer a garantia do juízo de quaro modos: a) DEPÓSITO EM DINHEIRO b) FIANÇA c) NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA d) SEGURO GARANTIA (novidade)

A partir desta Lei, a garantia da execução, por meio de seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora (§ 3º do art. 9º da LEF, com a nova redação dada pela Lei nº 13.043/2014). De igual forma, com a nova Lei nº 13.043/2014, o juiz poderá deferir ao executado, em qualquer fase do processo, a substituição da penhora por seguro garantia. A mudança foi importante porque o STJ possuía entendimento pacífico de que o seguro garantia não servia como garantia da execução fiscal em virtude da ausência de previsão na LEF:

(...) A orientação consolidada das Turmas que integram a Primeira Seção do STJ é no sentido que não é possível a utilização do "seguro garantia judicial" como caução à execução fiscal, por ausência de norma legal específica, não havendo previsão do instituto entre as modalidades previstas no art. 9º da Lei 6.830/1980. (...) STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1423411/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/06/2014.

Obs.: no âmbito federal, mesmo antes da Lei nº 13.043/2014 a Procuradoria da Fazenda Nacional possuía Portaria (164/2014) aceitando o seguro garantia como garantia do juízo, desde que cumpridos certos requisitos. Mesmo assim, a alteração legislativa foi importante porque essa possibilidade passou a constar expressamente na LEF, além do fato de que muitos Municípios e Estados-membros não concordavam com essa espécie de garantia. Resumindo:

Antes da Lei nº 13.043/2014 ATUALMENTE

O seguro garantia não era previsto como garantia do juízo pela LEF.

O seguro garantia passou a ser previsto expressamente como garantia do juízo pela LEF. A garantia da execução, por meio de seguro garantia, produz agora os mesmos efeitos da penhora.

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Caso já tivessem sido penhorados bens do devedor, a substituição da penhora por seguro garantia não era possível, salvo se a própria Fazenda Pública concordasse.

Existe previsão expressa de que o juiz poderá deferir ao executado, em qualquer fase do processo, a substituição da penhora por seguro garantia.

Dúvida: a Lei n. 13.043/2014 entrou em vigor em 14/11/2014; é possível aceitar seguro garantia para uma execução fiscal que tenha se iniciado antes desta data e que ainda esteja tramitando? Em outras

palavras, a alteração promovida pela Lei n. 13.043/2014 no que tange ao seguro garantia aplica-se às execuções fiscais que foram instauradas antes de sua vigência e que ainda estejam em curso?

SIM. O inciso II do art. 9° da Lei 6.830/80 (LEF), alterado pela Lei n. 13.043/2014, que faculta expressamente ao executado a possibilidade de oferecer fiança bancária ou seguro garantia nas execuções fiscais, possui aplicabilidade imediata aos processos em curso. A norma que permite a garantia do juízo por meio de seguro garantia é de cunho processual, de modo que possui aplicabilidade imediata aos processos em curso.

JUIZADOS ESPECIAIS Requisitos para admissibilidade de reclamação e de pedido de uniformização de jurisprudência

Importante!!!

Não é cabível reclamação, tampouco pedido de uniformização de jurisprudência ao STJ contra acórdão de Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública sob a alegação de que a decisão impugnada diverge de orientação fixada em precedentes do STJ.

STJ. 1ª Seção. Rcl 22.033-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8/4/2015 (Info 559).

Microssistemas dos Juizados Especiais Quando falamos em “sistema dos Juizados Especiais”, podemos identificar a existência de três microssistemas, cada um deles destinado a julgar determinados tipos de causas, possuindo regras específicas de procedimento. Veja:

1) Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais

Compete ao Juizado Especial Criminal processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Estadual. Compete ao Juizado Especial Cível processar e julgar causas cíveis de menor complexidade que sejam de competência da Justiça Estadual. Ficam excluídas deste microssistema as causas cíveis de interesse da Fazenda Pública.

Lei nº 9.099/95

2) Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Federal. Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. Neste microssistema, é permitida a participação da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, desde que na condição de rés.

Lei nº 10.259/2001

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3) Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

Compete ao Juizado Especial da Fazenda Pública processar e julgar as causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos. Neste microssistema, são julgadas as causas de até 60 salários mínimos, de competência da Justiça Estadual, e que tenham como réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

Lei nº 12.153/2009

Vamos verificar alguns pontos em comum sobre esses microssistemas e depois apontar certas diferenças. Quem julga as causas e os recursos no sistema dos Juizados Especiais? As causas são examinadas, em 1º grau, por um Juiz do Juizado. O recurso contra a sentença proferida pelo Juiz do Juizado é julgado pela Turma Recursal. A Turma Recursal é um colegiado formado por três juízes (não é composta por Desembargadores), que têm a função de julgar os recursos contra as decisões proferidas pelo juiz do juizado. Funciona como instância recursal na estrutura dos Juizados Especiais.

Instância julgadora em 1º grau: Juiz do Juizado.

Instância que julga os recursos: Turma Recursal.

Quais os recursos cabíveis contra a sentença proferida pelo juiz do juizado? Podem ser interpostos:

Embargos de declaração;

Recurso inominado. Quais os recursos cabíveis contra as decisões proferidas pela Turma Recursal? Contra os acórdãos prolatados pela Turma Recursal, somente podem ser interpostos:

embargos de declaração;

recurso extraordinário. É cabível a interposição de Recurso Especial? NÃO. Súmula 203-STJ: Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais. Por que é cabível o RE, mas não o REsp?

Previsão do RE na CF/88 Previsão do REsp na CF/88

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

Desse modo, o RE é cabível contra causas decididas em única ou última instância por qualquer órgão jurisdicional. Já o REsp, somente é cabível contra causas decididas em única ou última instância pelo TJ ou TRF. Como a Turma Recursal não é Tribunal, suas decisões não desafiam REsp.

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Súmula 640-STF: É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.

Vale ressaltar que somente caberá RE contra acórdão da Turma Recursal se a causa envolver questão constitucional. O que acontece, então, se a decisão da Turma Recursal disser respeito à interpretação de lei federal e contrariar entendimento consolidado ou mesmo sumulado do STJ? Já que não cabe recurso especial, como a parte poderá questionar essa decisão? A resposta aqui irá variar conforme o microssistema do Juizado. Veja: 1) Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais

A Lei n. 9.099/95 não previu solução para esse impasse. Diante disso, o STJ idealizou a tese de que, enquanto a Lei não for alterada para criar um incidente de uniformização, será possível que a parte ingresse com reclamação no STJ contra o acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial Estadual que contrariar entendimento da Corte. Existe até uma Resolução nº 12/2009 do STJ tratando sobre “o processamento, no Superior Tribunal de Justiça, das reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte”. O STJ entende que a parte pode ajuizar reclamação contra decisão de Turma Recursal estadual quando a decisão proferida:

afrontar jurisprudência do STJ pacificada em recurso repetitivo (art. 543-C do CPC);

violar súmula do STJ;

for teratológica. 2) Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal E se uma decisão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal (JEF) contrariar entendimento do STJ, também caberá reclamação? NÃO. Não será necessária reclamação porque a Lei do JEF, como é posterior à Lei nº 9.099/95, já corrigiu essa falha e previu mecanismos para fazer com que o entendimento do STJ prevaleça. A Lei do JEF (Lei nº 10.259/2001) trouxe, em seu art. 14, a previsão de que a parte pode formular pedido de uniformização de jurisprudência para a Turma Regional de Uniformização (TRU) ou para a Turma Nacional de Uniformização (TNU), a depender do caso. Se a orientação acolhida pela Turma de Uniformização contrariar súmula ou jurisprudência dominante no STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência (§ 4º). Os detalhes sobre isso você não precisa saber, devendo apenas ler o art. 14 da Lei nº 10.259/2001 se estiver fazendo concursos federais. Em suma, no que se refere aos Juizados Especiais Federais, a parte poderá formular junto ao STJ pedido de uniformização de jurisprudência quando a orientação da Turma Nacional de Uniformização contrariar: a) jurisprudência dominante do STJ; ou b) súmula do STJ. Em virtude de existir essa possibilidade na própria Lei, o STJ não admite reclamação contra acórdãos da Turma Recursal dos Juizados Especiais federais. Confira:

(...) Não se admite a utilização do instituto da reclamação contra acórdão de Turma Recursal do Juizado Federal diante da previsão expressa de recursos no artigo 14 da Lei n. 10.259/2001. (...) (STJ. 1ª Seção. AgRg na Rcl 7.764/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 24/10/2012)

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3) Juizados Especiais da Fazenda Pública E se uma decisão da Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública contrariar entendimento do STJ, também caberá reclamação? Também NÃO. A Lei nº 12.153/2009 (Lei dos Juizados da Fazenda Pública), assim como a Lei do JEF, trouxe a previsão de pedido de uniformização em seu art. 18:

Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material. (...) § 3º Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado. Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1º do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Desse modo, quanto ao microssistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, é cabível o pedido de uniformização de jurisprudência quando: a) as Turmas de diferentes Estados derem à lei federal interpretações divergentes; ou b) a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do STJ. Em virtude de existir essa possibilidade na própria Lei, o STJ também não admite reclamação contra acórdãos da Turma Recursal dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Confira:

(...) 2. No caso dos autos, trata-se de ação ajuizada perante Juizado Especial da Fazenda Pública, a qual se submete ao rito previsto na Lei 12.153/2009. A lei referida estabelece sistema próprio para solucionar divergência sobre questões de direito material. (...) Nesse contexto, havendo procedimento específico e meio próprio de impugnação, não é cabível o ajuizamento da reclamação prevista na Resolução 12/2009 do STJ. (...) STJ. 1ª Seção. RCDESP na Rcl 8718/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/08/2012.

Desse modo, não haverá necessidade nem cabimento para a propositura de reclamação porque existe a previsão de um pedido de uniformização de interpretação de lei federal. Resumindo:

É cabível reclamação contra acórdão da Turma Recursal que viole entendimento consolidado ou mesmo sumulado do STJ?

1) Juizado Especial Estadual: SIM É cabível quando a decisão:

afrontar jurisprudência do STJ pacificada em recurso repetitivo;

violar súmula do STJ;

for teratológica. Justificativa: a lei não prevê pedido de uniformização.

2) Juizado Especial Federal: NÃO Isso porque a lei já prevê pedido de uniformização, que é cabível quando a decisão contrariar: a) jurisprudência dominante do STJ; ou b) súmula do STJ.

3) Juizado da Fazenda Pública: NÃO Isso porque a lei já prevê pedido de uniformização, que é cabível quando: a) as Turmas de diferentes Estados derem à lei federal interpretações divergentes; ou b) a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do STJ.

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 39

Se o acórdão da Turma Recursal do Juizado da Fazenda Pública contrariar jurisprudência dominante do STJ, caberá pedido de uniformização ao STJ? NÃO. A redação escolhida pela Lei dos Juizados da Fazenda Pública foi diferente da Lei do JEF. Houve uma opção expressa do legislador em restringir apenas às duas hipóteses acima o cabimento do pedido de uniformização de jurisprudência nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, havendo silêncio eloquente quanto a todas as demais hipóteses. Desse modo, o caso em que a parte alega que o acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública viola precedentes do STJ não se amolda às hipóteses de cabimento de pedido de uniformização de jurisprudência. Então, neste caso, seria cabível reclamação? Cabe reclamação contra acórdão da Turma Recursal do Juizado da Fazenda Pública que contrariar jurisprudência dominante do STJ? Também não. Não é cabível nem pedido de uniformização nem reclamação ao STJ contra acórdão de Turma Recursal do Juizado da Fazenda Pública que contrarie orientação fixada em precedentes do STJ. O STJ entendeu que não cabia reclamação neste caso em razão não se verificarem as hipóteses nas quais ela é permitida: a) usurpação de competência do STJ ou; b) necessidade de garantir a autoridade das decisões do STJ.

AÇÃO MONITÓRIA Demonstrativo de débito atualizado como requisito da petição inicial

O CPC 1973 não traz os requisitos da petição inicial da ação monitória.

Apesar disso, a jurisprudência exige que a petição inicial da ação monitória na qual o autor cobra do réu soma em dinheiro deve ser instruída com demonstrativo de débito atualizado até a data do ajuizamento.

O STJ entende que esse documento é indispensável para que o devedor possa ter o conhecimento detalhado da quantia que lhe está sendo cobrada, inclusive com a indicação dos critérios, índices e taxas utilizados, a fim de que o devedor possa validamente impugná-los nos embargos.

O CPC 2015 já traz em seu texto os requisitos para a petição inicial da ação monitória. Um deles é justamente a memória de cálculo da dívida que esteja sendo cobrada. Desse modo, o entendimento do STJ acima explicado foi incorporado pelo novo CPC (art. 700, § 2º, I).

O que acontece se o autor ajuizar a ação e não juntar esse demonstrativo (ou se o demonstrativo estiver incompleto)?

O juiz deverá intimá-lo para que corrija esse vício e traga aos autos o demonstrativo atualizado.

Qual é o prazo que o autor possui para emendar a petição inicial?

10 dias no CPC 1973 (art. 284); 15 dias no CPC 2015 (art. 321).

Outra novidade do CPC 2015 é que o juiz, ao determinar que o autor emende ou complete a petição inicial, deverá indicar, com precisão, o que deve ser corrigido ou completado.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.154.730-PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 8/4/2015 (recurso repetitivo) (Info 559).

AÇÃO MONITÓRIA Ação monitória é um procedimento especial, previsto no CPC, por meio do qual o credor exige do devedor o pagamento de soma em dinheiro ou a entrega de coisa com base em prova escrita que não tenha eficácia de título executivo.

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 40

Ex1: ação monitória para cobrança de cheque prescrito. Ex2: ação monitória para cobrança de valores baseados em contrato bancário de abertura de conta-corrente. O cheque prescrito e o contrato bancário de abertura de conta são provas escritas do débito, mas que não se constituem em título executivo. Se o credor tem título executivo, pode ingressar desde logo com a execução. Se o credor não tem nenhuma prova documental, só lhe resta a ação de cobrança. Se o credor tem prova escrita que não goza de eficácia de título executivo: cabe ação monitória. NOVIDADES DO CPC 2015 QUANTO À FINALIDADE E OBJETO Com o CPC de 2015, a ação monitória poderá ser utilizada para exigir a entrega de coisas infungíveis e também para exigir a entrega de bens imóveis, situações que não eram abarcadas pelo antigo Código. Além disso, o CPC 2015 prevê que a ação monitória serve também para exigir que o réu cumpra obrigação de fazer ou não fazer sobre a qual ele está inadimplente.

CPC 1973 CPC 2015

A ação monitória poderia ser utilizada para que o autor exigisse do devedor (art. 1.102-A):

o pagamento de soma em dinheiro;

a entrega de coisa fungível; ou

a entrega de determinado bem móvel.

A ação monitória poderá ser utilizada para que o autor exija do devedor (art. 700):

o pagamento de quantia em dinheiro;

a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;

o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.

PETIÇÃO INICIAL Na exordial da ação monitória, o autor pede que o réu pague a quantia, entregue a coisa ou cumpra o comportamento exigido (fazer ou deixar de fazer algo combinado). A petição deve ser instruída com prova escrita sem eficácia de título executivo. Demonstrativo de débito atualizado O CPC 1973 não traz os requisitos da petição inicial da ação monitória. Apesar disso, a jurisprudência exige que a petição inicial da ação monitória na qual o autor cobra do réu soma em dinheiro deve ser instruída com demonstrativo de débito atualizado até a data do ajuizamento. O procedimento monitório é caracterizado por ter baixo formalismo, mas mesmo assim o STJ entende que esse documento é indispensável para que o devedor possa ter o conhecimento detalhado da quantia que lhe está sendo cobrada, inclusive com a indicação dos critérios, índices e taxas utilizados, a fim de que o devedor possa validamente impugná-los nos embargos. Se o autor ajuizar a ação e não juntar esse demonstrativo (ou se o demonstrativo estiver incompleto), o juiz deverá intimá-lo para que corrija esse vício e traga aos autos o demonstrativo atualizado, no prazo de 10 dias. STJ. 2ª Seção. REsp 1.154.730-PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 8/4/2015 (recurso repetitivo) (Info 559). O novo CPC 2015 exige que a petição inicial da ação monitória seja instruída com a memória atualizado da dívida cobrada? SIM. O CPC 2015 traz em seu texto requisitos para a petição inicial da ação monitória. Um deles é justamente a memória de cálculo da dívida que esteja sendo cobrada. Desse modo, o entendimento do STJ acima explicado foi incorporado pelo novo CPC, de forma que essa exigência continua válida, agora por força de previsão expressa. Confira:

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 41

Art. 700 (...) § 2º Na petição inicial, incumbe ao autor explicitar, conforme o caso: I - a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo; II - o valor atual da coisa reclamada; III - o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.

O § 4º diz que se a petição inicial não preencher esses requisitos, ela deverá ser indeferida:

§ 4º Além das hipóteses do art. 330, a petição inicial será indeferida quando não atendido o disposto no § 2º deste artigo.

Alguém poderia estar pensando: então, agora, o novo CPC não mais exige que o juiz, antes de indeferir a petição inicial da ação monitória, intime o autor para corrigir o vício. Isso é verdade? Não. No CPC 2015, o juiz, antes de indeferir a inicial da monitória, continua tendo o dever de intimar previamente o autor com base no art. 321, que é regra geral e se aplica também ao procedimento monitório. Veja o que diz esse importante artigo:

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

Repare que o prazo que o autor dispõe para emendar a petição inicial mudou com o novo CPC. No CPC 1973 era de 10 dias; no CPC 2015 passou a ser de 15 dias.

Outra novidade é que o juiz, ao determinar que o autor emende ou complete a petição inicial, deverá indicar, com precisão, o que deve ser corrigido ou completado.

DIREITO PENAL

CRIME CONTINUADO Aumento de pena no máximo pela continuidade delitiva em crime sexual

Importante!!!

No caso de crime continuado, o art. 71 do CP prevê que o juiz deverá aplicar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 a 2/3.

O STJ entende que, em regra, a escolha da quantidade de aumento de pena deve levar em consideração o número de infrações praticadas pelo agente.

Porém, nem sempre será fácil trazer para os autos o número exato de crimes que foram praticados, especialmente quando se trata de delitos sexuais. É o caso, por exemplo, de um padrasto que mora há meses ou anos com a sua enteada e contra ela pratica constantemente estupro de vulnerável. Nessas hipóteses, mesmo não havendo a informação do número exato de crimes que foram cometidos, o juiz poderá aumentar a pena acima de 1/6 e, dependendo do período de tempo, até chegar ao patamar máximo.

Assim, constatando-se a ocorrência de diversos crimes sexuais durante longo período de tempo, é possível o aumento da pena pela continuidade delitiva no patamar máximo de 2/3 (art. 71 do CP), ainda que sem a quantificação exata do número de eventos criminosos.

STJ. 5ª Turma. HC 311.146-SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ-SC), julgado em 17/3/2015 (Info 559).

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 42

CONCEITO DE CRIME CONTINUADO Ocorre crime continuado quando o agente: - por meio de duas ou mais condutas - pratica dois ou mais crimes da mesma espécie - e, analisando as condições de tempo, local, modo de execução e outras, - pode-se constatar que os demais crimes devem ser entendidos como mera continuação do primeiro. O crime continuado é uma ficção jurídica, inspirada em motivos de política criminal, idealizada com o objetivo de ajudar o réu. Ao invés de ele ser condenado pelos vários crimes, receberá a pena de somente um deles, com a incidência de um aumento previsto na lei. EXEMPLO: Carlos era caixa de uma lanchonete e estava devendo R$ 500,00 a um agiota. Ele decide, então, tirar o dinheiro do caixa para pagar sua dívida. Ocorre que, se ele retirasse toda a quantia de uma só vez, o seu chefe iria perceber. Carlos resolve, portanto, subtrair R$ 50,00 por dia. Assim, após dez dias ele consegue retirar os R$ 500,00. Desse modo, Carlos, por meio de dez condutas, praticou dez furtos. Analisando as condições de tempo, local, modo de execução, pode-se constatar que os outros nove furtos devem ser entendidos como mera continuação do primeiro, considerando que sua intenção era furtar o valor total de R$ 500,00. Ao invés de Carlos ser condenado por dez furtos, receberá somente a pena de um furto, com a incidência de um aumento de 1/6 a 2/3. PREVISÃO LEGAL

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

PENA O art. 71, caput, do CP prevê que o aumento na continuidade delitiva varia de 1/6 a 2/3. Qual é o critério que o juiz deve adotar no momento da dosimetria da pena? O critério para o aumento no crime continuado é o número de crimes praticados: 2 crimes – aumenta 1/6 3 crimes – aumenta 1/5 4 crimes – aumenta 1/4 5 crimes – aumenta 1/3 6 crimes – aumenta 1/2 7 ou mais – aumenta 2/3 Crimes sexuais Nem sempre será fácil trazer para os autos o número exato de crimes que foram praticados, especialmente quando se trata de delitos sexuais. É o caso, por exemplo, de um padrasto que mora há meses com a sua enteada e contra ela pratica constantemente estupro de vulnerável. Nessas hipóteses, mesmo não havendo a informação do número exato de crimes que foram cometidos, o juiz poderá aumentar a pena acima de 1/6 e, dependendo do período de tempo, até chegar ao patamar máximo. Veja algumas ementas do STJ neste sentido:

(...) 2. Nas hipóteses em que há imprecisão acerca do número exato de eventos delituosos, esta Corte tem considerado adequada a fixação da fração de aumento, referente à continuidade delitiva, em patamar

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 43

superior ao mínimo legal, com base na longa duração dos sucessivos eventos delituosos. Precedentes desta Corte. 3. No caso, considerando-se que as instâncias ordinárias reconheceram que os eventos delituosos perpetrados contra uma das vítimas ocorreram pelo período de seis anos, deve ser restabelecida a sentença condenatória na parte que fixou a fração de aumento (art. 71 do CP) em 2⁄3. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 455.218⁄MG, Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/12/2014.

(...) Estando demonstrado, pelos elementos dos autos, que o Acusado praticou o crime diversas vezes ao longo de, pelo menos, três anos, é impositiva a elevação da pena pela continuidade delitiva no patamar de 2⁄3 (dois terços). STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.325.423/MG, Min. Laurita Vaz, julgado em 20/08/2013.

ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO Estelionato previdenciário e devolução da vantagem indevida antes do recebimento da denúncia

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O art. 9º da Lei 10.684/2003 prevê que o pagamento integral do débito fiscal realizado pelo réu é causa de extinção de sua punibilidade.

Imagine que determinado indivíduo tenha praticado estelionato contra o INSS, conhecido como estelionato previdenciário (art. 171, § 3º do CP). Antes do recebimento da denúncia, o agente paga integralmente o prejuízo sofrido pela autarquia. Isso poderá extinguir sua punibilidade, com base no art. 9º da Lei 10.684/2003?

NÃO. Não extingue a punibilidade do crime de estelionato previdenciário (art. 171, § 3º, do CP) a devolução à Previdência Social, antes do recebimento da denúncia, da vantagem percebida ilicitamente.

O art. 9º da Lei 10.684/2003 menciona os crimes aos quais são aplicadas suas regras: a) arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90; b) art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); c) Art. 337-A do CP (sonegação de contribuição previdenciária). Repare, portanto, que o estelionato previdenciário (art. 171, § 3º do CP) não está listado nessa lei.

Mesmo sem o estelionato previdenciário estar previsto, não é possível aplicar essas regras por analogia em favor do réu?

NÃO. O art. 9º da Lei 10.684/2003 somente abrange crimes tributários materiais, delitos que são ontologicamente distintos do estelionato previdenciário e que protegem bens jurídicos diferentes. Dessa forma, não há lacuna involuntária na lei penal a demandar analogia.

O fato de o agente ter pago integralmente o prejuízo trará algum benefício penal?

SIM. O agente poderá ter direito de receber o benefício do arrependimento posterior, tendo sua pena reduzida de 1/3 a 2/3 (art. 18 do CP).

STJ. 6ª Turma. REsp 1.380.672-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação hipotética: João recebia uma aposentadoria do INSS, sendo o valor depositado em uma conta bancária. Como João tinha dificuldades de locomoção em razão da avançada idade, Carla, sua sobrinha e única parente, ficava com o cartão do banco e com a senha, sendo ela a responsável por efetuar os saques do benefício e pagar as contas da casa. João faleceu e Carla não comunicou ao INSS a morte do tio. Ao contrário, de forma ardilosa, continuou sacando o valor da aposentadoria que era depositado na conta bancária.

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 44

Carla recebeu os valores durante 10 meses, tendo o INSS finalmente descoberto sobre o óbito do segurado e cessado os pagamentos.

Qual delito, em tese, foi praticado por Carla? Estelionato previdenciário (art. 171, § 3º, do CP).

Estelionato Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

O fato de ela ter sacado durante 10 meses possui alguma relevância penal? SIM. Há, neste caso, crime continuado (art. 71 do CP). Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. REsp 1.282.118-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/2/2013 (Info 516). Suponha que, antes do recebimento da denúncia, Carla devolva ao INSS todo o valor que sacou

indevidamente. Isso poderá extinguir sua punibilidade, com base no art. 9º da Lei n. 10.684/2003? NÃO. Não extingue a punibilidade do crime de estelionato previdenciário (art. 171, § 3º, do CP) a devolução à Previdência Social, antes do recebimento da denúncia, da vantagem percebida ilicitamente. Pagamento integral do débito e extinção da punibilidade O pagamento integral do débito fiscal realizado pelo réu é causa de extinção de sua punibilidade,

conforme previu a Lei n. 10.684/2003:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. (...) § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

Lei n. 12.382/2011

Em 2011, foi editada a Lei n. 12.382, que alterou o art. 83 da Lei n. 9.430/96 e passou a dispor sobre os efeitos do parcelamento e do pagamento dos créditos tributários no processo penal. Veja o que diz a Lei:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos

arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social,

previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350/2010) (...) § 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. (Incluído pela Lei 12.382/2011) § 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. (Incluído pela Lei

12.382/2011)

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 45

§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. (Incluído pela Lei 12.382/2011)

Estelionato previdenciário não está previsto nas Leis n. 9.430/96 e 10.684/2003:

O art. 9º da Lei n. 10.684/2003 e o art. 83 da Lei n. 10.684/2003 mencionam os crimes aos quais são aplicadas suas regras:

arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90;

art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária);

Art. 337-A do CP (sonegação de contribuição previdenciária). Repare, portanto, que o estelionato previdenciário (art. 171, § 3º do CP) não está listado nessas duas leis. Mesmo sem o estelionato previdenciário estar previsto, não é possível aplicar essas regras por analogia em favor do réu?

NÃO. O art. 9º da Lei n. 10.684/2003 e o art. 83 da Lei n. 9.430/96 somente abrangem crimes tributários materiais, delitos que são ontologicamente distintos do estelionato previdenciário e que protegem bens jurídicos diferentes. Dessa forma, não é possível a aplicação, por analogia, da causa extintiva de punibilidade prevista no art. 9º da Lei 10.684/2003 pelo pagamento do débito ao estelionato previdenciário, pois não há lacuna involuntária na lei penal a demandar o procedimento supletivo, de integração do ordenamento jurídico. O fato de o agente ter pago integralmente o prejuízo não trará qualquer benefício penal? Trará sim. O agente poderá ter direito de receber o benefício do arrependimento posterior, tendo sua pena reduzida de 1/3 a 2/3:

Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

ART. 273 DO CP Inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, V, do CP

Importante!!!

O art. 273, § 1º-B do Código Penal prevê o seguinte:

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

O § 1º-B foi inserido no art. 273 do CP por força da Lei 9.677/98. O objetivo do legislador foi o de punir pessoas que vendem determinados “produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais” e que, embora não se possa dizer que sejam falsificados, estão em determinadas condições que fazem com que seu uso seja potencialmente perigoso para a população.

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 46

A pena prevista pelo legislador para o § 1º-B foi de 10 a 15 anos de reclusão.

Ocorre que essa pena é muito alta e, por conta disso, começou a surgir entre os advogados que militam na área a constante alegação de que essa reprimenda seria inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade.

A tese foi acolhida pelo STJ?

SIM. O STJ decidiu que o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, inciso V, do CP é inconstitucional por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Então, neste caso, qual pena deverá ser aplicada em substituição?

Deverá ser aplicada a pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006), qual seja, “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”. Além disso, será possível aplicar para o réu que praticou o art. 273, § 1º-B do CP a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006.

Em suma: o STJ decidiu que é inconstitucional a pena (preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP. Em substituição a ela, deve-se aplicar ao condenado a pena prevista no caput do art. 33 da Lei 11.343/2006, com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º.

Essa decisão vale apenas para o inciso V do § 1º-B do art. 273 ou também para os demais incisos?

O caso concreto apreciado pelo STJ envolvia um habeas corpus impetrado em favor de réu condenado pelo inciso V. Assim, no dispositivo do acórdão, menciona-se apenas este inciso. No entanto, pela leitura dos votos dos Ministros, percebe-se que eles trataram do tema de forma genérica, abrangendo todo o § 1º-B. Logo, minha opinião pessoal é no sentido de que essa decisão vale para todos os incisos do § 1º-B.

O que o STF entende a respeito?

O Plenário do STF ainda não se manifestou sobre o tema. No entanto, existem precedentes da Corte em sentido contrário ao que decidiu o STJ, ou seja, acórdãos sustentando que o § 1º-B do art. 273 é CONSTITUCIONAL (RE 829226 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/02/2015; RE 844152 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 02/12/2014).

Para fins de concurso, você deve estar atento para o modo como a pergunta será formulada. Se indagarem a posição do STJ, é pela inconstitucionalidade. Se perguntarem sobre o STF, este possui precedentes sustentando que o art. 273, § 1º-B, do CP é constitucional. Caso o enunciado não diga qual dos dois entendimentos está sendo exigido, assinale a posição STJ porque esta foi divulgada em Informativo e é mais conhecida.

STJ. Corte especial. AI no HC 239.363-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2015 (Info 559).

ART. 273 DO CP O julgado que irei analisar agora diz respeito ao art. 273, § 1º-B do Código Penal. No entanto, com o intuito de melhor compreender o que foi decidido vou fazer uma revisão geral sobre o art. 273, que é um dispositivo frequentemente cobrado nas provas de concurso. CRIME DO CAPUT: O DELITO DO “FALSIFICADOR” DO PRODUTO

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

Em que consiste o crime do caput: - O sujeito ativo do crime (que pode ser qualquer pessoa) - falsifica (imita fraudulentamente o original) - corrompe (altera para pior)

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 47

- adultera (deturpa) - ou altera (muda de qualquer outra forma) - produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Exemplo: João possui um laboratório clandestino no qual ele falsifica o remédio Viagra® para depois vendê-lo no mercado paralelo. Conceito de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (§ 1º-A) O caput do art. 273 fala em produtos terapêuticos ou medicinais. Quando você lê essa expressão, pensa logo em remédios e outros medicamentos. Isso está certo. Remédios e medicamentos estão incluídos aí. Ocorre que o legislador resolveu ampliar ainda mais essa expressão e incluiu no âmbito de proteção do tipo penal outros produtos além de medicamentos. Veja o que diz o § 1º-A do art. 273:

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

Desse modo, quando o art. 273 pune a pessoa que falsificar, adulterar etc. produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, ele está incluindo os seguintes produtos:

medicamentos;

matérias-primas utilizadas para fazer produtos terapêuticos ou medicinais;

insumos farmacêuticos (substâncias utilizadas para produzir medicamentos);

cosméticos (exs: batons, sombra, cremes de beleza etc.);

saneantes (substâncias destinadas à higienização, desinfecção etc., como é o caso de detergentes, alvejantes, desinfetantes, inseticida, entre outros).

produtos de uso em diagnóstico (substâncias utilizadas para detecção de doenças). Discussão sobre a constitucionalidade desse § 1º-A A justificativa para o legislador ter incluído outros produtos como cosméticos e alvejantes nesta expressão é a de que tais substâncias direta ou indiretamente poderão afetar a saúde humana, assim como os medicamentos. Se uma mulher utiliza um creme facial falsificado, por exemplo, isso poderá causar efeitos nocivos em sua pele e até outros problemas de saúde mais graves, como infecções etc. O mesmo pode acontecer com alvejantes que tenham sido adulterados. Daí o motivo de o legislador ter punido com o mesmo rigor quem falsifica tais produtos. O argumento acima exposto não convence, contudo, boa parte da doutrina.

O § 1º-A do art. 273 foi inserido ao Código pela Lei n. 9.677/98 e muitos autores afirmam que essa inclusão foi inconstitucional por afrontar o princípio da proporcionalidade. Alberto Silva Franco, por exemplo, sustenta que não há como equiparar a falsificação de medicamentos com a de cosméticos, sendo a primeira conduta muito mais grave que a segunda, recebendo, no entanto, a mesma punição. Haveria, portanto, uma violação ao princípio da proporcionalidade. Essa é a posição também de Luiz Régis Prado, ambos citados por MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado, Vol. 3, p. 328. Apesar da crítica doutrinária, não existe julgado do STJ ou do STF declarando inconstitucional essa equiparação, de forma que, para fins de concurso, esse § 1º-A continua válido e aplicável, especialmente em provas objetivas. Em provas discursivas, práticas e orais, em especial da Defensoria Pública, penso que vale a pena fazer o registro sobre essa importante posição doutrinária. CRIME DO § 1º: O DELITO DO “VENDEDOR” DE PRODUTO FALSIFICADO

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

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Neste § 1º a lei pune não o agente que falsificou, corrompeu, adulterou ou alterou o produto. Isso é sancionado pelo caput. Aqui no § 1º o Código pune a pessoa que: - vende (formal ou informalmente) - expõe à venda (quando a polícia chega no local, o agente não está vendendo, mas o produto está na

prateleira, p. ex.) - tem em depósito para vender (quando os fiscais da ANVISA chegam, encontram vários produtos no

estoque, p. ex.) - distribui (repassa para outras pessoas) - ou entrega a consumo (fornece, ainda que gratuitamente, para alguém usar/consumir) - produto terapêutico ou medicinal falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. Desse modo, o agente do § 1º é o segundo elo da cadeia criminosa. João possui um laboratório clandestino no qual ele falsifica o remédio Viagra®; após estarem prontos, os medicamentos são repassados para Pedro, que os vende no centro da cidade em uma drogaria clandestina. João responderá pelo caput e Pedro pelo § 1º. Obs: quando este § 1º fala em “produto”, devemos entender o conceito amplo dado pelo § 1º-A. Assim, quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender um cosmético ou um saneante falsificado, por exemplo, responderá pelo crime do art. 273, § 1º do CP.

CRIME DO § 1º-B: O DELITO DO “VENDEDOR” DE PRODUTO EQUIPARADO A FALSIFICADO

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

Lei 9.677/98

O § 1º-B foi inserido no art. 273 do CP por força da Lei n. 9.677/98. O objetivo do legislador foi o de punir pessoas que vendem determinados “produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais” e que, embora não se possa dizer que sejam falsificados, estão em determinadas condições que fazem com que seu uso seja potencialmente perigoso para a população. Em simples palavras, o legislador disse o seguinte: se o produto for vendido nas condições listadas nos incisos do § 1º-B, a pessoa que vendeu será punida como se ele fosse falsificado. Foi feita uma presunção de que comercializar produtos terapêuticos ou medicinais nas condições do § 1º-B é tão perigoso como vender produtos falsificados.

Em que consiste o delito do § 1º-B: No § 1º-B a lei pune o agente que: - vende (formal ou informalmente) - expõe à venda (quando a polícia chega no local, o agente não está vendendo, mas o produto está na

prateleira, p. ex.) - tem em depósito para vender (quando os fiscais da ANVISA chegam, encontram vários produtos no

estoque, p. ex.) - distribui (repassa para outras pessoas) - ou entrega a consumo (fornece, ainda que gratuitamente, para alguém usar/consumir) - produto terapêutico ou medicinal que se enquadre em um dos incisos do § 1º-B.

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Inciso I: produto sem registro no órgão de vigilância sanitária competente Existem determinados produtos terapêuticos ou medicinais que só podem ser comercializados se forem previamente registrados e aprovados pelos órgãos de vigilância sanitária. Esse registro é feito na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que é uma autarquia federal, sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde.

Para a configuração do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º B, I, não se exige perícia, bastando a ausência de registro na ANVISA, obrigatório na hipótese de insumos destinados a fins terapêuticos ou medicinais. STJ. 5ª Turma. HC 177.972-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012.

Inciso II: produto em desacordo com a fórmula constante do registro no órgão de vigilância sanitária Ocorre quando o sujeito vende, expõe à venda etc. produto que foi registrado na ANVISA, mas a fórmula dele está diferente daquela que foi registrada. Inciso III: produto sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização A ANVISA possui resoluções nas quais impõe as características de identidade e qualidade que os produtos terapêuticos ou medicinais precisam possuir para serem comercializados. Caso o sujeito venda, exponha à venda etc. produto que não atenda a essas normas técnicas da ANVISA, ele responderá por este crime. Inciso IV: produto com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade Em palavras simples, valor terapêutico de um medicamento é o seu grau de eficácia para aliviar ou curar a doença apresentada pelo paciente. Aqui também terão que ser considerados aspectos técnicos disciplinados pela ANVISA. Inciso V: produto de procedência ignorada Pune-se o agente que vende produto terapêutico ou medicinal cuja origem se desconhece. Ex: sujeito que vende um medicamento importado, mas no rótulo não se informa em qual país foi produzido. Inciso VI: produto adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente Os estabelecimentos que produzem produtos terapêuticos ou medicinais precisam também de registro na ANVISA. Assim, se uma empresa produz medicamentos fitoterápicos industrializados, por exemplo, ela precisa estar registrada na ANVISA. Imagine que esta empresa não esteja e que João compre os produtos e os revenda em sua drogaria. João responderá pelo inciso VI, e os responsáveis pela empresa pelo inciso I. INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA PREVISTA PARA O § 1º-B DO CP

Como vimos, o § 1º-B foi acrescentado ao art. 273 pela Lei n. Lei n. 9.677/98. O legislador determinou que a conduta do § 1º-B fosse sancionada com a mesma pena do caput do art. 273. Assim, para o legislador, a conduta de quem comercializa um produto não necessariamente falsificado, mas nas condições irregulares do § 1º-B, deve ser punida com uma pena de 10 a 15 anos de reclusão. Ocorre que essa pena é muito alta e, por conta disso, começou a surgir entre os advogados que militam na área a constante alegação de que essa pena seria inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade. A tese foi acolhida pelo STJ? A pena prevista para o crime do § 1º-B do art. 273 do CP é inconstitucional? SIM. A Corte Especial do STJ, ao apreciar um habeas corpus, decidiu que o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, inciso V, do CP é inconstitucional por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

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Inicialmente, o STJ relembrou que é possível que o Poder Judiciário realize o controle de constitucionalidade de leis penais, inclusive daquelas que estabeleçam penas. Nesse sentido já decidiu o STF:

“(...) mandatos constitucionais de criminalização [...] impõem ao legislador [...] o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. A ideia é a de que a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade [...] Abre-se, com isso, a possibilidade do controle da constitucionalidade da atividade legislativa em matéria penal”. (STF. 2ª Turma. HC 104410, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/03/2012)

Resumo dos principais argumentos pelos quais a pena do art. 273, § 1º, B, inciso V, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade:

Se for comparado com o crime de tráfico de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do preceito secundário do art.

273, § 1º-B, do CP. O delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) possui pena de 5 a 15 anos de reclusão, sendo importante lembrar que existe a possibilidade de aplicação do § 4º do mesmo artigo, que trata da figura do traficante privilegiado, com a redução da pena em 1/6 a 2/3. Com isso, em inúmeros casos, o pequeno traficante pode receber a pena de 1 ano e 8 meses, que pode ser convertida em pena restritiva de direitos. O condenado pelo art. 273, § 1º-B, por sua vez, ainda que receba a pena mínima, seria condenado a 10 anos de reclusão em regime fechado.

Comparado com o homicídio, a pena mínima do art. 273, § 1º-B é maior que três vezes a pena máxima do homicídio culposo e corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio doloso simples.

Além disso, a pena do art. 273, § 1º-B é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza grave, sendo também maior que a reprimenda do estupro, do estupro de vulnerável, da extorsão mediante sequestro. Tais comparações revelam gritante desproporcionalidade no sistema penal.

O delito do art. 273, § 1º-B é crime de perigo abstrato, ou seja, para a sua consumação não é necessário provar a ocorrência de efetivo risco. É dispensável que tenha ocorrido dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto. Logo, trata-se de uma reprimenda muito alta para um crime de perigo abstrato.

Uma outra demonstração de que o legislador penal exagerou no momento da fixação da pena está no fato de que a conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP acarreta, no âmbito administrativo, uma mera punição de

advertência (arts. 2º, 4º, 8º, IV e 10, IV, Lei n. 6.437/77). Em outras palavras, no âmbito administrativo a pena recebida é mínima e no âmbito penal (que deveria ser a ultima ratio), a reprimenda é altíssima.

Ok, tudo bem. A pena prevista pelo legislador para o art. 273, § 1º-B foi declarada inconstitucional. Então, neste caso, qual pena deverá ser aplicada em substituição? O STJ entendeu que deverá ser aplicada a pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas (art. 33,

caput, da Lei n. 11.343/2006), qual seja, “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”. Além disso, o STJ entendeu que será possível aplicar para o réu que praticou o art. 273, § 1º-B do CP a

causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Trata-se de analogia in bonam partem (em benefício do réu). Em suma: O STJ decidiu que é inconstitucional a pena (preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP (“reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”). Em substituição a ela, deve-se aplicar ao condenado a pena

prevista no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º.

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Essa decisão vale apenas para o inciso V do § 1º-B do art. 273 ou também para os demais incisos? O caso concreto apreciado pelo STJ envolvia um habeas corpus impetrado em favor de réu condenado pelo inciso V. Assim, no dispositivo do acórdão, menciona-se apenas este inciso. No entanto, pela leitura dos votos dos Ministros, percebe-se que eles trataram do tema de forma genérica, abrangendo todo o § 1º-B. Logo, minha opinião pessoal é no sentido de que essa decisão vale para todos os incisos do § 1º-B e que o STJ irá assim entender quando chegarem outros casos semelhantes. O que o STF entende a respeito? O Plenário do STF ainda não se manifestou sobre o tema. No entanto, existem precedentes do STF em sentido contrário ao que decidiu o STJ, ou seja, acórdãos sustentando que o § 1º-B do art. 273 é CONSTITUCIONAL. Confira:

(...) 1. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. 2. O Poder Judiciário não detém competência para interferir nas opções feitas pelo Poder Legislativo a respeito da apenação mais severa daqueles que praticam determinados crimes, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes. 3. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: "PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 273, § 1º e § 1º-B, INCISOS V e VI DO CÓDIGO PENAL. TRANSNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. RECONHECIDO CONCURSO FORMAL." 4. Agravo regimental DESPROVIDO. STF. 1ª Turma. RE 829226 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/02/2015.

(...) Alegação de inconstitucionalidade do art. 273, § 1º-B do Código Penal. Constitucionalidade da imputação. Lesão ao bem jurídico saúde pública. Precedentes. 3. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. STF. 2ª Turma. RE 844152 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 02/12/2014.

Obs: ressalte-se que esses precedentes não examinaram com profundidade o tema, sendo possível que a discussão seja reaberta no Plenário do STF quando as primeiras decisões do STJ forem lá questionadas. Vamos aguardar. Para fins de concurso, você deve estar atento para o modo como a pergunta será formulada. Se indagarem a posição do STJ, é pela inconstitucionalidade. Se perguntarem sobre o STF, este possui precedentes sustentando que o art. 273, § 1º-B, do CP é constitucional. Caso o enunciado não diga qual dos dois entendimentos está sendo exigido, assinale a posição STJ porque esta foi divulgada em Informativo e é mais conhecida. NOÇÕES GERAIS APLICÁVEIS AOS DELITOS DO CAPUT, DO § 1º E DO § 1º-B

Bem jurídico protegido: saúde pública. Sujeito ativo: o delito pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: é a coletividade (crime vago). Elemento subjetivo: No caput e no § 1º o agente deve agir com dolo (não se exige finalidade específica). No § 2º existe uma modalidade culposa com pena menor. Veja:

§ 2º - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

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Exemplo de crime culposo: farmacêutico de uma farmácia de manipulação que, por descuido, derruba acetona em cápsulas de medicamento que estavam prontas para acondicionamento (MASSON, Cleber, p. 332). Tipo misto alternativo: Trata-se de tipo misto alternativo, ou seja, o legislador descreveu várias condutas (verbos), no entanto, se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso. Ex: João importa um remédio falsificado do Paraguai, mantém em depósito para vender, depois expõe à venda em sua drogaria clandestina e, por fim, vende para um consumidor. Responderá uma única vez pelo art. 273, § 1º do CP e não por quatro crimes em concurso. Consumação: O crime é formal, ou seja, consuma-se com a prática de qualquer dos verbos descritos no tipo penal. Não depende, para a sua consumação, da ocorrência de um resultado naturalístico. Tendo havido a venda, fornecimento, entrega etc., o crime já se consumou, mesmo que a pessoa que comprou ou recebeu o produto nem a utilize. Repetindo: não se exige o efetivo consumo para que o delito se consuma. Também não é necessário que a vítima tenha algum problema de saúde por conta da substância. O delito é formal, basta a conduta, não se exigindo resultado. Trata-se de crime de perigo comum ou abstrato, de modo que a lei presume, de forma absoluta, que foi produzido um risco para outras pessoas e, só por esse fato, a conduta já é punida.

(...) desnecessária a realização de exame pericial para comprovar a prática do crime previsto no art. 273, § 1º-B, do CP, uma vez que se trata de delito formal, que se satisfaz com a venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo de produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente, sendo exatamente esse o caso dos autos. (...) (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 198.307/PR, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013)

Se houver algum resultado nocivo à saúde das pessoas Vimos acima que o crime se consuma mesmo que não haja nenhum resultado nocivo à saúde das pessoas que usaram o produto. Mas e se houver? Caso seja causado algum mal à saúde do indivíduo, haverá um aumento da pena? SIM. O art. 285 do CP determina que se o agente praticar o art. 273, caput, § 1º ou § 1º-B (modalidades dolosas do crime), isso pode acarretar um aumento da pena nos seguintes termos:

se resultar lesão corporal de natureza grave: a pena privativa de liberdade é aumentada de metade;

se resultar morte: é aplicada em dobro. No caso de culpa (§ 2º do art. 273):

se do fato resulta lesão corporal: a pena aumenta-se de metade;

se resulta morte: aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. Crimes hediondos: Vale ressaltar que os delitos previstos no caput, no § 1º e no § 1º-B do art. 273 são crimes hediondos. Só a forma culposa (§ 2º do art. 273) não é crime hediondo. Todas as modalidades dolosas o são.

(DPE/SC 2012) A corrupção, a adulteração, a falsificação ou a alteração de substância ou produto alimentício destinado ao consumo, tornando-o nocivo à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo, e a falsificação, a corrupção, a adulteração e a alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais são consideradas condutas contrárias à saúde pública, mas somente estas, se praticadas dolosamente, são consideradas hediondas. (CERTO)

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Competência A competência para julgar os delitos do art. 273, caput, § 1º e § 1º-B, em regra, é da Justiça estadual. Tais crimes somente serão de competência da Justiça Federal, quando evidenciada a transnacionalidade da conduta ou a presença de conexão instrumental ou probatória (STJ. 3ª Seção. CC 126.223/SP, julgado em 08/05/2013).

Substância destinada à falsificação Cuidado. “Pegadinha”. Se o agente é surpreendido vendendo substância destinada à falsificação de produtos terapêuticos ou medicinais, responderá pelo art. 277 do CP:

Art. 277. Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Vale ressaltar que o agente, para ser responsabilizado por este crime, deve saber que essa substância será utilizada para falsificação de outros produtos.

CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO O crime de entrega de direção de veículo automotor a pessoa não habilitada é de perigo abstrato

O CTB prevê o seguinte delito:

Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança. Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Para a configuração desse crime não é exigida a demonstração de perigo concreto de dano. Isso porque, no referido artigo, não há previsão, quanto ao resultado, de qualquer dano no mundo concreto, bastando a mera entrega do veículo a pessoa que se sabe inabilitada, para a consumação do tipo penal. Trata-se, portanto, de crime de perigo abstrato.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.468.099-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, 55 anos, entregou seu carro para que seu filho Igor (17 anos) fosse a uma festa. Na volta para casa, Igor foi parado em uma blitz. Além de aplicar a multa, os agentes de trânsito encaminharam cópia do processo administrativo para o Ministério Público, que denunciou João pela prática do crime previsto no art. 310 do CTB:

Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Em sua defesa, João alegou que Igor não causou nenhum tipo de perigo porque sabe dirigir há anos e estava em velocidade compatível no local, não tendo os agentes de trânsito observado qualquer condução irregular do veículo por sua parte.

Os argumentos da defesa poderão ser aceitos? NÃO. Para a configuração do crime do art. 310 do CTB não se exige a demonstração de perigo concreto de dano. Isso porque, no referido artigo, não há previsão, quanto ao resultado, de qualquer dano no mundo concreto, bastando a mera entrega do veículo a pessoa que se sabe inabilitada para a consumação do tipo penal. Trata-se, portanto, de crime de perigo abstrato.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Competência para apreciar quebra de sigilo em investigação de crime de uso de artefato

incendiário contra prédio da Justiça Militar da União

Foi jogado um artefato incendiário contra o prédio da Justiça Militar da União em Porto Alegre/RS, tendo sido atingido apenas o muro do edifício, sem lesionar ninguém. A Polícia Federal instaurou um inquérito policial para apurar o fato e, como a autoria ainda estava incerta, mostrou-se necessário pedir a quebra de sigilo telefônico de um dos investigados.

Quem é competente para autorizar essa quebra, a Justiça Militar ou a Justiça Federal comum?

Justiça Federal comum. Compete à Justiça Federal (e não à Justiça Militar) decidir pedido de quebra de sigilo telefônico requerido no âmbito de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática de crime relacionado ao uso de artefato incendiário contra o edifício-sede da Justiça Militar da União, quando o delito ainda não possua autoria estabelecida e não tenha sido cometido contra servidor do Ministério Público Militar ou da Justiça Militar.

STJ. 3ª Seção. CC 137.378-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação: Foi jogado um artefato incendiário contra o prédio da Justiça Militar da União em Porto Alegre/RS, tendo sido atingido apenas o muro do edifício, sem lesionar ninguém, já que o evento ocorreu durante a madrugada. A Polícia Federal instaurou um inquérito policial para apurar o fato e, como a autoria ainda estava incerta, mostrou-se necessário pedir a quebra de sigilo telefônico de um dos investigados. A partir daí surgiu a dúvida: quem é competente para autorizar essa quebra, a Justiça Militar ou a Justiça Federal comum? Justiça Federal comum. Compete à Justiça Federal (e não à Justiça Militar) decidir pedido de quebra de sigilo telefônico requerido no âmbito de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática de crime relacionado ao uso de artefato incendiário contra o edifício-sede da Justiça Militar da União, quando o delito ainda não possua autoria estabelecida e não tenha sido cometido contra servidor do Ministério Público Militar ou da Justiça Militar. Competência da Justiça Militar A competência da Justiça Militar da União é definida em razão da configuração de crime militar. O conceito de crime militar encontra-se descrito no art. 9º do CPM. De todos os incisos e alíneas desse artigo, os que poderiam gerar dúvidas se seriam aplicáveis no presente caso são as alíneas “a” e “b” do inciso III. Veja:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

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Prédio da Justiça Militar não é patrimônio sob a administração militar (alínea “a”) A CF/88 estabelece que a Justiça Militar da União é órgão do Poder Judiciário da União. Desse modo, o edifício-sede da Justiça Militar da União não integra patrimônio militar nem está subordinado à administração militar, circunstância que afasta a incidência da alínea “a” do inciso III do art. 9º do CPM. Trata-se, portanto, de crime praticado contra bem pertencente e administrado por órgão da Administração Pública Federal, de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88. O crime não foi praticado contra servidor do MPM nem da Justiça Militar (alínea “a”) O ilícito a ser apurado não foi cometido contra servidor do Ministério Público Militar ou da Justiça Militar. Em verdade, o evento delituoso em análise atingiu apenas a edificação em si, sem dano contra pessoa, razão pela qual a hipótese em foco não se subsume à alínea “b” do inciso III do art. 9º do CPM:

COMPETÊNCIA Latrocínio cometido contra policiais rodoviários federais que reprimiram assalto a banco

Atenção! Concursos federais

Uma quadrilha roubou um banco privado e, quando os ladrões saíam da instituição, cruzaram com uma viatura da Polícia Rodoviária Federal que passava casualmente pelo local. Os policiais perceberam que os homens estavam armados e, por isso, ordenaram que eles parassem. Houve troca de tiros. O MP denunciou os réus por latrocínio.

De quem é a competência para julgar o delito?

Justiça FEDERAL. Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de latrocínio no qual tenha havido troca de tiros com policiais rodoviários federais que, embora não estivessem em serviço de patrulhamento ostensivo, agiam para reprimir assalto a instituição bancária privada. O crime foi praticado contra policiais rodoviários federais que, diante da ocorrência de um flagrante, tinham o dever de agir. Assim, o delito foi cometido contra servidores públicos federais no exercício da função (Súmula 147 do STJ).

STJ. 5ª Turma. HC 309.914-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/4/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação adaptada em relação ao caso concreto: Uma quadrilha roubou um banco privado e, quando os ladrões saíam da instituição, cruzaram com uma viatura da Polícia Rodoviária Federal que passava casualmente pelo local. Os policiais perceberam que os homens estavam armados e, por isso, ordenaram que eles parassem. Houve troca de tiros e um policial rodoviário federal acabou morto. O Ministério Público denunciou os réus por latrocínio (art. 157, § 3º do CP). Surgiu, no entanto, uma dúvida: de quem é a competência para julgar o delito? Justiça FEDERAL. Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de latrocínio no qual tenha havido troca de tiros com policiais rodoviários federais que, embora não estivessem em serviço de patrulhamento ostensivo, agiam para reprimir assalto a instituição bancária privada. O art. 109, IV, da CF/88 prevê que compete à Justiça Federal processar e julgar “as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União”.

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 56

Assim, se um servidor público federal é vítima de um delito em razão do exercício de suas funções, tem-se que o próprio serviço público é afetado, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do enunciado 147 do STJ:

Súmula 147-STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

No caso, observa-se que, embora os policiais rodoviários federais não estivessem em serviço de patrulhamento ostensivo, possuem, como agentes policiais, o dever legal de prender em flagrante quem estiver praticando crime, nos termos do art. 301 do CPP: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Dessa forma, o certo é que era incumbência dos policiais rodoviários federais, naquele momento, reprimir a prática criminosa, motivo pelo qual não há dúvidas de que agiram no exercício de suas funções, o que revela a competência da Justiça Federal.

RECURSOS Prazo para oposição de embargos de declaração contra acórdão

que analisa astreintes impostas por juízo criminal

É de 5 dias (art. 536 do CPC/1973) – e não de 2 dias (art. 619 do CPP) – o prazo para a oposição, por quem não seja parte na relação processual penal, de embargos de declaração contra acórdão que julgou agravo de instrumento manejado em face de decisão, proferida por juízo criminal, que determinara, com base no art. 3º do CPP, o pagamento de multa diária prevista no CPC/1973 em razão de atraso no cumprimento de ordem judicial de fornecimento de informações decorrentes de quebra de sigilo no âmbito de inquérito policial.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.455.000-PR, Rel. originária Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/3/2015 (Info 559).

Imagine a seguinte situação hipotética: Durante um inquérito policial instaurado para apurar crimes relacionados com pedofilia na internet, o juiz da vara criminal determinou que o Facebook® apresentasse os dados do usuário no prazo por ele fixado, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. O CPP prevê a imposição de astreintes (multa cominatória)? Como o magistrado fundamentou sua decisão? O CPP não tem um dispositivo que trate sobre o tema. Assim, os juízes criminais, quando precisam impor obrigação de fazer com ameaça de multa cominatória, devem se valer do Código de Processo Civil, que é aplicável analogicamente aos processos criminais em caso de lacuna, nos termos do art. 3º do CPP:

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Assim, em nosso exemplo, o juiz determinou que o Facebook® apresentasse as informações exigidas, sob pena de multa diária, nos termos do art. 461, § 4º do CPC 1973 c/c art. 3º do CPP. Agravo de instrumento Contra essa decisão, o Facebook® interpôs agravo de instrumento afirmando que não tinha como fornecer as informações no prazo exigido.

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O Tribunal negou provimento ao agravo de instrumento. Agora o Facebook® deseja opor embargos de declaração contra a decisão no agravo de instrumento. Diante disso, surgiu a seguinte dúvida: qual é o prazo para os embargos de declaração neste caso? Aplica-se o prazo de 2 dias previsto no art. 619 do CPP ou incide o prazo de 5 dias trazido pelo art. 536 do CPC 1973? 5 dias. É de 5 dias (art. 536 do CPC/1973) – e não de 2 dias (art. 619 do CPP) – o prazo para a oposição, por quem não seja parte na relação processual penal, de embargos de declaração contra acórdão que julgou agravo de instrumento manejado em face de decisão, proferida por juízo criminal, que determinara, com base no art. 3º do CPP, o pagamento de multa diária prevista no CPC/1973 em razão de atraso no cumprimento de ordem judicial de fornecimento de informações decorrentes de quebra de sigilo no âmbito de inquérito policial. Diferentemente dos casos em que a matéria discutida tenha natureza induvidosamente penal – casos em que o prazo para a oposição de embargos declaratórios será de 2 dias (art. 619 do CPP), e não de 5 dias (art. 536 do CPC/1973) –, no caso em análise, várias circunstâncias indicam que o juízo criminal, ao aplicar multa cominatória ao terceiro responsável pelo fornecimento de dados decorrentes da quebra de sigilo determinada em inquérito policial, estabelece com este uma relação jurídica de natureza cível. Primeiro, porque o responsável pelo cumprimento da ordem judicial não é parte na relação processual penal, mas apenas terceiro interessado. Segundo, pois a decisão judicial foi tomada com apoio no CPC/1973, tanto assim que foi objeto de agravo de instrumento; usou, por analogia, o art. 3º do CPP, mas o fundamento da medida foi a questão das astreintes – ou seja, a cominação de multa diária por atraso no cumprimento de ordem judicial –, tema tipicamente cível. Terceiro, porquanto houve interposição de agravo de instrumento, meio de impugnação também previsto apenas na legislação processual civil. Ademais, essas circunstâncias suscitam, no mínimo, uma dúvida razoável quanto à natureza – cível ou criminal – da matéria objeto dos embargos. O que há, portanto, de solucionar a questão em discussão é a boa-fé processual da parte interessada, princípio que, aliás, está sendo ainda mais reforçado pelo Novo CPC, que o situa como norte na atuação de todos os sujeitos processuais em feitos cíveis, o que haverá de também incidir, conforme disposto no art. 3º do CPP, nos feitos criminais, mutatis mutandis. Ora, se o próprio CPP, como também o CPC/1973, permite a aceitação de um recurso por outro, como expressão do princípio da fungibilidade recursal – quando, por uma questão de interpretação, a parte interpõe um recurso por outro, ausente a má-fé –, deve-se considerar um ônus muito grande não permitir que a questão principal venha a ser analisada, por uma interpretação de que o prazo dos embargos de declaração opostos à decisão colegiada seria de dois dias e não de cinco, apenas porque a matéria teria surgido no bojo de um inquérito policial.

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EXECUÇÃO PENAL Perda dos dias remidos em razão de cometimento de falta grave

Uma das punições impostas em caso de falta grave é a perda de parte dos dias remidos, conforme previsto no art. 127 da LEP:

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.

Quando o art. 127 fala que o juiz poderá revogar até 1/3 do tempo remido, isso significa que o magistrado tem a possibilidade de, mesmo tendo sido praticada uma falta grave, deixar de revogar o tempo remido?

NÃO. A prática de falta grave impõe a decretação da perda de até 1/3 dos dias remidos, devendo a expressão “poderá”, contida no art. 127 da LEP, ser interpretada como verdadeiro PODER-DEVER do magistrado, ficando no juízo de discricionariedade do julgador apenas a fração da perda, que terá como limite máximo 1/3 dos dias remidos.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.430.097-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 19/3/2015 (Info 559).

REMIÇÃO O art. 126 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) estabelece:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

O art. 126 da LEP trata, portanto, da remição (ato de remir). Remição é... - o direito que possui o condenado ou a pessoa presa cautelarmente - de reduzir o tempo de cumprimento da pena, - mediante o abatimento - de 1 dia de pena a cada 12 horas de estudo ou - de 1 dia de pena a cada 3 dias de trabalho. É uma forma de estimular e premiar o condenado para que ocupe seu tempo com uma atividade produtiva (trabalho ou estudo), servindo ainda como forma de ressocialização e de preparação do apenado para que, quando termine de cumprir sua pena, possa ter menos dificuldades de ingressar no mercado de trabalho. O tempo remido será considerado como pena cumprida para todos os efeitos (art. 128). Obs.: a remição de que trata a LEP é com “ç” (remição). Remissão (com “ss”) significa outra coisa, qual seja, perdão, renúncia etc., sendo muito utilizada no direito civil (direito das obrigações) para indicar o perdão do débito. PERDA DOS DIAS REMIDOS PELA PRÁTICA DE FALTA GRAVE E FUNDAMENTAÇÃO Uma das punições impostas em caso de falta grave é a perda de parte dos dias remidos, conforme previsto no art. 127 da LEP:

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.

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Quando o art. 127 fala que o juiz PODERÁ revogar até 1/3 do tempo remido, isso significa que o magistrado tem a possibilidade de, mesmo tendo sido praticada uma falta grave, deixar de revogar o tempo remido? A revogação do tempo remido é uma faculdade do juiz? Ele pode deixar de fazê-lo? NÃO. A prática de falta grave impõe a decretação da perda de até 1/3 dos dias remidos, devendo a

expressão “poderá”, contida no art. 127 da Lei n. 7.210/84, ser interpretada como verdadeiro poder-dever do magistrado. Assim, se ficar constatado que o apenado praticou a falta grave, é dever do magistrado decretar a perda dos dias remidos. O juiz terá, no entanto, discricionariedade para escolher a fração da perda, que terá como limite máximo 1/3 dos dias remidos. Ex: o magistrado poderá aplicar a perda de apenas 1/5 dos dias remidos se entender que, mesmo a apenado tendo praticado falta grave, as demais circunstâncias são favoráveis a ele. Vale ressaltar que para aplicar a perda dos dias remidos na fração máxima de 1/3, é necessário que o juiz fundamente concretamente sua decisão (STJ. 6ª Turma. HC 282.265-RS, Rel. Min. Rogerio Shietti Cruz, julgado em 22/4/2014. Info 539).

DIREITO PENAL / PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Competência para apreciar quebra de sigilo em investigação de crime de uso de artefato

incendiário contra prédio da Justiça Militar da União

Foi jogado um artefato incendiário contra o prédio da Justiça Militar da União em Porto Alegre/RS, tendo sido atingido apenas o muro do edifício, sem lesionar ninguém. A Polícia Federal instaurou um inquérito policial para apurar o fato e, como a autoria ainda estava incerta, mostrou-se necessário pedir a quebra de sigilo telefônico de um dos investigados.

Quem é competente para autorizar essa quebra, a Justiça Militar ou a Justiça Federal comum?

Justiça Federal comum. Compete à Justiça Federal (é não à Justiça Militar) decidir pedido de quebra de sigilo telefônico requerido no âmbito de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática de crime relacionado ao uso de artefato incendiário contra o edifício-sede da Justiça Militar da União, quando o delito ainda não possua autoria estabelecida e não tenha sido cometido contra servidor do Ministério Público Militar ou da Justiça Militar.

STJ. 3ª Seção. CC 137.378-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2015 (Info 559).

Veja os comentários em Direito Processual Penal.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI Aquisição de veículo com isenção de IPI por pessoa com necessidades especiais

que teve o seu veículo roubado

Se uma pessoa que seja portadora de necessidades especiais for adquirir um automóvel, ela não precisará pagar o IPI sobre o veículo comprado. Isso fará com que o preço por ela pago seja menor. Essa isenção está prevista no art. 1º da Lei 8.989/95.

Vale ressaltar, no entanto, que essa isenção somente poderá ser utilizada uma vez a cada 2 anos, conforme determina o art. 2º.

Imagine, no entanto, que uma pessoa portadora de necessidades especiais comprou o carro com isenção de IPI e, alguns meses depois, ele é roubado. Ela poderá comprar novo veículo com isenção mesmo não tendo ainda se passado o prazo de 2 anos?

SIM. A isenção de IPI para aquisição de automóvel por pessoa com necessidades especiais poderá ser novamente concedida antes do término do prazo de 2 anos contado da aquisição se o veículo vier a ser roubado durante esse período.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.390.345-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/3/2015 (Info 559).

Isenção de IPI para pessoas portadoras de necessidades especiais IPI é a sigla para Imposto sobre Produtos Industrializados. Trata-se de um tributo federal que incide sobre a produção e a circulação de produtos industrializados. Se uma pessoa que seja portadora de necessidades especiais for adquirir um automóvel, ela não precisará pagar o IPI sobre o veículo comprado. Isso fará com que o preço por ela pago seja menor. Essa isenção

está prevista no art. 1º da Lei n. 8.989/95:

Art. 1º Ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos por: (...) IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;

Cota de um carro a cada dois anos A fim de evitar fraudes, a Lei previu que a isenção do IPI de que trata o art. 1º somente poderá ser utilizada uma vez a cada 2 anos (art. 2º). Situação concreta: João (portador de necessidades especiais) adquiriu um veículo para uso próprio utilizando a isenção de IPI

de que trata o art. 1º da Lei n. 8.989/95. Ocorre que, seis meses depois, seu carro foi roubado e nunca mais recuperado. Diante disso, ele tentou comprar outro veículo utilizando novamente a isenção de IPI, mas a Receita Federal não permitiu alegando que ainda não havia se passado o prazo de 2 anos de que trata o art. 2º. Agiu corretamente o Fisco? NÃO. A isenção de IPI para aquisição de automóvel por pessoa com necessidades especiais (art. 1º, IV, da Lei 8.989/1995) poderá ser novamente concedida antes do término do prazo de 2 anos contado da aquisição (art. 2º) se o veículo vier a ser roubado durante esse período.

O art. 2º da Lei n. 8.989/95 deve ser interpretado de maneira a satisfazer o caráter humanitário da política

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fiscal, primando pela inclusão das pessoas com necessidades especiais e não restringindo seu acesso.

A orientação do STJ é que a Lei n. 8.989/95 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais (REsp 567.873-MG, DJ 25/2/2004).

Assim, cabe, na situação em análise, afastar a limitação temporal do art. 2º da Lei n. 8.989/95, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e em razão de motivo de força maior.

DIREITO INTERNACIONAL

CONVENÇÃO DE HAIA Relação de prejudicialidade externa entre ação fundada na Convenção de Haia e ação de guarda

No caso em que criança tenha sido supostamente retida ilicitamente no Brasil por sua genitora, não haverá conflito de competência entre (a) o juízo federal no qual tramite ação tão somente de busca e apreensão da criança ajuizada pelo genitor com fundamento na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e (b) o juízo estadual de vara de família que aprecie ação ajuizada pela genitora na qual se discuta o fundo do direito de guarda e a regulamentação de visitas à criança; verificando-se apenas prejudicialidade externa à ação ajuizada na Justiça Estadual, a recomendar a suspensão deste processo até a solução final da demanda ajuizada na Justiça Federal.

STJ. 2ª Seção. CC 132.100-BA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 25/2/2015 (Info 559).

Convenção de Haia O Brasil é signatário da “Convenção Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” (Convenção de Haia), que vige em nosso país desde o dia 1º de janeiro de 2000 por força do Decreto 3.413/2000. Segundo o artigo 1º, esta Convenção tem por objetivo: a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. Em simples palavras, esta Convenção foi assinada para facilitar a devolução de crianças que tenham sido levadas ilicitamente de um país para o outro ou que tenham sido levadas licitamente, mas que não tenham retornado no período certo. Antes desta Convenção, este procedimento era muito difícil porque envolvia o Poder Judiciário de dois países soberanos distintos, além do que as pessoas que haviam levado a criança normalmente propunham no país onde ela passou a morar uma ação para regularizar a guarda do infante. Procedimento da Convenção Vamos resumir o procedimento previsto na Convenção de Haia com um exemplo. Vale ressaltar que não serão abordadas peculiaridades e que, se você quiser aprofundar o assunto, deverá ler o Decreto 3.413/2000. Criança “A” é levada ilicitamente dos EUA para o Brasil.

Informativo 559-STJ (06/04 a 16/04/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 62

O pai de “A”, que detinha o direito de guarda segundo as leis estadunidenses, comunica o fato à Autoridade Central dos EUA. Esta entra em contato com a Autoridade Central do Brasil. A chamada “Autoridade Central” é o órgão designado pela lei do país para dar aplicabilidade à Convenção de Haia. No Brasil, é a Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH. A Autoridade Central do Brasil (SEDH), comunicada pela Autoridade Central dos EUA tenta localizar a criança e fazer o seu retorno de forma voluntária (amigável). Não sendo possível, a SEDH encaminha o caso à Advocacia-Geral da União (AGU) para que esta promova, representando a União, ação judicial de busca, apreensão e restituição da criança ao país de onde veio. Esta ação é de competência da Justiça Federal de 1ª instância (art. 109, I e III, da CF/88). O Artigo 13 da Convenção estabelece que o Poder Judiciário não é obrigado a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha provar: i. que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a criança nos EUA (em nosso exemplo)

não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

ii. que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial pode também recusar-se a ordenar o retorno se verificar que a criança não quer mais retornar e que já atingiu idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Ao apreciar estas circunstâncias referidas neste Artigo 13, o Poder Judiciário deverá levar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pelas autoridades competentes brasileiras. De acordo com o Artigo 17, o simples fato de ter sido obtida uma decisão de guarda no Brasil não poderá servir de base para justificar a recusa de fazer retornar a criança aos EUA, mas o Poder Judiciário brasileiro poderá levar em consideração os motivos dessa decisão na aplicação da Convenção. Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: Charlie (estadunidense) era casado com Beatriz (brasileira) e dessa união nasceu Lucas, nos EUA, onde moravam. O relacionamento não ia muito bem e determinado dia Beatriz disse para Charlie que gostaria de ir ao Brasil para participar do casamento de seu irmão, oportunidade em que iria apresentar Lucas para o restante da família. O pai autorizou, então, a vinda do filho menor, acompanhado da mãe, para o Brasil, com o compromisso de que 15 dias depois eles voltariam aos EUA. Ocorre que Beatriz não mais retornou aos EUA com o filho e, ato contínuo, ajuizou ação de guarda c/c regulamentação de visitas, por meio da qual pediu a guarda exclusiva do menor, oferecendo direito de visitas ao pai. Este processo tramita na Vara de Família da Justiça Estadual de Salvador (BA). Charlie, quando viu que ela não iria mais retornar, acionou a Autoridade Central dos Estados Unidos para aplicação da Convenção de Haia, o que culminou na propositura de ação de busca e apreensão de menor com fundamento na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Este processo tramita na Vara Federal da Seção Judiciária de Salvador (BA).

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Temos, portanto, uma ação fundada na Convenção de Haia tramitando na Justiça Federal e uma ação de guarda sendo processada na Justiça Estadual. Diante disso, indaga-se: há conflito positivo de competência neste caso? NÃO. No caso em que criança tenha sido supostamente retida ilicitamente no Brasil por sua genitora, não haverá conflito de competência entre (a) o juízo federal no qual tramite ação tão somente de busca e apreensão da criança ajuizada pelo genitor com fundamento na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e (b) o juízo estadual de vara de família que aprecie ação, ajuizada pela genitora, na qual se discuta o direito de guarda e a regulamentação de visitas à criança. Não há conflito de competência nesta hipótese porque cada juízo esta apreciando questão distinta do outro. Objetivo da ação baseada na Convenção de Haia O objetivo da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças é repor à criança seu status quo, preservando o foro do país de sua residência habitual como o competente para julgar pedido de guarda, por configurar o juízo natural onde se pressupõe sejam melhor discutidas as questões a ela referentes e mais fácil a colheita de provas (art. 1°). A própria Convenção determina que a guarda e regulamentação do direito de visitas não deve ser decidida na ação de busca e apreensão de criança retida ilicitamente no território nacional. Confira:

Art. 16. Não podem as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança foi ilicitamente levada ou esteja retida, tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda, após ciência da transferência ou retenção ilícitas e antes de resolvido o pedido de restituição. Art. 17. A existência de decisão relativa à guarda não poderá servir de base para justificar a recusa de fazer retornar a criança ao país de origem, podendo, apenas, sua motivação ser levada em consideração pelo juiz que apreciará o pedido de devolução da criança. Art. 19. Qualquer decisão sobre o retorno da criança não afeta os fundamentos do direito de guarda.

Assim, esses arts. 16, 17 e 19 da referida convenção evidenciam que a competência para a decisão sobre a guarda da criança não é do juízo que vai decidir a medida de busca e apreensão da criança. Em outras palavras, o juízo federal que aprecia a ação de busca e apreensão não irá examinar quem tem direito à guarda, mas tão somente se é devida ou não a restituição. Se o juízo federal deferir a restituição da criança ao país de origem, lá (na Justiça norte-americana) é que se decidirá a respeito do direito de guarda e regulamentação de visitas. Por outro lado, caso seja indeferido o pleito de restituição, a decisão sobre a guarda será do Juízo da Vara de Família no Brasil. Relação de prejudicialidade externa Apesar de não haver conflito de competência, existe sim uma relação entre essas demandas. Trata-se de uma relação de prejudicialidade externa. Isso porque se o juízo federal decidir que é devida a restituição, quem irá decidir sobre o fundo do direito de guarda é a Justiça norte-americana. A justiça brasileira (no caso, vara de família de Salvador) somente irá decidir sobre o fundo do direito de guarda se a Justiça Federal julgar improcedente o pedido de restituição baseado na Convenção de Haia. Portanto, a aludida ação de busca e apreensão de criança apresenta-se como uma prejudicialidade externa à ação de guarda e regulamentação de visitas proposta na Justiça Estadual.

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Havendo essa relação de prejudicialidade externa, o que o juízo da vara de família deverá fazer? Recomenda-se que ele suspenda o processo, nos termos do art. 265, IV, “a”, do CPC 1973 (art. 313, V, “a”, do CPC 2015):

Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Art. 313. Suspende-se o processo: (...) V - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Tema polêmico Vale ressaltar que o próprio Ministro Relator reconheceu que existem três precedentes recentes do STJ que decidiram pela competência da Justiça Federal para o julgamento das causas que tramitavam na Justiça Estadual (CC 100.345-RJ, Segunda Seção, DJe 18/3/2009; CC 118.351-PR, Segunda Seção, DJe 5/10/2011; e CC 123.094-MG, Segunda Seção, DJe 14/2/2014). Desse modo, o tema é ainda de certa forma polêmico. Entretanto, em provas, fique com este último entendimento.

JULGADOS NÃO COMENTADOS

DIREITO ADMINISTRATIVO. LIMITE TEMPORAL PARA APLICAÇÃO DO REAJUSTE SALARIAL DE 3,17% CONCEDIDO A SERVIDORES PÚBLICOS DO MAGISTÉRIO SUPERIOR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 804. O pagamento do reajuste de 3,17% está limitado à data da reestruturação ou reorganização da carreira, nos termos do art. 10 da Medida Provisória 2.225-45/2001, não configurando tal marco o advento da Lei 9.678, de 3 de julho de 1998, que estabeleceu a Gratificação de Estímulo à Docência – GED, uma vez que esse normativo não reorganizou ou reestruturou a carreira dos servidores públicos do magistério superior lotados em instituições de ensino dos Ministérios da Educação e da Defesa. REsp 1.371.750-PE, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 25/3/2015, DJe 10/4/2015.

DIREITO CIVIL. DEVER DE RETRANSMISSÃO POR TELEVISÃO A CABO DA PROGRAMAÇÃO E SINAL GERADOS POR EMISSORA LOCAL. A empresa de TV a cabo, ao distribuir os canais básicos de utilização gratuita, deve veicular os sinais de radiodifusão e imagens gerados pelas emissoras locais afiliadas regionais de emissora nacional que tenham programação própria. Isso porque o art. 23, I, “a”, da Lei 8.977/1995 dispõe que a operadora de TV a cabo, na sua área de prestação do serviço, deverá tornar disponíveis canais destinados à distribuição obrigatória, integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação, da programação das emissoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em VHF ou UHF, abertos e não codificados, cujo sinal alcance a área do serviço de TV a Cabo e apresente nível técnico adequado, conforme padrões estabelecidos pelo Poder Executivo. De acordo com a doutrina, a “Lei do Cabo é a única que obriga as operadoras locais a oferecerem aos seus assinantes canais abertos de emissora Geradora local, com programação que tiver condições técnicas de ser veiculada na localidade onde é oferecido o cabo.” Ressalta ainda que “somente são oferecidos os canais abertos de emissora Geradora local que são captados na comunidade onde é oferecida a assinatura do cabo. Assim, se na localidade não houver Geradoras tal obrigação não existe. Tal

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obrigação é específica da operação de cabo e não pode ser estendida as demais”. É certo que existem estações meramente retransmissoras, mas muitas TVs locais atuam também como geradoras de programas, já que as emissoras nacionais abrem espaço na grade de programação para produção local de telejornais, programas regionais e publicidade nos intervalos comerciais. Mesmo que esses espaços sejam diminutos, ainda assim, se existentes, está caracterizada a geração de sinais. Assim, a operadora de TV a cabo deve disponibilizar para seus assinantes o sinal gerado pela emissora local, com a inserção de programas e publicidades locais, visto que a finalidade da lei é preservar a cultura e interesses locais. REsp 1.234.153-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 7/4/2015, DJe 13/4/2015.