napoleao stendhal

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Napoleão e a Campanha da Itália 1 Quando Napoleão Bonaparte assumiu o comando do "Exército da Itália", em março de 1796, suas tropas estavam distendidas ao longo da Riviera genovesa, enquanto sus adversários austríacos e sardo-piemonteses ocupavam os passos montanhosos que permitiam o acesso às planícies. O plano de Bonaparte estabelecia o desencadeamento de duas ações convergentes, através das montanhas, contra a fortaleza do Ceva e, em seguida, com o acesso ao Piemonte assegurado, intimidar seu governo e obrigá-lo a uma paz em separado, pela ameaça de uma investida sobre Turim. Contava que as forças austríacas ainda estivessem em seus quartéis de inverno embora tivesse planejado, caso elas se movimentassem para se reunirem aos seus aliados, a realização de uma ação diversionária sobre Acqui, para obrigá-las a uma retirada para nordeste. Foi mais por sorte do que por outra coisa que Bonaparte obteve a vantagem inicial de separar os dois exércitos. A oportunidade foi criada por uma iniciativa dos austríacos, que deram um salto à frente para ameaçar o flanco direito dos franceses e antecipar-se a qualquer avanço seu sobre Gênova. Bonaparte respondeu a essa ameaça executando um golpe curto sobre o ponto de "junção" do dispositivo ofensivo austríaco, embora dois outros mais fossem necessários para que o inimigo aceitasse o revés e recuasse na direção de Acqui. Entrementes o grosso do exército francês avançava sobre Ceva. A temerária tentativa de Bonaparte, em 16 de abril, de tomar essa cidade com um ataque direto, resultou em fracasso. Planejou ele, então, uma manobra envolvente para ser realizada no dia 18, ao mesmo tempo que mudava sua linha de comunicações para uma direção que estivesse a coberto da interferência austríaca. Os piemonteses, porém, abandonaram a fortaleza antes que o novo ataque fosse desencadeado. Perseguindo-os, Bonaparte sofreu novo e dispendioso revés ao tentar outro assalto direto contra uma das posições de retardamento organizadas pelo inimigo. Entretanto, com seu lance seguinte, investiu contra ambos os flancos da posição inimiga, obrigando os piemonteses a procurarem as planícies. Aos olhos do governo piemontês, a ameaça a Turim era tão evidente que não comportava mais que se contasse com o auxílio dos austríacos, que tinham prometido acorrer em seu auxílio utilizando, entretanto, um itinerário bem mais longo do que o de 1 Este breve ensaio tem como referência a obra de Stendhal. (STENDHAL. Napoleão. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.)

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Apresentação de Stendhal; Contexto da obra; descrição da Vida de Napoleão; análise da obra; a sociedade da época; Napoleão e a Campanha da Itália

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  • Napoleo e a Campanha da Itlia1

    Quando Napoleo Bonaparte assumiu o comando do "Exrcito da Itlia", em

    maro de 1796, suas tropas estavam distendidas ao longo da Riviera genovesa, enquanto

    sus adversrios austracos e sardo-piemonteses ocupavam os passos montanhosos que

    permitiam o acesso s plancies.

    O plano de Bonaparte estabelecia o desencadeamento de duas aes

    convergentes, atravs das montanhas, contra a fortaleza do Ceva e, em seguida, com o

    acesso ao Piemonte assegurado, intimidar seu governo e obrig-lo a uma paz em

    separado, pela ameaa de uma investida sobre Turim. Contava que as foras austracas

    ainda estivessem em seus quartis de inverno embora tivesse planejado, caso elas se

    movimentassem para se reunirem aos seus aliados, a realizao de uma ao

    diversionria sobre Acqui, para obrig-las a uma retirada para nordeste.

    Foi mais por sorte do que por outra coisa que Bonaparte obteve a vantagem

    inicial de separar os dois exrcitos. A oportunidade foi criada por uma iniciativa dos

    austracos, que deram um salto frente para ameaar o flanco direito dos franceses e

    antecipar-se a qualquer avano seu sobre Gnova. Bonaparte respondeu a essa ameaa

    executando um golpe curto sobre o ponto de "juno" do dispositivo ofensivo austraco,

    embora dois outros mais fossem necessrios para que o inimigo aceitasse o revs e

    recuasse na direo de Acqui.

    Entrementes o grosso do exrcito francs avanava sobre Ceva. A temerria

    tentativa de Bonaparte, em 16 de abril, de tomar essa cidade com um ataque direto,

    resultou em fracasso. Planejou ele, ento, uma manobra envolvente para ser realizada no

    dia 18, ao mesmo tempo que mudava sua linha de comunicaes para uma direo que

    estivesse a coberto da interferncia austraca. Os piemonteses, porm, abandonaram a

    fortaleza antes que o novo ataque fosse desencadeado. Perseguindo-os, Bonaparte

    sofreu novo e dispendioso revs ao tentar outro assalto direto contra uma das posies

    de retardamento organizadas pelo inimigo. Entretanto, com seu lance seguinte, investiu

    contra ambos os flancos da posio inimiga, obrigando os piemonteses a procurarem as

    plancies.

    Aos olhos do governo piemonts, a ameaa a Turim era to evidente que no

    comportava mais que se contasse com o auxlio dos austracos, que tinham prometido

    acorrer em seu auxlio utilizando, entretanto, um itinerrio bem mais longo do que o de

    1 Este breve ensaio tem como referncia a obra de Stendhal. (STENDHAL. Napoleo. So Paulo:

    Boitempo Editorial, 2001.)

  • que dispunham os franceses. O "equilbrio estava rompido" e seus efeitos psicolgicos

    dispensaram a necessidade de qualquer outra ao fsica, forando-os ao armistcio e,

    em consequncia, retirando-os do campo de luta.

    Embora, caso tivesse que investir sobre os austracos isolados, contasse com

    uma superioridade de 35.000 para 25.000 homens, precisava no marchar diretamente

    contra eles. No dia seguinte ao do armistcio com o Piemonte, Bonaparte j havia

    escolhido Milo como seu prximo objetivo e a rota de Tortona a Piacenza como a

    melhor para atingir sua retaguarda. Depois de induzir os austracos a uma concentrao

    em Valenza, de onde poderiam opor-se ao seu esperado avano para o nordeste,

    marchou para leste, ao longo da margem sul do rio P e, assim, ao chegar a Piacenza,

    havia contornado todas as posies nas quais os austracos lhe poderiam oferecer

    resistncia.

    Para obter essa vantagem no teve escrpulos de violar a neutralidade do ducado

    de Parma, em cujo territrio ficava Piacenza, calculando que l poderia encontrar barcos

    e um sistema de transporte fluvial organizado que lhe permitisse compensar sua falta de

    equipamento adequado para a travessia de cursos d'gua. Contudo, esse desrespeito pelo

    direito dos neutros foi vantajosamente imitado pelo inimigo, pois, quando Bonaparte,

    infletindo para o norte, cortou a retaguarda dos austracos, estes decidiram retirar-se sem

    perda de tempo, atravs do territrio veneziano e assim escapar destruio, seguindo o

    exemplo que tiveram de desrespeito s leis da guerra. Antes que pudessem utilizar o

    Adda, como obstculo para evitar a retirada dos austracos, esses j estavam fora de seu

    alcance sob a proteo de Mntua e do seu famoso quadriltero de fortalezas.

    Diante dessas duras realidades o sonho de Napoleo de invadir a ustria em um

    ms, desvaneceu-se. Principalmente porque o Diretrio, cada vez mais preocupado com

    os riscos da manobra e com os limitados recursos que possua, lhe ordenou que

    marchasse para Livorno e "evacuasse", em seu retorno, os quatro Estados neutros que

    encontraria em seu caminho, expresso essa que, na poca, significava saque. Com esse

    processo a Pennsula Itlica foi despojada em tal escala que jamais recuperou seu estado

    anterior de prosperidade.

    Esta determinao para que adiasse a tentativa de concretizar seu sonho de longa

    data permitiu-lhe, contando com a ajuda do inimigo, ajustar os meios de que dispunha

    aos fins a que se propunha e no momento em que o equilbrio de foras de que

    necessitava se tornasse realidade, passar ao com novas possibilidades de xito. Mais

    pela fora das circunstncias do que pela vontade de Bonaparte, Mntua tornou-se a isca

  • que atraiu sucessivamente foras de socorro austracas para longe de suas bases e para

    as garras do comandante francs. significativo, porm, o fato de Napoleo nunca ter

    procurado se instalar defensivamente, conforme costume do general tradicional, mas

    haver conservado sempre suas foras articuladas em agrupamentos independentes

    mveis, em condies de serem concentrados com rapidez sobre qualquer objetivo.

    Na primeira tentativa austraca de socorro, o mtodo empregado por Bonaparte

    foi ameaado em sua eficincia pela sua relutncia em abandonar o cerco de Mntua e

    s quando se desprendeu dessa ncora que pde utilizar toda a mobilidade de que era

    capaz para derrotar os austracos em Castiglione.

    Quando Bonaparte recebeu ordens do Diretrio para avanar pelo Tirole

    cooperar com o exrcito principal do rio Reno, os austracos aproveitaram-se desse

    movimento de natureza direta para deslocarem o grosso de suas foras para leste,

    atravs do Vai Sugana, descendo a plancie veneziana e, em seguida, para oeste com o

    propsito de socorrer Mntua. Entretanto, em lugar de prosseguir para o norte ou de

    recuar em defesa de Mntua, Bonaparte iniciou cerrada perseguio aos austracos,

    pelas montanhas, respondendo, assim, a sua ao indireta com outra direta, que tinha

    um objetivo mais definido e imediato que o do adversrio. Em Bassano apanhou a

    retaguarda inimiga e esmagou metade do exrcito austraco. E, ao descer para a plancie,

    em perseguio da outra metade, procurou evitar que se deslocassem para Trieste e

    cortar suas comunicaes com a ustria, no se incomodando que se dirigissem para

    Mntua. Assim as foras austracas aumentavam, ainda mais, seu cofre-forte em

    Mntua, e a imobilizao de to grande parte de seu capital militar obrigava a ustria a

    novas despesas.

    Segundo Stendhal os austracos no aprendiam com suas derrotas e cometiam os

    mesmos erros. Seus generais eram velhos e fiis ao antigo sistema de guerra,

    dispersavam suas tropas em pequenos destacamentos diante de um homem que agia em

    massa. Uma nova ttica era mais necessria aos austracos que ao exrcito francs,

    cheio de entusiasmo pela liberdade, de orgulho militar e de confiana em seu chefe,

    capaz de rasgos quase inacreditveis de bravura e audcia.

    Ainda desta vez, e no foi a ltima, o carter direto da ttica de Bonaparte

    voltara a pr em perigo o bem sucedido carter indireto de sua estratgia. Quando os

    exrcitos de Alvinzi e Davidovich convergiam sobre Verona, ponto-chave para a

    proteo de Mntua, Bonaparte lanou-se contra o primeiro, que era o mais forte,

    sofrendo um severo rechao em Caldiero. Entretanto, em lugar de retirar-se, preferiu

  • executar, ousadamente, ampla manobra de desbordamento do flanco sul e da retaguarda

    do exrcito de Alvintzi.

    Sua preocupao durante a realizao dessa operao pode ser sentida em uma

    carta escrita ao Diretrio: "A fraqueza e o esgotamento do exrcito levam-me a esperar

    o pior. Estamos talvez nas vsperas de perder a Itlia." Os retardamentos provocados

    pelos pntanos e pelos cursos d'gua aumentaram o risco da manobra mas, tambm,

    perturbaram o plano inimigo de concentrar-se sobre seu exrcito, que se supunha estar

    em Verona. Enquanto Alvinzi girava sobre si prprio para enfrent-lo, Davidovich

    permanecia inativo. Mesmo assim, Bonaparte ainda encontrou grandes dificuldades para

    vencer a superioridade numrica de Alvinzi. Quando a sorte da batalha em Arcole ainda

    estava indecisa, Bonaparte recorreu a um ardil ttico, coisa que no era comum ao seu

    temperamento, fazendo enviar alguns corneteiros retaguarda do inimigo com ordem de

    tocar "carga". Poucos minutos depois as tropas austracas estavam em fuga.

    Dois meses depois, em janeiro de 1797, os austracos fizeram uma quarta e

    ltima tentativa para salvar Mntua, que foi anulada em Rivoli, onde a formao aberta

    de Bonaparte funcionou quase com perfeio. Como uma rede estendida, com seus

    cantos presos por pedras, quando uma das colunas inimigas nela se introduzia a rede se

    fechava em torno do ponto de presso e as pedras batiam juntas contra o invasor.

    Essa formao autoprotetora que, ao receber um impacto, se transformava em

    formao ofensiva concentrada, foi o aperfeioamento que Bonaparte deu ao novo

    sistema divisionrio, pelo qual o exrcito ficava permanentemente dividido em fraes

    mveis independentes, em lugar de, como anteriormente, constituir um corpo nico, do

    qual eram tirados ocasionalmente pequenos destacamentos. As formaes grupadas das

    campanhas de Bonaparte na Itlia transformaram-se, nas suas ltimas guerras, nos

    "bataillons carrs", mais aperfeioados, com os corpos de exrcito substituindo as

    divises.

    Embora em Rivoli esta rede assim preparada tivesse servido para esmagar a ala

    de manobra austraca, deve-se notar que foi a ousadia de Bonaparte, ao enviar um nico

    regimento de 2.000 homens, que atravessou o lago de Garda em barcos, para colocar-se

    retaguarda do exrcito inimigo, que determinou o colapso do adversrio. Mntua

    rendeu-se a seguir e os austracos, que tinham j perdido diversos exrcitos na tentativa

    de defender este porto externo de acesso ao seu pas, viram-se obrigados a contemplar,

    impotentes, Bonaparte aproximar-se rapidamente da indefesa porta interna. Essa ameaa

  • forou a ustria a pedir a paz logo que os principais exrcitos franceses foram

    assinalados a algumas milhas alm do Reno.

    E Em 1797 os austracos e negociam a paz, concluindo a assinatura do Tratado

    de Campofrmio, em 17 de outubro, que estipulava que a Frana poderia conservar os

    territrios conquistados na Itlia. Esses territrios viriam a ser utilizados posteriormente

    para negociar com o papado, vindo a constituir o reino do Vaticano, quando da coroao

    de Napoleo como Imperador. Por fim recebe do Diretrio o comando do Exrcito da

    Inglaterra, em dezembro.

    Hobsbawm em A Era das Revolues afirma que para alm de dispersar a

    oposio o exrcito foi soluo para impopularidade do regime. Ele reteve as

    caractersticas da Revoluo e adquiriu as caractersticas do interesse estabelecido, a

    tpica mistura bonapartista.. Que podia ser vista no exrcito composto quase que

    exclusivamente de jovens extremamente patriotas, como afirma Stendhal.

    Para Hobsbawm como para Stendhal Napoleo como homem era

    inquestionavelmente muito brilhante, verstil, inteligente e imaginativo e como general

    no teve igual. Porm, no que tange organizao improvisada, mobilidade,

    flexibilidade e acima de tudo pura coragem ofensiva e moral de luta, os franceses no

    tinham rivais. Estas vantagens no dependiam do gnio militar de ningum, pois o saldo

    militar de franceses antes de Napoleo era bastante impressionante, e a qualidade mdia

    do generalato francs no era excepcional. Mas sim deve ter em parte dependido do

    rejuvenescimento dos quadros militares franceses dentro e fora do pas.