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1082 NA REGIÃO DA CAMPANHA OU NAS CAPITAIS DE PROVÍNCIA: A ATUAÇÃO DA FAMÍLIA ASSIS BRASIL NA PROPAGANDA REPUBLICANA (1881-1889) TASSIANA MARIA PARCIANELLO SACCOL Mestranda do PPG em História da PUCRS – Bolsista CNPq E-mail: [email protected] Resumo Este texto apresenta uma reflexão acerca da atuação política da família Assis Brasil na propaganda republicana (década de 1880). Partimos do pressuposto de que seus membros compartilhavam um projeto que visava, de diferentes maneiras, intervir na política, a fim de conquistar alguns recursos e benefícios para a casa. No interior deste projeto, cada membro da família exercia um papel específico, tendo alguns dos irmãos Assis Brasil atuado local e regionalmente, enquanto outros atuaram também em grandes capitais como São Paulo e Ouro Preto. Percebe-se ainda a existência de uma tendência a diversificação profissional do núcleo familiar, a fim de ocupar de diferentes espaços e tornar possível o estabelecimento de alguns laços e redes de relacionamento, o que acabava por aproximar o modelo de atuação das famílias republicanas ao das famílias de elite mais tradicionais da província. Palavras-chave: Família – Assis Brasil – Propaganda Republicana. Nos últimos anos, a importância política da família no século XIX tem sido objeto de vários estudos. Em se tratando de elites, vários trabalhos tem demonstrado a existência de uma tendência a diversificação profissional do núcleo familiar, bem como a importância do estabelecimento de redes de relacionamentos que tornavam possível tanto o acesso quanto a permanência destas famílias no poder. 1 No caso da província do Rio Grande do Sul, o modelo de atuação política das famílias de elite monarquistas já foi investigado por Vargas (2010), entretanto, uma análise mais aprofundada dos núcleos familiares republicanos ainda não foi realizada. Logo, este texto propõe uma reflexão sobre a atuação política das famílias republicanas, partindo de uma análise das ações coletivas da família Assis Brasil na década de 1880, tanto na região da campanha quanto em duas capitais conhecidas por serem fortes redutos republicanos (São Paulo e Ouro Preto). Para isso, procuraremos demonstrar alguns dos detalhes de sua organização interna, ressaltando a atribuição de diferentes papéis entre seus membros, de como a família se colocava politicamente e geria suas principais atividades. Dentre as pesquisas relativas ao movimento republicano na província, destacou- se majoritariamente a atuação de seus principais líderes, partindo de uma análise de suas performances isoladamente, sem conferir atenção à importância dos projetos familiares compartilhados, bem como dos investimentos coletivos destas famílias na política. De tal modo, negligenciou-se, por exemplo, a atuação de personagens tais como Carlos Nunes Ribeiro, irmão de Demétrio Ribeiro; Francisco e Carlos de Castilhos, irmãos de Júlio de Castilhos; e muitos outros indivíduos e famílias praticamente desconhecidos, mas que, podem ser trazidos a luz através da leitura de fontes como os Livros de Atas dos Clubes 1 A maioria das investigações tem se pautado em uma abordagem que parte do ponto de vista de autores como IMÍZCOZ (2004).

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NA REGIÃO DA CAMPANHA OU NAS CAPITAIS DE PROVÍNCIA: A ATUAÇÃO DA FAMÍLIA ASSIS BRASIL NA PROPAGANDA

REPUBLICANA (1881-1889)

Tassiana Maria Parcianello saccol

Mestranda do PPG em História da PUCRS – Bolsista CNPqE-mail: [email protected]

Resumo

Este texto apresenta uma reflexão acerca da atuação política da família Assis Brasil na propaganda republicana (década de 1880). Partimos do pressuposto de que seus membros compartilhavam um projeto que visava, de diferentes maneiras, intervir na política, a fim de conquistar alguns recursos e benefícios para a casa. No interior deste projeto, cada membro da família exercia um papel específico, tendo alguns dos irmãos Assis Brasil atuado local e regionalmente, enquanto outros atuaram também em grandes capitais como São Paulo e Ouro Preto. Percebe-se ainda a existência de uma tendência a diversificação profissional do núcleo familiar, a fim de ocupar de diferentes espaços e tornar possível o estabelecimento de alguns laços e redes de relacionamento, o que acabava por aproximar o modelo de atuação das famílias republicanas ao das famílias de elite mais tradicionais da província.

Palavras-chave: Família – Assis Brasil – Propaganda Republicana.

Nos últimos anos, a importância política da família no século XIX tem sido objeto de vários estudos. Em se tratando de elites, vários trabalhos tem demonstrado a existência de uma tendência a diversificação profissional do núcleo familiar, bem como a importância do estabelecimento de redes de relacionamentos que tornavam possível tanto o acesso quanto a permanência destas famílias no poder.1

No caso da província do Rio Grande do Sul, o modelo de atuação política das famílias de elite monarquistas já foi investigado por Vargas (2010), entretanto, uma análise mais aprofundada dos núcleos familiares republicanos ainda não foi realizada. Logo, este texto propõe uma reflexão sobre a atuação política das famílias republicanas, partindo de uma análise das ações coletivas da família Assis Brasil na década de 1880, tanto na região da campanha quanto em duas capitais conhecidas por serem fortes redutos republicanos (São Paulo e Ouro Preto). Para isso, procuraremos demonstrar alguns dos detalhes de sua organização interna, ressaltando a atribuição de diferentes papéis entre seus membros, de como a família se colocava politicamente e geria suas principais atividades.

Dentre as pesquisas relativas ao movimento republicano na província, destacou-se majoritariamente a atuação de seus principais líderes, partindo de uma análise de suas performances isoladamente, sem conferir atenção à importância dos projetos familiares compartilhados, bem como dos investimentos coletivos destas famílias na política. De tal modo, negligenciou-se, por exemplo, a atuação de personagens tais como Carlos Nunes Ribeiro, irmão de Demétrio Ribeiro; Francisco e Carlos de Castilhos, irmãos de Júlio de Castilhos; e muitos outros indivíduos e famílias praticamente desconhecidos, mas que, podem ser trazidos a luz através da leitura de fontes como os Livros de Atas dos Clubes

1 A maioria das investigações tem se pautado em uma abordagem que parte do ponto de vista de autores como IMÍZCOZ (2004).

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Republicanos do interior da província.Em meio a esta produção, destaca-se o trabalho de Celi Pinto (1979), que investigou o

período da propaganda republicana, buscando traçar um perfil do grupo dos principais líderes do Partido Republicano Rio-grandense (PRR). A autora destacou que os propagandistas eram originários, em sua maioria, de uma classe média urbana, que não tinha vínculos com a oligarquia política da província e tampouco com os estancieiros da região da campanha. Portanto, para a autora, a elite republicana estaria descolada, tanto ideologicamente (destacando adoção do positivismo), quanto socialmente, das elites mais tradicionais da província. Esta tese, elaborada por Pinto em fins da década de 1970, tem sido reproduzida em outros trabalhos sobre o movimento republicano, tais como o de Hélgio Trindade (1979), e até em sínteses mais recentes como a de Ricardo Pacheco (2007).

Entretanto, uma análise mais aprofundada da origem social dos principais líderes do PRR é capaz de demonstrar que, ao contrário destes propagandistas pertencerem a uma nova classe média urbana, o que ajudaria a explicar a adoção de uma nova ideologia, eles faziam parte de uma elite bastante tradicional da província. Muitos destes propagandistas, em sua maioria, eram filhos, netos, sobrinhos, enfim, nutriam diferentes graus de parentesco, com os estancieiros da região da campanha. Muitos destes pecuaristas tinham vínculos diretos com a política conservadora, inclusive sendo alguns destes indivíduos nobilitados.2

Logo, líderes republicanos como, por exemplo, Joaquim Francisco de Assis Brasil, José Gomes Pinheiro Machado, Vitorino Ribeiro, Júlio de Castilhos, dentre outros, contavam com importantes laços familiares que podiam ser mobilizados em seu favor, em diversas situações. Tal foi a importância dos vínculos familiares existentes com os conservadores na região da campanha que os votos dados por estes monarquistas foram determinantes para a vitória de Assis Brasil nas eleições de 1884, quando conquistou uma vaga à deputação provincial.3 Lembre-se que, em todos os demais círculos eleitorais, ao longo da década de 1880, os candidatos republicanos nunca conseguiram obter vitória parecida.

Portanto, as elites republicana e monarquista estavam intrinsecamente ligadas na região da campanha por laços de parentesco e, sendo assim, a forma de organização e atuação política das famílias republicanas assemelhava-se, em diversos aspectos, com o modelo organizacional das famílias da elite tradicional. Fossem liberais, conservadores ou republicanos, as famílias costumavam partilhar projetos coletivos de envolvimento com a política, de onde pudessem acessar recursos a casa, parentes e amigos. No interior desses projetos, cada membro da família exercia um papel específico, muito embora todos estes papéis se complementassem. No caso da família Assis Brasil, estas atribuições passavam por uma divisão entre a atuação de alguns indivíduos na propaganda republicana local, enquanto outros atuavam também fora da província, o que agregava a família um importante elemento de distinção perante os demais republicanos. Analisemos, pois, esta família mais de perto na tentativa de compreender sua dinâmica de funcionamento.

1 – Sobre a atuação política local: os Assis Brasil e o Clube Republicano de São Gabriel

Os Assis Brasil constituíam uma família de elite, residentes em São Gabriel, município que integra a região da campanha e que tinha como principal atividade econômica a criação de gado. O chefe da família, Francisco de Assis Brasil, era um destes estancieiros locais, além

2 Uma análise pormenorizada da origem social dos principais líderes republicanos já foi realizada em texto anterior. Para maiores detalhes, ver SACCOL; VARGAS (2010).

3 As eleições provinciais de 1884 já foram nosso objeto de investigação em texto anterior. Para mais informações, ver SACCOL; VARGAS (2010).

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de importante liderança do Partido Conservador no município. A família tinha descendência aristocrática, proveniente do parentesco com os Jobim, estes últimos conservadores e íntimos do imperador. Um de seus membros mais importantes era Antônio Martins da Cruz Jobim, o Barão de Cambaí, que casou-se com Ana Maria de Sousa Brasil, a Baronesa de Cambaí, tia de Francisco. O Barão era senhor de avultados bens de fortuna, tendo, em sua juventude, sido negociante no Rio de Janeiro e depois se tornando estancieiro em São Gabriel, período em que também contribuiu na campanha do Paraguai.4

O estreito parentesco com o Barão de Cambaí sugere a existência de um importante capital relacional a ser mobilizado pelos Assis Brasil, bem como a importância política e simbólica que deveria ser atribuída socialmente à família. Além disso, a vinculação existente com o casal de aristocratas pôde ainda ajudar a família financeiramente. Quando da morte da Baronesa, e sendo que o casal não tinha filhos herdeiros, os Assis Brasil acabaram beneficiados pela divisão de seus bens, tendo o recebimento desta herança aumentado consideravelmente a riqueza da família.5

Embora tudo parecesse encaminhado para o sucesso político da família, Francisco, seu patriarca, faleceu precocemente em 1872, deixando a esposa, Joaquina Theodora Brasil, e mais nove herdeiros. A partir daí, o projeto familiar dos Assis Brasil sofreria algumas modificações. A partilha beneficiou os filhos mais velhos, João e Antônio, que deram continuidade aos negócios do pai, e a mãe, com auxílio de um tutor, passou a administrar os bens dos filhos menores. Além disso, algumas estratégias tiveram de ser pensadas a fim de manter a inserção da família na política local. Sendo assim, Joaquim Francisco acabou por matricular-se na Faculdade de Direito de São Paulo, muito embora, conforme depoimento da mãe, “tivesse caracterizada vocação para a medicina”.6

Possuir um médico na família poderia certamente mobilizar um capital relacional significativo, no entanto, o longo processo de profissionalização da política no século XIX, fez com que, em suas últimas décadas, o diploma de bacharel em Direito se tornasse um pré-requisito importante para se ingressar na carreira.7 Sendo assim, era politicamente mais vantajoso, naquele momento, a família contar com um advogado e não com um médico. Posteriormente, ainda na primeira metade da década de 1880, a os Assis Brasil tiveram mais dois de seus membros estudando nas academias do centro do país. Bartholomeu teve o mesmo destino do irmão Joaquim Francisco e, Diogo, formou-se engenheiro pela Escola de Minas de Ouro Preto.

A entrada de Joaquim Francisco na Faculdade de Direito, no ano de 1878, parece ter dado início ao envolvimento da família com a propaganda republicana. O clima intelectual e as agitações que ele vivenciava em São Paulo certamente não influenciaram somente a ele, mas também a mãe e aos irmãos, com quem mantinha contato frequente. Não obstante, a agitação política vivenciada na própria região da campanha deve ter colaborado para que a família se tornasse republicana. Os primeiros clubes e núcleos republicanos, criados na província entre os anos de 1882 e 1883, situavam-se ali, logo, a região foi a que concentrou o maior número de adesões ao PRR no período da propaganda republicana.8 Ajuda-nos a compreender esta adesão ao republicanismo a crise econômica vivenciada pelos estancieiros da região da campanha, bem como a falta de representatividade no parlamento que estes

4 CARVALHO (1937).

5 Inventário da Baroneza de Cambahy. São Gabriel, ano 1881, número 332, Maço 18, estante 16, Cartório de Órfãos e ausentes (APERS). Na partilha, a família Assis Brasil recebeu um montante de 136:520$381 réis.

6 Inventário de Francisco de Assis Brasil, São Gabriel, Ano 1872, Processo 247, Maço 12, Estante 107, Cartório de Órfãos e Ausentes (APERS). Eram herdeiros os filhos João (27 anos), Antônio (21), Felisberta (19), Florinda (17), Joaquim Francisco (15), Maria Francisca (13), Bartholomeu (11), Paulo (9) e Diogo (7).

7 VARGAS (2010).

8 RAMOS (1990, p. 109).

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vinham sentindo já há algum tempo.9

Os anos subsequentes foram de intensa atividade política para a família Assis Brasil. Em São Paulo, Joaquim Francisco fez sua estreia na imprensa, onde foi colaborador de vários periódicos republicanos acadêmicos, tendo publicado também dois livros de divulgação do ideário republicano. Enquanto isso, no município de São Gabriel, seus irmãos participaram ativamente da criação e organização do clube republicano local, agremiação na qual também atuou quando retornou à província, em 1882, já com o diploma de bacharel em Direito.

Em correspondência escrita ao amigo Apolinário Porto Alegre é possível perceber o envolvimento conjunto dos membros da família com a propaganda republicana. Do mesmo modo, a existência dessa missiva demonstra que alguns laços com importantes propagandistas foram estabelecidos precocemente (mesmo antes da criação do PRR) pelos Assis Brasil. Dizia Bartholomeu que:

Eu e meus manos aqui chegamos cheios de saúde e de saudades de V.mce., família e amigos.No dia 1º de janeiro reuniram-se em casa de meu mano João os republicanos daqui, tratando de diversos assuntos, como a discussão dos estatutos (do Clube), quais os candidatos ao senado e à Assembleia Provincial (...).Temos eu e o meu mano Joaquim passeado por diversos pontos do círculo e nesses passeios notamos que o nosso partido triplica de dia em dia.Depois de amanhã o Joaquim deve sair daqui com o fim de percorrer também a serra e todo o sul da província, efetuando em todos os lugares possíveis conferências.10

A carta demonstra o forte investimento que os irmãos vinham fazendo na divulgação do ideal republicano na região da campanha. O Livro de Atas do Clube Republicano de São Gabriel também nos traz alguns indícios sobre o nível de envolvimento dos Assis Brasil com a propaganda republicana local.11 A sessão de instalação da agremiação realizou-se na casa de dona Joaquina, a matriarca da família, o que evidencia sua importância em um primeiro momento.12 Além disso, Joaquina teve importante papel no encaminhamento dos filhos, tendo, inclusive, o filho Joaquim Francisco dedicado seu primeiro livro de propaganda à ela.13 De fato, o gosto pelos livros parecia hereditário: Joaquina era uma mulher letrada e seu pai, o carioca Joaquim Thomas de Bensalinas, cirurgião-mor do Exército, era publicamente reconhecido por seus conhecimentos de Gramática Latina, Francês, Geometria e Filosofia.14

No que se refere a representatividade dos irmãos Assis Brasil no clube, dos seis varões da família, pelo menos cinco deles associaram-se e atuaram na agremiação: os mais velhos

9 A correlação entre a adesão ao republicanismo e a crise econômica da atividade pecuarista da região da campanha vem sendo trabalhada de maneira pormenorizada em minha dissertação de mestrado.

10 Carta de Bartholomeu de Assis Brasil a Apolinário Porto Alegre. São Gabriel. 02.01.1882. Arquivo Pessoal de Apolinário Porto Alegre - APA-067 (IHGRGS).

11 Livro de Atas do Clube Republicano de São Gabriel – Museu João Pedro Nunes (São Gabriel). Doravante, as informações citadas encontram-se no mesmo documento.

12 Fato semelhante ocorreu no Clube Republicano de São Borja, tendo as primeiras reuniões da agremiação ocorrido na residência de Dona Maria da Conceição Canteiro de Miranda, mãe do republicano Francisco Miranda.

13 A dedicatória trazia as seguintes palavras: “Dedico estas páginas àquela a quem me prende o duplo laço do amor e da gratidão; dedico-as à minha santa a carinhosa Mãe, a quem devo o que de mais elevado tenho e prezo – a cultura de espírito, a dignidade e o patriotismo”. Apud ROCHA; ALMEIDA; MARCHIORI (1995, pg. 43).

14 Além da filha Joaquina, também os netos herdaram o gosto pelos livros. O próprio Antônio, falecido no ano de 1882, estancieiro em São Gabriel, deixou como parte de sua herança 88 volumes de obras diversas de literatura. Inventário de Antônio de Assis Brasil. São Gabriel, Ano 1882, Número 337, Maço 19, Estante 107, Cartório de Órfãos e Ausentes (APERS).

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João e Antônio, Joaquim Francisco, Bartholomeu e Paulo.15 Além da participação nas sessões, a maioria deles ocupou posições no diretório da agremiação e/ou foram escolhidos como candidato republicano para concorrer nas disputas por cargos locais, tal como se vê no quadro a seguir (Quadro 1):

Quadro 1: Representatividade dos irmãos Assis Brasil no Clube Republicano de São Gabriel

Nomes Cargos ocupados no diretório do Clube Indicações a cargos locais

João- Membro da comissão diretora de

1881- Tesoureiro em 1882 e 1883

- indicado pelo Clube para concorrer as eleições ao cargo de juiz de paz em

1882 e 1886.

Antônio-- Membro da comissão diretora de

1881- Vogal em 1882

-

Joaquim Francisco - Presidente em 1883, 1884 e 1885 -

Bartholomeu - -

Paulo - Vogal do 2º distrito em 1886 -

Partindo deste quadro, algumas considerações podem ser feitas. De modo geral, as posições ocupadas pelos irmãos no interior do clube demonstram o reconhecimento de sua importância política pelos demais correligionários, bem como a confiança neles depositada. Tanto é que os dois mais velhos integraram a primeira comissão diretora, que se responsabilizou por alguns dos trabalhos mais elementares do clube (como a elaboração dos Estatutos, citada na carta a Apolinário). Do mesmo modo, o posto de presidente da agremiação, ocupado por Assis Brasil durante três anos, demonstra a liderança política que ele exercia perante o grupo, visto que, inclusive, o número de votos que recebeu nestas eleições foram sempre muito expressivos.

Por outro lado, o quadro sugere, em um primeiro momento, a pouca importância atribuída a Bartholomeu. Entretanto, deve-se ressaltar que as reuniões do Clube Republicano ocorreram entre os anos de 1881 e 1887 e, durante boa parte deste período, Bartholomeu esteve estudando e residindo em São Paulo, onde também propagandeava a República. Logo, se houve um afastamento dos trabalhos do Clube Republicano de São Gabriel, o mesmo não pode ser dito com relação a propaganda republicana de forma geral.

Portanto, as posições alcançadas pelos irmãos Assis Brasil no Clube foram as mais diversas e demonstram a forte ingerência da família na propaganda republicana local. Além de ocupar estes postos, os irmãos Assis Brasil desempenharam uma série de outros papeis no interior da propaganda. João, por exemplo, era quem estabelecia e mantinha contato com alguns correligionários e clubes da região da campanha. Tanto é que, já na sessão de instalação do Clube gabrielense, registrou-se que João havia recebido telegramas pessoais de Américo Brito (líder republicano de Uruguaiana) e de Francisco Miranda (líder republicano de São Borja), procurando saber se em São Gabriel havia algum clube republicano e pedindo

15 Não encontramos nenhuma referência a presença do caçula Diogo nas sessões do clube. Entretanto, sabemos que entre os anos de 1881 e 1886 não residia em São Gabriel, mas sim em Porto Alegre e, posteriormente, em Ouro Preto, onde estudava.

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esforços em favor do candidato Venâncio Aires. Logo, João era o republicano procurado por correligionários de outros municípios para falar de assuntos políticos, trocar informações e pedir apoio eleitoral. Tal evidência demonstra sua importância política em meio ao grupo gabrielense, mas também sua capacidade de estabelecer laços pessoais e de confiança, vínculos estes extremamente importantes na política do século XIX.

Já seu irmão, Joaquim Francisco, além de ter presidido a agremiação por alguns anos, tinha o importante papel de mediador em relação aos demais republicanos. Por diversas vezes, encontramo-no realizando algumas exposições sobre o estado da política provincial e nacional nas sessões do clube. De fato, o Dr. Joaquim dominava os códigos e a linguagem de dois universos bastante distintos: o das grandes capitais, um ambiente mais ilustrado e que contava com um discurso republicano mais teoricamente elaborado, e o do interior da província e dos clubes, onde muitos indivíduos tinham pouca formação letrada, o que gerava a necessidade de adaptação do discurso republicano a uma linguagem mais compreensível a estes correligionários.16

Mas a tendência a uma distribuição de papeis entre os membros da família não ocorria somente no que dizia respeito às funções relativas à propaganda republicana. Também no que se refere à vida profissional, seus membros procuraram diversificar suas atividades de modo a ocupar diferentes espaços, o que poderia facilitar o acesso a recursos e benefícios para a casa. Tal iniciativa não pode ser vista como afastada do projeto político familiar, visto que a vida política no XIX estava intrinsecamente ligada às demais esferas da vida social. Portanto, a tentativa de uma diversificação de ocupações deve ser compreendida como estratégia integrante deste mesmo projeto, já que poderia facilitar o estabelecimento de laços pessoais e redes de relacionamento, potencialmente operacionais em algumas situações, como por exemplo, as eleições.

Logo, como já havíamos mencionado, João e Antonio, os dois mais velhos, seguindo os passos do pai, envolveram-se com a atividade pecuarista. Joaquim e Bartholomeu foram enviados para estudar Direito em São Paulo, sendo que, ser portador de um diploma de bacharel em Direito era extremamente necessário se a família almejasse a ocupação de algum posto na esfera provincial ou nacional, por exemplo.17 Diogo foi enviado para estudar engenharia na Escola de Minas de Ouro Preto, ocupação esta que também era capaz de gerar inúmeros contatos para a família. Por fim, Paulo também acabou dedicando-se a criação de gado, o que pode ter-lhe sido atribuído em razão da morte precoce de Antônio.

Os casamentos também colaboraram no mesmo sentido. Das mulheres, Maria, uniu-se ao capitão do Exército, Miguel de Oliveira Paes, integrante do Regimento de Artilharia a Cavalo, e que tinha formação pela Escola Militar do Rio de Janeiro. O capitão também era sócio do Clube Republicano de São Gabriel. Por sua vez, a mais velha, Felisberta, casou-se com Antônio Martins de Castro Jobim, alferes da Guarda Nacional e também criador em São Gabriel. Tal união reforçou os laços de parentesco da família com os Jobim e a aristocracia ligada ao já mencionado Barão de Cambaí. Além disso, os Assis Brasil e os Jobim compartilhavam as experiências vivenciadas no Clube Republicano de São Gabriel, já que vários dos Jobim foram também bastante atuantes naquela agremiação.18

Considere-se que tanto o Exército quanto a Guarda Nacional eram instituições bastante importantes no Império e ambas tinham forte potencial político, que poderia ser

16 Tal atribuição era realizada, não somente no interior do clube republicano, mas também em conferências públicas realizadas no 3º círculo eleitoral e através de um jornal, O Precursor, fundado em 1884, com a colaboração de alguns correligionários do Clube, também doutores. O jornal também trazia um discurso elucidativo a respeito dos principais problemas nacionais, bem como procurava orientar os republicanos sobre, por exemplo, como proceder nas eleições.

17 VARGAS (2010).

18 Florinda, a última das irmãs, faleceu solteira. Não sabemos exatamente o ano de sua morte, entretanto, no inventário de sua mãe (1885), já constava como falecida.

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administrado por seus membros de diversas maneiras em favor das facções locais.19 Logo, as uniões matrimoniais agregaram a família um importante capital político e prestígio social. Joaquim Francisco ainda casou-se em 1885 com Cecília Prates Castilhos, filha de um rico estancieiro de São Martinho e irmã de um dos principais líderes do PRR, Júlio de Castilhos, o que estreitava ainda mais os laços entre os propagandistas, fazendo com que a política se tornasse um “negócio” entre famílias.

Os investimentos da família Assis Brasil na política, como vimos, não foram poucos. Até agora, privilegiamos a atuação local de seus membros, enfatizando, especialmente, o seu município de origem – São Gabriel. Entretanto, três dos irmãos Assis Brasil ultrapassaram este espaço de atuação, tendo sido reconhecidos em capitais conhecidas por serem fortes redutos republicanos: São Paulo e Ouro Preto.

2 - Um pouco de Joaquim, Bartholomeu e Diogo: algumas trajetórias de destaque da família.

Como vimos, a família Assis Brasil atuava conjuntamente na política, e, embora cada um dos irmãos desenvolvesse um papel específico no interior da propaganda republicana, todas estas atribuições, ao fim e ao cabo, se complementavam. Além da atuação em sua província de origem, a família, a partir do investimento na educação superior de alguns de seus membros, teve seu nome destacado em meio aos correligionários de outras províncias: Minas Gerais e São Paulo.

De fato, as províncias paulista e mineira ficaram conhecidas por serem fortes redutos republicanos. Ambas conquistaram várias vitórias eleitorais ao longo da década de 1880, o que demonstra o nível de organização dos republicanos locais.20 Das escolas de ensino superior, localizadas em suas capitais, surgiram várias lideranças do movimento republicano. A socialização vivenciada nas faculdades, o contato com textos e autores de teoria política, a efervescência vivenciada em meio a crise monárquica, tudo impulsionava a organização dos acadêmicos para a formulação de projetos e grupos que buscassem, de alguma forma, intervir politicamente nos destinos da nação.21 O movimento republicano, evidentemente, não se restringia a estes indivíduos vinculados as academias, mas repercutiu socialmente, obtendo adesão dos mais diversos setores socioeconômicos.

Joaquim, Bartholomeu e Diogo vivenciaram plenamente estas experiências enquanto estudantes. Os três participaram tanto da imprensa republicana local como integraram os clubes republicanos ali instalados. Tanto em São Paulo quanto em Ouro Preto, os irmãos estabeleceram relações com diversos indivíduos, vínculos estes extremamente importantes na difusão do republicanismo.

Joaquim Francisco foi o primeiro a deixar a província natal. Na Faculdade de Direito de São Paulo, foi colega e/ou contemporâneo de muitos dos, assim como ele, líderes do PRR, mas também das lideranças republicanas paulistas.22 O convívio estudantil estreitou as relações entre estes dois grupos, tornando possível, por exemplo, a elaboração conjunta de alguns periódicos republicanos, tais como A República (1878), expressão do Clube Republicano

19 GRAHAM (1997). Sobre a atuação da Guarda Nacional na província do Rio Grande do Sul, ver ainda FERTIG (2010). Sobre o Exército, ver CASTRO (1995) e SEIDL (1999).

20 BOEHRER (1950).

21 Ver, por exemplo, ALONSO (2002).

22 Sobre a história da Academia paulista, ver VAMPRÉ (1924).

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Acadêmico do qual participavam conjuntamente, O Federalista (1880) e A Lucta (1882).23 Deles eram colaboradores os paulistas Alberto Sales, Julio Mesquita e os rio-grandenses Castilhos, Assis Brasil, Pinheiro Machado e Argemiro Glavão.24

Neste período, Joaquim também integrou o Clube Republicano Vinte de Setembro, agremiação que reunia os rio-grandenses que ali residiam e estudavam. Em 1882, publicou um livro sobre a Revolução Farroupilha, sob encomenda do mesmo clube. Entretanto, seu livro de maior sucesso, A República Federal, foi publicado em fins de 1881, tendo alcançado várias edições durante esta década. Uma destas edições, em 1884, chegou a ser subsidiada e distribuída gratuitamente pelo partido republicano paulista, sendo que para tal decisão deve ter influenciado a presença dos amigos e ex-colegas de faculdade de Assis Brasil nos clubes e congressos republicanos paulistas.25

Portanto, tal iniciativa demonstra o quão estreitos eram os laços entre os republicanos rio-grandenses e paulistas. Do mesmo modo sugere o reconhecimento da eficiente atuação de Joaquim na propaganda republicana. Em contrapartida, vale dizer, também um livro de Alberto Sales foi publicado pelo Clube Republicano de São Gabriel, em 1885, no período em que o amigo Joaquim presidiu a agremiação. De fato, Joaquim deve ter ficado muito agradecido com a iniciativa dos correligionários paulistas, tanto é que resolveu retribuir o presente, utilizando-se da mesma moeda.

Outra colaboração parece ter sido fundamental, ainda no momento da publicação da primeira edição do livro, em 1881. Trata-se da ajuda recebida do dedicado amigo Capistrano de Abreu, a quem Joaquim conheceu e mantinha contato através dos colegas de faculdade Valentim de Magalhães e Raul Pompéia. Capistrano residia no Rio de Janeiro, onde era funcionário da Biblioteca Nacional, além de já ter trabalhado em uma editora e ser bastante conhecido na imprensa. Joaquim, portanto, utilizou-se do vínculo estabelecido com Capistrano bem como de sua livre passagem pelo meio intelectual da época, para agilizar o lançamento do livro. Capistrano encarregou-se pessoalmente de visitar as tipografias, verificar os custos da publicação e, após a escolha pela Leuzinger, continuou acessorando o amigo e intermediando o contato entre ele e a editora. Nas missivas que trocaram é possível perceber que Capistrano auxiliou Assis desde a escolha de pequenos detalhes, como o tipo de folha e brochura a serem utilizados no livro, mas também na decisão sobre elementos mais importantes como a sugestão de sua epígrafe.26

O amigo Capistrano ainda auxiliou Joaquim na divulgação da obra, distribuindo alguns de seus exemplares aos jornais de maior prestígio na Corte. Em missiva, Capistrano noticiou ao amigo que: “Acabo de chegar da casa do Leuzinger, donde trouxe dez exemplares para distribuir pelos jornais. Já entreguei o do Globo; vou entregar ao Araripe Jr. o dele, que servirá ao mesmo tempo para a Gazeta da Tarde. Os outros distribuirei amanhã”.27 Tal atitude visava conseguir comentários elogiosos de algum jornalista afamado na época, o que certamente traria vantagens e popularidade ao livro recém-publicado.

De fato, a experiência do amigo Capistrano parece ter colaborado muito para o sucesso da obra. O livro alcançou grande circulação na época, tendo sido vendido e lido até mesmo fora do país, entre os republicanos de Lisboa.28 O reconhecimento obtido fora do Brasil

23 Embora este último fosse um jornal estudantil, nele também escreviam vários diplomados como, por exemplo, Prudente de Moraes e Campos Sales.

24 ALONSO (2002, p. 147).

25 Tanto isto é verdade que A Federação publicou carta de Júlio Mesquita noticiando a decisão tomada pelo Clube Republicano paulista. A Federação. 11.07.1884. Acervo do NPH- UFRGS.

26 Carta de Capistrano de Abreu a Assis Brasil. 11 de março de 1881. In: RODRIGUES (1977, p. 72).

27 Carta de Capistrano de Abreu a Assis Brasil. 05 de maio de 1881. In: RODRIGUES (1977, p. 80).

28 Conforme anúncio publicado no jornal O Século. 25.02.1882, (Acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa). São várias as referências ao livro de Assis Brasil neste periódico e também em outro periódico republicano do mesmo

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agregava a Joaquim um importante elemento de distinção perante os demais republicanos. Se tal fato era visível entre os correligionários da Corte e São Paulo, se tornava muito mais importante diante dos correligionários da campanha, que, enfatizavam entusiasticamente este predicativo. Tanto é que nas excursões eleitorais que realizou na região da campanha no ano de 1884, a apresentação do candidato pelos principais líderes locais ao eleitorado municipal enfatizava os seguintes atributos: além da fluência e do brilhantismo de suas palavras, o fato de ser ele autor “do excelente livro A República Federal, já bastante conhecido, não só entre nós, como no estrangeiro, onde tem sido justamente apreciado”.29

Portanto, Joaquim trazia consigo elementos de aproximação com o eleitorado da região da campanha, já que ele, como grande parte dos correligionários, estava ligado a atividade pecuarista e conhecia as principais dificuldades enfrentadas pelos estancieiros. Ao mesmo tempo tinha consigo importantes elementos que o distinguiam dos demais, que o colocavam em posição intelectual superior a de seus correligionários. Provavelmente tanto este ponto de aproximação quanto o de afastamento influenciaram para que o eleitorado da região da campanha o reconhecesse como um representante legítimo e capaz de obter sucesso no parlamento. Daí que o então candidato venceu as eleições em 1884, conquistando a vaga de deputado provincial, sendo inclusive reeleito pela mesma região nas eleições seguintes.

Mas falemos agora sobre Bartholomeu que, assim como o irmão Joaquim, também cursou Direito na Faculdade de São Paulo. No espaço de tempo em que residiu e estudou naquela cidade, Bartholomeu atuou na propaganda republicana local, tendo inclusive uma trajetória parecida, em alguns aspectos, com a do irmão mais velho, já que, ambos foram colaboradores de periódicos locais e também eram sócios de clubes republicanos ali instalados. Assim sendo, em 1885, Bartholomeu consta entre os colaboradores do periódico republicano Ganganelli, que tinha como redatores Horácio de Carvalho e Rivadávia Corrêa, este último também rio-grandense.30 Assim como o irmão, Bartholomeu realizava conferências públicas e integrou o Clube Vinte de Setembro, através do qual publicou um livro, Apelo ao Rio Grande do Sul (1886), em comemoração ao 51º aniversário da Revolução Farroupilha.

Bartholomeu também teve importante atuação no jornal A Federação, onde tinha suas correspondências publicadas com regularidade. Tal era o espaço ocupado por essas missivas no jornal, que elas chegaram a ser publicadas semanalmente e receberam um título de coluna: Cartas de São Paulo. Nelas, o propagandista informava os rio-grandenses sobre os últimos acontecimentos políticos nacionais, trazendo um comentário crítico a respeito deles. Os assuntos de que tratava diziam respeito à Corte imperial, a comemorações oficiais e eventos diplomáticos isolados, muito embora a maioria de suas cartas se referissem a notícias eleitorais e ao funcionamento da Assembleia Legislativa de São Paulo. De fato, a atuação dos deputados e os debates realizados no parlamento paulista eram os acontecimentos que acompanhava mais de perto e os que lhe chamavam maior atenção.

Em uma destas cartas, Bartholomeu mostrou-se entusiasmado com as vitórias de alguns dos candidatos republicanos em São Paulo, Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Comentou uma destas vitórias especialmente, já que se tratava da eleição do irmão e companheiro de propaganda de tantos anos, Joaquim. Dizia Bartholomeu que:

Não quero terminar esta carta [...] sem manifestar aos meus correligionários do Rio Grande do Sul o meu entusiasmo vertiginoso pela vitória que acabam de alcançar, por meio das urnas, na eleição do candidato pelo 3º círculo, o Dr. Assis Brasil.Suspeito para falar das qualidades desse cidadão, além de outros muitos motivos, por ser meu irmão, acho-me, todavia, hábil para conjubilar-me com os meus amigos políticos pelo triunfo legítimo das nossas crenças, dessas crenças que reputamos salvadoras da pátria.31

período, A Era Nova.

29 Jornal A Federação. 02.10.1884. Acervo do NPH (UFRGS).

30 Jornal A Federação. 16.09.1886. Acervo do NPH (UFRGS).

31 Jornal A Federação. 10.02.1885. Acervo do NPH (UFRGS).

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Bartholomeu mostrava-se satisfeito pela vitória do irmão que, traduzia, afinal, a vitória de um projeto familiar compartilhado por vários anos. Os esforços e investimentos realizados coletivamente, e em vários momentos, pareciam estar sendo recompensados. A família, a partir daquele momento, contava com um representante que poderia intervir diretamente na política provincial, lutando não só pelos seus próprios interesses, mas também de amigos e correligionários.

A partir dos dados observados, poderíamos afirmar que Bartholomeu e Joaquim percorreram caminhos bastante parecidos, entretanto Joaquim obteve mais notoriedade do que o irmão. Na realidade, a trajetória política de Bartholomeu ainda nos é obscura, se observada de perto e, principalmente se comparada a de seu irmão mais velho. Pouco, além do que já ressaltamos a seu repeito, pode ser dito. Não encontramos nenhuma referência a tentativas de Bartholomeu ocupar cargos político-administrativos. Mas sabemos que, embora tenha estudado vários anos em São Paulo, por algum motivo, não chegou a diplomar-se. Talvez, e diferentemente do irmão Joaquim, não tivesse tanta habilidade ao mobilizar a seu favor as relações estabelecidas com outros republicanos. Ou ainda, talvez o fato de não ter convivido com os principais líderes do PRR na faculdade tenham-no deixado um pouco a margem do grupo principal. Inúmeras poderiam ser as perguntas e hipóteses, mas poucas ainda são as respostas acerca da trajetória deste indivíduo, tão desconhecido da historiografia rio-grandense, muito embora seu nome tenha figurado inúmeras vezes no jornal oficial do PRR.

Diogo, o caçula da família, e o último dos três irmãos a estudar fora da província, também teve um papel mais secundário se comparado ao irmão Joaquim. Embora sua atuação em Ouro Preto32 tenha sido bastante relevante, não parece ter merecido o reconhecimento de muitos correligionários, para além dos amigos e membros do Clube Republicano de São Gabriel, quando retornou a província natal. Assim como os dois irmãos mais velhos, suas primeiras investidas foram na participação em algum clube republicano e a colaboração na imprensa local, o que parecia configurar a iniciação dos jovens na propaganda republicana.

Em fins de 1884, pois, seu nome figurava entre os fundadores do Clube Republicano Vinte e Um de Abril, agremiação que reuniu vários republicanos mineiros, além do renomado João Pandiá Calógeras, também seu fundador.33 Em janeiro de 1885, encontramos registro de que em Ouro Preto realizou-se uma festividade, promovida pelo Club 21 de Abril, em comemoração a eleição do Dr. Campos Salles em São Paulo. Já neste momento, Diogo apareceu como um dos oradores do festejo, acompanhado de mais dois correligionários que também discursaram: Francisco Brant e Josefino Sá.34 Neste mesmo ano, a agremiação passou a contar com um jornal, A Inconfidência, que publicava artigos de cunho republicano e abolicionista. O periódico era dirigido por Josephino Pires, Juvenal de Sá e Silva, Eloy de Araújo, Saturnino de Oliveira, além de contar também com o rio-grandense Diogo Assis Brasil.35 Portanto, sua participação como orador nos festejos e também a posição ocupada no jornal vinculado ao clube republicano, demonstra a existência de um reconhecimento de sua importância política pelos demais correligionários.

Importante atuação teve Diogo, também no que diz respeito ao contato estabelecido entre os republicanos mineiros e rio-grandenses. Diogo foi, durante seu período de residência e estudos na Escola de Minas, agente do Jornal A Federação em Ouro Preto.36 Além de ser o responsável por sua distribuição, também tinha outras atribuições como cobranças e venda

32 Sobre a Escola de Minas de Ouro Preto, ver CARVALHO (2010).

33 Jornal A Federação. 07.05.1885. Acervo do NPH (UFRGS).

34 Jornal A Federação. 21.01.1885. Acervo do NPH (UFRGS).

35 COTA (2007, p. 107).

36 Conforme listagem dos agentes, publicada no jornal A Federação, de 06.08.1885. Acervo do NPH (UFRGS).

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de novas assinaturas. Tal atividade sugere um contato frequente com os correligionários locais, que provavelmente ocasionou o estreitamento de alguns laços pessoais, estes também possibilitados através de sua participação no Clube. Do mesmo modo, a atribuição de agente sugere a existência de um contato frequente com os correligionários rio-grandenses, especialmente com o núcleo responsável pela publicação diária do jornal.

Diogo, pois, tinha o importante papel de divulgar entre os correligionários mineiros a produção e as atividades que vinham sendo realizadas pelos republicanos rio-grandenses, também seus companheiros de propaganda. Também no Rio Grande a produção mineira era bastante conhecida, pois são incontáveis as matérias extraídas dos jornais locais, bem como as menções ao republicanismo mineiro, interlocução esta provavelmente facilitada por Diogo. Em 1886, o caçula dos irmãos Assis Brasil formou-se engenheiro, ano em que, então, retornou a sua província natal. A partir deste momento, tornam-se raras as informações a respeito de sua atuação política, bem como de sua trajetória de maneira geral.

Bartholomeu e Diogo, ainda que tivessem atuação significativa nas fileiras republicanas de grandes capitais provinciais, São Paulo e Ouro Preto, não chegaram a ocupar espaço de liderança no interior do PRR, onde um grupo específico de propagandistas já dominava o jornal e também eram quase sempre os mesmos a disputar as eleições. Tal fato não diminui a importância da atuação local dos dois irmãos (em São Gabriel e na região da campanha), bem como na propaganda republicana de maneira geral. Tampouco diminui sua importância no interior da família Assis Brasil, onde cada um de seus membros exercia um papel específico que colaborava com a mesma causa. Tendo o irmão Joaquim alcançado posição importante na carreira política, Bartholomeu e Diogo voltaram-se a atividade pecuarista. Ambos, depois de casados, foram residir no município de Alegrete, também integrante da região da campanha. Suas atuações políticas a partir daí são desconhecidas. No entanto, o irmão Joaquim seguiu atuando politicamente como líder do PRR até 1891, quando rompeu com o Partido e buscou uma carreira diplomática. Joaquim só retornaria a atuar na política provincial em princípios do século XX, já como oposição ao partido do qual havia sido liderança.

* * *

Considerações finais

A análise da atuação da família Assis Brasil demonstra a existência de um projeto coletivo de envolvimento com a política, que poderia trazer recursos e benefícios para todos os membros da casa. A conjuntura de crise econômica da atividade pecuarista e a falta de representatividade da região da campanha no parlamento tiveram influência direta para a conversão da família ao republicanismo, já que, a tradição política familiar inaugurada pelo seu patriarca, Francisco, como vimos, era de envolvimento com o Partido Conservador.

No interior do núcleo familiar, cada indivíduo exercia um papel específico, sendo perceptível, de maneira geral, uma divisão entre os irmãos que concentravam sua atuação na propaganda republicana em nível local, especialmente em São Gabriel, e outros que atuaram não só em sua região de origem, mas também nas grandes capitais onde residiram e estudaram. Entretanto, tais atribuições não estavam descoladas umas das outras, mas pelo contrário, faziam parte de um mesmo projeto onde todas elas se complementavam.

Os membros da família, pois, organizaram-se de maneira a ocupar diferentes espaços, o que pode ser visualizado a partir de dois aspectos: 1). a existência de uma certa tendência a diversificação profissional, que incluía não só os filhos homens, mas também seus cunhados; 2). os diferentes locais de formação superior dos filhos, que demonstram o estabelecimento

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de vínculos pessoais e redes de relacionamento que colaboravam para a difusão do republicanismo. A distribuição geográfica e estratégica dos irmãos possibilitavam a circulação de informações privilegiadas no interior da família e que certamente colaboraram com a proeminência política do irmão Joaquim.

É importante ressaltar que tal maneira de organização, demonstrada a partir do caso da família Assis Brasil, mas que pode ser estendida a outras famílias republicanas, praticamente não difere do modelo organizacional das elites monarquistas da província. Em outras palavras, trata-se do modelo de organização das elites mais tradicionais e não de um padrão organizacional, vinculado a uma nova classe média, urbana e mais intelectualizada. A explicação para tal proximidade pode ser encontrada na própria origem social das famílias republicanas, ou seja, em seu vínculo com a elite conservadora e com os estancieiros da região da campanha.

Para finalizar, gostaríamos de salientar que a ideia da existência de um projeto político, compartilhado pelos membros da família, que contava com uma diversificação profissional intrínseca e estabelecimento de redes de relacionamento em diversos locais não deve ser pensado como algo excessivamente racional e premeditado, mas sim como um projeto que envolve diferentes estratégias (eivadas de incertezas), onde seus mobilizadores não detém o total controle das situações e, portanto, podem levar tanto ao sucesso (e eles buscavam isso) como ao fracasso.37

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37 IMÍZCOZ (2004).

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