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o decorrer das tragédias ambientais de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, o poder público adotou uma “solução” para prevenir os moradores em situação de risco e evitar novas mortes: sirenes que apitam, avisando à popu- lação o momento de deixar suas casas, na iminência de um deslizamento de terra. O sociólogo e demógrafo Roberto Luiz do Carmo, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo), cita o exemplo para explicitar a deficiência na abordagem das politicas públicas direciona- das aos desastres ambientais do país. “Atualmente, as propostas de enfretamento dos riscos ambientais são reducionistas. Os gestores públicos falam: ‘bom, é importante fazer um mapeamento e identificar quais são os problemas geológicos e físicos de determinada região para colocarmos um sistema que toca uma sirene’. Poxa, toca a sirene e as pessoas vão fazer o quê? Elas não têm pra onde ir... E não escolheram estar ali. O problema é mais complexo. É preciso construir uma política de modo que a cidade seja capaz de abrigar as pessoas, até porque existem áreas aptas a serem ocupadas. Mas são ocupadas apenas por quem tem condição de pagar. E essa geografia do preço determina onde as pessoas vão morar”, critica. O docente da Unicamp defende uma nova abordagem para a problemática das tragédias ambientais, que vêm au- mentando nos últimos anos, agravadas pelas mudanças cli- máticas. Só na região serrana do Rio de Janeiro houve quase mil mortes nos municípios de Petrópolis, Nova Friburgo, Teresópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal. O número de desalojados nestes municípios passou das 35 mil pessoas. Conforme Roberto do Carmo, os desastres são, acima de tudo, construídos socialmente e, devem, portanto, ser enfrentados a partir de uma perspectiva social. Esta é a concepção que perpassa a obra Segurança humana no contex- to dos desastres (Editora Rima, 210 páginas), que acaba ser editada pelo Nepo em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped), da Universida- de Federal de São Carlos (UFScar). O lançamento ocorre no dia 21 de agosto, a partir das 9h00, no auditório do Núcleo de População da Unicamp, com a presença dos autores e organizadores. “O desastre tem essa característica de ser uma constru- ção social no sentido de que as pessoas mais diretamente expostas são aquelas que, por determinadas situações his- tóricas e econômicas, ocuparam áreas impróprias. Portanto, essa ocupação não é natural: as pessoas não estão lá porque querem estar. Elas vivem lá porque são aquelas áreas espe- cíficas da cidade onde conseguiram se instalar. São as áre- as que, de certa forma, são destinadas socialmente a elas. Isso é fundamental para pensar e propor políticas capazes de reverter essa situação”, defende Roberto do Carmo, or- ganizador do livro juntamente com a professora da UFScar, Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio, coordenadora do Neped/UFScar. A obra, que conta com a parceria do Fórum de Mudanças Climáticas, apresenta uma coletânea de textos com reflexões sobre a segurança humana em contexto de riscos e de desas- tres no Brasil. São onze artigos, escritos por pesquisadores e gestores públicos de diferentes áreas e campos de atuação. Embora sintetizem experiências de grupos específicos, os artigos do livro apontam, em sua totalidade, elementos re- levantes para identificar e propor ações para o enfretamento dessas catástrofes. “Não foi tarefa fácil viabilizar esta coletânea. Tivemos que articular 32 pessoas oriundas de diferentes áreas geográfi- Na raiz dos desastres naturais e ambientais Escombros em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro: tragédia de 2011 causou a morte de cerca de mil pessoas e deixou mais de 35 mil desalojados O professor Roberto Luiz do Carmo, um dos organizadores do livro: “As propostas de enfretamento dos riscos ambientais são reducionistas” Lucí Hidalgo Nunes, geógrafa e professora do Instituto de Geociências: “O pior de tudo é a falta de medidas preventivas” Fotos: Antoninho Perri Foto: Pablo Jacob / Agencia O Globo Imagem: Reprodução SILVIO ANUNCIAÇÃO [email protected] CARLOS ORSI [email protected] Os reféns da geografia do preço’ A reboque do inchaço das cidades Livro e tese de livre-docência analisam causas e consequências de catástrofes que atingem o Brasil e outros países da América do Sul cas e institucionais para produzirem os capítulos. E, apesar disso, o grupo não perdeu a oportunidade de produzir uma obra dialógica, com representantes de diferentes segmentos da sociedade: pesquisadores e cientistas, lideranças comu- nitárias e de movimentos sociais, ongs e representantes de instituições municipais, estaduais e federais”, relata o pro- fessor da Unicamp. Os temas abordam a urbanização, o planejamento, os as- pectos sociopolíticos dos desastres e os desafios para a segu- rança humana neste contexto; a intervenção estatal e o papel da política de assistência social; as tecnologias de prevenção de riscos; a atuação dos agentes de defesa civil; e os riscos da saúde e as oportunidades de articulação, organização comu- nitária e fortalecimento de fóruns. No prefácio, a demógrafa Estela María García de Pinto da Cunha assinala que os artigos abordam numerosas pers- pectivas disciplinares, teóricas, metodológicas e empíricas, num espectro rico e amplo de temas. Assim, conforme a especialista e coordenadora do Nepo, “questionam-se quais seriam as relações sociais e políticas que induzem discursos de inevitabilidade dos desastres ‘naturais’, que levariam à sociedade a tão somente impedir suas consequências em vez de compreendê-los em toda a sua complexidade, focalizan- do tanto as dinâmicas econômicas quanto as sócio-políticas- culturais, institucionais e multicausais.” Discute-se também, escreve Estela da Cunha, “a rele- vância do conceito polissêmico, multidimensional e multi- variado de vulnerabilidade (diferente de exposição ao ris- co) que permitiria compreender a dinâmica de exposição, enfrentamento, resposta e risco, considerando as condições materiais e simbólicas do ambiente físico, da estrutura so- cial e da experiência do perigo em cada caso particular. (...) Os autores apresentam a vulnerabilidade como um conceito promissor, que por ser heurístico amplia as concepções de segurança e de proteção da sociedade (...).” PROGRAMA DE ESTUDOS O sociólogo Roberto do Carmo lembra que a ideia para a coletânea de textos partiu do IV Programa de Estudos Po- pulação, Ambiente e Desenvolvimento, organizado em 2012 pelo Nepo, com apoio da Rede Clima e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas. O programa reuniu gestores e organizações da sociedade ci- vil de diferentes campos de atuação e regiões brasileiras para refletir sobre a segurança humana no contexto dos desastres a partir de uma dimensão social. “Esse programa de estudos teve claramente uma abor- dagem nova, trazendo pessoas que numa situação de de- sastre nem sempre falam a mesma linguagem, como os profissionais da defesa civil e da assistência social. Nestes casos, eles nem sempre estão numa condição de igualdade. Portanto, foi importante esta oportunidade de colocar em debate estes diversos atores. Além da defesa civil e da as- sistência social, estavam também representantes dos mo- radores vitimados pelos desastres. O diálogo de todos se mostrou muito profícuo, e está um pouco refletido neste conjunto de artigos”, relaciona. Os tradicionais programas de estudos e capacitações do Nepo são desenvolvidos desde a década de 1990. Eles incor- poram diversas áreas como saúde reprodutiva e sexualidade, metodologia de pesquisa em gênero, demografia, meio am- biente e, mais recentemente, campos relacionados às mu- danças climáticas. As três edições anteriores dos programas de estudos abordaram, por exemplo, os eventos extremos e as dimensões humanas. TRANSIÇÃO A segurança humana no contexto dos desastres ambien- tais deve revestir-se de importância cada vez maior, sobretu- do, pelo crescente processo de urbanização no país nos últi- mos 50 anos. Roberto do Carmo aponta que o Brasil passou de um país rural na década de 1950 para um país urbano nos dias atuais. De acordo com ele, dados do último Cen- so do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que 36% da população brasileira residia nas ci- dades naquele período. Atualmente, este número chega aos 84%, de acordo com o Censo Demográfico de 2010. “A ocupação de áreas impróprias para moradia gera uma parte da nossa preocupação com a segurança humana, principalmente porque nesse período também ganha força a questão das mudanças climáticas. Os eventos extremos associados ao clima têm impacto alto historicamente, tan- to em termos de mortalidade, como de aumento de doen- ças de veiculação hídrica. Por outro lado, o que estamos vivenciando este ano no Sudeste é um desastre diferente, relacionado à falta de água. Toda essa discussão torna-se fundamental no sentido de que a tendência é que estes eventos, infelizmente, aumentem. E o impacto sobre a po- pulação tende a ser cada vez maior se não nos preocupar- mos e nos preparáramos”, alerta. Serviço Título: Segurança humana no contexto dos desastres Organizadores: Roberto do Carmo e Norma Valencio Editora: Rima Apoio: Fórum de Mudanças Climáticas Páginas: 210 Lançamento: 21 de agosto, às 9h, no auditório do Nepo urbanização desregrada e as mudanças no uso da terra trazidas pelas pressões econômicas da globalização vêm fazendo com que a América do Sul registre um número crescente de de- sastres naturais nas últimas décadas, desas- tres que atingem cada vez mais pessoas, embora causem menos mortes do que no passado. Essa é a constatação da tese de livre-docência de Lucí Hidalgo Nunes, geógrafa e professora do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, “Urbanização, globalização e suas relações com os desas- tres naturais na América do Sul”. A tese avaliou os dados da ONU referentes aos de- sastres naturais ocorridos no subcontinente entre 1960 e 2009, classificados em três categorias: hidrometeoroló- gicos e climáticos, geofísicos e biológicos. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, a pesquisadora disse que, embora o número de eventos deflagradores de desastres – como chuvas intensas, por exemplo – também tenha crescido no período, o impacto desses eventos, em termos do número de pessoas afetadas e prejuízos causados, cresceu muito mais, e de forma desproporcional. De acordo com os dados levantados para a tese, mais da metade dos desastres naturais a atingir o subcontinen- te no período analisado ocorreu apenas nas duas últimas décadas contempladas pelo estudo, os anos 1990 e 2000. Já o maior número de mortos em desastres concentrou-se nos anos 70, com forte contribuição de um único evento, um terremoto no Peru, o maior desastre da América do Sul do período investigado. Por sua vez, o número de afetados cresce a partir da década de 80. “Não é porque está chovendo mais”, disse a pesquisa- dora. “Pode até haver mais precipitação, mas não de forma que justifique o número de desastres, que é muito maior. A chuva, no caso das inundações, não é o contribuinte mais importante. Não na proporção do número de eventos, que sempre é maior do que qualquer eventual alteração do cli- ma que possa ter acontecido, o que mostra que os eventos deflagradores são apenas isso, deflagradores”. Lucí, que é climatologista, incluiu um capítulo em sua tese sobre mudança climática, mas pondera que ainda que esse fenômeno possa ampliar ainda mais a chance de desastres hidrometeorológicos e climáticos, esse fato não é o princi- pal responsável pelo aumento no número de desastres dessa natureza. “Se as mudanças climáticas se configurarem da forma como a comunidade científica prevê, um problema que já é bastante grave vai agravar-se, mas ele não foi, ab- solutamente, o elemento mais importante no aumento de casos constatado no período em estudo”, afirmou ela. A docente acrescentou, ainda, que a coleta das ocorrências vem melhorando, o que contribui parcialmente com a ten- dência de aumento de registros, incluindo do número de vítimas e de prejuízos, mas reafirma que a transformação das áreas e a ocupação desenfreada de setores de risco são os elementos-chave para o quadro de desestruturação en- contrado. MUDANÇA CLIMÁTICA “O que a gente vê é que sem dúvida alguma está haven- do um aumento dos desastres naturais – e muitos deles são induzidos por fenômenos atmosféricos, como chuvas, por exemplo. E uma das coisas que a comunidade científica coloca em relação às mudanças climáticas é que vai haver mais extremos: ou seja, mais episódios de chuva concen- trados, ou mais secas”. A pesquisadora acrescenta que, se isso se configurar, haverá mais desastres naturais. Mas faz a ressalva: “É fato que, mesmo que a gente não considere as mudanças cli- máticas, de qualquer maneira os eventos deflagrados por condicionantes atmosféricos têm aumentado. Por mais que possa estar chovendo um pouco mais, nada justifica o enorme número de eventos, nas décadas mais recentes, em relação às décadas primeiras que analisei”. A tese segue a definição da ONU para desastre natural. “Para as Nações Unidas, desastre natural é aquele evento que ou promove dez mortes, e/ou pelo menos 100 afetados, ou que causa perdas e impactos que superam a capacidade de reação da comunidade afetada, requerendo ajuda externa”. A pesquisadora reconhece que existem outras defini- ções viáveis. “Há controvérsias. Há leituras diferentes do que seria um desastre natural”, disse ela. A adoção do cri- tério das Nações Unidas e, por tabela, das bases de dados da ONU sobre desastres, permitiu uma comparação mais sólida entre intervalos de tempo e países. GLOBALIZAÇÃO “O meu mote foi como urbanização e globalização têm sido indutores dos desastres naturais”, explicou Lucí. No caso da globalização isso acontece, de acordo com a pesqui- sadora, porque os países da América do Sul – ela destaca especificamente Brasil, Chile e Argentina – buscam uma inserção da encomia globalizada que desconsidera a dinâ- mica do meio ambiente. “Nós temos uma capacidade muito rápida de respon- der às demandas externas da globalização. Por exemplo, quando há uma crise internacional no abastecimento de algum produto agrícola de que o Brasil também é produ- tor, conseguimos supri-la de uma maneira muito efetiva e rápida”. Mas essas demandas também alteram os espaços produtivos de modo expressivo. “A nossa inserção na globalização é para responder a de- mandas externas, mas elas muitas vezes se fazem de uma maneira muito destrutiva para o nosso ambiente, às vezes até inviabilizando aquele ambiente, passado algum tem- po”, complementa. “Essa é a nossa inserção, e aí eu junto os nossos países vizinhos, nessa economia globalizada. É uma inserção que se faz às custas de uma enorme trans- formação do meio físico. Muitas vezes, uma transformação melhor entendida como destruição”. URBANIZAÇÃO Já o processo de urbanização, que se vem acelerando em todo o mundo e também na América do Sul, “é uma trans- ferência muito grande de população para as áreas urbanas”, disse a pesquisadora. “Num primeiro momento, a ocupação se faz em determinadas áreas do município e depois vai se expandindo, não raro, para as áreas sujeitas a deslizamentos, a inundações. A ocupação urbana mais recente, dos últimos 20, 25 anos, tem se dado, em maior ou menor grau em todas as cidades da América do Sul, em áreas que são passíveis de serem afetadas por algum problema, principalmente os de or- dem hidrometeorológica, como enchentes ou deslizamentos de terra”. Lucí volta a ressaltar que as chuvas, mesmo intensificadas, não têm sido o fator mais importante nesse tipo de desas- tre. “Pode até estar havendo chuvas mais concentradas, mais intensas, isso é um elemento importante para gerar inunda- ções, escorregamento de encosta, isso é fato. Só que não na proporção do número de eventos, que sempre é maior do que qualquer alteração das chuvas”. O aumento no número de desastres naturais e de víti- mas afetadas surge da ocupação desordenada dos espaços urbanos, e da grande suscetibilidade que isso gera. “Uma boa parte dessa ocupação se dá em áreas costeiras, isso é uma realidade mundial. Se dá em áreas que já têm um certo grau de suscetibilidade, é uma ocupação muito dra- mática, muito agressiva”, afirma a pesquisadora. “Áreas tropicais úmidas costeiras são vulneráveis por definição. São locais onde processos como movimentos de massa acontecem mesmo sem gente. Meus colegas geomorfólo- gos, geólogos, conseguem reconstituir deslizamentos que ocorreram a 200, 250 anos atrás; isso faz parte da evolução física desses locais”. VIDAS HUMANAS As transformações que o ser humano opera no ambiente não vêm sempre no sentido de aumentar a vulnerabilidade das populações aos desastres naturais – também há medidas preventivas e mitigadoras que podem ser tomadas – “mas são dois processos que andam em velocidades diferentes”, disse Lucí. “A velocidade da transformação, em Campinas, Quito, Valparaíso ou Buenos Aires é tal que em três, quatro, cinco anos os bairros já têm muito mais pessoas. Assim, a transformação, a urbanização, é muito grande e, nos anos mais recentes, ocorre cada vez mais em áreas de risco. Ela se faz numa velocidade que dificulta a restabilização dos locais, que às vezes é possível, mas nem sempre”. O mundo inteiro, afirma a pesquisadora, investe menos que o necessário para tratar dos desastres naturais. Mesmo no Japão, país considerado modelo nessa área, as medidas preventivas são insuficientes, de acordo com ela. No caso do terremoto, seguido de tsunami, que atingiu a usina nu- clear de Fukushima, em 2011, morreram cerca de 15 mil pessoas, fato que a pesquisadora aponta como preocupan- te. Porém, na ocasião essa cifra foi tida como positiva por ter sido comparada à situação do Haiti, onde um terremoto de intensidade menor matou mais de 200 mil pessoas. Mas ela considera que mesmo o número verificado no Japão é inaceitável, ainda mais para um país desenvolvido. Lucí lembra que o Brasil só criou seu Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em 2011, após a tragédia dos deslizamentos de terra que atingiram as cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, no que foi considerado o maior desastre natural do Brasil em número de mortos, com cerca de mil vidas perdidas. Nisso, diz ela, o Brasil não é muito diferente do resto do mundo, destacando que somente após o advento de uma grande calamidade, em especial quando se atingem pessoas de renda mais alta, é que medidas mais efetivas são iniciadas. O número de mortos vem caindo, mesmo com o cresci- mento no total de desastres, “por causa de algumas ações”, disse a pesquisadora, “que têm alguma efetividade”, prin- cipalmente na resposta imediata à situação de emergência. Mas o crescimento no total de afetados mostra que essas ações não bastam. “O desastre natural é um processo”, ela faz questão de frisar. “Aquele momento em que a coisa deto- na é o ápice de um processo que já vem de algum tempo. As pessoas já moravam lá, as casas já eram frágeis, de repente acontece um terremoto ou uma chuva muito intensa e acon- tece a calamidade. Mas ela é decorrência de fatos anteriores. Acho que o pior de tudo é a falta de medidas preventivas”. 6 Campinas, 11 a 24 de agosto de 2014 7

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Page 1: Na raiz dos desastres naturais e ambientais - unicamp.br · o decorrer das tragédias ambientais de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, o poder público adotou uma “solução”

o decorrer das tragédias ambientais de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, o poder público adotou uma “solução” para prevenir os moradores em situação de risco e evitar novas mortes: sirenes que apitam, avisando à popu-

lação o momento de deixar suas casas, na iminência de um deslizamento de terra. O sociólogo e demógrafo Roberto Luiz do Carmo, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo), cita o exemplo para explicitar a deficiência na abordagem das politicas públicas direciona-das aos desastres ambientais do país.

“Atualmente, as propostas de enfretamento dos riscos ambientais são reducionistas. Os gestores públicos falam: ‘bom, é importante fazer um mapeamento e identificar quais são os problemas geológicos e físicos de determinada região para colocarmos um sistema que toca uma sirene’. Poxa, toca a sirene e as pessoas vão fazer o quê? Elas não têm pra onde ir... E não escolheram estar ali. O problema é mais complexo. É preciso construir uma política de modo que a cidade seja capaz de abrigar as pessoas, até porque existem áreas aptas a serem ocupadas. Mas são ocupadas apenas por quem tem condição de pagar. E essa geografia do preço determina onde as pessoas vão morar”, critica.

O docente da Unicamp defende uma nova abordagem para a problemática das tragédias ambientais, que vêm au-mentando nos últimos anos, agravadas pelas mudanças cli-máticas. Só na região serrana do Rio de Janeiro houve quase mil mortes nos municípios de Petrópolis, Nova Friburgo, Teresópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal. O número de desalojados nestes municípios passou das 35 mil pessoas.

Conforme Roberto do Carmo, os desastres são, acima de tudo, construídos socialmente e, devem, portanto, ser enfrentados a partir de uma perspectiva social. Esta é a concepção que perpassa a obra Segurança humana no contex-to dos desastres (Editora Rima, 210 páginas), que acaba ser editada pelo Nepo em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped), da Universida-de Federal de São Carlos (UFScar). O lançamento ocorre no dia 21 de agosto, a partir das 9h00, no auditório do Núcleo de População da Unicamp, com a presença dos autores e organizadores.

“O desastre tem essa característica de ser uma constru-ção social no sentido de que as pessoas mais diretamente expostas são aquelas que, por determinadas situações his-tóricas e econômicas, ocuparam áreas impróprias. Portanto, essa ocupação não é natural: as pessoas não estão lá porque querem estar. Elas vivem lá porque são aquelas áreas espe-cíficas da cidade onde conseguiram se instalar. São as áre-as que, de certa forma, são destinadas socialmente a elas. Isso é fundamental para pensar e propor políticas capazes de reverter essa situação”, defende Roberto do Carmo, or-ganizador do livro juntamente com a professora da UFScar, Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio, coordenadora do Neped/UFScar.

A obra, que conta com a parceria do Fórum de Mudanças Climáticas, apresenta uma coletânea de textos com reflexões sobre a segurança humana em contexto de riscos e de desas-tres no Brasil. São onze artigos, escritos por pesquisadores e gestores públicos de diferentes áreas e campos de atuação. Embora sintetizem experiências de grupos específicos, os artigos do livro apontam, em sua totalidade, elementos re-levantes para identificar e propor ações para o enfretamento dessas catástrofes.

“Não foi tarefa fácil viabilizar esta coletânea. Tivemos que articular 32 pessoas oriundas de diferentes áreas geográfi-

Na raiz dos desastres naturais e ambientais

Escombros em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro: tragédia de 2011 causou a morte de cerca de mil pessoas e deixou mais de 35 mil desalojados O professor Roberto Luiz do Carmo, um dos organizadores do livro: “As propostas de enfretamento dos riscos ambientais são reducionistas”

Lucí Hidalgo Nunes, geógrafa e professora do Instituto de Geociências: “O pior de tudo é a falta de medidas preventivas”

Fotos: Antoninho Perri

Foto: Pablo Jacob / Agencia O Globo

Imagem: Reprodução

SILVIO ANUNCIAÇÃ[email protected]

CARLOS [email protected]

Os reféns da ‘geografia do preço’ A reboque do inchaço das cidadesLivro e tese de livre-docência analisam causas e consequências de catástrofes que atingem o Brasil e outros países da América do Sul

cas e institucionais para produzirem os capítulos. E, apesar disso, o grupo não perdeu a oportunidade de produzir uma obra dialógica, com representantes de diferentes segmentos da sociedade: pesquisadores e cientistas, lideranças comu-nitárias e de movimentos sociais, ongs e representantes de instituições municipais, estaduais e federais”, relata o pro-fessor da Unicamp.

Os temas abordam a urbanização, o planejamento, os as-pectos sociopolíticos dos desastres e os desafios para a segu-rança humana neste contexto; a intervenção estatal e o papel da política de assistência social; as tecnologias de prevenção de riscos; a atuação dos agentes de defesa civil; e os riscos da saúde e as oportunidades de articulação, organização comu-nitária e fortalecimento de fóruns.

No prefácio, a demógrafa Estela María García de Pinto da Cunha assinala que os artigos abordam numerosas pers-pectivas disciplinares, teóricas, metodológicas e empíricas, num espectro rico e amplo de temas. Assim, conforme a especialista e coordenadora do Nepo, “questionam-se quais seriam as relações sociais e políticas que induzem discursos de inevitabilidade dos desastres ‘naturais’, que levariam à sociedade a tão somente impedir suas consequências em vez de compreendê-los em toda a sua complexidade, focalizan-do tanto as dinâmicas econômicas quanto as sócio-políticas-culturais, institucionais e multicausais.”

Discute-se também, escreve Estela da Cunha, “a rele-vância do conceito polissêmico, multidimensional e multi-variado de vulnerabilidade (diferente de exposição ao ris-co) que permitiria compreender a dinâmica de exposição, enfrentamento, resposta e risco, considerando as condições materiais e simbólicas do ambiente físico, da estrutura so-cial e da experiência do perigo em cada caso particular. (...) Os autores apresentam a vulnerabilidade como um conceito promissor, que por ser heurístico amplia as concepções de segurança e de proteção da sociedade (...).”

PROGRAMA DE ESTUDOSO sociólogo Roberto do Carmo lembra que a ideia para

a coletânea de textos partiu do IV Programa de Estudos Po-pulação, Ambiente e Desenvolvimento, organizado em 2012 pelo Nepo, com apoio da Rede Clima e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas. O programa reuniu gestores e organizações da sociedade ci-vil de diferentes campos de atuação e regiões brasileiras para refletir sobre a segurança humana no contexto dos desastres a partir de uma dimensão social.

“Esse programa de estudos teve claramente uma abor-dagem nova, trazendo pessoas que numa situação de de-sastre nem sempre falam a mesma linguagem, como os profissionais da defesa civil e da assistência social. Nestes casos, eles nem sempre estão numa condição de igualdade. Portanto, foi importante esta oportunidade de colocar em debate estes diversos atores. Além da defesa civil e da as-sistência social, estavam também representantes dos mo-radores vitimados pelos desastres. O diálogo de todos se mostrou muito profícuo, e está um pouco refletido neste conjunto de artigos”, relaciona.

Os tradicionais programas de estudos e capacitações do Nepo são desenvolvidos desde a década de 1990. Eles incor-poram diversas áreas como saúde reprodutiva e sexualidade, metodologia de pesquisa em gênero, demografia, meio am-biente e, mais recentemente, campos relacionados às mu-danças climáticas. As três edições anteriores dos programas de estudos abordaram, por exemplo, os eventos extremos e as dimensões humanas.

TRANSIÇÃOA segurança humana no contexto dos desastres ambien-

tais deve revestir-se de importância cada vez maior, sobretu-do, pelo crescente processo de urbanização no país nos últi-mos 50 anos. Roberto do Carmo aponta que o Brasil passou de um país rural na década de 1950 para um país urbano nos dias atuais. De acordo com ele, dados do último Cen-so do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que 36% da população brasileira residia nas ci-dades naquele período. Atualmente, este número chega aos 84%, de acordo com o Censo Demográfico de 2010.

“A ocupação de áreas impróprias para moradia gera uma parte da nossa preocupação com a segurança humana, principalmente porque nesse período também ganha força a questão das mudanças climáticas. Os eventos extremos associados ao clima têm impacto alto historicamente, tan-to em termos de mortalidade, como de aumento de doen-ças de veiculação hídrica. Por outro lado, o que estamos vivenciando este ano no Sudeste é um desastre diferente, relacionado à falta de água. Toda essa discussão torna-se fundamental no sentido de que a tendência é que estes eventos, infelizmente, aumentem. E o impacto sobre a po-pulação tende a ser cada vez maior se não nos preocupar-mos e nos preparáramos”, alerta.

ServiçoTítulo: Segurança humana no contexto dos desastres Organizadores: Roberto do Carmo e Norma Valencio Editora: RimaApoio: Fórum de Mudanças Climáticas Páginas: 210Lançamento: 21 de agosto, às 9h, no auditóriodo Nepo

urbanização desregrada e as mudanças no uso da terra trazidas pelas pressões econômicas da globalização vêm fazendo com que a América do Sul registre um número crescente de de-sastres naturais nas últimas décadas, desas-

tres que atingem cada vez mais pessoas, embora causem menos mortes do que no passado. Essa é a constatação da tese de livre-docência de Lucí Hidalgo Nunes, geógrafa e professora do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, “Urbanização, globalização e suas relações com os desas-tres naturais na América do Sul”.

A tese avaliou os dados da ONU referentes aos de-sastres naturais ocorridos no subcontinente entre 1960 e 2009, classificados em três categorias: hidrometeoroló-gicos e climáticos, geofísicos e biológicos. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, a pesquisadora disse que, embora o número de eventos deflagradores de desastres – como chuvas intensas, por exemplo – também tenha crescido no período, o impacto desses eventos, em termos do número de pessoas afetadas e prejuízos causados, cresceu muito mais, e de forma desproporcional.

De acordo com os dados levantados para a tese, mais da metade dos desastres naturais a atingir o subcontinen-te no período analisado ocorreu apenas nas duas últimas décadas contempladas pelo estudo, os anos 1990 e 2000. Já o maior número de mortos em desastres concentrou-se

nos anos 70, com forte contribuição de um único evento, um terremoto no Peru, o maior desastre da América do Sul do período investigado. Por sua vez, o número de afetados cresce a partir da década de 80.

“Não é porque está chovendo mais”, disse a pesquisa-dora. “Pode até haver mais precipitação, mas não de forma que justifique o número de desastres, que é muito maior. A chuva, no caso das inundações, não é o contribuinte mais importante. Não na proporção do número de eventos, que sempre é maior do que qualquer eventual alteração do cli-ma que possa ter acontecido, o que mostra que os eventos deflagradores são apenas isso, deflagradores”.

Lucí, que é climatologista, incluiu um capítulo em sua tese sobre mudança climática, mas pondera que ainda que esse fenômeno possa ampliar ainda mais a chance de desastres hidrometeorológicos e climáticos, esse fato não é o princi-pal responsável pelo aumento no número de desastres dessa natureza. “Se as mudanças climáticas se configurarem da forma como a comunidade científica prevê, um problema que já é bastante grave vai agravar-se, mas ele não foi, ab-solutamente, o elemento mais importante no aumento de casos constatado no período em estudo”, afirmou ela. A docente acrescentou, ainda, que a coleta das ocorrências vem melhorando, o que contribui parcialmente com a ten-dência de aumento de registros, incluindo do número de vítimas e de prejuízos, mas reafirma que a transformação das áreas e a ocupação desenfreada de setores de risco são os elementos-chave para o quadro de desestruturação en-contrado.

MUDANÇA CLIMÁTICA“O que a gente vê é que sem dúvida alguma está haven-

do um aumento dos desastres naturais – e muitos deles são induzidos por fenômenos atmosféricos, como chuvas, por exemplo. E uma das coisas que a comunidade científica coloca em relação às mudanças climáticas é que vai haver mais extremos: ou seja, mais episódios de chuva concen-trados, ou mais secas”.

A pesquisadora acrescenta que, se isso se configurar, haverá mais desastres naturais. Mas faz a ressalva: “É fato que, mesmo que a gente não considere as mudanças cli-máticas, de qualquer maneira os eventos deflagrados por condicionantes atmosféricos têm aumentado. Por mais que possa estar chovendo um pouco mais, nada justifica o enorme número de eventos, nas décadas mais recentes, em relação às décadas primeiras que analisei”.

A tese segue a definição da ONU para desastre natural. “Para as Nações Unidas, desastre natural é aquele evento que ou promove dez mortes, e/ou pelo menos 100 afetados, ou que causa perdas e impactos que superam a capacidade de reação da comunidade afetada, requerendo ajuda externa”.

A pesquisadora reconhece que existem outras defini-ções viáveis. “Há controvérsias. Há leituras diferentes do que seria um desastre natural”, disse ela. A adoção do cri-tério das Nações Unidas e, por tabela, das bases de dados da ONU sobre desastres, permitiu uma comparação mais sólida entre intervalos de tempo e países.

GLOBALIZAÇÃO“O meu mote foi como urbanização e globalização têm

sido indutores dos desastres naturais”, explicou Lucí. No caso da globalização isso acontece, de acordo com a pesqui-sadora, porque os países da América do Sul – ela destaca especificamente Brasil, Chile e Argentina – buscam uma inserção da encomia globalizada que desconsidera a dinâ-mica do meio ambiente.

“Nós temos uma capacidade muito rápida de respon-der às demandas externas da globalização. Por exemplo, quando há uma crise internacional no abastecimento de algum produto agrícola de que o Brasil também é produ-

tor, conseguimos supri-la de uma maneira muito efetiva e rápida”. Mas essas demandas também alteram os espaços produtivos de modo expressivo.

“A nossa inserção na globalização é para responder a de-mandas externas, mas elas muitas vezes se fazem de uma maneira muito destrutiva para o nosso ambiente, às vezes até inviabilizando aquele ambiente, passado algum tem-po”, complementa. “Essa é a nossa inserção, e aí eu junto os nossos países vizinhos, nessa economia globalizada. É uma inserção que se faz às custas de uma enorme trans-formação do meio físico. Muitas vezes, uma transformação melhor entendida como destruição”.

URBANIZAÇÃOJá o processo de urbanização, que se vem acelerando em

todo o mundo e também na América do Sul, “é uma trans-ferência muito grande de população para as áreas urbanas”, disse a pesquisadora. “Num primeiro momento, a ocupação se faz em determinadas áreas do município e depois vai se expandindo, não raro, para as áreas sujeitas a deslizamentos, a inundações. A ocupação urbana mais recente, dos últimos 20, 25 anos, tem se dado, em maior ou menor grau em todas as cidades da América do Sul, em áreas que são passíveis de serem afetadas por algum problema, principalmente os de or-dem hidrometeorológica, como enchentes ou deslizamentos de terra”.

Lucí volta a ressaltar que as chuvas, mesmo intensificadas, não têm sido o fator mais importante nesse tipo de desas-tre. “Pode até estar havendo chuvas mais concentradas, mais intensas, isso é um elemento importante para gerar inunda-ções, escorregamento de encosta, isso é fato. Só que não na proporção do número de eventos, que sempre é maior do que qualquer alteração das chuvas”.

O aumento no número de desastres naturais e de víti-mas afetadas surge da ocupação desordenada dos espaços urbanos, e da grande suscetibilidade que isso gera. “Uma boa parte dessa ocupação se dá em áreas costeiras, isso é uma realidade mundial. Se dá em áreas que já têm um certo grau de suscetibilidade, é uma ocupação muito dra-mática, muito agressiva”, afirma a pesquisadora. “Áreas tropicais úmidas costeiras são vulneráveis por definição. São locais onde processos como movimentos de massa acontecem mesmo sem gente. Meus colegas geomorfólo-gos, geólogos, conseguem reconstituir deslizamentos que ocorreram a 200, 250 anos atrás; isso faz parte da evolução física desses locais”.

VIDAS HUMANASAs transformações que o ser humano opera no ambiente

não vêm sempre no sentido de aumentar a vulnerabilidade das populações aos desastres naturais – também há medidas preventivas e mitigadoras que podem ser tomadas – “mas são dois processos que andam em velocidades diferentes”, disse Lucí. “A velocidade da transformação, em Campinas, Quito, Valparaíso ou Buenos Aires é tal que em três, quatro, cinco anos os bairros já têm muito mais pessoas. Assim, a transformação, a urbanização, é muito grande e, nos anos mais recentes, ocorre cada vez mais em áreas de risco. Ela se faz numa velocidade que dificulta a restabilização dos locais, que às vezes é possível, mas nem sempre”.

O mundo inteiro, afirma a pesquisadora, investe menos que o necessário para tratar dos desastres naturais. Mesmo no Japão, país considerado modelo nessa área, as medidas preventivas são insuficientes, de acordo com ela. No caso do terremoto, seguido de tsunami, que atingiu a usina nu-clear de Fukushima, em 2011, morreram cerca de 15 mil pessoas, fato que a pesquisadora aponta como preocupan-te. Porém, na ocasião essa cifra foi tida como positiva por ter sido comparada à situação do Haiti, onde um terremoto de intensidade menor matou mais de 200 mil pessoas. Mas ela considera que mesmo o número verificado no Japão é inaceitável, ainda mais para um país desenvolvido.

Lucí lembra que o Brasil só criou seu Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em 2011, após a tragédia dos deslizamentos de terra que atingiram as cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, no que foi considerado o maior desastre natural do Brasil em número de mortos, com cerca de mil vidas perdidas.

Nisso, diz ela, o Brasil não é muito diferente do resto do mundo, destacando que somente após o advento de uma grande calamidade, em especial quando se atingem pessoas de renda mais alta, é que medidas mais efetivas são iniciadas.

O número de mortos vem caindo, mesmo com o cresci-mento no total de desastres, “por causa de algumas ações”, disse a pesquisadora, “que têm alguma efetividade”, prin-cipalmente na resposta imediata à situação de emergência. Mas o crescimento no total de afetados mostra que essas ações não bastam. “O desastre natural é um processo”, ela faz questão de frisar. “Aquele momento em que a coisa deto-na é o ápice de um processo que já vem de algum tempo. As pessoas já moravam lá, as casas já eram frágeis, de repente acontece um terremoto ou uma chuva muito intensa e acon-tece a calamidade. Mas ela é decorrência de fatos anteriores. Acho que o pior de tudo é a falta de medidas preventivas”.

urbanização desregrada e as mudanças no uso da terra trazidas pelas pressões econômicas da globalização vêm fazendo com que a América

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