na parede da memória

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Jornal do Comércio - Porto Alegre 4 Quinta-feira, 29 de março de 2012 Mariana Amaro, especial JC, e Caroline da Silva Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, então é melhor não se preocupar com o bicho. Esta frase é de Elis Regina, mas serve muito bem ao momento que Maria Rita vive em sua carreira. A filha, que sempre relutou em cantar a mãe, expia seus dramas e inse- guranças em Viva Elis, projeto que reúne uma exposição, um livro, um documentário e uma turnê de Maria Rita em home- nagem à eterna voz da MPB. Maria Rita notoriamente, até este momento, evitou interpre- tar obras do repertório de sua mãe, fato sempre explorado pela crítica e até pelos fãs. “Para mim é uma questão ética, emo- cional, profissional, não fazer nada que fosse dela. Dentre todas as escolhas difíceis que eu fiz, sendo uma delas cantar, eu tinha que mostrar a que vim, ou melhor, que vim”, diz a cantora de 34 anos. Ela explica que os arranjos de Elis são complexos, não só pelo aspecto emocional, mas pelo qualitativo também e, quando viu a repercussão inicial do projeto, se apavorou e pensou em cancelar tudo. “Virou uma confusão, saiu na capa de jornais, vieram perguntas nas redes sociais. Eu não tinha gravado nada! Diante daquela comoção eu falei: não vou fazer, não estou pronta”. Mas após se acalmar, ela resolveu tocar o projeto adiante. “Tinha um pon- to dentro de mim que precisava fazer isso”, desabafou, aliviada. O Anfiteatro Pôr-do-Sol recebeu no sábado passado o primeiro show da turnê, no qual Maria Rita, ao lado dos músicos Thiago Costa (piano e teclado), Sylvinho Mazzuc- ca (baixo acústico e elétrico), Davi Moraes (guitarra) e Cuca Teixeira (bateria) interpretou 28 músicas selecionadas a dedo para os shows. “O repertório é imenso e eu podia ter partido de vários pontos. Busquei então, as músicas com que me iden- tificava. Ao final da primeira triagem, fiquei com 63 canções, daria umas 3h30min de show, tá bom, né?”, brinca ela. Assim, o roteiro do concer- to contemplou os principais compositores do cancioneiro nacional, de Edu Lobo a Milton Nascimento. A primeira música a arrebatar os mais de 60 mil es- pectadores foi Como nossos pais, de Belchior. Outro momento marcante foi a chuva de boli- nhas de sabão durante Águas de março, de Tom Jobim. O patro- cinador entregou ao público um kit para o público contribuir com o espetáculo visual. Na sequên- cia, durante a linda versão de Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa, outra chuva: uma quantidade infinita de balões azuis provocou um contraste com o horizonte já laranja do tradicional pôr do sol do Guaí- ba. No bis, Romaria, de Renato Teixeira (que não estava no set list original) foi um presente emocionante para a Capital. A escolha de Porto Alegre para dar o pontapé inicial não foi coincidência. Por ser a cidade natal de sua mãe, o evento foi parte das comemorações do ani- versário da Capital. Maria Rita disse que a emoção de estar aqui era diferenciada e contou como foi a primeira vez que subiu em um palco na cidade: “Estava grávida, mas ninguém sabia e minha cabeça entrou em para- fuso, estava na cidade de minha mãe, grávida do primeiro neto dela. Então, na terceira música do show, um cara levantou com o punho fechado e gritou ‘sangue gaúcho’, e eu comecei a chorar. O público aplaudiu e chorei mais ainda. Senti-me bem-vinda.” Agora, o show segue para Recife (1 de abril), Belo Hori- zonte (08 de abril), São Paulo (22 de abril) e Rio de Janeiro (29 de abril). Segundo Tatiana Ponce, diretora de Marketing da Nivea - patrocinadora do projeto -, quem perdeu o espetá- culo na Capital poderá acompa- nhar online a apresentação em Pernambuco. A turnê é apenas uma das partes da homenagem, que assume um caráter transmidi- ático e gratuito, caminhando em consonância com a proposta de renovar a imagem de Elis Regina e atrair novos fãs. Uma exposição itinerante (com mais de 500 fotos da cantora, além de ingressos, pôsteres de shows, vídeos de apresentações ao vivo, objetos pessoais, jornais e até uma sala onde o público poderá ouvir Elis cantando sem acompanhamento instrumen- tal) rodará o País inteiro. A rota começa no dia 14 de abril no Centro Cultural São Paulo. Um documentário com depoimentos, cenas de arquivo da artista e performances ao vivo será lançado neste ano, junto com o livro biografia Viva Elis, de Allen Guimarães, que será distribuído gratuitamente em escolas e bibliotecas públi- cas. Ações na web, como uma linha do tempo de sua carreira e promoções nas redes sociais também fazem parte desta re- vitalização da obra de uma das grandes vozes da MPB. Trazer Elis Regina de volta é o norte de Maria Rita, que ao lado do irmão e mentor do proje- to João Marcello Bôscoli, decla- ra: “Não pretendo lançar nem CD nem DVD destes shows. Tem muita gente pedindo pra ter. Mas não entendo porque fazer se tem o original. Quero despertar a curiosidade sobre o trabalho dela”. Com um sorriso, a filha completa: “Não dá pra fazer um remix da Mona Lisa”. Ricardo Gruner O que os presentes no Estádio Beira-Rio no último do- mingo viram não foi um show, foi um espetáculo. The Wall, o concerto em que Roger Waters apresenta o disco homônimo de sua ex-banda, extrapola os limites da música e flerta com o cinema e o teatro. O resultado é, no mínimo, inesquecível: o ex-baixista do Pink Floyd divide o centro das atenções com o muro de 137 metros de largura que se estende pelo palco e ilustra, através de projeções, os temas presentes no disco. Se o início das atividades é literalmente incendiário, com In the flesh?, no decorrer das outras 27 faixas interpre- tadas o público só teve a se surpreender. Na parte musical, a fidelidade ao álbum, de 1979, espanta. Efeitos quadrifô- nicos reproduzem sons de disparos de armas, helicópteros e bombas, levando os espectadores a olhar para os lados para entender o que está acontecendo; já os pedais de guitarra revivem com maestria o efeito de delay característico nas faixas originais. Waters, para o delírio geral, ainda parece contar com a exata voz de 30 anos atrás, e seus músicos de apoio não desapontam ao simular os vocais (e guitarra) de David Gilmour, o teclado de Richard Wright ou a bateria de Nick Mason. Mas é quando o público (quase) esquece que há uma banda tocando que o espetáculo ganha tons épicos. Em Another brick in the wall pt.2, um boneco inflável rouba a cena para atormentar o astro e o coro de crianças que cantarola o mais célebre refrão do álbum; em Mother, uma câmera gigante aparece no telão para demonstrar a vigilância do governo, e Waters, em um raro momento de diálogo, confessa: “Em 1978, eu achava que o muro era sobre mim. Estava errado, é sobre Jean Charles e sobre tantos outros”, em uma das inúmeras mensagens contra o terrorismo de Estado. A crítica política também está presente através de imagens de falecidos em combate e de vídeos de crianças reencontrando os pais que voltaram da guerra. Tudo isso reproduzido em um muro que, durante a primeira parte do show é construído e, na segunda, já cobrindo todo o palco, transforma o estádio em um cinema a céu aberto. Na metade final, fica claro que Roger Waters não é ape- nas um músico, e sim um artista. Sem o baixo que empu- nhava em boa parte inicial, o frontman esmurra a parede (que parece se abrir, em Confortably Numb) e aparece sentado em uma sala dentro dela (para interpretar Nobody home), entre outras encenações com as imagens projeta- das, o porco voador ou novos infláveis. Nos finalmentes, a provocação “tem algum paranoico aí?” precede a endiabra- da Run like hell o muro rói, e logo os músicos se despedem com Outside the wall. Ao término, é possível brincar de escolher o melhor adjetivo para descrever Roger Waters: talentoso, engajado, megalomaníaco, genial. Tarefa difícil. Um show de mais de duas horas, mas que parece durar apenas alguns minutos, tamanho o envolvimento criado. Na parede da memória Muito mais do que música OPINIÃO MÚSICA Roger Waters realizou apresentação épica em Porto Alegre Maria Rita diz que não pretende lançar a turnê Viva Elis em DVD GILMAR LUÍS/JC JOÃO MATTOS/JC

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Matéria sobre o show Viva Elis de Maria Rita para o Jornal do Comércio. Redigida em conjunto com a sub-editora Caroline da Silva.

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Page 1: Na parede da memória

Jornal do Comércio - Porto Alegre4 Quinta-feira, 29 de março de 2012

Mariana Amaro, especial JC, e Caroline da Silva

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, então é melhor não se preocupar com o bicho. Esta frase é de Elis Regina, mas serve muito bem ao momento que Maria Rita vive em sua carreira. A filha, que sempre relutou em cantar a mãe, expia seus dramas e inse-guranças em Viva Elis, projeto que reúne uma exposição, um livro, um documentário e uma turnê de Maria Rita em home-nagem à eterna voz da MPB.

Maria Rita notoriamente, até este momento, evitou interpre-tar obras do repertório de sua mãe, fato sempre explorado pela crítica e até pelos fãs. “Para mim é uma questão ética, emo-cional, profissional, não fazer nada que fosse dela. Dentre todas as escolhas difíceis que eu fiz, sendo uma delas cantar, eu tinha que mostrar a que vim, ou melhor, que vim”, diz a cantora de 34 anos. Ela explica que os arranjos de Elis são complexos, não só pelo aspecto emocional, mas pelo qualitativo também e, quando viu a repercussão inicial do projeto, se apavorou e pensou em cancelar tudo. “Virou uma confusão, saiu na capa de jornais, vieram perguntas nas redes sociais. Eu não tinha gravado nada! Diante daquela comoção eu falei: não vou fazer, não estou pronta”. Mas após se acalmar, ela resolveu tocar o projeto adiante. “Tinha um pon-to dentro de mim que precisava fazer isso”, desabafou, aliviada.

O Anfiteatro Pôr-do-Sol recebeu no sábado passado o primeiro show da turnê, no qual Maria Rita, ao lado dos músicos Thiago Costa (piano e teclado), Sylvinho Mazzuc-ca (baixo acústico e elétrico), Davi Moraes (guitarra) e Cuca Teixeira (bateria) interpretou

28 músicas selecionadas a dedo para os shows. “O repertório é imenso e eu podia ter partido de vários pontos. Busquei então, as músicas com que me iden-tificava. Ao final da primeira triagem, fiquei com 63 canções, daria umas 3h30min de show, tá bom, né?”, brinca ela.

Assim, o roteiro do concer-to contemplou os principais compositores do cancioneiro nacional, de Edu Lobo a Milton Nascimento. A primeira música a arrebatar os mais de 60 mil es-pectadores foi Como nossos pais, de Belchior. Outro momento marcante foi a chuva de boli-nhas de sabão durante Águas de março, de Tom Jobim. O patro-cinador entregou ao público um kit para o público contribuir com o espetáculo visual. Na sequên-cia, durante a linda versão de Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa, outra chuva: uma quantidade infinita de balões azuis provocou um contraste com o horizonte já laranja do tradicional pôr do sol do Guaí-ba. No bis, Romaria, de Renato Teixeira (que não estava no set list original) foi um presente emocionante para a Capital.

A escolha de Porto Alegre para dar o pontapé inicial não foi coincidência. Por ser a cidade natal de sua mãe, o evento foi parte das comemorações do ani-versário da Capital. Maria Rita disse que a emoção de estar aqui era diferenciada e contou como foi a primeira vez que subiu em um palco na cidade: “Estava grávida, mas ninguém sabia e minha cabeça entrou em para-fuso, estava na cidade de minha mãe, grávida do primeiro neto dela. Então, na terceira música do show, um cara levantou com o punho fechado e gritou ‘sangue gaúcho’, e eu comecei a chorar. O público aplaudiu e chorei mais ainda. Senti-me bem-vinda.”

Agora, o show segue para

Recife (1 de abril), Belo Hori-zonte (08 de abril), São Paulo (22 de abril) e Rio de Janeiro (29 de abril). Segundo Tatiana Ponce, diretora de Marketing da Nivea - patrocinadora do projeto -, quem perdeu o espetá-culo na Capital poderá acompa-nhar online a apresentação em Pernambuco.

A turnê é apenas uma das partes da homenagem, que assume um caráter transmidi-ático e gratuito, caminhando em consonância com a proposta de renovar a imagem de Elis Regina e atrair novos fãs. Uma exposição itinerante (com mais de 500 fotos da cantora, além de ingressos, pôsteres de shows, vídeos de apresentações ao vivo, objetos pessoais, jornais e até uma sala onde o público poderá ouvir Elis cantando sem acompanhamento instrumen-tal) rodará o País inteiro. A rota começa no dia 14 de abril no Centro Cultural São Paulo.

Um documentário com depoimentos, cenas de arquivo da artista e performances ao vivo será lançado neste ano, junto com o livro biografia Viva Elis, de Allen Guimarães, que será distribuído gratuitamente em escolas e bibliotecas públi-cas. Ações na web, como uma linha do tempo de sua carreira e promoções nas redes sociais também fazem parte desta re-vitalização da obra de uma das grandes vozes da MPB.

Trazer Elis Regina de volta é o norte de Maria Rita, que ao lado do irmão e mentor do proje-to João Marcello Bôscoli, decla-ra: “Não pretendo lançar nem CD nem DVD destes shows. Tem muita gente pedindo pra ter. Mas não entendo porque fazer se tem o original. Quero despertar a curiosidade sobre o trabalho dela”. Com um sorriso, a filha completa: “Não dá pra fazer um remix da Mona Lisa”.

Ricardo Gruner

O que os presentes no Estádio Beira-Rio no último do-mingo viram não foi um show, foi um espetáculo. The Wall, o concerto em que Roger Waters apresenta o disco homônimo de sua ex-banda, extrapola os limites da música e flerta com o cinema e o teatro. O resultado é, no mínimo, inesquecível: o ex-baixista do Pink Floyd divide o centro das atenções com o muro de 137 metros de largura que se estende pelo palco e ilustra, através de projeções, os temas presentes no disco.

Se o início das atividades é literalmente incendiário, com In the flesh?, no decorrer das outras 27 faixas interpre-tadas o público só teve a se surpreender. Na parte musical, a fidelidade ao álbum, de 1979, espanta. Efeitos quadrifô-nicos reproduzem sons de disparos de armas, helicópteros e bombas, levando os espectadores a olhar para os lados para entender o que está acontecendo; já os pedais de guitarra revivem com maestria o efeito de delay característico nas faixas originais. Waters, para o delírio geral, ainda parece contar com a exata voz de 30 anos atrás, e seus músicos de apoio não desapontam ao simular os vocais (e guitarra) de David Gilmour, o teclado de Richard Wright ou a bateria de Nick Mason.

Mas é quando o público (quase) esquece que há uma banda tocando que o espetáculo ganha tons épicos. Em Another brick in the wall pt.2, um boneco inflável rouba a cena para atormentar o astro e o coro de crianças que cantarola o mais célebre refrão do álbum; em Mother, uma câmera gigante aparece no telão para demonstrar a vigilância do governo, e Waters, em um raro momento de diálogo, confessa: “Em 1978, eu achava que o muro era sobre mim. Estava errado, é sobre Jean Charles e sobre tantos outros”, em uma das inúmeras mensagens contra o terrorismo de Estado.

A crítica política também está presente através de imagens de falecidos em combate e de vídeos de crianças reencontrando os pais que voltaram da guerra. Tudo isso reproduzido em um muro que, durante a primeira parte do show é construído e, na segunda, já cobrindo todo o palco, transforma o estádio em um cinema a céu aberto.

Na metade final, fica claro que Roger Waters não é ape-nas um músico, e sim um artista. Sem o baixo que empu-nhava em boa parte inicial, o frontman esmurra a parede (que parece se abrir, em Confortably Numb) e aparece sentado em uma sala dentro dela (para interpretar Nobody home), entre outras encenações com as imagens projeta-das, o porco voador ou novos infláveis. Nos finalmentes, a provocação “tem algum paranoico aí?” precede a endiabra-da Run like hell o muro rói, e logo os músicos se despedem com Outside the wall.

Ao término, é possível brincar de escolher o melhor adjetivo para descrever Roger Waters: talentoso, engajado, megalomaníaco, genial. Tarefa difícil. Um show de mais de duas horas, mas que parece durar apenas alguns minutos, tamanho o envolvimento criado.

Na parede da memória

Muito mais do que música

OPINIÃO

MÚSICA

Roger Waters realizou apresentação épica em Porto Alegre

Maria Rita diz que não

pretende lançar a turnê Viva Elis

em DVD

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