na linha de frente
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Luiz Fernando Brocco VEJA AQUITRANSCRIPT
Nota:
Esta é uma obra de ficção, com contextos históricos reais,
expresso aqui todo meu respeito e solidariedade aos
combatentes da Revolução de 32 e aos prejudicados pelo
regime militar.
Dedico este livro carinhosamente a meu avô e avó
adotados, Seu Carlos e Dona Lair.
Obrigado pelos materiais de consulta sobre a Revolução de
32 e pelos depoimentos pessoais.
Dedico também em memória de meu bisavô Luigi Brocco
que lutou e sobreviveu nas trincheiras em 32.
16 de Outubro 1967 – São Paulo
Um estranho uniforme
Ele se instalou ali na casa do falecido primo
disposto a transformar aquele enorme casarão em
um aparelho1 do movimento estudantil, seu nome
era Pedro, agora se chamava Leônidas em seus
documentos falsos e sua nova aparência para fugir
dos militares, junto de seu braço direito ele ouvia o
brado de um dos colegas que discursava:
— Os militares já vem nos enrolando com
essa conversa de eleições diretas a mais de três anos
e nada, tudo que eles fazem é reprimir qualquer
chance de esclarecimento real!
Os olhos escuros de Leônidas que assistiam
aquele discurso cheio de indignação e paixão por
uma causa movimentaram-se para o lado e fitaram
Maria que lhe chamava fazendo sinais. Ele
1 Gíria usada para esconderijos utilizados pelos perseguidos pela ditadura nos anos 60.
silenciosamente esgueirou seu corpo musculoso com
sutileza e alcançou a estudante.
– Camarada Leônidas... – sussurrou baixinho a
moça.
—Encontrei aqui na casa um quarto secreto,
será útil ao nosso movimento, venha comigo dar uma
olhada!
Pedro a seguiu até um quarto nos fundos e após se
distanciarem dos outros e notarem que não havia
mais ninguém ali, ela roubou-lhe um beijo e ele
sorriu, em seguida levantou algumas madeiras do
assoalho e mostrou um alçapão, após descerem ela
mostrou o que mais a intrigou um estranho chicote
com ornamento indígena, luvas, botas e uma
máscara.
13 de Julho 1932 — Rebuliço no bonde
— Muito bem, condutor, de agora em diante
você não vai efetuar as paradas do bonde, seguirá
nossas ordens, ou além dos gaúchos todo mundo vai
morrer! — ordenou o homem encapuzado.
— Por Deus, rapaz! Não faça isso, ninguém
aqui tem nada a ver com esses motins! Vais atrair a
atenção da Força Pública 2 e...— o condutor calou—
se quando sentiu a faca no pescoço.
Outros quatro homens encapuzados criavam
o maior rebuliço no bonde lotado, clamando que
queriam somente que os gaúchos traidores da luta
contra o absolutismo de Vargas e sua falsa promessa
de Nova Constituição se revelassem. Ninguém
ousou se apresentar, todos atônitos observavam a
violência dos encapuzados, mas ninguém ousava se
trair.
— Vem cá, rameira! — uma moça puxada
2 Antiga denominação da Polícia Militar.
pelos cabelos soltou um grito e sentiu uma faca
encostar na ponta de seu seio. — Não diga nada, já
lhe aviso, se os gaúchos presentes não se
apresentarem, vocês verão como se faz uma autópsia
diante de teus olhos!
No meio da confusão quase ninguém notou
no canto do bonde uma capa que cobria alguém que
estava encolhido, quase ninguém.
— Ei X ! Olhe ali no canto, há algum louco
dormindo e coberto com um capote! — bradou com
escarnio um dos atacantes.
— Acorde esse vadio com uma bela duma
sova! Imagine, capote nesse calor!Só pode ser um
bebum! — ordenou X.
O encapuzado que atendia por Y foi se
aproximando lentamente, parecia sentir certo receio,
receio este justificado, porque quando ergueu o
capote imenso e ia dar uma bofetada no dorminhoco,
ouviu um estalo e sentiu um golpe na face que
causou um corte superficial, os outros homens
desviaram sua atenção para ele.
Uma figura mascarada com luvas, botas e
roupas escuras se apresentou, enquanto Y arregalou
os olhos e começou a berrar:
— Não! Não! Papai, não, por favor ! — ele
parecia uma criança assustada em seus delírios, com
um certeiro movimento de pernas que mais parecia
um golpe de capoeira, a luta proibida, o homem foi
derrubado do bonde.
— Solte a menina, paspalho e venha ter
comigo, se for homem o suficiente! — desafiou o
capoeirista mascarado.
— Você só pode estar do lado dos traidores
da revolução !Z! W! L! Vão e peguem esse malaco
inimigo da pátria ! Eu cuido da gauchinha aqui!
Os três homens portando facas avançaram
contra o misterioso homem, um dos passageiros
passou uma rasteira em W que caiu de queixo no
chão e deixou a faca cair do bonde, os outros
desestabilizados pela velocidade do bonde foram
presas fáceis quando o homem agarrou a barra de
aço do veículo, deu uma giratória e os lançou para a
rua.
W se levantava quando recebeu uma chicotada e caiu
com as mãos nos olhos chorando e rindo, alegando
ver demônios e anjos.
— Condutor! Diminua a velocidade! —
bradou o herói.
— Se você fizer isso velhote, eu extirpo um
peito desta traidora ! Acelere , porque vamos todos
morrer! Todos pela causa !Traidores e patriotas! —
ele deslizou a faca pela barriga da moça. Ameaçando
cortá-la.
— X eu soltarei o chicote e me entrego, mas
peça ao condutor que diminua ou o bonde sairá dos
trilhos e sua luta será em vão, você não acha justo?
— X concordou, o bonde diminuiu um pouco, o
mascarado soltou o chicote e colocou as duas mãos
no chão. X exibiu um sorriso insano, empurrou a
moça que se desequilibrou e ia cair do bonde, mas se
agarrou em uma barra.
— Agora você é meu, traidor ! — o criminoso
avançou em direção ao herói e o povo gritava
desesperado, mas girando o corpo e virando os pés
em direção ao homem com a faca , ele o atingiu no
estomago, em seguida uma rasteira o derrubou.
Aproveitando o momento de distração do
criminoso caído, ele levantou e estendeu a mão para
a moça, mas enquanto a puxava sentiu um corte nas
costas. Ignorando a dor ele jogou a moça para dentro
e atingiu o homem com um chute no peito.
— Fique com a minha benção! — a faca caiu
no chão do bonde e os populares acudiram a moça
assustada, o herói arrancou a máscara do criminoso e
com uma cabeçada o levou a nocaute.
— Eu odeio pessoas que usam de uma
ideologia para praticar o mal! Durante guerras e
revoluções, somos nós o povo que sofre! Basta! —
enquanto o bonde diminuía até parar, o povo
aplaudiu e o homem tocou as costas cortadas.
— Quem é você? Que faremos com os dois?
— perguntou o condutor.
Antes de descer do bonde o mascarado
remanescente pegou o chicote que alguém lhe jogou,
a moça sorriu, isso indicava que estava bem, ele
estalou o chicote.
— Deixem a Força Pública cuidar deles! E se
perguntarem o que houve... Digam que foi uma
intervenção do Escorpião!
Ele disparou até a rua e após arrancar com
maestria a tampa de um bueiro desapareceu.
— Só pode ser um enviado de Deus! —
comentou uma senhora.
— Sei não, era algum doido varrido, viu as
roupas que usava neste calor? — respondeu um
senhor assustado.
— Muito ágil, sumiu pelo bueiro como um
rato! — exclamou um rapazinho.
Naquele momento o condutor sorriu e
proferiu:
— Não um rato, mas um autêntico escorpião!
1º de Novembro de 1967 –
O quadro da índia
Pedro observava o chicote pensativo, durante
semanas indagou. Quem realmente era seu primo
Evaristo? Que chicote estranho era aquele? Por puro
fetiche o levou durante um protesto no qual a polícia
baleou um estudante e quando a tropa de choque
tentou pará-lo, ele por instinto usou o chicote contra
o agressor e o viu cair por terra delirando, conseguiu
fugir junto dos camaradas e contou a Maria o que
aconteceu.
No quarto secreto, após se amarem,
descansavam, Leônidas levantou e observou o
chicote, as luvas, botas e máscara. Após toca-las com
certo carinho e admiração sem saber por que, ele
encarou na parede o quadro de uma bela indígena
desnuda.
Maria havia dito que ouvira alguns rumores sobre
espiões do Dops3 ali naquela área, isso era motivo
para suspender as reuniões por enquanto, não
apoiava a guerrilha armada, preferia lutar através do
clamor e da conquista de aliados através dos
protestos, mas e se precisasse proteger alguém?
Olhou para o chicote e sentiu vontade de
continuar as buscar por ali, tiveram pouco tempo
para procurar por mais algo, evitavam movimentos
exagerados ali, poderiam ser denunciados pelos
vizinhos, acordou Maria e começaram a procurar por
esconderijos ali dentro mesmo.
— Léo! Aqui! — ela apontou uma estante que
ao ser empurrada mostrava gavetas escondidas em
um armário feito de cimento, Leônidas puxou a
gaveta e Maria achou um arquivo identificado como
Irmandade do Ódio, quando o abriu viu diversos
desenhos e anotações sobre vodu, um dos desenhos
3 Departamento de Ordem e Política Social responsável pela repressão aos subversivos.
mostrava um homem numa máscara de esqueleto
coberto por uma mortalha.
— Aqui tem uma inscrição: Dr. Vodu! Léo,
seu primo era meio pirado, satanista ou o que?
— Sei não, Maria, ele era 30 anos mais velho, nunca
tive muito contato com ele, meu erro! — ele
suspirou e ao desviar o olhar encarou o quadro da
índia.
— Não tira os olhos da pelada né? Tudo bem,
ela é um brotinho mesmo! — brincou Maria.
— Alguma coisa nesse quadro me intriga,
será que ela existiu? Será que tinha alguma relação
com essa loucura mascarada de Evaristo? —
questionou o rapaz a esmo.
— Sei não, mas bem que pode ter algo
escondido atrás do quadro! — Leônidas arregalou os
olhos e concordou. Maria retirou o quadro e atrás
dele havia uma abertura tapada com uma cerâmica,
ele retirou com jeito e sorriu havia algo lá dentro
numa caixa de ferro com cadeado. Após Maria tentar
várias vezes abriu o cadeado com um grampo e viram
uma esmeralda idêntica a que usava a índia do
quadro, ele a pegou, examinou e a passou a Maria.
— Somente uma joia e nada mais. — mas
quando olhou para a companheira viu seus olhos
castanhos tornarem-se o puro reflexo da esmeralda,
ele assustou ao ver que Maria tremia e a repentina
mudança na cor dos olhos, mas ela o afastou. Parecia
emanar uma grande energia.
— Nesta pedra estão está toda a verdade e
eu a vejo! — disse a revolucionária sorrindo.
16 de Julho de 1932 –
A Bruxa
O andar dela inspirava uma confiança
incomum, muito distinta das mulheres da cidade,
possuía uma inocência, porém uma força enorme,
seu corpo era torneado, os olhos verdes tomados
pela magia que a possuía conferiam medo em alguns
e a outros encantavam, vinda de uma tribo tida pelos
antigos conquistadores como mitológica, ela
provinha de uma sociedade só de mulheres,
revoltadas contra a submissão imposta pelos homens
indígenas, elas se afastaram e somente aceitavam a
presença destes para procriar, os meninos nascidos
eram levados embora e as meninas permaneciam na
aldeia oculta.
Fora de seu habitat a indígena caminhava por São
Paulo, a procura de um chicote místico roubado há
tempos por um dos índios e vendido ao homem
branco em troca de favores, diante da impotência da
mulher citadina , ela passou a caçar os homens que
brutalizavam as mulheres , enquanto não encontrava
o rastro do artefato roubado, ela decidiu agir contra
aqueles que abusavam de sua força e influência sobre
as mulheres.
Era noite, entre a bruma composta pela
fumaça dos cigarros e os restos dos cartazes
amassados que o M.M.D.C4 espalhava jogados ao
chão, ela fitou de longe o medíocre conhecido como
Vadão. Ele cheirava éter escondido num beco e não
se surpreendeu com a presença dela.
— Quer um pouco também? Posso até
pensar, se você for boazinha... — ele tentou tocar—
lhe o seio, mas ela deteve a mão e a torceu.
— Você vai pagar pelo que fez a aquela
mulher ! Você a violentou e a deixou morrer!
Vadão puxou uma faca escondida e tentou
perfurar o rosto dela, mas com a agilidade de uma
4 Levante revolucionário formado a partir do assassinato de manifestantes pelas tropas federais, em homenagem a estes: M.M.D.C são as iniciais de seus sobrenomes: Martins. Miragaia, Drausio e Camargo, o M.M.D.C foi o grupo mais ativo em convocar os paulistas para a guerra constitucionalista.
jaguatirica ela o desarmou em instantes e pôs de
costas no chão e o subjugou.
— Como você se sente? Não foi isso que fez
com ela ? — ela mergulhou a cabeça dele no chão.
— Não sei do que você fala !Me solta ! — ele
tentou se soltar, mas o corpo dela o envolvia de
forma que parecia estar agarrado por uma serpente.
O sangue escorria do nariz e manchava o chão onde
jazia.
— Eu a encontrei agonizando e através de
suas lembranças , eu o vi, vi o que fez. — a bela
mulher de olhar sisudo virou o corpo do cafetão para
cima e após um golpe certeiro no queixo, fez com
que ele implorasse por piedade. Ela puxou o rosto
dela para perto e ele viu os olhos tornarem—se cor
de sangue.
— Esta é minha piedade! Você não morrerá,
mas carregará toda a dor que causou! — com um
toque a mente dele foi preenchida por uma súbita
loucura e Vadão começou a se contorcer e em seu
corpo sofria a dor do próprio abuso que cometera.
Quando encontraram pela manhã o viram
jogado no canto do beco onde ele se autoflagelava
com uma garrafa.
Os homens passaram a temer uma misteriosa
mulher que fazia justiça as atrocidades cometidas
contra as mulheres e em muitos lugares ecoavam
burburinhos sobre uma misteriosa bruxa decidida a
vingar as mulheres oprimidas.
5 de Novembro de 1967
O novo Escorpião
Desde o dia em que a esmeralda foi
encontrada, Maria demonstrava cada vez mais
potenciais estranhos, parecia ter sido invadida por
memórias alheias do passado de alguém que esteve
ao lado do falecido Evaristo, ela se pôs a contar toda
a história que envolvia uma figura pouco conhecida
durante a revolução constitucionalista, o Escorpião e
sua parceira vulgarmente conhecida como Bruxa.
Apesar de saber as propriedades estranhas do
chicote e dos estranhos dons que Maria vinha
aflorando, Leônidas só se deu por convencido da
existência do antigo herói quando um senhor de 80
anos que havia sido condutor de bonde lhe contou
um ato que testemunhara trinta e cinco anos atrás,
quando homens tomados de ira pela deserção das
tropas gaúchas da aliança com São Paulo, decidiram
atentar contra qualquer um que fosse proveniente do
sul.
Leônidas e Maria cada vez mais unidos mergulhavam
na história dos heróis do passado e tentavam a todo
o momento burlar as investigações do Dops para
captura—los, ambos perceberam que apesar das
ditas boas intenções dos guerrilheiros armados,
muitos cometiam barbáries contra as pessoas do
mesmo jeito ou até piores que os militares.
Um sentimento de descrença os abateu, já não tinha
lados para aderir, não se podia lutar contra um
inimigo usando de seus mesmos métodos. Mas algo
veio até Leônidas como resposta.
No quinto dia de novembro de 67, foram
sequestrados por grupos de extermínio seis jovens
acusados de serem partidários de ideais comunistas,
três deles eram amigos de infância de Leônidas.
Através de investigações descobriu—se que
estavam cativos em um galpão na zona leste de São
Paulo e movido por um sentimento de desespero, o
revolucionário vestiu o uniforme do Escorpião e
partiu para o resgate, deixando uma carta a Maria
avisando—a que se fosse pego deveria fugir de São
Paulo para o Uruguai.
— Sua puta comunista nojenta, vamos lá !
Diga quais são os próximos passos de sua
organização! — o truculento homem mergulhou a
cabeça da jovem num barril cheio d’água e ficou
assistindo o corpo dela se debater enquanto os
outros três algozes riam.
Os outros cinco cativos assistiam impotentes,
a tortura e o vilipendio da companheira, armas de
grosso calibre jaziam encostadas na parede e
instrumentos de tortura artesanalmente construídos
decoravam o galpão.
O vestido vermelho da jovem rasgado ao
chão, e as roupas intimas banhadas em sangue
mostrava os sinais de violências sexuais sofridas, os
gritos não podiam ser ouvidos naquele lugar ,
somente o horror preenchia aquele recinto.
O opala preto de Leônidas jazia estacionado,
perto dali, e o foragido próximo ao galpão contava
com as sombras da noite para esconde—lo e com a
resistência dos amigos.
Como iria iniciar o ataque? Pensava o rapaz e
pensava em Maria. Se morresse esperava que ela
sumisse do Brasil, não saberia se resistiria a tortura e
jamais se perdoaria se entregasse Maria.
— Xisto, vá verificar os fundos do galpão,
deve ter caído alguma coisa lá, mas melhor prevenir
né ?Enquanto isso nós vamos prosseguir o
interrogatório com esta belezinha aqui! — disse
Hércules.
Xisto apanhou a arma calibre doze e partiu
para verificar a origem do barulho, devia ser mais um
rato imbecil, pensou Xisto, em seu orgulho ferido,
sempre aceitando ordens e nunca desempenhando
um papel melhor que merecia.
— Vou matar esse rato na bala! — Xisto
engatilhou a doze. Quando passou por um corredor,
não verificou uma das frestas, virou para o lado
inverso e achou um rato que seria seu bode
expiatório.
— Vem cá , ratinho! — quando ia atirar, algo
se enrolou no seu pescoço e o puxou, derrubando—o
de costas e fazendo com que a arma caísse. Leônidas
, calado e rápido desferiu vários socos no rosto de
Xisto uq petrificado mal teve tempo de reagir e teve a
cabeça atingida por uma coronhada da própria arma.
Seguindo o corredor ele começou a escutar
com mais nitidez os gemidos de uma jovem e as
risadas de outros homens. Ele jogou o corpo
desfalecido na parede e o acordou com um tapa.
— Seja direto e me responda quantos tem lá!
Ou vou explodir sua cabeça!
— sussurrou o Escorpião mirando a arma no rosto do
recém—acordado.
— Oh meu Deus! Você? Mas... — Xisto sentiu
a arma tocar sua testa — São três! Por favor, não me
machuque!
— Chame dois deles e agora, se bancar o
sacana, você vai pro inferno neste momento! — a
mente de Xisto começou a viajar pelas memórias de
um distante dia há 35 anos e lágrimas começaram a
escorrer, seria o mesmo homem? Não poderia ser
possível, se fosse, estava mais agressivo. Ele balançou
a cabeça fazendo sim.
— Walter! Yuri! — chamou fingindo bom
humor.
Hércules violentava a jovem, enquanto os
outros dois assistiam, ao ouvir o chamado de seu
comparsa, o estuprador, indicou com a cabeça que
fossem ver o que o inútil precisava, de certo
precisava de ajuda pra matar a droga de um rato.
Walter e Yuri riram, deixaram o homem
sodomizando a garota e caminhavam desarmados em
direção ao corredor onde o velho amigo os chamava,
este que novamente havia sido desacordado com
uma coronhada na têmpora. Após um estalo, Walter
caiu de joelhos e Yuri só teve tempo de olhar para o
lado e receber um golpe da coronha no queixo,
facilmente os dois foram abatidos sem alarde.
Leônidas olhou para trás e viu que Walter babava e
murmurava baixinho coisas sem sentido.
Ao entrar na sala de torturas improvisadas,
flagrou o homem que vilipendiava a moça, os outros
cativos amarrados compreenderam o sinal de
silêncio.
— Saia de cima dela! — a ordem foi dita com
dureza e reforçada pelo cano que encostou na cabeça
do violador. — Com as mãos para cima !
— Quem é você? — perguntou Hércules, a
moça se jogou para o lado destituída de qualquer
ação e como resposta Hércules recebeu um chute
direto nas partes intimas que o fez se dobrar de dor
no chão.
— Garota ,preciso que você seja forte ,
levante-se e solte seus amigos. — ordenou o
mascarado, mais por medo que qualquer outra coisa
a moça levantou-se e desamarrou cada um deles.
O Escorpião entregou a arma a um dos
rapazes, ninguém ousou perguntar nada, o violador
questionado sobre chaves de algum automóvel
apontou a calça jogada num canto, um dos rapazes
pegou a chave.
— Saiam daqui! Imediatamente! Vou cuidar
que esse lugar jamais seja usado novamente para
estas atrocidades! —Naquele momento todos foram
surpreendidos com um rugido e em seguida com os
restos do crânio de Hércules que se espalhava pela
sala de tortura. A moça ofegante com uma das armas
em mãos chorava e o novo Escorpião não sabia o que
pensar, se aquilo era certo ou errado.
Momentos depois, o Escorpião partiu
daquele lugar em seu Opala preto deixando para trás
um lugar em chamas e corpos desfalecidos a sua
própria sorte.
20 de Julho de 1932 –
Dr Vodu e a Irmandade do Ódio
A lei marcial havia sido decretada, por trás de
muitos acontecimentos havia a mão de um homem,
ninguém sabia ao certo como era, sempre usava
disfarces para modificar o rosto, sempre astuto e
quando demonstrava sua malevolência utilizava uma
máscara com feições demoníacas do que julgava
parecer a morte encarnada, naquele momento ele
vestia a máscara e usava um uniforme que mesclava
as vestimentas de um general e um monge.
— Esses idealistas , tolos! Acham mesmo que
vencerão as forças federais! Esse confronto todo se
sucedendo e eles usam essas matracas 5 achando que
vão assustar as tropas de Vargas !Fazem suas
campanhas ridículas para atrair esses mortos de fome
para a linha de combate! — por trás da máscara o
homem sorria.
5 Instrumento de som usado para simular o som das metralhadoras devido a falta de armamento das forças paulistas.
— Doutor , pensei que estivesse do lado
paulista! Afinal de que lado o senhor está? —
perguntou o homem truculento que dialogava com o
sociopata.
— Do nosso , é claro, da irmandade! Acho um
disparate Vargas querer reinar absoluto e sem
restrição de seus poderes, porém acho ridícula a
tentativa desesperada dos paulistas de querer se
reerguer usando esta tola revolução
constitucionalista como desculpa! — ponderou o
doutor.
— Enfim, qual é nosso real papel nisso?
Gostaria de saber as nossas reais intenções, afinal
também almejo poder! — perguntou o leão de
chácara de riso sádico.
— Vamos continuar criando tensões entre
São Paulo e o resto do Brasil, os gaúchos já
abandonaram a corrente paulista e agora apoiam
Vargas. O objetivo é simular afrontas vindas dos dois
lados até criar uma situação irremediável entre o
estado e o resto do Brasil, assim aliado aos
separatistas a independência será inevitável. —
explicou o bizarro doutor mascarado.
— Entendi. Após a independência a
irmandade chegará ao poder e então será uma nova
oligarquia regida pela irmandade, atuando as
sombras de algum partido estupido. — raciocinou o
outro homem.
— Perfeito raciocínio Egídio, pensamos na
mesma sintonia, por isso você será um chefe de
estado do novo país! — Dr. Vodu via no homem a
sua frente um visionário, no instante seguinte
bateram a porta do escritório. — Se você não se
importa caro Egídio, preciso resolver uma situação
com alguns incompetentes, se quiser fique aqui.
Mostrarei—lhe como lidar com fracassos de homens
diminutos!
A porta se abriu após a voz cavernosa
ordenar que entrassem e 4 homens entraram na sala,
os quatro apresentavam marcas de um incidente
sofrido em um bonde semanas atrás.
— Deixe—me ver, Walter, Xisto, Yuri e
Lourenço...Os rapazes que eu gastei uma fortuna
para tirar da cadeia por não fazerem direito o que
lhes foi pedido! — os olhos da mascara demoníaca
pareciam penetrar dentro das almas dos quatro.
— Doutor houve a intervenção de uma figura
estranha conforme o senhor já sabe. — explicou
Walter esfregando o hematoma no rosto.
— Sim, isso me interessa. Essa figura
interferiu em outros planos meus como do ataque a
prefeitura que seria realizado e a autoria seria jogada
às tropas de Vargas, entre outros pequenos
problemas. Porém ninguém soube me dizer, quem ou
que esse homem era. Algum de vocês pode me
explicar? Yuri ?
— Pode parecer um disparate a princípio,
mas aquele homem portava um chicote. — Yuri
apontou a marca em Walter.
— E quando ele atingiu alguns de nós com
isso, foi como se uma loucura tomasse nossas
mentes, como se fosse uma droga ou magia do
Diabo!
— Magia? Deixe de ser tolo Yuri, ele deve ter
drogado a ponta do chicote, faz jus ao nome que ele
vem usando “Escorpião”, esse negócio de magia é
tudo farsa ! — bradou Lourenço.
— Magia? Estranho isso, porque um dos
meus contatos Vadão, foi acometido de uma loucura
terrível, se cortou todo com uma garrafa e jura que
foi por obra de uma bruxa ou índia... —comentou
Egídio.
— Bem , rapazes, por ter lhes tirado da
cadeia , há um pequeno preço a pagar ...
— Vodu tirou um boneco de dentro da gaveta.
— Preço? — perguntou Xisto.
— Quanto?
— Chama-se vida, um de vocês vai perder a
vida, qual de vocês tem menos valor em ?
Egídio saboreou a crueldade do momento e
imaginou como um deles seria eliminado, os quatro
engoliram a seco e por mais que tivessem um mau
caráter, não ousariam indicar nenhum deles para
morrerem no lugar de outro. Havia certos princípios
que até mesmo aqueles facínoras seguiam.
— Lourenço, o que achou daquela vadia que
se deitou com você, após você sair da prisão? Teve
uma noite boa? —Lourenço ouviu a pergunta e não
entendeu o que aquilo tinha a ver com o momento.
— Ora, ela era perfeita, foi ótimo, mas ...Por
que quer saber? — Lourenço esqueceu a tensão
daquele momento e relaxou.
— Bem, porque foi sua última noite com uma
mulher. — Dr Vodu mostrou o boneco e girou o
pescoço ao contrário, Lourenço mal teve tempo para
um grito e caiu morto.
— Sorte de vocês que eu já tinha escolhido
minha vítima para lhes mostrar o preço de um
fracasso, aquela vadia que se deitou com ele, foi a
meu pedido, ela me trouxe algumas mechas de
cabelo e bem...
— Aconselho vocês a não falharem e
tomarem cuidado com quem se deitam. Eu só
queria alguns sulistas mortos e uma tensão, agora
temos esse Escorpião vivo e atrapalhando minhas
manipulações, mas eu sou bondoso, quem me
trouxer o chicote dele e o próprio, ganhará muito,
mas muito mesmo. Espalhem isso!
Após saírem da sala arrastando o cadáver de
Lourenço, Egídio entendeu o que era a magia e se
interessou em buscar pela tal bruxa que o
enlouquecido Vadão havia comentado.
20 de Novembro de 1967 —
O Escorpião e Jaguara
Tomado pelo estranho sentimento de fazer
mudanças sem se denunciar, Leônidas passou a agir
secretamente como o Escorpião, frustrou diversas
torturas por parte dos militares a civis, frustrou
também diversos ataques realizados por
guerrilheiros, como saques em vilas para levantar
fundos para a guerrilha armada, era preciso mudar as
coisas, mas não agir como um monstro para isso.
Quando percebeu, ele havia compreendido
toda a ideia do falecido primo, mas ele se tornou
obcecado em fazer justiça, porém para equilibrar seu
lado herói, havia seu amor por Maria que o ajudava a
se conter.
Maria era quem descobria os planos do
exercito e dos guerrilheiros através de suas
investigações, ela repassava as informações a
Leônidas que agia para evitar maiores!
— explicou Maria.
— Precisamos? É muito arriscado para você
ir.
— argumentou Léo.
— Para um homem que luta pela liberdade , você é
bem machista, qual é a sua? Sou mulher suficiente
para você só para tomar pílula? — explodiu Maria.
— Tenho medo que você seja ferida! Será que você
não entende? — Leônidas rebateu.
— E você acha que eu não tenho medo? Acha que
penso ser seguro, você trabalhar na clandestinidade
sendo procurado pela polícia, agindo contra os dois
lados? Qual é a sua, cara? Não me vê como igual, é
isso ? Só porque você é homem, acha que é o
machão dominante? — Maria com um tapa jogou o
abajur no chão.
— Porra, Maria e o que você vai fazer contra um
bando armado em? Vai discursar sobre o direito
feminino? — Leônidas cometeu erro de cutucar a
ferida de Maria.
Os olhos dela brilharam e se tornaram vermelhos, no
mesmo instante os livros da estante se arremessaram
sozinhos todos em direção a Leônidas que por pouco
não recebeu na face uma pesada pancada de uma
esquecida constituição que levitava.
— Eu farei isto! Alguma dúvida? — ameaçou ela,
temendo criar um desastre, ele avançou sobre Maria
e a amou sobre os livros caídos no chão.
O coronel de sessenta anos estava sendo espancado
covardemente pelos 3 homens, enquanto outros
cinco faziam uma limpa total na casa , remédios,
dinheiro, roupas, bebidas tudo era levado como
expropriação para a guerrilha armada.
Quando o coronel caiu sem forças, um dos homens
ordenou que jogasse gasolina por toda a casa estava
suspenso o sequestro do coronel, seria fuzilado e sua
esposa e dois filhos seriam levados como reféns , em
troca da libertação de presos políticos.
— Me matem, mas deixe-os, são inocentes, não tem
nada a ver com esta situação absurda da ditadura! —
suplicou o coronel.
— Quem é você para falar de ditadura , velhote?
Logo, um opressor! — mas a verdade é que aquele
coronel era um democrata. Nem todo militar era
torturador ou fascista.
Misteriosamente, um dos homens que faziam a limpa
caiu vítima de um golpe, desestabilizando assim a
atenção dos guerrilheiros, uma névoa estranha surgiu
e enquanto todos sem exceção tossiam e tinham a
visão nublada, alguém invadiu o quarto e estalos de
chicote foram ouvidos. Mas a névoa temporária se
dissipou e dois novos personagens surgiram um
homem que usava uma máscara negra e uma bela
com uma pintura indígena que cobria seu corpo
branco.
Os homens tentaram atirar contra eles, mas as armas
falharam, neste momento o Escorpião com uma
zarabatana atirou dardos no pescoço de dois deles
que caíram grogues, enquanto outros dois corriam
pelo quarto alucinados.
Restavam somente liquidar com três homens
armados com más intenções e armas de grosso
calibre.
— Seus idiotas, iam disparar com a casa embebida
em gasolina? Qual é? O tempo dos kamikazes
passou6! — bradou o Escorpião em sua voz abafada
pela máscara e foi o suficiente para os homens
vacilarem e baixarem as armas que foram arrancadas
de suas mãos por forças invisíveis, mas os homens
não se abalaram e puxaram suas facas e investiram
contra eles. Maria, agora clamava ser a guerreira
Jaguara7 rugiu como um animal e com suas unhas
transformadas em garras pela magia da esmeralda
fez um enorme rasgo no abdômen do líder da
investida malfadada que foi ao chão e começou a se
arrastar para fora da casa, dos dois remanescentes
um foi violentamente atingido pelo chicote e se jogou
sobre o homem que havia sido derrubado primeiro
em estado de delírio. O último foi puxado pelas
pernas e através do velho coronel em uma manobra
de sufocamento perdeu os sentidos.
O silêncio reinou por um minuto.
— Não diga nada, coronel, apenas agradeça a si
6 Deus dos Ventos em japonês, nome dado aos aviadores suicidas japoneses na Segunda Guerra Mundial. 7 Onça em tupi-guarani.
mesmo pela sua integridade. —balbuciou o
Escorpião.
Mas começaram a sentir um forte cheiro de
queimado vindo do lado de fora, a mulher e os dois
filhos pequenos que estavam acuados correram para
fora e os outros a seguiram, quando viram o cabeça
do ataque rir.
— Minha expropriação, pode ter fracassado, mas
esse milico do cacete, fica sem casa ! — com um
fosforo jogado sobre a gasolina derramada do lado
de fora da casa um incêndio de grandes proporções
iria destruir o lugar.
O homem desmaiou enquanto ria e o fogo começou a
se alastrar, mas naquele momento, como se tivesse
sido tomada por uma entidade Jaguara começou a
dançar e entoar um canto.
Porangamana-só syk-a, porangamana -só syk-a ...
Amanayara aisó, Amanayara syk-a...8
Timidamente a chuva começou a cair junto ao corpo
de Jaguara que caiu desfalecido num sorriso, a chuva
mansa fez escorrer a tinta que pintava o corpo da
heroína e levou o fogo embora.
O Escorpião tomou o corpo da moça nos braços e
partiu muito seguro que sem ela, nada seria tão belo
e forte, assim como a singela chuva, somente ele
sabia o quanto a amava.
8 A bela chuva vai chegar, a bela chuva vai chegar, a senhora formosa das chuvas vai chegar, traduzido do tupi antigo.
1 de Agosto de 1932 –
O Escorpião e a Bruxa
A situação era um impasse, ao redor os corpos
desfalecidos, graças aos ataques da Bruxa
combinados aos do Escorpião, assistiam uma
tremenda situação de dúvida. A moça indígena
clamava o chicote místico que havia sido tirado de
sua tribo e o Escorpião que sabia de seus poderes
não desejava ataca—la, mas também não devolveria
o chicote numa situação tão crucial.
— Entenda, homem branco, sua atitude pode ser
honrosa, mas o chicote deve voltar comigo, pois se
cair em poder de outros, pode gerar mais
calamidade! — argumentou a índia num sotaque
muito diferente.
Tomado por uma fúria imensa ao ouvir as palavras
ditas, o Escorpião num ímpeto arrancou a máscara.
Seus olhos faiscaram de raiva e a luz da lua pareceu
fazer brilhar sua pele negra com algumas poucas
feições indígenas.
— Homem branco ,tem certeza ? — vociferou o
Escorpião. Apesar de ser inocente a respeito dos
assuntos fora de seu mundo, a mulher entendeu a
ofensa dita sem intenção alguma. Naquele momento,
um dos adversários levantou e agarrou o homem
pelo cabelo e com uma faca ia rasgar sua garganta,
num ato desesperado e desejoso de redenção, os
olhos da Bruxa tornaram—se vermelhos e num gesto
o corpo do atacante foi jogado para trás, arrancando
apenas um filete de sangue do herói desprotegido
que se assustou com o poder manifestado. —Lhe
devo essa, então pegue a droga do chicote, eu posso
muito bem continuar a proteger as pessoas sem ele.
— disse com dificuldade devido ao pequeno corte na
garganta e arremessando o chicote aos pés dela.
Evaristo se levantou e virou as costas, para partir.
Afastou um pouco sem olhar para trás, quando
ouviu—a perguntar:
— Guarini9 ...aonde vai?
9 Guerreiro ou lutador.
— Para casa. — respondeu sem olhar para trás, mas
não se conteve e voltou o rosto em seguida. — E
você?
Um rápido silêncio que se desfez com uma resposta,
seguida de um nó na garganta fez com que ele
voltasse.
— Não tenho aonde ir. — foi a resposta e mesmo
sabendo o quão arisca ela poderia ser, ele mostrou
um sorriso sem malícia alguma e estendeu—lhe a
mão, com certo receio e talvez vergonha, pela sua
distinta criação , ela hesitou mas tomou a mão dele.
Mas nenhum dos dois percebeu que nas mãos do
homem que feriu o Escorpião havia alguns fios de
cabelo.
Naquela mesma noite, Egídio e Dr. Vodu receberam
ótimas notícias vindo do único pseudo-terrorista que
havia escapado da Força Pública.
— Orestes, Orestes...Você é um homem esperto e
apesar de não ter trazido o chicote, a feiticeira ou o
malaco, trouxe-nos ótimas notícias e como nós
somos homens de palavra, você será recompensado.
— disse Egídio.
Vodu tomou os fios de cabelo e vibrou, após isso
concordou com Egídio com a cabeça e uma maleta
com uma grande quantidade de dinheiro foi dada ao
vilipendiado Orestes que sorriu.
— Puxa, eu até tomaria outra surra daquelas, se
soubesse que ia me render tudo isso! Continue
contando com meus serviços, senhores. — disse
Orestes sorrindo
— Realmente está disposto a continuar cooperando,
mesmo após isso? — uma ideia brotou da mente
maligna do doutor.
— Claro, só esperem eu me restabelecer dessa sova
que manterei meus préstimos! — concordou o
enriquecido Orestes.
Os olhos de Egídio e Dr. Vodu brilharam. O
necromante se esgueirou para perto dele.
— Senhor Orestes, o senhor é cristão? — perguntou.
— Não, nem no fio de cabelo! — foi a resposta que
mais alegrou o dia de um sociopata.
— Puxa, você estava mesmo faminta, por onde
andou esse tempo todo sem comer direito? —
perguntou o herói em seu lar a moça faminta.
— Por aí, estava a procurar o chicote! — a resposta
era bem óbvia, mas fez o homem rir e tocar a
garganta que estava ilesa.
— Ninguém nunca andou atrás de mim por aí, ao
ponto de passar fome. — proferiu ele rindo
novamente, ela nada disse, talvez por estar de boca
cheia, talvez por não ter entendido a piada. — Como
você fez meu ferimento sumir? — interrogou curioso.
— É um dom que vem da pedra em meu pescoço. A
maioria deles vem dela, inclusive nosso
entendimento. — explicou a moça enquanto cortava
um pedaço de pão.
— Como assim? — os olhos negros dele
acompanhavam cada trejeito dela. Parecia selvagem
em certos modos, mas muito inocente em outros.
— Não falo sua língua direito, a pedra faz com que
você entenda do jeito que você fala e eu te entenda
do jeito que eu falo. Qual seu nome mesmo? Nem
perguntei! — dito isso parou de comer e esperou.
— Me chamo Evaristo, não entendi seu nome até
agora!
— Kunyãpira. Já lhe disse, que significa seu nome?
— Meu pai dizia que significava “bom”...e o seu ?
— Em sua língua seria algo como “mulher peixe”, ei o
que é aquilo? — ela apontou para o rádio.
— Vou te mostrar! — divertindo—se com a série de
perguntas, ele ligou o rádio.
Aqui é Ademar Casé10, trazendo para você um sucesso
novo do maravilhoso Noel Rosa!
A principio ela achou estranho, mas depois se
divertiu e nem questionou como a música vinha dali,
Evaristo colocou as sobras no lixo e percebeu o
quanto ela estava suja.
— Você não quer tomar um banho? Pode parecer
ofensa, mas... Ah bem, esqueça! — deixou de lado o
que ia falar, pois pensou que complicaria a situação.
— Quero sim, tem água ?
Ele a levou até o banheiro e abriu o chuveiro, havia
10 Sim ,ele existiu! Adivinha de quem ele é avô?
gastado uma nota, mas conseguira enfim ter água
quente em casa.
— Água? Quente! — ela disse ao colocar a mão e
retirar logo em seguida. Espantada se despiu e entrou
embaixo do chuveiro, deixando Evaristo boquiaberto
e sem graça, ele virou—se de costas e saiu de fininho.
Enquanto ela se banhava, ele preparou uma cama
para que ela repousasse e apesar de imaginar que ela
dormia nua, preferiu separar uma de suas calças e
uma camisa para que vestisse, estava frio e ele
preferia assim, senão ele não conseguiria dormir.
Vinte minutos depois, ela saiu sorridente com os
cabelos molhados, não havia se secado e aquilo
mexeu com Evaristo de uma maneira bem peculiar.
— Me emocionei ao ver a água e esqueci o quanto
vocês se embaraçam com as pessoas despidas. Mas
você é uma boa pessoa, não me faria mal, não é? —
Kunyãpira sorriu feliz.
— É ,eu sou boa pessoa. — ele pensou que ainda que
não fosse ela poderia destroça—lo em pedaços com
aquelas garras como quase fez com alguns daqueles
homens, ele afastou o pensamento, mostrou a cama
a ela e estendeu as duas mudas de roupas. —
Melhor você vestir, aqui faz frio. — ela vestiu as
roupas dele e ele achou engraçado o modo como
ficaram largas, mas de alguma maneira aquilo o
excitou mais Ele deitou no colchão e apagou a luz.
— Guarini, por que vocês estão em guerra? — aquela
pergunta amenizou um pouco a excitação dele.
— Porque nosso líder não estabeleceu limite dos
próprios poderes e as pessoas aqui não concordam
com isso. — ele escolheu as melhores palavras para
explicar.
— Você está do lado dos que não concordam ? —
perguntou enquanto o fitava com aqueles belos
olhos.
— Sim, mas não concordo que resolvam também em
guerra. Guerra só fere pessoas inocentes. —
respondeu Evaristo virando—se para o outro lado.
— Guarini... — a palavra em tupi foi dita de uma
maneira suave que congelou o coração dele.
— O que é , Kunyãpira?
— Como você é um homem honrado, eu ficarei até
essa guerra acabar e depois levo o chicote para a
tribo. É o mais justo a fazer. — aquelas palavras o
fizeram feliz, porém de alguma maneira triste
também.
— Obrigado. Mas , me responda uma coisa : afinal
qual a serventia desse chicote lá para vocês? —
perguntou curioso.
— Não é mais usado, porém no tempo antigo quando
uma de nossas deusas havia vindo como gente o
criou para castigar as guerreiras que não agiam certo.
Mas , é melhor que fique aonde pertence. —
explicou a indígena e bocejou.
— Durante todo o caminho para cá, você disse o
quanto os homens são cruéis, nunca parou para
pensar que as mulheres podem ser também? —
enfim ele encontrou um modo para mostrar a ela que
a crueldade não tinha distinção.
— Mas nem todas são assim. —respondeu ela
demonstrando certo triunfo.
— Nem nós.
— Sim, alguns são como você.
Ele sorriu e desejou boa noite.
13 de dezembro de 1967 –
Os “zumbis”
Pessoas aparentemente sem interesses políticos
vinham desaparecendo, Maria suspeitando dos
militares começou a conduzir as investigações, o
coronel salvo na fazenda havia dito que havia alguém
nas sombras manipulando acontecimentos,
conduzindo as pessoas a guerrearem entre si, após
ler os arquivos do falecido Evaristo, eles chegaram a
conclusão que poderia ser obra da extinta Irmandade
do Ódio ou de algum membro remanescente, apesar
do arquivo detalhado, o antigo Escorpião não havia
deixado detalhes sobre o paradeiro do criminoso
conhecido somente por Dr. Vodu.
A desconfiança cresceu mais ainda quando alguns
desaparecidos retornaram tomados por um ódio
incontrolável e desprovidos de qualquer outra
emoção, a não ser o ímpeto em destruir tudo.
Pareciam corpos sem almas, por isso Maria os
chamava de zumbis.
Cada vez mais os zumbis surgiam e durante seus
ataques só eram detidos quando mortos, uma
tensão enorme e perigosa ameaçava desencadear
uma guerra civil entre os que queriam a democracia
de volta e o governo que clamava estar agindo do
modo certo para a proteção de todos.
Felizmente conseguiram capturar um dos zumbis e
após o manterem sobre custódia percebeu—se sinais
de lobotomia no pobre operário e o pior havia um
tipo de selo místico que mantinha sua alma presa a
algo, por dias Maria tentou usar os poderes da pedra
para romper o selo, mas sem sucesso.
— Maria, você tentou todos os meios que pôde
através dos conhecimentos que adquiriu da
esmeralda, agora vamos tentar uma ideia minha. —
pela primeira vez Leônidas manifestou ideias acerca
do misticismo.
A ideia era simples logo que o zumbi dormisse, Maria
induziria Léo ao sono e tentaria conectar a mente dos
dois durante o sono. Logo que o lobotomizado
adormeceu, Maria evocou os poderes da pedra que
adormeceram o Escorpião e levaram sua forma astral
aos sonhos de outro.
Leônidas viu que durante o sonho trajava o uniforme
do Escorpião e ao olhar ao redor uma paisagem
começou a se formar, como se estivesse sendo
desenhada, era uma paisagem bucólica porem
cercada por muros altíssimos, a forma de uma
máscara demoníaca preenchia todo o sonho, entre
gargalhadas malévolas e cenas de torturas e lavagens
cerebrais , as lembranças do homem sem alma
tomavam forma e se misturavam ao sonho, centenas
de insetos começaram a caminhar pelo corpo do
Escorpião que se jogou ao chão gritando
desesperado, enquanto a risada do demônio ecoava
por todo lugar e uma centena de homens de olhar
repleto de ódio berravam frases em um idioma
esquecido e batiam no peito, quando a multidão abri
espaço, um imenso cavalo sem cabeça em chamas
vinha na direção do herói, o mais estranho era o
cavaleiro que montava a besta, tratava—se dele
mesmo, vestido como um monge portando o chicote
da loucura, cada vez mais o barulho dos trotes se
aproximava e o barulho do estalar dos chicotes era
mais alto, Leônidas sabia que durante os sonhos
ninguém morria, mas temia que se fosse destruído
ali, jamais voltasse a seu corpo, mas uma figura
familiar surgiu como um relâmpago e o arrancou dali,
era Evaristo ou o espírito dele. O novo Escorpião foi
lançado através do espaço e ao dar conta estava em
uma sala repleta de pregos no chão e do outro lado,
estava o espírito do cativo, cativo dentro de si. Tudo
aquilo era uma alegoria do que realmente acontecia,
a alma do homem estava confinada no abismo mais
escuro de sua mente, O Escorpião tentou atravessar ,
mas quando seguia sobre os pregos via que cada vez
mais se afastava o espaço entre ele e o operário.
Entendendo a situação, sem mesmo saber como, ele
tirou as botas e penosamente começou a caminhar
sobre os pregos enfrentando uma dor inimaginável,
mas a cada passo a distância diminuía e após
perceber que ao enfrentar a imensa dor dera
somente três passos, os mais sofridos e sua mão
tomou o espirito que após ser puxado de volta,
desmoronou todas as paredes dali e num grito de
liberdade tomou o Escorpião no colo e partiu para o
despertar.
2 de Outubro de 1932 –
O demônio e a rendição
Kunyãpira amparou o corpo quebrado do homem
que amava em segredo, estava caído, usando seus
poderes malignos o Dr. Vodu surgiu em pessoa diante
de um despreparado e desarmado Escorpião e
através de um boneco preenchido com os cabelos
dele usou de sua magia e quebrou-lhe os braços e as
pernas, além de pisotear todo o corpo do boneco
diversas vezes deixando o herói a beira da morte que
não aconteceu graças a intervenção de Kunyãpira
que poderia ter dado cabo facilmente do sociopata ,
mas o deixou fugir para salvar a vida do amado.
Kunyã vestia uma belo vestido que o próprio Evaristo
havia confeccionado para ela, o mesmo vestido
molhado pelas lágrimas da guerreira virgem, estava
manchado pelo sangue justo.
A maga retirou o vestido e o jogou ao lado do corpo
quase sem vida, ao redor a cachoeira onde haviam
ido para sentirem—se livres parecia ser o cenário
bucólico da morte e de um amor não concretizado.
Retirando a esmeralda de seu pescoço, colocou sobre
o peito dele, a energia dela não deixaria o espirito
dele ir embora, pelo menos por um curto espaço de
tempo, o necessário para que ela fizesse a barganha.
— Ixé orosausub, Guarini11·. — Kunyã mergulhou na
água e pediu aos espíritos das águas que viessem até
ela. Os espíritos reconhecendo a autêntica filha da
natureza começaram a fazer círculos em volta dela,
quando percebeu a amazona flutuava no meio de
uma imensidão de água e respirava como se fosse um
peixe, eles haviam saudado e a levado até seu
mundo.
Aiyra Amanaiara, tereguahê porãke !12
A voz ecoava com uma imensa paz e parecia mais
uma onda de energia que atingia a doce Kunyã,
quando ela abriu os olhos um peixe de dimensões
fantásticas, era uma entidade menor que habitava os
11 Eu te amo, guerreiro. 12 Filha de Amanaiara (Senhora das Chuvas), bem-vinda !
rios e sempre era gentil, disposto a uma barganha. A
entidade ouviu e consentiu, ao retornar para a
superfície, ela constatou que Evaristo dormia sereno
e ileso, ele estava salvo.
Dr. Vodu sabia que havia vencido o Escorpião, não se
importava mais com o resultado de seu plano de
dominação e separatismo, existia apenas o ódio pelo
seu mortal inimigo, a indígena com certeza viria em
seu encalço, desorientada pela morte do vigilante e
ele teria os poderes dela e de lambuja o chicote.
Os combates nas trincheiras seguiram sangrentos,
durante 3 meses haviam perdas dos dois lados, o
exército paulista formado pela Força Pública e os que
se alistaram voluntariamente enfrentavam as forças
federais enviadas por Vargas, algumas cidades como
Lorena foram bombardeadas, em segredo Kunyã e
Evaristo estiveram lá e ajudaram os feridos, não os
interessava a guerra e sim ajudar as pessoas, vítimas
dos bombardeios e os alvejados.
Reunindo provas da existência da Irmandade do
Ódio, o Escorpião entregou provas a Força Pública e
por mais que quisessem captura-lo, por considera-lo
um justiceiro acerca da lei, concordaram em deixa-lo
participar da investida final contra o quartel general
da irmandade que servia de fachada para uma escola
militar. A investida foi marcada para o dia 2 de
Outubro de 1932, dali a duas semanas.
Prevendo o pior que poderiam acontecer na noite em
que o ataque foi decido, eles decidiram passar as
últimas duas semanas juntos, Kunyã aprendeu o
gosto do beijo e uma noite, reclusos do mundo no
quarto secreto, ela observava os quadros pintados
por Evaristo.
— Quero que você me desenhe. Você faria isso? —
perguntou a moça temendo o futuro deitada sobre o
peito dele.
— Claro. Mas agora?
— Agora. — a resposta veio de um modo tão serio
que Evaristo pegou uma das telas vazias e selecionou
algumas tintas, fez os preparativos e a acarinhou.
— Como você quer ser pintada? — perguntou
Evaristo.
— Da forma que eu sou de verdade. — sutilmente ela
tirou o vestido e se despiu por completo deixando
somente a esmeralda no pescoço. O coração daquele
homem disparou , ela muito linda, jamais pode dizer
isso, apesar de tudo que passaram naqueles dias
recentemente, jamais tinha a amado de corpo (como
ela chamava o sexo), ele sabia que se acontecesse
partiria dela, dos lábios dele quase escaparam
palavras de amor, mas ele se recompôs e começou a
fazer o esboço, durante horas e horas a fio ela foi
pintada, palavra alguma foi dita pelos dois, durante
todo aquele silêncio somente trocavam olhares
iluminados pelas luzes de dois lampiões, domando a
excitação.
— Guarini ... — somente faltava pintar os olhos, ela
se aproximou dele e o beijou de um jeito desajeitado,
mas cheio de amor, ele tocou o seio dela e em
seguida retirou a esmeralda do pescoço com os
dentes, ela disse algo que ele não compreendeu, ele
colocou o dedo indicador sobre os lábios dela e a
beijou, ela o abraçou e em seguida as horas foram
preenchidas por sussurros em tupi e português.
Em sua base o Dr. Vodu soube que possivelmente
seria atacado pela Força Pública, ele observou seu
novo ás na manga que outrora foi um mercenário
chamado Orestes agora convertido numa criatura
medonha, havia sido possuído por uma entidade que
havia sido ludibriada por Dr. Vodu através de ritos
satânicos, ele observou a criatura que tinha o rosto
coberto por um pano preto e o corpo amarrado por
correntes místicas, somente a indígena poderia
encara—lo, mas como ela chegaria até ali? Depois
que dizimasse as tropas, ele soltaria a besta na cidade
para seguir o rastro dela.
No dia 2 de Outubro a guerra finalmente terminou
com a última trincheira que se havia se recusado a
parar de combater mesmo mediante o termo de
rendição assinado pelas tropas paulistas, após o
término dos combates, os poucos que sobreviveram
assistiram o por do sol em Guaratinguetá, amparando
os companheiros caídos com seus corpos manchados
de sangue, tendo cessado o som das matracas e das
metralhadoras.
Coincidiu assim o fim da guerra, com o dia da
investida final contra a Irmandade do Ódio, soldados
da Força Pública invadiram a base do Dr. Vodu que
reagiu mandando seus acólitos reagirem com as
armas, houveram baixas porém, a Força Pública era
mais numerosa e foram obrigados a se renderem.
O sociopata foi encurralado.
— Sua insanidade acaba aqui, Vodu! — o Escorpião
estalou o chicote.
— A vadia deve ter lhe salvo de alguma maneira, mas
é o fim da linha pra você! — ele retirou o boneco e
torceu o pescoço ao contrário.
Sentindo um ódio imenso, o Escorpião lançou o
chicote ao chão e rasgou a camisa mostrando uma
tatuagem de um símbolo indígena, o vodu não o
afetaria mais.
— Posso cuidar de você com minhas próprias pernas!
— Vodu deu um passo atrás e a besta enfurecida
atravessou a parede e avançou contra os outros
destruindo tudo em seu caminho, O monstro era
enorme totalmente escarlate e musculoso, o corpo
cheio espinhos e chifres enormes na fronte.
Os soldados que acompanhavam os dois heróis,
começaram a ser dizimados , cada um com um golpe
que lhes partiam os ossos, um deles teve o crânio
esmagado pelas próprias mãos da criatura. O
Escorpião tentou ajuda—la , mas foi atingido pelo
próprio chicote usado pelo Dr. Vodu, enquanto
delirava era cruelmente espancado pelo necromante.
— Jurupari13, eu não tenho medo de você! — as
garras da amazona perfuraram o abdômen do
monstro diversas vezes, mas mesmo com as vísceras
se esvaindo, a criatura ainda investia e só restava a
Bruxa esquivar—se dos ataques. — Guarini! Enfrente
o medo! O chicote só funciona se você teme!
Quando ia receber mais um chute na face, Guarini
segurou a bota e o derrubou com uma rasteira, em
seguida ele arrancou a máscara do vilão e esmurrou
diversas vezes até perder o folego e o desconhecido
pender o rosto para o lado e pedir que parasse.
Jurupari encurralou a Bruxa, mas quando a levantou
13 Jurupari é tido como um deus e espírito maligno pelo povo tupi e guarani.
pelo cabelo foi atingido pelo chicote e começou a
berrar.
— Então , você também tem medo bicho feio ? — o
confronto havia chegado ao fim, Kunyãpira saltou e
num golpe certeiro degolou o monstro, seu sangue
ácido espirrou para todo lado, Evaristo protegeu a
amada com o próprio corpo e os soldados que
entraram na sala fuzilaram o corpo que ainda se
movia até ele cair inerte.
O Escorpião arrancou a máscara e a abraçou, ambos
giraram no ar e se beijaram.
— Ixé orosausub, Kunyãpira! —gritou Evaristo,
quando ele a abraçou ela sorriu e derramou lágrimas
que molharam o peito dele, de repente os soldados
ficaram pasmos quando perceberam que a mulher
desaparecera como por encanto. Deixando para trás
um coração partido, sem explicações, a esmeralda ao
chão e o chicote que foi a razão de tudo.
23 de Novembro de 1967 — Epílogo
Guiados pelas informações do zumbi salvo que se
chamava Henrique, Jaguara e o Escorpião foram até o
reformatório chamado Irmandade do Amor e lá
encontraram o responsável pelas manipulações e
lobotomias naquele ano.
Usando um ritual ela rompeu o selo que dominava a
mente dos cativos no lugar e quando acuaram o
responsável por tudo, que trajava uma cópia barata
do uniforme do Doutor Vodu original, encontraram
apenas um velho assustado que se chamava Egídio
Soares.
Não houve mortes , nem tampouco feridos, quando
acuado Egídio tentou disparar contra os dois , mas
algo o deteve. Uma voz cavernosa soou :
Você me manipulou através do sua magia suja e junto
de seu comparsa e fez-me sofrer uma derrota
humilhante pelas mãos da Filha de Amanaiara
Um velho com feições indígenas surgiu e a pedra
emitiu um brilho intenso.
— Não, não! Por favor! — Egídio acuado no canto
desesperado ouviu os passos do velho que pareciam
trovões do chão, ele pegou o homem pelo cabelo e
começou a arrasta-lo.
Vocês também virão comigo! Vão pagar pelo que me
fizeram Escorpião e Filha de Amanaiara!
Mas quando Jurupari se aproximou deles percebeu
que não conseguia toca-los, então desapareceu
levando o desafortunado Egídio.
Juntos frente a uma cachoeira, os dois estavam
abraçados, devorando os lábios um do outro com
tanta usura que parecia que seriam arrebatados pela
morte a qualquer minuto.
— Filha de Amanaiara ...que será que ele quis dizer?
Teria insinuado sobre uma reencarnação? —
questionou Maria.
— Sei não, mas ele se referiu a mim também, mas
quando nasci meu primo era vivo ainda... Mas enfim
há mistérios que jamais entenderemos. — concluiu
Pedro ou Leônidas.
— Talvez exista algo do Evaristo em você. — disse a
garota acariciando a pele negra reluzente.
— Ou do Escorpião! — ele riu e ambos rolaram sobre
a grama e se beijaram, depois observaram a
cachoeira.
— O que vamos fazer? Agora? A ditadura não
acabou. — ela disse num leve baixar de olhos.
— Seremos felizes juntos em qualquer lugar! — disse
Leônidas sorrindo.
Longe dali um homem deformado deixava um
manicômio após 35 anos e ele jurou que se houvesse
qualquer traço de vida ainda no responsável pela sua
queda se vingaria dele e seus descendentes.
2 de Outubro de 1966 – Epílogo II
Após 34 anos ele ainda se lembrava dos olhos dela,
então se pôs diante do quadro que nunca terminou e
com um sorriso no rosto, ele pintou detalhadamente
cada singelo detalhe que aquele olhar tinha em sua
memória, após isso, ele um último gole na
aguardente e lançou a garrafa na parede, em seguida
foi até o espelho e se olhou, notou o quanto havia
envelhecido e fez a barba. Vestiu—se com a melhor
roupa e partiu para a cachoeira subiu até o topo e de
lá nunca mais voltou.
Olá,
Nasci em 1988 em Uberlândia, vivo em São Paulo
atualmente, sou casado e pai de dois filhos, escrevo
desde a infância, sou fascinado por heróis, história e
literatura em geral, principalmente de terror. Sou
professor e tradutor de língua inglesa.
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Obrigado por prestigiar a literatura nacional!