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Na história das Olimpíadas, nenhuma cidade-sede

passou por metamorfose urbana tão radical quantoBarcelona. Sede dos Jogos de 1992, a capital da

Catalunha aproveitou a competição (e o dinhei­ro envolvido em um evento desse porte) pararevitalizar áreas decadentes, chamar a atençãodo mundo e entrar firmemente na rota do tu­rismo internacional. Entre as suas diversas

conquistas, uma rende frutos até hoje: a enorme

quantidade de turistas. Desde então, o fluxo de vi­sitantes cresceu de 2 milhões para 3 milhões por ano, transformando­a no segundo destino europeu, à frente de Madri, Roma e Londres,

perdendo apenas para Paris. Por trás dessa grande virada, brilhou aestrela do advogado e economista pasqual Maragall, 69 anos. Prefei­to no período de 1982 a 1997 e ex-presidente do Comitê Organizadorda Olimpíada, ele foi o grande arquiteto do renascimento catalão. Na

semana passada, um mês antes de vir ao Rio para um seminário, Ma­ragall fechou acordo para trabalhar como consultor da prefeitura narealização dos Jogos. De Barcelona, ele, que sofre há três anos do mal

de Alzheimer, falou com VEJA RIO sobre sua experiência e os desa­fios à frente da empreitada carioca.

IQUEM É ELE

pasqual Maragall i Mira

IDADE 69 anos

NATURAL

de Barcelona, Espanha

FORMAÇÃOAdvogado e economista

CARGOS• Prefeito de Barcelona

( 1982-1997)• Presidente do Comitê

Organizador da Olimpíadade 1992

• Presidente do Comitêdas Regiões da UniãoEuropeia (1996-1998)

• Presidente do Partido dosSocialistas da Catalunha

(2000-2007)• Presidente da Generalidad de

Catalufia, governo provincial(2003- 2006)

o QUE DEVE SER FEITO"Aproveitar os Jogos para renovar a cida­

de por completo é a estratégia mais inte­ligente a adotar. Agora é a hora das gran­des mudanças, de consertar o que estáerrado. Dificilmente haverá ocasião mais

propícia. Trata-se de uma oportunidadeúnica. As principais ações impleinentadasem Barcelona seguiram em dois sentidos.Para melhorar a circulação interna, foramfeitos anéis rodoviários; para facilitar acomunicação com o exterior, remodela­mos e ampliamos o aeroporto. Outra in­tervenção foi abrir Barcelona para o mar.A nossa relação com o mar era difícil. Aprimeira zona industrial do país foi desen­volvida ao longo das praias, o que tomavao acesso a elas praticamente impossível.Uma barreira de grandes fábricas obsole­tas, ou mesmo abandonadas, limitava epoluía nosso litoral. A linha ferroviáriatambém contribuiu para a existência desseobstáculo. Para mudar drasticamenteaquele panorama, transferimos as instala­ções portuárias e ocupamos o espaço comuma estrutura de lazer compatível com aregião, reconvertendo edifícios e o espaçoem si. Ali construímos também nossa Vila

Olímpica, seguindo critérios de sustenta­bilidade e conforto."

veja Rio 17 de fevereiro, 2010

LEGADO OLíM PICO"No aspecto físico, as principais mudan­ças em Barcelona se deram na fisionomiae na infraestrutura urbana. No aspectoeconômico, o turismo ganhou enormepresença internacional e rende dividen­dos importantes até hoje. Houve tambémuma alteração pouco mencionada, masde grande relevância: o aumento da au­toestima dos moradores da cidade. Quasevinte anos depois, ainda nos orgulhamosdo que fizemos e de como conseguimosmudar uma realidade que vinha estagna­da. Com tantos benefícios, pode parecerque tudo foi fácil ou veio sem sacrifício.Nada pode ser mais enganoso. Existemmuitos e variados obstáculos a conside­

rar em um projeto olímpico. Um deles,que aflige outras cidades-sede, é o dasinstalações esportivas subaproveitadas.Se não houver um cuidadoso planeja­mento, estádios inteiros poderão ficar àsmoscas depois da Olimpíada, transfor­mando-se em verdadeiros elefantes bran­cos. Nesse caso, planejar com bastanteantecedência é parte da solução. A loca­lização de tais estruturas deve ser pensa­da com o objetivo de encontrar uma uti­lização futura que nem sempre será es­portiva. Em Barcelona, criamos. uma

empresa municipal cujo objetivo eraexatamente este: explorar e gerir esseslugares depois dos Jogos."

PARCERIA COM A

INICIATIVA PRIVADA

"A cumplicidade e a colaboração entre ossetores público e privado foram, com cer­teza, uma das chaves do nosso sucesso. Ochamado 'modelo Barcelona' consiste nis­so. Evidentemente, chegar a tal ponto nãofoi fácil. No início havia certa desconfian­ça dos dois lados. Mas ambos se deramconta de que os objetivos não eram tãodistantes e que para consegui-Ios era ne­cessário remar na mesma direção."

GESTÃO DO ORÇAMENTO"Nem todas as verbas foram administra­

das da mesma maneira. Em termos ge­rais, podemos resumir os vários tipos deinvestimento em três grupos. Os desem­bolsos para organização e imagem dacandidatura ficaram a cargo de empresasprivadas e foram canalizados e comple­mentados pela prefeitura. Os de infraes­trutura e equipamentos para os Jogosvieram de contribuições, substancialmen­te iguais, do governo espanhol, do gover­no da Catalunha e da prefeitura. Um caso

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especial foi a remodelação do aeroporto,que ficou sob responsabilidade da agên­cia estatal Aeroportos Espanhóis e Nave­gação Aérea (Aena). Já os custos da rea­lização da competição foram financiadospor receitas vindas de direitos de TV, pa­trocinadores, venda de ingressos e mer­chandising. Com essa divisão, tudo fun­cionou sem grandes sustos."

PIOR PERíODO"Não houve anos fáceis. Todos foramcomplicados, com características diferen­tes. Ajuda muito quando os responsáveispelo evento estão conscientes de que, aolongo do processo, encontrarão obstácu­los e serão criticados pelos seus erros eacertos. Mas o esforço valerá a pena, poiso Rio de Janeiro e o Brasil podem sairbem mais fortes se obtiverem o êxito quetodos desejamos."

RIO DE JANEIRO"Minhas lembranças são excelentes. Co­nheço pouco a cidade, mas estou ado­rando a ideia de me reencontrar com ela.Há tempos, a América do Sul mereciaentrar no ambiente olímpico. Fazer isso

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Área do Porto

de Barcelona

em dois

momentos:

antes da

realização

da Olimpíada

(foto menor).

e depois daconclusão

das reformas

por meio do Brasil, e particularmente doRio, foi um acerto. Aqui na Espanha, porcausa da rivalidade entre Barcelona eMadri, que transcende o futebol, prova­velmente alguns catalães ficaram felizespor Madri não ter sido a escolhida. Ocerto é que o Brasil e o Rio são queridosna Catalunha e seu sucesso nos alegra.Em alguns anos, vocês experimentarãouma emoção incrível: sediar uma Olim­píada. É inesquecível. Em 1992, vivimomentos que me marcaram para sem­pre. Um deles foi especial: o disparo daflecha que acendeu a pira olímpica."

DESAFIOS"Todas as etapas são desafiadoras. Vocêinicia a aventura olímpica sem experiênciaanterior e, quando a obtém, os Jogos jáforam realizados. É preciso aprender du­rante a execução, adiantar-se em relaçãoao cronograma e mobilizar a sociedade emtomo desse objetivo. Não é fácil, mas co­nheço o prefeito do Rio e sei do seu amorpela cidade. Minha sugestão é que se tenhaperseverança. Apesar de todas as dificul­dades, vale a pena. Os momentos difíceisserão plenamente recompensados." •

veja Rio 17 de fevereiro, 2010