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S n i p e r A m e r i c A n o

nota do autor

Os factos relatados nesta obra são reais, apresentados de acordo com o melhor da minha memória. O Departamento da Defesa,

incluindo elevadas patentes da USN1, reviu o texto por questões de exatidão e para aferir quanto à presença de material sensível. Embora tenham aprovado o manuscrito para publicação, isso não quer dizer que tenham gostado de tudo o que leram. Contudo, esta é a minha história, não a deles. Reconstruímos o diálogo a partir da minha me-mória, o que significa que pode não ser uma transcrição exata, pala-vra por palavra. No entanto, o essencial do que foi dito está presente.

Não foi utilizada qualquer informação ultrassecreta na preparação desta obra. O Gabinete de Revisão de Segurança do Pentágono2 e a Marinha solicitaram que fossem efetuadas determinadas alterações por motivos de segurança. Todos esses pedidos foram respeitados.

Muitas das pessoas com quem servi ainda fazem parte dos SEALs. Outras estão a trabalhar para o governo, a diferentes títulos, prote-gendo a nossa nação. Todas podem ser consideradas inimigas pelos inimigos do meu país, assim como eu. Como tal, não revelo a sua identidade completa no desenrolar desta obra. Elas sabem quem são e espero que saibam que têm o meu agradecimento.

— Chris Kyle

1 United States Navy (Marinha dos Estados Unidos). 2 Office of Security Review.

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p r ó l o g o

com o mal na mira

Final de março de 2003. região de nassíria, iraque

Olhei através da mira telescópica da espingarda de sniper3, exa-minando a estrada de uma pequena cidade iraquiana. A 45 me-

tros, uma mulher abriu a porta de uma pequena casa e saiu para o exterior com o filho.

A rua estava praticamente deserta. Os iraquianos locais tinham recolhido às suas casas, na sua maioria assustados. Algumas almas curiosas espreitavam por trás das cortinas, expectantes. Conseguiam ouvir o ruído da unidade americana que se aproximava. Os Marines4 inundavam a estrada, marchando em direção a norte, para libertar o país de Saddam Hussein.

Era meu dever protegê-los. O meu pelotão tinha ocupado o edifício naquele dia, esgueirando-se para tomar posição e poder «dar cober-tura» — evitar que o inimigo fizesse uma emboscada aos Marines à medida que estes iam passando.

Não parecia ser uma tarefa muito difícil — quando muito, estava feliz por ter os Marines do meu lado. Já tinha visto o poder das suas armas e odiaria ter de combatê-las. O exército iraquiano não tinha qualquer hipótese. E, de facto, parecia que já tinha deixado a zona.

A guerra começara cerca de duas semanas antes. O meu pelotão, «Charlie» (mais tarde «Cadillac»), da Equipa SEAL Três, ajudara ao seu arranque na madrugada do dia 20 de março. Aterrámos na pe-

3 Atirador especial.4 Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.

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nínsula de al-Faw e formámos um perímetro em redor do terminal de petróleo, para que Saddam não o pudesse incendiar como fizera durante a primeira Guerra do Golfo. Agora, tínhamos como missão prestar assistência aos Marines à medida que estes marchavam para norte, em direção a Bagdade.

Eu era um SEAL, um comando naval treinado em operações espe-ciais. SEAL quer dizer «SEa, Air, Land»5, o que corresponde a todos os locais onde operamos. Neste caso estávamos bem no interior, muito mais do que é hábito nos SEALs — embora isso se fosse tornando normal à medida que a guerra contra o terrorismo ia progredindo. Passei perto de três anos a treinar e a aprender como me tornar num combatente; estava preparado para esta luta ou, pelo menos, tão pre-parado quanto uma pessoa pode estar.

A espingarda que tinha nas mãos era uma Win Mag de calibre .300, uma arma de atirador especial, de ferrolho e de precisão, que pertencia ao líder do meu pelotão. Ele já estava a dar cobertura à rua há algum tempo e precisava de fazer uma pausa. Mostrou uma gran-de dose de confiança em mim, quando me escolheu para ser o seu observador6 e para ter a arma nas mãos. Eu ainda era um novato, um caloiro, um recruta nas equipas. Pelos padrões dos SEALs, ainda ti-nha de ser posto à prova.

Ainda nem sequer completara o treino de sniper dos SEALs. Que-ria desesperadamente ser um atirador especial, mas ainda tinha um longo caminho a percorrer. Dar-me a espingarda, naquela manhã, foi a forma de o sargento me testar, para ver se eu tinha as capacida-des necessárias.

Encontrávamo-nos no telhado de um edifício em ruínas, na pon-ta de uma cidade que os Marines iriam atravessar. O vento empurra-va lixo e jornais pela estrada de terra batida por baixo de nós. O local cheirava a esgoto — o pivete do Iraque é algo que nunca esquecerei.

— Os Marines estão a chegar — disse o meu sargento, ao mes-mo tempo que o edifício começava a tremer. — Continua a observar.

Olhei pela mira telescópica. As únicas pessoas em movimento eram uma mulher e uma ou duas crianças que se encontravam perto.

5 Mar, Ar, Terra. 6 Spotter

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Vi as nossas tropas a pararem. Dez marines fardados, jovens e or-gulhosos, saíram dos veículos e reuniram-se para fazerem uma patru-lha a pé. Enquanto os americanos se organizavam, a mulher retirou algo sob as suas roupas e puxou.

Preparara uma granada. A princípio não me apercebi.— Parece amarelo — disse ao sargento, descrevendo o que via ao

mesmo tempo que observava. — É amarelo, o corpo…— Ela tem uma granada — referiu o sargento. — É uma grana-

da chinesa.— Merda.— Dispara.— Mas...— Dispara. Apanha a granada. Os marines…Hesitei. Alguém estava a tentar contactar os marines via rádio,

mas não conseguíamos falar com eles. Estavam a descer a rua, diri-gindo-se para a mulher.

— Dispara! — gritou o líder.Apertei o gatilho. A bala saiu. Disparei. A granada caiu. Disparei

novamente, ao mesmo tempo que a granada explodia.Foi a primeira vez que matei alguém com uma espingarda de sni-

per. E a primeira ocasião no Iraque — a única ocasião — em que ma-tei alguém que não fosse um combatente do sexo masculino.

Era meu dever disparar e não me arrependo de o ter feito. A mu-lher já estava morta. Só estava a certificar-me de que não levava ne-nhum marine com ela.

Parecia óbvio não só que os queria matar, como também que não se preocupava com qualquer pessoa que se encontrasse ali por perto e pudesse ir pelos ares com a granada, ou ser morto durante a tro-ca de tiros. Crianças na rua, pessoas nas suas casas, talvez até o pró-prio filho…

Estava demasiado cega pelo mal para pensar neles. Tudo o que queria era matar americanos, fosse como fosse.

Os meus tiros salvaram vários americanos, cujas vidas valiam bem mais do que a alma retorcida daquela mulher. Posso apresentar-me perante Deus com a consciência tranquila por ter realizado a minha função. No entanto odiava, verdadeira e profundamente, o mal que aquela mulher incarnava. Ainda hoje o odeio.

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Estávamos a combater um mal selvagem, desprezível. Era por isso que muitas pessoas, eu incluído, chamavam «selvagens» ao inimi-go. Não existia verdadeiramente outra forma de descrever o que ali encontrámos.

As pessoas perguntam-me constantemente: «Quantas pessoas mataste?» A minha resposta habitual é: «Dizê-lo faz de mim um ho-mem melhor ou pior?»

A quantidade não é importante para mim. Só desejava ter matado mais. Não para me gabar disso, mas porque acredito que o mundo é um lugar melhor sem os selvagens que andam por aí a ceifar vidas americanas. Todos os que matei no Iraque estavam a tentar fazer mal a americanos ou a iraquianos leais ao novo governo.

Tinha uma tarefa a realizar, enquanto SEAL. Matei o inimigo — um inimigo que vi a conspirar todos os dias para tirar a vida aos meus camaradas americanos. Sou assombrado pelos êxitos do ini-migo. Houve poucas, mas a perda de uma só vida americana é um dano demasiado grande.

Não me preocupo com o que as outras pessoas pensem de mim. É uma das coisas que mais admirava no meu pai, enquanto eu crescia. Ele estava-se nas tintas para o que os outros pensavam. Ele era quem era. Foi uma das várias qualidades que mais ajudaram a manter-me são.

Enquanto esta obra segue para impressão, continuo a sentir-me um pouco desconfortável com a ideia de publicar a história da minha vida. Primeiro que tudo, sempre pensei que, se o leitor quisesse saber como era a vida de um SEAL, deveria merecer o seu próprio triden-te: ser digno da nossa medalha, o símbolo de quem somos. Seguir o nosso treino, fazer os sacrifícios necessários, físicos e mentais. Essa é a única forma de aprender.

Em segundo lugar, e ainda mais importante, o que importa a mi-nha vida? Não sou diferente dos outros.

Acontece que estive envolvido em situações muito complicadas. Houve quem me dissesse que eram interessantes. Não o vejo dessa forma. Há quem esteja a pensar em escrever livros acerca da minha vida ou sobre algumas das coisas que fiz. Acho isso estranho, mas também sinto que é a minha vida e a minha história, e penso que será melhor que seja eu a colocá-las no papel, tal como realmente aconteceram.

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Além disso, há muitas outras pessoas que merecem ser reconhe-cidas e, se não for eu a escrever a história, podem muito bem ser me-nosprezadas. Não gosto sequer de pensar nisso. Os meus camaradas merecem ser elogiados mais ainda do que eu.

A Marinha atribuiu-me mais mortes como sniper do que a qual-quer outro militar americano, no passado ou no presente. É capaz de ser verdade. Andam para a frente e para trás na contagem. Numa semana são 160 (o número «oficial» no momento em que estou a escrever, valha ele o que valer), depois é muito mais elevado, mais tarde fica mais ou menos a meio. Se quiser um número exato, per-gunte à Marinha — pode mesmo chegar à verdade, se os apanhar num dia bom.

As pessoas querem sempre um número. Mesmo que a Marinha me permitisse, não o forneceria. Não sou uma pessoa de números. Os SEALs são combatentes silenciosos e eu sou um SEAL até à alma. Se quiser a história completa, obtenha um tridente. Se quiser confir-mar os meus créditos, pergunte a um SEAL.

Se quiser saber aquilo que me sinto à vontade em partilhar, e até algumas coisas que me sinto relutante em revelar, continue a ler.

Sempre disse que não tinha a melhor pontaria, nem era o me-lhor sniper de sempre. Não estou a denegrir as minhas capacidades. Trabalhei arduamente para as adquirir. Fui abençoado com alguns instrutores excelentes, que merecem muito mais mérito. E os meus rapazes — os camaradas SEALs, os Marines e os soldados do Exérci-to que combateram comigo e me ajudaram a desempenhar a minha função — foram todos parte essencial do meu êxito. Mas o meu total e a minha suposta «lenda» têm mais a ver com o facto de eu andar metido em sarilhos muitas vezes.

Por outras palavras, tive mais oportunidades do que a maioria. Cumpri comissões consecutivas desde antes do início da Guerra do Iraque até ao momento em que saí, em 2009. Tive a sorte de ser co-locado diretamente no meio da ação.

Também há outra pergunta que as pessoas fazem com regularida-de: «Incomodou-te matar tantas pessoas no Iraque?»

Eu respondo-lhes: «Não.»E estou a falar a sério. A primeira vez que matamos alguém ficamos

um bocadinho nervosos. Pensamos: Consigo mesmo matar este tipo?

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Estará isto certo? No entanto, depois de matarmos o inimigo, toma-mos consciência de que está certo. Dizemos para nós próprios: Ótimo.

Fazemo-lo outra vez. E outra vez. Fazemo-lo para que o inimigo não nos mate, nem atinja os nossos compatriotas. Fazemo-lo até que deixem de existir pessoas para matar.

A guerra é isso.Adorei o que fiz. Ainda adoro. Se as circunstâncias fossem dife-

rentes — se a minha família não precisasse de mim —, voltaria num instante. Não estou a mentir ou a exagerar ao dizer que foi divertido. Apreciei imenso ser um SEAL.

As pessoas tendem a classificar-me como mauzão, bom rapaz, idiota, sniper, SEAL e, provavelmente, outras coisas que não são apro-priadas para um livro. Todas podem corresponder à verdade num determinado dia. No fim de contas, a minha história, no Iraque e de-pois do Iraque, é sobre mais do que matar pessoas ou mesmo com-bater pelo meu país. É sobre ser um homem. E é tanto sobre o amor como sobre o ódio.

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1 .

domar cavalos e outras Formas de divertimento

Com o Coração de um Cowboy

Todas as histórias têm um princípio. A minha começa no Norte do Texas. Cresci em cidades pequenas, onde aprendi a importância

da família e dos valores tradicionais, como o patriotismo, a autocon-fiança e a necessidade de protegermos a nossa família e os vizinhos. Tenho orgulho em dizer que continuo a viver a minha vida de acordo com esses valores. Tenho um forte sentido de justiça, que é mais ou menos a preto e branco. Não vejo muito cinzento. Acho que é impor-tante proteger os outros. Não me importo de fazer o trabalho pesado. E, ao mesmo tempo, gosto de me divertir. A vida é demasiado curta para não o fazer.

Fui educado, e ainda acredito, na fé cristã. Se tivesse de ordenar as minhas prioridades, teriam de ser: Deus, Pátria, Família. Seria pos-sível discutir acerca da ordem dos últimos dois — recentemente co-mecei a acreditar que a família pode, em algumas circunstâncias, ser mais importante do que a pátria. Mas é uma luta renhida.

Sempre gostei de armas, sempre gostei de caçar e, de certa forma, acho que se pode dizer que sempre fui um cowboy. Comecei a montar a cavalo a partir do momento em que dei os primeiros passos. Hoje em dia não me apelidaria de verdadeiro cowboy, porque já há muito tempo que não trabalho num rancho e porque, provavelmente, perdi muitas das minhas capacidades em cima de uma sela. Ainda assim, na minha alma, se não for um SEAL sou um cowboy, ou deveria ser. O problema é que é muito difícil ganhar a vida desse modo quando se tem uma família.

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Não me lembro de quando comecei a caçar, mas deve ter sido quando ainda era muito jovem. A minha família tinha uma coutada onde podíamos caçar veados, a alguns quilómetros de casa, e caçáva-mos todos os invernos. (Para os leigos: uma coutada, neste caso de caça de veados, é uma propriedade na qual o dono aluga ou concede direitos de caça durante um determinado período de tempo; paga--se e obtém-se o direito de caçar. Provavelmente todos têm acordos diferentes no sítio onde vivem, mas este é muito comum por aqui.) Além de veados, nós caçávamos perus, pombos, codornizes — o que quer que fosse da época. «Nós», ou seja: a minha mãe, o meu pai e o meu irmão, que é quatro anos mais novo do que eu. Passávamos os fins de semana na nossa velha caravana. Não era muito grande, éramos uma família pequena, muito unida, e divertíamo-nos muito.

O meu pai trabalhava para a Southwestern Bell e para a AT&T — que se separaram e voltaram a juntar no decurso da sua carreira. Ele era supervisor e, à medida que ia sendo promovido, de tantos em tan-tos anos, éramos forçados a mudar-nos. Assim, de certa forma, fui criado por todo o Texas.

Apesar de ser bem-sucedido, o meu pai odiava o emprego que tinha. Não o trabalho em si, mas o que ele acarretava. A burocra-cia. O facto de ter de trabalhar num escritório. Odiava mesmo ter de vestir fato e gravata todos os dias.

«Não interessa quanto dinheiro ganhas», costumava dizer-me o meu pai. «Não vale a pena se não fores feliz.» Foi o conselho mais va-lioso que alguma vez me deu: «Faz o que quiseres na vida.» Até hoje, tentei sempre seguir essa filosofia.

O meu pai foi, de várias maneiras, o meu melhor amigo enquan-to eu ia crescendo; no entanto conseguiu, ao mesmo tempo, conjugar essa amizade com uma boa dose de disciplina parental. Havia uma fronteira e eu nunca quis pisá-la. Tive a minha dose de palmadas (al-guns chamar-lhe-iam tareias) quando merecia, mas não se excedia. Se o meu pai estivesse zangado, acalmava-se durante alguns minutos antes de administrar umas palmadas controladas — seguidas de um abraço.

De acordo com o meu irmão, andávamos sempre um em cima do outro. Não sei se isso será verdade, mas tivemos a nossa dose de lutas. Ele era mais novo e mais pequeno do que eu, mas batia-se bem e nun-ca desistia. É um tipo rijo e um dos meus amigos mais próximos até

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hoje. Fazíamos a vida negra um ao outro, mas também nos divertía-mos muito e sempre soubemos que nos protegeríamos mutuamente.

O nosso liceu tinha, nesse tempo, uma estátua de uma pantera no átrio. Ora, havia uma tradição anual em que os finalistas tentavam pôr os caloiros em cima da pantera, como forma de praxe. Os caloiros re-sistiam, obviamente. Eu já tinha acabado o secundário quando o meu irmão entrou como caloiro, mas voltei ao liceu no seu primeiro dia de aulas e ofereci 100 dólares a quem o conseguisse sentar naquela estátua.

Ainda tenho aqueles 100 dólares.

*

Embora tenha participado em muitas lutas, não comecei a maior parte delas. O meu pai deixou bem claro que me daria uma tareia se soubesse que eu tinha dado início a uma luta. Devíamos ser supe-riores a isso.

Defender-me era uma história completamente diferente. Prote-ger o meu irmão era melhor ainda — se alguém tentasse implicar com ele, teria de se avir comigo. Eu era o único que tinha autoriza-ção para lhe bater.

Algures pelo caminho, comecei a defender os miúdos mais novos com quem implicavam. Sentia que tinha de os proteger. Tornou-se a minha obrigação.

Talvez tenha começado a fazê-lo porque andava à procura de uma desculpa para lutar sem me meter em problemas. No entanto, julgo que era mais do que isso; acho que o sentido de justiça e de fair play do meu pai me influenciaram ainda mais do que eu julgava naquele tempo e ainda mais do que sou capaz de exprimir enquanto adulto. Contudo, seja qual for a razão, deu-me inúmeras oportunidades para me meter em confusões.

*

A minha família acreditava profundamente em Deus. O meu pai era diácono e a minha mãe dava catequese. Lembro-me de um pe-ríodo, quando era jovem, em que íamos à igreja todos os domingos de manhã, sábados à noite e quartas-feiras à tarde. Ainda assim, não

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nos considerávamos demasiado religiosos, apenas pessoas de bem que acreditavam em Deus e que estavam envolvidas com a sua igre-ja. A verdade é que, então, eu não gostava muito de ir tantas vezes.

O meu pai trabalhava arduamente. Acho que lhe estava no san-gue — o pai dele era um camponês do Kansas e aquelas pessoas tra-balhavam no duro. Um emprego nunca era suficiente para o meu pai — teve um estabelecimento de rações para animais durante al-gum tempo, quando eu ainda era novo, e tínhamos um rancho de dimensões modestas, onde todos trabalhávamos. Hoje em dia está oficialmente reformado, mas ainda trabalha para um veterinário lo-cal quando não está ocupado com o seu pequeno rancho.

A minha mãe também era muito trabalhadora. Quando eu e o meu irmão crescemos o suficiente para podermos ficar sozinhos, foi trabalhar como consultora para um centro de detenção juvenil. Era bastante difícil lidar com miúdos problemáticos todos os dias, pelo que acabou por mudar de emprego. Hoje em dia também está refor-mada, embora se mantenha ocupada com um trabalho em regime de part-time e com os netos.

Ajudar no rancho preenchia os meus dias enquanto estava a estu-dar. Eu e o meu irmão tínhamos tarefas diferentes depois das aulas e aos fins de semana: alimentar e tratar dos cavalos, conduzir o gado, inspecionar as cercas.

O gado traz sempre problemas. Apanhei coices nas pernas, no peito e, sim, também levei coices onde o sol não brilha. No entanto, nunca levei um coice na cabeça. Talvez isso me tivesse endireitado.

Enquanto estava a crescer, criei bezerros e bezerras para a FFA, Future Farmers of America7. (Hoje em dia, o seu nome oficial é The National FFA Organization.) Adorei a FFA e passei muito tempo a cuidar e a mostrar gado, ainda que lidar com os animais possa ser frustrante. Enervava-me com eles e pensava que era o melhor do mundo. Quando tudo o resto falhava, costumava bater-lhes na parte de cima das cabeças, duras e enormes, para lhes incutir algum juízo. Parti a mão duas vezes.

Como disse anteriormente, levar uma pancada na cabeça poderia ter-me endireitado.

7 Futuros Agricultores da América.

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Tive juízo no que dizia respeito a armas, mas não deixava de ter uma grande paixão por elas. Tal como muitos rapazes, a minha pri-meira «arma» foi uma pressão de ar Daisy multi-pump BB — quanto mais ar se metia, mais forte era o tiro. Mais tarde tive um revólver, também de pressão de ar, que funcionava com CO

2 e se parecia com

o Colt Peacemaker, modelo de 1860. Sempre preferi as armas do Ve-lho Oeste e, depois de sair da Marinha, comecei a colecionar algu-mas réplicas muito parecidas com as verdadeiras. A minha preferida é uma réplica do Colt Navy, modelo de 1861, produzida num antigo torno mecânico.

Tive a minha primeira espingarda a sério aos sete ou oito anos. Foi uma espingarda de ferrolho 30–06. Era uma arma de confiança — tão «crescida» que, a princípio, até tinha medo de a disparar. Acabei por adorar aquela arma mas, pelo que me lembro, o que queria mesmo era a Marlin 30–30 do meu irmão. Era de alavanca, ao estilo cowboy.

Sim, podemos encontrar aqui um denominador comum.

domador de Cavalos

Não se é cowboy enquanto não se conseguir domar um cavalo. Comecei a aprender quando ainda estava no liceu; a princípio não sabia grande coisa acerca disso. Achava que era só: Salta para cima deles e cavalga até deixarem de dar coices. Dá o teu melhor para te man-teres lá em cima.

Aprendi muito mais à medida que fui crescendo, mas a maior parte da minha educação ocorreu no desempenho das minhas funções — ou em cima do cavalo, por assim dizer. O cavalo fazia alguma coisa e eu reagia. Juntos, chegávamos a um entendimento. Talvez a lição mais importante tenha sido a paciência. Eu não era, por natureza, uma pes-soa paciente. Fui obrigado a desenvolver esse talento ao trabalhar com cavalos, o que acabaria por se revelar muitíssimo valioso quando me tornei sniper — e até quando andei a cortejar a minha mulher.

Ao contrário do que me acontecia com o gado, nunca encontrei qualquer razão para bater num cavalo. Montá-los até os cansar, tudo bem. Ficar em cima deles até que tomassem consciência de quem mandava, certamente. Mas bater num cavalo? Nunca me deparei com

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uma razão suficientemente boa para o fazer. Os cavalos são mais es-pertos do que o gado. É possível fazer com que um cavalo coopere connosco, se tivermos tempo e paciência para tal.

Não sei se tinha ou não um talento natural para domar cavalos, mas estar perto deles alimentou o meu apetite de todas as coisas rela-cionadas com cowboys. Por isso, em retrospetiva, não é de surpreender que me tenha envolvido em competições de rodeo quando ainda fre-quentava a escola. Pratiquei desportos no liceu — beisebol e futebol americano —, mas nada que se comparasse à excitação de um rodeo.

Todas as escolas têm os seus grupos exclusivos: atletas, marrões e por aí fora. Os tipos com quem me dava eram os «laçadores». Tí-nhamos as botas e as calças de ganga e, de um modo geral, parecía-mo-nos com autênticos cowboys e agíamos como eles. Eu não era um «laçador» mesmo a sério — nessa altura, não teria sido capaz de laçar um mísero bezerro —, mas isso não me impediu de participar em rodeos por volta dos 16 anos.

Comecei por montar touros e cavalos num pequeno estabeleci-mento onde pagávamos 20 dólares para podermos montar durante tanto tempo quanto quiséssemos. Precisávamos de ter o nosso pró-prio equipamento — esporas, safões, cordas. Não era nada de mais: montávamos, caíamos e voltávamos a montar. Aos poucos, fui fican-do cada vez mais tempo, até que, por fim, me sentia suficientemente confiante para entrar em pequenos rodeos locais.

Montar um touro é um pouco diferente de domesticar um cava-lo. Os touros inclinam-se para a frente, mas a pele é tão solta que, quando se inclinam, não só deslizamos para a frente como também escorregamos de um lado para o outro. E os touros conseguem real-mente andar à roda. Bom, simplificando: mantermo-nos em cima de um touro não é tarefa fácil.

Montei touros durante cerca de um ano, sem muito êxito. Ga-nhei juízo, mudei para os cavalos e acabei por tentar a modalidade de sela americana. Trata-se de um evento clássico, em que o cavalei-ro não só tem de se manter em cima do cavalo durante oito segun-dos, como deve fazê-lo com estilo e finesse. Por uma qualquer razão, obtive muito melhores resultados neste evento do que nos outros e, por isso, prossegui por uns tempos, ganhando a minha quota-par-te de fivelas e mais do que uma sela trabalhada. Não que tenha sido

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um campeão, mas saía-me suficientemente bem para torrar no bar os prémios em dinheiro.

Também granjeei alguma atenção da parte das buckle bunnies, a versão rodeo das groupies. Era tudo ótimo. Gostava de andar de cidade em cidade, viajar, festejar e montar.

Chamem-lhe o estilo de vida cowboy.Continuei a montar depois de ter concluído o liceu, em 1992, e de

ter começado a frequentar a Tarleton State University, em Stephenvil-le, no Texas. Para quem não a conhece, a Tarleton State foi fundada em 1899 e juntou-se à Texas A&M University em 1917. Esta é a ter-ceira maior universidade agrónoma e não usufrui dos rendimentos de terrenos estatais. Tem a reputação de formar excelentes rancheiros e agricultores, bem como professores do ensino agrónomo.

Naquela época, estava interessado em tornar-me rancheiro. Con-tudo, antes de me inscrever tinha pensado na carreira militar. O pai da minha mãe fora piloto da Força Aérea e, durante uns tempos, ainda pensei em tornar-me aviador. Depois considerei ser marine — queria ver a ação a sério. Gostava da ideia de combater. Também tinha ouvido algumas coisas acerca das operações especiais e pen-sei em juntar-me à Marine Recon, que é a unidade de elite dos Ma-rines. Contudo, a minha família, em especial a minha mãe, queria que eu fosse para a universidade. Por fim, acabei por aceitar a opi-nião deles: decidi que iria primeiro estudar e depois alistar-me-ia no exército. Diabos, do meu ponto de vista isso significava que po-dia andar em festas por uns tempos, antes de encarar coisas sérias.

Continuava a participar em rodeos e estava a ficar bastante bom. Con-tudo, a minha carreira terminou abruptamente por volta do final do meu primeiro ano de universidade, quando um cavalo rolou por cima de mim, numa competição em Rendon, no Texas. Os tipos que estavam a vigiar--me não conseguiram abrir o brete devido à forma como o cavalo caiu, e por isso tiveram de puxá-lo para trás, por cima de mim. Ainda tinha um pé no estribo e fui arrastado e pisado com tanta força que perdi os sentidos. Acordei num helicóptero de emergência médica, a caminho do hospital. Acabei com parafusos nos pulsos, um ombro deslocado, costelas partidas e lesões num pulmão e num rim.

Provavelmente, a pior parte da recuperação foram os malditos parafusos. Na verdade, tratava-se de grandes cavilhas com cerca de

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meio centímetro de espessura. Os médicos deixaram de fora alguns centímetros de cada lado dos meus pulsos, tal como no monstro do Frankenstein. Faziam comichão e eram estranhos, mas seguravam--me as mãos.

Algumas semanas depois de me ter magoado, decidi que tinha chegado o momento de telefonar a uma rapariga com quem queria sair. Não estava disposto a deixar que os parafusos se intrometessem no meu caminho. Enquanto conduzia, uma das longas cavilhas me-tálicas batia constantemente no pisca. Isso enervou-me de tal forma que acabei por parti-la pela base, perto da pele. Não creio que ela te-nha gostado muito do que viu; o encontro acabou cedo.

A minha carreira de rodeo tinha acabado, mas eu continuava a divertir-me como se estivesse em digressão. Depressa estourei o di-nheiro e comecei à procura de um trabalho para depois das aulas. Encontrei emprego num depósito de madeiras como motorista, dis-tribuindo madeira e outros materiais.

Era um trabalhador razoável e penso que isso se notava. Certo dia, um fulano entrou no depósito e começou a falar comigo.

— Conheço um tipo que tem um rancho e está à procura de pes-soal para contratar — disse-me. — Não sei se estarás interessado.

— Claro! — respondi-lhe. — Vou já falar com ele.E foi assim que me tornei empregado de um rancho — um cowboy a

sério —, apesar de continuar a frequentar a faculdade a tempo inteiro.

a vida de um Cowboy

Fui trabalhar para David Landrum, em Hood County, no Texas, e descobri que não estava tão perto de ser um cowboy quanto pensava. David encarregou-se de resolver a situação. Ensinou-me tudo e mais alguma coisa acerca de trabalhar num rancho. Era um homem duro. Era capaz de nos insultar a torto e a direito. Se estivéssemos a fazer as coisas como deve ser, não dizia uma palavra. Contudo, acabei por gostar imenso dele.

Trabalhar num rancho é divinal.É uma vida dura, com imenso trabalho pesado e, no entanto, ao

mesmo tempo, é uma vida fácil. Estamos sempre ao ar livre. A maior

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parte dos dias somos só nós e os animais. Não temos de lidar com pessoas, escritórios ou quaisquer outras tretas. Fazemos apenas o que temos de fazer.

A propriedade do David estendia-se por 10 mil hectares. Era um rancho a sério, à moda antiga — até usávamos uma carroça durante a época de transumância.

Deixem que lhes diga: era um lugar deslumbrante, com pequenas colinas, alguns riachos e vastas extensões que nos faziam sentir vivos sempre que olhávamos para elas. O coração do rancho era uma casa velha, que, provavelmente, tinha sido uma albergaria — uma estala-gem para os leigos — no século xix. Era um edifício majestoso, com alpendres nas fachadas da frente e das traseiras, quartos bastante es-paçosos e uma grande lareira que aquecia tanto a alma como o corpo.

Claro que, sendo eu um ajudante no rancho, os meus aposentos eram um pouco mais primitivos. Dormia em algo a que chamávamos um dormitório, ainda que este tivesse pouco espaço até para uma ta-rimba. Creio que media 2 metros por 3,5, ocupando a minha cama a maior parte desse espaço. Não havia lugar para cómodas — tinha de pendurar toda a minha roupa, incluindo a interior, num bengaleiro.

As paredes não estavam isoladas. O centro do Texas pode ser bas-tante frio no inverno e, mesmo com o fogão a gás no máximo e o aque-cedor elétrico logo ao lado da cama, dormia com as roupas vestidas. Ainda assim, o pior era o facto de não existirem fundações adequadas por baixo do chão de madeira. Via-me obrigado a travar uma bata-lha constante contra os guaxinins e tatus, que cavavam tocas mesmo por baixo da minha cama. Os guaxinins eram casmurros e audazes; devo ter matado cerca de 20 até que percebessem, finalmente, que não eram bem-vindos em minha casa.

Comecei por conduzir os tratores, semeando trigo para o gado no inverno. Depois passei a alimentar os animais. Ao fim de algum tempo, o David concluiu que talvez eu ficasse por ali e começou a dar-me mais responsabilidades. Aumentou o meu salário para 400 dólares por mês.

Terminada a minha última aula do dia, por volta da uma ou das duas da tarde, dirigia-me para o rancho. Ali, trabalhava até ao pôr do sol, estudava um pouco e depois ia para a cama. De manhã, bem cedo, dava de comer aos cavalos e a seguir ia para as aulas. O ve-

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rão era a melhor época. Andava a cavalo das cinco da manhã até às nove da noite.

Por fim, tornei-me no homem que já lá trabalhava há dois anos e treinava cavalos de cutting, preparando-os para os leilões. (Os cavalos de cutting — também chamados cavalos de apartação, cavalos de se-parar gado ou de assobio — são treinados para ajudarem os cowboys a afastarem vacas das manadas e um bom cavalo pode valer uma boa soma em dinheiro.)

Foi aí que aprendi, de facto, a lidar com cavalos e me tornei mais paciente do que fora até então. Se perdermos a paciência com um cavalo, podemos arruiná-lo para o resto da vida. Ensinei-me a mim próprio a levar o meu tempo e a ser meigo com eles.

Os cavalos são extremamente espertos. Aprendem depressa — se fizermos as coisas como deve ser. Mostramos-lhes algo muito simples, paramos e mostramos outra vez. Um cavalo lambe os beiços quando está a aprender. Era isso que eu procurava. Interrompemos a lição num momento positivo e retomamos no dia seguinte.

Claro que demorei algum tempo a aprender isto. Sempre que fazia asneira, o meu patrão fazia-mo saber. Corria comigo imediatamen-te, dizia-me que eu era uma merda e que não servia para nada. No entanto, nunca fiquei chateado com o David. Pensava cá para mim: Sou melhor do que isto e vou mostrar-te.

Ao que parece, este é precisamente o género de atitude necessária para fazer parte dos SEALs.

um «não» da mar inha

Quando estava na herdade, tinha imenso tempo e espaço para pensar que caminho estava a seguir. Estudar e ir às aulas não eram atividades para mim. Com a minha carreira no rodeo terminada, decidi desistir da universidade, parar de trabalhar num rancho e regressar ao meu plano inicial: alistar-me no exército e tornar-me soldado. Dado que era isso o que queria realmente fazer, não ti-nha sentido esperar.

E, por isso, num belo dia de 1996, dirigi-me aos recrutadores, de-terminado a alistar-me.

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O centro de recrutamento era, em si mesmo, um centro comercial em miniatura. Os gabinetes do Exército, da Marinha, dos Marines e da Força Aérea estavam alinhados numa pequena fila. Todos nos ob-servavam quando entrávamos. Estavam a competir uns contra os ou-tros e não se tratava, necessariamente, de uma competição amigável.

Dirigi-me primeiro à porta dos Marines, mas estes tinham saído para almoçar. Quando me virei, o tipo do Exército, ao fundo do cor-redor, chamou-me.

— Ei — disse. — Porque não entras aqui? Não há razão para não o fazer, pensei. Por isso entrei.— O que estás interessado em fazer nas Forças Armadas? — per-

guntou-me.Disse-lhe que gostava da ideia de operações especiais e que, pelo que

tinha ouvido acerca das Forças Especiais do Exército, gostaria de servir nesse ramo — isso se me alistasse no Exército, claro. (As Forças Espe-ciais, ou SF8, são uma unidade de elite no Exército, encarregue de uma série de operações especiais. O termo «forças especiais» é, por vezes, utilizado de forma incorreta para descrever as tropas das operações es-peciais em geral, mas quando o utilizo refiro-me à unidade do Exército.)

Naquela época, tinha de se ser um E5 — um furriel — antes de se ser tido em consideração para as SF. Eu não gostava particularmente da ideia de ter de esperar todo aquele tempo antes de conseguir che-gar à melhor parte. — Podias ser um ranger9 — sugeriu o recrutador.

Não sabia muito acerca dos Rangers, mas aquilo que ele me disse parecia deveras tentador — saltar de aviões, tomar objetivos de assalto, tornar-me especialista em artilharia ligeira. Abriu-me os olhos para as possibilidades, ainda que não estivesse sequer perto de me convencer.

— Vou pensar nisso — respondi-lhe, levantando-me para ir embora.Quando estava a caminho da saída, o tipo da Marinha chamou-me

da outra ponta do corredor.— Ei, tu — disse-me. — Chega aqui.Fui ter com ele.— Do que estiveram a falar? — perguntou.

8 Special Forces.9 Nome dado aos soldados da Ranger Force, unidade de elite da Infantaria do

Exército norte-americano.

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— Eu estava a pensar entrar para as SF — disse. — Mas é preciso ser-se um E5. Por isso estivemos a falar dos Rangers.

— Ah, sim? E já ouviste falar dos SEALs?Naquele tempo, os SEALs ainda eram relativamente desconheci-

dos. Tinha ouvido alguma coisa acerca deles, mas não sabia muito. Penso que encolhi os ombros.

— Porque não entras aqui? — perguntou o marinheiro. — Vou informar-te sobre eles.

Começou por falar do BUD/S10, ou treino de Demolição Subma-rina Básica SEAL; hoje até existe um longo artigo acerca do nosso treino na Wikipédia. No entanto, naquela época, o BUD/S ainda era um grande mistério, pelo menos para mim. Quando ouvi dizer o quão difícil era, como os instrutores lidavam com cada recruta e que menos de 10 por cento dos recrutas conseguiam transitar para a fase seguinte, fiquei impressionado. Só para passar por aquele treino, ti-nha de se ser um tipo rijo.

Eu gostava desse tipo de desafio.Em seguida, o recrutador começou a falar acerca das missões que os

SEALs e os seus predecessores, os UDTs, tinham realizado. (Os UDTs eram membros das Equipas de Demolição Submarina11, homens-rã que localizavam brechas nas linhas inimigas e que realizavam outras missões especiais de guerra, desde a II Guerra Mundial.) Havia histó-rias sobre as vezes em que tiveram de nadar por entre obstáculos, nas praias controladas pelos japoneses, e travar combates horrendos atrás das linhas inimigas, no Vietname. Eram cenas pesadas e, quando saí dali, nada havia que eu quisesse mais do que ser um SEAL.

*

Muitos recrutadores, em especial os bons, têm um certo toque de mercenário, e este não era diferente. Quando voltei e estava prestes a assinar os papéis, disse-me que tinha de recusar o prémio de assi-natura se queria garantir que entrava para os SEALs.

Assim fiz.

10 Basic Underwater Demolition/Scuba.11 Underwater Demolition Teams.

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O tipo era só conversa, claro. Ter-me levado a recusar o prémio de assinatura fez com que ficasse bem na fotografia, tenho a certeza disso. Também não tenho dúvida de que ele tem uma excelente car-reira pela frente, como vendedor de carros usados.

A Marinha não prometia que eu seria um SEAL; eu tinha de me-recer o privilégio. No entanto, o que garantiam era que eu teria uma hipótese de tentar a minha sorte. Para mim isso era o suficiente, por-que não havia a mínima hipótese de vir a falhar.

A Marinha desqualificou-me aquando do meu exame físico, pois este revelara a presença de parafusos no braço devido ao meu acidente no rodeo. Tentei argumentar, tentei implorar — nada funcionou. Até me ofereci para assinar uma renúncia em como nunca responsabili-zaria a Marinha por algo que acontecesse ao meu braço.

Recusaram-me rotundamente.E este, concluí, era o fim da minha carreira militar.

a Chamada

Com a carreira militar fora das minhas opções, concentrei-me em fazer carreira como rancheiro e em ser cowboy. Uma vez que já tinha emprego num rancho, decidi que não fazia sentido voltar à universi-dade. Desisti definitivamente, apesar de me faltarem uns meros 60 créditos para terminar o curso.

O David duplicou-me o ordenado e deu-me mais responsabilida-des. Com o tempo, melhores ofertas foram-me atraindo para outros ranchos, ainda que, por diferentes razões, tivesse regressado sempre ao rancho do David. Por fim, mesmo antes do inverno de 1997–98, dei por mim a caminho do Colorado.

Aceitei o lugar sem visitar o local de trabalho, o que acabou por se revelar um erro crasso. Na época pensei que, já tinha passado toda a minha vida nas planícies do Texas, uma mudança para as montanhas seria uma bem-vinda alteração de cenário.

No entanto, adivinhem o que aconteceu: arranjei emprego num rancho situado na única parte do Colorado mais plana do que o Te-xas. E muito mais fria. Não tardei a telefonar ao David e a perguntar--lhe se precisava de ajuda.

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— Volta lá — respondeu-me.Comecei a arrumar as coisas, mas não fui muito longe. Ainda não

tinha acabado de acertar tudo para me voltar a mudar, quando recebi um telefonema de um recrutador da Marinha.

— Ainda estás interessado em ser um SEAL? — perguntou.— Porquê?— Porque queremos que te juntes a nós — disse o recrutador.— Mesmo com os parafusos nos braços?— Não te preocupes com isso.Não me preocupei. Comecei de imediato os preparativos.

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M Mãos ao ar, Yankee!

M Dois jovens caçadores e a sua presa. O meu irmão (à esquerda) ainda é um dos meus melhores amigos.

M Sou cowboy praticamente desde nascença. Reparem nas botas espetaculares que eu usava aos quatro anos.

P Aqui estou eu nos anos do ensino secundário, a praticar com a minha caçadeira Ithaca. Ironicamente, nunca fui um grande atirador com caçadeiras.

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M Não é possível ser-se um verdadeiro cowboy se não se aprender a laçar…

O …e eu evoluí até um ponto em que já era razoável a fazê-lo.

P É uma forma árdua de vida, mas eu serei sempre um cowboy no meu coração.

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M Todo equipado e com a minha Mk-12, a arma que usei quando salvei os marines e os jornalistas sitiados em Fallujah.

M Em Fallujah, 2004. Tenho na mão a minha WinMag .300, e estou num grupo de snipers com quem trabalhei. Um deles era um SEAL, os outros eram marines. (É possível distingui--los através dos camuflados.)

P O esconderijo sniper que usámos quando fizemos a cobertura aos marines que iriam intervir em Fallujah. Notem que estou sobre um berço virado de lado.

O O General Norton Schwartz, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, entrega-me o prémio Grateful Nation, atribuído pelo JINSA (Jewish Institute for National Security Affairs). Recebi este prémio em 2005, como reconhecimento pelos meus serviços em Fallujah.

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M O pelotão Charlie da Equipa SEAL 3, após a chegada a Ramadi. As únicas faces visíveis são a do Marc Lee (à esquerda), a do Ryan Job (ao meio) e a minha (à direita).

M Marc Lee, a liderar o pelotão em Ramadi. Com a ajuda dos Marines, conseguimos lançar várias operações a partir do rio.

M Fizemos o nosso próprio logótipo, a partir do Justiceiro, personagem de BD. Pintámo-lo com spray nos nossos casacos e em muito do nosso equipamento. Tal como ele, nós também estávamos a corrigir as ações dos inimigos. Fotografia: cortesia de 5.11.

O Aqui estou eu com os rapazes, em 2006, imediatamente após o regresso de uma operação, com a minha Mk-11 na mão direita.

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M Instalado num telhado em Ramadi. A tenda aliviava um pouco o calor provocado pelo Sol.

O Outra posição de sniper que usei na mesma batalha.

P Em Ramadi, escolhemos sempre telhados que nos dessem bons pontos de vantagem. Algumas vezes, contudo, a operação exigia mais do que uma espingarda sniper — o fumo negro que surge ao fundo nesta fotografia é uma posição inimiga eliminada por um tanque.

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M Marc Lee.

O Após a morte do Marc, criámos um símbolo em sua memória, como homenagem. Nunca o esqueceremos.

M Ryan Job.

M Um close-up da minha Lapua .338, a arma com a qual fiz o meu tiro bem-sucedido a maior distância. Podem ver o meu cartão «DOPE» — o placard na lateral da arma que contém os ajustamentos necessários para alvos de longa distância. O meu tiro (a 1900 metros) excedia a capacidade do cartão, por isso tive de fazê-lo «a olho».

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M Quando não estava no terreno, gostava de ajudar outros a melhorarem a sua técnica. Esta fotografia foi tirada na minha última missão, enquanto dava um pequeno treino a alguns snipers do Exército.

P Fotografado num curso de helicópteros da Craft. Não me importo de fazer estas formações em helicópteros, mas detesto alturas.Fotografia: cortesia de 5.11

P O logo e slogan da nossa empresa («Apesar do que a tua mãe te disse, acredita: a violência resolve alguns problemas») honram os meus irmãos SEALs, em especial os meus colegas caídos em combate. Nunca os esquecerei.

O Aqui estou a liderar uma sessão de treino para a Craft International, a empresa que criei depois de deixar a Marinha. As nossas sessões são o mais realísticas possível, para que os operadores e agentes da lei que treinamos tenham a formação de que necessitam.Fotografia: cortesia de 5.11

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O Eu e a Taya, o amor da minha vida.Fotografia: cortesia de Heather Hurt/Calluna Photography

P Eu e o meu filho, de saída de um C-17.

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