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MUTAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E DESUMANIZAÇÃO DO INDIVíDUO Carta Vaz dos Santos Ri beine" Denise Bessa ILéda** Moam de OJiveiraGannlbr.,!'*'** Yonara Miranda Bandeira**** RESUMO Estudo acerca das mutações no mundo do trabalho e da decorrente desumanização provocada no trabalhador. Realiza-se uma breve contextualização do trabalho, fazendo-se um recorte desde a Revolução Industrial até o atual processo de globalização. Na Sociedade Industrial, destaca-se o modelo taylorista/fordista, e seus primeiros sinais de decadência na década de 70, com a crise do capitalismo. Aponta-se a emergência do toyotismo caracterizado por estruturas organizacionais flexibilizadas, com um perfil de trabalhador diferente, mais qualificado, participativo e polivalente. Apresenta-se uma inovadora ordem de trabalho, modificando antigos valores e contribuindo para a construção de novas relações. A acirrada competição delineia os novos valores da sociedade contemporânea, que se tornam necessários para a manutenção do emprego e sobrevivência. Os indivíduos que compõem a classe-que-vive-do- trabalho têm como eixo balizador de suas relações a com petitividade, para ter a garantia de um emprego tudo é possível desde a busca incessante pela qualificação profissional, a submissão a contratos de trabalhos massacrantes e mesmo os "acordos" e "parcerias" para eliminar o concorrente. Questiona-se sobre os riscos do processo de desurnanização do trabalhador e a sua repercussão nas relações sociais. Palavras-chave: Sociedade Contemporânea; Mundo do Trabalho; Desumanização. ABSTRACT Research on the mutation of the Work of World and the resulting dehumanizing caused on lhe worker.l tis dane a brief contextual ization Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão •• Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão ••• Aluna do 7° período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão •••• Aluna do 7" período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão

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MUTAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E DESUMANIZAÇÃODO INDIVíDUO

Carta Vaz dos Santos Ribeine"Denise Bessa ILéda**

Moam de OJiveiraGannlbr.,!'*'**Yonara Miranda Bandeira****

RESUMO

Estudo acerca das mutações no mundo do trabalho e da decorrentedesumanização provocada no trabalhador. Realiza-se uma brevecontextualização do trabalho, fazendo-se um recorte desde aRevolução Industrial até o atual processo de globalização. NaSociedade Industrial, destaca-se o modelo taylorista/fordista, e seusprimeiros sinais de decadência na década de 70, com a crise docapitalismo. Aponta-se a emergência do toyotismo caracterizado porestruturas organizacionais flexibilizadas, com um perfil de trabalhadordiferente, mais qualificado, participativo e polivalente. Apresenta-seuma inovadora ordem de trabalho, modificando antigos valores econtribuindo para a construção de novas relações. A acirradacompetição delineia os novos valores da sociedade contemporânea,que se tornam necessários para a manutenção do emprego esobrevivência. Os indivíduos que compõem a classe-que-vive-do-trabalho têm como eixo balizador de suas relações a com petitividade,para ter a garantia de um emprego tudo é possível desde a buscaincessante pela qualificação profissional, a submissão a contratos detrabalhos massacrantes e mesmo os "acordos" e "parcerias" paraeliminar o concorrente. Questiona-se sobre os riscos do processo dedesurnanização do trabalhador e a sua repercussão nas relaçõessociais.

Palavras-chave: Sociedade Contemporânea; Mundo do Trabalho;Desumanização.

ABSTRACT

Research on the mutation of the Work of World and the resultingdehumanizing caused on lhe worker.l tis dane a brief contextual ization

• Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão•• Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão••• Aluna do 7° período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão•••• Aluna do 7" período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão

of labor, making a summary service Industrial Revolution until thepresent process of globalization. In the industrial society, it ishighlighted Ford's and Taylor's model, and it's earliest signs of theruin in the seventies decade, with the capitalism crises. It isoutstood the urgency toyotism charachterized by organizationstructuresflexiblizedwith theprofileofdifferentworker,morequalified,more participative and skilled. A new and inovating order of worker,changing ancientvalues and helping buildings ofnew relations. Theheavy competition out lines the new values of the contemporarysociety, that became necessary forthe maintainance of jobs surviving.The citizens that forms the class that lives oftheir jobs has a guiderof their relations the competitivety, to garantie a job everything aspossible since an unlimited search for the profissional qualifications,the submition to horrible ternporary contracts and even the"agreements"and "partnerships" to eliminate the cornpetitors. lt'squestioned about the risks ofthe dehumanization ofthe worker andit's repercution on the social relations.

Keywords: Contemporary society; Work ofWorld; Dehumanization.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas,notadamente no último quartel do sé-culo XX, o capitalismo tem vivenciadoum quadro crítico de grande complexi-dade. Esta crise tem gerado, entre tan-tas conseqüências, profundas mudançasno interior do mundo do trabalho.

[...] ocorreram mutações inten-sas, econôm icas, sociais,políticas, ideológicas, com for-tes repercussões no ideário, nasubjetividade e nos valoresconstitutivos da classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES,1999,p.35).

Até a década de 70, o traba-lhador dos países mais desenvolvi-dos, conseguia fazer uma projeçãoda sua vida profissional, fazia pIa-nos, traçava metas. Atualmente osempregos são flexíveis e provisóri-

os. A única certeza que se tem hojeé que nada deve ser pensado emlongo prazo.

O medo da exclusão emarginalização é partilhado por todos.Fala-se em fim do emprego. Um mun-do que em lugar do emprego, terá situ-ações de trabalho precárias etemporárias.

Diante dessa nova relação do in-divíduo com o seu trabalho, busca-seneste estudo levantar questões sobreas repercussões destas profundas mu-danças no mundo do trabalho. Discu-te-se os efeitos da globalização e seusimpactos perversos na cIasse-que-vive-do-trabalho. Dá-se ênfase a apre-ensão, ao sofrimento e a mudança deprincípios e valores, com a conseqüen-te desumanização da classe trabalha-dora diante de tantas mutações eincertezas.

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2 SOCIEDADE INDUSTRIAL

É impossível se falar em muta-ções no mundo do trabalho no séculoXX, sem trazer à tona um marco deimportância inquestionável que é a Re-volução Industrial.

Pode-se dividir a história do tra-balho em dois momentos bastante dis-tintos, o que antecede a RevoluçãoIndustrial e o que a sucede. O impactodesta revolução, que costuma ser con-vencionalmente alocada de meados doséculo XVIII a meados do século XX,foi decisivo.

A revolução industrial foi umarevolução para todos os efeitose certamente a maior e a maispenetrante, a mais irreversiveldesencadeada desde as origensda história humana até a se-gunda metade do século XX(MASI, 2000, p.127).

Os séculos anteriores não apre-sentaram tantas descobertas e inven-ções, como os séculos XIX e XX. Oprogresso tecnológico trouxe muitasmelhorias. Para uma parte da humani-dade, a vida foi facilitada. A fadiga e odesgaste físico foram reduzidos, astecnologias permitiram uma diminuiçãodo esforço tanto no trabalho industrial,como no doméstico. A taxa de mortali-dade caiu significativamente, o homempré - industrial dos países mais ricosvivia em média 35 anos, o da segundametade deste século tem como refe-rência os 75 anos. Houve um incremen-to da escolarização, maiorespossibilidades de mobilização geográfi-ca e social.

Essa libertação teve um preço, osbenefícios trazidos pela Revolução In-dustrial foram acompanhados por mu-danças radicais no trabalho e na vida.Ocorre um deslocamento de enormescontingentes de pessoas do campo paraas áreas urbanas. O artesão que antestrabalhava com a família em casa, setransforma em um anônimo operário dasfábricas nos grandes centros, submis-so às ordens de um chefe estranho, emum ambiente impessoal e árido. É obri-gado a conviver com um poder hierár-quico, disciplinar que avalia resultados,em vez de intenções. O caráter afetivoé excluído das novas relações de tra-balho. Como bem afirma Codo eSampaio (1995, p. 193) "o mundo dotrabalho e o mundo do afeto passam ase desenvolver em dois universos dis-tintos, a fábrica e o lar".

No início do século XX, Taylor um .engenheiro americano, realiza estudossobre o trabalho nas indústrias que da-rão origem à primeira TeoriaOrganizacional, a Teoria da Adminis-tração Científica. Ele conclui que, apartir da divisão das tarefas, da especi-alização do operário, é obtido um signi-ficativo aumento da produtividade.

Esse novo modelo organizacionalretira do indivíduo a possibilidade deacompanhar a produção como umtodo, limitando-o a uma tarefa extre-mamente específica. A dimensão in-telectual do trabalho é suprimida etransferida para a esfera da gerênciacientífica, ocorre um processo dedesantropomorfização: o operário éconvertido em um apêndice da má-quina.

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Por volta da década de 20, con-solida-se o modelo de outro engenheiroamericano, Henry Ford - o fordismo -que apresenta semelhanças com o

.taylorismo. Ambos valorizam a sepa-ração do trabalho executivo do intelec-tual, a especialização das tarefas,porém o fordismo acrescenta

uma estratégia mais abrangentede organização da produção queenvolve extensa mecanização,com uso de máquinas e ferra-mentas especializadas, linha demontagem e crescente divisãodo trabalho (LARANJEIRA,1997,p.91).

Diferentemente das oficinasartesanais, cada trabalhador assume umúnico papel, restringindo-se a tarefascada vez mais específicas, perdendodesta forma qualquer identificação como trabalho, ele não se percebe maiscomo responsável por um determinadoproduto.

Racionalização será a palavramais repetida no mundo dos negócios.A programação e o controle serãodeterminantes. Tudo será calculado,preciso. A emoção é retirada do localde trabalho. O cronômetro entra na fá-brica, apodera-se dela, regula-a, domi-na-a, ultrapassa os seus muros e vaiditar formas de convivência para umanova sociedade.

O método taylorista/fordista utili-zado nas indústrias rapidamente conta-gia outras organizações, incluindo igreja,família e tipos de lazer. Novos valorespassam a determinar a sincronizaçãodos tempos de vida e do trabalho. Sãoestabelecidos horários exatos para che-gar e sair da fábrica, tempo predeter-

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minado para executar uma tarefa. Oconsumo do tempo livre é monitorado.Quantidade e forma de lazer são ade-quados para não interferir na disposi-ção e produtividade do operário e horasde sono suficientes são calculadas pararepor as energias para um novo dia detrabalho. .

A indústria transforma o conceitode trabalho e dita novos valores à soci-edade da época, criando assim a cha-mada Sociedade Industrial.

Foi a indústria que além de ter-mos como "bem-estar","consumo" e "urbanismo", ins-pirou outros como "alienação","anorn ia", "exploração" e"estresse" (MASI, 2000, p. 59).

2.1 O apogeu e o declínio domodelo fordista

A Era Industrial, como foi colo-cado anteriormente, gerou mudançassignificativas no âmbito social e econô-mico. A sociedade sofreu impactos di-ferenciados, dependendo do momentoe do contexto, algumas situações po-dem ser interpretadas como ganhos ouperdas.

Mais exatamente entre a segun-da guerra mundial e o final dos anos60, o capitalismo viveu o seu momentoáureo. O modelo taylorista/fordista deprodução em massa gerou um aumen-to de produtividade, uma redução doscustos das mercadorias, resultando emum crescimento de consumo, favore-cendo assim uma maior lucratividadedas empresas.

No início da década de 70, com acrise do capitalismo, o modelo fordista

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começa a dar seus primeiros sinais dedecadência. O mundo foi palco de mui-tas mudanças o que obrigou as organi-zações a buscarem alternativas desobrevivência.

Muitos fatos pressionaram osempresários, impulsionando-os a reve-rem os seus princípios de gestão admi-nistrativa. Dentre eles, pode-se citar: acrescente concorrência japonesa; oaumento do grau de exigência dos cli-entes, que não estavam mais dispostosa consumir produtos fabricados em sé-rie sem nenhuma diferenciação; a que-da da taxa de lucro; a eclosão derevoltas do operariado e a crise doWellfare State.

Tornou-se necessária uma novaforma de organização industrial, comum perfil de trabalhador diferente, maisqualificado, participativo e polivalente.As estruturas organ izacionais foramflexibilizadas para adequarem-se commais facilidade às constantes transfor-mações do mercado. É neste contextoque emerge a era da acumulação flexí-vel e do toyotismo no Ocidente.

3 SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL

3.1 A era da acumulação flexível edo toyotismo

Na década de 80, o modelo japo-nês, também conhecido comotoyotismo, consagrou-se. Os empresá-rios ocidentais buscavam soluções paraos seus problemas na experiêncianipônica. Uma nova forma de organi-zação da produção e do trabalho disse-mina-se, inicialmente nas indústrias,

abarcando, posteriormente, a área deserviços.

Dessa forma, a administraçãocalcada nos moldes fordistas vai sendosubstituída por um novo paradigma, sus-tentado por três pilares: qualidade, fle-xibilidade e integração. Uma dasprincipais modificações que acontecemna passagem de um sistema para o ou-tro é a mudança da produção "empur-rada" para a "puxada". o fordismo aprodução direciona o consumo; já notoyotismo, quem direciona a produçãoé o próprio consumidor. Só se produz oque foi vendido. O importante é a qua-lidade', a despadronização e apersonalização do produto. Há uma re-dução dos estoques de matéria-primae peças intermediárias, as compras sãorealizadas a partir da necessidade, nãohá annazenamento ou sobras.

Para satisfazer o cliente, propici-ando-lhe qualidade no atendimento desuas necessidades, torna-se essencialcriar uma estrutura organ izacional fle-xível. A atividade principal da empresaé priorizada e as demais sãoterceirizadas ou subcontratadas. O pro-cesso produtivo é composto por equi-pamentos de múltiplos propósitos etrabalhadores polivalentes, o que per-m ite a produção de pequenos e diversi-ficados lotes de mercadorias. Os níveishierárquicos são reduzidos gerando umamaior eficácia nos processos de comu-nicação e de tomadas de decisões.

O posto de trabalho isolado dofordismo é extinto, as atividades pas-sam a ser realizadas em equipes, "cé-lulas" ou "grupos sem i-autônomos".Ocorre uma integração do trabalho di-reto e indireto, entre produção e con-trole de qualidade.

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Todas essas transformações bus-caram reduzir custos e aumentar acompetitividade dentro de uma econo-mia aberta e globalizada. As organiza-ções foram obrigadas a rever seusprocessos, a adaptar e reformular todoo seu planejamento e o modo de con-duzir os trabalhos. É implantado um sis-tema de reestruturação produtiva ondea alternativa de redução de quadro éfreqüentemente utilizada. O desempre-go passa a ser uma constante.

Há um forte sentimento de apre-ensão diante da mudança de rumo. Asfreqüentes oscilações do capitalismoflexível criam um clima de desconfian-ça. Exigências e condições para con-seguir e manter um emprego são cadavez maiores. As dificuldades para en-contrar alternativas e soluções para osproblemas sócio-econômicos se multi-plicam, gerando, desta forma, um mun-do do trabalho imprevisível e incerto.

3.2 A globalização e seus efeitosno mundo do trabalho

Alguns teóricos tendem a restrin-gir o termo globalização somente ao quese refere a questões econômicas, ou-tros acrescentam os fatores políticos.É claro que não se pode desconsideraro peso que estes agentes tiveram nodesenrolar deste processo, mas seriamuito limitada uma visão que não in-corporasse as transformações de or-dem tecnológica, social e cultural queestão estreitamente interligadas. Segun-do Scherer (1997, p. 114), globalizaçãopode ser entendida como:

uma multiplicidade de fenôme-nos que, sobretudo a partir dadécada de 70, estariam configu-

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rando uma redefinição nas rela-ções internacionais emdiferentes áreas da vida social,como as finanças, a tecnologia,as comunicações, a cultura, a re-ligião, etc.

Nos anos 70, a ineficácia, do jádesgastado, modelo fordista impulsio-nou os empresários a buscarem alter-nativas para os seus problemas e umdos caminhos mais utilizados foi aflexibi lização das estruturasorganizacionais. Muitas empresas rea-lizaram um verdadeiro "desmonte", di-vidindo-se em pequenos grupos pordiferentes partes do mundo, numa re-lação de terceirização ousubcontratação.

Importantes acontecimentoscomo, o avanço das tecnologias de in-formação e de computação, somadasà crise do Welfare State, propiciaramcondições para que os empresários agis-sem dessa forma. Muitos perceberamque teriam mais chances de sobrevive-rem e manter taxas mais altas de lu-cros se descentralizassem suasempresas. As distâncias geográficasnão eram mais obstáculos, com todosos recursos de comunicação disponí-veis na sociedade atual.

Costuma-se denominar as empre-sas, deste novo modelo, detransnacionais. Elas são caracterizadaspela fragmentação e dispersão dos pro-cessos de produção em várias naçõese utilização de vários tipos de contratode trabalho. Diferem dasmultinacionais, por não seguirem ummodelo de administração de uma ma-triz. Em cada local em que ingressamvão se modelando, buscando usufruir o

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máximo das vantagens existentes. Emalguns momentos, terceirizam, noutrossubcontratam; por vezes limitam-se aum acordo com fornecedores.

Na escolha do local de instalaçãode uma organização novos fatores sãodeterminantes, tais como: mão de obramais barata, isenção de impostos, me-nos imposições em relação à preserva-ção do meio ambiente, enfim váriasquestões relacionadas à diminuição decustos. As transnacionais são dotadasde uma grande mobilidade podem sedeslocar de um país para o outro semgrandes dificuldades. O comportamentoda Nike, fabricante de calçados e rou-pas esportivas, quando desistiu de fa-zer negócio com fábricas na Coréia doSul e Taiwan, devido a subida de salá-rios dos operários, optando assim pelaChina, é um exemplo claro dessa situa-ção

O enfraquecimento do Estadoneste processo o torna vulnerável eimpotente diante das forças dessesagentes econômicos, que geram efei-tos imprevistos e indesejáveis. ParaBauman (1999, p. 67), a idéia deglobalização transmite indeterminaçãoe indisciplina, é a nova "desordem mun-dial".

Essas mudanças na lógica deprodução global vão gerar, ob-viamente "um novo paradigmade emprego - mais flexível, pre-cário e desprovido das garantiasde estabilidade associadas aopadrão convencional (DUPAS,1999, p. 16).

I'ecnologias avançadas e novaspolíticas administrativas reduzem mui-tos postos de trabalho, principalmente

no setor industrial. A esperança datransferência das oportunidades de tra-balho para a área de serviços, não seconcretiza, este setor de forma bemmais ágil do que as indústrias, incorpo-rou as inovações tecnológicas. Em lu-gar de empregos, cria-se situações detrabalho precárias e temporárias.

No Brasil a partir de 1990, o nú-mero de empregos industriais nas me-trópoles diminui 38%. Algumasempresas fecham, outras reduzem fun-cionários, vantagens e benefícios, ou-tras deixam os grandes centros nabusca de "condições mais favoráveis"em cidades menores. O setor de servi-ços apresenta um crescimento tímidoque não permite a absorção da grandemassa desempregada. Há um avançocontínuo do emprego flexível, visto queem 1998, 54% da mão de obra metro-politana encontra-se no setor informal(DUPAS, 1999). '.

Essa tendência mundial deextinção do vínculo empregatício, dotérmino do emprego tradicional comdireitos trabalhistas assegurados, dapassagem do setor formal para o infor-mal, é muito mais grave nos países emdesenvolvimento. O sentimento de de-samparo dos trabalhadores dos paísesperiféricos é mais acentuado. Se estes,em momentos de economia mais sau-dável e de estados nacionais mais for-tes não conseguiram propiciar umatendimento das necessidades básicasda sua população, como, agora, vãoconseguir possibilitar um nível de pro-teção social que atenue o alto grau deinsegurança que esses indivíduosvivenciam?

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Os efeitos da globalização nomundo do trabalho são perversos, osfantasmas do subemprego e do desem-prego são uma ameaça constante. Umasociedade que há mais de dois séculostem o trabalho como eixo estruturantede suas vidas, precisa buscar alternati-vas para suportar e aprender a convi-ver com as novas condições e valoresda Era Pós-Industrial.

O trabalho se toma menos atra-ente e a relação com ele se dá de for-ma mais superficial, o que não fortalecea identidade profissional. Muitos se sub-metem a baixos salários, a jornadasextensas, ao exercício de atividades quenão tem qualquer afinidade, somentepara não perderem a rara oportunida-de de ter um emprego. O medo do de-sernprego funciona como um"espantalho disciplinador" (MASI,2000).

Vive-se um momento histórico deesvaziamento do significado do traba-lho. Percebe-se uma tendência àdissociação deste cO'mO'projeto de vidado ser humano. Essa situação tem ge-rado

um enfraquecimento do valorsocial e psicológico da ativida-de profissional e umdesaparecimento progressivo daética do trabalho e da consciên-cia profissional (LEVY -LEBOYER, 1994, p. 59).

O sistema já não permite mais aconstrução de projetos de vida; ex-pressões como metas a longo prazo,segundo Sennett (1999) são cada vezmenos usadas, quase obsoletas. Agrande maioria da classe trabalhado-ra, não pode priorizar sentimentos de

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realização e identificação com o quefaz. Abre mão dos seus projetos e so-nhos, pensando no trabalho basica-mente como um meio de sobrevivência.Este tipo de vínculo não favorece ainserção do trabalho na construção daidentidade social do indivíduo, que sealiena e passa a viver a vida da insti-tuição onde trabalha, confundindo seusprojetos com os planos. da organiza-ção. Esse rompimento consigo mes-mo, abre as portas para uma avalanchemanipulatória, onde segundo Kurz(2002), desde as necessidades bási-cas às aspirações pessoais são dita-das, descaracterizando a identidade doindivíduo.

Essa conjuntura tem deixado aspessoas à mercê da nova ordem do tra-balho, modificando antigos valores econtribuindo para a construção de no-vas relações no ambiente de trabalho.O mercado é competitivo e as trans-formações não permitem mais laços deconfiança, lealdade e compromisso, ocolega de trabalho é agora o rival, aoqual é preciso superar para obter lugarde destaque. Essa acirrada competiçãodelineia os novos valores da sociedadecontemporânea, que se tomam "neces-sários" para a manutenção do empre-go e a sobrevivência do trabalhador.Esse novo cenário ultrapassa os murosdas organizações contaminando e im-pregnando as relações sociais dos indi-víduos. Não há como se criar barreirasprotetoras entre a vida profissional e avida pessoal. O trabalhador se desfazgradativamente de sentimentos de soli-dariedade, valores e princípios morais,acentuando assim um perigoso proces-so de desumanização.

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4 A DESUMANIZAÇAO DOSINDIVÍDuos

Tendo como referência o pensa-mento de Vygotsky (1994), concebe-se que O homem a partir de umaestrutura biológica básica, é inserido nacultura para humanizar-se. Nesse ra-ciocínio o homem constitui-se, a partirde sua inserção numa realidade sócio-historica, tomando-se impossível pensá-10 de forma abstrata, universal edescontextualizada. O homem é pro-duto e sujeito ativo nas suas relaçõessociais.

Vygotsky (1994) desenvolve essasua tese da socialização e humanizaçãodo homem na cultura, para conceberque as funções psicológicas superio-res (linguagem, comportamento inten-cional, atenção voluntária,memorização ativa, pensamento abs-trato) têm uma origem histórico-soci-al e nascem nas interações sociais,estas são responsáveis pelo denomi-nado plano das relações interpsíquicasou interpsicológicas, primeiro plano deonde a criança parte para alcançar oplano das relações intrapsíquicas ouintrapsicológicas. Certamente os su-jeitos continuam a constituir-se tomessas funções, mas sob que condi-ções? Que qualidade de interação so-cial tem-se para subsidiar a construçãodo ser humano?

Que condições histórico-sociaistêm se desenhado nos dias atuais para.a humanização dos indivíduos? Sob oparadigma do capitalismo podemos fa-lar em humanização?

Essa preocupação encontra econas reflexões de vários pensadores con-

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temporâneos como Freire (1996, p. 2)que assim se expressa:

no individualismo contemporâ-neo, a impessoal idadeconverteu-se em indiferença eos elos afetivos da intimidadeforam cercados de medo, reser-va, reticência e desejo deautoproteção. Pouco a poucodesaprendemos a gostar de"gente". Entre quatro paredesou no anonimato das ruas, o se-melhante não é mais o próximosolidário; é o inimigo que trazintranqüilidade, dor ou sofri-

• mento.

O que está diferenciando a socia-lização/(des)humanização no capitalis-mo contemporâneo da socialização/(des)humanização que há muitos sécu-los vem ocorrendo no bojo do própriocapitalismo? Que condições têmagudizado a desumanização?

As reflexões anteriores sobre asmutações do inundo trabalho caracte-rizam o panorama atual como um mo-mento repleto de transformaçõestecnológicas, sociais e culturais, em quea categoria emprego ainda apresenta-se como uma marca da identidade so-cial dos indivíduos, tê-Ia ou mesmomantê-Ia vem tomando-se uma situa-ção cada vez mais rara.

Os indivíduos que compõem aclasse-que-vive-do-trabalho têm comoeixo balizador de suas relações àcompetitividade, para ter a garantia deum emprego tudo é possível desde abusca incessante pela qualificação pro-fissional, a submissão a contratos detrabalho massacrantes e mesmo os"acordos" e "parcerias" para eliminar

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um concorrente. lanni (1997, p. 20),assim se expressa:

[...] em todas as ações e relaçõessociais, tendem a predominar osfins e os valores constituídos noâmbito do mercado, da socieda-de vista como um vasto ecomplexo espaço de trocas. Esseé o reino da racionalidade ins-trumental, em que também oindivíduo se revela adjetivo, su-balterno.

O que se toma uma séria preocu-pação é a naturalização desses valo-res, como se não houvesse nada a fazer,como se essa fosse a única possibilida-de de viver e conviver. lanni (1997, p.21) considera que estamos em

[... ] um espaço caótico, tãobabélico que os indivíduos sin-gular e coletivamente têmdificuldade para compreenderque se acham extraviados, emdeclínio, ameaçados ou sujeitosa dissolução.

5 CONCLUSÃO

Dessa forma temos construídorelações sociais e, o que é mais grave,socializado toda uma nova geração, dasmais diversas classes sociais, sob osprincípios da competitividade, da buscaacirrada por qualificação profissional eprojeção social. Apenas estão de foraaqueles que nem sob tal situação seencontram, pois sobrevivem em condi-ções miseráveis, sendo as maiores víti-mas desse sistema.

As conseqüências estão a olhosvistos. Recorre-se a Freire (1997, p. 2)que, em um artigo sobre a morte do

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índio Galdino Jesus dos Santos queimadopor cinco rapazes da classe média deBrasília, adverte:

[...] crimescomoo deBrasílianãosão idiossincrasias de "mons-tros humanos", são o lado"sujo" de uma sociedade ondeum apresentador de televisãochama dinheiro pelo "carinhosoapelido de din-din" e onde ve-mos, em toda esquina, mendigose meninos de rua que afastamoscomo quem afasta moscas, pou-co nos importando se vivem oudeixam de viver. Essa condutase ensina e se aprende.

Os fetiches da sociedade capita-lista, isto é produtos com versões cadavez mais sedutoras, impõem padrões devida, colocam-se como metas para oalcance "custe o que custar". Com ofechamento de muitos postos de traba-lhos no mercado formal e as altas exi-gências para conseguir os poucos querestaram, as formas de elevação dostatus social e/ou aquisição de bens di-versificaram-se. No mundo do traba-lho, tudo vale, desde que seja paraganhar dinheiro. Como bem ressaltaKurz (2002): "É o completo vazio dodinheiro elevado a fim em si mesmo ...esse deus rei ficado não tem em si ne-nhum conteúdo sensível ou social". Queprincípios atravessam essa realidade?

Pode-se falar de violência, indivi-dualismo, competitividade. Atitudesextremamente articuladas entre si.

Considerando a central idade dotrabalho na vida das pessoas e comoeste perpassa as expectativas, as nê-cessidades, a subjetividade e a identi-dade social do trabalhador, vem se

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delineando um panorama de constru-ção de valores que não ficam restritosao espaço organizacional, mas estãobalizando a configuração das relaçõessociais na contemporaneidade e a cons-trução de uma nova geração.

Freire (1998, p. 2) comentandoainda sobre a ação dos adolescentes

de Brasília, alerta para essepreocupante cenário:

se aqueles garotos fizeram o quefizeram é porque também foramdesumanizados pela insanidadeda ganância que insiste em re-duzir o tamanho do homem àpequenez abstrata do dinheiro.

REFERÊNCIAS

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BAUMAN, Z. Globalização: as conse-qüências humanas. Rio de Janeiro: Ed.Jorge Zahar, 1999.154p.

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