mÚsica erudita no brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS MÚSICA “ERUDITA” NO BRASIL 1 1. INTRODUÇÃO: Para Paulo Castagna 2 , “a maior dificuldade com a qual nos deparamos ao tentarmos compreender a música do Brasil é a não exata correspondência entre o nosso passado sonoro e os fenômenos normalmente descritos na história oficial da música européia. Como fatores dessa diferenciação podemos ressaltar o pequeno destaque que o país ocupou na economia mundial (à exceção de períodos marcados pela intensa exploração da cana de açúcar, do ouro, da borracha e do café), a diversidade étnica que sempre constituiu a população brasileira, a produção musical raramente vinculada à mesma quantidade de recursos que movimentaram a música européia e a assimilação de bases estéticas de origem diversa, inicialmente de Portugal, país no qual a música evoluiu de forma bem diferente daqueles cuja produção hoje tomamos por modelos históricos: Itália, França, Áustria e Alemanha.” “Essa dificuldade na abordagem do repertório brasileiro, ainda não superada pelos musicólogos que se dedicam a estudá-lo, criou uma tendência em analisar a nossa música sob o olhar europeu, acarretando ou a depreciação da produção nacional ou a supervalorização de fenômenos que tiveram pequeno significado em sua época. No 1 Material didático organizado por Ana Guiomar Rêgo Souza. 2 Cf. Castagna, Paulo. Introdução ao Estudo da Música (Erudita) no Brasil. Disponibilizado no endereço www.ia.unesp.br/area_aluno/musica/download.php Acesso 14/05/2009 1

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Page 1: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS

MÚSICA “ERUDITA” NO BRASIL1

1. INTRODUÇÃO:

Para Paulo Castagna2, “a maior dificuldade com a qual nos deparamos ao tentarmos compreender a música do Brasil é a não exata correspondência entre o nosso passado sonoro e os fenômenos normalmente descritos na história oficial da música européia. Como fatores dessa diferenciação podemos ressaltar o pequeno destaque que o país ocupou na economia mundial (à exceção de períodos marcados pela intensa exploração da cana de açúcar, do ouro, da borracha e do café), a diversidade étnica que sempre constituiu a população brasileira, a produção musical raramente vinculada à mesma quantidade de recursos que movimentaram a música européia e a assimilação de bases estéticas de origem diversa, inicialmente de Portugal, país no qual a música evoluiu de forma bem diferente daqueles cuja produção hoje tomamos por modelos históricos: Itália, França, Áustria e Alemanha.”

“Essa dificuldade na abordagem do repertório brasileiro, ainda não superada pelos musicólogos que se dedicam a estudá-lo, criou uma tendência em analisar a nossa música sob o olhar europeu, acarretando ou a depreciação da produção nacional ou a supervalorização de fenômenos que tiveram pequeno significado em sua época. No tocante à definição de estilos, portanto, termos como “renascentista”, “barroco”, “clássico” e “romântico” serão utilizados somente como uma aproximação.”

“Tudo isso, somado à precariedade das pesquisas musicológicas, ao estado semicaótico dos acervos e centros de documentação musical, à escassez de material bibliográfico e de gravações de obras antigas em nosso país, torna complexa a tarefa de oferecer uma visão panorâmica que abarque cinco séculos de atividade musical no Brasil. Mas é possível, ao menos, desmistificar a idéia de que não existiu uma produção musical brasileira digna de ter sua própria história.”

1 Material didático organizado por Ana Guiomar Rêgo Souza.2 Cf. Castagna, Paulo. Introdução ao Estudo da Música (Erudita) no Brasil. Disponibilizado no endereço www.ia.unesp.br/area_aluno/musica/download.php Acesso 14/05/2009

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Page 2: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

2. CRONOLOGIA:3

POLÍTICA / ECONOMIA ARTES E LETRAS MÚSICA

1500: Descobrimento do Brasil

1532: Início da Colonização

1549: Fundação de Salvador; chegada do primeiro Governador Geral; início da colonização e das missões jesuíticas.

1630: Tomada de Pernambuco pelos holandeses.

1500: Pero Vaz de Caminha Carta a D. Manuel

1578: Jean de Léry Viagem à Terra do Brasil

1534-1597: vida do poeta jesuíta José de Anchieta

1600: Bento Teixeira Prosopopéia

1623-1696: vida do poeta e cantor Gregório de Matos Guerra.

↓A alcunha boca do inferno foi dada a Gregório por sua ousadia em criticar a Igreja Católica,

1500: descrições da música indígena (viajantes).1549-1759: Jesuítas utilizam a música como instrumento de catequese: cantochão e cantigas em latim e tupi; encenação de autos; música polifônica co vozes e instrumentos para as procissões e liturgia. Música propriamente indígena proibida pela Igreja e pela Coroa em todo período colonial.

1580: proliferação das “capelas” particulares – grupos de músicos, talvez indígenas, que aprenderam música com os jesuítas.

1600 em diante: difusão do uso de música nas festas oficiais, custeadas pelas câmaras municipais e por cidadãos de posse.

1610: primeiro conjunto conhecido de escravos músicos, na Bahia.

1650: registro da primeira composição musical no Brasil.

1650 em diante: cantochão com acompanhamento de

3 Cf. Castagna. Op. Cit.

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Page 3: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

Década 1690: Descoberta das minas de ouro nas Gerais.

1726: Descoberta das minas de ouro em Goiás.

1725-1735: Implantação do sistema da Derrama.i

1759: Expulsão dos jesuítas e extinção das missões.

1762-1763: Aplicação da primeira Derrama nas Minas.

muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a "cidade da Bahia", ou seja, Salvador.

1724-1759: fase áurea do Arcadismo.

↓Escola literária surgida na Europa no século XVIII. O nome dessa escola é uma referência à Arcádia, região bucólica do Peloponeso, na Grécia, tida como ideal de inspiração poética. No Brasil, o movimento árcade toma forma a partir da segunda metade do século XVIII.

Introdução de paisagens tropicais - Caramuru (criação de Frei José de Santa Rita Durão)

História colonial muito valorizada

Início da luta pela independência - Tomás Antônio Gonzaga ("primeira cabeça da inconfidência" segundo Joaquim Silvério, delator da Inconfidência Mineira)

órgão convivendo com a polifonia romana (estilo antigo) nas igrejas urbanas.

↓. Agostinho de Santa Mônica

(compositor português que morou em Salvador por 20 anos)

. Antônio de Lima. Eusébio de Matos

(irmão de Gregório de Matos)

1700 a 1750: ►Introdução no país (através das Irmandades) dos primeiros instrumentos de cordas para atuarem nas festas. ►Coexistência do estilo antigo com estilo moderno.► Primeiros manuscritos musicais brasileiros conhecidos (1730): Grupo de Mogi das Cruzes.

1705-1739: Antônio José da Silva – “o Judeu”. Grande sucesso em Lisboa. Teatro cênico musical satírico encenado em Lisboa e em várias cidades brasileiras, inclusive Pirenópolis/GO

↓. Anfitrião

. Os Encantos de Medeia. Labirinto de Creta

. Guerras do Alecrim e Manjerona

. As Variedades de Proteu etc.

1729 em diante: surgimento de Casas de Óperas, dentre outras, em Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Belém, Porto Alegre, Minas Gerais, Goiás

1750-1800: Música Profana● Cantatas● Óperas: (Dramas/Tragédias/Comédias etc.)

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Page 4: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

1777: Início da “Viradeira” ii

1785: Dívida brasileira com a Coroa atingia 585 arrobas de ouro

1789: Prisão dos inconfidentes

1738-1814: vida do escultor e arquiteto Aleijadinho: Antônio Francisco Lisboa, (Vila Rica) foi um escultor, entalhador, desenhista e arquiteto no Brasil colonial.

Cristo carregando a cruz, Congonhas do Campo

1762-1830: vida do pintor Manoel da Costa Ataíde (Mestre Ataíde). Pintor, dourador, encarnador, entalhador e professor brasileiro.

Nossa Senhora cercada de anjos músicos, no teto da Igreja de São Francisco de

Assis, Ouro Preto

● Danças luso-brasileiras: Fandango, cana-verde, chula, fado etc.● Modinhas e Lundus com acompanhamento de violas e guitarras.1750 - 1800: Salvador: ► Estilo mais próximo do Barroco que do classicismo.● Anônimo: Cantata acadêmica (1759)● Padre Caetano de Mello Jesus

↓“O maior teórico das Américas”

(Curt Lange)Recitativo e Ária

(soprano, dois violinos e baixo contínuo; escrito em estilo italiano do século XVIII)

1760 em diante em Minas Gerais: ► Assimilação das primeiras manifestações do estilo clássico italiano que dominava em Portugal.► Proliferação da orquestra com cordas, trompas e baixo-contínuo (órgão) e, eventualmente, madeiras.► Música Religiosa: coral homofônico; solos e duos vocais, normalmente em terças e sextas paralelas.

↓. Prevalece o estilo pré-

clássico homofônico (exaltação do texto)

. Tipos mais comuns de música: coros mistos a quatro vozes, com acompanhamento de dois violinos, violas (essas mais para o final do XVIII), baixo, trompa (ou clarins), oboés (boés) e, mais raramente, fagotes(clarinetes somente no século XIX substituindo oboés e fagotes)

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Page 5: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

1808: Chegada do Príncipe Regente D. João VI ao Brasil.

1815: Brasil é elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves

1822: Independência e criação

1768: Cláudio Manoel da Costa

Obras poéticas

1792: Tomás Antônio Gonzaga Marília de Dirceu

1798: Domingos Caldas Barbosa Viola de Lereno

●José E. Lobo de Mesquita● Manoel Dias de Oliveira● Francisco Gomes da Rocha● Marcos Coelho Neto● Inácio Parreiras Neves

1719-1789: Recife► Luís Álvares Pinto:

. Tratado Arte de Solfejar. Te Deum: para quatro vozes mistas e baixo contínuo. Estilo mais próximo do Barroco que do classicismo.. Salve Regina: para três vozes mistas, dois violinos e baixo.. Divertimentos Harmônicos

Até 1774: São Paulo► Música anônima em Estilo Antigo.

1774: São PauloChegada do compositor lisboeta André da Silva Gomes: composições em um estilo que transitava do barroco português ao classicismo italiano.

. Tratado do Contraponto e Composição

1783: Rio de Janeiro► José Maurício Nunes Garcia inicia suas atividades em composição, tendo como base a estética do classicismo luso-italiano e elementos de origem austríaca (Haydn; Mozart)

1808 em diante: Rio de Janeiro► Nova fase na música brasileira: a prática musical tornou-se algo mais cosmopolita, recebendo novidades alemãs e francesas. ► Influência da ópera clássica italiana: de Cimarosa e

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Page 6: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

do Império Brasileiro

1831: Abdicação de Pedro I

1816: Chegada da Missão Artística Francesa no Rio de Janeiro

1826: inauguração do Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara no Rio de Janeiro

Paisiello; depois de Rossini, Bellini e Donizetti. ► Música Religiosa: . Manteve a homofonia, mas a orquestra tornou-se maior e mais brilhante e os solos vocais adquiriram um caráter virtuosístico e teatral.

. Nesse estilo compuseram:

. José Maurício Nunes Garcia e Marcos Portugal no Rio de Janeiro. João de Deus de Castro Lobo, Antônio dos Santos Cunha e outros em Minas Gerais.

► Primeiras décadas do século XIX: início do interesse pela música de câmara e pelo piano; difusão da dança, da música vocal de salão e da ópera.

1814: Gabriel Fernandes da Trindade

Duetos concertantes

1816: José Maurício Nunes Garcia

Réquiem

1826: José Maurício Nunes Garcia

Missa de Santa Cecília

1831: F. Manuel da Silva Hino à Abdicação (futuro Hino

Nacional)

1831-1840: Regências

► Dificuldades para a execução e composição de música orquestral, no teatro e na igreja. ►Música doméstica:

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Page 7: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

1831 -1840: Período das Regências marcando, no Brasil, uma fase de instabilidade política e econômica

1840: Início do reinado de Pedro II

1836: Gonçalves de MagalhãesSuspiros poéticos e saudades

1857: José de Alencar O Guarani

1881: Machado de Assis

Basicamente constituída de canções acompanhadas ao piano ou ao violão. ► Publicação de árias, modinhas e lundus em português (1837) no Rio, a Publicação de árias, modinhas e lundus. Estilo: hibridação da tradição luso-brasileira com as novidades italianas e francesas. Autores: Cândido Inácio da Silva e Gabriel Fernandes da Trindade.

1870: Carlos Gomes Il Guarany

1890: Alexandre Levy Tango Brasileiro

1888-1896: Alberto Nepomuceno Série brasileira

1917: Villa-Lobos Uirapuru

1920-1929: Villa-Lobos Choros

1931: Camargo Guarnieri Sonata para cello e piano

1931-1959: Camargo Guarnieri Ponteios

1958: Primeiras composições eletroacústicas brasileiras

1964: Marlos Nobre Ukrinmakrinkrin

1967: Gilberto Mendes Beba coca-cola

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Page 8: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

1889: Início da República

1904: Revolta da Vacina

1914-1918: Primeira Guerra Mundial

1930: Crise do Café. Getúlio Vargas assume a Presidência por golpe de estado

1939-1945: Segunda Guerra Mundial

1937-1945: Estado Novo

1956-1960: Plano de crescimento de JK

1961-1964: Movimentos pelas reformas de base

1964-1984: Ditadura militar

1989-2002: Neoliberalismo

Memórias póstumas de Brás Cubas

1890: Aluízio de Azevedo O cortiço

1922: Semana de Arte Moderna1928: Mário de Andrade

Macunaíma

1938: Graciliano Ramos Vidas Secas

1960: Inauguração de Brasília

1961-1964: filmes e espetáculos de protesto produzidos pelos CPCs

1980: Brasil entra na era do CD

1974: Almeida Prado Exoflora (déc. 1980)

Influência do minimalismo no Brasil

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Page 9: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

3. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: até metade do século XIX

3.1. ESTILO ANTIGO E ESTILO MODERNO 4

O estilo antigo baseava-se em normas composicionais derivadas da música romana contra-reformista especialmente aquelas compostas por Giovanni Pierluigi da Palestrina (c.1525-1594) e seus contemporâneos: “polifonia vocal com uso restrito de instrumentos musicais”.

Já o estilo moderno utilizava técnicas composicionais derivadas da ópera e da música instrumental, sobretudo italianas.

O estilo antigo e o estilo moderno, conforme Castagna, não representam categorias estritas, mas sim dois grandes grupos estilísticos que foram simultaneamente cultivados no mundo católico até pelo menos o final do século XIX, podendo ser reconhecidos vários subgrupos para cada um deles

3.1.2. ESTILO ANTIGO (Minas Gerais, São Paulo, Goiás)

CARACTERÍSTICAS

4 Cf. texto completo em CASTAGNA, Paulo. O ‘estilo antigo’ no Brasil, nos séculos XVIII e XIX. I COLÓQUIO INTERNACIONAL A MÚSICA NO BRASIL COLONIAL, Lisboa, 9-11 out. 2000. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.171-215.i “Derrama” tem dois significados no dicionário Aurélio. O primeiro significado, original, português, define derrama como o “tributo local, repartido em proporção com os rendimentos de cada contribuinte”, significado que ainda hoje lá prevalece. Um imposto, no antigo Direito português, lançado sobre todos para suprir gastos extraordinários, “derramado” sobre todos. As características principais da derrama portuguesa são o caráter local do tributo e seu uso para cobrir gastos extraordinários – por oposição a resolverem-se desequilíbrios fiscais transitórios pela via do corte nos gastos. Como um simples exemplo do noticiário econômico português atual ilustra, o caráter “extraordinário” da derrama portuguesa muitas vezes é ignorado. O segundo sentido do Aurélio é o do falar brasileiro do século XVIII, “na região das minas”: a “cobrança dos quintos em atraso ou de um imposto extraordinário”. O que há de comum nas duas acepções é o caráter extraordinário do tributo. Cf. http://www.institutoliberal.org.br/conteudo/download.asp?cdc=516

ii O Governo de D. Maria I, a louca, fica conhecido como A Viradeira, em função do veto a certas medidas adotadas pelo Marquês de Pombal (demitido do cargo). Vetou certas medidas contrárias à Inglaterra. Só não vetou a mudança de capital e nem a expulsão dos jesuítas.

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Page 10: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

1. Predomínio da formação coral a quatro vozes, com alguns exemplos a três e outros a oito vozes.

2. Emprego opcional de um instrumento grave dobrando o baixo vocal (podem ocorrer instrumentos dobrando outras partes vocais em cópias do século XIX), mas inexistência de partes instrumentais independentes

das partes vocais.

3. Predomínio do sistema modal.

4. Extensão (registro ou âmbito) reduzida das partes vocais (geralmente, de uma quinta a uma oitava), à exceção do baixo (vocal e/ou instrumental)

que, muitas vezes, excede uma oitava.

5. Utilização de valores largos (a base está nas semibreves e mínimas; semínimas são menos freqüentes e colcheias muito raras).

6. Pouca variedade rítmica.

7. Estilo predominantemente silábico escrito em partes separadas (cavadas);

8. Sujeição do ritmo musical ao ritmo do texto latino.

9. Movimento melódico normalmente por graus conjuntos.

10. Superposição frequente de melodias em terças ou sextas paralelas.

11. Raras passagens a solo, duo ou trio por movimentos paralelos.

12. Utilização de cantus firmus baseado em cantochão pré-existente, na música destinada a algumas unidades funcionais ou cerimoniais.

13. Utilização de quatro texturas musicais, não mutuamente exclusivas:a) textura homofônica ou acordal

b) textura de fabordãoc) textura contrapontística

d) imitação ou sequenciação motívica

14. Utilização de três sistemas de claves diferentes: claves altas, claves baixas e claves modernas.

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Page 11: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

15. Utilização da notação mensural ou proporcional e da musica ficta na primeira metade do século XVIII.

16. Utilização da notação moderna e da notação moderna com arcaísmos a partir da segunda metade do século XVIII.

17. Especificidade cerimonial restrita. As obras destinam-se a cerimônias do Advento e Quaresma (incluindo a Semana Santa), ao Ordinário da

Missa semespecificação de tempo litúrgico, à Liturgia dos Defuntos, aos Ofícios de

Sepultura, às Vésperas solenes e às Vésperas de Horas Canônicas.

18. Predomínio de cópias sem indicação de autoria.

19. Associação pouco frequente a composições em estilo moderno, na mesma unidade cerimonial.

► Exemplo 1: Heu! Heu! Domine! → Procissão do Enterro. Localizado nos manuscritos de Mogi das Cruzes. Copiada por Timóteo Lemes. Utiliza o fabordão para a seção Heu! Heu! Domine! e homofonia para o Sepulto Domino. A obra foi escrita em "compassinho" (C), sem a utilização de barras de compasso.5

5Cf. Castagna, Paul; Trindade, Jaelson. Música pré-barroca luso-americana: o grupo de Mogi das Cruzes. Departamento de Artes da UFPR. Revista Eletrônica de Musicologia. Vol. 1.2/Dezembro de 1996.

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Page 12: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

► Exemplo 2: Heu! Heu! Domine! → Procissão do Enterro. Localizado na cidade de Goiás. Sem data, sem indicação de autoria e de copista.6

► Exemplo 2: Moteto dos Passos, 1. Pater. Localizado na cidade de Goiás. Sem data, sem indicação de autoria e de copista. Atribuição de autoria duvidosa: tradicionalmente remetida a Basílio Martins Braga Serradourada (1809-1874.7

6 Souza, Ana Guiomar Rêgo. Op. Cit.7 Ibidem

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► Exemplo 3: Moteto dos Passos → 1. Pater: parte do “Suprano”. Localizado no Arquivo Balthazar de Castro na cidade de Jaraguá. Datado de 1879. Copiado por Silvério Ribeiro Freitas.8

8 Ibidem.

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3.1.3. ESTILO MODERNO

A música religiosa realizada em partes do Brasil, entre o período compreendido de 1760 a cerca de 1820, não tem uma classificação unânime em termos estilísticos. Uma das denominações correntes é pré-clássico. Nesse sentido, parece haver um consenso entre os musicólogos, na atualidade, que o termo “barroco” é inadequado, e muito mais o termo “colonial”.

CARACTERÍSTICAS GERAIS 9

1. Formações predominantes: a) coro; b) coro + contínuo; c) coro + orquestra + contínuo;

2. Utilização do sistema tonal;

3. Escrita em partes vocais e instrumentais;

4. Partes do coro e da orquestra normalmente destinadas a um único cantor ou instrumentista;

5. Coro era normalmente constituído por quatro pessoas: três homens para as vozes de “baixa”, tenor e contralto (este último falsetista) e uma

criança para o “tiple” (soprano);

6. Cordas normalmente constituídas de dois violinos e um baixo, portanto, sem violas;

7. Presença freqüente de um par de trompas e pares de flautas e/ou oboés;

8. Música predominantemente homofônica, com raras passagens polifônicas ou fugadas;

9. Obras divididas em seções curtas;

10. Simplicidade nas partes vocais. Passagens mais elaboradas são

9 Castagna, Paulo.

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Page 15: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

destinadas aos instrumentos;

11. Coexistência dos estilos silábico e melismático;

12. Alternância de passagens a quatro vozes (coro), a duas (duo vocal) e a uma (solo vocal), com o acompanhamento da orquestra ou do contínuo;

13. Passagens corais normalmente homofônicas; as três vozes superioresnormalmente são comprimidas e o baixo possui desenho melódico mais

livre;

14. Duos vocais normalmente homorrítmicos, em terças ou sextas paralelas;

15. Solos vocais não virtuosísticos;

16. Raras passagens orquestrais (sem o coro), normalmente destinadas a reforçar o caráter do texto;

17. Base estética filiada ao estilo pré-clássico italiano do meio do século XVIII, com a manutenção de técnicas melódicas e harmônicas

tipicamente barrocas;

18. Manutenção dos “afetos barrocos”: “clichês” melódicos e harmônicos destinados a explorar os apelos sentimentais do texto;

19. Utilização esporádica da técnica do recitativo e ária “da capo”, mas de estilo protobarrroco;

20. Exploração da música enquanto espetáculo, com utilização de elementos extraídos da ópera;

21. Utilização esporádica do canto gregoriano composto com valores rítmicos definidos.

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Page 16: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

Resultado da utilização do estilo pré-clássico italiano, tal como assimilado pela música religiosa portuguesa, porém com o emprego de

reminiscências barrocas e mesmo pré-barrocas.

► Exemplo 4: Moteto das Dores → 4. Dilectus Meus. Localizado na cidade de Goiás. Sem data, sem indicação de autoria e de copista. Atribuição de autoria duvidosa: tradicionalmente remetida a Basílio Martins Braga Serradourada (1809-1874.

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3.2. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: Livros Litúrgicos

O conhecimento dos livros litúrgicos do cerimonial romano ou tridentino (o qual vigorou até metade do século XX) é fundamental para o entendimento da música sacra. Deve-se ter sempre em mente o caráter funcional dessa música, o que pressupõe o conhecimento da sua situação ritual. Fato que não só interfere na performance como facilita o entendimento da sua organização nos manuscritos, os quais, muitas vezes, juntam em um mesmo conjunto, músicas de autoria diversa e pertencentes a rituais distintos.

Kirial: Contém as partes cantadas do ordinário da missa.

Gradual: Contém as partes cantadas do próprio da missa.

Antifonário: Contém as partes cantadas dos ofícios divinos de todos os dias do ano.Missal Romano: Utilizado para a celebração da missa. Contém as rubricas e o texto completo do ordinário, próprio e cânon das missas de todos os dias do anoBreviário Romano: Contém o texto e as rubricas dos ofícios divinos de todos os dias do anoPontifical Romano: Contém as cerimônias episcopais, ou seja, celebradas pelos bisposRitual Romano: Descreve a administração dos sacramentos, funerais, bênçãos, procissões e demais funções de responsabilidade do sacerdote, não reservadas ao bispo.Processional: Contém o texto e a música das procissões

Cerimonial dos Bispos: Contém instruções sobre as cerimônias episcopais.

3.3. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: TIPOLOGIA

DOIS TIPOS DE MÚSICA RELIGIOSA (de acordo com o texto):

► Litúrgica. Texto oficializado pela Igreja e presente nos livros litúrgicos. Idioma: Latim.

► Para-litúrgica (ou não litúrgica): Texto ausente nos livros litúrgicos ou presente em versões ou funções diferentes. Idiomas: latim e/ou idiomas locais.

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3.4. TIPOS DE COMPOSIÇÃO (Terminologia Portuguesa Antiga)

► Cantochão (canto gregoriano): cultivado no interior dos mosteiros, sobretudo beneditinos. Nas catedrais e igrejas paroquiais era usado nas entoações litúrgicas e em alternância com o canto de órgão.► Canto de órgão ou canto figurado (polifonia): polifonia homofônica no geral, ou seja, sem a utilização em grande escala de contraponto imitativo► Solfa

3.5. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: Instituições, Templos e Clero Católico

3.5.1. Igrejas diocesanas: clero diocesano

► Arquidiocese (ou arcebispado): Catedral (ou Sé) Metropolitana. Maior autoridade eclesiástica: Arcebispo

► Diocese (ou bispado): Catedral (ou Sé). Maior autoridade eclesiástica: Bispo ► Paróquia: Igreja paroquial ou Matriz. Maior autoridade eclesiástica: Pároco (ou Vigário). ► Outras instituições diocesanas: capelas coladas, seminários, Santas Casas de Misericórdia

3.5.2. Conventos e mosteiros: clero regular

►Ordens primeiras: frades e monges.

►Ordens segundas: freiras e monjas.

►Outras instituições monásticas e conventuais: casas, colégios, seminários.

3.5.3. Capelas particulares: clero secular

►Irmandades, Ordens terceiras, Confrarias: 10

“Deve-se em muito à ação de irmandades e confrarias a persistência no Brasil de um catolicismo de viés barroco, com sua liturgia pomposa, formas tradicionais de devoção e festas que hibridavam o sacro e o profano. Tais organizações eram formadas por fiéis que, sem ter um papel específico na hierarquia eclesiástica, participavam ativamente da construção de igrejas, dos atos de culto e se encarregavam das práticas devocionais. Desenvolveram, simultaneamente, um papel social de grande relevância, se constituindo em verdadeiras argamassas sociais, para usar

10 Cf. Souza, Ana Guiomar Rêgo. Paixões em Cena: a Semana Santa na Cidade de Goiás (Século XIX). Brasília, UnB/ Instituto de Ciências Humanas, Departamento de História, 2007.

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Page 20: MÚSICA ERUDITA NO BRASIL

termos de Paulo Bertran, ao contribuírem para a acomodação dos aglomerados caóticos surgidos a partir da corrida do ouro. Ocupando espaços deixados vazios pela Igreja e pelo Estado, essas associações asseguravam aos seus membros certa proteção durante a vida assistindo-os nas necessidades, bem como garantindo decência após a morte.”

Muito embora, na prática, não se distinguisse claramente as fronteiras que separavam as várias formas de associações leigas, o Código Canônico denominava de pias uniões aos grupos de fiéis que se uniam para exercer alguma obra de piedade ou caridade. Caso se estabelecesse uma relação hierárquica entre os membros, as pias uniões passaram a ser denominadas de irmandades; se estas irmandades fossem eretas para incrementar o culto público recebiam o nome de confrarias. As pias uniões não se fizeram presentes no Brasil até finais do século XIX, sendo substituídas por um tipo de instituição voltada para a caridade e o cuidado de pessoas desamparadas, física e espiritualmente, conhecida como as Misericórdias ou Ordens Terceiras. Essas últimas associações de leigos estavam diretamente vinculadas às grandes congregações religiosas, dentre as quais se destacavam os Franciscanos, Carmelitas e mais tardiamente os Dominicanos.

MAIOR AUTORIDADE ECLESIÁSTICA: CAPELÃO

3.6. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: organização musical em catedrais

► Arcebispo, bispo, vigário, diáconos e outros: sempre clérigos e permanentes. Cantam trechos litúrgicos específicos, sempre em cantochão.

► Chantre: sempre clérigo e permanente. Entre outras funções (é um alto posto na hierarquia catedralícia), administra a estrutura musical. Requeria conhecimento litúrgico, mas não necessariamente musical.

►Capelães: sempre clérigos e permanentes. Cantavam somente em cantochão.

►Moços do Coro: estudantes (deixam a função após a puberdade). Cantam principalmente em cantochão, às vezes em canto de órgão.

►Organista. Clérigo ou leigo. Contratado por tempo limitado, mas renovável.

►Cantores e músicos: sempre leigos de fora da catedral, contratados somente para cerimônias específicas. Cantam e tocam solfa ou canto de órgão.

► Mestre da capela: normalmente leigo. Contratado por tempo limitado, mas

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renovável Ensina os moços do coro; compõe, canta e dirige a música na catedral ou outra igreja, quando necessário; convida cantores e músicos de fora da catedral e dirige sua solfa, quando necessário

3.7. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: organização musical em Igrejas Paróquias (Matrizes)

► Mestre da Capela: normalmente leigo. Existia somente na principal paróquia de uma comarca ou distrito. Contratado por tempo limitado, mas renovável. Compõe, canta e dirige a música na matriz ou outra igreja, quando necessário, executada por seus discípulos ou por cantores e músicos convidados, sempre de fora da matriz e pagos pelo próprio Mestre da Capela. Até meados do séc. XVIII vigorava o sistema do estanco

3.8. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: organização musical em Conventos ou Mosteiros.

Normalmente executada pelos próprios frades ou monges (freiras ou monjas), em cantochão. Em casos excepcionais, poderiam existir Mestre da capela e Organista contratados por tempo limitado e cantores e músicos contratados para cerimônias específicas.

3.9. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: organização musical em Capelas de Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras.

Na maioria dos casos contratavam-se músicos e cantores (muitas vezes de conjuntos musicais com atuação regular e diretor próprio) por períodos específicos.

3.10. MÚSICA RELIGIOSA NO BRASIL: música promovida por Câmaras Municipais (em catedrais ou matrizes)

► Festas Reais: Corpo de Deus (Corpus Christi), Santa Isabel, Anjo Custódio e São Sebastião► Diretor de conjunto musical “arrematava” a música das festas reaisde todo o ano em sistema de concorrência pública.► Comemorações especiais: executava-se Te Deum laudamus. Diretor de conjuntomusical era contratado por “arrematação” somente para a ocasião

4. ESTRUTURA DO ENSINO MUSICAL

4.1. Catedrais: Mestre da capela ensinava música teórica e música prática aos moços do coro. Eventualmente o mestre escrevia um tratado para o ensino de uma ou outra categoria, geralmente intitulados arte, compêndio ou escola.

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4.2. Igrejas paroquiais (matrizes): Mestre da capela ensinava música prática aos seus discípulos, que retribuíam pelo ensino cantando nas cerimônias religiosas 4.3. Colégios e Seminários: Mestre de canto ensinava música prática (quase somente o cantochão) para os futuros clérigos 4.4. Fora dos templos:

► Mestre particular ou professor da arte da música ensinava música prática aos discípulos, que retribuíam pelo ensino cantando nas cerimônias religiosas. Nesse ambiente, existiam três tipos de músicos: ● Mestres (professores da arte da música): ensinavam e lideravam grupomusical que oferecia serviços a igrejas e capelas. ● Oficiais (cantores e músicos): ao terminar os estudos com um mestre, passavam a cantar ou tocar em grupos musicais, recebendo por apresentação. ● Discípulos: estudavam com um mestre, auxiliando-o e cantando gratuitamente.

5. TIPOS DE MÚSICA PRATICADA EM TEMPLOS RELIGIOSOS (de acordo com o texto)

►Igrejas Diocesanas (catedrais, matrizes, paróquias): música litúrgica (missas, ofícios, próprio dos tempos, ciclo santoral, liturgia dos defuntos e outros) e para- litúrgica (terços, ladainhas, procissões, vilancicos, cantadas e oratórias). Livros litúrgicos utilizados: a maioria.

►Mosteiros e conventos: litúrgica e proprium de ordines (próprio das ordens). Livros litúrgicos utilizados: a maioria, incluindo os monásticos.

►Capelas: principalmente para-litúrgica (septenários, novenas, trezenas, procissões),mas também litúrgica em ocasiões indispensáveis (missas, ofícios fúnebres, cerimônias menores do próprio dos tempos, principalmente Semana Santa). Livros litúrgicos utilizados: somente o missal (para o cantochão docelebrante)

2.1. JOSÉ JOAQUIM EMERICO LOBO DE MESQUITA11

(Vila do Príncipe atual Serro, Sec. XVIII --- Rio de Janeiro, 1805)

Foi um organista, regente e compositor. É patrono da cadeira número 04 da Academia Brasileira de Música. Estudou música com o padre Manuel da Costa Dantas, Mestre-de-Capela da matriz de Nossa Senhora da Conceição do Serro. Mudou-se em 1776 para o Arraial do Tijuco, onde instalou na Matriz de Santo Antônio de um órgão fabricado

11 Cf. Vasco Mariz: História da Música no Brasil, 6ª edição ampliada e atualizada; Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005. Cf. pt.wikipedia.org/.../Lobo_de_Mesquita

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pelo Padre Manuel de Almeida e Silva. Nessa localidade desenvolveu sua carreira como organista e compositor. Em 1789 entrou para a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo.

Existem apenas dois manuscritos autógrafos do compositor, a Antífona de Nossa Senhora (1787) —que se encontra no Museu da Inconfidência— e a Dominica in Palmis (1782), mas há muitas cópias manuscritas do restante de sua obra, como ladainhas missas, ofícios e novenas.

2.1.1. OBRAa) Música Sacra

Missa para Quarta-Feira de Cinzas, para solistas, coro misto, violoncelo e órgão (1778)

Regina caeli laetare (1779) Missa em fá nº 2, para 4 vozes e cordas (1780) Missa em mi bemol nº 1, para solistas, coro misto e cordas (1782)

1. Kyrie eleison 2. Christe eleison 3. Et in terra pax 4. Laudamus te 5. Gratias 6. Domine Deus 7. Qui tollis 8. Suscipe 9. Qui sedes 10. Quoniam 11. Cum Sancto Spiritu

Dominica in Palmis (1782) Ofício e Missa para Domingo de Ramos (1782) Tercio, para 4 vozes e cordas (1783) Tractus para o Sábado Santo (1783)

1. Cantemus Domino 2. Vinea facta est 3. Attende cælum 4. Sicut cervus

Vésperas de Sábado Santo (1783) Antiphona de Nossa Senhora (1787) Salve Regina (1787) Antífonas para Quarta e Quinta-feira Santas Antífonas para Quarta, Quinta e Sexta-feira Santas Ária ao Pregador - Ave Regina Ave Regina coelorum Beata Mater Credo em dó, para 4 vozes e cordas Credo em fá Christus factus est e Ofertório Diffusa est gratia, concerto para solistas, coro misto e cordas Domingo da Ressurreição Heu Domine, para a procissão do Enterro do Senhor

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Heus, para a Procissão do Enterro do Senhor In honorem Beatae Mariae (Ladainha) In pacem in idipsum Ladainha alternada Ladainha de Nossa Senhora do Carmo Ladainha do Senhor Bom Jesus de Matosinhos Laudate Dominum, para o Sábado de Aleluia Matinas de Natal Magnificat Magnificat alternado Memento a quatro, em sol menor Missa concertada e Credo Missa de Sábado Santo e Magnificat Missa de Santa Cecília Missa de Réquiem Novena das Mercês Novena de Nossa Senhora da Conceição Novena de Nossa Senhora do Rosário Novena de São Francisco de Assis Novena de São José Ofício das violetas Officium defunctorum Ofício e Missa de Defuntos Ofício de Semana Santa, para 4 vozes e cordas Ofício de defuntos ("Ofício das violetas"), para 4 vozes e cordas Ofício de defuntos nº 2, para solistas, coro misto, violoncelo e órgão Paixão, Bradados e Adoração da Cruz, para Sexta-feira Santa Procissão de Ramos - Cum appropinquaret Responsório de Santo Antônio - Si quaeris miracula Salmo nº 112 - Laudate Pueri Setenário de Nossa Senhora das Dores Sequência Stabat Mater Te Deum, para 4 vozes e cordas Te Deum, em lá menor Te Deum em ré

b) Música para órgão Difusa est Gratia Tércio Domine, tu mihi lavas pedes

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No tocante à produção musical, foi na Capitania de Minas Gerais que se desenvolveu o movimento mais rico e mais coeso do período colonial. No entanto, a vasta produção colonial mineira exibe uma evolução estilística semelhante à que se observa na produção arquitetônica: encontramos obras musicais de uma simplicidade pós-barroca, como as de Manuel Dias de Oliveira (Tiradentes, c.1735-1813) e de autores anônimos mineiros, distintas da produção pré-classica que floresceu entre c.1760-c.1820, de autores como J.J. Emerico Lobo de Mesquita (1746?-1805), Marcos Coelho Neto (1763-1823), Inácio Parreiras Neves (c.1730 - 1793/4) e Francisco Gomes da Rocha (c.1754-1808), que já lograram uma produção de caráter dramático mais acentuado, porém plenamente integradas à função religiosa. A última fase da música colonial mineira, manifesta na produção de J.D. Castro Lobo (1794- 1832), já exibe uma forte ligação com o classicismo musical italiano, totalmente regida pelas inovações operísticas, segundo modelos de Giovanni Paisiello, Domenico Cimarosa e Luigi Cherubini, fazendo surgir obras voltadas em primeiro lugar ao espetáculo - por meio do virtuosismo vocal e instrumental - e em segundo a religião.

O estilo encontrado na música do Rio de Janeiro colonial, assim como na arquitetura, é tardio, mais complexo e cosmopolita. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), apesar

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de sua base estética portuguesa e italiana, utiliza também modelos importados de outras nacionalidades, sendo a riqueza de meios a característica principal de sua produção e de outros autores do início do séc. XIX. A música instrumental foi mais utilizada no Rio, em função da presença da corte portuguesa, com obras do próprio Garcia, mas também de Marcos Portugal (Lisboa, 1762-1830), Sigismond Neukomm (1778-1858), Gabriel Fernandes da Trindade (c.1790-1854) e outros.

Uma certa semelhança pode ser observada entre a produção carioca e paulista colonial. A cidade de São Paulo, sede do Bispado desde 1745, procurou instalar uma prática musical que simbolizasse a Igreja triunfante e o poder colonial, sobretudo no período de atuação, como mestre de capela da catedral, do compositor português André da Silva Gomes (1752-1844), desde 1774.

Finalmente, a produção colonial nordestina, cujos maiores centros foram Salvador (Bahia), Recife e Olinda (Pernambuco), foi quase totalmente perdida, impossibilitando análises mais acuradas. Os raros exemplos sobreviventes, como o Recitativo e Ária de autor anônimo Baiano, de 1759 (possivelmente escrito por Caetano de Melo Jesus) e algumas poucas peças de Luís Álvares Pinto (c.1719- c.1789) já manifestam divergência estilística. O Recitativo e Ária utiliza uma forma plenamente barroca, mas já exibe características estilísticas mais avançadas, que poderiam ser denominadas pós-barrocas ou pré-classicas. Luís Álvares Pinto, ao contrário, apresenta uma produção estilisticamente mais arcaica. Seus modelos são os do barroco português da primeira metade do séc. XVIII, com uma curiosa aliança entre a manutenção da polifonia antiga e a economia de recursos composicionais.

Essa prática iniciou-se com uma música no chamadoestilo antigo, ou seja, música ainda de caráter renascentista, que durante o séc. XVIIIfoi se renovando de acordo com o crescimento econômico da capitania e com o própriodesenvolvimento da música européia do período. A música que se praticou em MinasGerais nas primeiras décadas utilizou somente vozes e, quando muito, um ou doisinstrumentos musicais graves para o acompanhamento, como ocorrera em São Paulo:harpa e baixão (antecessores dos fagotes) foram os principais. (Apostila 6)

Entre os representantes dessas primeiras décadas de prática musical em MinasGerais, que provavelmente transitou da mera utilização de obras alheias até acomposição de música em estilo renascentista e barroco, estiveram grupos musicais daregião de Ouro Preto, dirigidos por músicos como os padres Manoel de Oliveira (1723),Manoel Luís de Araújo d’Costa (1725), Antônio de Souza Lobo (1725-1756) e AntônioAlves Nogueira (1728-1730), além dos músicos leigos Bernardo Antônio (1721-1723),Francisco Xavier da Silva (1729), Bernardino de Sene da Silveira (1737-1744), Inácioda Silva Lemos (1737-1762), Antônio Ferreira do Carmo (1738-1747), CaetanoRodrigues da Silva (1739-1783) e Marcelino Almeida Machado (1740-1752), entreoutros.2

era denominado ajuste. Um desses ajustes - entre a Irmandade de NossaSenhora das Mercês de Vila Rica e o mestre Miguel Dionísio Vale em 1793- foi publicadopor Francisco Curt Lange:“Condições do novo ajuste da música anual e seus reforços, que

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se fez com o ajustante Miguel Dionísio Vale, tudo na forma que abaixose declara em 23 de novembro de 1793.3 LANGE, Francisco Curt. A música no período colonial em Minas Gerais. In: CONSELHO ESTADUALDE CULTURA EM MINAS GERAIS. [I] Semimário sobre a cultura mineira no período colonial. BeloHorizonte: Imprensa Oficial, 1979. p. 38.5Será obrigado o ajustante da música a ter pronto um coro, queconstará de quatro vozes boas, um rabecão, quatro rabecas e duastrompas, e com este dito coro fazer os atos dos jubileus desta irmandadee as mais funções abaixo declaradas, tudo na forma do costumeSerá obrigado a fazer a Novena e Festa de Nossa Senhora dasMercês, reforçando ou aumentando o dito coro com dois clarins, maisuma clarineta, um buê, tudo [o] melhor que puder ser.Será obrigado a fazer a Novena e Festa de Nossa Senhora daSaúde, reforçando e observando inteiramente o que fica dito da Novenae Festa da Senhora das Mercês.Será obrigado a cantar uma missa ao Senhor Bom Jesus dosPerdões em o dia três de maio, como é de costume, e não será obrigadoa reforçar o coro, como nas duas festas acima declaradas.Será obrigado a cantar uma Missa em Quinta-feira Santa,havendo de se expor nesta capela o Santíssimo Sacramento.Será obrigado a cantar o Memento nos enterros de alguns irmãosque nesta irmandade tenham algum merecimento, ou nela servido deoficial, etc.O ajustante terá o cuidado em que não falte alguma voz ouinstrumento do partido.4 Em semelhante caso, o ajustante [a] suprirálogo, admitindo uns em falta de outros, e não fazendo assim, [a] supriráa Irmandade, por conta do ajuste anual, ou descontará na ocasião dopagamento que a Irmandade será obrigada a fazê-lo, logo prontamentedepois da festividade da Senhora das Mercês.”

As irmandades exerciam forte competição entre si, visando obter mais adesões e,com isso, maior arrecadação em anuidades. Por outro lado, as irmandades não tinhamlicença da Igreja para a execução de música em quaisquer cerimônias. Pelo contrário,cada irmandade recebia autorização para celebrar apenas algumas cerimônias docalendário litúrgico.

Foi esse mecanismo de concorrência entre as irmandades que forçou os músicosmineiros, em primeiro lugar à criação musical e, em segundo, a uma constanteatualização em relação aos estilos religiosos vigentes na Europa, para garantir a própriasobrevivência enquanto compositores.

O segundo foi a necessidade que esses compositores tiveram de dominar mais um estilo, agora o pré-clássico, só que desta vez com uma perícia nunca antes observada no país. Esse estilo, originário da Itália, mas difundido em Portugal a partir do centro do séc.

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XVIII, foi rapidamente assimilado em Minas Gerais. Com isso, Portugal passava a ser, para os músicos mineiros, apenas um intermediário inevitável entre a Itália e a América.Entre os principais representantes dessa fase da música mineira estiveram os compositores de Vila Rica (atual Ouro Preto) Inácio Parreiras Neves (c.1730-c.1794), Francisco Gomes da Rocha (c.1754-1808), Marcos Coelho Neto (1763-1823) e Jerônimo de Souza Lobo (que floresceu entre c.1780-1810), entre outros. Destacaram-setambém, de outras cidades mineiras, José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, da Vila do Príncipe, atual Serro (1746?-1805) e Manoel Dias de Oliveira (c.1735-1813), de São José Del Rei, atual Tiradentes.

O estilo predominante da música religiosa mineira entre cerca de 1760 e cerca de 1820 não tem recebido nenhuma denominação unânime até o momento, devido a várias controvérsias estilísticas, mas principalmente a uma falta do conhecimento desse repertório, ligado à falta de edições ou gravações e à dificuldade de acesso a determinados acervos de manuscritos musicais. Uma das denominações correntes, no momento, é pré-clássico, mas jamais se poderá definir esse estilo enquanto “barroco” ou, o que é pior, “colonial”. Suas principais características são as seguintes:

1. Formações predominantes: 1) coro 2) coro + contínuo; 3) coro + orquestra +contínuo;2. Utilização do sistema tonal;3. Música normalmente composta por músicos mulatos semi-profissionais;4. Escrita em partes vocais e instrumentais;5. Partes do coro e da orquestra normalmente destinadas a um único cantor ouinstrumentista;6. Coro era normalmente constituído por quatro pessoas: três homens para asvozes de “baixa”, tenor e contralto (este último falsetista) e uma criança parao “tiple” (soprano);7. Cordas normalmente constituídas de dois violinos e um baixo e, portanto,sem violas;8. Presença freqüente de um par de trompas e pares de flautas e/ou oboés;9. Música predominantemente homofônica, com raras passagens polifônicas oufugadas;10. Obras divididas em seções curtas;11. Simplicidade nas partes vocais. Passagens mais elaboradas são destinadas aosinstrumentos;12. Coexistência dos estilos silábico e melismático;1013. Alternância de passagens a quatro vozes (coro), a duas (duo vocal) e a uma(solo vocal), com o acompanhamento da orquestra ou do contínuo;14. Passagens corais normalmente homofônicas; as três vozes superioresnormalmente são comprimidas e o baixo possui desenho melódico mais livre;15. Duos vocais normalmente homorrítmicos, em terças ou sextas paralelas;16. Solos vocais não virtuosísticos17. Raras passagens orquestrais (sem o coro), normalmente destinadas a reforçaro caráter do texto;18. Base estética filiada ao estilo pré-clássico italiano do centro do século XVIII,com a manutenção de técnicas melódicas e harmônicas tipicamente barrocas;19. Manutenção dos “afetos barrocos”, “clichês” melódicos e harmônicosdestinados a explorar os apelos sentimentais do texto;

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20. Utilização esporádica da técnica do recitativo e ária “da capo”, mas de estilopós-barrroco;21. Exploração da música enquanto espetáculo, com utilização de elementosextraídos da ópera;22. Utilização esporádica do canto gregoriano composto com valores rítmicosdefinidos;23. Resultado da utilização do estilo pré-clássico italiano, tal como assimiladopela música religiosa portuguesa, porém com o emprego de reminiscênciasbarrocas e mesmo pré-barrocas.

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