museologia informal e investigação-ação · emancipação social, a proposta de boaventura sousa...

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Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 35 Museologia Informal e Investigação-ação A proposta da museologia informal como campo de investigação-ação 1 Este artigo constitui uma reflexão sobre as metodologias de investigação-ação aplicada na museologia informal. Iniciamos o artigo com uma reflexão sobre os Horizontes da emancipação social, a proposta de Boaventura Sousa Santos apresentada em 2000 no seu livro “Critica da Razão Indolente”, para de seguida fazermos uma atualização da nossa reflexão sobre a Investigação-ação aplicada na museologia informal. Constitui o nosso principal objetivo fazer uma reflexão crítica sobre as metodologias que temos vindo a testar. 1 Por Pedro Pereira Leite- CES.UC

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Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 35

Museologia Informal e Investigação-ação

A proposta da museologia informal como campo de investigação-ação1

Este artigo constitui uma reflexão sobre as metodologias de

investigação-ação aplicada na museologia informal.

Iniciamos o artigo com uma reflexão sobre os Horizontes da

emancipação social, a proposta de Boaventura Sousa Santos

apresentada em 2000 no seu livro “Critica da Razão Indolente”, para

de seguida fazermos uma atualização da nossa reflexão sobre a

Investigação-ação aplicada na museologia informal.

Constitui o nosso principal objetivo fazer uma reflexão crítica sobre as

metodologias que temos vindo a testar.

1 Por Pedro Pereira Leite- CES.UC

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 36

Horizontes da emancipação Social: As epistemologias do Sul, o Barroco e a Fronteira

Quanto em 2000, Boaventura de Sousa

Santo Publica a Sua Crítica da Razão

Indolente, o primeiro volume de uma série

de quatro onde o autor se propõe a

construir uma crítica ao paradigma a

racionalidade ocidental e a construir uma

teoria crítica assente na transição

paradigmática, apresenta uma reflexão

sobre os horizontes da emancipação social

(Santos, A Crítica da Razão Indolente:

Contra o Desperdício da Experiencia, 2000).

A análise crítica da mudança paradigmática

que o autor enuncia neste livro é sustentada

na tensão dialética entre regulação e

emancipação que, segundo o autor,

caracteriza a emergência e a hegemonia do

pensamento moderno ocidental. Segundo o

autor o pensamento ocidental é um

pensamento dual, que se vai constituir

como dominante no mundo global é um

pensamento abissal que se caracteriza num

sistema de distinções visíveis e invisíveis. A

componente visível do sistema expressa-se

através da tensão entre a apropriação e a

resistência; e a sua componente invisível

expressa-se através da tensão entre a

regulação e a emancipação social. As

tensões internas do sistema são portanto

reveladas pelo confronto entre a

emancipação e a regulação.

Este pensamento dual expressa-se em

múltiplas representações. Uma dessas

formas é aquilo a que o autor chama a

“cartografia moderna dual”, que se exprime,

na sua componente visível pela cartografia

jurídica e na componente invisível na

cartografia epistemológica (Santos,

Boaventura Sousa & Menezes, Maria Paula,

2009, p. 30). Se a primeira regula o que é

incluindo e o que é excluído, criando os

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 37

termos das “legalidades” e da “ausências”

dos não-lugares e dos grupos humanos

sacrificados; a segunda linha invisível,

determina o que é conhecimento e exclui os

não-conhecimento dos excluídos2.

É uma questão é complexa, sobre a qual já

nos temos vindo a debruçar noutros

trabalhos, sobretudo na sua dimensão

relativa às epistemologia do Sul (Leite,

Cassa Muss-am-ike: O Compromisso no

Processo Museológico, 2011). As

epistemologias do Sul, como já analisámos

em artigo anterior, é uma proposta

epistemológica que o autor propõe logo de

início em “A Gramática do Tempo: para uma

nova cultura política” (Santos, 2006). O

trabalho a que autor se propõe, a de

identificar a emergência dum novo

paradigma, é feito a partir duma reflexão

sobre o atual paradigma. De certa maneira,

o novo ainda não existe e apenas se poderá

ter conhecimento dele através de sinais.

Essa falta de distância e de perspetiva

produzirá certamente, como o autor

reconhece, sérios limites na análise.

O autor reconhece a impossibilidade de

evitar a contaminação do trabalho de

reconhecimento do futuro por formas de

pensamento construídas no paradigma

atual. Mas, como o autor também refere é

necessário efetuar esse esforço de reflexão

para ousar traçar caminhos que a prática do

trabalho científico se encarregará de validar

ou infirmar. É esse ensaio de procurar os

elementos que enunciam a possível

transição da modernidade (a razão

indolente) para uma outra razão

cosmopolita (que integra as diversidades e

as experiencias do mundo) que o autor vai

aprofundar no seu trabalho inicial (Santos,

2000).

2 Uma primeira abordagem desta questão é feita em

(Santos, 2013)

Depois de revisitar os papeis que a ciência e

o direito tiveram na constituição da

modernidade (liberalismo político e

marxismo) e na racionalidade (ciência), o

autor ensaia na segunda parte do livro “as

armadilhas da paisagem”: onde faz uma

crítica à epistemologia do espaço-tempo

através da análise aos sistemas de

representação cartográfica e a crítica da

“epistemologia da cegueira”, que é

responsável pela representação dos limites

do atual paradigma científico. Nesta

proposta analisa a determinação da

relevância, dos graus de relevância, a

determinação da identificação, a

impossibilidade da duração, e a

determinação da interpretação e da sua

avaliação. Esse será o processo que

permitirá o reconhecimento dos limites da

atual “epistemologia da cegueira” e a

emergência duma “epistemologia da visão”.

Será na busca dessa nova epistemologia

que o autor fundamentará a pertinência da

sociologia da ausências e das emergências,

que conduzirá à proposta de inclusão das

ecologias do saberes e dos procedimentos

de transição, com que o autor

fundamentará as suas epistemologias do sul

(Santos, 2006).

Mas será ainda nesse livro de 2000 que o

autor aprofundará a proposta apresentada

em 19943incluirá esse sul emergente como

proposta duma constelação tópica onde se

inclui a fronteira e o barroco como topoi

da transição. Ora por razões das nossas

investigações, e das leituras que temos

vindo a fazer do autor, temos vindo a

explorar sobretudo a riqueza teórica destas

“epistemologias do sul”, tendo deixado de

lado a riqueza destes outros elementos

desta constelação tópica. O nosso objetivo

neste momento o de integrarmos a questão

da fronteira nossa reflexão.

3 Apresentado igualmente em (Santos, 2013)

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 38

Revisitemos brevemente esta terceira parte

do livro. Como temos vindo a salientar o

autor procura que as construções destes

novos horizontes estejam ligadas às

práticas sociais. Às lutas emancipatórias,

também elas diversas e distintas. É uma

prática que procura a reconstrução do

conhecimento que recuse a objetivação do

outro, que o conheça reconhecendo a sua

capacidade de, autonomamente, produzir

conhecimento sobre si próprio e sobre nós

mesmos. Um conhecimento crítico que

tenha por base a intersubjetividade (Leite,

2012)

Não procuramos neste artigo dar conta da

riqueza e do esforço crítico desta parte da

obra, mas penas destacar os aspetos mais

relevantes para o projeto de investigação

que estamos e desenvolver no CES da

Universidade de Coimbra4, nomeadamente a

questão da reflexão crítica sobre as

comunidades de fronteira.

Regressando ao trabalho de Boaventura

Sousa Santos Continuar, em “Os horizontes

são humanos: da regulação à emancipação”

(Santos, 2000, p. 239 ss) vale a pena

destacar a sua crítica ao poder, sobretudo a

sua reflexão à teoria de poder em Foucault5,

à qual contrapõe uma cartografia relacional

4 Heranças Globais: A Inclusão dos Saberes das

comunidades no desenvolvimento integrado dos

territórios, (BPD SFRH / BPD / 76601 / 2011).

No nosso trabalho temos vindo, para além da

investigação nos vários espaços, a proceder à

critica dos fundamentos teóricos que presidiram

ao estabelecimentos dos objetivos de

investigação. Como, na nossa perspetiva a

Teoria Crítica não reduz a realidade ao que

existe, tudo é deve ser entendido como o feixe

de possibilidades. A análise crítica deverá então

analisar e avaliar a natureza e o âmbito das

alternativas empíricas. Essa busca da procura

das alternativas ao que existe conduzi-os à

crítica da teoria do desenvolvimento integrado e

à crítica dos conceitos de comunidades, no qual

este artigo se enquadra 5 Em Poder e Conhecimento

dos podres, que formam uma constelação

de espaços e dimensões sociais, em torno

das quais se manifestam outras tantas

relações de poder. É nesse âmbito, na

vontade da ação que emergem as novas

possibilidades de poder social solidário.

A procura dos dispositivos da ação leva

Boaventura Sousa Santos, no sexto e último

capítulo desse livro, a procurar os caminhos

da transição paradigmática. Em "Não

disparem sobre o utopista" (Santos, 2000,

p. 305) o autor (retomando e reformulando

alguma reflexões deita em “Pela mão de

Alice”, (Santos, Modernidade, Identidade e

Cultura de Fronteira, 2013) envereda pela

reflexão sobre as formas da ação possível. É

nesse capítulo, que apresenta as propostas

utópicas com base nos sinais emergentes

dos bloqueios do paradigma da

modernidade. Sinais, que como acima já

salientamos são detetados, nas fronteiras,

no barroco e no sul.

Antes de avançar para a identificação

dessas propostas utópicas, ensaia uma

cartografia da transição paradigmática. O

seu mapa orientador, que parte das

incapacidades de respostas pertinentes para

as questões socialmente relevantes do

paradigma modernos, propõe pontos de

observação. Esses pontos de observação,

que se constituem como pontos de

relevância para os processos de

emancipações social nas suas tensões com

os poderes de regulação social, são

delimitados pelos espaços - estruturais

definidos no capítulo anterior, a saber

(espaços doméstico, de produção, de

mercado, de comunidade, de cidadania, e

mundial), aos quais correspondem formas

de poder (o patriarcado, a exploração, o

feiticismo das mercadorias, a diferenciação

identitária desigual, a dominação e a troca

desigual) que como vimos se relacionam de

formas e intensidades diferentes, daí

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 39

resultado unidades sociais, instituições,

dinâmicas de desenvolvimento, formas de

direito e propostas epistemológicas que

configuram as diferentes formas de

realidade fenomenológica.

A importância do entendimento destas

possibilidades de real constitui o filtro a

partir do qual de pode observar as ações

rebeldes. As ações que visam ultrapassarem

os bloqueios e as opressões na sociedade.

Estas ações sociais rebeldes são as formas

de resistência social contra essas formas de

poder e, na medida em que se organizam

segundo articulações locais ou globais,

constituem-se como campos de ação e

investigação do paradigma emergente.

As diferentes dimensões espaciais do poder

relacionam-se com uma ou várias das

formas que assume, tornadas visíveis pelas

suas expressões simbólicas. As

comunidades cooperativas domésticas, os

processos de produção solidários, os

consumos responsáveis e solidários, as

comunidades amiba (comunidades abertas e

plurais), o socialismo sem fim, as

sustentabilidades democráticas e soberanias

dispersas. Uma transição que segundo

Sousa Santos tem que ser simultaneamente

epistemológica e societal. Isto é que novos

modos de conhecimentos, devem estar

alicerçados em formas de estar, de fazer de

ser e de organização social.

É nesta experiencia, na vivência da função

da experiencia que precede a determinação

do objeto, que radica a pertinência da

observação que desencadeia a ação. Como

tudo o que é observado se relaciona com

tudo, (como identificou John Locke no seu

“Ensaio sobre o entendimento humano”), o

conhecimento produzido pela ciência é ao

mesmo tempo universal e infinito.

Simultaneamente redundante e inovador. A

ultrapassagem desse paradoxo é possível

pelo diálogo processual entre o sujeito e o

objeto. A subjetividade do objeto é

reconstruída na ação. A construção duma

inquietação. A intersubjetividade é uma

destas respostas teóricas que permite

reconstruir, a partir da inquietação formas

de emancipação social.

Os lugares de fronteira

Os lugares de fronteira constituem-se como

formas de sociabilidade privilegiadas para a

observação. As comunidades de fronteira

são espaços onde se cruzam as tradições

locais e as tradições que resultam dos

movimentos de confronto (Santos, 2000, p.

321). São espaço de se reconstituem com

base na mestiçagem, construindo normas e

hierarquias dinâmicas, estabelecem relações

fluidas. São processos onde se confrontam

tempos diferenciados, produzidos em

espaços diferenciados. Há portanto uma

certa instabilidade no ar. As relações

estabelecidas são simultaneamente

horizontais e verticais.

A emergência do novo paradigma nestes

territórios de fronteira, segundo Sousa

Santos deverá ocorrer nas suas margens. A

fronteira do mundo global é o espaço onde

o paradigma dominante encontra as

maiores resistências em se implementar,

sendo dessa resistências que deverá

emergir as novas formas de organização e

conhecimento paradigmático. Será também

nesses espaços afastados dos centros que

deverão ser mais percetíveis as incoerências

das formas de dominação.

Pela sua natureza fluida estes espaços

marginais são espaços difíceis de

caracterizar. Tanto são visíveis formas

estruturais dominantes, como formas de

poder emergentes. São espaços de conflitos

estruturais. É esse conflito que importa

analisar a constituir como espaço de ação.

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 40

Uma ação que tem que ser construída a

partir dos protagonistas da transição.

A fronteira, ou melhor a experiencia dos

limites é um local onde se torna possível a

intensidade da existência. A vivência dos

limites no espaço é uma experiencia

possível em comunidade. Não interessa

neste domínio as experiencia dos limites

individuais, uma vez que essas experiências

não se traduzem em interações sociais. No

entanto, na fronteira há espaço para a

intervenção do individual na inovação. Dada

a instabilidade dos processos nos espaços

de fronteiras, a inovação é um elemento

que permite ultrapassar problemas. A

construção desse novo paradigma é um

esforço de fronteira.

O Barroco

O segundo elemento que Boaventura Sousa

Santo explora nesse capítulo é o Barroco

(Santos, 2000, p. 330). O Barroco como se

sabe é uma forma de expressão artística

que se constitui no sul da Europa no século

XVII, como resposta à iconoclastia

protestante e calvinista do norte da Europa,

e que é posteriormente exportada para as

colónias americanas e asiáticas. Uma

excentricidade da modernidade.

O termo barroco é usado nesse livro como

expressão metafórica duma forma de

cultura capaz de ultrapassar os limites da

forma para procura processos de

emancipação social. Ou seja, segundo

Sousa Santos, a excentricidade desta forma

cultural que surge nos países periféricos do

então centro (o Barroco manifesta-se em

nos espaços do catolicismo, como realºao

ao movimento protestante, num momento

em que a hegemonia do sistama mundo se

desloca do mediterrâneo para o Norte a

Centro da Europa). Como reação ao porque

se reproduz em cada espaço de acordo com

as especificidades de cada lugar, que se

traduz na constituição de formas específicas

desses mesmo lugares, apenas é possível

devido á fragilidade dos centros de poder

colonias. Ou seja é uma manifestação

inversa da tendência hegemónica do centro.

E é nesta asserção que o termo adquire

significância no campo da análise da

emancipação social no âmbito do paradigma

emergente.

O caráter aberto e inacabado do Barroco em

cada espaço é sinónimo metafórico da

criatividade das margens em relação ao

centro. E é essa criatividade inovadora que

Boaventura Sousa Santos procura para

exemplificar, como em termos sociais, a

organização social deverá criar alternativas

às formas hegemónicas da globalização.

É certo que o Barroco se constitui também

como uma forma de afirmação do poder.

Um poder fraco, diluído, mas um poder

hegemónico. Mas será esse modo de

afirmação que servirá de suporte às ações

emancipatórias que mais tarde surgirão

nesses espaços. Assim, segundo o autor, o

Barroco constituirá a base das narrativas

nacionalistas com que os países da América

enfrentarão os poderes coloniais.

Mas a metáfora tem também um outro

alcance, que o autor procura salientar.

Sendo uma expressão cultural que se

manifesta pela exuberância da forma,

sugerindo a sua incompletude, propiciando

a diversidade dos olhares e dos pontos de

vista, o barroco exemplifica a incompletude

da forma e abre caminho a interrogação, à

busca de alternativas e a novas formas de

expresso. Assim, continuando pelo discurso

metafórico, o paradigma sócio-político

emergente deverá ser encontrado nas

margens do sistema hegemónico. Estamos

portanto praticamente a prenunciar a

emergência das epistemologias do Sul.

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 41

Mas antes disso, interessa ainda explorar a

metáfora barroca na relação da forma como

representação do real. O barroco procura a

ilusão e a aparência. O barroco procura a

subjetividade da aparência. Captar a

transcendência pela pluralidade das formas.

O contrário portanto da objetividade do

conhecimento científico, que procura a

delimitação do objeto. A forma barroca é

uma forma transitiva. Uma forma que

estimula a criatividade do olhar. A

dificuldade em definir os limites, uma das

características da pintura barroca permite

dissimular as transições. As formas

misturam-se, fundem-se criando sombras

passíveis de ser elas próprias outras formas

que se revelam nessa mistura. Anuncia-se

assim a emergência de novas formas de

organização e ação social pela mistura de

formas existentes. O novo paradigma

emergirá das velhas formas. Ele estará já

em formação nessas formas de organização

atual. Importa portanto afinar os

instrumentos de análise para os capturar.

Uma captura de algo que está movimento,

algo que ainda é fluído.

Um derradeiro elemento que o autor

salienta em relação ao Barroco como forma

cultural, é a presença da festa como

primeiro elemento das modernas culturas

de massa. A festa barroca é uma festa

ritualizada, ensaiada, com fortes

investimentos sociais para uma vivência

fulminante. A festa barroca, tais como os

eventos contemporâneos são fenómenos

fugazes. Há um tempo e um espaço de

concentração de energia, que é rápida e

intensamente consumido. Mas é essa

intensidade vivenciada que constitui o

catalisador para as novas manifestações.

Ora esta metáfora aplicada à ação

emancipatória permite facilmente entender

que uma ação social que concentre uma

determinada intensidade de movimento

sociais emancipatórios criará um efeito de

reprodução no tempo. A festa é de certa

forma uma metáfora para a o fenómeno de

catalisação da emancipação social. Ao

contrário do cientista moderno, onde a

investigação está separada da ação, a

investigação do novo paradigma emergente

não pode deixar de ser concebida na própria

ação. Mais do que um comprometimento

com a ação, a investigação constitui-se

comum compromisso com a ação

emancipatória.

Mas a festa barroca transporta igualmente

uma componente de proximidade com a

vida real. Quer o teatro, quer as formas

burlescas, quer as manifestações profanas

que ocorrem em paralelo com as festas

religiosas, constituem como espelhos da

vida. Os problemas retratados são os

problemas vividos diretamente pelas

comunidades. Os seus resultado são visíveis

e imediato. É possível uma apropriação

dessa realidade. Os movimento sociais

emancipatórios deverão também eles estar

em sintonia com os problemas das

comunidade. Deverão dar resultados

concretos para os problemas vividos.

Tomando como exemplo a ação dramática é

de salientar o efeito do riso. A comédia é

uma manifestação dramática que emerge

nos séculos XVI e XVII como espelho

burlesco da sociedade, das suas

personagens e das suas preocupações.

Entre outras manifestações, como noutro

local veremos, o riso6 constitui um espaço

de reflexão sobre o si que as sociedades

indolentes procuraram condicionar e

cercear. A capacidade de rir de si mesmo é

uma unidade de reconhecimento duma

comunidade.

6 Ver a “Oficina do Riso”, mais à frente nesta

Revista

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 42

Como salienta Boaventura Sousa Santos a

partir dos trabalhos de Max Weber, o riso é

ostracizado pela ética capitalista. Ao

desencantamento das sociedades modernas,

contrapõe a festa do movimento

emancipatório. Na tradição das festas

operária, a transição paradigmática também

emerge no riso.

A última característica da festa barroca,

para além da representação do real e do

riso, é o efeito subversivo que se permite

intuir. O carnaval barroco é uma

manifestação subversiva. A transgressão e a

inversão dos papéis sociais que o carnaval

permite, conduzem quer ao reconhecimento

de si, quer ao reconhecimento dos outros. A

inversão das hierarquias, na festa e no

carnaval é um passo para a experiencia da

inovação (também não é por acaso que o

carnaval é um fenómeno mediterrâneo). Da

inversão da hierarquias à vontade da

experiencia de mudança é um pequeno

passo. A festa traduz-se dessa forma como

um imenso potencial emancipatório a

explorar pela ação social. Uma ação que é

primeiramente experimentada e vivencias

pela estética e pela ética do prazer.

O Sul

O último topos tratado por Boaventura

Sousa Santo nesse livro é o Sul (Santos,

2000, p. 340). Já dele falamos mais acima

nesta revista. Resta salientar que para o

autor este constitui um meta-topos, ou seja

um lugar que preside à “constituição dum

novo senso comum ético. O sul é também

ele uma metáfora cultural para uma

“arqueologia da modernidade”. Como o sul

é o espaço de colonização do outro, dos

outros, das margens do sistema mundial,

ele próprio é um mundo de fronteiras e

barroco, de hierarquias e subordinações.

Sendo a transformação da modernidade

construída na base duma dupla dicotomia,

entre Norte-Sul e Ocidente-Oriente, sendo

que a primeira tem uma conotação

fundamentalmente sócio-económica e a

segunda sócio-cultural, rapidamente as

relações na globalização de fundem. No

século XIX deixa de ser possível esta ma

delimitação geográfica, porque em todo o

lado há uma dominação do outro e uma

subordinação dos mercados e das formas de

produção aos interesses do centro.

Mas será nesse sul que durante o século XX

emergirão as forma de consciência dos

outros, da violência dos sistemas de

dominação, será neles que emergirá a

vontade de rebelião, a consciência do

sofrimento humano. Segundo o autor é no

sul que existe a experiencia de luta por um

mundo alternativo.

A vontade de emancipação social sairá

segundo Sousa Santos, da conjugação

destas três tipologias tópicas: dos

fenómenos de fronteira, com características

barrocas, nos espaços do sul. Três formas

metafóricas de entender que se deverão

relacionar para evitar o esvaziamento do

potencial emancipatório. Esta condição

defrontará o paradigma da modernidade nos

seus espaços estruturais. O paradigma

emergente continua uma incógnita, mas

Ester trabalho é um importante contributo

teórico para a investigação ação.

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1. A Metodologia de

investigação-ação

Há uma longa tradição nas ciências sócias

na utilização de metodologias qualitativas,

nas quais se insere a metodologia da

investigação-ação. A propósito desta

questão já nos debruçamos na nossa tese

de doutoramento, onde procuramos refletir

a museologia a partir das práticas da teoria

da conscientização, proposta por Paulo

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 43

Freira (Leite, 2011). No cerne desta

questão, como então notávamos estava a

relação entre o sujeito e o objeto, um dos

axiomas da ciência moderna.

Posteriormente desenvolvemos essa

reflexão em “Objetos Biográficos” (Leite,

2012), onde procuramos apresentar a

proposta da poética da intersubjetividade

como metodologia na museologia. Uma

metodologia qualitativa de investigação-

ação. Uma metodologia que procura, na

sequência das propostas de Boaventura

Sousa Santos, olhar a partir do Sul, da

Fronteira e do Barroco (Santos, 2013) e

(Santos, 2002).

A questão da dissolução do objeto de

investigação no sujeito dessa investigação

onde assenta onde assenta o paradigma da

ciência moderna permite intuir as

possibilidades de emergência de padrões de

inteligibilidade intersubjetiva. O

conhecimento construído a partir do sul

emerge na relação entre as dimensões

subjetivas dos indivíduos que criam õu

estabelecem constelações de compromissos

e consensos, através dos quais se vão

desenvolvendo as diferentes ações sociais.

Algumas dessas constelações cristalizam-se

em formas organizacionais, outras nem

tanto. Em todas elas encontramos formas

de estruturação, mais ou menos formais,

formas simbólicas e de legitimação.

Ao traçar os objetivos da investigação ação

no âmbito desta postura, o investigador

para além de procurar o outro7 não pode

deixar de se procurar a si mesmo. O

7 Como temos vindo a trabalhar nas questões da memória e

do esquecimento, a alienação do outro é uma forma de esquecimento do eu. Ou seja, a teoria crítica ao afirmar que a ciência moderna o estabelecer a distinção entre sujeito e objeto cria uma alienação do objetos (que explica o fetichismo da mercadoria), estabelece igualmente a alienação do sujeito. Uma arrogância epistemológica que é um resultado do auto-esquecimento ( (Santos, 2013, p. 293)

conhecimento que vai produzir, os seus

objetivos de conhecimento, não pode

constituir-se como a validação do que já

está adquirido (gerando a redundância),

mas adotar uma postura dialogante, de

procura de informação original acerca de

situações ou de atores em processo. A

produção dos conhecimentos teóricos

deverá ser obtida através de um processo

de diálogo (entre o investigador e os

membros representativos das comunidades

que vivenciam as situações ou problemas

investigados.

Por outro lado, a Investigação-ação não

procura um conhecimento teórico sobre um

determinado fenómeno. Ela procura

produzir guias ou regras práticas para

resolver os problemas e planear as

correspondentes ações de resolução através

da implicação e da participação daqueles

que são afetados por esses problemas.

A Investigação-ação permite analisar as

possíveis generalizações a estabelecer a

partir de várias pesquisas semelhantes.

Cada processo em que o investigador

participa é um enriquecimento pessoal,

assim como o é para os membros das

comunidades envolvidas.

Os processos de investigação-ação

aumentam o envolvimento das pessoas em

causas que lhe são próximos, desenvolve o

interesse das pessoas e dos grupos em

processos de mudança social.

Um investigador envolvido num processo de

investigação-ação envolve-se com a

comunidade em que trabalha. Dispoõe por

isso duma distância muito reduzida em

relação aos outros. Um bom pesquisador

não pode deixar de ser aceite pela comum

idade.

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 44

Este envolvimento com as comunidades e

com as suas causas não deve impedir o

investigador de publicar os resultados das

sua pesquisa. Para alem de assegurar que

os resultados da investigação não se

restringem a um pequeno grupo de

pessoas, a publicação dos resultados da

investigação também deverá assegurar a

filtragem entre o que é socialmente

partilhado.

A investigação ação gera mudança social

com base em elementos concretos da vida

dos grupos. Estas ações são filtros que

permitem adequar as ideias e os projetos às

condições sociais de intervenção e permitem

ao investigador verificar ou não a utilidade

do seu trabalho.

O procedimento metodológico da

investigação-ação, como método qualitativo

implica a formalização de um conjunto de

regras que permitam a recolha da

informação em diferentes momentos do

processo, para que a sua análise seja

possível e acessível em qualquer momento

da investigação. O ciclo de diagnóstico,

planeamento, ação experimental e

validação/descrição do conhecimento, é pois

um ciclo aberto, em que a cada momento se

utilizam procedimentos dos momentos

anteriores.

A questão que nos interessa neste momento

refletir, é a adequação desses

procedimentos de Investigação ação no

âmbito do nosso projeto “Heranças Globais:

A inclusão dos saberes das comunidades no

desenvolvimento integrado dos territórios”.

No estabelecimento dos objetivos de

investigação deste projeto, afirmávamos

que íamos procurar analisar as tensões na

memória social das comunidades através

dum conjunto de procedimentos que

evidenciava a adesão à metodologia da

investigação ação. Vamos agora refletir

sobre a atualidade do uso desta

metodologia a partir dos diferentes

instrumentos de trabalho, e dos mais

recentes contributos.8

O seminário realizado no CES em Coimbra,

em dezembro do ano passado foi útil para

reproblematizarmos a questão da

Investigação-ação no contexto dos

movimentos sociais. É sabido a reflexão que

tem vindo a ser feita sobre esta questão a

partir das experiencias sociais na Europa9,

sobretudo nos campos da sociologia urbana.

Como Sérgio Rodriguez Gravitto nos

recorda, não menos relevantes são os

legados das das décadas de 60-70 com os

trabalhos de Orlando Fals Borda10 na

Colômbia e Paulo Freire11 no Brasil, este

último já acima referenciado.

Desde essa altura, as metodologias da

investigação-ação tem vindo a ser aplicadas

em diferentes latitudes, em diferentes

campos do saber procurando aplicar a

investigação académica no campo das

diferentes disciplinas. Ele tem constituído

um importante instrumento de intervenção

e negociação no âmbito da formação das

políticas públicas, através das quais os

8Para este trabalho baseamo-nos na utilizamos

os contributos do Seminário “Investigation-ación

2.0” feito por César Rodriguez Gravitto na

Cátedra Boaventura Sousa Santos em 11 de

Dezembro 2012, Faculdade e Economia da

Universidade de Coimbra. 9 Veja-se nomeadamente (Guerra, 2007).

10 Orlando Fals Borda (1925-2008), Colombia.

Em 1959, junto con Camilo Torres Restrepo,

fundou a primeira Faculdade de Sociologia da

América Latina na Universidade Nacional, na

qual foi o decano. Foi um dos fundadores dea

Investigação-ação Participativa (IAP), método de

investigación qualitativa que pretende con hecer

as necessidades sociaies de uma comunidade, e

juntar esforços para transformar a realidade

com base nas necessidades sociais 11 Paulo Freire (1921-1997) . É o criador da

Pedagogia do Oprimido e influencia a pedagogia

crítica

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 45

diferentes movimentos sociais vão

procurando garantir processos

participativos.

A investigação-ação tem-se vindo a tornar

num saber aplicado nas lutas sociais. Busca

um saber produzido com as comunidades e

fundamenta-se no pensamento com os

atores sociais. A IA é hoje aplicada numa

escala local mas continua a ser trabalhada

numa escala muito próximo das

comunidades, criando compromissos na

ação.

A investigação-ação como instrumento de

sua aplicação no local é um bom desafio

para localmente pensar o global. Como tal é

uma metodologia que tem vindo a ser usada

nas universidades populares, nas escolas

dos movimentos sociais.

Localmente, na comunidade, na cidade ou

nos estados a IA mostra-se hoje como um

processo adequado à formação das políticas

públicas. Nos novos modelos de governação

democrática12, as políticas públicas são

estabelecidas por negociação. A organização

em grupos e cidadão revela-se como um

instrumento eficaz para intervir na

comunidade, para captar recursos e para

disseminar modelos de intervenção.

A utilização deste modelo permita ao

investigador criar uma agenda de

investigação no âmbito de intervenções

públicas e conciliar o processo de

investigação com o ativismo público. O

ativismo do investigador torna-se um

processo de cidadania no âmbito de

construção de instituições. Tanto mais

relevante é esta questão, quanto sabemos,

que por tradição, as universidades,

enquanto centros de saber hegemónico

12

Na formulação de políticas públicas joga-se hoje a capacidade de afirmação dos sistemas de poder democrático. (Pasquino, 2007, p. 287)

criadas na modernidade, são estruturas

hierárquicas, filtrando e reproduzindo as

formas de saber hegemónicas. A

participação do investigador nos processos

de cidadania é ela própria uma possibilidade

de inovação social na construção de

instituições de saber

A investigação-ação é um processo

metodológico que permite transformar a a

imagem social em imaginação pública. Ao

desenvolver intervenções públicas com base

na participação, a permite um entendimento

do real mais consistente e uma abordagem

construída a partir de diferentes ângulos de

entendimento. Aumenta com isso o

envolvimento dos atores nos movimentos

sociais, e permite escolher as relevâncias

nos processos. A investigação-ação, por

estar mais próxima dos processos, está

numa sintonia mais elevada em relação às

questões relevantes para cada comunidade

a cda momento. Uma das críticas feitas à

investigação tradicional, feita com base no

paradigma moderno, é a de quando formula

os problemas, já eles estão ultrapassados.

Enquanto a investigação tradicional, por

norma chega tarde aos fenómenos que

procura explicar, a investigação-ação

constitui uma forma de ultrapassar os risco

de falta relevância na ação.

Finalmente uma última vantagem nos

processos de investigação-ação para o

investigador. A proximidade e a participação

nos processos de investigação cria um efeito

efeito emocional, que facilita a motivação. A

ação é uma presentça constante. Há claro o

risco de um envolvimento excessivo, quer

com atores, quer com os processos. Uma

situação em que apenas a experiencia e a

maturidade dos investigador@s permite

ultrapassar a calibrar.

Há contudo alguns dilemas que a

investigação-ação continua a enfrentar. Não

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 46

há um caminho único, nem um caminho

linear para a construção do presente. A

Utopia é diversificada e polissémica.

Sabemos que o mundo em que vivemos

continua a ser contraditório, injusto e

problemático. A investigação-ação não

procura resolver todos os problemas das

relações desiguais, do modelo energético

com base no carbono, dos diferentes

conflitos no mundo, do modelo económico

com base na fetichizarão da mercadoria, da

economia predadora dos recurso naturais. É

no entanto uma metodologia que contém na

sua formulação os elementos necessários

para trabalhar sobre a transição

paradigmática.

A investigação-ação é um instrumento

adequado para trabalhar na construção da

transição paradigmática. Na América Latina,

um continente que enfrenta hoje uma forte

pressão para explorar os seus recursos

naturais, gerando diferentes conflitos e

alimentando uma espiral de procura de

recursos, alimenta o modelo económico que

deixou de se basear na indústria para se

centrar na venda de matérias-primas. A

América Latina centra-se na exploração das

últimas fronteiras terrestres.

Os processos de investigação-ação têm

vindo a evidenciar a necessidade de intervir

e denunciar um conjunto de ações, ao

mesmo tempo que contribui para a criação

de novas sociabilidades e novos sentidos de

comunidade. À ocupação dos territórios

indígenas da amazónia, a sua inclusão nos

processos de produção extrativista da

economia global, tem vindo a produzir

denuncia de violação dos direitos humanos.

A criação desta relação tem favorecido a

criação de instituições e ações comuns nos

movimentos indígenas.

Este envolvimento nas lutas sociais e nos

processos de ação e na construção de

instituições comuns constitui um dos

principais desafios que a investigação-ação

enfrenta na atualidade.

Será a investigação-ação uma empresa

quixotesca? Uma forma de solucionar os

problemas do mundo. É claro que a

resposta é negativa. A investigação-ação é

um instrumento de trabalho. Uma forma de

intervir para solucionar problemas. É

necessário não esquecer que a investigação-

ação composta riscos. Não podemos estar

envolvidos com o objeto de investigação

durante demasiado tempo sem sermos

contagiados por esse mesmo objeto. Há

portanto que balizar bem o tempo de

intervenção. Ultrapassar o tempo de

investigação, é de certa forma deixar de ser

investigador e assumir a uma condição de

ator cidadão. A fronteira entre ambos é

difícil de distinguir.

Um outro risco da investigação-ação é o

voluntarismo. A participação nos processos

sociais e o ativismo social é absorvente. A

implicação nos processos sociais absorve a

ação do investigador. Esse envolvimento

pode conduzir ao abandono dos princípios e

objetivos iniciais da investigação ou a uma

acomodação aos ritmos do mundo. A

investigação é prática, mas não dispensa

uma reflexão, individual e em grupo sobre

os resultados que a cada momento vão

sendo obtidos, bem como dos processos que

a cada momento se devem tomar.

Verifica-se também que o investigador em

ação corre também o risco de criar

dependências em relação aos atores com

que se envolve. A criação de cumplicidades,

de redes de solidariedade é normal no ser

humano em processo. No entanto

dificilmente resistem à quebra de laços e de

compromissos criados. Quando o

investigador enfrenta o dilema da escolha

Revista de Praticas de Museologia Informal nº 2 Spring 2013 Página 47

entre a razão e a emoção a decisão é quase

sempre problemática.

Finalmente, o investigador em ação corre

também o risco de esgotamento. A prática

de investigação ação é esgotante. O

envolvimento permanente e as exigências

sociais são cansativos. O investigador, a

cada momento tem que se adaptar aos

contextos de investigação. Sair de sí para

procurar o outro é um exercício que obriga

também o reconhecimento de sí. Isso pode

conduzir a conflitos individuais ou sociais

que obrigam o investigador a tomar opções.

Visto as condições de aplicação da

metodologia, há que avaliar os processos

onde a metodologia de investigação-ação

pode ser usada. Temos vindo a defender o

seu uso em torno dos conflitos de memória.

Determinar quem fala, como fala e quando

fala e de onde fala é um dos objetivos da

oficina “cartografia das memórias”.

Mas como temos vindo a defender, o mundo

atual apresenta uma diversidade de modos

de produção de conhecimento, de escritas

científicas e de modos de produção de

conhecimentos e saberes, que a

investigação-ação não pode olvidar. Implica

isso que a produção de instrumentos de

investigação seja mestiços.

A escrita científica, produzida na academia

tem uma gramática própria, ancorada na

tradição. Há outras formas de escrita,

plurais. Os suportes das escritas e a

formação de redes são também plurais. A

investigação-ação 2.0, tal como propõe

Servgio Rodriguez Gravillo, é também uma

proposta de intervenção na produção de

escritas mestiças. É necessário utilizar as

diferentes formas de narrativa. As

jornalísticas, as literárias, as académicas a

partir do rigor das ciências sociais.

Mas na atualidade é a produção de

multimédia o grande espaço de

oportunidade que é necessário aproveitar. O

multimédia tem vindo a constituir-se como

uma espaço emergente na construção de

narrativas, de plataforma colaborativa para

trabalho em rede, incluindo a criação de

redes de investigação.

É nesse sentido que temos vindo a

aprimorar e a aperfeiçoar os processos de

disseminação dos conhecimento e dos

resultados. Criamos para isso diferentes

plataformas de intervenção, procurando

agtravés dos procedimentos de tradução,

aplicar e refletir sobre os diversos sentidos

produzidos nos diferentes espaços, nas

diferentes comunidade.13 Esse espaço

constituem também eles espaços de

intervenção em rede14 estando ainda em

processo de maturação e desenvolvimento.

Em suma as metodologias de investigação-

ação que temos vindo a aplicar resultam

duma necessidade de criar uma maior

empenhamento na construção dum mundo

sustentável. Parte da constatação de que é

necessário alterar os mapas e os roteiros da

investigação. Uma investigação empenhada

numa cultura dos saberes produzidos a

partir da proposta das epistemologias do sul

e dos territórios da fronteira. Alterar o ponto

de projeção. Projetar a ciência a partir do

sul a partir da construção de processos

participativos que favoreçam a construção

de ações coletivas.

Tem sido a partir dessa premissas que

temos vindo a construir as nossas oficinas

de participação: A cartografia das

memórias, a oficina biografia, a aula do riso

13

Veja-se em http://globalherit.hypotheses.org/ 14

Veja-se a página de museologia informal no Face Book em www.facebook.com/groups/investigacaosociomuseologia/, ou os blogos desenvolvidos em http://globalheritages.wordpress.com/

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e as estratégias de mediação. Elas visas

responder às perguntas de se saber o que

se faz, através de quem faz, como fazem e

de onde fazem. Um caminho para criar uma

clínica de Direitos Humanos como projeto

que a seu tempodesenvolveremos.

Bibliografia:

Guerra, I. (2007). Fundamentos e Processos de Uma

Sociologia de Acção. Principia: Celta.

Leite, P. P. (2011). Casa Muzambique: O compromisso no

processo museológico. Ilha de Moçambique: Marca d'Água.

Leite, P. P. (2012). Objetos Biográficos: A Poética da

Intersubjectividade em Museologia. Ilha de

Moçambique/Lisboa: Marca D' Água.

Pasquino, G. (2007). Curso de Ciência Política. Oeiras:

Principia.

Santos, B. S. (2002). A Crítica da Razão Indolente: Contra o

desperdício da Experiencia. Porto: Afrontamento.

Santos, B. S. (2013). Modernidade, Identidade e Cultura de

Fronteira. In B. S. Santos, Pela Mão de Alica: O social e o

político na pós-modernidade (pp. 139-161). Coimbra:

Almedina.

Santos, B. S. (2013). O norte, o sul e a utopia. In B. S. Santos,

Pela Mão de Alice: O Social e o Plítico na Pós-modernidade

(pp. 235-305). Coimbra: Almedina.