mundo novo google quer desvendar a vida e mudar o mundo

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ADMIRÁVEL MUNDO NOVO GOOGLE QUER DESVENDAR A VIDA E MUDAR O MUNDO ILHA DAS COBRAS Queimada Grande, uma jararaca por metro quadrado SÃO JORGE, SANTO GUERREIRO Cristão, muçulmano, palestino, inglês e brasileiro A PSICOLOGIA DO NOSSO “EU” FUTURO Você acha que está pronto, certo? Errado OÁSIS #180 EDIÇÃO

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ADMIRÁVEL MUNDO NOVO GooGle quer desvendar

a vida e mudar o mundo

ILHA DAS COBRAS queimada Grande,

uma jararaca por metro quadrado

SãO JORge, SAntO

gueRReIRO Cristão, muçulmano,

palestino, inglês e brasileiro

A PSICOLOgIA DO nOSSO “eu”

FutuROvocê acha que está

pronto, certo? errado

Oásis#180

edição

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2/39OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

P oucas empresas suscitam sentimentos tão contraditórios como o google: raiva e medo, respeito e desconfiança. Em apenas 16 anos, de setembro de 1998, quando larry Page e Sergey Brin

apresentaram uma versão experimental do seu motor de busca, até setembro de 2014, o google construiu um império mundial que parece não conhecer limites.

o lema da empresa é “dez vezes mais”, e o seu sonho declarado é mudar o mundo. Como? através do acesso à internet para todos, a criação de um cérebro artificial e a descoberta de uma fórmula da imortalidade.

Para realizar esse sonho, google vai muito além da militância no universo digital, e corteja grandes cientistas da genética, neurociências, eletrotécni-ca, engenharia mecânica e química. Funda dezenas de empresas subsidi-árias para a pesquisa científica (e compra outras tantas já implantadas no mercado mundial). lança e desenvolve enorme número de projetos que parecem saídos de livros de ficção científica.

Todos os projeTos, ideias e experiências desenvolvidos pelo GooGle esTão liGados pelo mesmo conceiTo:

melhorar a vida do homem Graças a máquinas inTeliGenTes, seja no escriTório, em casa, na rua

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OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

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todos estes projetos, ideias e experiências estão ligados pelo mesmo con-ceito: melhorar a vida do homem graças a máquinas inteligentes, seja no escritório, em casa, na rua.

o projeto loon, por exemplo, que criar uma rede mundial de wi-fi com o uso de balões impulsionados pelo vento que serpenteiam ao redor da terra. o projeto google Brain desenvolve computadores que procuram funcionar imitando o cérebro humano:

E que dizer do Projeto google X, o laboratório secreto fundado por um engenheiro alemão que faz projetos dignos da série Star trek? Entre vários outros, o laboratório google X desenvolve agora uma lente de contato para diabéticos que mede a glicemia no líquido lacrimal.Sem falar na Calico. Um laboratório de biotecnologia onde se investigam a saúde e o prolongamento da vida.

nossa matéria de capa passa em revista o histórico do google, seu papel no mundo de hoje, e suas perspectivas para o futuro. Confira.

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ten

Dên

CIA

ADMIRÁVEL MUNDO NOVOGoogle quer desvendar a vida e mudar o mundo

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o verão passado 30 objetos estra-nhos apareceram no céu azul da Nova Zelândia: com cinco metros de largura e doze de altura, trans-parentes e a flutuar ao vento. Eles avançavam em direção àsestrelas como medusas gigantes na superfície do mar. Essas medusas voadoras possuíam antenas e tec-nologia de radiofrequência.

N

apesar de discreto, larry page, um dos fundadores do Google, é a alma da empresa. o seu lema é “dez vezes mais” e o seu sonho é mudar o mundo. como? acesso à internet para todos, criação de um cérebro artificial e fórmula da imortalidade

Fonte: Revista DeR spiegel, HambuRgo, alemanHa

Os investigadores de ovnis estavam espan-tados. A CNN cobriu o acontecimento. Mas ninguém fez a ligação entre essa aparição celeste e as ofertas de emprego também bas-tante inusitadas publicadas alguns meses an-tes: “Urgente Procuram-se costureiros e pe-ritos em balões. Empregador: Google. Nome de código do projeto: ‘Loon’ (lunático)”.

Era uma equipe estranha aquela a empresa reuniu ao longo dos meses, às escondidas, por detrás das portas fechadas do seu labo-ratório secreto na Califórnia. Engenheiros têxteis e peritos em aeronáutica, especialis-tas de redes sem fios e programadores. Mis-são: construir uma aeronave como nunca houve. Mais robusta do que os balões mete-orológicos resistentes às intempéries. Capaz de resistir a uma maratona: um voo de cem dias, equivalente a três voltas à terra, impul

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um dos baloes do projeto loon, para uma rede wi-fi mundial

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larry page

laszlo bock, diretor de recursos

humanos do google

sebastian thrun, construtor do google X

sergey brin, cofundador do google

geoffrey Hinton, especialista em inteligência artificial

ben gomes, um dos 'cérebros' do grupo google

arthur levinson, diretor da Calico, empresa de biotecnologia

andy Rubin, o 'cérebro'do android

amit singhal, diretor de

desenvolvimento do google

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sionada pelos ventos que serpenteiam ao redor do planeta.

Os balões devem subir à estratosfera nunca perdendo contato com as bases no solo. A sua missão a duas dezenas de quilômetros de altitude é ligar o mundo à internet. Fo-ram concebidos para enviar um sinal wi-fi até os pontos mais recônditos do globo.

Dois terços da humanidade não dispõe de uma ligação rápida à internet. E muitos mi-lhões de pessoas não têm qualquer tipo de acesso a ela. É uma carência à qual os pa-trões do Google querem porfim. Mas resolver o problema pela via clássi-ca requer tempo e dinheiro: é preciso insta-lar cabos de comunicações e enviar satélites para o espaço. Mas há uma alternativa; a rede de balões. É uma solução tão louca como elegante, dizem os engenheiros californianos.

Ainda é um projeto-piloto, mas, para já, os balões já fo-ram capazes de levar a internet a meia centena de locais recônditos da Nova Zelândia. Se tudo correr bem, depres-sa interligarão centenas de milhões de povoamentos re-motos à Rede mundial. Daqui até ao final da década toda a humanidade poderá estar ligada. Pelo menos é este o desejo de Larry Page, o visionário de 40 anos, fundador do PGD e do Google. Se o meio mais rápido for uma rede de mil balões a girar ao redor do planeta, então que assim seja.

Pensar global e em grande

O Google pensa em grande. Quando o grupo fala dos seus projetos utiliza expressões como: “a humanidade”, “em escala planetária” ou “milhões de utilizadores”. Os que não conseguem pensar assim são repreendidos pelos colegas e pelas chefias da empresa pela sua estreiteza de vistas. É preciso olhar mais longe! Ter mais ambição!

O Google mudou desde que Larry Page, após um inter-regno de uma década retomou as rédeas (em abril de 2011). O genial e excêntrico fundador, tímido e audacio-so, prepara-se para reformar o grupo de ponta à ponta.

OáSIS . tEndênCia

entrada do complexo google na Califórnia

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“Sempre fomos uma empresa ambiciosa”, admite Amit Singhal, diretor de desenvolvimento do Google. “Mas com o Larry as nossas ambições mudaram radicalmen-te; são ainda maiores, mais audaciosas.” São muitos os diretores do Google que têm esse discurso na ponta da língua. Larry Page transformou “dez vezes mais” no cre-do do grupo: tudo que a empresa faz deve ser dez vezes maior, dez vezes melhor e dez vezes mais rápido.

O que está em causa é mudar o mundo, repete Page com obstinação. É como dizer: não são palavras vãs, acredito nisso. São gente com visão ou simples visionários?

Há muito que o Google não é só uma empresa de inter-net. Tornou-se, também, num grupo mundial de alta tec-nologia, uma superpotência econômica com um volume

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A imagem do Google está longe de ser inteiramente po-sitiva. A empresa é pioneira de uma internet sem a qual a vida em rede não seria concebível. Mas é também um polvo insaciável que recolhe os nossos dados, incluin-do informações pessoais que não lhe dizem respeito. O Google suscita sentimentos contraditórios como poucas outras empresas, ou seja, admiração e respeito, raiva e medo. Mas esta imagem parece esbater-se à frente dos nossos olhos. Se olharmos mais de perto tudo o que ve-mos é que o Google começou a movimentar-se a toda a velocidade. Mas para onde? E que consequências terá isso para nós? Porque quando Google se mexe, as impli-cações disso são sentidas em torno de toda a Terra.

o Campus da google, em mountain view, na Califórnia

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de negócios de 60 mil milhões de dólares e 13 milhões de lucros. Instala redes de fibra ótica, produz computadores portáteis, tablets e programas. Mas isso não é tudo. Larry Page quer fazer do Google a máquina do futuro, capaz deforjar o mundo de amanhã que a empresa quer moldar e orientar.

As viaturas sem condutor e os “Google Glass” (óculos--computador que permitem o acesso à realidade aumen-tada) constituem a primeira etapa. Os laboratórios do Google estão sempre apresentando inovações. A última delas é o “Projeto Ara”, no âmbito do qual se pretende de-senvolver um telefone celular modulável (e personalizá-vel). Pode parecer ficção científica, mas o grupo leva esse projeto muito a sério.

Num novo serviço, os engenheiros do Google trabalham em robôs inteligentes. O projeto “Google Brain” desen-volve computadores que procuram funcionar imitando o cérebro humano.

Outra ideia nova são turbinas eólicas voadoras que pro-duzirão eletricidade limpa a baixo custo e em grande es-cala. Na área central de negócios do Google, especialistas em motores de busca trabalham numa base de dados gi-gante capaz de ligar em rede todo o conhecimento huma-no.E que dizer do Google X, o laboratório secreto fundado por um engenheiro alemão que faz projetos dignos da sé-rie Star Trek?

Aposta na investigação

Desde o regresso de Page, o orçamento de investigação do Google duplicou. Em 2013 era de oito mil milhões de dó

automóvel sem condutor, criado pelo google

oculos google-glass

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lares (seis mil milhões de euros). O que o grupo não consegue de-senvolver, compra,tanto patentes como empresas. A última aquisi-ção por 3,2 bilhões de dólares foi a Nest, a empresa do inventor do iPod, Tony Fadell, que concebe aparelhos inteligentes como os termóstatos (a Google adquiriu posteriormente três outras em-presas, as britânicas DeepMind Technologies, de inteligência arti-ficial, e a RangeSpan, de grandes dados. Sem falar da israelense SlickLogin, de autenticação sono-ra.

Poucas empresas suscitam sentimentos tãocontraditórios como o Google: raiva e medo,respeito e desconfiança

A Google corteja grandes cientistas da genética, neuroci-ências, eletrotécnica, engenharia mecânica e química.

Todos estes projetos, ideias e experiências estão ligados pelo mesmo conceito: melhorar a vida do homem graças a máquinas inteligentes, seja no escritório, em casa, na rua.

Larry Page quer avançar a passos de gigante. Acha que passinhos fazem cair as empresas na mediocridade. “Há qualquer coisa absurda na forma como as empresas são

lideradas. Limitam-se a fazer o que sempre fizeram”, afirma. Alguns quadros do Google temem que o grupo se arruíne com projetos loucos. Um risco moderado já que, graças aos enormes lucros dos últimos anos. Larry Page e o outro cofundador do Google, Sergey Brin, continuam a fazer o que querem e bem entendem.

“Não deveria ser surpresa para ninguém que investimos muito em projetos que parecem insólitos ou especulati-vos.” É claro que a concorrência entre os grandes grupos tecnológicos é cada vez maior e reina o medo de perder o barco da próxima grande tendência.

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Robô dotado de inteligência artificial

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Laszlo Bock, diretor de Recursos Humanos do Google, é responsável por 50 mil pessoas em 40 países. Fala um pouco de alemão. Os seus pais fugiram da Hungria e refugiaram-se na Áustria. Quando abordamos o tema da filosofia do grupo ele pergunta primeiro como se traduz “butt kissing” (puxa-saco). Porque é precisamente isso que querem evitar no Google: puxa-sacos que só se pre-ocupam em agradar aos superiores ao invés de melhorar os produtos.

Laszlo Bock passa muito tempo questionando a forma

de aumentar a satisfação - e a eficácia - dos empregados. Tem uma unidade de investigação interna, com sociólogos e psicólogos que a cada seis meses define o perfil psicológico dos empregados: seus valores, interesses, modos de vida.

“Organizámos o conjunto da empresa em função das respostas dos empre-gados, resume Laszlo Bock. A nossa cultura assenta na transparência. Cada empregado tem direito a saber em que estamos trabalhando e tem uma pala-vra a dizer sobre o funcionamento da empresa.” É uma declaração surpreen-dente que não corresponde à imagem que passam para o exterior: a de nerds que trabalham por detrás de portas fechadas para transformar bits em dó-lares.

Poucas empresas suscitam reações tão contraditórias como essa. Por um lado, atrai críticas, condenações e medo. Por outro, o serviço de Laszlo Bock é invadido to-dos os anos por dois milhões de candidaturas a emprego provenientes de todos os países do mundo.

Para se chegar ao departamento de Recursos Humanos do Google é preciso atravessar todo o complexo do grupo. O Googleplex. Situado junto à Baia de São Francisco, é um vasto parque de vários hectares onde se pode sentir o cheiro do mar, das flores e, às vezes, da cannabis.

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Pelo caminho cruzamos com um pouco do que faz do Google aquilo que é, ou seja, tudo o que é goo-gley. Porque é assim que se fala aqui. Os novos colaboradores são os noogles. As bicicletas coloridas estacionadas um pouco por todo o lado, à disposição dos emprega-dospara os longos trajetos entre os edifícios, são as g-bikes. Os luxu-osos carrinhos que transportam todos os dias milhares de em-pregados entre São Francisco e o Googleplex são os g-buses.

Regresso ao poder

A cultura do grupo tem a marca dos seus fundadores. Ambos ti-nham 20 anos quando criaram o Google em 1998. Em 2001, confiaram a presidência a Eric Schmidt (anterior-mente diretor-geral da Sun! Microsystems e presidente da Novell, duas empresas de programas de computado-res), porque era preciso um líder experiente para asse-gurar o crescimento e a entrada na Bolsa. Retomaram as rédeas em 2011: Sergey Brin está na investigação. Larry Page decide a orientação do grupo. Nos últimos anos ra-cionalizou o Google. Desburocratizou-o e o tornou mais rápido.

Larry Page, filho de dois informáticos, estudou numa es-cola Montessori. Muitos dos que o conhecem dizem que

esta experiência o marcou profundamente. Aprendeu a levar tudo à frente. E a dizer sempre o que lhe passa pela cabeça. Mesmo se, como é frequentemente o caso, os seus interlocutores ficam de cabelo em pé. Uma noi-te, após um jantar, alguém lhe perguntou que problema urgente o Governo deveria atacar. Resposta: “Colonizar Marte!”

Page raramente aparece em público. Quase nunca fala a imprensa. Pouco se conhece da sua vida privada, a não ser que é casado com uma bioinformática e tem dois fi-lhos. Diz-se que é introvertido, extraordinariamente inte

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estruturas de resfriamento ambiental do Campus google, na Califórnia

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tamos nossos colaboradores com problemas insolúveis, e essas pessoas superinteligentes falham, ficam irritadas e furiosas. Mas depois aprendem que falhar não é o fim do mundo.”

O Google X é um laboratório de vanguarda ondese trabalha em todo o tipo de projetos, por maisfuturistas que pareçam

Não muito longe do complexo principal da Google está um outro local, anônimo, com mais segurança. Um dis

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ligente e dono de uma enorme autoconfiança. “Larry foi ao futuro e voltou para nos dizer como vai ser”, é o tipo de brincadeira que se diz nos corredores da empresa.Larry Page está sempre se queixando da falta de ambição generalizada no mundo.

Larry Pode mostrar um ar impaciente e aborrecer-se ra-pidamente. Nos primeiros dias do Google, insistiu que não se contentava em fabricar bonitos objetos de consu-mo, mas tinha a ambição de ser um inventor ao nível de Nikola Tesla (engenheiro sérvio do início do século 20 que revolucionou a produção de energia elétrica ao gene-ralizar o uso da corrente alternada; também brilhou em outros domínios como o das radiocomunicações; Tesla possui mais de 700 patentes registradas).

Quando Page fala da Apple diz coisas como: “Fazem mui-to pouca coisa e funcionam muito bem. Mas não conside-ro isso satisfatório. Há muito mais formas de facilitar a nossa vida através da tecnologia”.A sua filosofia do “dez vezes melhor” é resumida assim: é mais simples fazer dez vezes melhor do que simples-mente melhorar as coisas. Porque quando avançamos em pequenas etapas nunca encontramos uma ideia radical-mente melhor. É por isso que o Google prefere recrutar generalistas em vez de especialistas: “Quando passamos toda uma carreira fazendo a mesma coisa, resolvemos osproblemas como sempre o fizemos, em vez de procurar-mos uma nova abordagem”, explica Laszlo Bock.

Quando queremos alcançar coisas grandes, não podemos ter medo de falhar. Google trabalha sistematicamente para “destigmatizar as falhas”, ressalta Bock. “Confron-

em 2013, google comprou um computador quântico para trabalhar associado à nasa

em projetos de tecnologia de ponta

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dezena de metros de comprimento compos-tas porquatro hélices movidas pelo vento que ge-ram eletricidade. Essas turbinas descrevem círculos no ar a várias centenas de metros de altitude, enviando a eletricidade para uma estação-base através do cabo que as pren-de à terra como os papagaios de papel das crianças.

Mas o projeto realmente louco, o golpe que poderá vir a ser um golpe de mestre, situado a meio caminho entre a audácia e a imagina-ção pura, tem por nome “Moonshof (tiro à lua). Um nome inspirado no célebre discur-so do inicio da década de 60 pelo antigo

Presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, quando ele anunciou querer pôr um homem na Lua antes do final daquela década. E conseguiu.

Um laboratório especial

O Google X foi fundado e construído por Sebastian Thrun, um dos grandes especialistas mundiais em robóti-ca e inteligência artificial. O seu nome figura em todas as listas dos inventores mais criativos e dos pensadores mais brilhantes do mundo. Ele é uma estrela!

Chegar à verdadeira inteligência artificial signi-fica conceber computadores que pensem como o nosso cérebro

Sebastian Thrun é originário da cidade alemã de Solin

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creto edifício de tijolo e vidro. Ali estão poucos progra-madores e muitos engenheiros eletrotécnicos, constru-tores de maquinaria e técnicos de laboratório. Cruzam frequentemente com Sergey Brin. É este local que faz da Google a empresa mais inovadora, mas também a mais insólita do mundo: trata-se do Google X, o laboratório fu-turista do grupo. Seu nome é uma alusão à “investigação do desconhecido e da busca da grande solução”. Foi ali que nasceu o veículo sem condutor, que se imaginaram as “Google Classes” e nasceu o projeto “Loon”.

0 laboratório trabalha agora numa tecnologia que per-mitirá construir habitações em alta velocidade, provavel-mente utilizando uma gigantesca impressora 3D. Tam-bém estão testando turbinas eólicas voadoras com uma

lobby dos escritórios do google em singapura

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gen. Frequentou a Universidade de Hildeshcim, em Bonn. Fala inglês com forte sotaque alemão e quan-do lhe colocamos questões, pisca repetidamente os olhos como que a dizer: vamos lá, não sejam tími-dos, perguntem-me.

Quando nos familiarizamos com o seu pensamento, penetramos mais longe no mundo de Larry Page e, consequentemente, no coração da Google. Os dois homens são mui-to próximos, jantam muitas vezes juntos, “sonham com Moonshots”, discutem as “oito, nove, dez coisas que são verdadeiramente impor-tantes para a Humanidade” e que-rem “escalar todas essas monta-nhas - quanto mais altas, melhor.

O custo do desenvolvimento dos produtos não é impor-tante para o Google, explica Sebastian Thrun : “O nosso objetivo é de tal forma grande que o dinheiro que se tem de gastar não é importante”.

A ideia é sedutora, contanto que se ganhe dinheiro sufi-ciente de outra forma. E explica porque é que o Google está tão seguro quanto ao projeto “Moonshot”. As peque-nas empresas não têm recursos suficientes, enquanto as grandes não querem arriscar os lucros nem o curso das suas ações na Bolsa. Larry Page está convencido de que as empresas que não fizerem apostas de longo prazo irão

desaparecer. Há algumas semanas, o Google X apresen-tou uma lente de contato que mede constantemente a glicemia. Poderia facilitar a vida de milhões de diabéticos. É uma ideia que, pela lógica, deveria ter surgido de uma empresa farmacêutica ou de tecnologia médica.Mas nasceu aqui e não foi por acaso.

Olhando para o gabinete de Ben Gomes, ninguém diria que ali trabalha um dos pensadores mais influentes do grupo. É uma pequena sala como tantas outras no com-plexo: tapetes claros, móveis funcionais. Ele a compar

projetos de inteligência artificial do google lembram inventos da série

exterminador do Futuro

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conseguir encontrar determinadas pala-vras-chave dentro de um documento”, lem-bra Ben Gomes.

As buscas na internet foram o primeiro do-mínio de investigação da Google e continu-am objeto de grandes projetos, mas agora as palavras-chave são “nova inteligência artificial” e “interação homem-robô”.

O atual motor de busca trata centenas de milhões de pedidos simultâneos, reconhe-ce sinônimos, completa os pedidos, corrige a gramática, combina atualidade, vídeos e imagens.

Um análogo do cérebro humano

Há dois anos, os investigadores da Google ligaram 16 mil computadores a uma máquina e mostraram-lhe vídeos do YouTube durante três dias. A máquina, esperavam eles, funcionaria como o cérebro de um recém-nascido: bom-bardeada por informação, começaria a tentar ordenar o mundo e a reconhecer objetos recorrentes. A experiência foi conclusiva. Após 10 milhões de imagens de vídeo, o computador reconheceu objetos, seres humanos e conver-sas. O projeto chama-se “Google Brain”, o cérebro Google. O sistema tenta replicar as ligações neurológicas do cére-bro humano.Já simulou um milhão de neurônios e mil milhões de liga-ções. Com uma tendência de aumento exponencial.

O grande investigador neste domínio há mais de três dé

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tilha com três outros engenheiros. Ben Gomes é um dos primeiros colaboradores do Google e desempenhou um papel importante nas três primeiras patentes.

Ben participou no desenvolvimento do motor de busca que deu o nome à empresa. Chamam-lhe “o czar da in-vestigação”. A ele devemos o fato de encontrarmos tudo quando fazemos uma pesquisa no Google. O motor de busca é o “Moonshot” original, o primeiro projeto louco. Naquela altura, quando a Rede dava seus primeiros pas-sos, quem sonharia com pesquisas em milhões de docu-mentos numa fração de segundo?

“Quando cheguei ao Google, em 1999, o objetivo era só

Robôs do google imitarão os processos cerebrais da mente humana

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porque a partir do momento em que o objetivo do Deep Learning se tornou claro, a concorrência começou a aper-tar.

Em janeiro, o Google pagou 450 milhões de dólares pelo Deepmind, laboratório britânico especializado em inteli-gência artificial. Se os computadores conseguirem reco-nhecer melhor os objetos, as pessoas e as línguas, podere-mos conceber novos produtos. “Siri”, o assistente vocal do iPhone da Apple e o carro sem condutor são sóo princípio.

Assentam numa ideia radicalmente nova: a inteligência

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cadas é Geoffrey Hinton, professor de Informática na Universidade de Toron-to. Grisalho, magro, distinto e articu-lando cada frase com precaução, con-sagrou carreira e vida a criar sistemas informáticos “que simulem inteligência orgânica”. Queria computadores que “se comportassem de forma mais hu-mana”. Criar inteligência artificial é desde sempre o grande objetivo da in-formática, mas os progressos têm sido modestos.

Agora as coisas mudam a alta veloci-dade graças às teorias em que Geoffrey Hinton tem trabalhado. Deep Learning (aprendizagem em profundidade), as-sim se chama o domínio ao redor do qual se reúnem informáticos e neuro-cientistas. A ideia é fazer maquinas mais inteligentes que desenvolvam uma compreensão humana do seu ambien-te.

Computadores que pensam

Há um ano Geoffrey Hinton trabalha para o Google. Po-deria ter ido para a IBM ou para a Microsoft, mas deci-diu-se pelo Google “porque aqui não há diferença entre cientistas e engenheiros”. Quem tenha uma teoria inte-ressante pode participar na elaboração de um produto.

Num só ano, a Google aplicou os resultados das investi-gações de Hinton alguns produtos. O tempo escasseia, até

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cal dos computadores. Desde que a Google aplicou os resultados das investigações de Geoffrey Hinton ao reconhecimento vocal de um sistema operativo para smartphones, a taxa de erro baixou 25%.

Agora que “se atingiu a massa crítica”, o in-vestigador acredita que os progressos apa-recerão a passos de gigante. Os avanços no domínio do reconhecmento visual também estão cada vez mais presentes na vida quo-tidiana. Existem já aplicações que reconhe-cem formas e padrões, fazendo a triagem das nossas montanhas de fotografias, colo-cando, por exemplo, de um lado os pores do sol e do outro os gatos...

No último outono, o New York Times re-velou o que Andy Rubin tinha feito nos nove meses ante-riores. Diz-se que ele é um dos cérebros mais dotados no sector das tecnologias: desenvolveu o sistema operativo Android para o Google e depois desapareceu.

Quando reapareceu estava à frente de um novo depar-tamento, especializado em robôs. Andy Rubin estudou robótica. Trabalhou como engenheiro na Carl Zeiss, em-presa alemã de ótica. Na altura já tinha grandes ambi-ções, mas poucos meios. Nos meses anteriores, a Google havia adquirido empresas líderes na robótica. Era o caso da Schaft, equipe de especialistas japoneses que desen-volvera um tipo avançado de robô humanoide ou da Bot 8: Dolly que fabricou os sistemas de câmaras robotizadas utilizados no filme Gravidade.

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humana é o resultado de um único algoritmo. Durante muito tempo acreditou-se no contrário, ou seja, que havia milhares de fontes diferentes e que, para criar inteligên-cia artificial, seria preciso construir inúmeros sistemas informáticos para cada aptidão: língua, lógica, visão...

“Estamos fascinados pela noção de que o cérebro apren-de sempre da mesma maneira, afirma Geoffrey Hinton. E desde que consigamos compreender esta forma de fun-cionar poderemos ensinar a um sistema a visão, a audi-ção, tato, o pensamento lógico.”

Um objetivo suficientemente próximo para que o consi-gamos alcançar é a utilização quotidiana do comando vo-

Carro do google fotografa nas ruas de blumenau, santa Catarina, para o google street view

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seja o seu “Moonshot” mais ousado, que ultrapassa todos os outros projetos tecnológicos. “Tenho o prazer de anun-ciar a criação da Calico, empresa da área da saúde, mais precisamente do envelhecimento e das doenças ligadas à idade.”

A Calico é o Google X das biotecnologias. A sua missão é descobrir a chave da juventude eterna ou, pelo menos, de como adiar a morte. Descobrir por que razão o corpo humano se deteriora e fica doente com a idade. E como abrandar esse processo. A direção da Calicofoi confiada a Arthur Levinson, presidente do conselho de vigilância da Apple, que dirigiu durante vários anos a Ge

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Para a investigação biotecnológica da Google, a última fronteira é adescoberta do segredo da vida eterna

Nos círculos de especialistas, a empresa já é célebre pelos seus robôs que correm mais depressa que homens, escalam muros e sobem às árvores. Na inter-net, os vídeos do BigDog e WíldCat, de Petman e Atlas, apresentam monstros metálicos que nos fazem arrepios na espinha por evocarem os filmes da série Exterminador do Futuro. A Boston Dy-namics trabalhou para o Pentágono.

E eis que aparecem na internet as teo-rias da conspiração: a Google prepara um exército de autômatos para escravizar a humanidade? Pelo menos por enquanto o Google parece acalentar dese-jos bem menos apocalípticos. O seu objetivo é revolucio-nar os robôs das fábricas, transformando-os em máqui-nas mais fáceis de utilizar, que aprendam a compreender o seu ambiente e possam efetuar tarefas complexas, como as necessárias à fabricação de componentes eletrônicos. Pelo menos isso é o que dizem os engenheiros ligados ao projeto.

Mas parece também evidente que o Google tem ambições ainda maiores do que fabricar autômatos inteligentes. É muito raro Larry Page divulgar aquilo em que pensa. Em setembro 2013 ele fez uma exceção, talvez porque esse

Com a Calico, google quer descobrir os segredos do envelhecimento e vencer a morte

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Uma coisa é certa: é preciso começar...

A CONSTRUÇÃO DE UM IMPÉRIO

Setembro de 1998 - Nascimento do Google. Larry Page e Sergei Brin apresentam uma versão experimental do seu motor de busca.

Outubro de 2000 - Chegada da publicidade. A AdWords seleciona os textos publicitários em função dos resultados de uma pesquisa.

Junho de 2003 - Lançamento do AdSense. Esta publicidade online seleciona e publi-ca anúncios com base no conteúdo de uma página.

Outubro de 2006 - A Google compra a plataforma de ví-deo YouTube por 1,8 mil milhões de dólares. Atualmente, mais de cem horas de vídeo são carregadas por minuto.

Maio do 2007 - Street View. Máquinas fotográficas es-peciais instaladas no capô de carros fazem fotografias a 360° para os aplicativos Google Maps e Google Earth. Setembro de 2008 - Lançamento do Chrome. Concorren-te do Internet Explorer (Microsoft) e do Firefox (Mozilla) que rapidamente passa a liderar os sistemas de navegação na internet.

Setembro de 2008 - A resposta ao sistema operativo iOS da Apple - o Android - já é utilizado em cerca de 80% dos

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nentech, uma das grandes empresas de biotecnologia do mundo.

Nos últimos meses, Arthur Levinson começou a recrutar médicos e biólogos de renome. incluindo o médico-chefe do gigante farmacêutico Roche e o geneticista de Prince-ton, David Botstein.

Logo em seguida, o Google fez uma declaração oficial sobre este assunto. “Ainda estamos à procura da melhor abordagem”, afirmou um dos responsáveis pela empresa. Trata-se de prolongar a vida? Ou de permanecer ativo e saudável até ao fim? “Sem dúvida um pouco de ambas as coisas...”

balão de alta altitude WiFi da google, em exposição no museu da Força aérea em Christchurch, nova Zelândia. Foto: marty melville

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de robótica, incluindo a Boston Dynamics, especializada em robôs que andam e são capazes de transportar coisas. Os robôs do Google sobem escadas e correm.

Janeiro de 2014 - Por 3,2 mil milhões de dólares, Google compra a Nest, uma fabricante de termóstatos inteligen-tes. Objetivo: entrar no mundo da “internet dos objetos”.

Janeiro de 2014 - O laboratório Google X desenvolve uma lente de contato para diabéticos que mede a glicemia no líquido lacrimal.

OáSIS . tEndênCia

smartphones.

Novembro de 2011 - O New York Times escreve sobre as investigações do Goo-gle no campo da inteligência artificial. O projeto terá posteriormente o nome de “Google Brain”.

Setembro de 2012 - O estado da Califór-nia autoriza os testes de viaturas sem condutor.

Fevereiro de 2013 - Apresentação dos “Google Glasses” (óculos Google), que levantam um coro de criticas: muitos acham que a câmara integrada nos mesmos é um atentado à vida privada.

Maio de 2013 - A Google adquire a Makani Power: empresa que desen-volveu uma espécie de papagaios gigantes de papel que pairam a baixa altitude, geram eletricidade eólica e a transmitem por cabo até o solo.

Junho de 2013 - Apresentação do projeto “Loon”. Uma rede de balões com antenas pretende levar a internet às regiões mais recônditas do planeta.

Setembro de 2013 - Criação da Calico. Um laboratório de biotecnologia onde se investigam a saúde e o prolonga-mento da vida.

Dezembro de 2013 - A Google adquire diversas empresas

o gigante da internet vai fundo na conquista da inteligência artificial e na tecnologia do prolongamento da vida

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22/39OáSIS . animal

ILHA DAS COBRASQueimada Grande, uma jararaca por metro quadrado

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ImA

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hamam-na “Ilha das Cobras”. Quan-do se conhece essa pequena ilha, o apelido que ganhou fica bem com-preensível. Ela é o habitat natural da jararaca ilhoa (Bothrops insularis), uma parente da cascavel, considera-da entre as serpentes mais perigosas do mundo. Seu veneno pode matar

C

para quem a vê do alto, queimada Grande parece um pequeno paraíso tropical perdido no azul do oceano atlântico, a quarenta quilômetros de são paulo. poderia ser a ilha dos sonhos de quem tem vocação para robinson crusoé. mas se existe um lugar do mundo onde é melhor não naufragar é exatamente essa ilha. ela hospeda hoje cerca de 4 mil exemplares de uma serpente muito venenosa, a jararaca ilhoa, concentrados numa superfície de

pouco mais de 4 mil metros quadrados

poR: luis pellegRini

uma pessoa em menos de uma hora. Essa ja-raraca é mortal em 7% dos casos, e basta isso para explicar a existência de numerosas lendas e historias curiosas relacionadas à ilha, lendas que são passadas de pai para filho nas comuni-dades de pescadores da região.

Algumas dessas histórias contam que as pri-meiras serpentes foram levadas à ilha por pira-tas para proteger os seus tesouros. Mas a ver-dade é provavelmente uma outra: Queimada Grande começou a ser povoada por serpentes há cerca de 11 mil anos, quando ainda era liga-da ao continente sul-americano, ou seja, antes que o nível do mar se elevasse, após o final da última era glacial.

A incrível proliferação dessa jararaca na ilha deve-se sobretudo ao fato de que nela não exis

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a ilha Queimada grande vista do alto

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tem predadores naturais. Os únicos animais que a visitam são as aves migratórias, e de qualquer modo são os ninhos dessas aves os objetos de predação por parte das serpentes ilhoas, que além de tudo desenvolveram a habilidade de tre-par e caçar nas árvores. A ilha e a jararaca são objeto de importantes estudos, mas tudo de modo controlado: as autoridades controlam rigoro-samente o acesso à ilha. Nossa marinha militar vai lá uma vez ao ano para os trabalhos de manutenção do farol. Mas Queimada Grande não está livre de contaminações: é certo que caçadores furtivos aportam lá para capturar exemplares da serpente que, depois, vendem no mercado negro a preços que oscilam entre 10 mil e 30 mil dólares o exemplar!

Apesar da fama, Queimada Grande representa algo mais para a comunidade científica: alguns pesquisadores con-sideram que a jararaca ilhoa possa salvar a vida de muitas pessoas. Marcelo Duarte, biólogo do Instituto Butantã, cen-tro paulistano que estuda os repteis venenosos com vistas ao seu uso farmacêutico, ilustra o potencial dessa serpente. Ele diz que o seu veneno revela-se um precioso aliado na criação de fármacos contra doenças cardíacas e circulató-rias. Querem transformá-la em parque nacional

Queimada Grande tem uma área de aproximadamente 430 mil metros quadrados. Sua topografia é bastante irregular,

OáSIS . animal

Costão rochoso da ilha Queimada grande

Close da cabeça de uma serpente jararaca ilhoa

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dores e outros, de transformar Queimada Grande em um Parque Nacional Marinho. A intenção é aumentar a prote-ção da parte marinha, numa faixa de 2 milhas náuticas no entorno da ilha, onde existem corais e espécies vulneráveis da fauna marinha, como tartarugas e peixes.

Veja o vídeo aqui: O biólogo Breno Damasceno do Ceam Galápagos, o repórter André Julião e o fotógrafo João Mar-cos Rosa fizeram uma reportagem para a National Geogra-phic Brasil sobre a espécie de jararaca ilhoa que existe ex-clusivamente na ilha de Queimada Grande.

OáSIS . animal

e a altitude máxima é de 206 metros. A profundidade ao redor está em torno dos 45 metros. Não possui praias, so-mente costões rochosos. Um farol automático está instalado na parte mais plana da ilha, mantido e conservado pela Ma-rinha.

A ilha está a 18 milhas náuticas (aproximadamente 40 quilômetros) da costa de Itanhaém e Peruíbe e apresenta difíceis condições de desembarque e para fundeio de em-barcações. O desembarque não é aconselhado e até mesmo foi proibido pela Marinha do Brasil devido a grande quan-tidade de cobras, especialmente a jararaca ilhoa, espécie endêmica da ilha. Segundo alguns cientistas, ela é a cobra venenosa com a peçonha mais potente do mundo. Outro motivo para a inibição do desembarque é a preservação da fauna e flora da ilha.

Há o interesse, por parte de cientistas, ONGs, mergulha-

Dois exemplares de jararaca ilhoa, um adulto, o outro juvenil

Jararaca ilhoa tem a pele amarela-dourada

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OSÃO JORGE, SANTO GUERREIROCristão, muçulmano, palestino, inglês e brasileiro

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o século 11 ao século 13, os se-nhores que regressavam das Cru-zadas, de Godefroy de Bouillon a Ricardo Coração de Leão, para citar apenas estes, gabaram-se de terem sido apoiados na sua luta contra os muçulmanos infiéis por

cavaleiros brancos que cavalgavam monta-rias igualmente brancas. Esses cavaleiros teriam sido comandados por São Jorge (Mar

D

Guerreiro, portador de armas e quase sempre representado a cavalo, são jorge é o padroeiro da inglaterra, da catalunha e de centenas de cidades ao redor do mundo. mas poucos sabem que esse santo é palestino, venerado pelos cristãos, mas também pelos muçulmanos, e faz parte do extenso rol de personagens e de valores que a europa roubou do oriente médio

Fonte: JoRnal al-Hayat, lonDRes

Girgis, em árabe).

Essa lenda rapidamente tornou-se parte integrante da história. Difundiu-se, enfei-tada com muitos acréscimos, para subsistir até aos nossos dias. Merece que nos dete-nhamos um pouco nela. Porque tem um sabor particular, sendo ao mesmo tempo palestina e ocidental.

No Médio Oriente, a figura de Mar Girgis sobrepõe-se, com efeito, à de Al-Khidr (cé-lebre sábio legendário, personagem citado no Corão como sendo amigo e instrutor do profeta Moisés). No Ocidente, conheceu um outro destino. A sua iconografia que o mostra a cavalo, empenhado num combate contra o dragão, tornou-se uma imagem profundamente enraizada no imaginário popular.

Deu as cores da bandeira inglesa

Além de ser o santo padroeiro da Inglater-ra, São Jorge também o é da Geórgia, Cata-lunha, Lituânia, Sérvia, Montenegro, Eti-ópia, e das cidades de Londres, Barcelona, Gênova, Régio Calábria, Ferrara, Moscou e Beirute. Só na Inglaterra, mais de cem aldeias têm o seu nome, tal como muitas outras no resto do continente europeu. Também deu o nome à Cruz de São Jorge, a bandeira inglesa (cruz vermelha sobre

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fundo branco) e durante mais de mil anos incontáveis soldados ingleses lutaram sob esta ban-deira.

Santo mítico, ninguém sabe ao certo se ele realmente existiu. Diz a lenda que nasceu na Ca-padócia, na atual Turquia. Mas cedo se mudou com a mãe para cidade de Lida (a antiga Diós-polis), na Palestina, onde viveu até a morte. A partir do século 4, o ícone de São Jorge passou a adornar santuários na Palestina. Os árabes cristãos celebravam--no como um mártir (Jorge de Lida teria sido vítima, no ano 303, da Perseguição de Diocle-ciano, uma vaga de repressão violenta ao cristianismo).

Já os muçulmanos celebravam Al-Khidr, a quem Alá dera o privilégio de imensa sabedoria e bondade, em-bora não fosse um profeta. Aqui estamos, portanto, longe das histórias apregoadas na Europa pelos antigos cruzados. Sob o pretexto de libertar Jerusalém dos infi-éis, quando na realidade se tratava apenas de açambar-car territórios e riquezas, a Europa erigiu este persona-gem em emblema guerreiro.

Segundo a lenda, Mar Girgis não havia combatido mais ninguém senão o dragão. E deve sublinhar-se o alcance simbólico do fato de que teria subjugado a besta antes

de a matar. O que significava, para os crentes orien-tais, que havia levado a melhor devido à força da sua vontade e da sua fé, e não por um ato guerreiro pro-priamente dito.

Em busca de um santo

Outra versão da história diz que Mar Girgis era natural da cidade de Lod, hoje situada no centro de Israel. De qualquer forma, é certo que, nessa região, e durante toda a Idade Média, cristãos e muçulmanos venera-vam, cada qual à sua maneira, o mesmo personagem sob o nome de Al-Khidr ou de Mar Girgis.

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são Jorge e o Dragão, de paolo uccello

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de um muçulmano.

Não havia bairros separados, nem trajes específicos, ou qualquer outro sinal distintivo entre as religiões.

Eis a história de uma convivência natural. E é isso que encarna para os palestinos o personagem de Al-Khidr--Mar Girgis-São Jorge. Aquele que nasceu de um pai vindo da Ásia menor e de uma mãe palestina, e que havia permanecido na Palestina até à sua morte.

Cruzadas sanguinárias

Quando Jerusalém caiu nas mãos dos cruzados, no sé-culo 11, os exércitos ocidentais passaram os habitantes da cidade a fio de espada. Jerusalém, Belém e todas as cidades da região conheceram banhos de sangue sem precedentes.

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As narrativas religiosas e históricas imbricavam-se estreitamente e o fundo da mensagem mantinha-se idêntico em ambas as religiões, com a mesma ênfase nos valores da convivência, da resistência ao mal e da valentia perante a adversidade.

Era assim que, naqueles tempos e até a metade do sé-culo 20, na Palestina e em extensas áreas do Oriente Médio, os mosteiros e as igrejas se situavam na vi-zinhança de mesquitas e locais de oração, todos de-dicados a São Jorge; os fiéis de ambas as religiões cruzavam-se e trocavam votos festivos entre si. Essa convivência era a coisa mais partilhada, eliminando numerosas diferenças entre as comunidades cristãs e muçulmanas.

Ao ponto de, no século 18, os ocidentais que viajavam pela Palestina não conseguirem distinguir um cristão

o dragão e são Jorge, de tatarskiskandal

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Os invasores não somente matavam, pilhavam as ri-quezas e faziam reinar a arbitrariedade, como alega-vam que São Jorge havia aparecido aos soldados para abençoar os seus feitos com as armas. Justificavam assim os seus atos, dando a eles o pretenso aval de um dos mais importantes personagens míticos do próprio Oriente Médio: Mar Girgis-São Jorge.

A lenda difundiu-se e foi adornada com numerosos acréscimos pela fértil imaginação popular, ao ponto de todas as vitórias dos exércitos cristãos terem acabado

por lhe ser atribuídas. Foi assim que o santo palestino se transformou em senhor da guerra.

No regresso aos seus países, os cruzados hastearam a bandeira dele em toda a parte sob o novo nome de São Jorge, transformado em príncipe dos mártires. A re-cuperação da imagem do santo oriental prosseguiu ao longo dos séculos seguintes.

Na época das grandes descobertas, o estandarte ador-nado com a efígie de São Jorge flutuava sobre os navios espanhóis e portugueses que percorriam os oceanos.

em barcelona, capital da Catalunha, homens e mulheres se presenteiam mutuamente no dia de são Jorge

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Cristóvão Colombo levou-o até as Américas, onde a figura do santo acompanhou os brancos no seu extermínio dos índios.

A mesma história repetiu-se durante as conquistas na África e na Ásia, e na extensão da zona de influência dos europeus. Séculos mais tarde, o colonia-lismo, quer fosse inglês, por-tuguês, francês ou italiano, retomou São Jorge como seu emblema. E na Inglaterra, com o tempo, São Jorge tornou-se um dos mitos fundadores da própria identidade britânica.

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altar dedicado a mar girgis, na palestina atual

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O DOMADOR DE DRAGÕES

No século 13, a lenda de são Jorge foi adaptada por Jacques de Voragine, futuro arcebispo de Gênova, na Legenda Aurea. Esta obra, destinada aos pregadores, traça a vida de cerca de 150 santos e descreve alguns episódios da vida da Virgem e de Cristo. Irá tornar-se a mais célebre compilação hagiográfica da Idade Média. A lenda de São Jorge é aí relatada do seguinte modo: um dia, montado no seu cavalo branco, São Jorge atra-vessa Silene, na província romana da Líbia. Um dragão aterroriza a cidade, devorando todos os dias um ado-lescente tirado à sorte. Chegou a vez de a filha do rei

ser sacrificada. São Jorge concorda em ajudar os habitantes, na condição de estes se converterem ao cristianis-mo. E doma a fera antes de a matar.

Padroeiro esotérico dos sufis

A importância, o significado e o va-lor esotérico de São Jorge no Oriente Médio é muito maior do que podemos supor. Para os sufistas (membros da mais importante e séria fraternidade esotérica do mundo islâmico, a Or-dem Sufi), Al-Khidr é santo padroei-ro, uma espécie de guia místico oculto cuja identidade, na Síria e em outras partes do Oriente Médio, se confunde com São Jorge. Por volta do ano 1200 da nossa era, foi fundada a ordem

sufista de Khidr. Século e meio depois, na Inglaterra foi criada a Ordem de São Jorge, que depois se transfor-mou na célebre Ordem da Jarreteira, à qual pertencem ainda hoje muitos maçons, rosacruzes e teosofistas.

Enquanto os ingleses celebram o dia de seu santo pa-droeiro, palestinos ainda hoje também comemoram a chegada do dia de São Jorge (23 de abril de 303, dia de sua morte), considerado um herói na região. A bandei-ra branca com a cruz vermelha, usada como símbolo nacional na Inglaterra, também tremula ainda na ja-nela de uma igreja palestina na aldeia de Al-Khadr, na Cisjordânia.

no Cairo, bela luminária no interior da igreja copta dedicada a mar girgis

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Ogum, no sincretismo afro-brasileiro

Da mesma forma que, no Oriente Médio, as figuras em-blemáticas islâmicas de Al--Khadr e Mar Girgis se fundi-ram para dar origem a outra figura emblemática, a de São Jorge, no Brasil este santo emprestou seu nome e figura para representar Ogum, um dos mais importantes orixás (divindade) do panteão ioru-ba africano.

É sabido que, no Brasil, e para poderem continuar a praticar suas tradições reli-giosas, os negros escravizados precisavam cobrir suas divindades com as roupagens de santos cristãos. Foi assim que Nossa Senhora da Conceição emprestou seu manto azul para cobrir Iemanjá, São Sebastião entre-gou suas flechas para camuflar o orixá caçador Oxóssi, Jesus Cristo sua túnica branca para esconder a ver-dadeira identidade do orixá Oxalá, o pai dos deuses iorubas, e São Jorge entregou sua capa vermelha para Ogum, orixá da guerra.

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sacerdote cristão copta dá a comunhão a jovem fiel no mosteiro de mar girgis (ou

são Jorge), ao sul de luxor, no egito

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A PSICOLOGIA DO NOSSO “EU” FUTUROVocê acha que está pronto, certo? Errado

PS

ICO

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an Gilbert é psicólogo da Har-vard University. Especialista em estados de bem estar e feli-cidade, ele diz que que nossas crenças sobre os fatores que nos trarão felicidade são em geral equivocadas. Gilbert acha que, na nossa fogosa, eterna cami-nhada em busca da felicidade,

D

“os seres humanos são obras em desenvolvimento que equivocadamente pensam que estão prontos.” dan Gilbert compartilha uma pesquisa recente sobre um fenômeno que ele chama de “ilusão do fim da história”, onde nós, de alguma forma, imaginamos que a pessoa que somos agora é a pessoa que seremos até o fim da vida. dica: não é bem assim

víDeo: teD – iDeas WoRtH spReaDingtRaDução: gustavo RoCHaRevisão: anDRea mussap

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muitos de nós seguem o mapa errado. Da mesma forma que as ilusões de ótica enga-nam os nossos, nossos cérebros sistemati-camente julgam mal aquilo que nos tornará mais felizes. Por causa dessas falhas cogni-tivas, nós humanos somos maus buscadores dos fatores que realmente nos trarão felici-dade.

As assertivas de Dan Gilbert são agora com-provadas pelas descobertas mais recentes da psicologia e da neurociência.

Dan gilbeRt

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Vídeo integral da palestra de Dan Gilbert ao TED

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Tradução integral da palestra de Dan Gilbert ao TED

Em todas as fases de nossas vidas tomamos decisões que influenciarão profundamente as vidas das pessoas que nos tornaremos, e, quando nos tornamos essas pessoas, nem sempre nos empolgamos com as decisões que tomamos. Pessoas jovens pagam caro para remover tatuagens que os adolescentes pagaram caro para fazer. Pessoas de meia idade correm para divorciarem-se daqueles que os jovens adultos correram para com eles se casar. Adultos mais ve-lhos se esforçam para perder o que adultos de meia idade se esforçaram para ganhar. É sempre a mesma coisa. Como psicólogo, a pergunta que me fascina é: por que tomamos decisões das quais nos arrependeremos no futuro?

Bem, eu acho que uma das razões - vou tentar convencê--los hoje - é que temos uma ideia fundamentalmente erra-da a respeito do poder do tempo. Todos vocês sabem que a taxa de mudança desacelera ao longo da vida humana, que nossos filhos parecem mudar a cada minuto, mas nossos pais parecem mudar a cada ano. Mas qual é o nome desse ponto mágico na vida, onde a mudança de repente passa de um galope para um rastejo? Seria a adolescência? A meia idade? A terceira idade? Ao que parece, a resposta para a maioria das pessoas é “agora”, onde quer que esteja o “ago-ra”. O que eu quero convencê-los hoje é de que todos nós estamos andando por aí com uma ilusão, uma ilusão de que a história, nossa história pessoal, acabou de chegar ao fim, de que recentemente nos tornamos a pessoa que estávamos destinados a ser, e seremos pelo resto de nossas vidas.

Vou lhes mostrar alguns dados para apoiar essa afirmação. Eis um estudo de mudanças no valor pessoal das pesso-as ao longo do tempo. Aqui estão três valores. Todos aqui possuem todos eles, mas vocês devem saber que, conforme

você cresce, à medida que envelhece, o equilíbrio des-ses valores muda. Então, como acontece? Bem, nós perguntamos a milhares de pessoas. Pedimos à me-tade delas que previssem o quanto seus valores mu-dariam nos próximos 10 anos, e aos outros que nos dissessem o quanto seus valores tinham mudado nos últimos 10 anos. E isso nos permitiu fazer um tipo de análise bem interessante, porque nos permitiu com-parar as previsões de pessoas, digamos, de 18 anos com os relatos de pessoas de 28, e fazer esse tipo de análise para toda a vida.

Eis o que descobrimos. Primeiro, você está certo, a mudança realmente desacelera à medida que envelhe-cemos, mas em segundo lugar você está errado, por-que ela não desacelera nem de perto o quanto pensa-mos. Em todas as idades, de 18 a 68 em nosso

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Tradução integral da palestra de Dan Gilbert ao TED

conjunto de dados, as pessoas subestimaram muito o quan-to de mudança elas sofreriam durante os próximos 10 anos. Nós chamamos isso de ilusão do “fim da história”. Para lhes dar uma ideia da magnitude desse efeito, podemos conec-tar essas duas linhas e o que vemos aqui é que jovens de 18 anos antecipam a mudança somente tanto quanto pessoas de 50 anos o fazem.

E não são só os valores. São todos os tipos de coisas. Por exemplo, personalidade. Muitos de vocês sabem que agora os psicólogos dizem que há 5 dimensões fundamentais de personalidade: neuroticismo, abertura à experiência, ama-bilidade, extroversão e consciência. De novo, perguntamos às pessoas o quanto elas esperavam mudar nos próximos 10 anos, e também o quanto tinham mudado nos últimos 10 anos, e o que descobrimos... vocês vão se acostumar com

este diagrama, porque novamente, a taxa de mudança desacelera à medida que envelhecemos. Mas em todas as idades, as pessoas subestimam o quanto sua perso-nalidade vai mudar na próxima década.

E não são somente coisas efêmeras como valores e personalidade. Podemos perguntar sobre seus gostos e desgostos, suas preferências básicas. Por exemplo, quem é seu melhor amigo, seu tipo favorito de férias, seu hobby favorito, seu tipo favorito de música. As pessoas conseguem dizer isso. Pedimos à metade de-las para nos dizer: “Você acha que isso vai mudar nos próximos 10 anos?” e à outra metade para nos dizer: “Isso mudou nos últimos 10 anos?” E o que desco-brimos, bem, já vimos isso duas vezes e aqui vai de novo: as pessoas preveem que o amigo que têm agora é o amigo que terão em 10 anos, as férias de que mais gostam agora é a mesma de que gostarão em 10 anos, e ainda assim, todas as pessoas 10 anos mais velhas dizem: “Eh, sabe, isso mudou mesmo.”

Qual é a importância disso? Será apenas um erro de previsão que não tem consequências? Não, é muito importante, e vou lhes dar um exemplo do motivo. Isso influencia nossa tomada de decisão, de forma importante. Pensem agora no seu músico favorito hoje, e seu músico favorito 10 anos atrás. Eu coloquei os meus na tela para ajudá-los. Então pedimos às pessoas que predissessem, que nos dissessem quan-to elas pagariam agora para ver seu músico favorito atual em um show daqui a 10 anos e, em média, elas disseram que pagariam 129 dólares pelo ingresso. E quando perguntamos quanto elas pagariam para ver

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Tradução integral da palestra de Dan Gilbert ao TED

num show, hoje, da pessoa que era seu favorito 10 anos atrás, elas disseram apenas 80 dólares. Num mundo perfei-tamente racional esses números deveriam ser iguais, mas pagamos mais pela oportunidade de satisfazer nossas pre-ferências atuais porque superestimamos sua estabilidade.

Por que isso acontece? Não temos certeza, mas provavel-mente tem a ver com a facilidade de lembrar contra a difi-culdade de imaginar. A maioria de nós consegue lembrar quem éramos há 10 anos, mas temos dificuldade em ima-ginar quem seremos, então pensamos erroneamente que porque é difícil de imaginar, é improvável que aconteça. Desculpem, quando as pessoas dizem: “Não consigo ima-ginar”, normalmente estão falando de sua própria falta de imaginação, e não da improbabilidade do evento que estão descrevendo.

A questão é que o tempo é uma força poderosa. Ele trans-forma nossas preferências reformula nossos valores, altera nossas personalidades. Parece que apreciamos isso, mas somente em retrospecto. Só quando olhamos para trás, percebemos quanta mudança ocorre em uma década. É como se, para a maioria de nós, o presente fosse um tem-po mágico. É um divisor de águas na linha do tempo. É o momento em que finalmente tornamo-nos nós mesmos. Os seres humanos são obras em progresso, que equivocada-mente pensam que estão prontos. A pessoa que você é ago-ra é tão transiente, tão fugaz e tão temporária quanto todas as pessoas que você já foi. A única constante em nossa vida é a mudança.Obrigado.

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