multiplicidade e riqueza do teatro musical: estudo...

60
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES CEART LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO MARIA LUISA MACHADO PORATH MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC FLORIANÓPOLIS, SC 2015

Upload: phamthuy

Post on 16-Dec-2018

221 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES – CEART

LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO

MARIA LUISA MACHADO PORATH

MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC

FLORIANÓPOLIS, SC

2015

Page 2: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

MARIA LUISA MACHADO PORATH

MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada e Bacharel em Teatro.

Orientadora: Profª Dra Vera Regina Martins

Collaço

FLORIANÓPOLIS, SC

2015

Page 3: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

3

MARIA LUISA MACHADO PORATH

MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada e Bacharel em Teatro. Banca Examinadora Orientadora: _______________________________________________

Profª Drª Vera Regina Martins Collaço CEART/UDESC

Membro: __________________________________________________

Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro CEART/UDESC

Membro: __________________________________________________ Ms. Ana Paula Beling CEART/UDESC

Florianópolis – SC, 03/07/2015

Page 4: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por ter me guiado e abençoado em toda a

minha trajetória acadêmica e pessoal.

Agradeço aos meus pais, Reginaldo Porath e Marisley Machado Porath, por

todo o amor depositado em mim. Serei eternamente grata por toda a confiança e

pela oportunidade de incentivo aos estudos. Por me fazerem entender que o estudo

é para a vida inteira; e que a cada dia, os desafios nos auxiliam nesse aprendizado.

Agradeço aos meus irmãos, João Filipe Machado Porath e Pedro Henrique

Machado Porath, pelas conversas e pelo conhecimento compartilhado.

Ao Caio Cordeiro da Silva, meu companheiro, meu confidente em mais esta

etapa da vida. Sou grata aos nossos estudos compartilhados, às nossas conversas

e às observações para a melhoria do trabalho.

Agradeço à Dra. Vera Regina Martins Collaço, minha orientadora, por seu

apoio e sua sabedoria. Obrigada pelas trocas geradas, pela disposição em me

fornecer bibliografia, acreditar no meu melhor e, principalmente, apostar num tema

pouco trabalhado no Brasil.

Também agradeço às minhas amigas e parceiras de pesquisa, Giseli

Balestreri e Tatiani Borga, por se entregarem de corpo e alma num trabalho

desafiador e transformá-lo numa pesquisa densa e rica.

Agradeço aos professores do Departamento de Artes Cênicas (UDESC) por

todo o conhecimento adquirido e experiências vividas intensamente. Principalmente,

ao Dr. José Ronaldo Faleiro, pela conversa e auxílio na construção do espetáculo

Musical Mestre Contini (2014).

Page 5: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

5

RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem por objetivo investigar a trajetória do gênero Teatro Musical no Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do Centro de Artes - UDESC. De modo mais específico, o trabalho tem por foco espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção Teatral I e II, Montagem Teatral I e II. Para efeitos de recorte temporal, esta pesquisa destaca os espetáculos levados à cena até o ano de 2014. Salienta-se que, desde a criação desse curso, em 1986, a primeira encenação Musical, na estrutura aqui proposta, ocorreu em 2005. Contudo, pelo curto tempo de pesquisa para um TCC, o recorte final de objeto para estudo fica restrito à análise de três (03) espetáculos Musicais: Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) de Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro; $em Vintén$ (2014) de Diego de Medeiros e Mestre Contini (2014) de Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. A explanação a ser elaborada visa apontar para os diferentes gêneros Musicais empregados nesses espetáculos, bem como compreender as aproximações e as diferenciações das proposições estéticas, as quais se vinculam como Teatro Musical. As peças serão divididas em núcleos: Teatro de Revista, Adaptação de Ópera Brechtiana e Adaptação de Filme para Palco.

Palavras-chave: Teatro Musical; Teatro de Revista; Brecht e Ópera; Adaptação de

filmes para o palco

Page 6: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

6

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem n. 01 – Primeiro elenco de Zylda 17

Imagem n. 02 – Aracy Cortes 18

Imagem n. 03 – Apresentação do espetáculo Zylda 28

Imagem n. 04 – Apresentação do espetáculo $em Vintén$ 35

Imagem n. 05 – Audição do espetáculo Mestre Contini 41

Imagem n. 06 – Apresentação do espetáculo Mestre Contini (2014/1) 45

Imagem n. 07 – Espaço Cênico de Mestre Contini (2014/2) 46

Imagem n. 08 – Apresentação do espetáculo Mestre Contini (2014/2) 49

Imagem n. 09 – Apresentação do espetáculo Mestre Contini (2015) 52

Imagem n. 10 – Elenco de Mestre Contini (2015) 54

Page 7: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

7

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 08

2. PRELÚDIO: OS ESPETÁCULOS MUSICAIS NO CEART 13

2.1. Espaços Proliferadores dos Musicais do CEART 15

3. O TEATRO DE REVISTA ADENTRA NA ACADEMIA 17

3.1. Pinceladas da História do Gênero Teatro de Revista 19

3.2. Dramaturgia e Texto Cênico de Zylda: Anunciou, é Apoteose! 22

3.3. Revistar Zylda: Anunciou, é Apoteose! 23

4. O TEATRO DE RESISTÊNCIA REVERBERANDO EM SONGS

CONTEMPORÂNEOS 29

4.1. Conceito de Ópera Brechtiana 29

4.2. Dramaturgia e Texto Cênico de $em Vintén$ 31

4.3. Dialogar com $em Vintén$ 32

5. ADAPTAÇÕES TEATRAIS A PARTIR DE MUSICAIS FÍLMICOS 37

5.1. Conceito de Adaptação de Filme para o Palco 37

5.2. O Processo de Mestre Contini 39

5.2.1. Apenas a ponta do Iceberg... O Início de tudo 40

5.2.2. A Descoberta de outro iceberg... A Transformação: 46

5.2.3. A Descoberta do tamanho do Iceberg... O Processo de

Amadurecimento 50

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 55

7. REFERÊNCIAS 59

Page 8: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

8

1 INTRODUÇÃO

A música estava em mim

e eu nela!

De 2001 a 2012, dos meus oito aos dezenove anos, participei do Coral Portal

do Sol do Educandário Imaculada Conceição. Cresci com música e expressões

corporais. Por esse motivo, sempre me interessei pela vertente musical; de alguma

forma, a música estava em mim e eu nela.

Em 2011, entrei para o Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro na

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Ainda que a linguagem

musical estivesse presente em mim, vivenciei outras situações teatrais; ou seja,

aprendi novas linguagens do teatro. Entretanto, o tempo foi passando, as minhas

ideias amadurecendo e percebi que precisava de um complemento à Universidade.

Foi então que, em 2013, paralelamente à graduação da UDESC, cursei,

durante esse ano, Teatro Musical na Art Estúdio1. Eu tinha aula de dança, canto e

teatro. Não era um curso completamente integrado, mas as três áreas se cruzavam,

quando possível. Acredito que, a partir desse momento, minha paixão pelo Teatro

Musical se expandiu.

No ano seguinte, na disciplina de Prática de Direção Teatral I e II, ministrada

pelo prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, eu e mais duas colegas de curso, Giseli

Balestreri e Tatiani Borga, resolvemos embarcar no desafio de dirigirmos um

Musical. E decidimos realizar uma releitura de Nine (2009) de Rob Marshall, que

denominamos de Mestre Contini. A partir desta escolha, algumas dúvidas

começaram a ganhar força, destacando-se as seguintes questões: Como criar uma

peça Musical2 em que a nossa principal fonte já é uma adaptação?3 Como

compreender a linguagem do Musical e, ao mesmo tempo, apropriarmo-nos dela

para criarmos a nossa própria releitura? Estas questões acompanharam o processo

de construção do espetáculo, bem como a elaboração do trabalho aqui apresentado.

1 A Escola Art Estúdio não existe mais, pois no final de 2013, fechou. 2 Ao longo do Trabalho de Conclusão de Curso, utilizo a palavra “Musical” em inicial maiúscula, a fim de diferenciar a linguagem musical, da música propriamente dita. 3 O filme Nine é uma adaptação do filme Oito e meio (1963) de Federico Fellini e com alusões ao Musical da Broadway Nine (1982).

Page 9: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

9

É fácil, portanto, compreender a minha paixão por Teatro Musical; por isso,

não encontrei outra saída a não ser pesquisar sobre ele no meu Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC). Entretanto, não sabia quais caminhos seguir, muito

menos qual o meu foco. A única certeza era o desejo de falar sobre a minha

experiência como uma das diretoras do Musical Mestre Contini (2014).

Na primeira conversa com a minha orientadora, Vera Collaço, conseguimos

delimitar o meu tema. Seria um estudo sobre os espetáculos Musicais realizados no

Curso de Teatro no Centro de Artes (CEART), da Universidade do Estado de Santa

Catarina (UDESC), entre 2010 e 2014, nas disciplinas de Prática de Direção Teatral

I e II e Montagem Teatral I e II4.

Mas o tema ainda era muito vasto para ser realizado no tempo de escrita de

um TCC. Tornava-se relevante uma delimitação temporal e temática mais específica.

Em discussões com minha orientadora, optamos por delimitar três espetáculos como

estudo de caso do Teatro Musical na academia. A escolha se voltou pela inovação

proposta pelo trabalho e a possibilidade de explanar três linguagens diferentes de

Teatro Musical. Assim, o foco foi direcionado para o estudo dos seguintes

espetáculos: Zylda: Anunciou, é Apoteose (2010), com direção de Vera Collaço e

José Ronaldo Faleiro; $em Vintén$ (2014), com direção de Diego de Medeiros, e

Mestre Contini (2014), com direção de Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani

Borga.

Após a decisão, analisando o contexto histórico de cada gênero, pude

perceber que cada espetáculo escolhido se refere a uma época do Teatro Brasileiro.

A primeira peça se refere ao Teatro de Revista, precisamente, a Clássica, portanto

traz referências da década de 1930. Com a segunda, obra derivada de Ópera de

Três Vinténs de Brecht, pode-se traçar uma ponte para o Teatro de Resistência,

década de 1960 – momento em que a dramaturgia brechtiana fervilhou no Brasil,

com seus ideais marxistas. Já a última peça faz um paralelo com a volta dos

Musicais e as adaptações de Musicais estadunidenses, período a partir de 2000.

Neste estudo, almejo entender o afastamento e a aproximação entre esses

três espetáculos, comentando suas diferentes propostas estéticas. Para tanto, viso

encontrar respostas para questões que norteiam este TCC: Quais são as

4 Observo que na disciplina de Prática de Direção I e II, os acadêmicos dirigem uma peça à sua

preferência, com liberdade de criação e de escolha de elenco. Já em Montagem Teatral I e II, o professor responsável pela disciplina é o diretor do espetáculo e os acadêmicos da disciplina são os seus atores.

Page 10: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

10

especificidades de cada gênero do Teatro Musical encenado no CEART/UDESC?

Como as características desses espetáculos Musicais do CEART se comunicam

com as singularidades de cada gênero dos Musicais? Por que o diretor escolheu

essa estética? Qual foi a metodologia ideal escolhida pela direção na construção

desses gêneros propostos? Quais foram as dificuldades e as facilidades de realizar

um espetáculo Musical no meio acadêmico? Como essas peças de Teatro Musical

se relacionaram dentro e fora do campus?

Ao pesquisar sobre Teatro Musical no Brasil, percebi uma carência de

publicações sobre o tema. Na verdade, não temos uma obra específica sobre a

história do Teatro Musical no Brasil até o momento, maio de 2015. São encontradas

obras referentes a alguns gêneros do teatro Musical, tais como: Ópera no Brasil,

Teatro de Revista, Vaudeville ou biografias de artistas envolvidos com o gênero

Musical. É possível também encontrar dissertações, teses, monografias sobre esse

leque do Teatro Musical, mas não encontrei uma obra unificada sobre os diferentes

meios do Musical.

Assim, para trabalhar e compreender o gênero Musical no Brasil, tive que

buscar apoio em diferentes trabalhos, cada qual expondo aspectos das diferentes

possibilidades do Teatro Musical. Mas, também, parece-me visível que ainda há

muito para se pesquisar e se escrever sobre este gênero teatral no Brasil. É

perceptível que as referências bibliográficas se cruzam na maioria das publicações,

devido à escassez de estudos sobre o tema.

Para trabalhar os núcleos temáticos aqui propostos, precisei conhecer e me

aprofundar nos gêneros Teatro de Revista, Ópera de Brecht e Adaptação de filme.

Para isso, as pesquisas de Neyde Veneziano, os estudos sobre Brecht e a

referência de Beatrice Picon-Vallin foram de extrema importância para o meu

trabalho. Em Veneziano, podemos encontrar conceitos e diferenciações no Teatro

de Revista, de acordo com sua época de propagação, desde a revista mais política

ao cabaré. Entretanto, não me aprofundei nos detalhes, pois a ideia é discorrer, de

forma geral, sobre o Teatro de Revista; a teoria dialoga com a prática da peça

realizada na UDESC: Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010). As outras duas

referências complementam a minha pesquisa sobre a Ópera Brechtiana e Teatro

Musical adaptado dos filmes estadunidenses.

Dentro de cada núcleo, apresento uma pequena explanação das práticas de

três espetáculos Musicais do CEART no período de 2010 a 2014, assim como as

Page 11: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

11

escolhas dos diretores de cada montagem cênica. Qual metodologia usada nas

diversas encenações? Que ator e diretor esses diferentes gêneros do Teatro Musical

necessitam? Essas e outras perguntas referentes à prática cênica do Musical devem

ser respondidas ao longo deste estudo.

Como este trabalho possui uma pesquisa histórica sobre o Musical no Brasil,

o primeiro passo foi levantar materiais bibliográficos acerca desse tema. Encontrar

registros que me auxiliassem a escrever uma breve cronologia da história do Teatro

Musical no Brasil: o seu nascimento, o seu ápice, com o Teatro de Revista, a sua

decadência e o seu renascimento, com inspirações nas peças estadunidenses.

Esses materiais podem ser encontrados nas revistas eletrônicas, no acervo da

Biblioteca Universitária (BU) da UDESC e em livros, teses e dissertações de

pesquisadores brasileiros.

A segunda etapa foi a análise audiovisual das peças Musicais feitas no

CEART/UDESC entre o período de 2010 a 2014. Estudar suas proposições, suas

diferenças e semelhanças; a fim de juntá-las nos grandes núcleos Musicais, por mim

delimitados.

Depois, reuni mais referências bibliográficas que discursassem sobre esses

núcleos no contexto do Brasil. Ou seja, pesquisei sobre o Teatro de Revista, a

Ópera Brechtiana (e suas adaptações) e os Musicais de adaptação de filme. Através

disso, muitas referências visuais também foram recolhidas, principalmente dos

espetáculos Musicais dessas vertentes.

Para desenvolver o trabalho proposto para este TCC, entrevistei as diretoras,

Vera Collaço (Zylda: Anunciou é Apoteose!), do núcleo de Teatro de Revista; e

Giseli Balestreri e Tatiani Borga (Mestre Contini), de adaptação de Filme; e o diretor,

Diego de Medeiros ($em Vintén$), de adaptação de Ópera Brechtiana. Estas

entrevistas tiveram como foco as seguintes questões: a preparação do diretor para o

trabalho; como trabalhou o seu grupo de atores; as dificuldades e as facilidades ao

montar um Musical no meio acadêmico; a motivação da escolha do Musical; sondar

como esses Musicais se projetaram dentro e fora do campus, dentre outras

perguntas. Para essa etapa, ter acesso aos cadernos dos diretores foi de grande

auxílio, uma vez que pude explanar com mais propriedade cada espetáculo.

Depois de realizar as pesquisas necessárias, comecei a escrever o meu TCC,

que resultou num trabalho elaborado em três capítulos, cada um referente a um

núcleo Musical. O primeiro aborda os conceitos de Teatro de Revista e a explanação

Page 12: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

12

da peça de Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro (2010); o segundo, o conceito de

Ópera Brechtiana e a peça de Diego de Medeiros (2014); o último capítulo conta

com a definição de adaptações de filme para Musicais de palco e a peça de Giseli

Balestreri, minha, Maria Luisa Porath, e de Tatiani Borga (2014). Dentro deles, os

subcapítulos contêm registros das entrevistas, as definições de cada gênero de

Teatro Musical proposto, as semelhanças – e as divergências – dos pesquisadores

sobre cada núcleo proposto, as concepções estéticas e a explanação cênica de

cada espetáculo.

Page 13: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

13

2 PRELÚDIO: OS ESPETÁCULOS MUSICAIS NO CEART

Em agosto de 1986, tiveram início as aulas da primeira turma do curso

Licenciatura em Educação Artística: Habilitação em Artes Cênicas (atualmente,

curso de Licenciatura em Teatro), no Centro de Artes (CEART), na Universidade do

Estado de Santa Catarina (UDESC). Três anos depois, em 1989, foi levada a público

a primeira montagem do curso, Tartufo de Molière, com direção de José Ronaldo

Faleiro, atual professor do Departamento de Artes Cênicas (DAC).

Desde a implantação do curso, de 1986 a 2005, até onde pude pesquisar, não

houve peças de Teatro Musical no CEART. Eram montagens pautadas no texto,

numa interpretação textual por parte do ator. Alinhando-se, dessa forma, a uma

longa tradição do teatro ocidental, principalmente o francês, que durante muito

tempo, perpetuou a sacralização do texto. Além disso, por estar num ambiente

acadêmico, a supremacia textual em relação à experimentação cênica era natural e,

até mesmo, incentivada. Contudo, pode-se notar que “o próprio textocentrismo

evolui, adapta-se aos gostos, às técnicas, às concepções possíveis da noção do

sentido e da relação que um texto mantém com um público contemporâneo de sua

criação, ou com outras gerações” (ROUBINE, p. 45, 1982).

Já a partir de 2005 até 2014, percebi uma efervescência de montagens

Musicais, como: Carmen (2005) com direção de Diego de Medeiros, disciplina de

Encenação Teatral I e II; Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) com direção de Vera

Collaço e José Ronaldo Faleiro, disciplina de Montagem Teatral I e II; Carmen

(2012) com direção de Elisângela Polleto, disciplina de Prática de Direção Teatral I e

II; Chicago/ All That Jazz (2013) com direção de Ana Luiza Koerich e Marina Soares,

Prática de Direção Teatral I e II; Mestre Contini (2014) com direção de Giseli

Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga, Prática de Direção Teatral I e II;

Cabaret – Casa de Tolerância (2014) com direção de Marlon Spilhere, Prática de

Direção Teatral I e II; $em Vintén$ (2014) com direção de Diego de Medeiros,

Montagem Teatral I e II.

É válido destacar que, além dessas criações, peças com músicas, ou

musicadas, também foram encenadas, como: Beatriz (2011) com direção de Ana

Paula Beling, disciplina de Prática de Direção Teatral I e II; Malkia Zarité (2012) com

direção de Renatha Flores, disciplina de Prática de Direção Teatral I e II; Contestado

Page 14: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

14

(2013), com direção de Tânia Farinon e Amor em três línguas (2014), com direção

de Maíra Wiener, ambos na disciplina de Prática de Direção Teatral I e II, dentre

outras.

Numa primeira listagem, é possível perceber um total de sete (07)

espetáculos Musicais levados a cena por docentes e discentes do Curso de Teatro

do CEART e pelo menos quatro (4) espetáculos que têm por base a música e a

musicalidade. Analisar o todo exigiria um tempo necessário para a realização de

uma dissertação de Mestrado. Para um trabalho de TCC, fica inviável analisar todos

os espetáculos mencionados. Infelizmente, o tempo para pesquisa é curto. Assim, o

recorte final de objeto para estudo ficou restrito à explanação de três espetáculos

Musicais.

Para compreender melhor a distinção entre Teatro Musical, Musicado e com

música, procuro explanar o conceito de cada termo. No Teatro Musical, os atores

necessitam dominar tanto o canto, quanto a dança e a atuação. E, além disso, é

uma

[...] forma contemporânea (a ser distinta da opereta ou da comédia musical) [que] se esforça para fazer com que se encontrem texto, música e encenação visual, sem integrá-los, fundi-los ou reduzi-los a um denominador comum (como a ópera wagneriana) e sem distanciá-los uns dos outros (como as óperas didáticas de Kurt WEILL e B. BRECHT (PAVIS, 2011, p. 392).

O Teatro Musicado se define a partir da função da música, a qual “entra como

elemento estético a ser agregado ao enredo e, caso seja retirada do espetáculo, a

história permanece compreensível” (MUNDIM, p. 48, 2014). Assim, a dramaturgia

textual é responsável por contar a história e a música ambientaria o espetáculo, sem

que se perca a compreensão da peça, caso a música fosse subtraída. Além disso,

caracterizo, esta possibilidade, como toda peça em que não há um dos três

elementos artísticos necessários para se tornar um Teatro Musical, como: canto,

dança e atuação.

O último termo, teatro com música, é concebido como qualquer espetáculo

que utilize a música – seja cantada pelo elenco ou não – como um recurso sonoro

para intensificar a dramaturgia ou destacar algum acontecimento. A música não

conta nem faz parte dramaturgicamente da peça.

Page 15: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

15

2.1 Espaços Proliferadores dos Musicais do CEART

O curso de Licenciatura, ou Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do Centro

de Artes (CEART/UDESC), possui dois blocos de disciplinas – Montagem Teatral I e

II, e Prática de Direção Teatral I e II, nas quais se desenvolvem trabalhos de criação

de espetáculos cênicos. Nestas duas disciplinas, foram criados os espetáculos aqui

comentados.

Entre os objetivos das disciplinas de Montagem Teatral I e II, segundo a

ementa, destaca-se que a mesma almeja a “montagem de um espetáculo teatral sob

[a] direção de um professor, evidenciando a construção das diferentes linguagens do

espetáculo” (Ementa das disciplinas acadêmicas Montagem Teatral I e II, Sistema

SIGA/UDESC). A cada ano, professores diferentes se responsabilizam por essa

disciplina. Dependendo do número de alunos, há a possibilidade de existirem dois

diretores; a junção ou não da turma depende da linguagem trabalhada por cada

professor. Em relação ao texto, cada diretor decide (em conjunto com a turma ou

não) a dramaturgia a ser trabalhada. A UDESC oferece uma ajuda financeira para a

produção da peça, a qual, infelizmente, não cobre os custos de um espetáculo em

vias profissionais.

Como exemplo, no ano em que fiz essa disciplina, 2013, a professora

responsável era a Dra. Jussara Xavier. A proposta era criarmos um espetáculo de

dança-teatro; assim, a composição geral da peça foi montada pela diretora, no final

do ano de 2012. Mas a colaboração com ideias ficou livre ao acadêmico-ator. O

espetáculo encenado foi Assemblage (2013) com os acadêmicos da 5ª e 6ª fases

daquele ano. A importância dessa disciplina é colocar em prática os conhecimentos

de ator, trabalhados em disciplinas anteriores. E, além disso, o preparo de uma

concepção de peça teatral. Compreender seus componentes artísticos, a

metodologia do diretor, a concepção geral do espetáculo.

Já a ementa das disciplinas de Prática de Direção Teatral I e II afirma que o

objetivo da disciplina é a “prática de direção teatral a partir de um espetáculo curto.

Plano de direção. Planejamento da iluminação, figurino e cenografia. A produção de

sentido na cena” (Ementa das disciplinas acadêmicas Prática de Direção Teatral I e

II, Sistema SIGA/UDESC). Nessa etapa, acadêmicos das 7ª e 8ª fases são diretores:

realizam uma peça teatral, em dupla, trio ou em individual. Há um professor

responsável pela disciplina que auxilia na composição de todas as peças. Este é um

Page 16: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

16

momento importante para o estudante, pois muitos trabalhos criados nessa

disciplina se tornam projetos fora do meio acadêmico, seja com apresentações ou

temas de pesquisa.

O estudante tem a liberdade de colocar em prática a sua proposta de

pesquisa. O elenco se forma de diversos modos, tais como: proximidade de

linguagem, teste de elenco, parceria, dentre outros. Fica à critério do acadêmico-

diretor essa e outras escolhas. Geralmente, as peças estreiam no CEART, mas

apresentações fora do ambiente acadêmico também são permitidas e estimuladas.

Ao contrário da disciplina de Montagem Teatral I e II, a UDESC não fornece

mais ajuda financeira para os projetos de Prática de Direção Teatral. Assim, os

estudantes precisam encontrar recursos por meio de patrocínios, rifas, doações ou

bilheteria. Como nas apresentações dentro do meio acadêmico é proibido cobrar

ingresso, a possibilidade de apresentar fora do campus se torna uma opção

bastante oportuna, e possibilita a cobrança de ingresso.

Um ponto relevante a comentar, é que tanto os espetáculos da disciplina de

Montagem Teatral, quanto de Prática de Direção Teatral, proporcionam uma

diversificação de público. É bem-vinda e válida, a troca entre o espectador externo e

o acadêmico.

Page 17: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

17

3 O TEATRO DE REVISTA ADENTRA NA ACADEMIA

Dia dois de fevereiro Dia de festa no mar

Eu quero ser o primeiro A saudar Iemanjá...

Zylda: Anunciou, é Apoteose!, com direção de Vera Collaço e José Ronaldo

Faleiro foi um espetáculo Musical montado com os acadêmicos da 5ª e 6ª fases de

Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do CEART/UDESC, nas disciplinas de

Montagem Teatral I e II, no ano de 2010.

Imagem n. 01 – Primeiro elenco de Zylda, em reunião no dia 02 de fevereiro de 2010, no Centro de Artes – UDESC. Acervo particular de Vera Collaço.

No programa do espetáculo5, Vera Collaço informa que

Zylda é resultante de pesquisas e estudos sobre Teatro de Revista Brasileiro desenvolvidos no CEART. Com este espetáculo materializamos para o público atual um dos gêneros teatrais mais pulsantes da cena brasileira e que teve grande aceitação popular no final do século XIX e nas cinco primeiras décadas do século XX. A “revista” era um teatro que procurava exaltar o Brasil e a brasilidade, sem com isso descuidar de parodiar e brincar com nossos defeitos e vícios históricos — gênero que mesclava teatro, dança e muita

5 Programa da peça: Zylda: Anunciou, é apoteose! Acervo particular de Vera Collaço

Page 18: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

18

música, sendo responsável pelo lançamento de canções fundamentais da história de nossa Música Popular.

Uma homenagem e um aprendizado foram as motivações que estão na base

de Zylda. E com as palavras de Aracy Cortes, que se encontram no texto que foi

levado ao palco, temos:

Desculpa a imodéstia. Mas, quem não conhece Aracy Cortes?

Sou eu, meu bem! Anunciou é apoteose!

ARACY CORTES (1904-1985)

Imagem n. 02 - Aracy Cortes – no espetáculo: Voto Secreto, de 1934. Teatro Recreio. CEDOC-FUNARTE. Delson Antunes, 2004, p. 284.

Esta imagem foi usada como a capa do texto do trabalho.

O espetáculo Zylda, comenta Vera Collaço no programa do trabalho, “é uma

homenagem a grande atriz revisteira: Aracy Cortes, que na realidade chamava-se

Zilda Espindola”. E explica, a seguir, o porquê da escolha do nome do espetáculo:

E escolhemos o seu nome verdadeiro para homenageá-la. Usamos o “y” para reportá-lo a escrita dos anos 1920 a 1940 quando usar “y” no nome dava uma sofisticação e diferenciava o designado. Zylda é uma homenagem a grande atriz Aracy Cortes. Não fazemos, no espetáculo, uma biografia da atriz (Programa do Espetáculo, 2010).

Page 19: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

19

3.1 Pinceladas da História do Gênero Teatro de Revista

Qual o gênero revisteiro que embasou o processo cênico de Zylda? E o que é

um espetáculo de Teatro de Revista? Para responder essas questões e outras que

surgiram na escrita deste TCC, apoio-me em estudos que analisam esse gênero em

terras brasilis.

Influenciada pela Commedia dell’Arte, a revista tem sua origem na França, no

século XVIII, nas chamadas barracas de feira de São Germano e São Lourenço. Lá

ocorriam apresentações de saltimbancos, trovadores, dançarinos, artistas populares.

A Revista se espalhou pela Europa e o primeiro país a adotá-la, depois da França,

foi Portugal, em 1850. Essa revista recebeu a denominação de Revista de Ano, por

fazer uma revisão dos principais acontecimentos artísticos, políticos e outros que

tinham ocorrido no ano anterior a sua apresentação (VENEZIANO, 1991).

No Brasil, tem-se notícias de dramaturgias precursoras da revista, mas foi em

1859 que estreou a primeira revista brasileira, no Rio de Janeiro, no Teatro Ginásio:

As Surpresas do Senhor José da Piedade, de Figueiredo Novaes. “Tratava-se de

uma divertida recapitulação dos principais acontecimentos do ano anterior (1858) e,

portanto, uma revista de ano, em dois atos e quatro quadros” (VENEZIANO, 1991, p.

26). Mas não teve sucesso, pois o público não estava acostumado às críticas

políticas e às convenções do novo gênero, e a censura imperial também atuou de

imediato contra as licenciosidades políticas da Revista de Ano.

O novo gênero Musical conseguiu espaço e destaque em solo brasileiro a

partir da obra O Mandarim, de autoria de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio, em

1884. A dupla conseguiu abrir os teatros brasileiros para o riso, a galhofa e as

ironias politicas através da Revista de Ano, com eles se instaura o gênero no Brasil

(VENEZIANO, 1991).

A Revista de Ano vai ser hegemônica nos palcos cariocas e dos demais

teatros brasileiros entre 1884 e meados de 1910. A partir da morte de Arthur

Azevedo em 1908, o gênero, que já vinha dando sinais de esgotamento, entra em

colapso total. Assim, começou a segunda fase revisteira com a denominada Revista

Clássica ou Brasileira (1912-1940) e a Carnavalesca (1912-1930). O gênero tem sua

ultima segmentação entre 1950-1960 com a denominada Revista Feérica, quando –

devido à censura do regime militar e às novas concepções teatrais – esse gênero

acaba esquecido entre as práticas teatrais no Brasil (COLLAÇO, 2015).

Page 20: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

20

Cada modalidade do Teatro de Revista tinha suas especificidades. Aqui não

me cabe detalhar em minúcias suas propriedades. Apresento, a seguir, alguns dos

principais elementos que distinguem as diferentes escritas revisteiras, e me

concentro no que foi a dominante na escrita de Zylda.

A primeira, justamente pelo nome, Revista de Ano, tinha a função de revistar

(rever) os acontecimentos mais importantes do ano anterior. Estruturada em três

atos, com um fio condutor, o qual possibilitava várias situações episódicas e uma

certa unidade do texto. Para que o público compreendesse a estrutura da revista,

era necessária a figura de um compère (compadre) ou/e comère (comadre), que

fazia comentários acerca da montagem e ligava as cenas. O fio narrativo era frágil,

possuía elasticidade para a inclusão de quadros, canções e cenas improvisadas.

Além disso, a Revista de Ano também tinha na sua estrutura: prólogo (ou quadro de

abertura), apresentação das personagens-tipo, quadros episódicos e três apoteoses,

uma para cada ato.

A segunda, Revista Clássica, que serve de modelo para Zylda, não se

vinculava mais aos acontecimentos do ano que passou, era constituída em dois

atos, variados números de quadros e duas apoteoses. O enredo foi esgarçando-se

até seu desaparecimento. A Revista cedeu amplo espaço para a música e para a

dança popular brasileira, com a consequente redução do texto (COLLAÇO, 2015).

“Com o passar do tempo”, observa Veneziano (2006, p. 34-35), a Revista “foi

sofrendo alterações e, pouco a pouco, a necessidade da história foi abandonada. A

Revista transformou-se em show de variedades ou ‘revistas de virar a página’”. A

música, a vedete, a dança, os grandes cômicos passaram a ser as grandes atrações

da cena revisteira.

A estrutura da Revista Clássica é composta basicamente por: prólogo – “era o

momento do desfile das vedetes e de toda a companhia, grandioso, deslumbrante”

(VENEZIANO, p. 95, 1991) –; números de cortina – servia para preencher o tempo,

justamente nas trocas de cenários e figurinos –; quadros de comédia – “combinadas

ao timing dos atores, a malícia e a sutileza dos autores poderiam fazer do quadro

cômico o ponto alto do espetáculo” (VENEZIANO, p. 104, 1991) –; quadros de

fantasia – predominância do luxo, da cenografia, da iluminação, do figurino e do

deslumbramento do teatro –; monólogos – geralmente, anterior à apoteose –;

apoteose – ao final de cada ato, havia uma apoteose em que o tema não tinha,

necessariamente, relação com o restante da revista. Vale lembrar que a apoteose do

Page 21: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

21

primeiro ato era a mais importante, pois deixava o público deslumbrado com a magia

do teatro.

Destaca-se que o ritmo da revista era definido mediante contrastes. Se um

ator falava rápido, o outro devagar. Se na cena anterior, o ritmo era lento, na

posterior, deveria ser mais agitado. Quem regia o espetáculo era o público. Portanto,

na revista cabia tudo o que era do gosto da plateia. Devido a esses contrastes, a

revista tinha a função de divertir, mas também poderia fazer chorar.

A terceira, um subgênero da Clássica, Revista Carnavalesca, tem seu

despertar com a Primeira Guerra Mundial e a instabilidade mundial. O Brasil, a partir

de 1912, tornou-se um lugar ilhado, fechou-se para as influências externas. Com a

crise política, companhias portuguesas que estavam aqui não puderam retornar à

Portugal, nem outras puderam desembarcar no Brasil. Por esse motivo, a Revista

Brasileira caminha longe de influências europeias, fincou as suas raízes brasileiras

no Carnaval. O povo, cansado de crises e pessimismo, pedia por um teatro popular,

alegre (VENEZIANO, 1991). A Revista, guiada por esse apelo popular, deixou-se

cair no gosto do povo, no bom carnaval e no samba. Nessa época, como não havia

o rádio, as músicas e as marchinhas eram veiculadas pela Revista. Mas, ao

contrário do que possam pensar, ainda a Revista era um meio de crítica política.

Misturava-se o carnaval e a política, a fim de resultar numa bela salada de crítica

social e política.

A quarta, e a última investida do gênero, deu-se no que ficou conhecido como

Revista Feérica. Para Delson Antunes, essa nova modalidade começou a ser

gestada no final dos anos 1930, quando “a revista marcava passo, estagnada no

modelo do music-hall. As fórmulas adotadas pelo gênero esgotavam-se e não havia

grandes estímulos para a renovação” (ANTUNES, 2002, p. 115). Esta nova

modalidade encontrou na figura do Walter Pinto, o comandante do Teatro Recreio, a

partir de 1939, o seu maior impulsionador. Com ele, a Revista “assumiu

definitivamente a tendência ao music-hall. Este modelo de espetáculos Musicais

impregnava os teatros de Paris e da Broadway, e agora conquistava a grande

revista brasileira, conduzindo-a para novos caminhos” (ANTUNES, 2002, p. 99).

Aracy Cortes também atuou nas imponentes revistas feéricas de Walter Pinto,

fazendo, quase sempre, par com o cômico Oscarito.

Com as inovações industriais, como o rádio, o cinema e a televisão, lentamente a

Revista deixou de ser prioridade na área de entretenimento. Para que ir ao teatro se

Page 22: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

22

a música era tocada na rádio? Por que ver a mistura de teatro com cinema nos

palcos, com os equipamentos à mostra, se existia a magia do cinema? Por que

assistir ao Teatro de Revista, se na comodidade da sua casa, poderia ter acesso ao

mesmo divertimento? A Revista tentou sobreviver a todas essas inovações, mas o

“grande teatro musical do país chegava ao fim. A revista deixava de ser a maior

referência de diversão das plateias urbanas” (ANTUNES, 2002, p. 128). A forte

censura no país após o golpe militar-civil de 1964, também contribuiu para impedir a

continuidade revisteira. Pois, como disse Silvio de Abreu sobre a relevância das

mulheres neste espetáculo,

Cada vedete tinha sua marca. Cada uma era um espetáculo em si. Pouco do cenário político brasileiro passava [despercebido] pela aguçada verve cômica dessas mulheres. Brincavam com as autoridades, com os conceitos, com a moral, com a família, eram livres, soltas, destemidas, arrojadas” (ABREU, 2010, p. 11-12).

A condição feminina em cena (COLLAÇO, 2015) sua desenvoltura e sua

capacidade de expressar sentimentos de seu público e os cômicos que as

acompanhavam acentuando a crítica aos acontecimentos sócio-políticos do país

foram os elementos mais proibidos pela censura. A Revista deveria encaminhar-se

para a pura sensualidade, e distanciar-se de qualquer atitude à crítica realidade

imediata. Com isso, o riso descolado do real se une ao elemento mais sexual, e a

Revista perde público e espaço diante de outro momento da história da cena

brasileira.

3.2 Dramaturgia e Texto Cênico de Zylda: Anunciou, é Apoteose!

Estreado em 21 de setembro de 2010, no Teatro Pedro Ivo, Florianópolis –

SC, o trabalho Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) foi criado a partir das disciplinas

de Montagem Teatral I e II, da 5ª e 6ª fase do curso de Licenciatura e Bacharelado

em Teatro do CEART/UDESC, com a professora Vera Collaço e o professor José

Ronaldo Faleiro6. O texto de Zylda resultou de colagem de vários textos de

espetáculos revisteiros, em que a atriz Aracy Cortes participou.

6 Ficha Técnica de Zylda, fonte: Programa do espetáculo: Direção Geral: Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro. Elenco Feminino: Aline Porto Quites, Ana Paula Beling, Camila Peterson, Carin Dell’Antônio, Caroline Dalprá, Caroline Janning, Cristina Sanches, Elisa Schmidt, Gabriela Leite,

Page 23: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

23

É importante destacar que, no dizer dos participantes,

[p]rocuramos, com Zylda, construir um texto e um espetáculo que possa repercutir nas plateias atuais, e ao mesmo tempo apresentar a esse público um gênero que praticamente desapareceu da cena brasileira a partir da década de 1960. Observamos que não estamos fazendo um “resgate” histórico de um gênero desaparecido de nossos palcos, e sim, acompanhando uma tendência que desponta, nos últimos tempos, no teatro brasileiro, que é a de voltar-se para o “musical”. Dessa forma, a “Revista” — por sua irreverência, pela ligadura de um texto inteligente bem-humorado, pela capacidade de interligar a música, a dança e o teatro, o sério e o cômico, o lúdico e o paródico — mostrou ser um excelente caminho para recolocar na cena a musicalidade, tão viva em nossa cultura (Programa Zylda, 2010).

Há dois atos e 21 quadros no espetáculo Zylda (2010); intercalam cenas

cômicas, música e dança. Nessa estrutura, é possível perceber, em cena, a “’ginga’

brasileira, o carnaval e o samba, numa exaltação, ‘quase ingênua’, do país, de seus

valores e de sua história, tais quais eram constituídas as ‘revistas’ no seu auge

histórico, ou seja, nas décadas de 1920 a 1940” (Programa Zylda, 2010).

3.3. Revistar Zylda: Anunciou, é Apoteose!

A escolha do gênero Teatro de Revista foi resultante do estudo dessa

linguagem como projeto de pesquisa da Profa. Dra. Vera Collaço. Quando estava no

Doutorado, de 2000 a 2004, fazendo pesquisas de campo, descobriu que na década

de 1920, em Florianópolis – SC, houve uma produção bem relevante de Teatro de

Revista. Contudo, como o tema do Doutorado era sobre a União Operária (UBRO),

não poderia focar no Teatro de Revista. Em 2005, portanto, retomou a pesquisa de

Teatro de Revista em Florianópolis.

Joana Brandenburg, Juliana Riechel, Margarida Baird, Monique Rosa, Vivian Coronato. Elenco Masculino: Anderson Barbarotti, Anderson Luiz do Carmo, Diego de Medeiros, Helder Ramos, Oto Henrique, Pedro Coimbra, Rangel Corrêa. Atriz Convidada: Margarida Baird. Dramaturgia: Vívian Coronato, Vera Collaço e Anderson Luiz do Carmo. Iluminação: Ivo Godois. Cenógrafo: Fernando Marés. Figurino: Adriana Cardoso Pereira. Coreografias: Sandra Meyer. Coreografias de Dança de Salão: Diego de Medeiros Pereira. Coreografia do Sapateado: Bia Mattar. Coreografia e apoio de danças Afro-Brasileiras: Adelice Braga (Nega). Coreografias e Ensaios: Elisa Schmidt. Direção Musical: Joana de Lazari. Produção e Execução Musical: Neto Fernandes. Preparação Vocal: Fernanda Rosa e Ana Paula Beling. Sonoplastia: Luana Mara. Preparação Corporal: Fátima Wachowicz, Elisa Schmidt, Pedro Coimbra, Luana Mara, Carin Dell’Antonio, Aline Porto Quites. Material Gráfico: Camila Mayer Petersen. Assistente de Direção e Monitoria: Elisa Schmidt. Produção: Carol Dalprá.

Page 24: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

24

Em relação ao espetáculo Zylda, Vera Collaço observou, na entrevista

(2015),7 que não pensava, na época (2009), em dirigir um espetáculo, mas foi

convidada pelos acadêmicos para assumir a disciplina de Montagem Teatral I e II

em 2010. Brincou dizendo que aceitava se fosse um espetáculo de Teatro de

Revista, e eles toparam o desafio. Decidido isto, agora era a etapa de construir um

texto revisteiro, pois não há texto pronto de Teatro de Revista Clássica que sirva

para montar na contemporaneidade, eles são datados, disse Vera Collaço (2015).

Ela observou ainda que desejava criar um espetáculo para homenagear uma grande

atriz revisteira, além de querer fazer uma homenagem a uma grande atriz carioca,

que, desde 1983, mora em Florianópolis, a Margarida Baird, esposa do José Faleiro.

Assim, juntou as duas situações.

Fizeram uma colagem dos textos em que a Aracy Cortes (Zilda Espindola)

trabalhou; e a Margarida Baird interpretou a Aracy Cortes na idade avançada. O

texto foi criado a partir de um núcleo dramatúrgico com três colaboradores – Vera

Collaço, Vivian Coronato e Anderson Luís do Carmo –, que reunia as partes dos

textos a serem selecionados, somados com uma pequena biografia da Zylda, mas

não construído de modo sequencial.

No texto, foram inseridos alguns momentos interessantes e/ou anedóticos da

trajetória pessoal e artística de Aracy Cortes. Ou seja, “Aracy Cortes é nossa

homenageada, ela não se constituiu no objeto do texto, nem mesmo como tênue fio

de enredo” (COLLAÇO, 2015). Mas os autores trouxeram para a cena os quadros,

músicas ou momentos de dança – maxixe, samba, tango, etc. – que constaram nos

espetáculos encenados por Aracy Cortes. Com este trabalho, foram postos em cena

uma peça revisteira, mas que não procura reconstituir uma história do Teatro de

Revista, e sim colocar em cena, nos dias atuais, um espetáculo de Revista. Ou seja,

permitir que o público atual venha a conhecer um espetáculo de Teatro de Revista.

“O trabalho foi plural, fantástico nesse sentido” (COLLAÇO, 2015). Os atores

tiveram que adquirir uma gama de conhecimentos, com diversos eixos: canto,

sapateado, clown, linguagem do Teatro de Revista – trouxeram a Neyde Veneziano,

maior pesquisadora do assunto no Brasil, para dar um curso a eles – e dançar em

conjunto. O trabalho foi plural, no sentido de que pesquisadores de cada eixo foram

7 Vera Collaço. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 13 de abril de 2015, no Centro de Artes/UDESC.

Page 25: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

25

convidados a realizar workshops e exercícios a fim de que os atores pudessem

conhecer melhor a linha artística do Teatro de Revista. Havia núcleos de figurino,

cenário, dramaturgia, iluminação... E, apesar de ter um profissional especializado em

cada núcleo, os acadêmicos também participavam desses processos.

O cronograma, devido às muitas atividades extras, foi apertado; quase todos

os dias, havia ensaio, o qual não parava devido a atrasos ou a faltas de atores.

Como a Revista possui uma estrutura fragmentada, existia a possibilidade de se

ensaiar as cenas avulsas, com os atores que estavam presentes. Mas, como

qualquer montagem cênica, há sempre desavenças e situações conflituosas; ainda

mais com um elenco tão grande. Depois de cada ensaio, o grupo se reunia para

realizar o balanço do dia: pontos negativos e positivos. Era nesse instante que o

grupo dava a sua opinião, e tanto a Vera Collaço quanto o José Faleiro, escutavam

para depois dar a palavra final. Zylda “é um processo de montagem com

colaboração e direção” (COLLAÇO, 2015).

Em relação às divisões de direção, José Faleiro focou na interpretação e na

musicalidade: intenção, pausa, ritmo, afinação. Já Vera Collaço tomou a frente da

concepção de personagens, de cenas, do espetáculo como um todo. Mas, os dois

se sentiam à vontade para interferir e sugerir modificações; não era uma divisão

rígida. “O Faleiro é um gentleman [...] A gente conseguiu atuar como se fosse um só

[...] e funcionou” (COLLAÇO, 2015).

Sobre o orçamento, foi um espetáculo caro, com uma equipe grande. Custou,

na época, R$ 70.000,00 (setenta mil reais). A UDESC forneceu R$ 6.000,00 (seis mil

reais) para a realização da peça, com as duas turmas juntas. Caso o José Faleiro e

a Vera Collaço decidissem, cada um realizar uma montagem, a ajuda financeira

cairia pela metade, R$ 3.000,00 (três mil reais). Para atingir o orçamento, os alunos

organizaram várias festas, venda de bolos, pedágio, rifas; além de projetos,

elaborados por Vera Collaço, com a finalidade de conseguir recursos no ensino, na

pesquisa e extensão do CEART/UDESC. O Departamento de Artes Cênicas (DAC)

pagou as passagens, hospedagens e cachês dos pesquisadores e professores que

auxiliaram durante o processo de montagem.

A construção da peça Zylda começou pelo nome. Alguns acadêmicos, na

época, estavam trabalhando com numerologia e focaram-se na escolha do nome, a

partir de cálculos. Chegaram à conclusão de que Zylda: Anunciou, é Apoteose! seria

sucesso. Todo mundo aprovou. Todos se responsabilizaram pelo processo, foi um

Page 26: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

26

trabalho árduo. A peça possibilitou o intercâmbio entre os cursos de Teatro e Moda

da UDESC. A figurinista, Adriana Cardoso Pereira, realizou o seu Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC)8 sobre os figurinos para o espetáculo e, Vera Collaço,

como orientadora da acadêmica, convidou-a para confeccionar o figurino de Zylda.

Adriana Cardoso Pereira foi a responsável pela elaboração do primeiro figurino do

espetáculo, em 2010, bem como por sua atualização no final de 2010 e início de

2011.

Sobre o trabalho com os atores, Collaço (2015) comentou que havia

exercícios essenciais para a construção do Teatro de Revista, como a triangulação:

dialogar com o parceiro, mas sem perder o contato da plateia. “É complexo, pois

temos a tendência à representação realista” (COLLAÇO, 2015). Na Revista, o ator

namora com o público, exibe-se o tempo todo para a plateia. Eu me mostro. Outra

vertente bastante trabalhada foi a linguagem do clown: entregar o papel, fazer a

improvisação e devolver para o outro, equilíbrio do corpo, jogar, gestos contidos e

abertos, contenção e domínio do palco. Este trabalho foi elaborado a partir de uma

oficina realizada por Débora Matos9. Além disso, houve quatro acadêmicos do

Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT) que realizaram seu Estágio

Docência na montagem de Zylda. Com isso, colocaram em prática suas pesquisas

no trabalho do ator cômico ou aprofundaram a presença cênica do elenco do

trabalho.10

Ainda com relação ao trabalho cênico, Vera Collaço (2015) revelou, na

entrevista, as dificuldades internas do processo de trabalho: “No teatro, [a divisão

das personagens] é sempre a parte mais melindrosa. [...] O ator começa um trabalho

e já quer um papel, uma personagem”. Já se sabia que a Margarida Baird faria o

papel de Zylda na idade adulta, mas existiam outras Zyldas em diferentes etapas da

vida. Durante o processo, foram feitas algumas experiências vocais. Ali se percebeu

quem tinha condições de cantar solo ou não. Além disso, outros experimentos

8 Adriana Cardoso Pereira. Figurino para Teatro de Revista: uma experiência com Zylda: o feitiço moreno! Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Centro de Artes, 2010. Observo que o nome do trabalho refletia um dos primeiros do espetáculo, pois o TCC foi defendido no primeiro semestre, antes da elaboração definitiva do nome do trabalho. 9 Débora Matos é formada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro pelo CEART/UDESC e integrante da Traço Cia. De Teatro. 10 Do projeto da Montagem de Zylda se sabe que esse trabalho foi realizado pelos mestrandos Gilmar Rodrigues de Lima, Larissa Gonzales, Lisa Brito e pela doutoranda Cláudia Sachs. O Estágio Docência é uma atividade que os Cursos de Mestrado em Teatro exigem de seus acadêmicos como um aprendizado necessário para sua futura atuação profissional.

Page 27: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

27

artísticos, como o sapateado e o ritmo, foram realizados. “Têm coisas que a gente

descobre experimentando, outras tu olhas para o ator e já vê a personagem [...] e

outras, negociando. Tu machucas um pouco o ego, porque a pessoa queria a

personagem” (COLLAÇO, 2015). Em geral, todos os acadêmicos continuaram no

processo até o final da disciplina. No ano seguinte, 2011, quando decidiram

continuar o processo, apresentando em Santa Catarina, alguns atores saíram do

trabalho, devido a outros projetos de vida.

Por fim, como último tópico explorado, discutimos, na entrevista, sobre o

gênero Musical, e, em específico, sobre o Teatro de Revista e a sua reverberação

tanto na academia quanto no seu auge histórico. “No meio acadêmico, há um certo

bico torto para o Teatro de Revista, evidente. Ele é considerado um teatro comercial

puro. E ele era um teatro comercial. Os atores viviam do teatro” (COLLAÇO, 2015).

E trabalhava muito com a ironia, o deboche, mas com muita malícia. Então, isso

tende a ser negativado para a academia. Ao contrário, o público geral se deleitou.

Tiveram que fechar as portas do Teatro Álvaro de Carvalho (TAC) e deixar fila de

público de fora, devido à lotação da casa. Por esse motivo, Vera Collaço afirma que

houve dois públicos: o acadêmico e o geral. Na academia, os alunos se envolveram

muito. E fora, o público. Havia um preconceito estampado na academia, por mais

que o espetáculo tenha tido ótimas críticas escritas. Foi um trabalho rico, e um

momento único no CEART. Esse processo permitiu, aos acadêmicos envolvidos,

conhecer e levar à cena um espetáculo de um gênero que encantou as plateias

brasileiras do final do século XIX até a década de 1960. Portanto, foi um estudo

prático sobre um processo cênico quase desconhecido dos atuais estudiosos do

teatro brasileiro, bem como das plateias que hoje frequentam nossos teatros.

Page 28: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

28

Imagem n. 03 – Apresentação do espetáculo Zylda: Anunciou, é Apoteose! no TAC, 2011. Foto: Fernando Gonzales Breda. Acervo particular de Vera Collaço.

Page 29: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

29

4 O TEATRO DE RESISTÊNCIA REVERBERANDO EM SONGS

CONTEMPORÂNEOS

Neste capítulo, realizo uma explanação sobre o espetáculo Musical $em

Vintén$ (2014), com direção de Diego de Medeiros, criado nas disciplinas de

Montagem Teatral I e II, do curso de Licenciatura em Teatro do CEART/UDESC. O

Musical é uma adaptação de A Ópera dos Três Vinténs (1928) de Bertolt Brecht. Em

Ensaio Fotográfico de Espetáculos, uma seção da revista Urdimento (nº 23, 2014),

Diego de Medeiros comenta, a respeito da obra de referência, que

A ópera dos três vinténs é uma revolucionária peça de teatro musical do dramaturgo alemão Bertolt Brecht com música do compositor Kurt Weill. Estreou em 31 de agosto de 1928 no Theater am Schiffbauerdamm, em Berlim. A peça é uma adaptação da ópera musical The Beggar’s Opera, de John Gay, e inspirou a Ópera do Malandro, filme dirigido por Ruy Guerra, e peça, com música de Chico Buarque. A tragicomédia musical em três atos trata de temas como corrupção, pobreza e injustiça social. Enquanto para John Gay bastara criticar e ridicularizar os poderosos por meio de seu teatro, na Berlim da década de 1920 os autores, de convicção marxista, tinham a esperança de conscientizar e revolucionar a sociedade. Brecht criticava as disparidades sociais da sua época, o palco deveria refletir a vida real e o público deveria ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir sobre suas condições de vida (Urdimento, nº 23, 2014).

4.1 Conceito de Ópera Brechtiana

Conceituar a Ópera de Brecht é um desafio a qualquer estudioso. Isso porque

não é simplesmente uma crítica às óperas wagnerianas e ao efeito inebriante da

música; vai além disso. Brecht propôs uma reforma na Ópera Tradicional, porque

não concordava com a arte elitista, e afirmava que a ópera parou no tempo, não

acompanhou o avanço das artes.

A ópera épica (brechtiana) é o contrário da proposta da Obra de Arte Total de

Richard Wagner. A ópera wagneriana propunha a junção de todas as artes,

enquanto a ópera brechtiana era a favor da separação das artes. Não no sentido de

que uma devia sobrepor a outra e sim, que todas elas deviam ter o seu espaço na

obra. Por exemplo,

Page 30: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

30

[e]nquanto as teorias de Rousseau, Gluck e Wagner convergiam na “fusão de elementos” inerente à Obra de Arte Total, que devia tornar efectiva a “ilusão perfeita”, no teatro musical de Brecht e Weill a desconstrucção da ilusão era baseada na “separação de elementos”, assumindo uma posição didáctica e quebrando a unidade dramática (FERNANDES, 2004, s/p).

Para se chegar no objetivo de romper com a unidade dramática do texto e

com o efeito catártico11, Brecht propõe o princípio de distanciamento: revelar os

artifícios da construção cênica, quebrar com as técnicas “ilusionistas” e transformar a

“atitude aprovadora do espectador, baseada na identificação, numa atitude crítica”

(BRECHT, 1978, p. 42). “É contra esse ‘teatro culinário e digestivo’ [que depois da

peça vai tomar um chá] que Brecht se volta” (ROSENFELD, 2009, p. 302).

“Dificilmente haverá algo mais característico para Brecht – sendo um

pensador dialético – que a sua convicção de que a música haveria de fazer parte

intrínseca de sua produção literária” (BETZ, 1987, p. 65). Brecht nomeou o seu

procedimento musical como song com a intenção de o diferenciar do canto

harmonioso, da conexão com o estado emocional da ópera ou da comédia musical.

“O song é um recurso de distanciamento [para interromper a ação], um poema

paródico e grotesco, de ritmo sincopado, cujo texto é mais falado ou salmodiado que

cantado” (PAVIS, 2011, p. 367). A música, portanto, deve ser mais falada, com uma

dicção perfeita, do que cantada. Assim, facilita a compreensão do texto, ao mesmo

tempo em que revela um comportamento.

A ópera de Brecht pode ser chamada de Ópera Didática, devido aos

conceitos de teatro didático que permeiam as óperas brechtianas. Ou seja, os dois

gêneros brechtianos instruem o público e geram reflexões a partir dos temas sociais,

políticos e econômicos suscitados nas peças.

Brecht, em relação à atuação, declara que o ator não deve estar dentro da

personagem e sim, fazer uma espécie de relato da experiência da personagem ao

público. Por isso, os atores brechtianos se dirigem diretamente ao espectador e não

como uma fonte ilusória. Ao cantar, o ator deve mostrar que está cantando, seja por

instrumentos vistos em cena ou por uma alteração no Gestus12. “Estritamente

proibido é passar do nível da fala para o do canto como se nada tivesse acontecido,

11 Conceito que vem da Poética de Aristóteles, provocar o reconhecimento do espectador perante a

personagem e a purgação das paixões por meio do terror e da piedade. 12 “O Gestus [Brechtiano] se compõe de um simples movimento de uma pessoa diante de outra”. É a

atitude para com o outro (PAVIS, 2011 p. 187).

Page 31: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

31

à maneira do que acontece na opereta e no Musical hollywoodiano” (BORNHEIM,

1992, p. 180-181). Brecht propunha que o canto fosse realizado por atores e não por

cantores, pois rejeita músicas harmoniosas.

4.2 Dramaturgia e Texto Cênico de $em Vintén$

A peça $em Vintén$ (2014) foi criada a partir das disciplinas de Montagem

Teatral I e II, da 5ª e 6ª fases do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC, com o

professor Diego de Medeiros. A estreia ocorreu em 26 de setembro de 2014, no

Espaço II do CEART/UDESC. Como foi dito anteriormente, nessas disciplinas, o

professor se torna diretor dos acadêmicos13. A peça é uma adaptação de Ópera dos

Três Vinténs (1928) de Bertolt Brecht.

A história acontece em Soho, Inglaterra, assim como na obra original.

Macheath, ou “Mac Navalha”, é o que chamamos de anti-herói. Movido pela

vingança e pela malandragem, faz justiça com as próprias mãos. É um ladrão

cercado de prostitutas e vigaristas. Já casado com Lucy, filha de Tiger Brown (chefe

da polícia), Mac “casa-se” secretamente com Polly, filha de Peachum, rei dos

Mendigos – dono da casa de negócios “O Amigo do Mendigo”, loja para organizar,

vestir e lucrar em cima dos mendigos e deficientes. Peachum não aceita o

casamento da filha e planeja a prisão de Mac Navalha, mas Tiger Brown não quer

prendê-lo, por ter um acordo de “fechar os olhos” perante os crimes cometidos por

Mac. Ameaçado por Peachum, Brown ordena a prisão de Mac, mas antes pede a ele

que fuja. Mac rejeita a ideia, vai ao bordel e é traído, duas vezes, pelas prostitutas.

Após ser capturado pela segunda vez, é ordenado que seja executado. Já com a

corda no pescoço, escapa da morte com uma espécie de deus ex machina moderno:

recebe perdão real, mas deve se retirar para uma casa de campo e com uma

pensão de dez mil libras por mês.

É válido destacar que

13 As personagens estão distribuídas da seguinte forma: Alisson Feuser (Tiger Brow); Ananda

Scaravelli (Lucy Brown); Audrei Hüllen (Polly Peachum); Camila Harger (Encrenqueira); Clara Oliveira (Molly); Dilmon Nunes Filho (Jacob); Felipe Schaitel (Matthias), Fernanda Neves (Betty); Gabriel Velasques (Robert e Arauto), Giancarlo Altafini (Guarda Smith); Iarima Castro Alves (Filch – Narrador); Lucas Dalbem (Jonathan Peachum); Mariana Dorigati (Célia Peachum); Priscila Couto (Dolly); Rodrigo Rezende (Mac Navalha); Thaís Putti (Jenny Espelunca). E os músicos da banda são: Luca Atílio (bateria); Paulo Rodriguez (guitarra); Pedro Torres (piano); Renan Tavares (violino).

Page 32: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

32

[n]o espetáculo, com duração de 90 [(noventa)] minutos, nenhum personagem é inocente, todos desejam o poder. Assaltantes, prostitutas e mendigos, alimentam a corrupção e as relações de dominação que são as molas propulsoras das situações que tornam essa montagem, uma denúncia crítica e atual da sociedade contemporânea (MEDEIROS, 2014)14

Isso nos leva a crer que cada personagem é complexa; não é totalmente má

ou boa. Ou melhor, não se caracteriza por essas qualidades e sim, pela falta de

caráter e ética. Todas as personagens agem de acordo com o sucesso de seus

interesses políticos e sociais. O amor, como um sentimento puro, é ironizado pelo

falso romance do triângulo Polly, Mac e Lucy.

4.3 Dialogar com $em Vintén$

Diego de Medeiros, diretor de $em Vintén$, pela experiência com canto,

dança e teatro, optou por unir essas linguagens num espetáculo Musical. Na época

de graduação, estudou Brecht e se interessou pelas suas peças didáticas e, defende

que, “o teatro tem que ser ao mesmo tempo político e divertido” (MEDEIROS,

2015).15 Além disso, afirma que Brecht vê que a música possibilita uma grande

afinidade com o público, torna-se popular. Por esse motivo, Diego de Medeiros

optou por encenar A Ópera dos Três Vinténs (1928) de Bertolt Brecht.

Um ponto interessante a destacar é que, nos próprios encenadores do Teatro

Musical, existe certo receio em encenar peças estadunidenses, com inspirações na

Broadway. Por exemplo, o diretor declara que:

[...] me interessava que fosse um texto, não queria fazer adaptação de filme, ou trazer qualquer espetáculo que fosse Hollywoodiano, porque acho que a gente tem, na história do Teatro, material suficiente para trabalhar. Então por isso também optei pelo Brecht, porque já conhecia da graduação, por trabalhar numa das cenas em Interpretação. E sempre falei que um dia iria montar essa peça e, quando surgiu a oportunidade de montar, estava ali tudo o que queria: musical, trabalhar com um tema que seja político e, ao mesmo tempo, divertido (MEDEIROS, 2015).

14 Esse comentário de Diego de Medeiros está publicado no “Ensaio Fotográfico de Espetáculos”, uma seção da revista Urdimento. Publicado nesta revista, no v. 2, n. 23, de dezembro de 2014, p. 264. 15 Diego de Medeiros. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath em 24 de abril de 2015, no Centro de Artes - UDESC.

Page 33: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

33

A fala acima aponta para dificuldades, as quais aparecem na academia, em

lidar com trabalhos que se pautam por outras fontes que não o próprio teatro, bem

como no trabalho teatral que se desenvolve junto ao sistema comercial. Diante desta

perspectiva me questiono: Os Musicais Broadway não fazem parte da história

teatral? É simplesmente considerado um teatro de mercado? Nos Musicais

Broadway há crítica política e social?

Diego de Medeiros já havia afirmado aos acadêmicos, em 2013, que

assumiria a Disciplina de Montagem Teatral e sobre o seu interesse em encenar

uma adaptação de A Ópera de Três Vinténs (1928). Por esse motivo, no ano

seguinte, ele pôde apresentar a adaptação dramatúrgica pronta, agilizando o

trabalho de montagem. Cortou cenas e adaptou o número de personagens ao de

integrantes da turma. No início do ano letivo de 2014, os acadêmicos, juntamente

com Diego, analisaram as músicas traduzidas para o português, e algumas foram

traduzidas a partir do inglês.

Assim, como normalmente ocorre nas disciplinas de Montagem I e II e Prática

de Direção Teatral I e II, o processo de $em Vintén$ foi dividido em dois semestres.

No primeiro semestre de 2014, a disciplina era oferecida em dois dias na semana.

Num dia, a primeira parte do ensaio era dedicada ao trabalho vocal com Patrick

Cavalheiro, acadêmico do curso de Música do CEART/UDESC. E, no outro dia, a

primeira parte do ensaio era a preparação corporal com Mhirley Miliauskis,

mestranda do PPGT/CEART. O trabalho dela era focado no corpo fragmentado, na

expansão corporal, na unidade do grupo. Já a coreografia era trabalhada nos dois

dias da semana pelo diretor Diego de Medeiros. Os ensaios começaram a partir da

coreografia, porque interessava ao diretor que elas estivessem sincronizadas. Como

a maioria não tinha treinamento de bailarino, houve necessidade de mais tempo

para aprender as coreografias e “limpá-las”, informa Medeiros (2015).

Sobre o trabalho com o elenco, Diego de Medeiros (2015) informa que teve

um mês para improvisar as personagens, a fim de procurar as características físicas,

pensar na máscara tipológica e nos tipos sociais. “Que corpo sustenta esse tipo”?

Essa foi uma das perguntas que suscitou a construção das personagens. Na

exploração, cada ator ficou livre para escolher qual personagem lhe interessava. Na

improvisação, o grupo escolheu que ator faria tal personagem; foi uma escolha

humilde, em geral. Dentro das potencialidades, o diretor foi direcionando para as

personagens. Cabe destacar que a construção foi feita a partir dos grandes tipos,

Page 34: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

34

como o rico, o mendigo e o malandro, a fim de fornecer o suporte necessário para a

elaboração das personagens.

Diego de Medeiros, ao escolher A Ópera dos Três Vinténs (1928), pesquisou

sobre as diferentes encenações dessa ópera, e procurou perceber os procedimentos

estéticos desenvolvidos pelos diferentes diretores. Assim, o diretor se sentiu livre

para conceber uma proposta visual que impactasse o público, e, procurou no

movimento punk, de contracultura. O visual ficou marcado pelo jeans rasgado, spike,

cabelos espetados, maquiagem carregada, cores escuras como o vermelho e o

preto, além da iluminação em penumbra. A ideia do punk trouxe, para a cena, o

conflito abordado na contracultura, ou seja, dos indivíduos que não se encaixam na

hierarquia da sociedade.

Quando questionado por mim sobre a adaptação de uma ópera para um

canto rock, Diego afirmou que não foi exatamente uma adaptação de uma ópera,

porque a própria peça de referência não é ópera. Segundo de Medeiros (2015), “A

Ópera dos Três Vinténs já é uma crítica à ópera, então não seria um gênero

operístico”. Neste ponto, sinto-me livre para questionar esse argumento. Conforme

foi exposto no início do capítulo, a ópera de Brecht é sim, uma ópera. Diverge da

ópera wagneriana, ou da italiana, conhecida por todos, mas é uma Ópera em que o

pesquisador teatral alemão, Bertolt Brecht, traça sua própria linguagem e

característica, explicitadas anteriormente.

Page 35: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

35

Em relação às facilidades de se apresentar num meio acadêmico, Diego de

Medeiros apontou a infraestrutura, a garantia de um espaço para ensaio. Sem

precisar recorrer aos espaços de teatro da cidade, há um local próprio, sem a

necessidade de aluguel. Como foi dito anteriormente, nas disciplinas de Montagem

Teatral I e II, há uma pequena verba para auxiliar no figurino da peça. Além disso,

existe a possibilidade de trabalhar com profissionais do CEART – estudantes de

Música, Design, Artes Visuais e de Moda – para auxiliar no material gráfico, no

cenário, no figurino e na música, bem como com alunos do curso de Mestrado e

Doutorado em Teatro do PPGT/CEART que podem auxiliar no trabalho do ator e da

cena.

Já as dificuldades, segundo Medeiros (2015), misturam-se com o meio

acadêmico, no sentido de dosar tanto a função de professor, quanto de diretor; o

ator chegar atrasado, faltas sem avisos prévios, a possibilidade de poder faltar 25%

da aula, com a desculpa de que é uma disciplina acadêmica. “É diferente de um

processo profissional, em que a falta sem justificativa não é admitida” (MEDEIROS,

2015). Além da falta de recurso, saber lidar com o jogo de cintura, por não poder

cobrar prazos da parceria.

Um desafio é

Imagem n. 04 – $em Vintén$ (2014). Direção: Diego de Medeiros. Elenco (da esquerda para a direita): Gabriel Velasques (Robert), Rodrigo Rezende (Mac Navalha), Audrei Hüllen (Polly Peachum), Felipe Schaitel (Matthias) e Dilmon Nunes Filho (Jacob). Foto: Cristiano Prim. Fonte: Urdimento, nº 23, v. 2. 2014, p. 268.

Page 36: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

36

[...] estar preparado e preparar os atores, porque as pessoas vão olhar para uma cor do figurino e vão traçar um estudo filosófico sobre o porquê você escolheu aquela cor. Acredito que o diretor deve ter toda essa dimensão, mas eu como diretor iniciante não tenho dimensão de todos os códigos e todas as possibilidades que são apresentados em cena. [...] Saber que não vai agradar a todas as pessoas e que não vão concordar com todas essas escolhas (MEDEIROS, 2015).

O jovem diretor, como se auto define Medeiros, comentou em entrevista o

pouco retorno crítico do trabalho apresentado: “Se ele foi bem aceito ou pouco

aceito, a gente nunca sabe direito. Porque poucas pessoas vêm conversar com você

de maneira a querer, de fato, contribuir com o trabalho”. Na unidade, Departamento

de Artes Cênicas do CEART, poucos professores deram retorno sobre o espetáculo.

Como fazia parte do projeto sair de Florianópolis e levar o espetáculo para

fora da universidade, conseguiram parcerias com as prefeituras de seis cidades de

Santa Catarina: Rio do Sul, Concórdia, Lages, Caçador, Tubarão e Criciúma. Diego

de Medeiros brincava com o elenco que agora encontrariam o público que não está

ali, necessariamente, para julgar e sim para apreciar o espetáculo. Por meio de

debates após as apresentações, o público contextualizava a peça no atual momento

político. “É muito mais prazeroso apresentar fora daqui [do meio acadêmico]”,

comentou com prazer Medeiros (2015).

Diferentemente do processo de Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) e Mestre

Contini (2014), $em Vintén$ (2014) não ficou conhecido pela estética de Teatro

Musical. Por ser uma montagem de Brecht, o gênero musical não suscitou tanto

preconceito quanto nas outras duas obras citadas. Segundo Medeiros (2015), a

crítica se pautou, essencialmente, sobre as realizações da peça no contexto

brechtiano.

Page 37: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

37

5 ADAPTAÇÕES TEATRAIS A PARTIR DE MUSICAIS FÍLMICOS

Diretor – Ação! Manequim 1 – O cargo que você exerce é muito valorizado. Manequim 2 - Dirigir filmes. Ser diretor. “Sim”, “não” e tudo se resolve. Diretor – Dirigir é muito simples. No resultado, a resposta não tem mais importância. Manequim 3 – Então... Sim ou não? Manequim 4 – Quais são as personagens deste filme? Manequim 5 – E temática? Diretor – Logo saberei. Manequim 6 – Qual o meu papel? (Tumulto entre os Manequins para saber o que serão). Manequins – (sussurros aglomerados) O que eu serei? E eu? E ela? E todos nós? Diretor – Não há saída de emergência?

(Cena inicial de Mestre Contini, 2014).

O Musical Mestre Contini retrata um jovem diretor famoso, na casa dos 25

anos de idade. Depois de uma carreira pródiga, a angústia por trás das expectativas

de mais um filme de sucesso parece ser inevitável. Contini sofre de um bloqueio

criativo, o qual compromete o seu novo filme. E, sem que perceba, tudo parece

desmoronar ao seu redor: seus tormentos, suas mentiras e suas inspirações.

5.1 Conceito de Adaptação de Filme para o Palco

Encontramos muitas peças Musicais adaptadas ou com inspirações em

filmes. Apenas no CEART/UDESC, posso citar duas: Chicago/All that Jazz (2013),

com direção de Ana Luiza Koerich e Marina Soares e o Musical em estudo Mestre

Contini (2014), com direção de Giseli Balestreri, minha, Maria Luisa Porath, e Tatiani

Borga, ambos resultados da disciplina de Prática de Direção Teatral I e II.

Entretanto, ao buscar fontes bibliográficas para embasar o estudo deste capítulo de

TCC, senti um vazio teórico. O número de pesquisas é inversamente proporcional ao

de adaptações teatrais a partir de Musicais Fílmicos.

O que se encontra são textos sobre a adaptação do palco para a tela e não o

contrário. A única fonte confiável a qual tive acesso é o livro A cena em Ensaios de

Béatrice Picon-Vallin (2008). E ainda, apenas pequenos trechos abordam o tema.

Page 38: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

38

Assim, procuro estabelecer alguns parâmetros desse procedimento a partir de

estudos de Patrice Pavis (2011) e de Picon-Vallin (2008).

A adaptação é a

[t]ransposição ou transformação de uma obra, de um gênero em outro [...]. A adaptação [...] tem por objeto os conteúdos narrativos (a narrativa, a fábula) que são mantidos (mais ou menos fielmente, com diferenças às vezes consideráveis), enquanto a estrutura discursiva conhece uma transformação radical, principalmente pelo fato da passagem a um dispositivo de enunciação inteiramente diferente. (PAVIS, p. 10, 2011)

Para Mestre Contini (2014), utilizamos a adaptação da linguagem fílmica para

a de palco. Porém, ao fazer uso da narrativa, experimentamos a releitura16. Para o

nosso trabalho, o procedimento de releitura traria uma liberdade textual maior que o

de adaptação. O nosso objetivo era nos afastarmos do filme, a fim de criarmos uma

peça inteiramente nova, tendo como inspiração Nine (2009). Desse modo, alteramos

as personagens, as características, as músicas e o objetivo central.

Quando o cinema surgiu, o teatro ainda fazia uso do “teatro filmado”.

Contudo, com a evolução da sétima arte, filmar teatro tornou-se uma atividade

depreciativa. Aos poucos, “o olhar do público e dos criadores de teatro foi

modificado, refinado pela fotografia e pelo filme, exercitado por imagens claras,

precisas ou fora de foco, pela alternância rápida de planos de diferentes tipos”

(PICON-VALLIN, p. 158 2008).

Por que não fazer uso das duas linguagens artísticas para enriquecer ambos

os trabalhos? Por que apenas a adaptação do teatro para a tela parecia ser

possível? Por que não fazer o contrário: das telas para o palco? “O cinema pode

assim tornar-se, por sua vez, ‘uma partitura’, um texto para o palco que tenta se

reapropriar dos filmes-cult” (PICON-VALLIN, p. 159, 2008).

Hoje, teatro e cinema se confundem, misturam-se as fronteiras e criam,

assim, novas possibilidades artísticas. “Jovens diretores de teatro se confessam

‘cineastas frustrados’, diretores de cinema falam de suas ‘vontades reprimidas’ de

teatro” (PICON-VALLIN, p. 160, 2008). Aproveitar o melhor de cada arte e criar a

16 “Reler é ler novamente, é reinterpretar, é criar novos significados” (PILLAR, 2003, p. 18). Na

releitura, portanto, busca-se uma nova criação, a partir de um referencial. Numa mesma obra de arte, podem surgir diversas releituras, pois cada leitura é única, pessoal.

Page 39: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

39

sua própria visão espetacular ou fílmica pode vir a ser o objetivo de cada diretor de

teatro e/ou de cinema.

Em Mestre Contini (2014), ao utilizarmos, no segundo semestre de 2014, o

palco arena, fizemos uso de recursos cinematográficos para complementar a nossa

peça. Como o espetáculo se refere a um jovem diretor de cinema, criamos uma

espécie de metalinguagem: referências a planos, cortes e ângulos. O palco arena

suscita visões variáveis de uma mesma cena, a valorização do movimento corporal e

a crítica às técnicas tradicionais do teatro. Isso se tornou possível, para o processo

do Mestre Contini (2014), ao aliarmos a distância que o cinema propõe.

5.2 O Processo de Mestre Contini

No ano de 2014, nas 7ª e 8ª fases do curso de Licenciatura e Bacharelado na

UDESC, temos as disciplinas Prática de Direção Teatral I e II, nas quais os alunos

dirigem uma peça à sua escolha. O ano de 2013 foi decisivo para a minha área de

estudo, pois realizei o curso de Teatro Musical na antiga escola Art Estúdio, em

Florianópolis. Por esse motivo, sabia qual seria o gênero que desejava trabalhar em

minha encenação: Teatro Musical. Mas dentro da linguagem Musical, existem

diversas estéticas. Qual escolher? Acredito que a escolha esteja diretamente

relacionada ao fato de ter assistido ao filme Nine (2009) de Rob Marshall, um

Musical que retrata o bloqueio criativo do diretor Guido Contini. Ali, encantei-me com

a história, com as músicas e com o que a dramaturgia poderia nos oferecer. A

escolha do gênero e, consequentemente, da peça se confirmou quando convidei

minhas duas amigas, Giseli Balestreri e Tatiani Borga, para serem minhas

companheiras nesse desafio. Na reunião com as minhas colegas, ficou decidido

então que faríamos uma releitura desse filme.

O processo de Mestre Contini, por fazer parte de uma disciplina acadêmica,

foi dividido em três períodos: primeiro e segundo semestre de 2014 e primeiro

semestre de 2015. Os dois primeiros retratam a peça no ambiente acadêmico. Já no

último, em 2015, tento explanar um pouco da experiência em apresentar o

espetáculo fora da academia. No primeiro semestre de 2014, o trabalho se

concentrou basicamente na psicologia das personagens. Já nos dois últimos

semestres, houve uma tentativa de desconstrução da encenação realista então

Page 40: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

40

elaborada, e uma pesquisa a partir de um distanciamento, nas interações entre os

atores; não necessariamente, nas personagens.

Sabíamos que seria um desafio encenar um Musical no meio acadêmico –

CEART. Ao longo do processo, pudemos notar que as facilidades não são tão fáceis

assim. Tanto elas quanto as dificuldades se tornam desafios. Por um lado, temer o

caminho mais fácil, o comodismo. E, por outro, amadurecer o processo e vencer os

obstáculos que são colocados à nossa frente. Apresentar um Teatro Musical no

CEART/UDESC é trabalhar com os dois lados da moeda: não temos a obrigação de

ter uma peça pronta, no sentido, espetacular, pois tudo é um processo, uma

experimentação; porém, torna-se um impedimento, quando ainda há o preconceito

com esse gênero teatral. O público não acadêmico reconhece esse gênero e

aprecia-o. Contudo, alguns pesquisadores do meio acadêmico costumam depreciá-

lo por, supostamente, ser mero espetáculo comercial, sem conteúdo e com apenas a

função de entretenimento. Mas a facilidade de apresentar na universidade é coincidir

com o término de aulas; assim, tanto acadêmicos quanto professores têm a

possibilidade de apreciar o trabalho. Segundo Giseli Balestreri (2015)17, “em

Florianópolis tem o aplauso falso: eu aplaudo o seu espetáculo de merda e você

aplaude o meu. Mas na academia, existe o aplauso de respeito. Depois do

espetáculo, muitos procuram dizer as suas críticas diretamente ao elenco”.

Entretanto, ao apresentar-se apenas na academia, corre-se o risco de

isolamento no meio acadêmico. Formar um núcleo tão impenetrável que impede a

vinda de acadêmicos de outras universidades ou de público em geral.

5.2.1 Apenas a ponta do Iceberg... O Início de Tudo

No dia 24 de março de 2014, realizamos as audições para Mestre Contini. O

trâmite da inscrição do teste foi realizado via e-mail. Os interessados preenchiam a

ficha de inscrição, contendo um breve currículo, o motivo pelo interesse na peça,

etc.; depois, recebiam o retorno com o texto a ser apresentado no dia da audição,

assim como informações sobre a prova de canto e de dança.

17 Giseli Balestreri. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 02 de junho de 2015, em Florianópolis.

Page 41: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

41

Os candidatos foram divididos em três blocos de testes, com horários

definidos. Primeiro, os atores interpretaram um diálogo com uma das diretoras; em

seguida, cantaram uma música à sua escolha. Depois que todos os candidatos de

cada bloco fizeram o teste individual, entraram em sala novamente, agora para o

teste de dança em grupo. Giseli Balestreri, responsável pela coreografia do Musical,

passou uma sequência de passos para que todos pudessem aprender e se

expressar em cena. Devido à grande procura, estendemos a audição também para o

dia 26 de março; na qual realizamos o mesmo processo de seleção.

Após decidirmos o nosso elenco – que contou com bailarinas, atrizes e atores

da comunidade e do Centro de Artes –, marcamos a primeira reunião com todos, dia

02 de abril de 2014, para que pudéssemos explicar o projeto, os dias de ensaio, as

ideias etc. Nesse dia, dividimos as personagens entre o elenco selecionado.18

18 Ana Zechini (Lili), Billy Rezk (Guido Contini), Carolina Pires (Bailarina), Clara Maciel (Bailarina),

Gabriela Dutra (Bailarina), Gianna Souza (Luisa), Helena Albino (Bailarina), José Ronaldo Pereira (Padre), Lara Pasternak (Bailarina), Mônica Tonirelli (Saraghina), Oriana Hoeschl (Bailarina), Suzana

Imagem n. 05 – Audição de Mestre Contini (2014). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Integrantes da foto (da esquerda para a direita): Billy Rezk, Verônica Bortolloto, Gabriela Dutra, Tânia Farinon. Foto: Maria Luisa Porath. Fonte: Acervo particular das diretoras.

Page 42: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

42

Para um melhor aproveitamento do elenco, dividimos os ensaios em três dias

da semana: terças-feiras das 19 horas às 22 horas para as bailarinas e solistas com

coreografia; quartas-feiras das 19 horas às 22 horas e sextas-feiras das 8 horas às

12 horas para os atores. Nos ensaios com as bailarinas, Tatiani realizava o

aquecimento corporal, a Giseli criava as coreografias e eu, Maria Luisa, fazia

exercícios para a criação de personagens. Como as bailarinas participavam de duas

músicas, deviam ter duas personagens diferentes. Nos ensaios com os atores, a

Tatiani também era responsável pelo aquecimento corporal e eu pelo preparo de

atores. Ou seja, realizava exercícios que eu julgava serem importantes para a

construção de cada personagem. Em relação à limpeza de cena, direção geral, as

três diretoras assumiam essa parte. No início, tudo era um pouco confuso, para nós

e para os atores; contudo, ao dividirmos as tarefas, ficou objetivo e o trabalho pôde

crescer com clareza.

Nossa peça teve como base o filme Nine (2009), com direção de Rob

Marshall. O roteiro original é de Arthur Kopit (1982), com referências do filme Oito e

meio (1963) de Federico Fellini. O nosso objetivo ao escolhermos esse filme era

fazer uma releitura do Musical. O nosso ideal era quebrar paradigmas estéticos

sobre o Teatro Musical, principalmente daqueles vindo dos estadunidenses. Não

estamos desprezando essa estética, apenas queremos encontrar a nossa forma

brasileira de fazer Teatro Musical com uma obra estrangeira.

Por esse motivo, decidimos traduzir todas as músicas. A finalidade dessa

tradução é de possibilitar que o público compreenda a história contada através da

música e que não a ache apenas “bonita”. Quando pensamos em Teatro Musical,

devemos ter em mente que o canto também é dramaturgia. A personagem inicia o

canto, quando a sua emoção é exacerbada o bastante, para que o único modo dela

se expressar seja cantando.

Quando apresentamos o trabalho em junho de 2014, infelizmente, por falta de

tempo, não foi possível a apresentação com música ao vivo. Os atores-cantores

tinham o acompanhamento em instrumental gravado em CD. Como resultado, as

Silveira (Mamma), Thuanny Paes (Cláudia), Tifanny Lastrucci (Stephanie), Verônica Bortolotto (Carla) e Victor Zaguini (Jaconelli). Os contrarregras, personagens coringas, que realizavam modificações de cenário, foram: Augusto Silveira, Camila Santaella e Luana Costa. Além disso, as atrizes Gabrielli Veras e Isadora Damiani fizeram participação no vídeo da projeção, na cena “Cinema”. No entanto, aconteceram alguns imprevistos, diante dos quais tivemos que lidar com a situação. O nosso elenco, portanto, modificou-se: Luiza Lobo (Mamma), Jarvis Lembeck (Jaconelli), Victor Zaguini (Guido Contini) e as bailarinas Gabriela Dutra e Clara Maciel não estavam mais no grupo, desde início de maio de 2014.

Page 43: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

43

vozes cantadas ficaram abafadas e a qualidade sonora se dissipou, perdendo-se um

elemento essencial do Teatro Musical que é a fala cantada pelo ator-cantor.

A montagem de qualquer peça precisa, minimamente, de algum recurso

financeiro, e, para isso, aprende-se a fazer orçamento para um trabalho cênico.

Especificamos tudo o que seria necessário para a nossa montagem. Como previsto,

ficou muito acima do que poderíamos gastar. O CEART, como foi informado

anteriormente, já não fornece uma verba aos espetáculos criados nas disciplinas de

Prática de Direção Teatral I e II, nem podemos cobrar ingresso dentro do campus.

“Infelizmente, quando precisamos da ajuda da academia, não se consegue, porque

não há verba, nem um Teatro funcional para as apresentações” (BALESTRERI,

2015). Por isso, a procura de patrocínios se tornou um fator importantíssimo para o

processo, como o Estúdio Full Voice19, no nosso caso, com workshops de canto e

disponibilização do estúdio para ensaios. Assim como, “passar o chapéu” no final de

cada sessão, a fim de obter algum retorno financeiro pela colaboração “espontânea”

do público.

Em contrapartida, na universidade, gastos com iluminação cênica, frete,

cenários etc. são irrisórios perto de uma apresentação fora do campus; temos

alguns aparatos cênicos à disposição dos espetáculos, assim como salas de ensaio

e de apresentação. Infelizmente, a estrutura atual não comporta a demanda de

espetáculos. Para apresentação, basicamente há somente duas salas grandes no

CEART: Espaço I e II. Imagina-se, então, a concorrência que é para ensaiar ou

apresentar nesses locais. Muitas vezes, mal conseguimos pegar dois dias para

apresentarmos um trabalho que demoramos o semestre inteiro para criar.

Por se tratar de uma disciplina acadêmica, o plano de ensaio era um fator

essencial para o nosso registro pessoal. Organização de propostas, metas e

desafios. A partir disso, no final do semestre, escrevemos o relatório: informações

sobre o processo, exemplos de exercício, metodologia, fundamentação teórica,

impressões pessoais e análise do “produto”; se atingiu o objetivo ou não.

Nos dias 25 e 26 de junho, no CEART, Bloco de Artes Cênicas, Espaço I,

apresentamos o nosso Mestre Contini, ainda em criação. Nosso objetivo era quebrar

com a estética da Broadway, não por rejeitarmos essa linguagem e sim, por

19 O estúdio se localiza no Centro de Florianópolis (SC), Rua Araújo Figueiredo, 119, sala 103. Os professores de canto Fernando Zimmermman, Luiza Lobo e Gianna Souza nos auxiliaram na dramaturgia musical.

Page 44: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

44

desejarmos que o público tenha conhecimento de outros Musicais além dos

estadunidenses. Contudo, ao apresentarmos, percebemos que falhamos no objetivo.

Em vez de nos afastarmos da linguagem, realizamos uma cópia sem orçamento. E

isso refletiu em tudo: nos figurinos, na cenografia, na iluminação, no roteiro, nos

aparatos cênicos. Segundo Tatiani Borga (2015)20, o primeiro semestre foi

conturbado, pela adrenalina de dirigir um espetáculo Musical pela primeira vez, com

um elenco de 14 atores em cena, e mais 3 contrarregras. “A pergunta sempre foi:

como vamos montar esse espetáculo? [...] E o resultado ficou algo bem genérico,

com o conteúdo raso” (BORGA, 2015).

A apresentação, dadas as nossas condições – pouco investimento financeiro,

muitos atores, poucos dias de ensaio, faltas e atrasos – deu-nos material para

aperfeiçoarmos o que funcionou e deixarmos de lado o que não funcionou. Por

exemplo, a ideia de projeção na parede, como alusão à sala de cinema, não coube

na nossa nova proposta cênica. Assim como a ideia de quarta parede21 e os

cenários todos realistas: mesas, copos, biombos etc.

20 Tatiani Borga. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 02 de junho de 2015, em Florianópolis. 21 O termo quarta parede se refere a uma “[p]arede imaginária que separa o palco da plateia” (´PAVIS, p. 315); como se o público não existisse para o ator.

Page 45: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

45

Outro ponto discutido foi o roteiro. Desde o início, a proposta era uma releitura

do Musical Nine. Contudo, foi apenas mais uma adaptação, sem nos distanciarmos

da linguagem do filme. Portanto, afirmo que o nosso objetivo não foi alcançado no

primeiro semestre de experimentação cênica. Mas ouso declarar que no próximo

semestre nos encaminharíamos para tal.

Imagem n. 06 – Mestre Contini (2014/1). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Elenco (da esquerda para a direita): Gianna Souza (Luisa Contini), Augusto Silveira (contrarregra), Jarvis Lembeck (Produtor), Victor Zaguini (Guido Contini), Luana Costa (contrarregra), Ana Zechini (Figurinista). Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.

Page 46: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

46

5.2.2 A Descoberta de outro Iceberg... A Transformação

No primeiro semestre de 2014, o nosso objetivo não foi concretizado da forma

que pretendíamos. Porém, o resultado serviu para que avaliássemos o processo

para o segundo semestre de 2014. Em relação ao retorno do público, tivemos

críticas bem divergentes. Algumas diziam que a peça ficou na esfera do artificial,

sem densidade e com alguns erros de “buracos na cena”, ou ritmos. Outras que

apontavam o quão “milagroso” foi fazer um Musical em apenas dois meses e meio;

que, apesar de algumas falhas, funcionou. Independente da conclusão, sabíamos

que não tínhamos quebrado com o paradigma da Broadway e muito menos nos

afastado do roteiro do filme.

Por esse motivo, quando nos reunimos para o início do segundo semestre de

ensaios, descontruímos toda a estética anterior e focamo-nos na interação entre os

atores. Esse período durou cerca de dois meses. Faltando um mês para as novas

apresentações (dias 14 e 15 de novembro de 2014), iniciamos a construção das

cenas. Foi um processo de improvisação, seguido de limpeza de ações. Deixamos

os atores livres para improvisarem e, a partir do que víamos, selecionávamos o que

tinha funcionado e adaptávamos o que não tinha. “Além disso, o roteiro foi

totalmente remodelado, com um olhar das três. Pudemos chamar esse processo de

nosso” (BORGA, 2015).

Um ponto imprescindível a ser colocado foi a quebra da quarta parede e a

nova disposição cênica. Não era mais palco-plateia e sim, um espaço arena, como

na figura abaixo:

Imagem n. 07 – O espaço cênico de Mestre Contini (2014/2). Os pontos

representam os atores e o músico, sozinho, nos núcleos cênicos.

Page 47: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

47

Nas laterais do palco, em cadeiras, ficou o público. Os espaços vazios eram

ocupados por atores nos seus três núcleos de cena. O pianista também se

encontrava num desses espaços vazios, sozinho. No espaço cênico, várias folhas

A4 estavam espalhadas, cobrindo o chão. A proposta foi simbolizar a mente

embaralhada e confusa de Guido Contini. Muitos rascunhos, mas sem conseguir

juntar as ideias num filme. Essa nova configuração possibilitou um mergulho mais

denso na proposta dramatúrgica; além de incluir tanto o público quanto o elenco na

loucura de Guido Contini. Tudo acontecia dentro da mente do Mestre. Por isso,

todos são cúmplices dos acontecimentos ali encenados.

Com o pianista em cena, foi possível realizarmos música ao vivo. O resultado

foi impressionante, pois tanto a qualidade sonora quanto a dramatúrgica cresceu

exponencialmente. As letras das músicas também foram alteradas, devido a nossa

escolha de retirarmos toda a referência italiana22 que o filme Nine (2009) possui. A

decisão surgiu a partir de uma crítica da plateia e, em conjunto, da nossa proposta

cênica. Como fazer uma peça à brasileira, com o desafio de um texto estadunidense

com cenários na Itália? As músicas com referências italianas, portanto, tiveram suas

adaptações para o Brasil.

Retirada a referência italiana, a adaptação do figurino era essencial; portanto,

afastamos o luxo do figurino e pautamo-nos na desconstrução tanto cênica, quanto

do figurino. Vestimentas rasgadas, numerações maiores, pés descalços. Ao

debatermos sobre as cenas, percebemos o quanto Guido Contini manipula as outras

personagens. Ele é o jogador de xadrez, é o manipulador de corpos, é o centro de

todas as ações. Por esse motivo, os atores tomaram como subtexto a ideia de

serem peças de xadrez e manequins em cena.

Em relação ao jogo de xadrez, sobre Guido Contini usar cada entidade como

uma peça, as personagens correspondiam às peças de xadrez. Por exemplo, Padre

(torre); Guido Contini (rei); Luisa Contini (rainha); Cláudia Jensen (bispo); Saraghina

(cavalo); bailarinas (peão), Stephanie (bispo); Lili (torre); Carla (cavalo). Esse

princípio do jogo não teve o objetivo de se tornar claro para o público, apenas como

impulso criador para os atores. Na cena inicial, em que o elenco caminha na sua

partitura, em forma de monstro, usa-se esse princípio das peças. Assim como em

outras cenas em que a relação “jogador X jogo” está presente. Uma observação

22 As referências italianas encontradas no filme Nine (2009) são: figurinos, cenários, músicas e trejeito

das personagens.

Page 48: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

48

importante sobre Guido Contini é a dualidade cênica: ele é tanto jogador como peça

de xadrez; é uma vítima da sua própria mente perturbada e confusa. Sem perceber,

dá xeque-mate nele mesmo.

Outra referência que foi aprofundada nos exercícios de criação de

personagens foi a monstruosidade escondida em cada ser. Jogos com imagens e

sons de monstros se misturavam com a interação entre o elenco. Foi uma imersão,

uma (re)descoberta sobre o animal faminto que vive dentro de nós. O princípio que

ficou foi a partir do jogo eletrônico de terror Silent Hill da Konami. Manequins, umas

das personagens do jogo, serviram como inspiração para os nossos próprios

manequins da peça. Eles são

Criaturas macabras que não possuem cabeça nem pés em duas de suas quatro pernas. Esses monstros têm o torso humano feminino, vestido com um maiô feito de algo que parece pele podre, e no lugar de braços, eles têm pernas, pernas que faltam pés, usadas para golpear, enquanto as outras duas de baixo são usadas para locomoção. Manequins podem atacar esfregando duas pernas, formando assim, um ataque que parece mandíbulas de um inseto. Normalmente, Manequins são vistos parados, como um manequim de verdade, mas podem ganhar vida quando alguma luz se aproxima e os atinge. Ao viver, começam a andar, atacar de forma brutal. Embora não sejam criaturas muito fortes, podem se camuflar bem em locais de baixa iluminação, e são geralmente encontrados em apartamentos, lojas e hotéis (As criaturas de Silent Hill, 2013).

Na peça Mestre Contini, os manequins são a mistura entre os de loja – aquele

que estamos acostumados a ver – e os de monstro. Possuem a característica imóvel

de um objeto, mas o olhar atento e obscuro de um monstro. Como se cada

personagem fosse uma marionete, mais um brinquedo de Guido Contini. Entretanto,

esses brinquedos o atormentam no âmbito da histeria completa, como na cena de

“vozes”: Guido está sozinho, num limbo, sendo atormentado por gritos, batidas e

surtos psicóticos. Todos as personagens nada mais são que manequins

manipulados num jogo de xadrez.

Page 49: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

49

Os planos de ensaio eram criados a cada semana, ainda como material para

o relatório de final do semestre para a disciplina de Prática de Direção Teatral II. A

partir das concepções criadas na semana anterior, planejávamos complementações

cênicas – exercícios de aquecimento corporal, seguido de impulsos criativos para

suscitar ideias tanto cênicas quanto das personagens.

As apresentações do final do ano foram nos dias 14 e 15 de novembro de

2014, como foi mencionado anteriormente. Por se tratar de um processo cênico,

optamos por um debate ao final de cada sessão. Por isso, ao invés de duas sessões

por dia, como no semestre anterior, houve apenas uma. Em seguida, abrimos

espaço para perguntas, sugestões e críticas. Esse momento foi extremamente rico

para o processo, pois o público foi participativo e colaborou para o crescimento da

peça.

O processo do segundo semestre de 2014 teve êxito na nossa proposta de

distanciamento do Teatro Musical da Broadway e isso se deve ao fato de algumas

mudanças, como: espaço arena, distanciamento brechtiano, valorização do jogo

Imagem n. 08 – Mestre Contini (2014/2). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Elenco (da esquerda para a direita): Verônica Bortolotto (Carla), Helena Albino (Saraghina), Carolina Maingué (bailarina), Thuanny Paes (Cláudia Jensen), Lara Pasternak (bailarina), Gianna Souza (Luisa Contini), Oriana Hoeschl (bailarina), José Ronaldo Pereira Júnior (Padre). Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.

Page 50: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

50

entre os atores, supressão da emoção psicológica e dos figurinos luxuosos etc.

Entretanto, na apresentação, notamos que a ideia animalesca ficou pouco clara e

sem acréscimo de conteúdo. Por esse motivo, no primeiro semestre de 2015,

eliminamos essa referência.

5.2.3 A Descoberta do tamanho do Iceberg... O Processo de Amadurecimento

Após as apresentações do final do segundo semestre de 2014, decidimos

continuar com a peça Mestre Contini. O objetivo para 2015 era apresentar fora da

academia; expandir o nosso processo, a fim de que outros espectadores possam

prestigiá-lo.

Os nossos ensaios foram retomados em março de 2015, em um novo espaço,

numa nova parceria: Garagem 202023. Atualmente, a peça não é mais vinculada à

disciplina Prática de Direção Teatral I e II. Como a estrutura da UDESC não

comporta o número de espetáculos que nela são criados, a prioridade do uso de

salas passa a ser dos outros acadêmicos agora integrantes dessa e de outras

disciplinas.

Assim como toda produção artística, imprevistos aconteceram e alguns

atores, infelizmente, saíram do processo. O nosso elenco, em abril de 2015,

encontra-se composto por: Gianna Souza (esposa), Helena Albino (marginal 1),

Joana Castanheira (jornalista), José Ronaldo Pereira Júnior (marginal 2), Lara

Pasternak (atriz), Thiago Gonçalves (músico), Verônica Bortolotto (amante) e Victor

Zaguini (diretor Contini). Apesar do número de atores ter diminuído, o grupo está

coeso e maduro para as modificações cênicas.

Percebe-se uma alteração nas personagens cênicas: em vez dos nomes, há a

profissão ou a característica essencial delas. A identidade das personagens foi

perdida, tornaram-se tipos: personagens arquétipos que simbolizam determinada

classe ou função social. Ao terem suas identidades “roubadas”, a psicologia de cada

personagem se torna rasa. Nesse ponto, podemos notar uma clara modificação na

proposta cênica: sem psicologia densa, a peça perde seu caráter realista, sem a

função de retratar alguém em específico, mas toda uma sociedade. É nesse lugar

que surge a nossa crítica social: os vícios, as mentiras, a fama, a relação humana.

Além disso, substituímos, na música, os nomes das personagens por outros 23 Escola de Música e Artes no bairro Córrego Grande, Florianópolis (SC).

Page 51: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

51

sentidos. Essa escolha da não-identidade suscitou modificações riquíssimas para a

nossa dramaturgia.

Em relação ao roteiro, optamos por fazer uma releitura coletiva – antes essa

função era, principalmente, das diretoras, com colaborações espontâneas dos

atores. Essa decisão nos deu uma gama de possibilidades inimagináveis, mas

divergências também. Alguns integrantes imaginavam a cena de um modo e outro,

completamente diferente. A solução encontrada foi cada integrante escrever suas

ideias das cenas e enviar para as diretoras. Em seguida, reuníamos as propostas

num roteiro e, na reunião das diretoras, fazíamos as modificações necessárias para

o melhoramento do espetáculo. Assim foram três semanas de releituras e mais

releituras do Musical Nine, com o princípio de se distanciar ainda mais do filme.

Uma nova dramaturgia significa criação e transformação de cenas. Depois da

etapa de mudanças no roteiro, exercícios de improvisação foram realizados, com a

finalidade de suscitar ideias de propostas cênicas. Justaposição de cenas,

simultaneidade de intervenções, distanciamento e cenas isoladas foram princípios

impulsionadores no segundo semestre de 2014 e no primeiro semestre de 2015.

Temos, como exemplo, a cena “Muitas vezes” do roteiro:

Diretor – Por que será que está acontecendo isso comigo? Esposa – Estou brava com você. Onde você está? Amante – Eu não estou brava com você. Diretor – Me parece que acabei de fugir de uma coletiva de imprensa. Manequim 2 – Você ouviu sobre o Contini? Ele tentou fugir da coletiva de imprensa. Esposa - Por que não aproveitou para falar do seu novo roteiro? Amante ri. Contini – Não me provoque... Eu estou doente. Esposa – Você está fazendo um filme. Você faz um filme, e fica doente. É o que sempre acontece. Manequim 5 – Então, sim ou não? Contini – Não, dessa vez eu realmente estou doente. Esposa – Você está sozinho? Onde você está? Contini – Sim, estou sozinho. Não sei. Simplesmente estou. Amante – Eu sei onde você está. Contini – Eu queria você aqui. Esposa – Descanse, você tem muito trabalho a fazer. Amante - Volte para fazer mais um ótimo filme.

Nesta cena, percebemos diálogos entrecortados com as falas principais do

discurso entre a esposa e o Contini. No espaço teatral, Contini se encontra na

Page 52: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

52

esquerda baixa, enquanto a esposa e a amante estão, frente a frente, na direita alta.

E, no meio do espaço cênico, os atores se encontram em poses de manequins.

Enquanto há o diálogo, pequenas intervenções são feitas, a fim de intensificar o

estímulo e o jogo entre os atores.

Outra mudança significativa no espetáculo foi a adaptação do figurino,

segundo semestre de 2014, para a nova proposta dramatúrgica do primeiro

semestre de 2015. Ao invés de trabalharmos com a desconstrução cênica,

utilizamos a construção e a ideia de atores como manequins, como mola propulsora.

Essa mudança se deu pelo fato de que a peça inteira é uma metalinguagem; tanto o

filme, quanto a peça em si estão em constante construção. Por esse motivo, o

subtítulo: Mestre Contini – ou Em Elaboração. Esse acréscimo no nome foi pensado

depois das transformações dramatúrgicas, devido às mudanças tanto da peça,

quanto do roteiro em si. Pode ser uma alteração sutil, mas reflete na concepção de

cada figurino das personagens. Atualmente, o figurino é inspirado em manequins e

no processo inacabado. É válido ressaltar que a proposta das personagens como

peças de xadrez se mantém, mas apenas como material criativo para os atores, uma

partitura autoral.

Imagem n. 09 – Mestre Contini (2015/1). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Elenco na foto: Gianna, Helena Albino, Joana Castanheira, José Ronaldo Pereira Júnior, Lara Pasternak, Verônica Bortolotto e Victor Zaguini. Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.

Page 53: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

53

Houve um plano de ensaio para cada semana, a fim de que pudéssemos

fornecer, por meio dos exercícios de concentração e de improvisação, um

treinamento mais direcionado para a proposta do espetáculo. Por exemplo,

trabalhamos com a ideia de ângulos da filmagem: plongée – câmera com vista de

cima, voltada para baixo; contra-plongée – câmera com vista de baixo, voltada para

cima; normal – câmera vista na altura dos olhos; além de outros princípios fílmicos.

Apesar de termos nos afastado do filme Nine, aproximamo-nos da linguagem

cinematográfica, como norteadora de construção cênica. Acreditamos que, ao nos

apropriarmos dos instrumentos fílmicos, poderemos trabalhar com maior propriedade

as justaposições, simultaneidades de intervenções, distanciamento etc., exatamente

pela linguagem do filme fazer uso desses princípios.

Outro exercício trabalhado no ensaio foi a imagem da cena. Por exemplo, ao

ser dita uma cena, os atores improvisavam uma imagem que representasse esse

momento. A partir dessas imagens, as cenas eram improvisadas. Era na repetição

que definíamos o que funcionou ou não em cada trecho. É interessante observar

que nessa atividade, as imagens formaram, instantaneamente, manequins para o

nosso processo cênico.

Mestre Contini foi contemplado pelo Edital da Fundação Franklin Cascaes

para se apresentar nos dias 22, 23 e 24 de maio de 2015, na Casa das Máquinas,

Lagoa da Conceição, Florianópolis – SC. No trâmite de contratos e conversas

burocráticas, já pudemos notar a difícil comunicação entre os funcionários da Casa

das Máquinas e as diretoras do espetáculo: mudanças de opiniões muito rápidas,

demora na comunicação e respostas inseguras. Na UDESC, o responsável pelo uso

dos Espaços I e II é o mesmo da iluminação, Ivo Godois; por isso, a comunicação é

muito mais direta e prática.

Os três dias de apresentação, apesar dos imprevistos, foram extremamente

proveitosos e ricos de aprendizado. No dia 22 de maio de 2015, sexta-feira, foi o

primeiro dia da peça Mestre Contini longe da zona de conforto, o espaço acadêmico.

Enfrentamos os problemas, os aprendizados e os sucessos de um grupo não

acadêmico. Nos dias seguintes, não pudemos abarcar todos os interessados no

Musical, devido à lotação da Casa das Máquinas.

Neste momento, tomo a liberdade de traçar uma semelhança com o processo

de Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010). Nos dois espetáculos, podemos notar certo

preconceito em encenar Musicais comerciais dentro do meio acadêmico. Já ao

Page 54: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

54

apresentar para o público em geral, houve muitas críticas positivas acerca dos

trabalhos. E isso é perceptível nas conversas depois das sessões. Uma espectadora

me abordou sobre as sensações que o espetáculo Mestre Contini suscitou nela. Ao

adentrar no espaço arena e, a partir do momento em que uma das atrizes dialogou

com ela a menos de trinta centímetros de distância, um desejo enorme de participar

da cena tomou conta dela. Além disso, comentou sobre a densidade da peça, o

peso que ela possui ao traçarmos um paralelo com as nossas vidas, com as nossas

decisões.

Creio que Mestre Contini encerrou as suas apresentações com visões

otimistas sobre a construção do nosso processo. É notável o gráfico crescente do

nosso espetáculo, dos trabalhos do elenco, da construção dramatúrgica. Depois das

apresentações de maio de 2015, posso afirmar que, sim, Mestre Contini atingiu seu

objetivo de mostrar ao público que é possível fazer um Musical de adaptação de

filme, não necessariamente, ligado à estética estadunidense. Hoje, na concepção do

espetáculo, não vejo mais o filme Nine (2009) e sim, Mestre Contini (2015). De dois

mil e quinze.

Imagem n. 10 – Mestre Contini (2015/1). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Integrantes da foto (da esquerda para a direita): em pé, Victor Zaguini, Lara Pasternak, Helena Albino, José Ronaldo Pereira Júnior, Thiago Gonçalves, Clara Meirelles, Joana Castanheira; no meio, Gianna Souza e Verônica Bortolotto; no chão, Tatiani Borga, Maria Luisa Porath e Giseli Balestreri. Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.

Page 55: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

55

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo de caso que fiz ao explanar três processos de Teatro Musical

realizados no CEART/UDESC, levou-me a refletir sobre a relevância dos Musicais

na formação acadêmica em Teatro. Pelo menos, desde 2005, o CEART tem

apresentado peças Musicais em diferentes estéticas, como as explanadas: Teatro

de Revista; Adaptação de Ópera e de Filme; Cabaré, dentre outras. Esse recente

interesse em Musicais dentro da academia demonstra um desejo, por parte de

acadêmicos e docentes, de vivenciar outros processos na elaboração de um

espetáculo.

Dentro do curso de Licenciatura em Teatro do CEART/UDESC, temos

disciplinas de Voz, Metodologia da Dança, Técnicas Corporais, Interpretação

Teatral, Improvisação Teatral, História do Teatro, Prática de Direção Teatral e

Montagem Teatral. Possuímos as ferramentas necessárias para um aprendizado em

Teatro Musical; o que nos falta é usar a interdisciplinaridade a nosso favor e

expandir as áreas de estudos teatrais.

O Teatro Musical algumas vezes, infelizmente, é marginalizado, no Brasil,

pelos pesquisadores teatrais, como se fosse apenas um entretenimento. E esse

olhar negativo pode ser acentuado na academia. Com a pesquisa que realizei, pude

observar que, no CEART/UDESC, o pulsar pelo Musical é muito estimulante para os

discentes, e isso se comprovou na demanda dos interessados para participar de

Mestre Contini e de outros Musicais ali realizados, como foi o caso de All That

Jazz24.

Para delimitar o corpo da pesquisa, que resultou neste TCC, levantei os

espetáculos Musicais realizados no CEART, a partir de 2005. Nesse contexto, o

primeiro espetáculo Musical encenado no CEART foi Carmen, em 2005, com direção

de Diego de Medeiros, como exercício final da disciplina de Encenação Teatral I e

II25. Ocorreram, desde 2005 a 2014, sete (07) espetáculos Musicais no CEART.

24 Este espetáculo Musical foi uma montagem resultante da disciplina acadêmica do CEART/UDESC Prática de Direção Teatral I e II, 2013. As acadêmicas Ana Luiza Koerich Rios e Marina Soares dirigiram a adaptação do Musical Broadway Chicago. Diferentemente de Mestre Contini (2014), as diretoras optaram por manter as músicas em inglês e realizar uma adaptação mais fiel ao original. 25 Os outros Musicais pesquisados foram: Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) de José Ronaldo Faleiro e Vera Collaço; Carmen (2012) de Elisângela Polleto; Chicago/ All That Jazz (2013) de Ana Luiza Koerich e Marina Soares; $em Vintén$ (2014) de Diego de Medeiros; Mestre Contini (2014) de Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga; Cabaret – Casa de Tolerância (2014) de Marlon Spilhere.

Page 56: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

56

Porém, o tempo de realização de um Trabalho de Conclusão de Curso é muito

pequeno, o que implica em trabalhar um tema mais delimitado e,

consequentemente, um recorte temporal menor e com uma reduzida gama de

diferentes estilos Musicais. Por isso, o recorte temático – um estudo de caso de três

espetáculos Musicais. Foi difícil tomar essa decisão, mas creio que foi fundamental

para um maior conhecimento de diferentes Musicais e da estruturação dos mesmos

na academia, e para a compreensão das apresentações num circuito mais

convencional/comercial.

Assim, deixo em aberto um caminho para futuras pesquisas. Estudar e

explanar, buscando aproximações e diferenciações dos sete espetáculos Musicais,

aqui elencados, que foram encenados pelos acadêmicos e docentes do CEART.

Além destes trabalhos, podemos examinar outra questão teatral: encenações que se

pautaram com bastante ênfase na musicalidade, como Beatriz26 (2011) de Ana

Paula Beling.

Ao fazer esse estudo de caso, o meu desejo era responder as seguintes

questões: Como criar uma peça Musical em que a nossa principal fonte já é uma

adaptação? A exemplo da montagem Mestre Contini (2014), a qual se inspirou no

filme Nine (2009) de Rob Marshall. Como compreender a linguagem do Musical e,

ao mesmo tempo, apropriarmo-nos dela para criarmos a nossa própria releitura?

Devido ao escasso material teórico sobre o tema, o processo foi intenso e repleto de

aprendizados. Ao longo das apresentações de 2014, fomos compreendendo a

linguagem do Musical e o que pretendíamos alcançar com Mestre Contini. Assim, as

modificações foram necessárias para respondermos à questão. A nossa montagem

de 2015 estava mais consistente, mais madura e, ainda sim, tínhamos muito a

explorar.

Para compreender as especificidades de três Musicais criados com o corpo

discente e docente do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro do

CEART/UDESC, fez-se necessário compreender, dentro do campo de elaboração

de um TCC, as três diferentes linguagens utilizadas na construção de Zylda:

Anunciou, é Apoteose! (2010); $em Vintén$ (2014) e Mestre Contini (2014).

26 O espetáculo Beatriz, criado na disciplina acadêmica de Prática de Direção Teatral I e II, em 2011,

é um drama musical com a direção de Ana Paula Beling. A atriz Margarida Baird e os músicos Pedro Loch, Larissa Galvão e Carol Miranda participaram da montagem.

Page 57: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

57

O primeiro Musical explanado aqui no TCC, Zylda: Anunciou, é Apoteose!

(2010), levou ao palco o Teatro de Revista Clássica. Mediante pesquisas, colagens,

workshops e ensaios, a montagem teve o intuito de mostrar ao público atual o Teatro

de Revista Clássica que atraía multidões ao teatro nas décadas de 1920 a 1940 e

depois ficou negligenciado pela História do Teatro Brasileiro. Esse gênero só

ressurgiu nos estudos acadêmicos a partir da década de 1980/1990 pelo empenho

da Neyde Veneziano em discutir a importância do Teatro de Revista Brasileiro. Para

discutir esse trabalho, tive que compreender as características e especificidades

básicas do gênero revisteiro.

O segundo Musical, $em Vintén$ (2014), fez-me navegar as águas

brechtianas, mais especificamente, na sua compreensão do que seria uma “nova

ópera”. Brecht define essa “nova ópera”, basicamente, como a desconstrução da

ópera wagneriana. Ou seja, quebrar com a ideia de “obra de arte total”, defender que

cada arte é independente da outra.

Já no último Musical, Mestre Contini (2014), nos dois semestres de 2014, as

apresentações se restringiram ao CEART/UDESC. Nesta etapa, optamos por fazer

uma releitura do filme Nine (2009). Ou seja, apoiamo-nos no filme como um ponto

de partida para a nossa montagem teatral. Entretanto, tivemos dificuldade em

encontrar material de apoio teórico sobre a abordagem de adaptação de filme para

palco. O que existe, em maior quantidade, é o seu inverso, adaptação de teatro para

o cinema. Assim, esbarramos em inúmeros desafios que atrasaram ou, de certa

forma, desvirtuaram-nos da nossa proposta original.

Ouso afirmar que criamos duas peças, em 2014, com o mesmo impulso

criador: Nine (2009). Mudanças no elenco, no roteiro, na proposta e na metodologia

incentivaram uma peça completamente diferente e mais perto do nosso objetivo

inicial: quebrar com a estética de Musicais Broadway. O mesmo pode se dizer dos

outros dois Musicais. Em $em Vinténs (2014), Diego de Medeiros afirma que não fez

uma ópera brechtiana, apropriou-se do texto para fazer uma nova montagem. E em

Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010), Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro fizeram

uma compilação que resultou numa revista com procedimentos novos.

Por que o diretor escolheu essa estética? Qual foi a metodologia ideal

escolhida pela direção na construção desses gêneros propostos? A escolha de cada

estética teve como ponto de partida, o estudo e o interesse pelo Teatro Musical dos

diretores. E isso se refletiu na metodologia empregada nas três montagens Musicais

Page 58: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

58

em estudo. Por exemplo, em Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010), a linguagem

clownesca, a triangulação e os workshops de convidados foram os principais

veículos de aprendizado dos atores. Para $em Vintén$ (2014), os tipos sociais foram

muito importantes para a criação das personagens. Já em Mestre Contini (2014),

experimentamos algumas metodologias ao longo do processo. Mas a que se

estabeleceu foi o jogo entre os atores e o manequim corporificado no ator.

Como essas peças de Teatro Musical se relacionaram dentro e fora do

campus? Quais foram as dificuldades e as facilidades de realizar um espetáculo

Musical no meio acadêmico? As três montagens se originaram no CEART/UDESC e,

mais tarde, saíram do campus universitário. Dentro da academia, as três montagens

tiveram um público predominantemente, acadêmico. Já ao se apresentarem em

espaços externos, o público não acadêmico lotou a plateia. De maneira geral, os três

espetáculos tiveram uma receptividade maior em relação ao público não acadêmico.

E isso pode ser constatado pelo preconceito que o Teatro Musical ainda enfrenta no

meio universitário. Entretanto, existem certas facilidades de se apresentar no meio

acadêmico. Por exemplo, ter uma estrutura e os equipamentos ao nosso dispor. As

três montagens, ao saírem do CEART/UDESC, enfrentaram dificuldades na

estrutura dos locais onde se apresentaram. Tiveram que adaptar suas peças e/ou

levar equipamentos do meio acadêmico.

Encerro este trabalho, mas não o estudo, na esperança de que, como

impulsionadores da cultura, possamos dar continuidade a essa pesquisa. Acredito

que o Musical ressurgiu nos anos 2000 para se estabelecer; finalmente, aprofundar

suas raízes, a fim de que surjam ramificações. Afinal, como mostra este trabalho,

não existe um Musical e sim, Musicais. De diversas linguagens, propostas. É essa

pluralidade que deve ser valorizada dentro do meio acadêmico. Se tantas

montagens Musicais foram realizadas pelo corpo discente e docente de Teatro, além

das peças musicadas ou com música, imagina-se o que pode ser feito se a

academia incluir e incentivar o Teatro Musical?

Page 59: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

59

7 REFERÊNCIAS

ABREU, Brício de. Apresentação. In: VENEZIANO, Neyde. As grandes vedetes do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010, p. 11-12. ANTUNES, Delson. Fora do Sério: Um panorama do Teatro de Revista no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte, 2002. As Criaturas de Silent Hill. Disponível em < http://medob.blogspot.com.br/2013/08/as-criaturas-de-silent-hill.html >. Acesso em 17 de nov. 2014. BALESTRERI, Giseli. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 02 de junho de 2015. BETZ, Albrecht. Brecht e a música. In: BADER, Wolfang. Brecht no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 65-76. BORGA, Tatiani. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 02 de junho de 2015. BORNHEIM, Gerd Alberto. Brecht: a estética do teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992, p. 165-181. BRECHT, B. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978. COLLAÇO, Vera. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 13 de abril de 2015. FERNANDES, Cristina. Kurt Weill, Bertolt Brecht e o teatro musical. Perturbado pelo cinismo moral da Alemanha nos últimos anos da República de Weimar, Weill usa a música como agente de mudança social. Disponível em < http://www.musica.gulbenkian.pt/cgibin/wnp_db_dynamic_record.pl?dn=db_notas_soltas_articles&sn=pontos_de_vista&rn=11 >. Acesso em 19 de abril de 2015. MEDEIROS, Diego de. Ensaio Fotográfico de Espetáculos. In: Urdimento. V. 2, n. 23, 2014, p. 262-277. __________________ Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 24 de abril de 2015. MUNDIM, Tiago Elias. Contextualização do Teatro Musical na contemporaneidade: conceitos, treinamento do ator e Inteligências Múltiplas. Disponível em < http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/16165/1/2014_TiagoEliasMundim.pdf >. Acesso em 21 de abril de 2015. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3 ed. – São Paulo: Perspectiva, 2011.

Page 60: MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000006/0000061a.pdf · espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção

60

PICON-VALLIN, Beatrice. A cena em Ensaios. São Paulo: Perspectiva, 2008. PILLAR, Analice Dutra. Leitura e Releitura. In: A Educação do Olhar no ensino das Artes. Editora Mediação, 3º ed. 2003. PROGRAMA do espetáculo Zylda: Anunciou, é Apoteose! Setembro de 2010. ROSENFELD, Anatol. A Arte do Teatro: aulas de Anatol Rosenfeld (1968). São Paulo: Publifolha, 2009. ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral (1880-1980). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982. SIGA, Sistema/UDESC. Ementa das Disciplinas Acadêmicas Montagem Teatral I e II. Disponível em < http://siga-rel.udesc.br/siga-report/download/R-P463-3090381356301049617.pdf?evento=arquivoDownload >. Acesso em 18 de maio de 2015. ___________________ Ementa das Disciplinas Acadêmicas Prática de Direção Teatral I e II. Disponível em < http://siga-rel.udesc.br/siga-report/download/R-P463-8971583601213382536.pdf?evento=arquivoDownload >. Acesso em 18 de maio de 2015. VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1991. _________________ De Pernas Para o Ar: Teatro de Revista em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.