multiplicidade e riqueza do teatro musical: estudo...
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE ARTES – CEART
LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO
MARIA LUISA MACHADO PORATH
MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC
FLORIANÓPOLIS, SC
2015
MARIA LUISA MACHADO PORATH
MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC
Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada e Bacharel em Teatro.
Orientadora: Profª Dra Vera Regina Martins
Collaço
FLORIANÓPOLIS, SC
2015
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MARIA LUISA MACHADO PORATH
MULTIPLICIDADE E RIQUEZA DO TEATRO MUSICAL: Estudo de caso de três Musicais encenados no Centro de Artes - UDESC
Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada e Bacharel em Teatro. Banca Examinadora Orientadora: _______________________________________________
Profª Drª Vera Regina Martins Collaço CEART/UDESC
Membro: __________________________________________________
Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro CEART/UDESC
Membro: __________________________________________________ Ms. Ana Paula Beling CEART/UDESC
Florianópolis – SC, 03/07/2015
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por ter me guiado e abençoado em toda a
minha trajetória acadêmica e pessoal.
Agradeço aos meus pais, Reginaldo Porath e Marisley Machado Porath, por
todo o amor depositado em mim. Serei eternamente grata por toda a confiança e
pela oportunidade de incentivo aos estudos. Por me fazerem entender que o estudo
é para a vida inteira; e que a cada dia, os desafios nos auxiliam nesse aprendizado.
Agradeço aos meus irmãos, João Filipe Machado Porath e Pedro Henrique
Machado Porath, pelas conversas e pelo conhecimento compartilhado.
Ao Caio Cordeiro da Silva, meu companheiro, meu confidente em mais esta
etapa da vida. Sou grata aos nossos estudos compartilhados, às nossas conversas
e às observações para a melhoria do trabalho.
Agradeço à Dra. Vera Regina Martins Collaço, minha orientadora, por seu
apoio e sua sabedoria. Obrigada pelas trocas geradas, pela disposição em me
fornecer bibliografia, acreditar no meu melhor e, principalmente, apostar num tema
pouco trabalhado no Brasil.
Também agradeço às minhas amigas e parceiras de pesquisa, Giseli
Balestreri e Tatiani Borga, por se entregarem de corpo e alma num trabalho
desafiador e transformá-lo numa pesquisa densa e rica.
Agradeço aos professores do Departamento de Artes Cênicas (UDESC) por
todo o conhecimento adquirido e experiências vividas intensamente. Principalmente,
ao Dr. José Ronaldo Faleiro, pela conversa e auxílio na construção do espetáculo
Musical Mestre Contini (2014).
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RESUMO
Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem por objetivo investigar a trajetória do gênero Teatro Musical no Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do Centro de Artes - UDESC. De modo mais específico, o trabalho tem por foco espetáculos elaborados nas disciplinas de Prática de Direção Teatral I e II, Montagem Teatral I e II. Para efeitos de recorte temporal, esta pesquisa destaca os espetáculos levados à cena até o ano de 2014. Salienta-se que, desde a criação desse curso, em 1986, a primeira encenação Musical, na estrutura aqui proposta, ocorreu em 2005. Contudo, pelo curto tempo de pesquisa para um TCC, o recorte final de objeto para estudo fica restrito à análise de três (03) espetáculos Musicais: Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) de Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro; $em Vintén$ (2014) de Diego de Medeiros e Mestre Contini (2014) de Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. A explanação a ser elaborada visa apontar para os diferentes gêneros Musicais empregados nesses espetáculos, bem como compreender as aproximações e as diferenciações das proposições estéticas, as quais se vinculam como Teatro Musical. As peças serão divididas em núcleos: Teatro de Revista, Adaptação de Ópera Brechtiana e Adaptação de Filme para Palco.
Palavras-chave: Teatro Musical; Teatro de Revista; Brecht e Ópera; Adaptação de
filmes para o palco
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem n. 01 – Primeiro elenco de Zylda 17
Imagem n. 02 – Aracy Cortes 18
Imagem n. 03 – Apresentação do espetáculo Zylda 28
Imagem n. 04 – Apresentação do espetáculo $em Vintén$ 35
Imagem n. 05 – Audição do espetáculo Mestre Contini 41
Imagem n. 06 – Apresentação do espetáculo Mestre Contini (2014/1) 45
Imagem n. 07 – Espaço Cênico de Mestre Contini (2014/2) 46
Imagem n. 08 – Apresentação do espetáculo Mestre Contini (2014/2) 49
Imagem n. 09 – Apresentação do espetáculo Mestre Contini (2015) 52
Imagem n. 10 – Elenco de Mestre Contini (2015) 54
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 08
2. PRELÚDIO: OS ESPETÁCULOS MUSICAIS NO CEART 13
2.1. Espaços Proliferadores dos Musicais do CEART 15
3. O TEATRO DE REVISTA ADENTRA NA ACADEMIA 17
3.1. Pinceladas da História do Gênero Teatro de Revista 19
3.2. Dramaturgia e Texto Cênico de Zylda: Anunciou, é Apoteose! 22
3.3. Revistar Zylda: Anunciou, é Apoteose! 23
4. O TEATRO DE RESISTÊNCIA REVERBERANDO EM SONGS
CONTEMPORÂNEOS 29
4.1. Conceito de Ópera Brechtiana 29
4.2. Dramaturgia e Texto Cênico de $em Vintén$ 31
4.3. Dialogar com $em Vintén$ 32
5. ADAPTAÇÕES TEATRAIS A PARTIR DE MUSICAIS FÍLMICOS 37
5.1. Conceito de Adaptação de Filme para o Palco 37
5.2. O Processo de Mestre Contini 39
5.2.1. Apenas a ponta do Iceberg... O Início de tudo 40
5.2.2. A Descoberta de outro iceberg... A Transformação: 46
5.2.3. A Descoberta do tamanho do Iceberg... O Processo de
Amadurecimento 50
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 55
7. REFERÊNCIAS 59
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1 INTRODUÇÃO
A música estava em mim
e eu nela!
De 2001 a 2012, dos meus oito aos dezenove anos, participei do Coral Portal
do Sol do Educandário Imaculada Conceição. Cresci com música e expressões
corporais. Por esse motivo, sempre me interessei pela vertente musical; de alguma
forma, a música estava em mim e eu nela.
Em 2011, entrei para o Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro na
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Ainda que a linguagem
musical estivesse presente em mim, vivenciei outras situações teatrais; ou seja,
aprendi novas linguagens do teatro. Entretanto, o tempo foi passando, as minhas
ideias amadurecendo e percebi que precisava de um complemento à Universidade.
Foi então que, em 2013, paralelamente à graduação da UDESC, cursei,
durante esse ano, Teatro Musical na Art Estúdio1. Eu tinha aula de dança, canto e
teatro. Não era um curso completamente integrado, mas as três áreas se cruzavam,
quando possível. Acredito que, a partir desse momento, minha paixão pelo Teatro
Musical se expandiu.
No ano seguinte, na disciplina de Prática de Direção Teatral I e II, ministrada
pelo prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, eu e mais duas colegas de curso, Giseli
Balestreri e Tatiani Borga, resolvemos embarcar no desafio de dirigirmos um
Musical. E decidimos realizar uma releitura de Nine (2009) de Rob Marshall, que
denominamos de Mestre Contini. A partir desta escolha, algumas dúvidas
começaram a ganhar força, destacando-se as seguintes questões: Como criar uma
peça Musical2 em que a nossa principal fonte já é uma adaptação?3 Como
compreender a linguagem do Musical e, ao mesmo tempo, apropriarmo-nos dela
para criarmos a nossa própria releitura? Estas questões acompanharam o processo
de construção do espetáculo, bem como a elaboração do trabalho aqui apresentado.
1 A Escola Art Estúdio não existe mais, pois no final de 2013, fechou. 2 Ao longo do Trabalho de Conclusão de Curso, utilizo a palavra “Musical” em inicial maiúscula, a fim de diferenciar a linguagem musical, da música propriamente dita. 3 O filme Nine é uma adaptação do filme Oito e meio (1963) de Federico Fellini e com alusões ao Musical da Broadway Nine (1982).
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É fácil, portanto, compreender a minha paixão por Teatro Musical; por isso,
não encontrei outra saída a não ser pesquisar sobre ele no meu Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC). Entretanto, não sabia quais caminhos seguir, muito
menos qual o meu foco. A única certeza era o desejo de falar sobre a minha
experiência como uma das diretoras do Musical Mestre Contini (2014).
Na primeira conversa com a minha orientadora, Vera Collaço, conseguimos
delimitar o meu tema. Seria um estudo sobre os espetáculos Musicais realizados no
Curso de Teatro no Centro de Artes (CEART), da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), entre 2010 e 2014, nas disciplinas de Prática de Direção Teatral
I e II e Montagem Teatral I e II4.
Mas o tema ainda era muito vasto para ser realizado no tempo de escrita de
um TCC. Tornava-se relevante uma delimitação temporal e temática mais específica.
Em discussões com minha orientadora, optamos por delimitar três espetáculos como
estudo de caso do Teatro Musical na academia. A escolha se voltou pela inovação
proposta pelo trabalho e a possibilidade de explanar três linguagens diferentes de
Teatro Musical. Assim, o foco foi direcionado para o estudo dos seguintes
espetáculos: Zylda: Anunciou, é Apoteose (2010), com direção de Vera Collaço e
José Ronaldo Faleiro; $em Vintén$ (2014), com direção de Diego de Medeiros, e
Mestre Contini (2014), com direção de Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani
Borga.
Após a decisão, analisando o contexto histórico de cada gênero, pude
perceber que cada espetáculo escolhido se refere a uma época do Teatro Brasileiro.
A primeira peça se refere ao Teatro de Revista, precisamente, a Clássica, portanto
traz referências da década de 1930. Com a segunda, obra derivada de Ópera de
Três Vinténs de Brecht, pode-se traçar uma ponte para o Teatro de Resistência,
década de 1960 – momento em que a dramaturgia brechtiana fervilhou no Brasil,
com seus ideais marxistas. Já a última peça faz um paralelo com a volta dos
Musicais e as adaptações de Musicais estadunidenses, período a partir de 2000.
Neste estudo, almejo entender o afastamento e a aproximação entre esses
três espetáculos, comentando suas diferentes propostas estéticas. Para tanto, viso
encontrar respostas para questões que norteiam este TCC: Quais são as
4 Observo que na disciplina de Prática de Direção I e II, os acadêmicos dirigem uma peça à sua
preferência, com liberdade de criação e de escolha de elenco. Já em Montagem Teatral I e II, o professor responsável pela disciplina é o diretor do espetáculo e os acadêmicos da disciplina são os seus atores.
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especificidades de cada gênero do Teatro Musical encenado no CEART/UDESC?
Como as características desses espetáculos Musicais do CEART se comunicam
com as singularidades de cada gênero dos Musicais? Por que o diretor escolheu
essa estética? Qual foi a metodologia ideal escolhida pela direção na construção
desses gêneros propostos? Quais foram as dificuldades e as facilidades de realizar
um espetáculo Musical no meio acadêmico? Como essas peças de Teatro Musical
se relacionaram dentro e fora do campus?
Ao pesquisar sobre Teatro Musical no Brasil, percebi uma carência de
publicações sobre o tema. Na verdade, não temos uma obra específica sobre a
história do Teatro Musical no Brasil até o momento, maio de 2015. São encontradas
obras referentes a alguns gêneros do teatro Musical, tais como: Ópera no Brasil,
Teatro de Revista, Vaudeville ou biografias de artistas envolvidos com o gênero
Musical. É possível também encontrar dissertações, teses, monografias sobre esse
leque do Teatro Musical, mas não encontrei uma obra unificada sobre os diferentes
meios do Musical.
Assim, para trabalhar e compreender o gênero Musical no Brasil, tive que
buscar apoio em diferentes trabalhos, cada qual expondo aspectos das diferentes
possibilidades do Teatro Musical. Mas, também, parece-me visível que ainda há
muito para se pesquisar e se escrever sobre este gênero teatral no Brasil. É
perceptível que as referências bibliográficas se cruzam na maioria das publicações,
devido à escassez de estudos sobre o tema.
Para trabalhar os núcleos temáticos aqui propostos, precisei conhecer e me
aprofundar nos gêneros Teatro de Revista, Ópera de Brecht e Adaptação de filme.
Para isso, as pesquisas de Neyde Veneziano, os estudos sobre Brecht e a
referência de Beatrice Picon-Vallin foram de extrema importância para o meu
trabalho. Em Veneziano, podemos encontrar conceitos e diferenciações no Teatro
de Revista, de acordo com sua época de propagação, desde a revista mais política
ao cabaré. Entretanto, não me aprofundei nos detalhes, pois a ideia é discorrer, de
forma geral, sobre o Teatro de Revista; a teoria dialoga com a prática da peça
realizada na UDESC: Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010). As outras duas
referências complementam a minha pesquisa sobre a Ópera Brechtiana e Teatro
Musical adaptado dos filmes estadunidenses.
Dentro de cada núcleo, apresento uma pequena explanação das práticas de
três espetáculos Musicais do CEART no período de 2010 a 2014, assim como as
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escolhas dos diretores de cada montagem cênica. Qual metodologia usada nas
diversas encenações? Que ator e diretor esses diferentes gêneros do Teatro Musical
necessitam? Essas e outras perguntas referentes à prática cênica do Musical devem
ser respondidas ao longo deste estudo.
Como este trabalho possui uma pesquisa histórica sobre o Musical no Brasil,
o primeiro passo foi levantar materiais bibliográficos acerca desse tema. Encontrar
registros que me auxiliassem a escrever uma breve cronologia da história do Teatro
Musical no Brasil: o seu nascimento, o seu ápice, com o Teatro de Revista, a sua
decadência e o seu renascimento, com inspirações nas peças estadunidenses.
Esses materiais podem ser encontrados nas revistas eletrônicas, no acervo da
Biblioteca Universitária (BU) da UDESC e em livros, teses e dissertações de
pesquisadores brasileiros.
A segunda etapa foi a análise audiovisual das peças Musicais feitas no
CEART/UDESC entre o período de 2010 a 2014. Estudar suas proposições, suas
diferenças e semelhanças; a fim de juntá-las nos grandes núcleos Musicais, por mim
delimitados.
Depois, reuni mais referências bibliográficas que discursassem sobre esses
núcleos no contexto do Brasil. Ou seja, pesquisei sobre o Teatro de Revista, a
Ópera Brechtiana (e suas adaptações) e os Musicais de adaptação de filme. Através
disso, muitas referências visuais também foram recolhidas, principalmente dos
espetáculos Musicais dessas vertentes.
Para desenvolver o trabalho proposto para este TCC, entrevistei as diretoras,
Vera Collaço (Zylda: Anunciou é Apoteose!), do núcleo de Teatro de Revista; e
Giseli Balestreri e Tatiani Borga (Mestre Contini), de adaptação de Filme; e o diretor,
Diego de Medeiros ($em Vintén$), de adaptação de Ópera Brechtiana. Estas
entrevistas tiveram como foco as seguintes questões: a preparação do diretor para o
trabalho; como trabalhou o seu grupo de atores; as dificuldades e as facilidades ao
montar um Musical no meio acadêmico; a motivação da escolha do Musical; sondar
como esses Musicais se projetaram dentro e fora do campus, dentre outras
perguntas. Para essa etapa, ter acesso aos cadernos dos diretores foi de grande
auxílio, uma vez que pude explanar com mais propriedade cada espetáculo.
Depois de realizar as pesquisas necessárias, comecei a escrever o meu TCC,
que resultou num trabalho elaborado em três capítulos, cada um referente a um
núcleo Musical. O primeiro aborda os conceitos de Teatro de Revista e a explanação
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da peça de Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro (2010); o segundo, o conceito de
Ópera Brechtiana e a peça de Diego de Medeiros (2014); o último capítulo conta
com a definição de adaptações de filme para Musicais de palco e a peça de Giseli
Balestreri, minha, Maria Luisa Porath, e de Tatiani Borga (2014). Dentro deles, os
subcapítulos contêm registros das entrevistas, as definições de cada gênero de
Teatro Musical proposto, as semelhanças – e as divergências – dos pesquisadores
sobre cada núcleo proposto, as concepções estéticas e a explanação cênica de
cada espetáculo.
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2 PRELÚDIO: OS ESPETÁCULOS MUSICAIS NO CEART
Em agosto de 1986, tiveram início as aulas da primeira turma do curso
Licenciatura em Educação Artística: Habilitação em Artes Cênicas (atualmente,
curso de Licenciatura em Teatro), no Centro de Artes (CEART), na Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC). Três anos depois, em 1989, foi levada a público
a primeira montagem do curso, Tartufo de Molière, com direção de José Ronaldo
Faleiro, atual professor do Departamento de Artes Cênicas (DAC).
Desde a implantação do curso, de 1986 a 2005, até onde pude pesquisar, não
houve peças de Teatro Musical no CEART. Eram montagens pautadas no texto,
numa interpretação textual por parte do ator. Alinhando-se, dessa forma, a uma
longa tradição do teatro ocidental, principalmente o francês, que durante muito
tempo, perpetuou a sacralização do texto. Além disso, por estar num ambiente
acadêmico, a supremacia textual em relação à experimentação cênica era natural e,
até mesmo, incentivada. Contudo, pode-se notar que “o próprio textocentrismo
evolui, adapta-se aos gostos, às técnicas, às concepções possíveis da noção do
sentido e da relação que um texto mantém com um público contemporâneo de sua
criação, ou com outras gerações” (ROUBINE, p. 45, 1982).
Já a partir de 2005 até 2014, percebi uma efervescência de montagens
Musicais, como: Carmen (2005) com direção de Diego de Medeiros, disciplina de
Encenação Teatral I e II; Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) com direção de Vera
Collaço e José Ronaldo Faleiro, disciplina de Montagem Teatral I e II; Carmen
(2012) com direção de Elisângela Polleto, disciplina de Prática de Direção Teatral I e
II; Chicago/ All That Jazz (2013) com direção de Ana Luiza Koerich e Marina Soares,
Prática de Direção Teatral I e II; Mestre Contini (2014) com direção de Giseli
Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga, Prática de Direção Teatral I e II;
Cabaret – Casa de Tolerância (2014) com direção de Marlon Spilhere, Prática de
Direção Teatral I e II; $em Vintén$ (2014) com direção de Diego de Medeiros,
Montagem Teatral I e II.
É válido destacar que, além dessas criações, peças com músicas, ou
musicadas, também foram encenadas, como: Beatriz (2011) com direção de Ana
Paula Beling, disciplina de Prática de Direção Teatral I e II; Malkia Zarité (2012) com
direção de Renatha Flores, disciplina de Prática de Direção Teatral I e II; Contestado
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(2013), com direção de Tânia Farinon e Amor em três línguas (2014), com direção
de Maíra Wiener, ambos na disciplina de Prática de Direção Teatral I e II, dentre
outras.
Numa primeira listagem, é possível perceber um total de sete (07)
espetáculos Musicais levados a cena por docentes e discentes do Curso de Teatro
do CEART e pelo menos quatro (4) espetáculos que têm por base a música e a
musicalidade. Analisar o todo exigiria um tempo necessário para a realização de
uma dissertação de Mestrado. Para um trabalho de TCC, fica inviável analisar todos
os espetáculos mencionados. Infelizmente, o tempo para pesquisa é curto. Assim, o
recorte final de objeto para estudo ficou restrito à explanação de três espetáculos
Musicais.
Para compreender melhor a distinção entre Teatro Musical, Musicado e com
música, procuro explanar o conceito de cada termo. No Teatro Musical, os atores
necessitam dominar tanto o canto, quanto a dança e a atuação. E, além disso, é
uma
[...] forma contemporânea (a ser distinta da opereta ou da comédia musical) [que] se esforça para fazer com que se encontrem texto, música e encenação visual, sem integrá-los, fundi-los ou reduzi-los a um denominador comum (como a ópera wagneriana) e sem distanciá-los uns dos outros (como as óperas didáticas de Kurt WEILL e B. BRECHT (PAVIS, 2011, p. 392).
O Teatro Musicado se define a partir da função da música, a qual “entra como
elemento estético a ser agregado ao enredo e, caso seja retirada do espetáculo, a
história permanece compreensível” (MUNDIM, p. 48, 2014). Assim, a dramaturgia
textual é responsável por contar a história e a música ambientaria o espetáculo, sem
que se perca a compreensão da peça, caso a música fosse subtraída. Além disso,
caracterizo, esta possibilidade, como toda peça em que não há um dos três
elementos artísticos necessários para se tornar um Teatro Musical, como: canto,
dança e atuação.
O último termo, teatro com música, é concebido como qualquer espetáculo
que utilize a música – seja cantada pelo elenco ou não – como um recurso sonoro
para intensificar a dramaturgia ou destacar algum acontecimento. A música não
conta nem faz parte dramaturgicamente da peça.
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2.1 Espaços Proliferadores dos Musicais do CEART
O curso de Licenciatura, ou Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do Centro
de Artes (CEART/UDESC), possui dois blocos de disciplinas – Montagem Teatral I e
II, e Prática de Direção Teatral I e II, nas quais se desenvolvem trabalhos de criação
de espetáculos cênicos. Nestas duas disciplinas, foram criados os espetáculos aqui
comentados.
Entre os objetivos das disciplinas de Montagem Teatral I e II, segundo a
ementa, destaca-se que a mesma almeja a “montagem de um espetáculo teatral sob
[a] direção de um professor, evidenciando a construção das diferentes linguagens do
espetáculo” (Ementa das disciplinas acadêmicas Montagem Teatral I e II, Sistema
SIGA/UDESC). A cada ano, professores diferentes se responsabilizam por essa
disciplina. Dependendo do número de alunos, há a possibilidade de existirem dois
diretores; a junção ou não da turma depende da linguagem trabalhada por cada
professor. Em relação ao texto, cada diretor decide (em conjunto com a turma ou
não) a dramaturgia a ser trabalhada. A UDESC oferece uma ajuda financeira para a
produção da peça, a qual, infelizmente, não cobre os custos de um espetáculo em
vias profissionais.
Como exemplo, no ano em que fiz essa disciplina, 2013, a professora
responsável era a Dra. Jussara Xavier. A proposta era criarmos um espetáculo de
dança-teatro; assim, a composição geral da peça foi montada pela diretora, no final
do ano de 2012. Mas a colaboração com ideias ficou livre ao acadêmico-ator. O
espetáculo encenado foi Assemblage (2013) com os acadêmicos da 5ª e 6ª fases
daquele ano. A importância dessa disciplina é colocar em prática os conhecimentos
de ator, trabalhados em disciplinas anteriores. E, além disso, o preparo de uma
concepção de peça teatral. Compreender seus componentes artísticos, a
metodologia do diretor, a concepção geral do espetáculo.
Já a ementa das disciplinas de Prática de Direção Teatral I e II afirma que o
objetivo da disciplina é a “prática de direção teatral a partir de um espetáculo curto.
Plano de direção. Planejamento da iluminação, figurino e cenografia. A produção de
sentido na cena” (Ementa das disciplinas acadêmicas Prática de Direção Teatral I e
II, Sistema SIGA/UDESC). Nessa etapa, acadêmicos das 7ª e 8ª fases são diretores:
realizam uma peça teatral, em dupla, trio ou em individual. Há um professor
responsável pela disciplina que auxilia na composição de todas as peças. Este é um
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momento importante para o estudante, pois muitos trabalhos criados nessa
disciplina se tornam projetos fora do meio acadêmico, seja com apresentações ou
temas de pesquisa.
O estudante tem a liberdade de colocar em prática a sua proposta de
pesquisa. O elenco se forma de diversos modos, tais como: proximidade de
linguagem, teste de elenco, parceria, dentre outros. Fica à critério do acadêmico-
diretor essa e outras escolhas. Geralmente, as peças estreiam no CEART, mas
apresentações fora do ambiente acadêmico também são permitidas e estimuladas.
Ao contrário da disciplina de Montagem Teatral I e II, a UDESC não fornece
mais ajuda financeira para os projetos de Prática de Direção Teatral. Assim, os
estudantes precisam encontrar recursos por meio de patrocínios, rifas, doações ou
bilheteria. Como nas apresentações dentro do meio acadêmico é proibido cobrar
ingresso, a possibilidade de apresentar fora do campus se torna uma opção
bastante oportuna, e possibilita a cobrança de ingresso.
Um ponto relevante a comentar, é que tanto os espetáculos da disciplina de
Montagem Teatral, quanto de Prática de Direção Teatral, proporcionam uma
diversificação de público. É bem-vinda e válida, a troca entre o espectador externo e
o acadêmico.
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3 O TEATRO DE REVISTA ADENTRA NA ACADEMIA
Dia dois de fevereiro Dia de festa no mar
Eu quero ser o primeiro A saudar Iemanjá...
Zylda: Anunciou, é Apoteose!, com direção de Vera Collaço e José Ronaldo
Faleiro foi um espetáculo Musical montado com os acadêmicos da 5ª e 6ª fases de
Licenciatura e Bacharelado em Teatro, do CEART/UDESC, nas disciplinas de
Montagem Teatral I e II, no ano de 2010.
Imagem n. 01 – Primeiro elenco de Zylda, em reunião no dia 02 de fevereiro de 2010, no Centro de Artes – UDESC. Acervo particular de Vera Collaço.
No programa do espetáculo5, Vera Collaço informa que
Zylda é resultante de pesquisas e estudos sobre Teatro de Revista Brasileiro desenvolvidos no CEART. Com este espetáculo materializamos para o público atual um dos gêneros teatrais mais pulsantes da cena brasileira e que teve grande aceitação popular no final do século XIX e nas cinco primeiras décadas do século XX. A “revista” era um teatro que procurava exaltar o Brasil e a brasilidade, sem com isso descuidar de parodiar e brincar com nossos defeitos e vícios históricos — gênero que mesclava teatro, dança e muita
5 Programa da peça: Zylda: Anunciou, é apoteose! Acervo particular de Vera Collaço
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música, sendo responsável pelo lançamento de canções fundamentais da história de nossa Música Popular.
Uma homenagem e um aprendizado foram as motivações que estão na base
de Zylda. E com as palavras de Aracy Cortes, que se encontram no texto que foi
levado ao palco, temos:
Desculpa a imodéstia. Mas, quem não conhece Aracy Cortes?
Sou eu, meu bem! Anunciou é apoteose!
ARACY CORTES (1904-1985)
Imagem n. 02 - Aracy Cortes – no espetáculo: Voto Secreto, de 1934. Teatro Recreio. CEDOC-FUNARTE. Delson Antunes, 2004, p. 284.
Esta imagem foi usada como a capa do texto do trabalho.
O espetáculo Zylda, comenta Vera Collaço no programa do trabalho, “é uma
homenagem a grande atriz revisteira: Aracy Cortes, que na realidade chamava-se
Zilda Espindola”. E explica, a seguir, o porquê da escolha do nome do espetáculo:
E escolhemos o seu nome verdadeiro para homenageá-la. Usamos o “y” para reportá-lo a escrita dos anos 1920 a 1940 quando usar “y” no nome dava uma sofisticação e diferenciava o designado. Zylda é uma homenagem a grande atriz Aracy Cortes. Não fazemos, no espetáculo, uma biografia da atriz (Programa do Espetáculo, 2010).
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3.1 Pinceladas da História do Gênero Teatro de Revista
Qual o gênero revisteiro que embasou o processo cênico de Zylda? E o que é
um espetáculo de Teatro de Revista? Para responder essas questões e outras que
surgiram na escrita deste TCC, apoio-me em estudos que analisam esse gênero em
terras brasilis.
Influenciada pela Commedia dell’Arte, a revista tem sua origem na França, no
século XVIII, nas chamadas barracas de feira de São Germano e São Lourenço. Lá
ocorriam apresentações de saltimbancos, trovadores, dançarinos, artistas populares.
A Revista se espalhou pela Europa e o primeiro país a adotá-la, depois da França,
foi Portugal, em 1850. Essa revista recebeu a denominação de Revista de Ano, por
fazer uma revisão dos principais acontecimentos artísticos, políticos e outros que
tinham ocorrido no ano anterior a sua apresentação (VENEZIANO, 1991).
No Brasil, tem-se notícias de dramaturgias precursoras da revista, mas foi em
1859 que estreou a primeira revista brasileira, no Rio de Janeiro, no Teatro Ginásio:
As Surpresas do Senhor José da Piedade, de Figueiredo Novaes. “Tratava-se de
uma divertida recapitulação dos principais acontecimentos do ano anterior (1858) e,
portanto, uma revista de ano, em dois atos e quatro quadros” (VENEZIANO, 1991, p.
26). Mas não teve sucesso, pois o público não estava acostumado às críticas
políticas e às convenções do novo gênero, e a censura imperial também atuou de
imediato contra as licenciosidades políticas da Revista de Ano.
O novo gênero Musical conseguiu espaço e destaque em solo brasileiro a
partir da obra O Mandarim, de autoria de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio, em
1884. A dupla conseguiu abrir os teatros brasileiros para o riso, a galhofa e as
ironias politicas através da Revista de Ano, com eles se instaura o gênero no Brasil
(VENEZIANO, 1991).
A Revista de Ano vai ser hegemônica nos palcos cariocas e dos demais
teatros brasileiros entre 1884 e meados de 1910. A partir da morte de Arthur
Azevedo em 1908, o gênero, que já vinha dando sinais de esgotamento, entra em
colapso total. Assim, começou a segunda fase revisteira com a denominada Revista
Clássica ou Brasileira (1912-1940) e a Carnavalesca (1912-1930). O gênero tem sua
ultima segmentação entre 1950-1960 com a denominada Revista Feérica, quando –
devido à censura do regime militar e às novas concepções teatrais – esse gênero
acaba esquecido entre as práticas teatrais no Brasil (COLLAÇO, 2015).
20
Cada modalidade do Teatro de Revista tinha suas especificidades. Aqui não
me cabe detalhar em minúcias suas propriedades. Apresento, a seguir, alguns dos
principais elementos que distinguem as diferentes escritas revisteiras, e me
concentro no que foi a dominante na escrita de Zylda.
A primeira, justamente pelo nome, Revista de Ano, tinha a função de revistar
(rever) os acontecimentos mais importantes do ano anterior. Estruturada em três
atos, com um fio condutor, o qual possibilitava várias situações episódicas e uma
certa unidade do texto. Para que o público compreendesse a estrutura da revista,
era necessária a figura de um compère (compadre) ou/e comère (comadre), que
fazia comentários acerca da montagem e ligava as cenas. O fio narrativo era frágil,
possuía elasticidade para a inclusão de quadros, canções e cenas improvisadas.
Além disso, a Revista de Ano também tinha na sua estrutura: prólogo (ou quadro de
abertura), apresentação das personagens-tipo, quadros episódicos e três apoteoses,
uma para cada ato.
A segunda, Revista Clássica, que serve de modelo para Zylda, não se
vinculava mais aos acontecimentos do ano que passou, era constituída em dois
atos, variados números de quadros e duas apoteoses. O enredo foi esgarçando-se
até seu desaparecimento. A Revista cedeu amplo espaço para a música e para a
dança popular brasileira, com a consequente redução do texto (COLLAÇO, 2015).
“Com o passar do tempo”, observa Veneziano (2006, p. 34-35), a Revista “foi
sofrendo alterações e, pouco a pouco, a necessidade da história foi abandonada. A
Revista transformou-se em show de variedades ou ‘revistas de virar a página’”. A
música, a vedete, a dança, os grandes cômicos passaram a ser as grandes atrações
da cena revisteira.
A estrutura da Revista Clássica é composta basicamente por: prólogo – “era o
momento do desfile das vedetes e de toda a companhia, grandioso, deslumbrante”
(VENEZIANO, p. 95, 1991) –; números de cortina – servia para preencher o tempo,
justamente nas trocas de cenários e figurinos –; quadros de comédia – “combinadas
ao timing dos atores, a malícia e a sutileza dos autores poderiam fazer do quadro
cômico o ponto alto do espetáculo” (VENEZIANO, p. 104, 1991) –; quadros de
fantasia – predominância do luxo, da cenografia, da iluminação, do figurino e do
deslumbramento do teatro –; monólogos – geralmente, anterior à apoteose –;
apoteose – ao final de cada ato, havia uma apoteose em que o tema não tinha,
necessariamente, relação com o restante da revista. Vale lembrar que a apoteose do
21
primeiro ato era a mais importante, pois deixava o público deslumbrado com a magia
do teatro.
Destaca-se que o ritmo da revista era definido mediante contrastes. Se um
ator falava rápido, o outro devagar. Se na cena anterior, o ritmo era lento, na
posterior, deveria ser mais agitado. Quem regia o espetáculo era o público. Portanto,
na revista cabia tudo o que era do gosto da plateia. Devido a esses contrastes, a
revista tinha a função de divertir, mas também poderia fazer chorar.
A terceira, um subgênero da Clássica, Revista Carnavalesca, tem seu
despertar com a Primeira Guerra Mundial e a instabilidade mundial. O Brasil, a partir
de 1912, tornou-se um lugar ilhado, fechou-se para as influências externas. Com a
crise política, companhias portuguesas que estavam aqui não puderam retornar à
Portugal, nem outras puderam desembarcar no Brasil. Por esse motivo, a Revista
Brasileira caminha longe de influências europeias, fincou as suas raízes brasileiras
no Carnaval. O povo, cansado de crises e pessimismo, pedia por um teatro popular,
alegre (VENEZIANO, 1991). A Revista, guiada por esse apelo popular, deixou-se
cair no gosto do povo, no bom carnaval e no samba. Nessa época, como não havia
o rádio, as músicas e as marchinhas eram veiculadas pela Revista. Mas, ao
contrário do que possam pensar, ainda a Revista era um meio de crítica política.
Misturava-se o carnaval e a política, a fim de resultar numa bela salada de crítica
social e política.
A quarta, e a última investida do gênero, deu-se no que ficou conhecido como
Revista Feérica. Para Delson Antunes, essa nova modalidade começou a ser
gestada no final dos anos 1930, quando “a revista marcava passo, estagnada no
modelo do music-hall. As fórmulas adotadas pelo gênero esgotavam-se e não havia
grandes estímulos para a renovação” (ANTUNES, 2002, p. 115). Esta nova
modalidade encontrou na figura do Walter Pinto, o comandante do Teatro Recreio, a
partir de 1939, o seu maior impulsionador. Com ele, a Revista “assumiu
definitivamente a tendência ao music-hall. Este modelo de espetáculos Musicais
impregnava os teatros de Paris e da Broadway, e agora conquistava a grande
revista brasileira, conduzindo-a para novos caminhos” (ANTUNES, 2002, p. 99).
Aracy Cortes também atuou nas imponentes revistas feéricas de Walter Pinto,
fazendo, quase sempre, par com o cômico Oscarito.
Com as inovações industriais, como o rádio, o cinema e a televisão, lentamente a
Revista deixou de ser prioridade na área de entretenimento. Para que ir ao teatro se
22
a música era tocada na rádio? Por que ver a mistura de teatro com cinema nos
palcos, com os equipamentos à mostra, se existia a magia do cinema? Por que
assistir ao Teatro de Revista, se na comodidade da sua casa, poderia ter acesso ao
mesmo divertimento? A Revista tentou sobreviver a todas essas inovações, mas o
“grande teatro musical do país chegava ao fim. A revista deixava de ser a maior
referência de diversão das plateias urbanas” (ANTUNES, 2002, p. 128). A forte
censura no país após o golpe militar-civil de 1964, também contribuiu para impedir a
continuidade revisteira. Pois, como disse Silvio de Abreu sobre a relevância das
mulheres neste espetáculo,
Cada vedete tinha sua marca. Cada uma era um espetáculo em si. Pouco do cenário político brasileiro passava [despercebido] pela aguçada verve cômica dessas mulheres. Brincavam com as autoridades, com os conceitos, com a moral, com a família, eram livres, soltas, destemidas, arrojadas” (ABREU, 2010, p. 11-12).
A condição feminina em cena (COLLAÇO, 2015) sua desenvoltura e sua
capacidade de expressar sentimentos de seu público e os cômicos que as
acompanhavam acentuando a crítica aos acontecimentos sócio-políticos do país
foram os elementos mais proibidos pela censura. A Revista deveria encaminhar-se
para a pura sensualidade, e distanciar-se de qualquer atitude à crítica realidade
imediata. Com isso, o riso descolado do real se une ao elemento mais sexual, e a
Revista perde público e espaço diante de outro momento da história da cena
brasileira.
3.2 Dramaturgia e Texto Cênico de Zylda: Anunciou, é Apoteose!
Estreado em 21 de setembro de 2010, no Teatro Pedro Ivo, Florianópolis –
SC, o trabalho Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) foi criado a partir das disciplinas
de Montagem Teatral I e II, da 5ª e 6ª fase do curso de Licenciatura e Bacharelado
em Teatro do CEART/UDESC, com a professora Vera Collaço e o professor José
Ronaldo Faleiro6. O texto de Zylda resultou de colagem de vários textos de
espetáculos revisteiros, em que a atriz Aracy Cortes participou.
6 Ficha Técnica de Zylda, fonte: Programa do espetáculo: Direção Geral: Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro. Elenco Feminino: Aline Porto Quites, Ana Paula Beling, Camila Peterson, Carin Dell’Antônio, Caroline Dalprá, Caroline Janning, Cristina Sanches, Elisa Schmidt, Gabriela Leite,
23
É importante destacar que, no dizer dos participantes,
[p]rocuramos, com Zylda, construir um texto e um espetáculo que possa repercutir nas plateias atuais, e ao mesmo tempo apresentar a esse público um gênero que praticamente desapareceu da cena brasileira a partir da década de 1960. Observamos que não estamos fazendo um “resgate” histórico de um gênero desaparecido de nossos palcos, e sim, acompanhando uma tendência que desponta, nos últimos tempos, no teatro brasileiro, que é a de voltar-se para o “musical”. Dessa forma, a “Revista” — por sua irreverência, pela ligadura de um texto inteligente bem-humorado, pela capacidade de interligar a música, a dança e o teatro, o sério e o cômico, o lúdico e o paródico — mostrou ser um excelente caminho para recolocar na cena a musicalidade, tão viva em nossa cultura (Programa Zylda, 2010).
Há dois atos e 21 quadros no espetáculo Zylda (2010); intercalam cenas
cômicas, música e dança. Nessa estrutura, é possível perceber, em cena, a “’ginga’
brasileira, o carnaval e o samba, numa exaltação, ‘quase ingênua’, do país, de seus
valores e de sua história, tais quais eram constituídas as ‘revistas’ no seu auge
histórico, ou seja, nas décadas de 1920 a 1940” (Programa Zylda, 2010).
3.3. Revistar Zylda: Anunciou, é Apoteose!
A escolha do gênero Teatro de Revista foi resultante do estudo dessa
linguagem como projeto de pesquisa da Profa. Dra. Vera Collaço. Quando estava no
Doutorado, de 2000 a 2004, fazendo pesquisas de campo, descobriu que na década
de 1920, em Florianópolis – SC, houve uma produção bem relevante de Teatro de
Revista. Contudo, como o tema do Doutorado era sobre a União Operária (UBRO),
não poderia focar no Teatro de Revista. Em 2005, portanto, retomou a pesquisa de
Teatro de Revista em Florianópolis.
Joana Brandenburg, Juliana Riechel, Margarida Baird, Monique Rosa, Vivian Coronato. Elenco Masculino: Anderson Barbarotti, Anderson Luiz do Carmo, Diego de Medeiros, Helder Ramos, Oto Henrique, Pedro Coimbra, Rangel Corrêa. Atriz Convidada: Margarida Baird. Dramaturgia: Vívian Coronato, Vera Collaço e Anderson Luiz do Carmo. Iluminação: Ivo Godois. Cenógrafo: Fernando Marés. Figurino: Adriana Cardoso Pereira. Coreografias: Sandra Meyer. Coreografias de Dança de Salão: Diego de Medeiros Pereira. Coreografia do Sapateado: Bia Mattar. Coreografia e apoio de danças Afro-Brasileiras: Adelice Braga (Nega). Coreografias e Ensaios: Elisa Schmidt. Direção Musical: Joana de Lazari. Produção e Execução Musical: Neto Fernandes. Preparação Vocal: Fernanda Rosa e Ana Paula Beling. Sonoplastia: Luana Mara. Preparação Corporal: Fátima Wachowicz, Elisa Schmidt, Pedro Coimbra, Luana Mara, Carin Dell’Antonio, Aline Porto Quites. Material Gráfico: Camila Mayer Petersen. Assistente de Direção e Monitoria: Elisa Schmidt. Produção: Carol Dalprá.
24
Em relação ao espetáculo Zylda, Vera Collaço observou, na entrevista
(2015),7 que não pensava, na época (2009), em dirigir um espetáculo, mas foi
convidada pelos acadêmicos para assumir a disciplina de Montagem Teatral I e II
em 2010. Brincou dizendo que aceitava se fosse um espetáculo de Teatro de
Revista, e eles toparam o desafio. Decidido isto, agora era a etapa de construir um
texto revisteiro, pois não há texto pronto de Teatro de Revista Clássica que sirva
para montar na contemporaneidade, eles são datados, disse Vera Collaço (2015).
Ela observou ainda que desejava criar um espetáculo para homenagear uma grande
atriz revisteira, além de querer fazer uma homenagem a uma grande atriz carioca,
que, desde 1983, mora em Florianópolis, a Margarida Baird, esposa do José Faleiro.
Assim, juntou as duas situações.
Fizeram uma colagem dos textos em que a Aracy Cortes (Zilda Espindola)
trabalhou; e a Margarida Baird interpretou a Aracy Cortes na idade avançada. O
texto foi criado a partir de um núcleo dramatúrgico com três colaboradores – Vera
Collaço, Vivian Coronato e Anderson Luís do Carmo –, que reunia as partes dos
textos a serem selecionados, somados com uma pequena biografia da Zylda, mas
não construído de modo sequencial.
No texto, foram inseridos alguns momentos interessantes e/ou anedóticos da
trajetória pessoal e artística de Aracy Cortes. Ou seja, “Aracy Cortes é nossa
homenageada, ela não se constituiu no objeto do texto, nem mesmo como tênue fio
de enredo” (COLLAÇO, 2015). Mas os autores trouxeram para a cena os quadros,
músicas ou momentos de dança – maxixe, samba, tango, etc. – que constaram nos
espetáculos encenados por Aracy Cortes. Com este trabalho, foram postos em cena
uma peça revisteira, mas que não procura reconstituir uma história do Teatro de
Revista, e sim colocar em cena, nos dias atuais, um espetáculo de Revista. Ou seja,
permitir que o público atual venha a conhecer um espetáculo de Teatro de Revista.
“O trabalho foi plural, fantástico nesse sentido” (COLLAÇO, 2015). Os atores
tiveram que adquirir uma gama de conhecimentos, com diversos eixos: canto,
sapateado, clown, linguagem do Teatro de Revista – trouxeram a Neyde Veneziano,
maior pesquisadora do assunto no Brasil, para dar um curso a eles – e dançar em
conjunto. O trabalho foi plural, no sentido de que pesquisadores de cada eixo foram
7 Vera Collaço. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 13 de abril de 2015, no Centro de Artes/UDESC.
25
convidados a realizar workshops e exercícios a fim de que os atores pudessem
conhecer melhor a linha artística do Teatro de Revista. Havia núcleos de figurino,
cenário, dramaturgia, iluminação... E, apesar de ter um profissional especializado em
cada núcleo, os acadêmicos também participavam desses processos.
O cronograma, devido às muitas atividades extras, foi apertado; quase todos
os dias, havia ensaio, o qual não parava devido a atrasos ou a faltas de atores.
Como a Revista possui uma estrutura fragmentada, existia a possibilidade de se
ensaiar as cenas avulsas, com os atores que estavam presentes. Mas, como
qualquer montagem cênica, há sempre desavenças e situações conflituosas; ainda
mais com um elenco tão grande. Depois de cada ensaio, o grupo se reunia para
realizar o balanço do dia: pontos negativos e positivos. Era nesse instante que o
grupo dava a sua opinião, e tanto a Vera Collaço quanto o José Faleiro, escutavam
para depois dar a palavra final. Zylda “é um processo de montagem com
colaboração e direção” (COLLAÇO, 2015).
Em relação às divisões de direção, José Faleiro focou na interpretação e na
musicalidade: intenção, pausa, ritmo, afinação. Já Vera Collaço tomou a frente da
concepção de personagens, de cenas, do espetáculo como um todo. Mas, os dois
se sentiam à vontade para interferir e sugerir modificações; não era uma divisão
rígida. “O Faleiro é um gentleman [...] A gente conseguiu atuar como se fosse um só
[...] e funcionou” (COLLAÇO, 2015).
Sobre o orçamento, foi um espetáculo caro, com uma equipe grande. Custou,
na época, R$ 70.000,00 (setenta mil reais). A UDESC forneceu R$ 6.000,00 (seis mil
reais) para a realização da peça, com as duas turmas juntas. Caso o José Faleiro e
a Vera Collaço decidissem, cada um realizar uma montagem, a ajuda financeira
cairia pela metade, R$ 3.000,00 (três mil reais). Para atingir o orçamento, os alunos
organizaram várias festas, venda de bolos, pedágio, rifas; além de projetos,
elaborados por Vera Collaço, com a finalidade de conseguir recursos no ensino, na
pesquisa e extensão do CEART/UDESC. O Departamento de Artes Cênicas (DAC)
pagou as passagens, hospedagens e cachês dos pesquisadores e professores que
auxiliaram durante o processo de montagem.
A construção da peça Zylda começou pelo nome. Alguns acadêmicos, na
época, estavam trabalhando com numerologia e focaram-se na escolha do nome, a
partir de cálculos. Chegaram à conclusão de que Zylda: Anunciou, é Apoteose! seria
sucesso. Todo mundo aprovou. Todos se responsabilizaram pelo processo, foi um
26
trabalho árduo. A peça possibilitou o intercâmbio entre os cursos de Teatro e Moda
da UDESC. A figurinista, Adriana Cardoso Pereira, realizou o seu Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC)8 sobre os figurinos para o espetáculo e, Vera Collaço,
como orientadora da acadêmica, convidou-a para confeccionar o figurino de Zylda.
Adriana Cardoso Pereira foi a responsável pela elaboração do primeiro figurino do
espetáculo, em 2010, bem como por sua atualização no final de 2010 e início de
2011.
Sobre o trabalho com os atores, Collaço (2015) comentou que havia
exercícios essenciais para a construção do Teatro de Revista, como a triangulação:
dialogar com o parceiro, mas sem perder o contato da plateia. “É complexo, pois
temos a tendência à representação realista” (COLLAÇO, 2015). Na Revista, o ator
namora com o público, exibe-se o tempo todo para a plateia. Eu me mostro. Outra
vertente bastante trabalhada foi a linguagem do clown: entregar o papel, fazer a
improvisação e devolver para o outro, equilíbrio do corpo, jogar, gestos contidos e
abertos, contenção e domínio do palco. Este trabalho foi elaborado a partir de uma
oficina realizada por Débora Matos9. Além disso, houve quatro acadêmicos do
Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT) que realizaram seu Estágio
Docência na montagem de Zylda. Com isso, colocaram em prática suas pesquisas
no trabalho do ator cômico ou aprofundaram a presença cênica do elenco do
trabalho.10
Ainda com relação ao trabalho cênico, Vera Collaço (2015) revelou, na
entrevista, as dificuldades internas do processo de trabalho: “No teatro, [a divisão
das personagens] é sempre a parte mais melindrosa. [...] O ator começa um trabalho
e já quer um papel, uma personagem”. Já se sabia que a Margarida Baird faria o
papel de Zylda na idade adulta, mas existiam outras Zyldas em diferentes etapas da
vida. Durante o processo, foram feitas algumas experiências vocais. Ali se percebeu
quem tinha condições de cantar solo ou não. Além disso, outros experimentos
8 Adriana Cardoso Pereira. Figurino para Teatro de Revista: uma experiência com Zylda: o feitiço moreno! Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Centro de Artes, 2010. Observo que o nome do trabalho refletia um dos primeiros do espetáculo, pois o TCC foi defendido no primeiro semestre, antes da elaboração definitiva do nome do trabalho. 9 Débora Matos é formada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro pelo CEART/UDESC e integrante da Traço Cia. De Teatro. 10 Do projeto da Montagem de Zylda se sabe que esse trabalho foi realizado pelos mestrandos Gilmar Rodrigues de Lima, Larissa Gonzales, Lisa Brito e pela doutoranda Cláudia Sachs. O Estágio Docência é uma atividade que os Cursos de Mestrado em Teatro exigem de seus acadêmicos como um aprendizado necessário para sua futura atuação profissional.
27
artísticos, como o sapateado e o ritmo, foram realizados. “Têm coisas que a gente
descobre experimentando, outras tu olhas para o ator e já vê a personagem [...] e
outras, negociando. Tu machucas um pouco o ego, porque a pessoa queria a
personagem” (COLLAÇO, 2015). Em geral, todos os acadêmicos continuaram no
processo até o final da disciplina. No ano seguinte, 2011, quando decidiram
continuar o processo, apresentando em Santa Catarina, alguns atores saíram do
trabalho, devido a outros projetos de vida.
Por fim, como último tópico explorado, discutimos, na entrevista, sobre o
gênero Musical, e, em específico, sobre o Teatro de Revista e a sua reverberação
tanto na academia quanto no seu auge histórico. “No meio acadêmico, há um certo
bico torto para o Teatro de Revista, evidente. Ele é considerado um teatro comercial
puro. E ele era um teatro comercial. Os atores viviam do teatro” (COLLAÇO, 2015).
E trabalhava muito com a ironia, o deboche, mas com muita malícia. Então, isso
tende a ser negativado para a academia. Ao contrário, o público geral se deleitou.
Tiveram que fechar as portas do Teatro Álvaro de Carvalho (TAC) e deixar fila de
público de fora, devido à lotação da casa. Por esse motivo, Vera Collaço afirma que
houve dois públicos: o acadêmico e o geral. Na academia, os alunos se envolveram
muito. E fora, o público. Havia um preconceito estampado na academia, por mais
que o espetáculo tenha tido ótimas críticas escritas. Foi um trabalho rico, e um
momento único no CEART. Esse processo permitiu, aos acadêmicos envolvidos,
conhecer e levar à cena um espetáculo de um gênero que encantou as plateias
brasileiras do final do século XIX até a década de 1960. Portanto, foi um estudo
prático sobre um processo cênico quase desconhecido dos atuais estudiosos do
teatro brasileiro, bem como das plateias que hoje frequentam nossos teatros.
28
Imagem n. 03 – Apresentação do espetáculo Zylda: Anunciou, é Apoteose! no TAC, 2011. Foto: Fernando Gonzales Breda. Acervo particular de Vera Collaço.
29
4 O TEATRO DE RESISTÊNCIA REVERBERANDO EM SONGS
CONTEMPORÂNEOS
Neste capítulo, realizo uma explanação sobre o espetáculo Musical $em
Vintén$ (2014), com direção de Diego de Medeiros, criado nas disciplinas de
Montagem Teatral I e II, do curso de Licenciatura em Teatro do CEART/UDESC. O
Musical é uma adaptação de A Ópera dos Três Vinténs (1928) de Bertolt Brecht. Em
Ensaio Fotográfico de Espetáculos, uma seção da revista Urdimento (nº 23, 2014),
Diego de Medeiros comenta, a respeito da obra de referência, que
A ópera dos três vinténs é uma revolucionária peça de teatro musical do dramaturgo alemão Bertolt Brecht com música do compositor Kurt Weill. Estreou em 31 de agosto de 1928 no Theater am Schiffbauerdamm, em Berlim. A peça é uma adaptação da ópera musical The Beggar’s Opera, de John Gay, e inspirou a Ópera do Malandro, filme dirigido por Ruy Guerra, e peça, com música de Chico Buarque. A tragicomédia musical em três atos trata de temas como corrupção, pobreza e injustiça social. Enquanto para John Gay bastara criticar e ridicularizar os poderosos por meio de seu teatro, na Berlim da década de 1920 os autores, de convicção marxista, tinham a esperança de conscientizar e revolucionar a sociedade. Brecht criticava as disparidades sociais da sua época, o palco deveria refletir a vida real e o público deveria ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir sobre suas condições de vida (Urdimento, nº 23, 2014).
4.1 Conceito de Ópera Brechtiana
Conceituar a Ópera de Brecht é um desafio a qualquer estudioso. Isso porque
não é simplesmente uma crítica às óperas wagnerianas e ao efeito inebriante da
música; vai além disso. Brecht propôs uma reforma na Ópera Tradicional, porque
não concordava com a arte elitista, e afirmava que a ópera parou no tempo, não
acompanhou o avanço das artes.
A ópera épica (brechtiana) é o contrário da proposta da Obra de Arte Total de
Richard Wagner. A ópera wagneriana propunha a junção de todas as artes,
enquanto a ópera brechtiana era a favor da separação das artes. Não no sentido de
que uma devia sobrepor a outra e sim, que todas elas deviam ter o seu espaço na
obra. Por exemplo,
30
[e]nquanto as teorias de Rousseau, Gluck e Wagner convergiam na “fusão de elementos” inerente à Obra de Arte Total, que devia tornar efectiva a “ilusão perfeita”, no teatro musical de Brecht e Weill a desconstrucção da ilusão era baseada na “separação de elementos”, assumindo uma posição didáctica e quebrando a unidade dramática (FERNANDES, 2004, s/p).
Para se chegar no objetivo de romper com a unidade dramática do texto e
com o efeito catártico11, Brecht propõe o princípio de distanciamento: revelar os
artifícios da construção cênica, quebrar com as técnicas “ilusionistas” e transformar a
“atitude aprovadora do espectador, baseada na identificação, numa atitude crítica”
(BRECHT, 1978, p. 42). “É contra esse ‘teatro culinário e digestivo’ [que depois da
peça vai tomar um chá] que Brecht se volta” (ROSENFELD, 2009, p. 302).
“Dificilmente haverá algo mais característico para Brecht – sendo um
pensador dialético – que a sua convicção de que a música haveria de fazer parte
intrínseca de sua produção literária” (BETZ, 1987, p. 65). Brecht nomeou o seu
procedimento musical como song com a intenção de o diferenciar do canto
harmonioso, da conexão com o estado emocional da ópera ou da comédia musical.
“O song é um recurso de distanciamento [para interromper a ação], um poema
paródico e grotesco, de ritmo sincopado, cujo texto é mais falado ou salmodiado que
cantado” (PAVIS, 2011, p. 367). A música, portanto, deve ser mais falada, com uma
dicção perfeita, do que cantada. Assim, facilita a compreensão do texto, ao mesmo
tempo em que revela um comportamento.
A ópera de Brecht pode ser chamada de Ópera Didática, devido aos
conceitos de teatro didático que permeiam as óperas brechtianas. Ou seja, os dois
gêneros brechtianos instruem o público e geram reflexões a partir dos temas sociais,
políticos e econômicos suscitados nas peças.
Brecht, em relação à atuação, declara que o ator não deve estar dentro da
personagem e sim, fazer uma espécie de relato da experiência da personagem ao
público. Por isso, os atores brechtianos se dirigem diretamente ao espectador e não
como uma fonte ilusória. Ao cantar, o ator deve mostrar que está cantando, seja por
instrumentos vistos em cena ou por uma alteração no Gestus12. “Estritamente
proibido é passar do nível da fala para o do canto como se nada tivesse acontecido,
11 Conceito que vem da Poética de Aristóteles, provocar o reconhecimento do espectador perante a
personagem e a purgação das paixões por meio do terror e da piedade. 12 “O Gestus [Brechtiano] se compõe de um simples movimento de uma pessoa diante de outra”. É a
atitude para com o outro (PAVIS, 2011 p. 187).
31
à maneira do que acontece na opereta e no Musical hollywoodiano” (BORNHEIM,
1992, p. 180-181). Brecht propunha que o canto fosse realizado por atores e não por
cantores, pois rejeita músicas harmoniosas.
4.2 Dramaturgia e Texto Cênico de $em Vintén$
A peça $em Vintén$ (2014) foi criada a partir das disciplinas de Montagem
Teatral I e II, da 5ª e 6ª fases do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC, com o
professor Diego de Medeiros. A estreia ocorreu em 26 de setembro de 2014, no
Espaço II do CEART/UDESC. Como foi dito anteriormente, nessas disciplinas, o
professor se torna diretor dos acadêmicos13. A peça é uma adaptação de Ópera dos
Três Vinténs (1928) de Bertolt Brecht.
A história acontece em Soho, Inglaterra, assim como na obra original.
Macheath, ou “Mac Navalha”, é o que chamamos de anti-herói. Movido pela
vingança e pela malandragem, faz justiça com as próprias mãos. É um ladrão
cercado de prostitutas e vigaristas. Já casado com Lucy, filha de Tiger Brown (chefe
da polícia), Mac “casa-se” secretamente com Polly, filha de Peachum, rei dos
Mendigos – dono da casa de negócios “O Amigo do Mendigo”, loja para organizar,
vestir e lucrar em cima dos mendigos e deficientes. Peachum não aceita o
casamento da filha e planeja a prisão de Mac Navalha, mas Tiger Brown não quer
prendê-lo, por ter um acordo de “fechar os olhos” perante os crimes cometidos por
Mac. Ameaçado por Peachum, Brown ordena a prisão de Mac, mas antes pede a ele
que fuja. Mac rejeita a ideia, vai ao bordel e é traído, duas vezes, pelas prostitutas.
Após ser capturado pela segunda vez, é ordenado que seja executado. Já com a
corda no pescoço, escapa da morte com uma espécie de deus ex machina moderno:
recebe perdão real, mas deve se retirar para uma casa de campo e com uma
pensão de dez mil libras por mês.
É válido destacar que
13 As personagens estão distribuídas da seguinte forma: Alisson Feuser (Tiger Brow); Ananda
Scaravelli (Lucy Brown); Audrei Hüllen (Polly Peachum); Camila Harger (Encrenqueira); Clara Oliveira (Molly); Dilmon Nunes Filho (Jacob); Felipe Schaitel (Matthias), Fernanda Neves (Betty); Gabriel Velasques (Robert e Arauto), Giancarlo Altafini (Guarda Smith); Iarima Castro Alves (Filch – Narrador); Lucas Dalbem (Jonathan Peachum); Mariana Dorigati (Célia Peachum); Priscila Couto (Dolly); Rodrigo Rezende (Mac Navalha); Thaís Putti (Jenny Espelunca). E os músicos da banda são: Luca Atílio (bateria); Paulo Rodriguez (guitarra); Pedro Torres (piano); Renan Tavares (violino).
32
[n]o espetáculo, com duração de 90 [(noventa)] minutos, nenhum personagem é inocente, todos desejam o poder. Assaltantes, prostitutas e mendigos, alimentam a corrupção e as relações de dominação que são as molas propulsoras das situações que tornam essa montagem, uma denúncia crítica e atual da sociedade contemporânea (MEDEIROS, 2014)14
Isso nos leva a crer que cada personagem é complexa; não é totalmente má
ou boa. Ou melhor, não se caracteriza por essas qualidades e sim, pela falta de
caráter e ética. Todas as personagens agem de acordo com o sucesso de seus
interesses políticos e sociais. O amor, como um sentimento puro, é ironizado pelo
falso romance do triângulo Polly, Mac e Lucy.
4.3 Dialogar com $em Vintén$
Diego de Medeiros, diretor de $em Vintén$, pela experiência com canto,
dança e teatro, optou por unir essas linguagens num espetáculo Musical. Na época
de graduação, estudou Brecht e se interessou pelas suas peças didáticas e, defende
que, “o teatro tem que ser ao mesmo tempo político e divertido” (MEDEIROS,
2015).15 Além disso, afirma que Brecht vê que a música possibilita uma grande
afinidade com o público, torna-se popular. Por esse motivo, Diego de Medeiros
optou por encenar A Ópera dos Três Vinténs (1928) de Bertolt Brecht.
Um ponto interessante a destacar é que, nos próprios encenadores do Teatro
Musical, existe certo receio em encenar peças estadunidenses, com inspirações na
Broadway. Por exemplo, o diretor declara que:
[...] me interessava que fosse um texto, não queria fazer adaptação de filme, ou trazer qualquer espetáculo que fosse Hollywoodiano, porque acho que a gente tem, na história do Teatro, material suficiente para trabalhar. Então por isso também optei pelo Brecht, porque já conhecia da graduação, por trabalhar numa das cenas em Interpretação. E sempre falei que um dia iria montar essa peça e, quando surgiu a oportunidade de montar, estava ali tudo o que queria: musical, trabalhar com um tema que seja político e, ao mesmo tempo, divertido (MEDEIROS, 2015).
14 Esse comentário de Diego de Medeiros está publicado no “Ensaio Fotográfico de Espetáculos”, uma seção da revista Urdimento. Publicado nesta revista, no v. 2, n. 23, de dezembro de 2014, p. 264. 15 Diego de Medeiros. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath em 24 de abril de 2015, no Centro de Artes - UDESC.
33
A fala acima aponta para dificuldades, as quais aparecem na academia, em
lidar com trabalhos que se pautam por outras fontes que não o próprio teatro, bem
como no trabalho teatral que se desenvolve junto ao sistema comercial. Diante desta
perspectiva me questiono: Os Musicais Broadway não fazem parte da história
teatral? É simplesmente considerado um teatro de mercado? Nos Musicais
Broadway há crítica política e social?
Diego de Medeiros já havia afirmado aos acadêmicos, em 2013, que
assumiria a Disciplina de Montagem Teatral e sobre o seu interesse em encenar
uma adaptação de A Ópera de Três Vinténs (1928). Por esse motivo, no ano
seguinte, ele pôde apresentar a adaptação dramatúrgica pronta, agilizando o
trabalho de montagem. Cortou cenas e adaptou o número de personagens ao de
integrantes da turma. No início do ano letivo de 2014, os acadêmicos, juntamente
com Diego, analisaram as músicas traduzidas para o português, e algumas foram
traduzidas a partir do inglês.
Assim, como normalmente ocorre nas disciplinas de Montagem I e II e Prática
de Direção Teatral I e II, o processo de $em Vintén$ foi dividido em dois semestres.
No primeiro semestre de 2014, a disciplina era oferecida em dois dias na semana.
Num dia, a primeira parte do ensaio era dedicada ao trabalho vocal com Patrick
Cavalheiro, acadêmico do curso de Música do CEART/UDESC. E, no outro dia, a
primeira parte do ensaio era a preparação corporal com Mhirley Miliauskis,
mestranda do PPGT/CEART. O trabalho dela era focado no corpo fragmentado, na
expansão corporal, na unidade do grupo. Já a coreografia era trabalhada nos dois
dias da semana pelo diretor Diego de Medeiros. Os ensaios começaram a partir da
coreografia, porque interessava ao diretor que elas estivessem sincronizadas. Como
a maioria não tinha treinamento de bailarino, houve necessidade de mais tempo
para aprender as coreografias e “limpá-las”, informa Medeiros (2015).
Sobre o trabalho com o elenco, Diego de Medeiros (2015) informa que teve
um mês para improvisar as personagens, a fim de procurar as características físicas,
pensar na máscara tipológica e nos tipos sociais. “Que corpo sustenta esse tipo”?
Essa foi uma das perguntas que suscitou a construção das personagens. Na
exploração, cada ator ficou livre para escolher qual personagem lhe interessava. Na
improvisação, o grupo escolheu que ator faria tal personagem; foi uma escolha
humilde, em geral. Dentro das potencialidades, o diretor foi direcionando para as
personagens. Cabe destacar que a construção foi feita a partir dos grandes tipos,
34
como o rico, o mendigo e o malandro, a fim de fornecer o suporte necessário para a
elaboração das personagens.
Diego de Medeiros, ao escolher A Ópera dos Três Vinténs (1928), pesquisou
sobre as diferentes encenações dessa ópera, e procurou perceber os procedimentos
estéticos desenvolvidos pelos diferentes diretores. Assim, o diretor se sentiu livre
para conceber uma proposta visual que impactasse o público, e, procurou no
movimento punk, de contracultura. O visual ficou marcado pelo jeans rasgado, spike,
cabelos espetados, maquiagem carregada, cores escuras como o vermelho e o
preto, além da iluminação em penumbra. A ideia do punk trouxe, para a cena, o
conflito abordado na contracultura, ou seja, dos indivíduos que não se encaixam na
hierarquia da sociedade.
Quando questionado por mim sobre a adaptação de uma ópera para um
canto rock, Diego afirmou que não foi exatamente uma adaptação de uma ópera,
porque a própria peça de referência não é ópera. Segundo de Medeiros (2015), “A
Ópera dos Três Vinténs já é uma crítica à ópera, então não seria um gênero
operístico”. Neste ponto, sinto-me livre para questionar esse argumento. Conforme
foi exposto no início do capítulo, a ópera de Brecht é sim, uma ópera. Diverge da
ópera wagneriana, ou da italiana, conhecida por todos, mas é uma Ópera em que o
pesquisador teatral alemão, Bertolt Brecht, traça sua própria linguagem e
característica, explicitadas anteriormente.
35
Em relação às facilidades de se apresentar num meio acadêmico, Diego de
Medeiros apontou a infraestrutura, a garantia de um espaço para ensaio. Sem
precisar recorrer aos espaços de teatro da cidade, há um local próprio, sem a
necessidade de aluguel. Como foi dito anteriormente, nas disciplinas de Montagem
Teatral I e II, há uma pequena verba para auxiliar no figurino da peça. Além disso,
existe a possibilidade de trabalhar com profissionais do CEART – estudantes de
Música, Design, Artes Visuais e de Moda – para auxiliar no material gráfico, no
cenário, no figurino e na música, bem como com alunos do curso de Mestrado e
Doutorado em Teatro do PPGT/CEART que podem auxiliar no trabalho do ator e da
cena.
Já as dificuldades, segundo Medeiros (2015), misturam-se com o meio
acadêmico, no sentido de dosar tanto a função de professor, quanto de diretor; o
ator chegar atrasado, faltas sem avisos prévios, a possibilidade de poder faltar 25%
da aula, com a desculpa de que é uma disciplina acadêmica. “É diferente de um
processo profissional, em que a falta sem justificativa não é admitida” (MEDEIROS,
2015). Além da falta de recurso, saber lidar com o jogo de cintura, por não poder
cobrar prazos da parceria.
Um desafio é
Imagem n. 04 – $em Vintén$ (2014). Direção: Diego de Medeiros. Elenco (da esquerda para a direita): Gabriel Velasques (Robert), Rodrigo Rezende (Mac Navalha), Audrei Hüllen (Polly Peachum), Felipe Schaitel (Matthias) e Dilmon Nunes Filho (Jacob). Foto: Cristiano Prim. Fonte: Urdimento, nº 23, v. 2. 2014, p. 268.
36
[...] estar preparado e preparar os atores, porque as pessoas vão olhar para uma cor do figurino e vão traçar um estudo filosófico sobre o porquê você escolheu aquela cor. Acredito que o diretor deve ter toda essa dimensão, mas eu como diretor iniciante não tenho dimensão de todos os códigos e todas as possibilidades que são apresentados em cena. [...] Saber que não vai agradar a todas as pessoas e que não vão concordar com todas essas escolhas (MEDEIROS, 2015).
O jovem diretor, como se auto define Medeiros, comentou em entrevista o
pouco retorno crítico do trabalho apresentado: “Se ele foi bem aceito ou pouco
aceito, a gente nunca sabe direito. Porque poucas pessoas vêm conversar com você
de maneira a querer, de fato, contribuir com o trabalho”. Na unidade, Departamento
de Artes Cênicas do CEART, poucos professores deram retorno sobre o espetáculo.
Como fazia parte do projeto sair de Florianópolis e levar o espetáculo para
fora da universidade, conseguiram parcerias com as prefeituras de seis cidades de
Santa Catarina: Rio do Sul, Concórdia, Lages, Caçador, Tubarão e Criciúma. Diego
de Medeiros brincava com o elenco que agora encontrariam o público que não está
ali, necessariamente, para julgar e sim para apreciar o espetáculo. Por meio de
debates após as apresentações, o público contextualizava a peça no atual momento
político. “É muito mais prazeroso apresentar fora daqui [do meio acadêmico]”,
comentou com prazer Medeiros (2015).
Diferentemente do processo de Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) e Mestre
Contini (2014), $em Vintén$ (2014) não ficou conhecido pela estética de Teatro
Musical. Por ser uma montagem de Brecht, o gênero musical não suscitou tanto
preconceito quanto nas outras duas obras citadas. Segundo Medeiros (2015), a
crítica se pautou, essencialmente, sobre as realizações da peça no contexto
brechtiano.
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5 ADAPTAÇÕES TEATRAIS A PARTIR DE MUSICAIS FÍLMICOS
Diretor – Ação! Manequim 1 – O cargo que você exerce é muito valorizado. Manequim 2 - Dirigir filmes. Ser diretor. “Sim”, “não” e tudo se resolve. Diretor – Dirigir é muito simples. No resultado, a resposta não tem mais importância. Manequim 3 – Então... Sim ou não? Manequim 4 – Quais são as personagens deste filme? Manequim 5 – E temática? Diretor – Logo saberei. Manequim 6 – Qual o meu papel? (Tumulto entre os Manequins para saber o que serão). Manequins – (sussurros aglomerados) O que eu serei? E eu? E ela? E todos nós? Diretor – Não há saída de emergência?
(Cena inicial de Mestre Contini, 2014).
O Musical Mestre Contini retrata um jovem diretor famoso, na casa dos 25
anos de idade. Depois de uma carreira pródiga, a angústia por trás das expectativas
de mais um filme de sucesso parece ser inevitável. Contini sofre de um bloqueio
criativo, o qual compromete o seu novo filme. E, sem que perceba, tudo parece
desmoronar ao seu redor: seus tormentos, suas mentiras e suas inspirações.
5.1 Conceito de Adaptação de Filme para o Palco
Encontramos muitas peças Musicais adaptadas ou com inspirações em
filmes. Apenas no CEART/UDESC, posso citar duas: Chicago/All that Jazz (2013),
com direção de Ana Luiza Koerich e Marina Soares e o Musical em estudo Mestre
Contini (2014), com direção de Giseli Balestreri, minha, Maria Luisa Porath, e Tatiani
Borga, ambos resultados da disciplina de Prática de Direção Teatral I e II.
Entretanto, ao buscar fontes bibliográficas para embasar o estudo deste capítulo de
TCC, senti um vazio teórico. O número de pesquisas é inversamente proporcional ao
de adaptações teatrais a partir de Musicais Fílmicos.
O que se encontra são textos sobre a adaptação do palco para a tela e não o
contrário. A única fonte confiável a qual tive acesso é o livro A cena em Ensaios de
Béatrice Picon-Vallin (2008). E ainda, apenas pequenos trechos abordam o tema.
38
Assim, procuro estabelecer alguns parâmetros desse procedimento a partir de
estudos de Patrice Pavis (2011) e de Picon-Vallin (2008).
A adaptação é a
[t]ransposição ou transformação de uma obra, de um gênero em outro [...]. A adaptação [...] tem por objeto os conteúdos narrativos (a narrativa, a fábula) que são mantidos (mais ou menos fielmente, com diferenças às vezes consideráveis), enquanto a estrutura discursiva conhece uma transformação radical, principalmente pelo fato da passagem a um dispositivo de enunciação inteiramente diferente. (PAVIS, p. 10, 2011)
Para Mestre Contini (2014), utilizamos a adaptação da linguagem fílmica para
a de palco. Porém, ao fazer uso da narrativa, experimentamos a releitura16. Para o
nosso trabalho, o procedimento de releitura traria uma liberdade textual maior que o
de adaptação. O nosso objetivo era nos afastarmos do filme, a fim de criarmos uma
peça inteiramente nova, tendo como inspiração Nine (2009). Desse modo, alteramos
as personagens, as características, as músicas e o objetivo central.
Quando o cinema surgiu, o teatro ainda fazia uso do “teatro filmado”.
Contudo, com a evolução da sétima arte, filmar teatro tornou-se uma atividade
depreciativa. Aos poucos, “o olhar do público e dos criadores de teatro foi
modificado, refinado pela fotografia e pelo filme, exercitado por imagens claras,
precisas ou fora de foco, pela alternância rápida de planos de diferentes tipos”
(PICON-VALLIN, p. 158 2008).
Por que não fazer uso das duas linguagens artísticas para enriquecer ambos
os trabalhos? Por que apenas a adaptação do teatro para a tela parecia ser
possível? Por que não fazer o contrário: das telas para o palco? “O cinema pode
assim tornar-se, por sua vez, ‘uma partitura’, um texto para o palco que tenta se
reapropriar dos filmes-cult” (PICON-VALLIN, p. 159, 2008).
Hoje, teatro e cinema se confundem, misturam-se as fronteiras e criam,
assim, novas possibilidades artísticas. “Jovens diretores de teatro se confessam
‘cineastas frustrados’, diretores de cinema falam de suas ‘vontades reprimidas’ de
teatro” (PICON-VALLIN, p. 160, 2008). Aproveitar o melhor de cada arte e criar a
16 “Reler é ler novamente, é reinterpretar, é criar novos significados” (PILLAR, 2003, p. 18). Na
releitura, portanto, busca-se uma nova criação, a partir de um referencial. Numa mesma obra de arte, podem surgir diversas releituras, pois cada leitura é única, pessoal.
39
sua própria visão espetacular ou fílmica pode vir a ser o objetivo de cada diretor de
teatro e/ou de cinema.
Em Mestre Contini (2014), ao utilizarmos, no segundo semestre de 2014, o
palco arena, fizemos uso de recursos cinematográficos para complementar a nossa
peça. Como o espetáculo se refere a um jovem diretor de cinema, criamos uma
espécie de metalinguagem: referências a planos, cortes e ângulos. O palco arena
suscita visões variáveis de uma mesma cena, a valorização do movimento corporal e
a crítica às técnicas tradicionais do teatro. Isso se tornou possível, para o processo
do Mestre Contini (2014), ao aliarmos a distância que o cinema propõe.
5.2 O Processo de Mestre Contini
No ano de 2014, nas 7ª e 8ª fases do curso de Licenciatura e Bacharelado na
UDESC, temos as disciplinas Prática de Direção Teatral I e II, nas quais os alunos
dirigem uma peça à sua escolha. O ano de 2013 foi decisivo para a minha área de
estudo, pois realizei o curso de Teatro Musical na antiga escola Art Estúdio, em
Florianópolis. Por esse motivo, sabia qual seria o gênero que desejava trabalhar em
minha encenação: Teatro Musical. Mas dentro da linguagem Musical, existem
diversas estéticas. Qual escolher? Acredito que a escolha esteja diretamente
relacionada ao fato de ter assistido ao filme Nine (2009) de Rob Marshall, um
Musical que retrata o bloqueio criativo do diretor Guido Contini. Ali, encantei-me com
a história, com as músicas e com o que a dramaturgia poderia nos oferecer. A
escolha do gênero e, consequentemente, da peça se confirmou quando convidei
minhas duas amigas, Giseli Balestreri e Tatiani Borga, para serem minhas
companheiras nesse desafio. Na reunião com as minhas colegas, ficou decidido
então que faríamos uma releitura desse filme.
O processo de Mestre Contini, por fazer parte de uma disciplina acadêmica,
foi dividido em três períodos: primeiro e segundo semestre de 2014 e primeiro
semestre de 2015. Os dois primeiros retratam a peça no ambiente acadêmico. Já no
último, em 2015, tento explanar um pouco da experiência em apresentar o
espetáculo fora da academia. No primeiro semestre de 2014, o trabalho se
concentrou basicamente na psicologia das personagens. Já nos dois últimos
semestres, houve uma tentativa de desconstrução da encenação realista então
40
elaborada, e uma pesquisa a partir de um distanciamento, nas interações entre os
atores; não necessariamente, nas personagens.
Sabíamos que seria um desafio encenar um Musical no meio acadêmico –
CEART. Ao longo do processo, pudemos notar que as facilidades não são tão fáceis
assim. Tanto elas quanto as dificuldades se tornam desafios. Por um lado, temer o
caminho mais fácil, o comodismo. E, por outro, amadurecer o processo e vencer os
obstáculos que são colocados à nossa frente. Apresentar um Teatro Musical no
CEART/UDESC é trabalhar com os dois lados da moeda: não temos a obrigação de
ter uma peça pronta, no sentido, espetacular, pois tudo é um processo, uma
experimentação; porém, torna-se um impedimento, quando ainda há o preconceito
com esse gênero teatral. O público não acadêmico reconhece esse gênero e
aprecia-o. Contudo, alguns pesquisadores do meio acadêmico costumam depreciá-
lo por, supostamente, ser mero espetáculo comercial, sem conteúdo e com apenas a
função de entretenimento. Mas a facilidade de apresentar na universidade é coincidir
com o término de aulas; assim, tanto acadêmicos quanto professores têm a
possibilidade de apreciar o trabalho. Segundo Giseli Balestreri (2015)17, “em
Florianópolis tem o aplauso falso: eu aplaudo o seu espetáculo de merda e você
aplaude o meu. Mas na academia, existe o aplauso de respeito. Depois do
espetáculo, muitos procuram dizer as suas críticas diretamente ao elenco”.
Entretanto, ao apresentar-se apenas na academia, corre-se o risco de
isolamento no meio acadêmico. Formar um núcleo tão impenetrável que impede a
vinda de acadêmicos de outras universidades ou de público em geral.
5.2.1 Apenas a ponta do Iceberg... O Início de Tudo
No dia 24 de março de 2014, realizamos as audições para Mestre Contini. O
trâmite da inscrição do teste foi realizado via e-mail. Os interessados preenchiam a
ficha de inscrição, contendo um breve currículo, o motivo pelo interesse na peça,
etc.; depois, recebiam o retorno com o texto a ser apresentado no dia da audição,
assim como informações sobre a prova de canto e de dança.
17 Giseli Balestreri. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 02 de junho de 2015, em Florianópolis.
41
Os candidatos foram divididos em três blocos de testes, com horários
definidos. Primeiro, os atores interpretaram um diálogo com uma das diretoras; em
seguida, cantaram uma música à sua escolha. Depois que todos os candidatos de
cada bloco fizeram o teste individual, entraram em sala novamente, agora para o
teste de dança em grupo. Giseli Balestreri, responsável pela coreografia do Musical,
passou uma sequência de passos para que todos pudessem aprender e se
expressar em cena. Devido à grande procura, estendemos a audição também para o
dia 26 de março; na qual realizamos o mesmo processo de seleção.
Após decidirmos o nosso elenco – que contou com bailarinas, atrizes e atores
da comunidade e do Centro de Artes –, marcamos a primeira reunião com todos, dia
02 de abril de 2014, para que pudéssemos explicar o projeto, os dias de ensaio, as
ideias etc. Nesse dia, dividimos as personagens entre o elenco selecionado.18
18 Ana Zechini (Lili), Billy Rezk (Guido Contini), Carolina Pires (Bailarina), Clara Maciel (Bailarina),
Gabriela Dutra (Bailarina), Gianna Souza (Luisa), Helena Albino (Bailarina), José Ronaldo Pereira (Padre), Lara Pasternak (Bailarina), Mônica Tonirelli (Saraghina), Oriana Hoeschl (Bailarina), Suzana
Imagem n. 05 – Audição de Mestre Contini (2014). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Integrantes da foto (da esquerda para a direita): Billy Rezk, Verônica Bortolloto, Gabriela Dutra, Tânia Farinon. Foto: Maria Luisa Porath. Fonte: Acervo particular das diretoras.
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Para um melhor aproveitamento do elenco, dividimos os ensaios em três dias
da semana: terças-feiras das 19 horas às 22 horas para as bailarinas e solistas com
coreografia; quartas-feiras das 19 horas às 22 horas e sextas-feiras das 8 horas às
12 horas para os atores. Nos ensaios com as bailarinas, Tatiani realizava o
aquecimento corporal, a Giseli criava as coreografias e eu, Maria Luisa, fazia
exercícios para a criação de personagens. Como as bailarinas participavam de duas
músicas, deviam ter duas personagens diferentes. Nos ensaios com os atores, a
Tatiani também era responsável pelo aquecimento corporal e eu pelo preparo de
atores. Ou seja, realizava exercícios que eu julgava serem importantes para a
construção de cada personagem. Em relação à limpeza de cena, direção geral, as
três diretoras assumiam essa parte. No início, tudo era um pouco confuso, para nós
e para os atores; contudo, ao dividirmos as tarefas, ficou objetivo e o trabalho pôde
crescer com clareza.
Nossa peça teve como base o filme Nine (2009), com direção de Rob
Marshall. O roteiro original é de Arthur Kopit (1982), com referências do filme Oito e
meio (1963) de Federico Fellini. O nosso objetivo ao escolhermos esse filme era
fazer uma releitura do Musical. O nosso ideal era quebrar paradigmas estéticos
sobre o Teatro Musical, principalmente daqueles vindo dos estadunidenses. Não
estamos desprezando essa estética, apenas queremos encontrar a nossa forma
brasileira de fazer Teatro Musical com uma obra estrangeira.
Por esse motivo, decidimos traduzir todas as músicas. A finalidade dessa
tradução é de possibilitar que o público compreenda a história contada através da
música e que não a ache apenas “bonita”. Quando pensamos em Teatro Musical,
devemos ter em mente que o canto também é dramaturgia. A personagem inicia o
canto, quando a sua emoção é exacerbada o bastante, para que o único modo dela
se expressar seja cantando.
Quando apresentamos o trabalho em junho de 2014, infelizmente, por falta de
tempo, não foi possível a apresentação com música ao vivo. Os atores-cantores
tinham o acompanhamento em instrumental gravado em CD. Como resultado, as
Silveira (Mamma), Thuanny Paes (Cláudia), Tifanny Lastrucci (Stephanie), Verônica Bortolotto (Carla) e Victor Zaguini (Jaconelli). Os contrarregras, personagens coringas, que realizavam modificações de cenário, foram: Augusto Silveira, Camila Santaella e Luana Costa. Além disso, as atrizes Gabrielli Veras e Isadora Damiani fizeram participação no vídeo da projeção, na cena “Cinema”. No entanto, aconteceram alguns imprevistos, diante dos quais tivemos que lidar com a situação. O nosso elenco, portanto, modificou-se: Luiza Lobo (Mamma), Jarvis Lembeck (Jaconelli), Victor Zaguini (Guido Contini) e as bailarinas Gabriela Dutra e Clara Maciel não estavam mais no grupo, desde início de maio de 2014.
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vozes cantadas ficaram abafadas e a qualidade sonora se dissipou, perdendo-se um
elemento essencial do Teatro Musical que é a fala cantada pelo ator-cantor.
A montagem de qualquer peça precisa, minimamente, de algum recurso
financeiro, e, para isso, aprende-se a fazer orçamento para um trabalho cênico.
Especificamos tudo o que seria necessário para a nossa montagem. Como previsto,
ficou muito acima do que poderíamos gastar. O CEART, como foi informado
anteriormente, já não fornece uma verba aos espetáculos criados nas disciplinas de
Prática de Direção Teatral I e II, nem podemos cobrar ingresso dentro do campus.
“Infelizmente, quando precisamos da ajuda da academia, não se consegue, porque
não há verba, nem um Teatro funcional para as apresentações” (BALESTRERI,
2015). Por isso, a procura de patrocínios se tornou um fator importantíssimo para o
processo, como o Estúdio Full Voice19, no nosso caso, com workshops de canto e
disponibilização do estúdio para ensaios. Assim como, “passar o chapéu” no final de
cada sessão, a fim de obter algum retorno financeiro pela colaboração “espontânea”
do público.
Em contrapartida, na universidade, gastos com iluminação cênica, frete,
cenários etc. são irrisórios perto de uma apresentação fora do campus; temos
alguns aparatos cênicos à disposição dos espetáculos, assim como salas de ensaio
e de apresentação. Infelizmente, a estrutura atual não comporta a demanda de
espetáculos. Para apresentação, basicamente há somente duas salas grandes no
CEART: Espaço I e II. Imagina-se, então, a concorrência que é para ensaiar ou
apresentar nesses locais. Muitas vezes, mal conseguimos pegar dois dias para
apresentarmos um trabalho que demoramos o semestre inteiro para criar.
Por se tratar de uma disciplina acadêmica, o plano de ensaio era um fator
essencial para o nosso registro pessoal. Organização de propostas, metas e
desafios. A partir disso, no final do semestre, escrevemos o relatório: informações
sobre o processo, exemplos de exercício, metodologia, fundamentação teórica,
impressões pessoais e análise do “produto”; se atingiu o objetivo ou não.
Nos dias 25 e 26 de junho, no CEART, Bloco de Artes Cênicas, Espaço I,
apresentamos o nosso Mestre Contini, ainda em criação. Nosso objetivo era quebrar
com a estética da Broadway, não por rejeitarmos essa linguagem e sim, por
19 O estúdio se localiza no Centro de Florianópolis (SC), Rua Araújo Figueiredo, 119, sala 103. Os professores de canto Fernando Zimmermman, Luiza Lobo e Gianna Souza nos auxiliaram na dramaturgia musical.
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desejarmos que o público tenha conhecimento de outros Musicais além dos
estadunidenses. Contudo, ao apresentarmos, percebemos que falhamos no objetivo.
Em vez de nos afastarmos da linguagem, realizamos uma cópia sem orçamento. E
isso refletiu em tudo: nos figurinos, na cenografia, na iluminação, no roteiro, nos
aparatos cênicos. Segundo Tatiani Borga (2015)20, o primeiro semestre foi
conturbado, pela adrenalina de dirigir um espetáculo Musical pela primeira vez, com
um elenco de 14 atores em cena, e mais 3 contrarregras. “A pergunta sempre foi:
como vamos montar esse espetáculo? [...] E o resultado ficou algo bem genérico,
com o conteúdo raso” (BORGA, 2015).
A apresentação, dadas as nossas condições – pouco investimento financeiro,
muitos atores, poucos dias de ensaio, faltas e atrasos – deu-nos material para
aperfeiçoarmos o que funcionou e deixarmos de lado o que não funcionou. Por
exemplo, a ideia de projeção na parede, como alusão à sala de cinema, não coube
na nossa nova proposta cênica. Assim como a ideia de quarta parede21 e os
cenários todos realistas: mesas, copos, biombos etc.
20 Tatiani Borga. Entrevista concedida a Maria Luisa Machado Porath, em 02 de junho de 2015, em Florianópolis. 21 O termo quarta parede se refere a uma “[p]arede imaginária que separa o palco da plateia” (´PAVIS, p. 315); como se o público não existisse para o ator.
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Outro ponto discutido foi o roteiro. Desde o início, a proposta era uma releitura
do Musical Nine. Contudo, foi apenas mais uma adaptação, sem nos distanciarmos
da linguagem do filme. Portanto, afirmo que o nosso objetivo não foi alcançado no
primeiro semestre de experimentação cênica. Mas ouso declarar que no próximo
semestre nos encaminharíamos para tal.
Imagem n. 06 – Mestre Contini (2014/1). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Elenco (da esquerda para a direita): Gianna Souza (Luisa Contini), Augusto Silveira (contrarregra), Jarvis Lembeck (Produtor), Victor Zaguini (Guido Contini), Luana Costa (contrarregra), Ana Zechini (Figurinista). Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.
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5.2.2 A Descoberta de outro Iceberg... A Transformação
No primeiro semestre de 2014, o nosso objetivo não foi concretizado da forma
que pretendíamos. Porém, o resultado serviu para que avaliássemos o processo
para o segundo semestre de 2014. Em relação ao retorno do público, tivemos
críticas bem divergentes. Algumas diziam que a peça ficou na esfera do artificial,
sem densidade e com alguns erros de “buracos na cena”, ou ritmos. Outras que
apontavam o quão “milagroso” foi fazer um Musical em apenas dois meses e meio;
que, apesar de algumas falhas, funcionou. Independente da conclusão, sabíamos
que não tínhamos quebrado com o paradigma da Broadway e muito menos nos
afastado do roteiro do filme.
Por esse motivo, quando nos reunimos para o início do segundo semestre de
ensaios, descontruímos toda a estética anterior e focamo-nos na interação entre os
atores. Esse período durou cerca de dois meses. Faltando um mês para as novas
apresentações (dias 14 e 15 de novembro de 2014), iniciamos a construção das
cenas. Foi um processo de improvisação, seguido de limpeza de ações. Deixamos
os atores livres para improvisarem e, a partir do que víamos, selecionávamos o que
tinha funcionado e adaptávamos o que não tinha. “Além disso, o roteiro foi
totalmente remodelado, com um olhar das três. Pudemos chamar esse processo de
nosso” (BORGA, 2015).
Um ponto imprescindível a ser colocado foi a quebra da quarta parede e a
nova disposição cênica. Não era mais palco-plateia e sim, um espaço arena, como
na figura abaixo:
Imagem n. 07 – O espaço cênico de Mestre Contini (2014/2). Os pontos
representam os atores e o músico, sozinho, nos núcleos cênicos.
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Nas laterais do palco, em cadeiras, ficou o público. Os espaços vazios eram
ocupados por atores nos seus três núcleos de cena. O pianista também se
encontrava num desses espaços vazios, sozinho. No espaço cênico, várias folhas
A4 estavam espalhadas, cobrindo o chão. A proposta foi simbolizar a mente
embaralhada e confusa de Guido Contini. Muitos rascunhos, mas sem conseguir
juntar as ideias num filme. Essa nova configuração possibilitou um mergulho mais
denso na proposta dramatúrgica; além de incluir tanto o público quanto o elenco na
loucura de Guido Contini. Tudo acontecia dentro da mente do Mestre. Por isso,
todos são cúmplices dos acontecimentos ali encenados.
Com o pianista em cena, foi possível realizarmos música ao vivo. O resultado
foi impressionante, pois tanto a qualidade sonora quanto a dramatúrgica cresceu
exponencialmente. As letras das músicas também foram alteradas, devido a nossa
escolha de retirarmos toda a referência italiana22 que o filme Nine (2009) possui. A
decisão surgiu a partir de uma crítica da plateia e, em conjunto, da nossa proposta
cênica. Como fazer uma peça à brasileira, com o desafio de um texto estadunidense
com cenários na Itália? As músicas com referências italianas, portanto, tiveram suas
adaptações para o Brasil.
Retirada a referência italiana, a adaptação do figurino era essencial; portanto,
afastamos o luxo do figurino e pautamo-nos na desconstrução tanto cênica, quanto
do figurino. Vestimentas rasgadas, numerações maiores, pés descalços. Ao
debatermos sobre as cenas, percebemos o quanto Guido Contini manipula as outras
personagens. Ele é o jogador de xadrez, é o manipulador de corpos, é o centro de
todas as ações. Por esse motivo, os atores tomaram como subtexto a ideia de
serem peças de xadrez e manequins em cena.
Em relação ao jogo de xadrez, sobre Guido Contini usar cada entidade como
uma peça, as personagens correspondiam às peças de xadrez. Por exemplo, Padre
(torre); Guido Contini (rei); Luisa Contini (rainha); Cláudia Jensen (bispo); Saraghina
(cavalo); bailarinas (peão), Stephanie (bispo); Lili (torre); Carla (cavalo). Esse
princípio do jogo não teve o objetivo de se tornar claro para o público, apenas como
impulso criador para os atores. Na cena inicial, em que o elenco caminha na sua
partitura, em forma de monstro, usa-se esse princípio das peças. Assim como em
outras cenas em que a relação “jogador X jogo” está presente. Uma observação
22 As referências italianas encontradas no filme Nine (2009) são: figurinos, cenários, músicas e trejeito
das personagens.
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importante sobre Guido Contini é a dualidade cênica: ele é tanto jogador como peça
de xadrez; é uma vítima da sua própria mente perturbada e confusa. Sem perceber,
dá xeque-mate nele mesmo.
Outra referência que foi aprofundada nos exercícios de criação de
personagens foi a monstruosidade escondida em cada ser. Jogos com imagens e
sons de monstros se misturavam com a interação entre o elenco. Foi uma imersão,
uma (re)descoberta sobre o animal faminto que vive dentro de nós. O princípio que
ficou foi a partir do jogo eletrônico de terror Silent Hill da Konami. Manequins, umas
das personagens do jogo, serviram como inspiração para os nossos próprios
manequins da peça. Eles são
Criaturas macabras que não possuem cabeça nem pés em duas de suas quatro pernas. Esses monstros têm o torso humano feminino, vestido com um maiô feito de algo que parece pele podre, e no lugar de braços, eles têm pernas, pernas que faltam pés, usadas para golpear, enquanto as outras duas de baixo são usadas para locomoção. Manequins podem atacar esfregando duas pernas, formando assim, um ataque que parece mandíbulas de um inseto. Normalmente, Manequins são vistos parados, como um manequim de verdade, mas podem ganhar vida quando alguma luz se aproxima e os atinge. Ao viver, começam a andar, atacar de forma brutal. Embora não sejam criaturas muito fortes, podem se camuflar bem em locais de baixa iluminação, e são geralmente encontrados em apartamentos, lojas e hotéis (As criaturas de Silent Hill, 2013).
Na peça Mestre Contini, os manequins são a mistura entre os de loja – aquele
que estamos acostumados a ver – e os de monstro. Possuem a característica imóvel
de um objeto, mas o olhar atento e obscuro de um monstro. Como se cada
personagem fosse uma marionete, mais um brinquedo de Guido Contini. Entretanto,
esses brinquedos o atormentam no âmbito da histeria completa, como na cena de
“vozes”: Guido está sozinho, num limbo, sendo atormentado por gritos, batidas e
surtos psicóticos. Todos as personagens nada mais são que manequins
manipulados num jogo de xadrez.
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Os planos de ensaio eram criados a cada semana, ainda como material para
o relatório de final do semestre para a disciplina de Prática de Direção Teatral II. A
partir das concepções criadas na semana anterior, planejávamos complementações
cênicas – exercícios de aquecimento corporal, seguido de impulsos criativos para
suscitar ideias tanto cênicas quanto das personagens.
As apresentações do final do ano foram nos dias 14 e 15 de novembro de
2014, como foi mencionado anteriormente. Por se tratar de um processo cênico,
optamos por um debate ao final de cada sessão. Por isso, ao invés de duas sessões
por dia, como no semestre anterior, houve apenas uma. Em seguida, abrimos
espaço para perguntas, sugestões e críticas. Esse momento foi extremamente rico
para o processo, pois o público foi participativo e colaborou para o crescimento da
peça.
O processo do segundo semestre de 2014 teve êxito na nossa proposta de
distanciamento do Teatro Musical da Broadway e isso se deve ao fato de algumas
mudanças, como: espaço arena, distanciamento brechtiano, valorização do jogo
Imagem n. 08 – Mestre Contini (2014/2). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Elenco (da esquerda para a direita): Verônica Bortolotto (Carla), Helena Albino (Saraghina), Carolina Maingué (bailarina), Thuanny Paes (Cláudia Jensen), Lara Pasternak (bailarina), Gianna Souza (Luisa Contini), Oriana Hoeschl (bailarina), José Ronaldo Pereira Júnior (Padre). Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.
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entre os atores, supressão da emoção psicológica e dos figurinos luxuosos etc.
Entretanto, na apresentação, notamos que a ideia animalesca ficou pouco clara e
sem acréscimo de conteúdo. Por esse motivo, no primeiro semestre de 2015,
eliminamos essa referência.
5.2.3 A Descoberta do tamanho do Iceberg... O Processo de Amadurecimento
Após as apresentações do final do segundo semestre de 2014, decidimos
continuar com a peça Mestre Contini. O objetivo para 2015 era apresentar fora da
academia; expandir o nosso processo, a fim de que outros espectadores possam
prestigiá-lo.
Os nossos ensaios foram retomados em março de 2015, em um novo espaço,
numa nova parceria: Garagem 202023. Atualmente, a peça não é mais vinculada à
disciplina Prática de Direção Teatral I e II. Como a estrutura da UDESC não
comporta o número de espetáculos que nela são criados, a prioridade do uso de
salas passa a ser dos outros acadêmicos agora integrantes dessa e de outras
disciplinas.
Assim como toda produção artística, imprevistos aconteceram e alguns
atores, infelizmente, saíram do processo. O nosso elenco, em abril de 2015,
encontra-se composto por: Gianna Souza (esposa), Helena Albino (marginal 1),
Joana Castanheira (jornalista), José Ronaldo Pereira Júnior (marginal 2), Lara
Pasternak (atriz), Thiago Gonçalves (músico), Verônica Bortolotto (amante) e Victor
Zaguini (diretor Contini). Apesar do número de atores ter diminuído, o grupo está
coeso e maduro para as modificações cênicas.
Percebe-se uma alteração nas personagens cênicas: em vez dos nomes, há a
profissão ou a característica essencial delas. A identidade das personagens foi
perdida, tornaram-se tipos: personagens arquétipos que simbolizam determinada
classe ou função social. Ao terem suas identidades “roubadas”, a psicologia de cada
personagem se torna rasa. Nesse ponto, podemos notar uma clara modificação na
proposta cênica: sem psicologia densa, a peça perde seu caráter realista, sem a
função de retratar alguém em específico, mas toda uma sociedade. É nesse lugar
que surge a nossa crítica social: os vícios, as mentiras, a fama, a relação humana.
Além disso, substituímos, na música, os nomes das personagens por outros 23 Escola de Música e Artes no bairro Córrego Grande, Florianópolis (SC).
51
sentidos. Essa escolha da não-identidade suscitou modificações riquíssimas para a
nossa dramaturgia.
Em relação ao roteiro, optamos por fazer uma releitura coletiva – antes essa
função era, principalmente, das diretoras, com colaborações espontâneas dos
atores. Essa decisão nos deu uma gama de possibilidades inimagináveis, mas
divergências também. Alguns integrantes imaginavam a cena de um modo e outro,
completamente diferente. A solução encontrada foi cada integrante escrever suas
ideias das cenas e enviar para as diretoras. Em seguida, reuníamos as propostas
num roteiro e, na reunião das diretoras, fazíamos as modificações necessárias para
o melhoramento do espetáculo. Assim foram três semanas de releituras e mais
releituras do Musical Nine, com o princípio de se distanciar ainda mais do filme.
Uma nova dramaturgia significa criação e transformação de cenas. Depois da
etapa de mudanças no roteiro, exercícios de improvisação foram realizados, com a
finalidade de suscitar ideias de propostas cênicas. Justaposição de cenas,
simultaneidade de intervenções, distanciamento e cenas isoladas foram princípios
impulsionadores no segundo semestre de 2014 e no primeiro semestre de 2015.
Temos, como exemplo, a cena “Muitas vezes” do roteiro:
Diretor – Por que será que está acontecendo isso comigo? Esposa – Estou brava com você. Onde você está? Amante – Eu não estou brava com você. Diretor – Me parece que acabei de fugir de uma coletiva de imprensa. Manequim 2 – Você ouviu sobre o Contini? Ele tentou fugir da coletiva de imprensa. Esposa - Por que não aproveitou para falar do seu novo roteiro? Amante ri. Contini – Não me provoque... Eu estou doente. Esposa – Você está fazendo um filme. Você faz um filme, e fica doente. É o que sempre acontece. Manequim 5 – Então, sim ou não? Contini – Não, dessa vez eu realmente estou doente. Esposa – Você está sozinho? Onde você está? Contini – Sim, estou sozinho. Não sei. Simplesmente estou. Amante – Eu sei onde você está. Contini – Eu queria você aqui. Esposa – Descanse, você tem muito trabalho a fazer. Amante - Volte para fazer mais um ótimo filme.
Nesta cena, percebemos diálogos entrecortados com as falas principais do
discurso entre a esposa e o Contini. No espaço teatral, Contini se encontra na
52
esquerda baixa, enquanto a esposa e a amante estão, frente a frente, na direita alta.
E, no meio do espaço cênico, os atores se encontram em poses de manequins.
Enquanto há o diálogo, pequenas intervenções são feitas, a fim de intensificar o
estímulo e o jogo entre os atores.
Outra mudança significativa no espetáculo foi a adaptação do figurino,
segundo semestre de 2014, para a nova proposta dramatúrgica do primeiro
semestre de 2015. Ao invés de trabalharmos com a desconstrução cênica,
utilizamos a construção e a ideia de atores como manequins, como mola propulsora.
Essa mudança se deu pelo fato de que a peça inteira é uma metalinguagem; tanto o
filme, quanto a peça em si estão em constante construção. Por esse motivo, o
subtítulo: Mestre Contini – ou Em Elaboração. Esse acréscimo no nome foi pensado
depois das transformações dramatúrgicas, devido às mudanças tanto da peça,
quanto do roteiro em si. Pode ser uma alteração sutil, mas reflete na concepção de
cada figurino das personagens. Atualmente, o figurino é inspirado em manequins e
no processo inacabado. É válido ressaltar que a proposta das personagens como
peças de xadrez se mantém, mas apenas como material criativo para os atores, uma
partitura autoral.
Imagem n. 09 – Mestre Contini (2015/1). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Elenco na foto: Gianna, Helena Albino, Joana Castanheira, José Ronaldo Pereira Júnior, Lara Pasternak, Verônica Bortolotto e Victor Zaguini. Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.
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Houve um plano de ensaio para cada semana, a fim de que pudéssemos
fornecer, por meio dos exercícios de concentração e de improvisação, um
treinamento mais direcionado para a proposta do espetáculo. Por exemplo,
trabalhamos com a ideia de ângulos da filmagem: plongée – câmera com vista de
cima, voltada para baixo; contra-plongée – câmera com vista de baixo, voltada para
cima; normal – câmera vista na altura dos olhos; além de outros princípios fílmicos.
Apesar de termos nos afastado do filme Nine, aproximamo-nos da linguagem
cinematográfica, como norteadora de construção cênica. Acreditamos que, ao nos
apropriarmos dos instrumentos fílmicos, poderemos trabalhar com maior propriedade
as justaposições, simultaneidades de intervenções, distanciamento etc., exatamente
pela linguagem do filme fazer uso desses princípios.
Outro exercício trabalhado no ensaio foi a imagem da cena. Por exemplo, ao
ser dita uma cena, os atores improvisavam uma imagem que representasse esse
momento. A partir dessas imagens, as cenas eram improvisadas. Era na repetição
que definíamos o que funcionou ou não em cada trecho. É interessante observar
que nessa atividade, as imagens formaram, instantaneamente, manequins para o
nosso processo cênico.
Mestre Contini foi contemplado pelo Edital da Fundação Franklin Cascaes
para se apresentar nos dias 22, 23 e 24 de maio de 2015, na Casa das Máquinas,
Lagoa da Conceição, Florianópolis – SC. No trâmite de contratos e conversas
burocráticas, já pudemos notar a difícil comunicação entre os funcionários da Casa
das Máquinas e as diretoras do espetáculo: mudanças de opiniões muito rápidas,
demora na comunicação e respostas inseguras. Na UDESC, o responsável pelo uso
dos Espaços I e II é o mesmo da iluminação, Ivo Godois; por isso, a comunicação é
muito mais direta e prática.
Os três dias de apresentação, apesar dos imprevistos, foram extremamente
proveitosos e ricos de aprendizado. No dia 22 de maio de 2015, sexta-feira, foi o
primeiro dia da peça Mestre Contini longe da zona de conforto, o espaço acadêmico.
Enfrentamos os problemas, os aprendizados e os sucessos de um grupo não
acadêmico. Nos dias seguintes, não pudemos abarcar todos os interessados no
Musical, devido à lotação da Casa das Máquinas.
Neste momento, tomo a liberdade de traçar uma semelhança com o processo
de Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010). Nos dois espetáculos, podemos notar certo
preconceito em encenar Musicais comerciais dentro do meio acadêmico. Já ao
54
apresentar para o público em geral, houve muitas críticas positivas acerca dos
trabalhos. E isso é perceptível nas conversas depois das sessões. Uma espectadora
me abordou sobre as sensações que o espetáculo Mestre Contini suscitou nela. Ao
adentrar no espaço arena e, a partir do momento em que uma das atrizes dialogou
com ela a menos de trinta centímetros de distância, um desejo enorme de participar
da cena tomou conta dela. Além disso, comentou sobre a densidade da peça, o
peso que ela possui ao traçarmos um paralelo com as nossas vidas, com as nossas
decisões.
Creio que Mestre Contini encerrou as suas apresentações com visões
otimistas sobre a construção do nosso processo. É notável o gráfico crescente do
nosso espetáculo, dos trabalhos do elenco, da construção dramatúrgica. Depois das
apresentações de maio de 2015, posso afirmar que, sim, Mestre Contini atingiu seu
objetivo de mostrar ao público que é possível fazer um Musical de adaptação de
filme, não necessariamente, ligado à estética estadunidense. Hoje, na concepção do
espetáculo, não vejo mais o filme Nine (2009) e sim, Mestre Contini (2015). De dois
mil e quinze.
Imagem n. 10 – Mestre Contini (2015/1). Direção: Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga. Integrantes da foto (da esquerda para a direita): em pé, Victor Zaguini, Lara Pasternak, Helena Albino, José Ronaldo Pereira Júnior, Thiago Gonçalves, Clara Meirelles, Joana Castanheira; no meio, Gianna Souza e Verônica Bortolotto; no chão, Tatiani Borga, Maria Luisa Porath e Giseli Balestreri. Foto: Clara Meirelles. Fonte: Acervo pessoal de Maria Luisa Porath.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo de caso que fiz ao explanar três processos de Teatro Musical
realizados no CEART/UDESC, levou-me a refletir sobre a relevância dos Musicais
na formação acadêmica em Teatro. Pelo menos, desde 2005, o CEART tem
apresentado peças Musicais em diferentes estéticas, como as explanadas: Teatro
de Revista; Adaptação de Ópera e de Filme; Cabaré, dentre outras. Esse recente
interesse em Musicais dentro da academia demonstra um desejo, por parte de
acadêmicos e docentes, de vivenciar outros processos na elaboração de um
espetáculo.
Dentro do curso de Licenciatura em Teatro do CEART/UDESC, temos
disciplinas de Voz, Metodologia da Dança, Técnicas Corporais, Interpretação
Teatral, Improvisação Teatral, História do Teatro, Prática de Direção Teatral e
Montagem Teatral. Possuímos as ferramentas necessárias para um aprendizado em
Teatro Musical; o que nos falta é usar a interdisciplinaridade a nosso favor e
expandir as áreas de estudos teatrais.
O Teatro Musical algumas vezes, infelizmente, é marginalizado, no Brasil,
pelos pesquisadores teatrais, como se fosse apenas um entretenimento. E esse
olhar negativo pode ser acentuado na academia. Com a pesquisa que realizei, pude
observar que, no CEART/UDESC, o pulsar pelo Musical é muito estimulante para os
discentes, e isso se comprovou na demanda dos interessados para participar de
Mestre Contini e de outros Musicais ali realizados, como foi o caso de All That
Jazz24.
Para delimitar o corpo da pesquisa, que resultou neste TCC, levantei os
espetáculos Musicais realizados no CEART, a partir de 2005. Nesse contexto, o
primeiro espetáculo Musical encenado no CEART foi Carmen, em 2005, com direção
de Diego de Medeiros, como exercício final da disciplina de Encenação Teatral I e
II25. Ocorreram, desde 2005 a 2014, sete (07) espetáculos Musicais no CEART.
24 Este espetáculo Musical foi uma montagem resultante da disciplina acadêmica do CEART/UDESC Prática de Direção Teatral I e II, 2013. As acadêmicas Ana Luiza Koerich Rios e Marina Soares dirigiram a adaptação do Musical Broadway Chicago. Diferentemente de Mestre Contini (2014), as diretoras optaram por manter as músicas em inglês e realizar uma adaptação mais fiel ao original. 25 Os outros Musicais pesquisados foram: Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010) de José Ronaldo Faleiro e Vera Collaço; Carmen (2012) de Elisângela Polleto; Chicago/ All That Jazz (2013) de Ana Luiza Koerich e Marina Soares; $em Vintén$ (2014) de Diego de Medeiros; Mestre Contini (2014) de Giseli Balestreri, Maria Luisa Porath e Tatiani Borga; Cabaret – Casa de Tolerância (2014) de Marlon Spilhere.
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Porém, o tempo de realização de um Trabalho de Conclusão de Curso é muito
pequeno, o que implica em trabalhar um tema mais delimitado e,
consequentemente, um recorte temporal menor e com uma reduzida gama de
diferentes estilos Musicais. Por isso, o recorte temático – um estudo de caso de três
espetáculos Musicais. Foi difícil tomar essa decisão, mas creio que foi fundamental
para um maior conhecimento de diferentes Musicais e da estruturação dos mesmos
na academia, e para a compreensão das apresentações num circuito mais
convencional/comercial.
Assim, deixo em aberto um caminho para futuras pesquisas. Estudar e
explanar, buscando aproximações e diferenciações dos sete espetáculos Musicais,
aqui elencados, que foram encenados pelos acadêmicos e docentes do CEART.
Além destes trabalhos, podemos examinar outra questão teatral: encenações que se
pautaram com bastante ênfase na musicalidade, como Beatriz26 (2011) de Ana
Paula Beling.
Ao fazer esse estudo de caso, o meu desejo era responder as seguintes
questões: Como criar uma peça Musical em que a nossa principal fonte já é uma
adaptação? A exemplo da montagem Mestre Contini (2014), a qual se inspirou no
filme Nine (2009) de Rob Marshall. Como compreender a linguagem do Musical e,
ao mesmo tempo, apropriarmo-nos dela para criarmos a nossa própria releitura?
Devido ao escasso material teórico sobre o tema, o processo foi intenso e repleto de
aprendizados. Ao longo das apresentações de 2014, fomos compreendendo a
linguagem do Musical e o que pretendíamos alcançar com Mestre Contini. Assim, as
modificações foram necessárias para respondermos à questão. A nossa montagem
de 2015 estava mais consistente, mais madura e, ainda sim, tínhamos muito a
explorar.
Para compreender as especificidades de três Musicais criados com o corpo
discente e docente do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro do
CEART/UDESC, fez-se necessário compreender, dentro do campo de elaboração
de um TCC, as três diferentes linguagens utilizadas na construção de Zylda:
Anunciou, é Apoteose! (2010); $em Vintén$ (2014) e Mestre Contini (2014).
26 O espetáculo Beatriz, criado na disciplina acadêmica de Prática de Direção Teatral I e II, em 2011,
é um drama musical com a direção de Ana Paula Beling. A atriz Margarida Baird e os músicos Pedro Loch, Larissa Galvão e Carol Miranda participaram da montagem.
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O primeiro Musical explanado aqui no TCC, Zylda: Anunciou, é Apoteose!
(2010), levou ao palco o Teatro de Revista Clássica. Mediante pesquisas, colagens,
workshops e ensaios, a montagem teve o intuito de mostrar ao público atual o Teatro
de Revista Clássica que atraía multidões ao teatro nas décadas de 1920 a 1940 e
depois ficou negligenciado pela História do Teatro Brasileiro. Esse gênero só
ressurgiu nos estudos acadêmicos a partir da década de 1980/1990 pelo empenho
da Neyde Veneziano em discutir a importância do Teatro de Revista Brasileiro. Para
discutir esse trabalho, tive que compreender as características e especificidades
básicas do gênero revisteiro.
O segundo Musical, $em Vintén$ (2014), fez-me navegar as águas
brechtianas, mais especificamente, na sua compreensão do que seria uma “nova
ópera”. Brecht define essa “nova ópera”, basicamente, como a desconstrução da
ópera wagneriana. Ou seja, quebrar com a ideia de “obra de arte total”, defender que
cada arte é independente da outra.
Já no último Musical, Mestre Contini (2014), nos dois semestres de 2014, as
apresentações se restringiram ao CEART/UDESC. Nesta etapa, optamos por fazer
uma releitura do filme Nine (2009). Ou seja, apoiamo-nos no filme como um ponto
de partida para a nossa montagem teatral. Entretanto, tivemos dificuldade em
encontrar material de apoio teórico sobre a abordagem de adaptação de filme para
palco. O que existe, em maior quantidade, é o seu inverso, adaptação de teatro para
o cinema. Assim, esbarramos em inúmeros desafios que atrasaram ou, de certa
forma, desvirtuaram-nos da nossa proposta original.
Ouso afirmar que criamos duas peças, em 2014, com o mesmo impulso
criador: Nine (2009). Mudanças no elenco, no roteiro, na proposta e na metodologia
incentivaram uma peça completamente diferente e mais perto do nosso objetivo
inicial: quebrar com a estética de Musicais Broadway. O mesmo pode se dizer dos
outros dois Musicais. Em $em Vinténs (2014), Diego de Medeiros afirma que não fez
uma ópera brechtiana, apropriou-se do texto para fazer uma nova montagem. E em
Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010), Vera Collaço e José Ronaldo Faleiro fizeram
uma compilação que resultou numa revista com procedimentos novos.
Por que o diretor escolheu essa estética? Qual foi a metodologia ideal
escolhida pela direção na construção desses gêneros propostos? A escolha de cada
estética teve como ponto de partida, o estudo e o interesse pelo Teatro Musical dos
diretores. E isso se refletiu na metodologia empregada nas três montagens Musicais
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em estudo. Por exemplo, em Zylda: Anunciou, é Apoteose! (2010), a linguagem
clownesca, a triangulação e os workshops de convidados foram os principais
veículos de aprendizado dos atores. Para $em Vintén$ (2014), os tipos sociais foram
muito importantes para a criação das personagens. Já em Mestre Contini (2014),
experimentamos algumas metodologias ao longo do processo. Mas a que se
estabeleceu foi o jogo entre os atores e o manequim corporificado no ator.
Como essas peças de Teatro Musical se relacionaram dentro e fora do
campus? Quais foram as dificuldades e as facilidades de realizar um espetáculo
Musical no meio acadêmico? As três montagens se originaram no CEART/UDESC e,
mais tarde, saíram do campus universitário. Dentro da academia, as três montagens
tiveram um público predominantemente, acadêmico. Já ao se apresentarem em
espaços externos, o público não acadêmico lotou a plateia. De maneira geral, os três
espetáculos tiveram uma receptividade maior em relação ao público não acadêmico.
E isso pode ser constatado pelo preconceito que o Teatro Musical ainda enfrenta no
meio universitário. Entretanto, existem certas facilidades de se apresentar no meio
acadêmico. Por exemplo, ter uma estrutura e os equipamentos ao nosso dispor. As
três montagens, ao saírem do CEART/UDESC, enfrentaram dificuldades na
estrutura dos locais onde se apresentaram. Tiveram que adaptar suas peças e/ou
levar equipamentos do meio acadêmico.
Encerro este trabalho, mas não o estudo, na esperança de que, como
impulsionadores da cultura, possamos dar continuidade a essa pesquisa. Acredito
que o Musical ressurgiu nos anos 2000 para se estabelecer; finalmente, aprofundar
suas raízes, a fim de que surjam ramificações. Afinal, como mostra este trabalho,
não existe um Musical e sim, Musicais. De diversas linguagens, propostas. É essa
pluralidade que deve ser valorizada dentro do meio acadêmico. Se tantas
montagens Musicais foram realizadas pelo corpo discente e docente de Teatro, além
das peças musicadas ou com música, imagina-se o que pode ser feito se a
academia incluir e incentivar o Teatro Musical?
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