múltiplas representações na construção do conhecimento científico

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE FSICA

    FACULDADE DE EDUCAO

    JOSIAS ROGERIO PAIVA

    MLTIPLAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO CONHECIMENTO

    CIENTFICO ESCOLAR

    SO PAULO

    2015

  • JOSIAS ROGERIO PAIVA

    MLTIPLAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO CONHECIMENTO

    CIENTFICO ESCOLAR

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Ensino de Cincias da

    Faculdade de Educao e do Instituto de Fsica

    da Universidade de So Paulo, como requisito

    parcial obteno do ttulo de Doutor em

    Ensino de Cincias, na Modalidade Ensino de

    Fsica.

    Orientadora: Profa. Dra. Anna Maria Pessoa

    de Carvalho

    So Paulo

    2015

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL

    DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,

    PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    FICHA CATALOGRFICA

    Preparada pelo Servio de Biblioteca e Informao do Instituto de Fsica da

    Universidade de So Paulo

    Paiva, Josias Rogerio

    Mltiplas Representaes na Construo do Conhecimento Cientfico Escolar.

    So Paulo, 2015.

    Tese (Doutorado) Universidade de So Paulo.

    Faculdade de Educao, Instituto de Fsica, Instituto de Qumica e Instituto de

    Biocincias.

    Orientador: Profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho

    rea de Concentrao: Ensino de Cincias

    Unitermos: 1. Fsica Estudo e Ensino; 2. Representao; 3. Ensino e

    aprendizagem; 4. Gestos; 5. Argumentao; 6. Desenho

    USP/IF/SBI-009/2015

  • JOSIAS ROGERIO PAIVA

    MLTIPLAS REPRESENTAES EM UM PROCESSO DE CONSTRUO DO

    CONHECIMENTO CIENTFICO ESCOLAR

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    Interunidades em Ensino de Cincias, na

    Modalidade Ensino de Fsica, do Instituto de Fsica,

    da Faculdade de Educao da Universidade de So

    Paulo.

    Aprovado em _______________

    Profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho

    (Orientadora FE - USP)

    Profa. Dra. Deise Miranda Viana (IF- UFRJ)

    Prof. Dr. Paulo Csar de A. Raboni (UNESP)

    Profa. Dra. Lcia Helena R. Sasseron (FE-USP)

    Profa. Dra. Thas Cyrino de Mello Forato (Unifesp)

  • minha famlia.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pelo que h em mim: minha histria, este meu sonho conquistado e

    outros a conquistar.

    Agradeo tambm:

    minha famlia, minha base para crescimento. Aos meus pais, Pedro Paiva e Maria

    Gomes Paiva. minha esposa, Claudia, e aos meus filhos, Beatriz e Arthur, pela pacincia

    em me dividir com livros, artigos e computadores. Aos meus irmos: Renato e Cristina,

    Rosana e Marcos, Elizandra e Pedro, Paulo e Dbora, Luciana e Rafael, e aos meus sobrinhos.

    minha orientadora, Profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho, pela orientao,

    auxlio e pacincia. Uma das pessoas de quem falo com muito orgulho de ter conhecido. ,

    para mim, um exemplo de tica, responsabilidade e compromisso com o trabalho e com o

    ensino de cincia.

    Ao meu companheiro Nelson Barrelo Junior, um grande amigo nestes ltimos anos de

    trabalho.

    Aos professores com os quais tive contato durante minha vida acadmica,

    principalmente na USP: Mauricio Pietrocola, Lcia Sasseron, Cristiano Mattos, lio Ricardo,

    Nobuko Ueta, Osvaldo Pessoa Jr., Jesuna Pacca, Isabel Martins, Lus Carlos Menezes.

    Aos vrios amigos do LaPEF e do Instituto de Fsica: Wellington, Joo, Andr, Sidnei,

    Tadeu, Andrey, Luclia, Paulo Raboni, Arthur, Tatiane, Carla, Luciana, Seiji, Emerson,

    Viviane, Candida Capechhi, Alexandre, Ruy, Cristina Paternostro, Maxwell, Guilherme,

    Estevan, Alex, Jacson, Nicole, Sidney, Amanda, Jorge, Osvaldo, rika, Carolina, Fabio, Lus

    Paulo, George, Vitor, lcio, Luclia, Leandro, Marianizete, Vivane, Ivan Gurgel, Ivani, Thas,

    Renata, Sidnei Percia, Las, Felipe, Bruno.

  • RESUMO

    PAIVA, Josias Rogerio. Mltiplas Representaes na Construo do Conhecimento

    Cientfico Escolar. So Paulo, 2015. Tese (Doutorado em Ensino de Cincias, na Modalidade

    Ensino de Fsica) USP, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2015.

    Essa pesquisa inicia-se pela considerao na literatura da rea, de ensino de fsica, sobre as

    perspectivas dadas a algumas formas de representaes, no contexto da construo do

    conhecimento cientfico, realizada no campo dos especialistas e nas pesquisas que relatam a

    sala de aula. As representaes visuais distinguveis nesta pesquisa so as esboadas pelos

    alunos, as que se notam na simulao computacional e as gestuais: os gestos alm das

    representaes gestuais icnicas possibilitam mediaes com outras representaes

    empregadas em aula, por isso, sero considerados os gestos diticos, os movimentos ergticos

    e epistmicos; outra forma observada de mediao para a construo de conhecimento sero as

    analogias empregadas. Entre as hipteses desta pesquisa est, que a sala de aula em que se

    propicia um ensino, onde mais se evidencia tanto a construo de conhecimento, quanto um

    carter multimodal de representaes ser aquela cuja metodologia empregada de ensino

    por investigao. Em face disso, definem-se as caractersticas desse ensino, desde suas

    concepes histricas iniciais quando compreendidas como a aplicao do mtodo cientfico,

    com problema, hipteses, teste das hipteses e concluso, at as concepes contemporneas

    em que se consideram aspectos da natureza da cincia, alm da argumentao, a

    multimodalidade e as relaes CTS. Para a representao verbal, expressando tanto o

    conhecimento construdo quanto as reflexes sobre o processo de construo, considerou-se se

    a fala dos alunos se enquadra no padro hipottico-dedutivo apresentado por Lawson (2002;

    2004). Os dados para a realizao desta pesquisa provm da observao e de materiais

    produzidos em sala de aula bem como das transcries do registro audiovisual dessas aulas.

    Categorizadas as representaes e classificadas quanto sua posio junto a elementos dos

    padres de argumentao hipottico-dedutivo, apresentar-se- uma soluo para o problema

    Como mltiplas representaes atuam na construo do conhecimento cientfico em sala de

    aula. Mltiplas representaes e interaes foram usadas principalmente na proposio da

    hiptese e no planejamento e execuo dos testes; o emprego de atividade favorecendo o uso

    de vrias representaes no qualifica um ensino como investigativo; se colocado

    disposio, os alunos utilizam em suas atividades, principalmente nas construes de

    conhecimento; as transies entre as formas de mediao e de representaes obedecem a um

    padro de continuidade e de uniformidade.

    Palavras-chave: Mltiplas representaes. Ensino por investigao. Ensino de Fsica.

    Argumento hipottico-dedutivo. Gesto. Desenho.

  • ABSTRACT

    This research begins by considering the literature in the field of physical education on

    prospects given to some forms of representations in the context of construction of scientific

    knowledge, carried out in the field and experts in research that reports the classroom. The

    distinguishable visual representations in this research are the pictorial outlined by the

    students, the visually represented in computer simulation and sign iconic representations;

    gestures beyond the iconic gestural representation possible mediations with other

    representations used in class, so they are considered the deictic gestures, ergot and epistemic

    movements; other form of mediation for the construction of knowledge will be the use of

    analogies. Among the hypotheses of this research is that the classroom that provides an

    education, where the evidence of both the construction of knowledge, as a multimodal

    character representations will be the one whose methodology is learning by inquiry. So let's

    define the characteristics of this teaching, from their initial historical conceptions when

    understood as the application of the scientific method, problem, hypothesis, testing of

    hypotheses and conclusion, to contemporary conceptions that also consider aspects of science

    nature beyond argument, multimodality and CTS relations. For verbal representation,

    expressing both knowledge built as reflections on the construction process, we consider how

    the speech of students falls within the hypothetical-deductive pattern presented by Lawson

    (2002 and 2004). Data for this survey out of observation and materials produced in the

    classroom, in addition to transcripts of audio-visual record of these classes. Categorized

    representations and classified according to their position along the elements of the

    hypothetical-deductive reasoning patterns, we present a solution to the problem How

    multiple representations work in the construction of scientific knowledge in the classroom.

    Keywords: Multiple representations. Education for inquiry. Physical Education. Hypothetical-

    deductive argument. Gesture. Drawing.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Primeiro desenho da Lua feito por Thomas Harriot .................................... 32

    Figura 2a Imagens das fases da lua, com autoria atribuda a Galileu ........................ 33

    Figura 2b A superfcie lunar representada no livro Sidereus Nuncius.......................33

    Figura 3 O segundo desenho de Thomas Harriot da superfcie lunar ........................ 34

    Figura 4 Esquema desenhado por Einstein em uma carta para um amigo ................ 35

    Figura 5 Representaes da interao entre eltrons ................................................. 37

    Figura 6 Representao do caminho ctuplo ............................................................. 38

    Figura 7 Representao pictrica de um grupo de de ................................................ 42

    Figura 8 Penetraes das radiaes na matria ( esquerda) ..................................... 44

    Figura 9 Esquema do padro de argumentao de Toulmin com D,W e C ............... 70

    Figura 10 Padro de argumentao de Toulmin com D,W,B,R,Q e C ...................... 70

    Figura 11 A proposta da atividade no TAP ............................................................... 91

    Figura 12 Fotografia dos alunos simulando o encaixe dos dentes de uma engrenagem

    .................................................................................................................................... 121

    Figura 13 Fotografias dos turno T.122 ..................................................................... 132

    Figura 14 Fotografias do turno T.140 ...................................................................... 137

    Figura 15 Fotografias do turno T.162 ...................................................................... 139

    Figura 16 Fotografias do turno T.198 ...................................................................... 140

    Figura 17 Desenho do grupo .................................................................................... 146

    Figura 18 Desenhos de todos os grupos .................................................................. 148

    Figura 19 Ilustrao do applet .................................................................................156

    Figura 20 A proposta da atividade no padro de argumentao de Toulmin ........ 174

    file:///C:/Users/Josias/Downloads/Tese.Josias.Revisado.docx%23_Toc410623042

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Frequncia dos materiais citados no levantamento das hipteses ............ 106

    Grfico 2 - Interaes iniciais ..................................................................................... 110

    Grfico 3 - Interaes do turno T.6 ao turno T.62 ...................................................... 111

    Grfico 4 - Interaes do turno T.63 ao turno T.161 .................................................. 136

    Grfico 5 - Interaes do turno T.173 ao turno T.273 ................................................ 152

    Grfico 6 - Interaes do turno T.273 ao turno T.441 ................................................ 154

    Grfico 7 - Modos semiticos empregados pelo professor ........................................ 169

    Grfico 8 - Interaes do turno T.246 ao turno T.320 ................................................ 190

    Grfico 9 - Panorama dos grficos referente as interaes ......................................... 209

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Comunicao multimodal ........................................................................... 43

    Quadro 2 - Sequncia didtica dualidade onda-partcula .......................................... 78

    Quadro 3 - Transcrio da aula 1, turno 1 .................................................................... 86

    Quadro 4 - Transcrio da aula 1, turno 3 .................................................................... 87

    Quadro 5 - Perguntas de identificao .......................................................................... 93

    Quadro 6 Perguntas sobre funes de partes da caixa ............................................... 93

    Quadro 7 Perguntas sobre a localizao de partes da caixa ........................................ 94

    Quadro 8 Perguntas sobre aes referentes ao desenho ............................................ 95

    Quadro 9 Representaes e mediaes relativo ao problema .................................... 96

    Quadro 10 Representaes e mediaes nas consideraes iniciais.......................... 97

    Quadro 11 Representaes e mediaes para a esponja como hiptese .................. 100

    Quadro 12 Destaque as mediaes com movimentos epistmicos .......................... 101

    Quadro 13 Movimentos epistmicos para mediao dos testes da hiptese ..................... 102

    Quadro 14 Movimentos epistmicos para mediao dos testes da hiptese II ............... 105

    Quadro 15 Fluxo das mediaes durante as primeiras interaes com a caixa ................ 109

    Quadro 16 A presena de um elemento com elasticidade na caixa ......................... 112

    Quadro 17 Analogia tendo como referente o mecanismo de uma bicicleta ..................... 116

    Quadro 18 Testes empregando movimentos ergticos e epistmicos ..................... 117

    Quadro 19 - Transio entre modos semiticos ...................................................... 118

    Quadro 20 Empregando representaes gestuais icnicas ...................................... 119

    Quadro 21 A analogia com o acoplamento de engrenagens .................................... 122

    Quadro 22 Refutaes na analogia empregada ........................................................ 122

    Quadro 23 Demanda de ateno visual s representaes pictricas ...................... 125

    Quadro 24 Proposio da mola como hiptese ........................................................ 127

    Quadro 25 Uma nova classe de questes ................................................................. 129

    Quadro 26 Testes relacionados ao elstico .............................................................. 130

    Quadro 27 Procurando relao causal ..................................................................... 131

    Quadro 28 A necessidade de completar um argumento .......................................... 132

    Quadro 29 Fluxo das mediaes durante o emprego de diversas analogias ................... 135

    Quadro 30 O incio da construo da representao pictrica................................. 137

    Quadro 31 Para desvendar a funo do prego ........................................................ 139

    Quadro 32 Ao comunicar o resultado parcial da investigao ................................ 139

    Quadro 33 Compreenso que o problema aberto .................................................. 141

    Quadro 34 Consideraes sobre a esttica da representao pictrica .................... 143

    Quadro 35 Consideraes sobre a legenda da representao pictrica ................... 143

    Quadro 36 Fluxo das interaes do turno T.173 ao turno T.273 ............................. 151

    Quadro 37 Fluxo das interaes do turno T.274 ao turno T.427 ............................. 153

    Quadro 38 Seo da sequncia didtica sobre o efeito fotoeltrico ........................ 155

    Quadro 39 Seo da sequncia didtica sobre o efeito fotoeltrico ........................ 158

    Quadro 40 Apelo ao aspecto visual da simulao ................................................... 158

    Quadro 41 Aplicao tecnolgica do efeito fotoeltrico ......................................... 160

    Quadro 42 Definio do efeito fotoeltrico ............................................................. 161

    Quadro 43 Classificao das perguntas ................................................................... 163

    Quadro 44 Panorama da categorizao das perguntas ............................................. 165

    Quadro 45 Vrias recolocaes de uma pergunta .................................................... 166

    Quadro 46 Destaques ateno dada ao aspecto visual do applet .......................... 170

    Quadro 47 Fluxo das interaes com os vrios modos semiticos ......................... 172

    Quadro 48 Retomada das orientaes ao primeiro grupo ........................................ 175

  • Quadro 49 Um termo especfico da cincia ............................................................. 176

    Quadro 50 - Modos semiticos na orientao do professor ....................................... 177

    Quadro 51 Orientao para leitura de detalhes do applet ........................................ 179

    Quadro 52 Orientao sobre registro dos dados ...................................................... 181

    Quadro 53 Uma varredura no espectro exposto no applet ....................................... 182

    Quadro 54 Alternando entre o topolgico e o tipolgico ........................................ 185

    Quadro 55 Aspectos visuais relacionados energia dos eltrons ejetados ...................... 187

    Quadro 56 Fluxo de interaes dos alunos do grupo 2 ............................................ 191

    Quadro 57 Sugesto do professor para que os alunos faam uma tabela ................ 192

    Quadro 58 Transcrio dos dados observados pelos alunos .................................... 193

    Quadro 59 A leitura da tabela .................................................................................. 196

    Quadro 60 Encerramento da atividade .................................................................... 197

    Quadro 61 Representaes e mediaes na construo do raciocnio ..................... 204

    Quadro 62 Estrutura do raciocnio, representao e mediao ................................ 205

    Quadro 63 Graduao para as fases do processo investigativo ............................... 206

    Quadro 64 Graduao para as fases do processo investigativo ............................... 208

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Graduao para aspectos da Natureza da cincia ........................................ 60

    Tabela 2 - Graduao para o problema ......................................................................... 64

    Tabela 3 - Graduao para as hipteses ........................................................................ 65

    Tabela 4 - Graduao para o plano de trabalho ............................................................ 67

    Tabela 5 - Graduao para organizao dos dados ....................................................... 67

    Tabela 6 - Graduao para a anlise e/ou concluso .................................................... 68

    Tabela 7 - Graduao para o processo argumentativo .................................................. 74

    Tabela 8 - Valores do IDESP para a escola "Francisca Ldia de Araujo Pereira" ................. 81

    Tabela 9 - Graduao para o uso de mltiplas representaes ..................................... 85

    Tabela 10 - Frequncia de hipteses sobre a presena de um elemento elstico .................. 115

    Tabela 11 - Frequncia dos tipos de perguntas ........................................................... 166

    Tabela 12 - Frequncia de termos da cincia empregado pelo professor ................... 168

    Tabela 13 - Modos semiticos na expresso do professor ......................................... 169

    Tabela 14 - Modos semiticos empregado pelos alunos ............................................ 191

    Tabela 15 - Dados declarados pelos alunos ................................................................ 195

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AAAS American Association for the Advancement of Science

    BSCS Biology Science Curriculum Study

    CERN Conseil Europen pour la Recherche Nuclaire - European Council

    for Nuclear Research / European Organization for Nuclear Research

    CEU Centro Educacional Unificado

    Chem Study Chemical Education Materials Syudy

    CTS Cincia, Tecnologia e Sociedade

    EF Ensino Fundamental

    EM Ensino Mdio

    ESS Elementary Science Study

    Fapesp Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo

    IBECC Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura

    IDESP ndice de Desenvolvimento da Educao do Estado de So Paulo

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    LaPEF Laboratrio de Pesquisa e Ensino de Fsica

    MIT Massachusetts Institute of Technology

    NRC National Research Council

    PSSC Physics Science Study Committe

    SARESP Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar do Estado de So

    Paulo

    SCIS Science Curriculum Study

    SEE Secretaria da Educao do Estado

    SEI Sequncia de Ensino Investigativo

    TAP Toulmin Argumentation Patern (Padro de argumentao de Toulmin)

    UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    USP Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 18

    1 - MLTIPLAS REPRESENTAES .............................................................................. 22

    1.1 POR QUE VRIAS REPRESENTAES? ..................................................................... 23

    1.2 NO CONTEXTO DAS CONSTRUES CIENTFICAS ............................................... 27

    1.3 VARIADAS REPRESENTAES NAS CONSTRUES CIENTFICAS ................... 31

    1.4 O USO DE VRIAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO

    CONHECIMENTO CIENTFICO ESCOLAR.......................................................... 38

    1.5 REPRESENTAES GRFICAS .................................................................................... 45

    1.6 REPRESENTAES MATEMTICAS .......................................................................... 47

    1.7 REPRESENTAES GESTUAIS .................................................................................... 50

    2 ENSINO POR INVESTIGAO ...................................................................................... 55

    2.1 A ARGUMENTAO ...................................................................................................... 68

    2.1.1 A argumentao empregando categorias de Toulmin ............................................... 69

    2.1.2 A argumentao empregando o padro hipottico-dedutivo .................................... 73

    3 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 75

    3.1 OS DADOS DA PESQUISA ............................................................................................. 78

    3.2 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 79

    3.3 CARACTERIZAES DAS FONTES DOS DADOS ..................................................... 79

    3.3.1 A caracterizao da escola ............................................................................................... 79

    3.3.2 Caracterizao do professor ......................................................................................... 82

    3.3.3 Caracterizaes dos alunos ........................................................................................... 83

    3.3.4 Consideraes em nossa anlise ................................................................................... 83

    4 ANLISE ............................................................................................................................. 86

    4.1 AULA COM A ATIVIDADE CAIXA PRETA ............................................................. 86

    4.1.1 Primeiro episdio: a problematizao ......................................................................... 86

    4.1.1.1 A argumentao na proposta do professor ................................................................... 90

    4.1.1.2 Para onde nos leva o problema ..................................................................................... 96

    4.1.2 Segundo episdio os primeiros contatos dos alunos com o material ...................... 97

    4.1.3 As transies durante as proposies das primeiras hipteses ............................... 107

    4.1.4 Terceiro episdio o elstico ...................................................................................... 112

    4.1.5 Quarto episdio a bicicleta....................................................................................... 116

    4.1.6 Quinto episdio a mola ............................................................................................. 127

    4.1.7 Um olhar no fluxo das aes ....................................................................................... 134

    4.2 A CONSTRUO DO DESENHO ................................................................................. 137

    4.2.1 O desenho dos alunos .................................................................................................. 143

    4.3 A SATISFAO DE FAZER CINCIA ........................................................................ 149

    4.4 A TERCEIRA SEO DO FLUXO DE INTERAES ............................................... 149

    4.5 A AULA SOBRE O EFEITO FOTOELTRICO ............................................................ 154

    4.5.1 A simulao empregada .............................................................................................. 156

    4.5.2 A proposio do problema .......................................................................................... 157

    4.5.2.1 Classificao para as formas de perguntas ................................................................. 162

    4.5.2.2 Os modos de comunicaes empregados pelo professor............................................ 168

    4.5.2.3 A proposta do problema enquadrada no TAP ............................................................ 173

    4.5.3 Interao do professor com o grupo .......................................................................... 174

    4.5.3.1 O primeiro grupo a usar o simulador .......................................................................... 174

    4.5.3.2 O segundo grupo a usar o simulador .......................................................................... 177

    4.5.3.3 A ao dos alunos junto ao applet .............................................................................. 181

    4.6 A ORGANIZAO DOS DADOS REFERENTES SIMULAO ........................... 192

  • 4.7 UM OLHAR TRANSVERSAL NAS ATIVIDADES ..................................................... 198

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 211

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 215

    ANEXOS ............................................................................................................................... 224

  • 18

    INTRODUO

    Nos ltimos anos, durante a elaborao e o desenvolvimento de projetos temticos

    financiados pela Fundao de Amparo Pesquisa do estado de So Paulo (Fapesp) no

    Laboratrio de Pesquisa e Ensino de Fsica (LaPEF), da Faculdade de Educao da

    Universidade de So Paulo (USP), considerou-se necessria a implementao de novos

    contedos de fsica: contedos da fsica moderna e contempornea nos cursos de Ensino

    Mdio. Essa perspectiva de insero de novos contedos surgiu durante a participao no

    grupo que elaborara um trabalho sobre o ensino de termodinmica, no projeto Melhoria da

    qualidade de Ensino de Fsica no Ensino Mdio, sob a coordenao da Professora Doutora

    Anna Maria Pessoa de Carvalho, e foi desenvolvido, posteriormente, nos trabalhos do

    referido grupo no projeto intitulado A Transposio Didtica das Teorias Modernas e

    Contemporneas para a Sala de Aula, sob a responsabilidade do Prof. Dr. Maurcio

    Pietrocola. Procurou-se introduzir contedos de fsica moderna no Ensino Mdio,

    inicialmente em dois mdulos: Dualidade Onda-partcula e Fsica de Partculas.

    Junto ao grupo, observou-se a necessidade de se validar com pesquisas no ensino de

    cincias algumas das atividades desenvolvidas e aplicadas em sala de aula. As pesquisas que

    me despertaram interesse foram quelas relacionadas aos desenhos feitos pelos alunos. Um

    direcionamento para o estudo da importncia dessa elaborao por parte dos alunos no ensino

    foi despertado pela leitura do texto de Lemke (1998), o qual me instigou ainda mais sobre a

    possibilidade de investig-los ao declarar que os desenhos fazem parte da linguagem da

    cincia. O estudo do texto de Roth (2003), no qual apresentado um conceito de

    transparncia, relacionando o processo de construo do aprendizado de cientistas com o

    aprendizado em sala de aula, levando em conta que cientistas, no final de longas etapas de

    trabalho, descrevem caractersticas de um fenmeno nos traos de um grfico.

    Essas questes relacionadas ao uso de desenhos no ensino de fsica culminaram na

    dissertao de mestrado Representaes pictricas no ensino de fsica moderna: uma

    construo dos alunos, apresentada por este autor (PAIVA, 2010). Um dos pilotos no

    desenvolvimento da atividade, j na pesquisa do mestrado, foi a construo de desenhos a

    partir de um texto, recortado do livro Deve ser Brincadeira, Sr. Feynman!. Nesta obra,

    Feynman, questionado a respeito da imagem que tinha das ondas eletromagnticas, passa a

    descrever as variadas representaes pictricas e grficas que, comumente, encontram-se em

    livros didticos ao expressarem grandezas fsicas e as relaes entre elas, associadas ao

    campo eltrico e ao campo magntico. Foram entregues descries de Feynman, escritas em

  • 19

    trs pginas, e solicitou-se a alguns professores que representassem todas as imagens

    expressas naquelas pginas. No livro, Feynman concluiu que no possua uma imagem para

    representar esse ente fsico, mas um conjunto de representaes pictricas, matemticas e

    grficas e que ao uni-las e transitar entre elas lhe davam a compreenso do que a onda

    eletromagntica.

    A utilizao de diferentes representaes para abordar o conhecimento consiste em

    uma prtica comum no desenvolvimento das concepes cientficas e na construo do ensino

    de cincias. Roth (2003) descreveu a prtica do grupo de cientistas, da qual participou, em

    que, aps a frequente ao experimental e tratamento dos dados utilizando um software,

    desenvolveu-se a competncia de leitura das representaes grficas empregadas na pesquisa.

    Tanto Feynman (2000) quanto Roth (2003) esto inseridos no contexto do ensino de

    cincias, abordando aspectos que tangem s linguagens empregadas no desenvolvimento do

    conhecimento cientfico. Nessas e em outras perspectivas de ensino de cincias, delineia-se

    um esforo no sentido de abandonar prticas extremamente tradicionais de ensino, que

    privilegiam a excessiva carga de exerccios com carter exclusivamente na reproduo de

    operaes matemticas, as quais, muitas vezes, resultam em frustraes para a maioria dos

    alunos e na exaltao dos professores que conseguem resolv-los.

    Esse empenho em mudar o ensino de Fsica no Brasil tem provocado uma maior

    contextualizao dos temas estudados. Alm disso, o acesso informao tornou-se mais

    democrtico: muitos tm acesso a livros e outras mdias que promovem discusses cientficas.

    At para comunidades mais carentes, atualmente h livros, acesso internet, e programaes

    culturais e cientficas em canais abertos e contratados por meio de assinatura. O acesso ao

    livro tem sido promovido por ao governamental atravs do Programa Nacional do Livro

    Didtico (PNLD), que os fornece aos alunos durante o ano letivo, em uma forma de

    emprstimo. O principal objetivo do programa PNLD encontra-se expresso em sua pgina na

    internet: subsidiar o trabalho pedaggico dos professores por meio da distribuio de

    colees de livros didticos aos alunos da educao bsica.

    Nas universidades, as pesquisas sobre a evoluo do ensino-aprendizagem, em

    diversos campos tanto quanto no ensino de cincias, so tema permanente. Entre os resultados

    desses esforos, est a editorao de novos contedos nos livros atuais. Outro aspecto de

    transformao dos livros que se procura colocar o maior nmero de informaes possvel, s

    vezes envolvendo relaes entre Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS), para gerar

    referncias atualizadas s construes dos significados no contedo da fsica. Vale ressaltar

    que determinados temas, em algumas obras didticas para o Ensino Mdio, vo ganhando

  • 20

    especificidades de cursos superiores. Alguns livros do Ensino Fundamental II apresentam

    profundidade peculiar ao Ensino Mdio. E, principalmente, os contedos de fsica moderna e

    contempornea so apresentados na forma de relatos, muitas vezes evidenciando rupturas,

    uma alterao de perfil, em relao s caractersticas das obras em que tm sido enxertados.

    Pretende-se com este discurso, mostrar que o ensino de cincias, de fsica, tornou-se

    mais prximo ao aluno, medida que outras organizaes curriculares, materiais didticos, e

    metodologias alternativas tm sido promovidos. O professor de fsica tem hoje a possibilidade

    de discorrer a respeito de diversos avanos cientficos e tecnolgicos noticiados diariamente

    nos meios de comunicao: a deteco do bson de Higgs, em debate no domingo noite na

    TV e em canal aberto; o modelo padro; as experincias no CERN; a viagem e pouso da

    Curiosity em Marte; a queda de um meteorito na regio de Tcheliabinsk na Rssia em

    fevereiro de 2013. Esses e outros temas so veiculados na TV, na internet e na escola. Sem

    dvida, a divulgao em multimdias tem favorecido as discusses sobre a construo das

    cincias e sobre o ensino de cincias.

    Hoje mais difcil encontrar frmulas sem contexto nos livros didticos de educao

    bsica, pois esto vinculadas a outras informaes que auxiliam a compreenso do significado

    do conhecimento ali sistematizado. Nessa maneira contempornea de se promover o

    conhecimento, as pesquisas acadmicas apontam que merecem destaque a histria da cincia,

    a multimodalidade, a epistemologia, a filosofia das cincias, as prticas experimentais, as

    aes investigativas, a dialogia, a forma como feita a transposio didtica, a argumentao,

    a enculturao cientfica e outras linhas abordadas em centros de pesquisa pelo pas afora.

    Em virtude dessas formas de compreender a promoo do conhecimento cientfico,

    reconhece-se que a epistemologia das cincias permeada por construes multimodais. E, se

    na sala de aula vamos fazer cincia (JIMNEZ-ALEIXANDRE; RODRIGUEZ; DUSCHL,

    2000), as prticas epistmicas da cincia devem estar presentes. Ferramentas mediadoras da

    construo do conhecimento cientfico devem desempenhar algum papel na construo do

    conhecimento cientfico escolar. Esse ensino j no pode ser simples exposio de novos

    contedos. Naturalmente, precisa-se caracterizar que concepo de ensino-aprendizagem est

    sendo considerada em sala de aula: De que sala de aula est se falando? Que aprendizagem

    est sendo considerada? No a lgica de apenas resolver equaes algbricas, sem associar a

    elas significados. Longe, portanto, de simplesmente decorar frmulas.

    O objetivo, ao se enveredar nesta linha de pesquisa, compreender: Como essa

    riqueza de modos semiticos de comunicao explorada na construo do conhecimento

    cientfico escolar? Como mltiplas representaes so empregadas na mediao de

  • 21

    construes de conhecimento de cincias em sala de aula? Para responder a essas questes,

    sero mapeados os diferentes gneros de representaes visuais: os desenhos elaborados em

    aula; as imagens de applets em simulaes; as representaes gestuais durante a comunicao

    em sala de aula; as maneiras de interao com essas representaes; e, finalmente, sero

    sublinhados os papis que essas desenvolvem no discurso dos alunos e do professor.

    No captulo 1, destacam-se as pesquisas com foco nas muitas formas de linguagem e

    representao empregadas na construo do conhecimento cientfico, em duas abordagens: na

    rea de ensino, que discorrem sobre situaes no contexto da construo do conhecimento

    cientfico; e no ensino de cincias, cujo objeto de estudo est diretamente associado sala de

    aula. Em seguida, tratam-se das representaes especficas: representaes imagticas, mas de

    cunho pictrico, e esquemas; as representaes grficas; e as representaes matemticas.

    Sempre mantendo, nas duas abordagens, um olhar na epistemologia da cincia e outro na

    didtica das cincias.

    No captulo 2, consideram-se os referenciais sobre o ensino por investigao, pois na

    promoo de um ensino por investigao que potencialmente haver todos os objetos a

    serem tomados como dados para esta pesquisa. No captulo 3, h a descrio da sequncia

    didtica: a metodologia empregada na pesquisa; a caracterizao do professor, da escola e da

    sala de aula; e a forma de tomada de dados.

    No captulo 4 encontra-se a anlise: na primeira seo, a anlise da atividade com a

    caixa preta; na segunda seo a anlise da atividade empregando a simulao do efeito

    fotoeltrico; e na ltima seo do captulo, um olhar transversal baseado nos elementos de um

    ensino por investigao.

  • 22

    1 MLTIPLAS REPRESENTAES

    A premissa deste trabalho que o conhecimento cientfico se constri empregando

    vrias representaes. Um nico gnero de linguagem no suporta expressar todas as

    especificidades dos vrios conceitos da cincia. Os profissionais de cincias possuem essa

    competncia de empregar vrias representaes ao trabalhar com um conceito, e aos alunos

    devem ser propiciadas condies para que desenvolvam tal competncia. Ao longo desta tese,

    discorrer-se- sobre o uso de diferentes representaes para descrio e compreenso de

    conceitos cientficos no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, e em contextos em

    que as construes dos especialistas em cincias revelam aspectos de seu processo de

    cognio.

    Na primeira abordagem, associada a situaes de cognio dos alunos, assume-se

    como necessria para uma educao eficaz no contexto das cincias, onde se destaca a meta

    proposta por Lemke:

    O idioma natural de cincia uma integrao sinergtica de palavras, diagramas,

    desenhos, grficos, mapas, equaes, tabelas, esquemas, e outras formas de

    expresso visual e matemtica. [...] A meta de educao de cincia, que quero

    discutir, deveria ser capacitar os estudantes para usar tudo destas linguagens de

    modos significantes e apropriados, e, acima de tudo, poder integr-los

    funcionalmente na conduta de atividade cientfica (LEMKE, 2002b, p. 166-168).

    Para observar essa integrao sinergtica, vo se captar como dados na pesquisa as

    palavras, os diagramas, os desenhos, os grficos, as possveis formas de interao dessas

    variadas representaes e destacar como se associam construo de um conceito estudado.

    A segunda abordagem a ser tecida envolve a cognio dos alunos, mas o contexto de

    consideraes est voltado para o relato das construes do conhecimento cientfico,

    associado aos especficos modos semiticos relevantes. A fim de se compreender a

    perspectiva desse enfoque, nesta seo inicial apresenta-se Pessoa Jr. (2007) por explorar o

    significado das representaes pictricas de orbitais atmicos e moleculares, em textos

    didticos de qumica. O referido pesquisador aponta que, por meio da representao pictrica,

    feito o primeiro contato do aluno do Ensino Mdio com a fsica quntica. Relata como trs

    livros didticos exibem representaes pictricas com o intuito de auxiliar as descries dos

    orbitais moleculares, descrevem essas imagens acompanhadas de informaes. Em seguida,

    desenvolve vrias consideraes: procura-se reproduzir nos livros o aspecto visual visto que

    as representaes matemticas tm caractersticas mais abstratas; enquanto que a teoria

    quntica apresenta vrias interpretaes, inclusive algumas rejeitam a possibilidade de usar

  • 23

    representaes visuais. Alm disso, a mecnica quntica foi desenvolvida a partir de uma

    abordagem da mecnica matricial com nfase nos resultados de medio sem se preocupar

    com a visualizao, o que pode ser chamado de positivismo ou instrumentalismo; e da

    mecnica ondulatria, que permitia um retrato intuitivo das medies e a observao visual de

    uma realidade parecida com as representaes e imagens das ondas da fsica clssica e, por

    isso, chamadas realistas. Pessoa Jr. declara: as vises realistas se adaptam bem a

    representaes pictricas como as da figura. J para as vises positivistas, tais figuras so

    vistas mais como um auxlio didtico do que como uma representao de tomos. (PESSOA

    Jr., 2007, p.31)

    No caso da pesquisa de Pessoa Jr. (2007), citam-se as ocasies em que o conceito tem

    razes no formalismo matemtico, ou est associado a uma interpretao da mecnica quntica

    que rejeita representao visual. Se o intento for uma correta representao da entidade, esses

    limites representacionais fornecem formas de avaliar quando a representao visual

    apropriada para comunicar um conceito, e, quando essas representaes comunicam apenas

    alguns aspectos do conceito, portanto, torna-se necessrio outro modo representacional para

    descrev-lo.

    Como a pretenso a coleta de dados em um ambiente de ensino cujas variadas

    representaes so manifestadas para entendimento e descrio de um conceito, esse ambiente

    sala de aula deve ser favorecido por uma metodologia de ensino que privilegie aes com

    essa finalidade. Em aulas cujo ensino se d por meio de investigao, encontra-se maior

    participao dos alunos e, por extenso, maior oportunidade de coleta de suas respectivas

    construes. Por isso, as aulas em que os dados foram tomados aplicam, a princpio, essa

    metodologia. No captulo dois, esto descritas uma evoluo da concepo do ensino por

    investigao e as justificativas pela opo de tomar os dados em aulas cujo ensino ocorra

    segundo esses moldes.

    1.1 POR QUE VRIAS REPRESENTAES?

    H muitos estudos em ensino de cincias com consideraes acerca do uso de vrias

    representaes para a construo do conhecimento de cincias em sala de aula. Alguns

    empregam mais que um nico foco nos dados recolhidos, tal como linguagem verbal e gestos,

    ou linguagem verbal e desenhos; outros procuram categorizar cada modo representacional

    observando a integrao entre eles; outros, ainda, analisam o emprego de vrias

  • 24

    representaes na construo do raciocnio cientfico; mas poucos associam os diversos

    modos representacionais a um conceito que esteja sendo estudado, como se pretende fazer

    aqui. A seguir, a descrio de alguns desses estudos.

    Lemke (1998) ao mencionar sobre dados obtidos em linguagem verbal, discute a

    formao de questes, escolhas e adaptaes que os pesquisadores devem fazer para compilar

    os dados de uma pesquisa. Tambm trata do novo texto que surge ao se transcrever uma aula

    para o papel e adverte quanto perda de dados importantes, alm das entonaes, que

    geralmente no so registradas:

    [...] significados contrastantes podem muitas vezes ser determinados a partir da

    inflexo. A transcrio de palavras tambm apaga informaes sobre o contexto,

    orientao de valor, grau de certeza ou dvida, atitudes de expectativas, ironia,

    humor, vigor emocional, traos de identidade e dialeto. [...] Alm disso, as

    informaes sobre o tempo de fala (durao), discurso simultneo, quebra de

    fluncia sbita, se uma proposio e etc. (LEMKE, 1998, p. 1.177).

    Lemke chama ateno no apenas para o produto dos alunos entregue no final de uma

    atividade, bem como para todo o processo de construo de significados em sala de aula, e

    comenta sobre as ligaes entre as diversas linguagens, alm do contexto presente, relaes

    com informaes em contextos mediatos. O que o professor est dizendo agora faz sentido

    em parte, em relao ao que disse ontem ou h dez minutos, ao que lemos no livro, pergunta

    que se perdeu no ltimo questionrio etc. (LEMKE, 1998, p. 1.177).

    Segundo esse autor (2002a), percebe-se como uma rede de diversas linguagens forma

    um sistema para a construo de significados, especifica, porm, o papel da matemtica nessa

    rede, que seria o de permitir a extenso dos recursos tipolgicos do idioma natural e dos

    topolgicos das representaes visuais. Defende ainda que a linguagem verbal no a melhor

    maneira de se construir significados para eventos com ocorrncias topolgicas:

    [...] uma representao visual deveria apresentar os significados de covariaes

    contnuas, mas para usar grficos, para entender funes, os estudantes tm que

    aprender a sistematizar, a representar em trs semiticas diferentes: a linguagem

    verbal, os diagramas e expresses algbricas. [...] a materializao das

    representaes visuais pode ser parcialmente, mas nunca completamente traduzidas

    em declaraes da linguagem verbal e vice-versa. (LEMKE, 2002a, p. 226).

    Geralmente, os alunos no so instrudos e nem aprendem a fazer conexes ou snteses

    nas diversas linguagens associadas, no leem muitos dos sinais presentes nas diferentes

    linguagens, e no possuem conhecimento da semntica desses sinais para integr-los

    coerentemente ao discurso.

  • 25

    Duas caractersticas da comunicao multimodal so apresentadas em Lemke (2002b):

    1) a incompletude: professores integram vrios canais na comunicao cientfica e, em cada

    um dos canais, h partes da informao comunicada. Mas, s vezes, h erros, outras omisses,

    ou troca de smbolos; 2) a intertextualidade: os significados so construdos integrando

    informaes nos diferentes canais, e evocando na memria outras informaes, que podem

    no estar no contexto da aula, do dia, ou da escola.

    Em Martins, Gouva e Piccinini (2005), h uma descrio sobre a natureza semitica

    hbrida dos textos cientficos escolares. H relatos de vrios focos sob os quais imagens tm

    sido consideradas na semitica social, nos estudos de cognio, nos estudos culturais e na

    compreenso das relaes entre imagens, conhecimento cientfico e ensino de cincias. H

    tambm as trs fontes de abordagem da coleta de seus dados: imagens nos livros didticos;

    leitura de imagens nos livros didticos; e imagens realizadas por alunos em sala de aula.

    Nesse trabalho, as autoras classificam as imagens nos livros didticos para o ensino de

    cincias e destacam como se tornam complexas as estratgias de leitura. Nas sries iniciais, as

    imagens so ilustraes naturalistas e realistas, e, nas sries finais, se somam s

    representaes abstratas, esquemticas e situaes microscpicas:

    Os meios de comunicao apresentam s crianas no s diferentes possibilidades

    representacionais, como tambm informaes a respeito de descobertas cientficas

    que fornecem elementos para a construo de representaes acerca, por exemplo,

    do que cincia, de quem o cientista e qual seu papel social. (MARTINS et. al, p.

    39).

    Na sntese de resultados da entrevista com duplas de alunos da terceira srie dos ciclos

    do Ensino Fundamental, sobre a leitura de imagens em livros, as autoras destacam o tempo

    para realizar a leitura, a intertextualidade com outras imagens e os gestos como estratgia

    facilitadora de leitura, pois os alunos acompanhavam com o dedo os traos na imagem:

    Nossas anlises revelam uma diversidade de formas de engajamento com a imagem

    (afetivo, cognitivo, esttico) e uma variedade de estratgias de leitura, que destacam

    o papel do conhecimento prvio, de experincias de leitura anteriores realizadas no

    ambiente escolar e de estratgias de leitura que integram informaes verbais e

    contextualizam as imagens no espao grfico da pgina. (MARTINS et. al, 2005, p.

    39).

    Nos episdios analisados pelas autoras, destacam-se entre seus apontamentos: o fluxo

    de modos semiticos; a articulao entre eles; as relaes de cooperao; e a centralidade de

    alguns modos semiticos em distintas situaes.

    Piccinini e Martins (2003; 2004) apresentam uma classificao e anlise de um

    episdio apresentado na forma de uma tabela, em que se destaca o recorte temtico e a

  • 26

    atividade, alm dos modos semiticos (verbal, visual e gestual) empregados nas interaes

    discursivas na sala de aula, e analisam dois aspectos: o contexto de utilizao dos diferentes

    modos semiticos e a valorizao dada pelos interlocutores na forma de comunicao

    empregada.

    Em Labur e Silva (2011), existem algumas concepes em torno das

    multirrepresentaes associadas ao ensino de cincias no laboratrio. Nesse trabalho,

    abordam algumas formas como o laboratrio tem sido utilizado pelos que defendem seu uso

    dissociado da disciplina de cincias, e defendem prticas representacionais, como prticas de

    ensino, que podem ser desenvolvidas alm do espao fsico designado como laboratrio. Os

    autores descrevem limites implcitos no modo representacional, e a concepo de que, ao

    empregarem-se vrios modos semiticos, uma ideia eficientemente comunicada. Descrevem

    a natureza das linguagens tipolgicas e topolgicas, do algum destaque aos gestos, entre as

    vrias modalidades de representao, e entre as transformaes dos modos representacionais

    abordam a medio, muitas vezes no vista como parte da compreenso conceitual.

    Mais especificamente, para Klein e Kirkpatrick (2010), a medio a

    ressemiotizao da percepo de um atributo em um conjunto de signos

    numricos. Visualizaes, tais como grficos, transformam dados numricos em

    novas formas representacionais a partir dos quais as relaes entre variveis podem,

    frequentemente, ser aprendidas de maneira perceptual. (LABUR; SILVA, 2011, p.

    730).

    Em Labur e Silva (2011), h a declarao de que o conhecimento cientfico um

    conhecimento semitico, comunicado com variadas representaes: o conceito est expresso

    nas peculiaridades das variadas representaes, e seu significado pode ser apreendido na

    leitura multimodal. Assim, no mbito didtico, a aprendizagem das concepes cientficas a

    aprendizagem da utilizao, leitura e expresso dos modos semiticos com que se representa

    um conceito. Aprender reside em descobrir o significado das representaes empregadas na

    comunicao de um especfico conceito; trata-se da capacidade de compor a totalidade do

    significado comunicado nas mltiplas representaes empregadas sobre uma ideia; a

    capacidade de transitar entre as variadas representaes que comunicam um fenmeno.

    Aprende-se quando se participa de uma tomada de conscincia multissensorial e

    multicognitiva na interao com um sistema plurirrepresentacional.

    Esses autores descrevem o malabarismo necessrio para a construo de

    significados a partir das selees e somatrias das diversas linguagens empregadas em sala de

    aula. Destacam que cada canal de comunicao empregado possui algum grau de

    incompletude, incoerncia ou outros desvios do objetivo inicial. (LEMKE, 2003).

  • 27

    Acrescente-se, ainda, que conceituar grandezas fsicas de modo integral envolve

    relacion-las de maneira consistente em um sistema de representaes formais,

    assim como saber convert-las nos modos de representao gestuais via ao,

    procedimentos, habilidades ou atitudes, e vice-versa. A possibilidade bem-sucedida

    de converso entre modos de tipo manipulativo, formais (verbal, matemtica) e

    outras representaes semiticas (tabelas, diagramas, grficos) determina, at

    mesmo, se uma grandeza fsica foi significativamente aprendida. (LABUR;

    SILVA, 2011, p. 730).

    1.2 NO CONTEXTO DAS CONSTRUES CIENTFICAS

    Em uma perspectiva histrica, nesse subitem sero destacadas caractersticas relativas

    ao emprego de variadas representaes, apresentadas em pesquisas de ensino de cincias, que

    consideram fatores percebidos nos mbitos em que o conhecimento fsico foi desenvolvido,

    ou nas prticas de cientistas que contriburam para a evoluo da cincia. Essa perspectiva

    tambm ser epistemolgica, abordando o que se evidencia nos relatos seguintes, peculiares

    das prticas de construo cientfica. Naturalmente, os trabalhos apresentados a seguir no

    excluem as consideraes quanto s construes em sala de aula, pois os pesquisadores em

    que se buscou referncias so do ensino de cincias.

    Matthews (2007) comenta a utilizao de modelos cientficos tanto na epistemologia

    da cincia quanto no ensino de cincias e descreve a importncia do assunto, as consideraes

    filosficas dos realistas e dos no realistas ao utilizarem um modelo. Alm disso, trata do

    caminho de construo de um modelo cientfico, colocando a representao como etapa

    posterior na construo do conhecimento. O autor tambm assinala que os alunos so

    colocados em contato com alguns modelos, sem terem conhecimentos prvios e consideraes

    necessrias aos limites daquele modelo. A descrio de modelo de Matthews (2007) permite o

    alinhamento de seu trabalho com esta pesquisa, pois apreende o modelo como uma

    representao de uma realidade sujeita a um objetivo, ou a um contexto, destacando que o

    significado da representao tem relao no estritamente objetiva com o ente representado,

    mas tambm com o contexto:

    Eles so precisamente a inteno de representar o real, e representaes variam de

    acordo com nossas finalidades. Por exemplo, finalidades econmicas, artsticas,

    nutricionais e agrcolas tm maneiras diferentes de representar mas, como valor de

    troca, como estmulo esttico, como carboidratos, e como retorno sobre o

    investimento. A ma pode estar autenticamente representada em todas estas

    maneiras, dependendo dos fins humanos. Adequao da representao simplesmente

    no significa correspondncia de representao, no sentido espelhamento do objeto.

    (MATTHEWS, 2007, p. 650).

  • 28

    Neste trabalho, propem-se que as prticas das linguagens empregadas na construo

    do conhecimento cientfico tenham, em algum grau, algumas de suas caractersticas

    desenvolvidas em aula. Isso ressonante com a concepo de Matthews (2007), que concebe

    a teorizao como trabalho de investigao cientfica e de dialogia que explora os significados

    das representaes, atribuindo o desenvolvimento do trabalho cientfico ao uso dos diferentes

    modos semiticos.

    Tweney (2011) argumenta sobre a construo de modelos mentais, dando nfase aos

    significados atribudos s equaes de Maxwell, e considera as dificuldades na aprendizagem

    de fsica. Declara a necessidade de uma concepo de ensino para alm da cognio, uma

    aprendizagem de aspectos da construo do conhecimento cientfico: a construo de modelos

    e o uso de analogias. Destaca um pseudoautomatismo, uma capacidade de evocar rapidamente

    as habilidades prprias de quem desenvolve uma atividade de construo do conhecimento

    cientfico.

    Cincia baseia-se na construo e uso de modelos mentais adequados. As

    dificuldades de aprendizagem da fsica so, em parte, as dificuldades em aprender a

    fazer exatamente isso. H muito mais coisa envolvida do que simplesmente a

    aquisio de conhecimentos, o aluno deve tambm adquirir as habilidades de

    extenso analgica e construo de modelos, e deve ser suficientemente especialista

    no uso dos elementos do modelo (as equaes diferenciais em caso de Maxwell)

    para ser capaz de contar com a recuperao rpida e automatizada das habilidades

    relevantes. (TWENEY, 2011, p. 698).

    A histria do desenvolvimento das construes de Maxwell, procurando estruturar o

    conhecimento cientfico em linguagem matemtica, expe uma concepo de cincia que tem

    por pilar as representaes matemticas. Tweney (2011) descreve aspectos da formao de

    Maxwell, em que a busca da capacidade de resolver problemas era uma das atividades a que

    muito se dedicava. Assim, salienta a importncia no s dos modelos cientficos e dos

    modelos dos estudantes, mas tambm do modelo do desenvolvimento cognitivo de um

    estudante ao apontar:

    Realizaes de Maxwell e suas discusses sobre a maneira pela qual a fsica

    matemtica precisa repousar sobre representaes matemticas sugerem que a

    ateno para o desenvolvimento do modelo de construo de competncias um

    aspecto importante do ensino de cincias. (TWENEY, 2011, p. 698).

    Essa considerao de Tweney (2011), sobre o desenvolvimento de competncias,

    fazendo referncia s habilidades de extenso analgica e de construo de modelos, est

    inserida neste estudo. uma das hipteses levantadas que, ao observar como os alunos

    constroem e aproveitam as diferentes representaes disponveis ao seu redor, consegue-se

  • 29

    destacar importantes aspectos no processo de ensino-aprendizagem, principalmente no ensino

    por investigao. Logo, essa posio de Tweney (2011) poder ser um norte significativo para

    prticas em sala de aula, se confirmado por pesquisa. Tweney (2011) e Flores-Camacho et al.

    (2007) trabalham questes referentes a modelos na histria da cincia, mostrando como

    Thomson, Maxwell e Faraday desenvolveram conceitos cientficos. Thomson e Maxwell se

    destacam pela empregabilidade da matemtica, e Faraday pela utilizao de representaes

    visuais ao contar as linhas de campo para desenvolver suas concepes sobre o

    eletromagnetismo.

    Devido s especificidades das formas de linguagem, alguns modelos necessitaram de

    vrios modos representacionais para descrever as muitas caractersticas do fenmeno

    representado, como descreve Feynman (2000) em sua compreenso sobre ondas

    eletromagnticas, reforando a nfase na multimodalidade. Cook (2006) descreve a

    necessidade de se construir modelos intermedirios para a compreenso de conceitos

    complexos para os quais no h uma simples representao. O autor exemplifica a construo

    de representaes intermedirias com o desenvolvimento de conceitos menos complexos, um

    andaime analgico. (PODOLEFSKY; FINKELSTEIN, 2007). Ao se construir uma

    representao intermediria, estudando algum fenmeno, consequentemente, haver vrias

    representaes.

    Nos argumentos de Lemke (1998; 2006), a favor de um ensino privilegiando o uso de

    vrias linguagens, o ensino de cincias deveria ter como um de seus objetivos proporcionar ao

    aluno a oportunidade de desenvolver a competncia de transitar entre os diferentes modos

    semiticos empregados pelas cincias, tendo em vista que a aprendizagem ocorre atravs de

    muitos meios. Mesmo sendo a linguagem verbal um dos meios primordiais para a

    aprendizagem, esse meio est longe de ser o nico. Tambm se aprende a partir de

    representaes visuais de muitos tipos (desenhos, diagramas, grficos, mapas, fotos, filmes e

    vdeos, simuladores 3D etc.), tanto estticas quanto dinmicas. Aprende-se ao observar e

    participar das atividades, que, por sua vez, esto estruturadas em muitos aspectos da

    linguagem (isto , formam sistemas semiticos). Principalmente, aprende-se integrando

    significados atravs de todas estas modalidades, combinando texto e imagem, atividades e

    resumos, narrativas e observaes. Essa interao no automtica e natural, culturalmente

    especfica e deve ser ensinada e aprendida. (LEMKE, 2006, p. 8).

    Lemke (2006) argumenta que quem faz cincia utiliza com certa naturalidade diversas

    linguagens, mas transitar entre essas diversas linguagens exatamente o que os alunos no

    sabem fazer. Por isso, fornece uma orientao para uma aprendizagem prxima ao que

  • 30

    Carvalho (2007) considera uma enculturao cientfica. Um ensino que utilize de forma

    eficiente diversas linguagens, no estancado no contedo das disciplinas, mas permeie as

    formas em que os processos de conhecimento cientfico se desenvolveram, considere as

    interaes sociais e a natureza da cincia.

    Em nossas pesquisas, necessitamos que haja mais enfoque em aprender como

    aumentar o valor da educao cientfica para todos esses estudantes que no tm um

    interesse especial em carreiras cientficas ou tcnicas. Necessitamos prestar mais

    ateno na aprendizagem que permanece por toda a vida, a aprendizagem que

    desmistifica o raciocnio quantitativo, a aprendizagem que fornece pistas para pensar

    com mltiplas representaes neste novo mundo multimodal. (LEMKE, 2006, p. 6).

    Em um dos estudos deste autor (PAIVA et al., 2012), h consideraes relacionadas

    ao desenvolvimento de aprendizagem explorando alguns aspectos do uso de representaes

    multimodais, em uma atividade junto a alunos de terceiro ano do ensino mdio. Estes

    deveriam, em analogia experincia do espalhamento realizada por Geiger e Marsden, lanar

    bolinhas sob uma placa de madeira que continha, abaixo dela, uma placa de isopor com certa

    forma geomtrica, e pelos locais de entrada e sada das bolinhas desvendar qual a trajetria

    por elas descritas e qual a forma geomtrica da parede de isopor abaixo da placa de madeira

    que interagiu com a bolinha e poderia ter causado o respectivo desvio na trajetria.

    A atividade analgica experimental foi empregada para facilitar a compreenso da

    experincia sobre o espalhamento que propiciou a Rutherford elaborar o modelo atmico que

    leva seu nome. Na anlise da atividade, foram destacadas: a ao dos alunos; as vrias

    modalidades de linguagens empregadas na construo e na comunicao de tpicos da

    cincia; e alguns aspectos de enculturao cientfica associados natureza das cincias. Os

    aspectos de enculturao cientfica analisados foram: cincia como construo humana, que

    se deu ao longo da histria e que pode ser ainda suplantada por novos modelos; cincia que

    pode ser questionada, pois no est acabada; e tambm pontuar uma relao entre o

    desenvolvimento da cincia e da tecnologia.

    Se multimodalidade uma prtica da construo do conhecimento cientfico, e deve

    estar presentes nas prticas escolares, deve-se atentar, ento, como especialistas a empregam

    no processo de construo do conhecimento. Como variadas representaes medeiam a

    construo do conhecimento cientfico por especialistas? E como diversas representaes

    medeiam a construo do conhecimento cientfico escolar?

    No item a seguir, descrever-se-o consideraes referentes aos modos de

    representao relatados na construo das concepes cientficas, abordando trabalhos de

    pesquisadores do ensino de cincias com vertentes na histria e na epistemologia da cincia.

  • 31

    E, posteriormente, observar-se- a construo do conhecimento empregando diferentes

    representaes descritas em pesquisas que relatam a sala de aula.

    1.3 VARIADAS REPRESENTAES NAS CONSTRUES CIENTFICAS

    Que a cincia se constri empregando vrias linguagens no algo do pensamento

    contemporneo. Contudo, na atualidade, diversas reflexes concernentes a esse tema tm

    indicado a presena desse artifcio desde a fsica aristotlica. Na verdade, os nmeros e outras

    representaes no pictricas vm depois na histria das construes da linguagem natural, e

    isso tambm na matemtica e nas cincias. Desde a Grcia antiga o conhecimento da cincia

    tem sido construdo utilizando diversas representaes, no somente para a comunicao,

    como tambm para fazer descobertas, ou seja, diversas representaes so o meio natural de

    construo do conhecimento das cincias.

    Uma metodologia que passa pela observao, geometrizao e, mais tarde, o

    algoritmo, com a finalidade de se fazer previses. Tornou-se para muitos que atuam em

    campos associados cincia o fazer cincia, principalmente a cincia que se baseia na fsica

    clssica. Com os eventos que culminaram com a chegada aos limites da fsica clssica e

    propiciaram tanto o surgimento da fsica estatstica quanto das experincias relativas ao

    interior da matria, outras consideraes sobre o processo de construo de conhecimento

    vieram a debate. No incio do sculo XX, enquanto a mecnica quntica se desenvolvia, foi

    questionado se as representaes das cincias eram espelhos ou no do real, e se a construo

    da cincia possua uma via determinista e inexorvel.

    Esse caminho de construo de conhecimento, em que nas etapas iniciais esto

    presentes a visualizao, a observao de um experimento e a construo de uma imagem

    pitoresca, sendo ento reformulada em parmetros geomtricos para ser depois traduzida em

    lei matemtica, facilitando alguma previso, foi, pelo menos para a fsica clssica, o processo

    lgico da cincia, desde o incio da histria da matemtica. Algo quase cannico no fazer

    cincia, e na histria h o testemunho da dificuldade de se alternar dessa a outra concepo de

    como desenvolver construes na cincia relativas aos fenmenos fsicos. Pessoa Jr. (2001)

    apresenta uma traduo do V Congresso de Solvay, em 1927, em que o fsico H. A. Lorentz

    comenta sua dificuldade em raciocinar, para a construo do conhecimento, fora desse

    processo descrito:

    Eu gostaria de chamar ateno para as dificuldades que se encontram nas teorias

    antigas. [...] Queremos nos fazer uma representao dos fenmenos, formar uma

  • 32

    imagem deles em nosso esprito. At aqui, sempre quisemos formar essas imagens

    por meio das noes ordinrias de tempo e espao. Estas noes talvez sejam inatas;

    em todo caso, elas se desenvolveram atravs de nossa experincia pessoal, de nossas

    observaes cotidianas. Para mim, essas noes so ntidas e reconheo que no

    posso fazer uma ideia da fsica sem essas noes. A imagem que quero formar dos

    fenmenos deve ser absolutamente ntida e definida, e parece-me que s podemos

    formar semelhante imagem dentro desse sistema de espao e de tempo. (PESSOA

    Jr., 2001, p. 139).

    Em Holton (1979; 1998), Reis, Guerra e Braga (2006), Edgerton (2006) e Pessoa Jr.

    (2001; 2007), h relatos de desenvolvimento cientfico na histria da cincia mostrando o

    apreo que Galileu, Thomson, Einstein, Bohr, Feynman e outros atriburam ao uso de

    representaes visuais, seja pictrica, grfica, ou em forma de diagramas, ou esquemas, para

    formular e comunicar suas concepes sobre cincias.

    No decorrer deste subitem, estaro sintetizadas algumas dessas consideraes, a

    comear por Holton (1998), Reis, Guerra e Braga (2006) e Edgerton (2006), cujos trabalhos

    discorrem sobre os eventos histricos envolvendo os emblemticos desenhos representando a

    Lua, desenvolvidos por Galileu e pelo astrnomo ingls Thomas Harriot, na empreitada de

    desvendar os fenmenos celestes aps a observao com suas aprimoradas lunetas. Galileu

    no foi o primeiro a apontar o telescpio para observar o cu. Harriot, em 1609, j havia

    feito isso, meses antes de Galileu, e registrou sua observao na forma de um desenho (Figura

    1).

    Figura 1 - Primeiro desenho da Lua feito por Thomas Harriot

    Fonte: EDGERTON, 2006, p. 167.

    Edgerton (2006) declara que Harriot, em 1609, no fez qualquer relato sobre suas

    observaes da Lua por ter tido dificuldade de interpretar o que havia visualizado, pois vivia

  • 33

    na Inglaterra, onde as realizaes artsticas se davam em torno da palavra como, por exemplo,

    com Shakespeare. Reis, Guerra e Braga (2006) citam as influncias regionais em que viviam

    Galileu e Harriot, e comentam algumas peculiaridades distintas em suas formaes:

    Harriot no disps de condies para interpretar a geografia da Lua sem o

    treinamento artstico que teve Galileu. [...] evidente como os conhecimentos de

    Galileu sobre desenho permitiam-lhe ver na Lua o que no foi possvel a Harriot.

    (REIS et.al, 2006, p. 3).

    A Itlia, nos tempos de Galileu, era um importante centro de artes visuais e arquitetura

    e isto provavelmente o favoreceu nas tcnicas de observao, de retratar o claro-escuro e no

    estudo de perspectivas. Edgerton (2006) relata o relacionamento de Galileu com pintores e os

    elogios recebidos por suas habilidades em desenhar. Nas Figuras 2a e 2b, os desenhos da lua

    atribudos ao renomado astrnomo:

    Figura 2a Imagens das fases da lua, com autoria atribuda a Galileu

    Figura 2b A superfcie lunar representada no livro Sidereus Nuncius

    Fonte: EDGERTON, 2006, p.170-171.

    esquerda, na Figura 2a, seis imagens da lua foram preparadas em papel prprio para

    receber o processo de lavagem de tintas, uma forma de tipo, ou mscara para ilustrao de um

    livro. A autoria desses desenhos atribuda a Galileu, e, segundo Edgerton (2006), foi

    realizada por um artista experiente na manipulao e lavagem de tintas. Esses desenhos no

    foram publicados no livro de Galileu, Sidereus Nuncius, mas continuam preservados na

    Biblioteca Nacional de Florena. As ilustraes direita, na Figura 2b, encontram-se no livro

    de Galileu. O artista, em uma forma de licena artstica, exagera nas dimenses das crateras

  • 34

    lunares, com a finalidade de torn-las evidentes. Harriot e Galileu fizeram desenhos

    diferentes, para o mesmo fenmeno.

    Vrios autores (HOLTON, 1979; 1998; REIS; GUERRA; BRAGA, 2006;

    EDGERTON, 2006) relatam que Harriot refez, em 1610, suas observaes e seu desenho

    (Figura 3) acrescentando detalhes, depois da publicao da obra de Galileu. As representaes

    feitas por Galileu foram significativas no s para Harriot, bem como para vrios poetas

    britnicos da poca, que passaram a escrever sobre os aspectos da lua em seus versos.

    (EDGERTON, 2006).

    Figura 3 O segundo desenho de Thomas Harriot da superfcie lunar

    Fonte: Edgerton, 2006, p. 176.

    Harriot teceu seu dilogo com o livro de Galileu e, alguns meses depois, pde

    intertextualizar (LEMKE, 2002b) e construir os significados apropriados sua observao.

    Encontram-se na literatura comentrios sobre a possibilidade de diferentes imagens mentais se

    formarem a partir da observao de um mesmo fenmeno (ROTH; LAWLESS, 2002), como

    os relatos nos pargrafos anteriores sobre Galileu e Harriot. Por esse motivo, h a necessidade

    de dilogo, de submisso de um trabalho a pares e de se alternar o modo representacional de

    comunicao sobre um conceito; para escrutar o modelo mental elaborado, atentar que no

    simples construir e representar imagens relativas a concepes cientficas de fenmenos

    naturais ou produzidos por interveno tecnolgica.

    Entre os especialistas em campos das cincias, encontram-se aqueles que utilizam

    representaes visuais para a organizao do raciocnio. Holton (1998), descrevendo a

    respeito do uso da imaginao pelos cientistas, comenta como Einstein empregou a

    comunicao visual para organizar seu raciocnio e at mesmo para comunicar algumas de

  • 35

    Figura 4 Esquema desenhado por Einstein em uma carta para um amigo

    suas ideias. Em Berna, no escritrio de patentes, o fsico era incumbido de estudar os

    documentos e desenhos registrados pelos inventores. Essa habilidade de realizar a leitura de

    figuras e de oper-las, fazendo a unio de partes, agrupando como em um quebra-cabea,

    analisando, para isso, no somente as formas dos objetos, mas tambm as dimenses, as

    funcionalidades das partes, a funcionalidade do todo, foi vital para, mais tarde, obter sucesso

    no desenvolvimento de suas teorias, realizando experincias de pensamento.

    Einstein organizava seus pensamentos tomando quadros esquemticos (desenhos)

    como referncia, inclusive em questes epistmicas. Em certa ocasio, escreveu ao

    matemtico Jaques Hadamard e explicitou parcialmente seu mecanismo de raciocnio:

    As palavras ou a linguagem, tal como so escritas e faladas, no parecem

    desempenhar qualquer papel no meu mecanismo de pensamento. As entidades

    psicolgicas que parecem servir como elementos do pensamento so certos smbolos

    e imagens, mais ou menos ntidos, que podem ser voluntariamente criados e

    combinados. (HOLTON, 1998, p. 109).

    Em maio de 1952, escrevendo a um amigo, Maurice Solovine enviou-lhe um esquema

    (Figura 4) e uma sequncia de tpicos elucidando os significados dos pontos e das linhas que

    conectavam um ponto a outro:

    Fonte: HOLTON, 1979, p. 94.

    1) As E (experincias) nos so dadas (representada pela linha horizontal no p da

    figura).

    2) A so axiomas, a partir dos quais deduzimos as consequncias. Psicologicamente.

    A baseia-se em E. Mas no existe nenhum caminho lgico de E para A, e sim apenas

    uma conexo intuitiva (psicolgica), que est sempre sujeita revogao.

    3) A partir de A, pelo caminho lgico, so [...]. (HOLTON, 1979, p. 94).

    O esquema no traduz os pensamentos de Einstein nem tampouco os tpicos. A partir

    da leitura simultnea desses dois modos semiticos possvel desvendar a pretensa

    mensagem. Ao psiclogo Max Wertheimer, o primeiro confidenciou: muito raramente penso

  • 36

    de todo em palavras [...] consigo-o numa espcie de mapa de modo visual. (HOLTON, 1998,

    p. 109).

    Outro tema rico em debates sobre a utilizao de representaes pictricas o das

    partculas subatmicas. Ernst Mach, cientista do incio do sculo 20, reagiu concepo de

    tomo perguntando sarcasticamente se algum j havia visto um. Em 1912, CTR Wilson

    exibiu um registro, o que Holton (1979) chamou de uma fotografia, que resolveu a questo

    da viso de tomo para muitas pessoas. Nela havia o rastro das partculas alfa em uma

    cmara de nuvens, uma primeira evidncia de ocorrncia dos fenmenos atmicos em um

    nvel muito alm da percepo direta. A difuso de feixes de partculas tornou-se um modo

    de ver acontecimentos subatmicos. (HOLTON, 1998, p. 99).

    Em meados do sculo XX, as imagens suscitaram o levantamento de questes sobre

    representaes e realidade. Embora na maioria das outras cincias a imaginao icnica

    permanea viva at hoje, alguns cientistas qunticos passaram a utilizar novas representaes:

    uma nova forma de visualizao, fortemente baseada em relaes matemticas, mais do que

    fsica, recorrendo a simetrias e diagramas abstratos. (HOLTON, 1998, p. 111).

    Consideramos que os diagramas de Feynman sejam um exemplo de maneira

    alternativa de representar um dos abstratos conceitos cientficos. Por algum tempo, pensava-se

    em dois eltrons como dois entes materiais esfricos, como cargas puntiformes, e esses eram

    assim representados. At hoje, vrios livros didticos de Ensino Mdio adotam essa forma de

    representao. Muitos autores, quando escrevem sobre os eltrons, no os representam

    pictoricamente, mas o professor poder faz-lo no quadro-negro, sem a percepo de qual

    modelo utiliza e sem justificar a seus alunos as condies de contorno (condies de validade

    daquele e no de outro modelo) que viabilizam sua representao imagtica externa.

    Holton (1998) comenta ser tradicional a imagem de dois eltrons que se aproximam e

    depois sofrem repulso (Figura 5) e considera mais apropriado utilizar a representao

    pictrica de um dos diagramas de Feynman, que ilustra, no espao-tempo, a troca de um

    fton, partcula mediadora dessa interao.

  • 37

    Figura 5 Representaes da interao entre eltrons

    Fonte: Adaptada de Holton (HOLTON, 1998, p. 112).

    Gis e Giordan (2007) afirmam que os modelos de representao dos entes

    subatmicos so construdos durante todo o Ensino Mdio e, a cada abordagem, devem ser

    esclarecidos os limites da analogia, da figura e do modelo empregado. Os esquemas consistem

    em representaes imagticas distintas no auxlio construo de conhecimento cientfico.

    Estes no retratam os entes das cincias, mas permitem uma organizao das concepes

    envolvidas no estudo realizado.

    H uma cena na histria da cincia em que esse artifcio propiciou a hiptese,

    investigao e descoberta de uma nova partcula. Moreira (2007) narra a primeira organizao

    das famlias de partculas, em 1960 e 1961, realizadas independentemente pelo fsico do

    Caltech, Murray Gell-Mann, e pelo fsico da Imperial College de Londres, Yuval Neeman.

    Estes formaram grupos de oito partculas que possuam o mesmo spin, o mesmo nmero

    barinico e, aproximadamente, a mesma massa. Essa maneira de classificar as partculas foi

    chamada de classificao octal, e apresentada na forma de um hexgono, no diagrama que

    relaciona duas propriedades intrnsecas das partculas, a carga eltrica e a estranheza (Figura

    6).

  • 38

    Figura 6 Representao do caminho ctuplo

    Fonte: Adaptado de Moreira (MOREIRA, 2007, p. 164).

    Na Figura 6, esto relacionados os brions e os msons. Na representao octal dos

    brions, h uma partcula em cada vrtice e duas no centro. Tambm h um total de oito

    partculas. No octeto dos mesns, havia apenas sete, apenas uma partcula no centro. Essa

    maneira de representar permitiu aos cientistas levantarem a hiptese de que havia mais um

    mson a ser descoberto, para que estivesse estabelecida certa regularidade na quantidade de

    componentes em cada famlia.

    A menos do fato de que no padro dos msons h apenas uma partcula no centro e

    no dos brions h duas, os padres so idnticos. Para que ficassem idnticos seria

    necessrio um mson com carga e estranheza zero. Esse mson chamado eta ), com massa de 550 MeV, sem carga e sem estranheza, foi descoberto em 1961.

    (MOREIRA, 2007, p. 163).

    Os exemplos anteriormente descritos refletem uma pequena parcela das aplicaes de

    representaes imagticas no processo de construo do conhecimento cientfico.

    1.4 O USO DE VRIAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO

    CONHECIMENTO CIENTFICO ESCOLAR

    A seguir, encontram-se os trabalhos cujas pesquisas envolvem o uso de vrias formas

    de representao na construo do conhecimento em sala de aula. Em Lerner (2007), h

    parmetros destacados em torno da complexidade existente na observao, na ateno visual

    demandada no mbito das construes cientficas, porm no mbito escolar. Como professor

    de biologia molecular no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Lerner solicita aos

    http://web.mit.edu/

  • 39

    alunos a construo de desenhos para favorecer a aprendizagem de alguns conceitos de

    cincias. Atribui a Louis Agassiz, professor de zoologia em Harvard, o uso consciente dessa

    ao em sua prtica de ensino.

    [...] de 1848 at sua morte, em 1873, utilizou representaes visuais para aprender

    cincias. Ele ensinou os alunos a observar a fazer conexes e desenvolver princpios

    gerais. Nessa perspectiva, ele (Agassiz) acreditava que os alunos criam (constroem)

    o conhecimento atravs da interao social e de oportunidades para fazer o trabalho

    de cientistas de verdade. Tinha o objetivo de transmitir um senso de cincia como

    descoberta e de se reconciliar com a necessidade dos alunos de dominar o

    conhecimento fundamental. (LERNER, 2007, p. 380).

    Lerner (2007) descreve a narrativa do primeiro encontro de um aluno, Samuel

    Scudder, com Agassiz, em 1850. Foi solicitado ao primeiro apresentar um relatrio da

    observao de um peixe. Scudder acreditou, aps dez minutos, ter concludo o trabalho, mas

    no encontrou o professor para apresentar o relatrio. Por isso, ali, sem nada a fazer, voltou a

    observar o peixe. Quando Agassiz se apresentou e recebeu o relatrio, indicou que faltavam

    algumas caractersticas e recomendou que voltasse a observar o peixe. Depois de vrias

    rodadas dessa dinmica, Agassiz respondeu a Scudder:

    Isso bom, isso bom! [Agassiz] mas no tudo, voc deve ir alm; e assim por

    trs longos dias ele colocou o peixe diante dos meus olhos [Scudder], proibindo-me

    de olhar para qualquer outra coisa, ou usar qualquer ajuda artificial. Observe,

    observe, observe, foi a repetida limiar. (LERNER, 2007, p. 381-382).

    O autor declara as concepes de Scudder sobre esse processo: os alunos no eram

    apenas participantes passivos a receber informaes, mas ativos na criao de conhecimentos

    significativos, tendo como prioridade no apenas o fato de observar e desenhar, mas fazer

    inferncias a partir das observaes.

    Observar e construir uma representao coerente mostra certo grau de complexidade: a

    demanda de tempo, como se pode ver nessas e certamente em outras situaes; habilidades

    plsticas; e pares, pessoas de nvel semelhante de habilidade e especializao no assunto, para

    aferir significados construdos e comunicados. Se h necessidade de se atentar a esses

    aspectos para representaes de imagens da natureza em que a observao pode ser direta,

    sem contar com aparelhos que venham a produzir uma extenso de nossa capacidade visual, o

    conjunto de fenmenos fora dessa amostra merece redobrada ateno. Inclusive, h outras

    caractersticas, associadas ao contexto histrico e tecnolgico de surgimento de concepes

    associadas ao conceito estudado, como no caso dos conceitos das dimenses subatmicas, ou

  • 40

    daqueles em que a imagem artificialmente produzida por computador ou por outro

    equipamento a partir de modelagem matemtica.

    Um segundo trabalho que aborda o uso de variadas representaes em ensino-

    aprendizagem Perales Palacios (2006). Na introduo desse estudo, est declarado que

    ensinar cincias ensinar sobre a linguagem cientfica, e considera que isso inclui imagens,

    conceitos e leis, alm de linguagem lgico-matemtica. Descreve que h nos livros um

    nmero cada vez maior de desenhos, mapas conceituais, figuras com aparente realismo,

    construes geomtricas etc., e que a necessidade de se usar imagens um consenso entre a

    maioria dos professores de cincias, apesar de, normalmente, no considerarem a

    possibilidade de os alunos construrem suas prprias imagens. O autor tambm procura

    estabelecer um sistema de classificao para os diferentes usos das imagens na educao

    cientfica, e especifica critrios de anlise e valorizao de distintos formatos de uso de

    imagens. Alm de apresentar uma reviso bibliogrfica em relao ao tema que aborda trs

    reas: a semitica, a psicologia fatores associados aprendizagem com auxlio do uso de

    imagens; e a didtica das cincias experimentais em que destaca como so utilizadas

    imagens pelos agentes envolvidos no processo ensino-aprendizagem do conhecimento

    cientfico.

    O terceiro exemplo de aplicao do uso de variadas formas de representar conceitos

    cientficos em sala de aula vem da dissertao de mestrado de Paiva (2010), que procurou

    responder: Como os alunos do Ensino Mdio adquirem uma representao pictrica de um

    conceito de Fsica moderna?; Quais as caractersticas desse processo de aquisio via

    construo de uma representao de um conceito de fsica a partir de um texto didtico

    cientfico?; e Quais as principais ideias do texto aparecem nas representaes dos alunos?.

    Ao se iniciar esses estudos, em nossa reviso bibliogrfica notou-se que havia poucos

    artigos referentes aos desenhos elaborados pelos alunos, isto exigiu uma reviso criteriosa de

    trabalhos com temas envolvendo palavras com idntica conotao que desenho, entre elas:

    imagens, figuras, representao visual etc. Destacam-se nesses estudos: 1) Quem considera

    importante ter uma imagem de um conhecimento cientfico; 2) Consideraes de cientistas

    sobre representaes pictricas; e 3) Consideraes dos professores sobre a utilizao de

    representaes pictricas no ensino.

    Em uma segunda seo destacando importantes aspectos sobre os desenhos, comenta-

    se: a aquisio de uma representao pictrica; a manipulao da imagem; a reformulao de

    uma imagem; a aquisio via leitura de desenhos; a transparncia; a densidade grfica; o uso

    de gestos e figuras; e as funes da representao pictrica.

  • 41

    Os dados da pesquisa, da dissertao, foram extrados em sala de aula, em uma turma

    da terceira srie do Ensino Mdio da rede pblica estadual, empregando uma sequncia

    didtica sobre fsica de partculas, elaborada por Siqueira (2006), da qual se foi um dos

    colaboradores. Foram filmadas as aulas e feitas cpias das produes dos alunos. O contedo

    principal era relacionado s distines entre as radiaes alfa, beta e gama. Utilizou-se um

    texto da sequncia didtica que explicitava essas distines e continha duas figuras.

    Suprimiram-se as figuras e solicitou-se aos alunos que desenvolvessem desenhos com a

    finalidade de ilustrar as distines das radiaes quanto penetrao na matria, e quanto aos

    desvios que so observados quando atravessam uma regio com um campo magntico, com

    intensidade suficiente para se notar a interao com as partculas.

    Iniciou-se a anlise com as informaes contidas no texto destacando as ideias

    relacionadas penetrao das radiaes na matria; as ideias referentes aos desvios das

    radiaes alfa, beta e gama ao atravessarem uma regio com um campo magntico; e as ideias

    que seriam perifricas, de outros contextos, no relevantes compreenso das distines entre

    as radiaes.

    Constatou-se alguma resistncia no incio do desenvolvimento dos desenhos dos

    alunos. Os alunos hesitaram em desenhar. Em seus relatos, mostraram-se extasiados pelo fato

    de a atividade em sala de aula ter lugar para autoria do aluno, para criao, criatividade, e pela

    possibilidade de que no existisse um desenho certo e outro errado. Foi um tanto

    desconcertante para os alunos no conseguirem identificar o que o professor queria como

    resposta com seus desenhos, uma vez que realmente no era esperado algo especfico, seno

    um ato de fazer cincia, criando representaes sobre o fenmeno estudado.

    Aps a leitura