mulheres agentes sociais de paracuru: uma trajetória de
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTROS DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
LIDIANE RAMOS LIMA
MULHERES AGENTES SOCIAIS DE PARACURU: UMA TRAJETÓRIA DE
SIGNIFICADOS PARA ALÉM DO ESPAÇO PRIVADO
FORTALEZA – CEARÁ
2015
LIDIANE RAMOS LIMA
MULHERES AGENTES SOCIAIS DE PARACURU: UMA TRAJETÓRIA DE
SIGNIFICADOS PARA ALÉM DO ESPAÇO PRIVADO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, do Centro de Estudos Sociais Aplicados, da Pró- -Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas. Área de concentração: Políticas Públicas. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Ferreira Osterne.
FORTALEZA – CEARÁ
2015
Aos meus pais, Paulo de Jesus e Lidia
Ramos, que, mesmo sem terem tido um
dia a garantia do direito à educação,
sempre proporcionaram às duas filhas
todos os meios necessários para chegarem
aos caminhos do saber; e à minha irmã,
Lidiney Ramos, pela acolhida, por fazer
parte da concretização de um sonho, pela
força e pelo exemplo de rompimento com
o estabelecido, com o normatizado.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, uma entidade simbolizada pela energia e fé, o qual a cada dia
busco conhecer em suas diversas manifestações;
Às grandes mulheres que participaram desta pesquisa, queridas Agentes Sociais da cidade
de Paracuru. Mulheres que a cada encontro, a cada entrevista cedida, fortaleceram-me,
encorajaram-me para a tomada de decisões, para refletir sobre frustrações e conquistas.
Desvelaram-me, sob a sua óptica, o reconhecimento de valores como o da liberdade e o
da emancipação. Incutiram-me o fortalecimento na crença e na luta por justiça;
À orientadora Socorro Osterne, pela simplicidade e pela grande contribuição aos
estudos de gênero;
Aos amigos Alessandra e Osmar, pela ajuda quanto ao estímulo, pelo entusiasmo e por
terem acreditado no meu sonho;
Às amigas Antonia Xavier, Madalena Cavalcante e Catarina Lima, pelo
companheirismo, pelo carinho e pelo apoio nos momentos mais difíceis provocados
pelas dores, decepções e frustrações, que foram também motivadoras para uma nova
jornada;
Aos amigos Cleide Medeiros, Vanda e Roberto Dittz, por terem contribuído para a
minha formação acadêmica, acreditando no potencial humano e na beleza que a
educação traz à vida;
Às amigas Jucinara Gomes, Jaqueline, Welna Barroso e Socorro, pela torcida, pela
atenção e por acreditarem em dias melhores;
Às queridas Karine Cordeiro, Andreia Cavalcante, Wislly Costa e Erica Brasil, por todo
carinho, torcida, amizade e desejos realizados;
À Magnólia Mendes e Ana Cíntia, mulheres guerreiras, pelas reflexões que
contribuíram para esta pesquisa;
Aos amigos Pedro Igor, aluno da Graduação em Serviço Social pela UECE, e Paula
Teixeira, pela grande contribuição e apoio no desenvolvimento da pesquisa;
À querida Elisangela Maria, conhecida carinhosamente como Eli, com quem tenho
ultimamente compartilhado as reflexões sobre o campo profissional e sobre amores;
À amiga Tarcisa Gomes, pelo companheirismo na nova trajetória da minha vida
acadêmica – principalmente por compartilhar anseios –, pelo apoio e pelas descobertas
das magias da vida;
À amiga Tharcyana, com quem compartilhei experiências nesta jornada acadêmica e por
ser a pessoa a possibilitar minha inserção no mestrado;
Às novas amizades construídas no NUPES, com carinho todo especial a Andrea Luz,
Professor Horácio Frota, Francisca, Juliana e Jaqueline;
Aos meus amigos antigos e novos, Meire, Marcos, Bruna e Leide;
Às queridas professora Helena Frota e Kellyane, por todo o apoio, acolhimento e
conselhos;
Aos amigos Rogério Freitas, Maninha e Yális, pela força e pelo carinho;
À Cibele, por ter feito parte dos momentos de descoberta dos meus desejos, por me ter
ajudado a planejar metas e correr atrás delas;
Às mulheres fortes da minha família, Lucia Ramos, Vânia Ramos, Valeria Ramos, Rose
Ramos, Vera Ramos, Ana Ramos e Leninha;
Aos profissionais Jamile Tajra, Felipe Aragão e Marilene Pinheiro;
Aos professores que contribuíram com esta banca, Osmar Rufino Braga e Anne-Sophie
Gosselin; aos professores que fizeram parte do quadro de docentes; e à Secretária
Cristina, do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade-UECE;
À Secretaria Municipal de Articulação Comunitária de Paracuru, pelo fornecimento de
dados sobre as associações existentes na cidade;
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo
financiamento da pesquisa.
“Seja o que você quer ser, porque você
possui apenas uma vida e nela só temos
uma chance de fazer aquilo que
queremos. Tenha felicidade bastante para
fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la
forte. Tristeza para fazê-la humana. E
esperança para fazê-la feliz.”
(Clarice Lispector)
RESUMO
O reconhecimento ao direito à participação da mulher na política caminha ainda a
passos lentos no que se refere principalmente à atuação na política representativa,
limitação que vem, ao longo de três séculos, sendo questionada. No caso das Agentes
Sociais de Paracuru, membros de uma Associação constituída por 25 mulheres formada
no litoral oeste do Ceará, grupo-sujeito da pesquisa, como tantas, conseguiram
instrumentalizar-se de conhecimento e passaram a quebrar as barreiras da comunicação
entre os espaços do privado e do público. Diante disso, este estudo tem como objetivo
desvendar o significado da inserção política na trajetória de vida das mulheres Agentes
Sociais de Paracuru, culminando na investigação de como elas se percebiam como
sujeitos políticos ao participarem de uma Associação; quais eram os sentidos da
inserção feminina nos movimentos sociais e os reflexos dessa inserção no seu meio
familiar; bem como as condições para o empoderamento e como esse se dava entre as
Agentes Sociais. A partir de uma proposta metodológica ancorada na pesquisa de
natureza qualitativa, do tipo bibliográfica, documental e de campo, sobretudo
participante, foram utilizadas técnicas como encontros coletivos e entrevistas. Com os
dados coletados, partiu-se para a análise dos discursos das Agentes Sociais de Paracuru.
Conclui-se que essas mulheres ousaram sair do seu campo doméstico e estão usando de
suas estratégias na busca por liberdade e novos significados nas suas vidas, que se
empoderaram internamente, por meio de novos saberes, ao cuidarem de si. Não se pode
afirmar que tenham adquirido uma autonomia mais coletiva de rompimento com as
desigualdades de gênero de maneira mais plena, entretanto, já fazem uso do poder na
sua forma positivada para irem além do espaço privado.
Palavras-chave: Gênero. Mulher. Privado e Público. Participação Política. Poder.
ABSTRACT
The recognition of the right to women's participation in politics still walks slowly,
especially in relation to their performance in the representative politics, limitation that
comes over three centuries, being questioned. In the case of the Social Agents from
Paracuru, members of an association made up of 25 women formed in the west coast of
Ceará, subject group for this research, like so many, managed to equip themselves with
knowledge and began to break down communication barriers between private and
public spaces. Therefore, this study aims to unravel the meaning of political insertion in
the life course of the women that are part of the Social Agents from Paracuru,
culminating in the investigation of how they perceived themselves as political actors, as
long as they participate of such association; what were the meanings of women's
insertion in social movements and the effects of this inclusion in their family
environment; and the conditions for empowerment and how this would happen between
the Social Agents. As from a methodology anchored in qualitative research, of
bibliographical, documentary and field type, mostly with participation, techniques, as
collective meetings and interviews, were used. With the collected data, it was started the
analysis of the discourses of the Social Agents from Paracuru. It was concluded that
these women ventured, leaving their home fields and are using their strategies in the
search for freedom and new meanings in their lives, they also have empowered
internally through new knowledge, as they took care of themselves. It cannot be said
that they have acquired a more collective and fully autonomy for breaking with gender
inequalities, however, they already make use of the power in its positively shape to go
beyond the private space.
Keywords: Gender. Women. Private and Public. Political Participation. Power.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras 1, 2 e 3 – Atividades do mercado e seu entorno .......................................... 23
Figura 4 – Atividade e vida cotidiana de um pescador ................................. 24
Figuras 5 e 6 – Primeiro encontro realizado com as Agentes Sociais no dia
09/11/2013 ................................................................................. 32
Figuras 7 e 8 – Registro dos dias de pagamento do Programa Bolsa Família,
benefício de transferência de Renda concedido pelo o Governo
Federal por meio da Caixa Econômica Federal ........................... 36
Figuras 9 e 10 – Alunos do Projeto Flautas Doce de Paracuru, vinculado à
Associação das Agentes Sociais de Paracuru .............................. 42
Figura 11 – Agentes Sociais em atividade realizada no primeiro encontro
coletivo realizado no dia 09/11/2013 .......................................... 63
Figura 12 – Perguntas geradoras de reflexão para identificação da realidade
das Agentes Sociais .................................................................... 63
Figuras 13 a 16 – Resultado de uma das primeiras atividades conseguidas no
primeiro encontro do grupo realizado com as Agentes Sociais no
dia 09/11/2013 ............................................................................ 63
Figuras 17 e 18 – Registro das intervenções realizadas no segundo encontro do
grupo com as Agentes Sociais no dia 14/12/2013 ....................... 65
Figuras 19 e 20 – Encontro realizado no dia 27/03/2014, em alusão ao mês da
mulher, que culminou numa maior integração das Agentes Sociais . 68
Figura 21 – Primeiro encontro do grupo realizado com as Agentes Sociais no
dia 09/11/2014, em destaque o adereço na sala da colônia dos
pescadores de Paracuru ............................................................... 69
Figura 22 – Quinto encontro do grupo realizado com as Agentes Sociais no
dia 14/06/2014 ............................................................................ 69
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ASEF Ações Socioeducativas de Apoio à Família
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CRAS Centro de Referência da Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
LBA Legião Brasileira de Assistência
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MAPPS Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade
MDS Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome
NOB Norma Operacional Básica
NUPES Núcleo de Pesquisa Social
PBF Programa Bolsa Família
PIB Produto Interno Bruto
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PP Partido Progressista
PSC Partido Social Cristão
SAC Serviços de Ação Continuada
PT Partido dos Trabalhadores
TRE-CE Tribunal Regional Eleitoral do Ceará
UECE Universidade Estadual do Ceará
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: EM TEMPO DE TRAVESSIAS ................................. 15
2 UM PLANO DE EXPERIÊNCIAS: ENTRE IMPLICAÇÕES E
DEVIRES .................................................................................................. 20
2.1 UM CAMPO EM CONSTANTE DESCOBERTA: DO FAZER AO
SABER ...................................................................................................... 20
2.2 AGENTES SOCIAIS: UMA INTERVENÇÃO GERADORA DE
EFEITOS SUBJETIVOS E RESISTÊNCIAS ............................................. 31
2.2.1 Mulheres como agentes e demandatárias de políticas públicas .............. 33
2.2.1.1 Nasce a Associação das Agentes Sociais de Paracuru ................................. 42
3 CAMINHO METODOLÓGICO: TRAÇOS E DIREÇÃO .................... 48
3.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO .................................................................. 48
3.2 OS PRESSUPOSTOS DA PESQUISA A PARTIR DA APROXIMAÇÃO
COM O CAMPO........................................................................................ 51
3.3 A FINALIDADE DO ESTUDO ................................................................. 54
3.4 INDICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................. 55
4 O ACESSO AO MUNDO PÚBLICO E O PROCESSO DE
SOCIALIZAÇÃO DAS MULHERES AGENTES SOCIAIS DE
PARACURU ............................................................................................. 84
4.1 MULHERES, DISCURSOS E IMAGINÁRIO SOCIAL ............................ 93
4.2 NOS CAMINHOS INTERCRUZADOS POR CONCEITOS: A MULHER
NA BUSCA POR RECONHECIMENTO COMO SUJEITO ...................... 98
4.2.1 Mulheres na polaridade entre subordinação e insubordinação .............. 110
4.3 DOS CUIDADOS COM OS OUTROS À LUZ DO CUIDAR DE SI ......... 115
5 O MOVIMENTO POLÍTICO DAS AGENTES SOCIAIS DE
PARACURU: ALCANÇANDO SIGNIFICADOS E SENTIDOS À
LIBERDADE ............................................................................................ 120
5.1 RELAÇÕES DE PODER E INSERÇÃO NOS MOVIMENTOS SOCIAIS 127
5.2 A INCORPORAÇÃO DE VALORES COMUNITÁRIOS SOB O
CONTROLE DO ESTADO E A REPERCUSSÃO SOBRE AS
AGENTES SOCIAIS DE PARACURU ..................................................... 131
5.2.1 Entre influências e ressignificações em torno da participação ............... 136
5.3 A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS AGENTES SOCIAIS DE
PARACURU NA TRILHA DO EMPODERAMENTO .............................. 147
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 156
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 160
APÊNDICES ............................................................................................ 176
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO ........................................................................................ 177
APÊNDICE B – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS .................................... 178
ANEXOS ................................................................................................... 181
ANEXO A – CARTILHA DAS AGENTES SOCIAIS: PRODUTO DA
SISTEMATIZAÇÃO DAS CAPACITAÇÕES COM AS AGENTES
SOCIAIS ................................................................................................... 182
ANEXO B – QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO – CADASTRO
AGENTE SOCIAL .................................................................................... 190
ANEXO C – DECLARAÇÃO DE NORMALIZAÇÃO ............................. 193
ANEXO D – DIPLOMA DO PROFISSIONAL DE NORMALIZAÇÃO ... 194
15
1 INTRODUÇÃO: EM TEMPO DE TRAVESSIAS
Em consonância com as referências de que as relações sociais sofrem
mutações, este trabalho parte da ideia que os indivíduos são transformados através das
relações entre homens e mulheres que estarão sempre aptos a se modificar e a mudar
também o que se encontra ao redor de suas convivências.
Vale ressaltar que, por muito tempo, “a mulher feminina renuncia as partes
do seu eu, na tentativa de corresponder ao que dela se espera” (LINS, 2000, p. 119).
Uma entrega aos papeis, aos valores e modelos constituídos ao longo dos anos e que,
aos poucos, vem sendo rompido dentro do seu tempo e espaço. Não se pode inferir que
o rompimento com a opressão, discriminação e subordinação venha se dando de forma
igual e ao mesmo tempo para todas as mulheres. Sabe-se, porém, que a luta para a
anulação da desigualdade em termos de condições sociais, sexuais, étnicas e
geracionais, principalmente entre os gêneros, já ultrapassa séculos e a constituição de
várias sociedades.
Dentre os campos de luta e de atravessamentos, destaca-se o campo político,
mais especificamente o do direito à participação política, sobretudo a representativa. No
caso brasileiro, esse espaço é marcado por profundas disparidades quanto à participação
de homens e mulheres. Para Oliveira (2013), pesquisas e dados correspondentes à
participação da mulher na política de maneira global revelam que as mulheres
continuam a ser sub-representadas. Isso em áreas destinadas, especialmente, ao
parlamento e ao legislativo.
Nessa perspectiva, para a estudiosa, ocorre uma desigualdade no campo
político que também se destaca como reflexo de uma desigualdade social e econômica.
Sobre isso, no que diz respeito ao contexto do Brasil, urge mencionar que se encontra
numa posição crítica no que se refere a esses acessos, principalmente ao parlamento.
Não existe uma equidade entre os gêneros, questão que demanda uma longa jornada a
ser percorrida, seguida de lutas, para que se proporcione uma participação efetiva para
as mulheres nos espaços de poder.
Este estudo, que culminou nesta dissertação, enuncia as conquistas que
envolvem as relações em torno da participação feminina e o poder vivenciados por
mulheres da classe popular, no exercício político, a partir de uma organização
inicialmente movida pelo governo local do município de Paracuru. Uma cidade do
litoral oeste cearense, composta demograficamente por um número aproximado de
16
32 mil habitantes, cuja população concentra-se na zona urbana da cidade, que, por
sua vez, abrange o maior número de entidades da sociedade civil em atuação junto a
questões urbanas, educacionais, culturais, esportivas de saúde e outras.
Esta cidade, no ano de 2008, elegeu a primeira representante mulher para
gerenciar o município, entretanto, já em décadas anteriores, em pleno período da
ditadura militar, Paracuru elegia uma mulher como vice-prefeita. Uma cidade,
portanto, abalizada a partir desse período pela presença ainda de mulheres no
parlamento e à frente de ações comunitárias e assistenciais, experiências que
marcaram a história da cidade de Paracuru, as quais captaram a atenção da
pesquisadora, principalmente quando inserida no governo municipal desde 2001,
quando passou a perceber a presença marcante das mulheres junto às políticas
públicas do município.
Com a perspectiva de contribuir academicamente de maneira a ampliar o
campo de estudos de pós-graduação sobre o tema participação política de mulheres,
partiu-se da análise da trajetória de vida de tais sujeitos em meio à conjuntura política.
Em função disso, como grupo-sujeito deste estudo, apresentam-se as Agentes Sociais
de Paracuru, um contingente de 25 (vinte e cinco) mulheres que se juntaram
formalmente através de uma Associação no ano de 2008.
Nesse sentido, através desses indivíduos, buscou-se desvendar o
significado da inserção política na trajetória de vida das mulheres Agentes Sociais
de Paracuru; de maneira mais específica, investigar se elas se percebem como
sujeitos políticos ao participarem da Associação Agentes Sociais de Paracuru;
compreender os sentidos da inserção feminina nos movimentos sociais e os reflexos
dessa inserção no seu meio familiar; identificar as responsabilidades assumidas pelas
mulheres no âmbito privado após suas inserções nos espaços de participação
política; conhecer se as mulheres se sentem mais empoderadas a partir de suas
participações na formação das Agentes Sociais e nas lutas e ações executadas pela
Associação.
Esta experiência de conviver com a realidade de mulheres moradoras de
Paracuru, envolvidas com a participação política, deu-se em 2004. Nasceu no âmbito
da política social local na gestão de 2004 a 2008, do Prefeito José Ribamar Barroso
Batista, do Partido Progressista – PP, que tinha como Secretária de Desenvolvimento
Social, responsável pela política de assistência social, a servidora Welna Maria
Barroso Saraiva, assistente social.
17
O grupo de Agentes Sociais de Paracuru, vinculado a um projeto de cunho
assistencial, deu inicio às atividades de mobilização e acompanhamento das
comunidades apenas no ano de 2005.
As Agentes Sociais de Paracuru passaram a ser distribuídas em núcleos,
formados por cinco agentes cada núcleo. Na tentativa de ampliar a capilaridade das
forças do governo local sobre a população, atuaram, sobretudo, na área urbana da
cidade, na maioria das vezes no âmbito da política de assistência. As mulheres
selecionadas para atuarem como Agentes Sociais haviam vivido, na sua maioria,
apenas experiências nos espaços privados. Poucas se manifestaram participantes de
experiências no domínio do público, como no mercado de trabalho formal ou não
formal, bem como participante da vida política do município. A partir do
engajamento no grupo, passaram a aparecer mais como sujeitos políticos.
No tocante à metodologia utilizada neste estudo, aproximou-se da
pesquisa interventiva e participante. Sua pesquisadora acredita que o campo de
análise não se separa do campo da intervenção (KASTRUP; ESCÓSSIA, 2010).
Sente-se, assim, totalmente identificada e implicada com o seu objeto de estudo, em
razão de ter contribuído com a constituição do grupo e com a sua implementação
devido ao fato de ser servidora pública do município de Paracuru.
Isto posto, é válido mencionar que a pesquisadora também passou por
vários atravessamentos semelhantes aos das mulheres Agentes Sociais da cidade ora
em tela, haja vista a sua experiência no interior do Ceará, Aquiraz, onde morava com
seus pais e uma irmã, ambiente no qual as condições financeiras para garantir o
acesso à educação e à formação sempre foram difíceis. A luta pela concretização de
sonhos durante a formação acadêmica e profissional sempre esteve permeada pelas
condições de ser mulher, pobre, pautada numa desigualdade de acesso.
Diante disso, a primeira referência de mulher feliz da investigadora
estava vinculada ao casamento e a ter filhos, até conhecer outros espaços, outros
saberes, quando o conceito de felicidade passou a ser vinculado à possibilidade de
conhecer realmente o mundo e as pessoas que nele habitam. Nasce daí a sua vontade
de militar em causas que favorecessem o acesso aos direitos mínimos que todos e
todas devem ter garantidos.
Passos, Barros e Escóssia (2010), argumentam ainda, que a partir do
momento em que se executa uma análise em determinado campo, não há um
distanciamento, devido às experiências coletivas existentes, nas quais se acaba por
18
mergulhar e nas quais todas estão envolvidas. É oportuna também, a citação de que
“todo conhecimento se produz em campo de implicações cruzadas, estando
necessariamente determinado neste jogo de forças: valores, interesses, expectativas,
compromissos, desejos, crenças, etc.” (PASSOS et al., 2010, p. 19).
Para tal feito de aproximação com o que se buscava, foram realizados
encontros coletivos de resgate da trajetória de vida e participação política das
Agentes Sociais. Contou-se com o uso de entrevistas realizadas individualmente,
além de explorar bastante a observação de campo, sobretudo, as conversas dos
moradores da cidade, as atividades políticas existentes no município.
Após estas considerações introdutórias, apresentar-se-á os capítulos que
foram produzidos após meses de leituras e experiências no contato com os sujeitos da
pesquisa. Procurou-se utilizar os discursos coletados diluindo-os nas seções dos
capítulos, analisando-os sob a ótica dos conceitos e das categorias apreendidas com
auxílio da revisão de literatura.
Com a finalidade de expor as questões inerentes à presente pesquisa, este
trabalho foi estruturado em quatro capítulos, que serão abaixo apresentados:
No primeiro capítulo, intitulado “Um plano de experiência: entre
implicações e devires”, são apresentados os aspectos e evidências do campo, a
redescoberta das mulheres Agentes Sociais, suas práticas e os pontos de ruptura
percebidos em seus discursos, no tocante às novas subjetividades e resistências ao poder
constituído e em meio às novas experiências a partir da inserção no Projeto do governo
local, denominado Espaço Cidadão.
Na sequência, o segundo capítulo, intitulado “Caminho metodológico:
traços e direção”, apresenta o caminho metodológico utilizado para a realização da
pesquisa, descrevendo os procedimentos utilizados para a realização das observações e
descobertas desejadas. Buscou-se iniciar as seções que o compõem pela delimitação do
objeto. Em seguida se expos os pressupostos e, posteriormente, as finalidades do estudo,
indicando a tomada de decisão sobre os procedimentos metodológicos apresentados na
parte final do capítulo.
Precisamente no terceiro capítulo: “O acesso ao mundo público e o
processo de socialização das Agentes Sociais de Paracuru”, tenta-se resgatar
reflexões sobre o público e o privado, observando as mulheres diante destes espaços.
Adentrar ainda nos aspectos históricos e discursos dominantes socialmente em torno
do ser mulher, tendo em vista os processos, inclusive de socialização das mulheres, a
19
partir dos dispositivos morais e mecanismos de regulação social sobre os corpos.
Esta discussão culminou nas reflexões em torno da polaridade entre manter-se
subordinada ou munida de desejos e afetos, atendendo a uma perspectiva de
insubordinação.
No quarto capítulo, os discursos das mulheres que conduziram as
reflexões durante o mapeamento realizado, sobre o não revelado e os conhecimentos
sentidos e vivenciados, sobretudo acerca da participação foram melhores explorados
nas seções da matéria titulada “O movimento político das Agentes Sociais de
Paracuru: alcançando significados e sentidos à liberdade”. Neste capítulo,
dividido em seções, traçou-se uma aproximação com o entendimento de que as
mulheres, grupo sujeito desta pesquisa são detentoras de poder. Explora-se, pois,
questões pertinentes à forma como se deu a participação das mesmas no mundo
público, bem como as implicações de seus envolvimentos com o governo local da
cidade, os reflexos atuais na vida da Associação e das associadas, além do poder de
ressignificação que as mulheres Agentes Sociais de Paracuru adquiriram e que
repercute na vida doméstica de cada uma, sobretudo nas estratégias de
empoderamento usadas na vida cotidiana para além do espaço privado.
Por fim, seguem-se as “Considerações Finais”, na perspectiva de enfatizar
os principais achados da pesquisa, detalhada nos capítulos anteriores.
20
2 UM PLANO DE EXPERIÊNCIAS: ENTRE IMPLICAÇÕES E DEVIRES
“O despertar de um novo dia é a certeza
da continuação da vida.”
(Damasceno, 2011, p. 63)
Neste capítulo, aborda-se o território escolhido para o desenvolvimento da
pesquisa como experimento para se aproximar às respostas dos questionamentos sobre o
significado da inserção política na trajetória de vida de mulheres que se constituíram
como Agentes Sociais associadas a uma entidade política numa cidade litorânea do
Ceará, Paracuru. Intenta-se desvelar as questões políticas que repercutem na entidade,
além dos dados socioeconômicos, com destaque para o período de 2000 a 20101. Dados
identificados com a pesquisa bibliográfica e documental compõem o cenário e o campo
de estudo, fontes que serão exploradas na primeira seção deste capítulo.
Na sequência, o momento será dedicado especialmente ao relato do
surgimento das Agentes Sociais, ou seja, das mulheres que compõem um grupo
formado por 25 (vinte e cinco) mulheres que deixaram a exclusividade do espaço
privado e passaram a se movimentar e a vivenciar novas experiências em suas vidas, em
função do engajamento num projeto social institucionalizado pelo poder público
municipal de Paracuru-CE. Ao recuperar a história destas Agentes Sociais e a partir de
suas falas, tentou-se analisar as suas práticas sociais.
2.1 UM CAMPO EM CONSTANTE DESCOBERTA: DO FAZER AO SABER
Ao recordar do primeiro encontro com a cidade de Paracuru, a pesquisadora
sentia-se como se estivesse imersa em um samburá cheio de lembranças que lhe
remetiam aos desafios e esperanças com os quais se deparou quando ali aportou.
Ao atravessar as primeiras ruas da cidade, ainda no ano de 2001, quando
passava pela primeira vez na sua principal avenida, que tem o nome de um dos seus
filhos ilustres, o poeta Antônio Sales, a investigadora tentava memorizar os pontos 1 A seleção da década em destaque se dá em razão do processo de burocratização que ocorreu no
município por meio do governo local na organização e implantação das políticas públicas, de maneira que foi possível obter dados mais consistentes da realidade social e econômica. Não por acaso, foi nesse período que surgiu a Associação das Agentes Sociais, provocando o engajamento de suas associadas junto à política de Assistência, e foram implementados os Centros de Referência da Assistência Social. Tal engajamento será mais bem explorado nos próximos parágrafos do capítulo.
21
principais do comércio e dos equipamentos públicos até chegar ao destino a que foi
convidada a conhecer e a inserir-se para ocupar seu primeiro emprego na condição de
Assistente Social. Havia tanto emoção quanto preocupação em ser aceita numa terra que
não era sua, uma cidade que até então só conhecia pelas manifestações culturais do
período carnavalesco mostradas pelas redes de comunicação regionais.
Chegando ao órgão da Política de Assistência ao ser recebida por uma
técnica da área do serviço social, a única existente no município. Logo foi alocada em
um lugar ao lado da técnica para que o diálogo entre elas fosse horizontalizado. A partir
desse momento, passou a trilhar caminhos de descobertas e de fazeres numa cidade que
aos poucos foi se tornando acolhedora, mas, em algumas ocasiões, contraditoriamente
excludente, para quem não havia nascido nas terras dos índios Tremembés ou que não
provinha de alguma família local.
Segundo registros históricos, a cidade de Paracuru, no que se refere às
questões administrativas e políticas, teve seus momentos permeados por situações
conflituosas e tumultuadas. As decisões quanto à sua emancipação perpassaram pela
vontade política e pelo o prestígio dos coronéis da época. Os registros ainda reiteram
que, “mesmo com a emancipação política, Paracuru ainda permaneceu sob o domínio
político de São Gonçalo do Amarante, até o dia 25 de março de 1955” (BARROSO,
2007, p. 23).
O município de Paracuru, localizado no litoral oeste do estado do Ceará, a
94 km da capital Fortaleza, possui uma área aproximada de 296,6 km². Limita-se ao
Norte com o Oceano Atlântico; ao Sul e ao Leste com o município de São Gonçalo do
Amarante; e a Oeste com o município de Paraipaba. Paracuru se destaca por suas
belezas naturais e por seus ventos fortes e atrativos para a prática de esportes náuticos.
Já esteve em evidência na década de 1980 pelas manifestações populares na área
cultural, destacando-se, desde o ano 2000, na área da dança. O município ficou
conhecido pelos historiadores, como Parazinho2.
A ação de criação do município está vinculada ainda a um processo de
soterramento provocado pelas dunas, o que proporcionou o surgimento da vila do Alto
Alegre do Parazinho, tendo como um dos seus fundadores o Padre João Francisco 2 Neste estudo, reporta-se principalmente às referências de Francisco Lucio Damasceno Barroso para
constituir brevemente a história de Paracuru, o qual, em muitas passagens dos seus registros, utiliza-se de Rodolfo Spínola. Barroso, filho da cidade, nascido em Paraipaba, à época distrito de Paracuru, aos 13 de novembro de 1952. Formado em História e Geografia, era um amante e curioso das manifestações culturais e da formação e identidade do seu povo. Faleceu em agosto de 2013, de forma se dedica esta pesquisa a ele, em razão de sua vontade e paciência ao registrar a história da sua cidade natal.
22
Nepomuceno da Rocha, que doou todo o seu patrimônio de terras em benefício para a
elevação da Capela de Nossa Senhora dos Remédios. A edificação de capelas tornou-se
o marco para a construção de muitas cidades do interior, nas quais as vilas de casas vão
se formando ao redor das capelas ou igrejas.
Alto Alegre de Parazinho, em 27 de novembro de 1868, por determinação
da Lei n.º 1.235, passou a se chamar Vila do Paracuru, hoje chamada de Paracuru, nome
que significa lagarto do mar na língua tupi. O município abriga, segundo o censo de
2010, uma população de aproximadamente 32 mil habitantes. Conta Barroso (2007)
que, em 1863,
O lugar chamado Parazinho incluía-se na formação da Vila de Trairi, hoje município do Trairi. Em 1868 foi criado o município de Paracuru, desmembrando-se da cidade do Trairi, fato que, após seis anos, foi revisto e o município perdeu sua autonomia administrativa e vinculou-se ao Trairi novamente. Pertenceu ainda ao município de São Gonçalo do Amarante e só na data de 22 de novembro de 1951 eleva-se definitivamente à categoria de município (p. 21).
Com tantas controvérsias a respeito das questões administrativas e políticas
envolvendo a emancipação de Paracuru, Barroso (2007) destaca que, mesmo tendo sido
criado em 1868, o município foi administrado até 1873 por uma Câmara de vereadores
composta por homens em todas as gestões. Em 25 de agosto de 1914, criou-se o cargo
de prefeito, contudo, Paracuru só viria a ter o seu primeiro prefeito em 10 de junho de
1931, que permaneceria na gestão até 1935. O município só efetivou eleições populares
no ano de 1954, quando contava com 2.199 eleitores, sendo Francisco Batista de
Azevedo o primeiro chefe do Poder Executivo de Paracuru oficialmente eleito após a
emancipação do município. Com relação ao papel da mulher nos espaços de poder, é
importante registrar que o gênero feminino nessa década se destacava pela função de
primeira-dama.
Em 20 de dezembro de 1956, foi decretada e sancionada a criação da
Comarca de primeira entrância de Paracuru, passando para segunda entrância em 1998.
Já a Promotoria de Paracuru foi criada em 1993.
A história revela que, até meados dos anos de 1940, o processo eleitoral no
Brasil não se baseava em atos democráticos, em especial no que se refere ao voto
direto, embora se deva considerar a ausência de linearidade da história. Um dos fatos
marcantes foi a ausência da participação de determinados segmentos, como o
feminino, na condição de eleitores ou na condição de candidatos com direito a serem
23
votados, diferentemente dos homens que tinham posição social mais em ascensão.
Nesse período histórico, a partir da década de 1930, em nível nacional, elegeu-se uma
das primeiras mulheres ao cargo de deputada estadual, segundo a justiça Eleitoral: a
paulista Carlota Pereira de Queiróz. Já a primeira mulher eleita prefeita por voto
direto no Brasil, Aldamira Guedes Fernandes, nasceu no Ceará, em pleito realizado no
ano de 1958 na cidade de Quixeramobim.
Na esteira desses acontecimentos, no que atine à cidade de Paracuru, na década
de 1962, pela primeira vez ocupando o cargo de vice-prefeita, o município contou com a
presença de uma mulher no poder, Violeta Barroso, apadrinhada por um de seus parentes,
também político, que percebeu na mulher forte, de iniciativa e personalidade
assistencialista, a possibilidade de dar continuidade ao poder político local.
Numa década permeada ainda pelo terror da ditadura militar no Brasil, e de
muitas contradições, mas não pela ausência de resistência, foi composto o Hino
Municipal de Paracuru aos 19 de setembro de 1979, sendo sua letra e música produzidas
por uma mulher, a professora Maria Diná.
Paracuru, segundo dados do IBGE (2010b), tinha uma população de 27.541
habitantes no ano 2000. Essa população encontrava-se dividida entre a zona urbana,
com 16.673 habitantes, e a zona rural, com 10.868 habitantes. Atualmente o município
está dividido territorialmente em três distritos, concentrando-se o número maior de
habitantes na área da sede: conforme o censo de 2000, este dado se aproximava de 10
mil habitantes. Estes três distritos constituem-se administrativamente em Distrito Sede,
Poço Doce e Jardim3, consoante os dados do Instituto de Pesquisa e Estatística
Econômica do Ceará – IPECE (2012). Ainda segundo o levantamento do IBGE, o censo
de 2010 já apontava que a população da zona urbana era de 20.589 habitantes (CEARÁ,
2012).
Dados do IPECE para o ano de 20084 mostram que, em termos de
empregabilidade formal, o serviço público ainda era o maior gerador de ocupação
para a população de Paracuru, chegando naquele ano a um universo de 1.567
funcionários. Essa cifra já foi superada, uma vez que, considerando-se o último
levantamento do Perfil Básico do Município, realizado pelo mesmo órgão, referente
3 Segundo Barroso (2007), em Paracuru, a partir de 2005, teriam sido criados, por meio de Lei
Municipal, mais dois distritos compondo seu quadro administrativo: o distrito de Volta Redonda (Lei n.º 948, de 10 de agosto de 2005) e o distrito de São Pedro (Lei n.º 950, de 10 de agosto de 2005), aspecto este não registrado nos dados coletados pelo IPECE.
4 Ano em que as Agentes Sociais iniciavam a luta para constituição e legalização da Associação.
24
aos números de 2010, o dado passou para um total de 2.045 empregos formais junto
à administração pública. Os últimos dados do IPECE (2014) indicam que em 2013
esse número ficou em torno de 2.291 funcionários públicos, dentre os quais 1.337
eram mulheres.
O comércio local, que se verifica como uma das principais atividades da
zona urbana, apresenta um índice elevado de subempregados, funcionários sem carteira
assinada, na prestação de serviços, em sua maioria, vinculados a microempresas que
tanto circunscrevem o mercado de frutas e de peixe como as que estão funcionando
dentro do próprio mercado. Os serviços chegavam a marcar a segunda maior fonte de
empregabilidade formal em 2008, com 473 funcionários registrados, constituindo-se em
2013 ainda a segunda maior fonte de renda.
No comércio local, é possível perceber que a prestação de serviços à
população, na comercialização do peixe, ainda hoje é marcada pela presença
masculina. No mercado do peixe, como é conhecido, é notória a separação dos
comerciantes por alas, onde as mulheres ficam preponderantemente responsáveis
pela produção de gêneros alimentícios, isto é, nas cozinhas ou cantinas do mercado.
Quanto à pesca, segundo registros da colônia de Paracuru, os pescadores artesanais
registrados chegavam até junho de 2014 a 291 homens e apenas 02 mulheres; as
demais mulheres, num total de 57, estavam registradas como marisqueiras. Essa
questão implica consideravelmente limitações para o favorecimento a benefícios
previdenciários e de incentivo financeiro para a mulher por parte do Governo
Federal.
Figuras 1, 2 e 3 – Atividades do mercado e seu entorno
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2014).
25
Figura 4 – Atividade e vida cotidiana de um pescador local
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2014).
Ainda na década que compreende os anos de 2000 a 2010, a realidade
mostra que esse período sofreu alterações no quesito desenvolvimento econômico e
social, o que refletiu principalmente sobre o Índice de Desenvolvimento Humano –
IDH5, que, segundo dados do IPECE, aponta um valor de 0,641 no IDH para 2000 e
0,637 para 2010. O IDH é avaliado sob uma unidade que varia entre 0 e 1, portanto, este
último dado se refere a uma queda na aproximação da escala, ou seja, os fatores que
constituem base para essa medição supostamente no ano de 2010 não foram
considerados favoráveis para alterar e determinar o desenvolvimento humano na cidade.
Para os dados registrados no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural e
Sustentável em sua fase preliminar, em dezembro de 2006, correspondente à Região de
Itapipoca, no Ceará, Paracuru apresentava um crescimento de 15% na sua taxa de
concentração de renda, comparando-se o ano inicial (1991) ao final (2000). Embora
dados econômicos e financeiros apresentados também pelo IPECE de 2007 mostrem um
Produto Interno Bruto6 – PIB satisfatório.
Durante os anos de 2000 a 2010, foi possível perceber um crescimento por
parte do capital estrangeiro no município, o que favoreceu a ampliação de novas áreas 5 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma fórmula que leva em conta diversos fatores para
medir o desenvolvimento de um país ou mesmo de um município. Uma das bases do índice é o Produto Interno Bruto per capita (por pessoa). Essas informações estão disponíveis em: <http://www.dhnet.org.br/dados/idh/idh/idh_como_funciona.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2014.
6 O Produto Interno Bruto é um indicador macroeconômico capaz de sintetizar o desempenho da economia, uma vez que determina o valor total dos bens e serviços finais produzidos por um município, região ou país. Desse modo, este releva o comportamento da economia, mas não significa que o crescimento tenha ocorrido com distribuição de renda.
26
de atividades comerciais. Consoante análise da divisão por setor, no que tange à área
agropecuária, foi alcançado um percentual de 13,05%, acima da média do Ceará, que
registrou uma cifra de 7,26% do PIB para o ano de 2007.
Já no setor industrial, também no ano de 2007, Paracuru alcançou 43,79%
do PIB, acima da média de 23,53% apresentada pelo estado para o setor. Do ponto de
vista setorial, o PIB do município gira em torno do setor agropecuário, industrial e de
serviços, que alcançou no ano supracitado também a marca de 43%. No ano de 2010,
estes dados também foram satisfatórios, havendo um crescimento nos setores expostos,
superando a marca dos 43%, alcançando um valor total para as três áreas de 99,99%.
Entre os anos 2007 e 2009, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social de Paracuru trabalhava com uma estimativa de 5.729 famílias em situação de
pobreza, das quais 5.143 estavam dentro do perfil do programa de transferência de
renda do Governo Federal, ou seja, famílias que, até 31 de dezembro de 2009, tinham
uma renda per capita mensal de até R$140,00, conforme informação da Secretaria
Nacional de Renda da Cidadania, aproximando-se a um percentual de 48% da
população na condição de vulnerabilidade.
No que tange aos dados populacionais, interessa destacar aqueles
correspondentes ao número de indivíduos por sexo. Segundo levantamento feito por
Lima (2010), as informações de 2009 levantadas pelo IPECE, a respeito do Perfil
Básico dos municípios, registravam que a população feminina em 2000 chegava a
13.711. Quanto à masculina, no mesmo período, correspondia a 13.830, o que significa
que a diferença de indivíduos entre os sexos não era tão acentuada. Por outro lado, a
diferença no acesso a alguns espaços ocupacionais, ao emprego e à renda, no que
concerne à formalidade, a disparidade entre homens e mulheres era bastante
proeminente. No ano de 2011, constava nos registros do IPECE um número de 2.124
homens em atividades formais, ao passo que as mulheres chegavam apenas a 1.649
(CEARÁ, 2012). Os dados mais recentes do IPECE (CEARÁ, 2014) revelam uma
pequena queda quanto à diferença desse acesso, ao considerar que em 2013 o número de
homens em empregos formais chegou a 2.291 e o de mulheres a 1.888.
Lima (2010) pontua, em estudos anteriores, que, no meio de um mundo
econômico geralmente dominado por homens, chamou-lhe a atenção nessa cidade, no
que se refere ao governo municipal, a inserção de mulheres em espaços de decisão e de
poder, principalmente em cargos de gerência das políticas públicas, que em 2009
27
correspondia a um total de 70% na gestão municipal, sendo a chefe do Poder Executivo
municipal uma mulher.
Estudos acerca da história de Paracuru revelam que esse fato vem ocorrendo
desde a década de 1960, quando ainda se vivia sob a ditadura militar, mais precisamente
de 1963 a 1966, período no qual assumia a primeira vice-prefeita de Paracuru, como já
elucidado, eleita com 1.750 votos, apenas duzentos a menos do que o prefeito eleito.
Nessa época, a eleição para prefeito(a), conforme a legislação em vigor, não vinculava
os nomes dos candidatos a uma única chapa eleitoral (LIMA, 2010).
Desde então a história política e social da cidade e das relações construídas
ao longo das décadas que marcaram o município de Paracuru vêm mostrando que a
mulher sempre esteve presente nos espaços públicos, mesmo não sendo representada
por números tão significantes. Passaram assumir inclusive assentos no Poder
Legislativo. Sobre esse fato, vale destacar a candidatura de uma vereadora nas eleições
de 1977, que obteve 913 votos, sendo a candidata mais votada naquele pleito, a qual
veio de uma herança política, haja vista o papel de primeira-dama adquirido
anteriormente (LIMA, 2010).
Nos anos posteriores, principalmente a partir da década de 1990, identifica-
se uma maior inserção de mulheres na gestão das políticas públicas, prioritariamente na
gerência da Política de Assistência, que, por sinal, tem sido lócus quase exclusivo das
mulheres, devido ao caráter assistencialista das políticas públicas no país. Entretanto,
poucas foram as gestões da Política de Assistência na cidade de Paracuru assumidas
pelas primeiras-damas7, contudo, o fluxo de pessoas envolvidas na mesma sempre foi
de referência familiar dos prefeitos, fato que passaria a ser modificado a partir de 2002,
principalmente quando houve oficialmente a posse de uma técnica, Assistente Social,
para comandar a Política de Assistência e a contratação de profissionais especializados
para assumirem a gestão dos serviços, programas e projetos desta área.
A pasta da educação também foi outro espaço direcionado às mulheres,
sendo que, em muitas gestões, cabia a elas a responsabilidade pela própria gerência de
7 Os estudos sobe a relação das Primeiras-Damas com a Assistência Social, que não serão focalizados
neste estudo, remetem à discussão de Torres (2002) sobre o tema, sobretudo quando realiza uma leitura sobre a inserção de mulheres na política, concluindo acerca da existência de apadrinhamento político dos homens como forma de se manterem no poder. Como diz Torres, a inserção de mulheres à frente da gerência da Política de Assistência e outros organismos, como ocorreu com a Legião Brasileira de Assistência, LBA, quando Getúlio Vargas criou a primeira Instituição Nacional de Assistência, sob a presidência de Dona Darcy Vargas, refletiu a busca de legitimidade do governo masculino, “mediante a tática do assistencialismo como mecanismo de dominação política” (TORRES, 2002, p. 86).
28
tal política. Contudo, tanto na área da educação quanto na da assistência, os recursos e
as decisões continuavam dependendo da ingerência dos prefeitos no poder, haja vista
que a legitimidade dos Conselhos das Políticas Públicas e de Direitos só foi realmente
garantida em meados dos anos 2000.
A caminhada de luta e conquista dos espaços públicos por parte da mulher,
sempre foi intensa, desafiante e, por que não dizer, envolveu caminhos conflitantes. No
Brasil, em meados da década de 1970 e início da de 1980, os primeiros movimentos de
mulheres começaram a ter repercussão, ocorrendo sob uma forte ofensiva da ditadura. A
busca pelos direitos feministas também aparece paralela à luta por liberdade política e
contra a ditadura existente, puxada por alguns segmentos do movimento feminista.
Os primeiros passos para a inserção do gênero feminino na cena pública, no
que diz respeito ao mundo ocidental, só chegou no século XIX, e uma das lutas mais
marcantes foi exatamente a do direito ao voto. Não obstante, no que se refere à inserção
da mulher nos espaços de decisão política de forma ampla, essa inclusão ainda é
morosa. Para exemplificar, pode-se citar o caso de seu ingresso na política partidária,
pois, segundo autores como Cruz (2009), esse fato é apontado como sendo ainda algo
novo e seu fortalecimento tem aspecto de relevância para a transformação das
sociedades. A participação da mulher em espaços de governo, principalmente em
âmbito federal e local, proporcionaria a criação de políticas e leis mais focadas nesse
público.
Após 81 anos de conquista do direito ao voto, em meio a tantos desafios
ainda postos à mulher e à humanidade, é significativo quando Cruz (2009, p. 06) afirma
que “transformar a condição da mulher na sociedade e formular propostas que permitam
seu avanço na cidadania plena, com tal exercício de seus direitos, é, portanto, a grande
tarefa pendente para o começo do terceiro milênio”. Sobre essa temática, cabe destacar
que não se pode perder a criticidade de que esta é também uma tarefa das próprias
mulheres, dando-se, inclusive, por meio do poder político.
Retomando a realidade de Paracuru, é significativo observar que estes
desafios também estão presentes. No tocante à inserção política das mulheres, segundo
o estudo de Lima (2010), nas eleições de 2008, o município apresentou o número de 73
candidatos(as) para o exercício do cargo no legislativo, todavia apenas 21% destes eram
mulheres. A estudiosa destaca que, dentre os partidos envolvidos, apenas o Partido dos
Trabalhadores-PT, apresenta maior equidade de gêneros quanto ao número de
candidatos(as). Com relação ao Partido Progressista (PP) da candidata eleita para
29
chefiar o executivo municipal para a gestão de 2009 a 2012, nenhuma mulher se
candidatou à vereança.
O município apresentou um número de 23.511 eleitores aptos a votar nas
eleições de 2008. Dentre os quais compareceram às urnas apenas 20.564 pessoas, sendo
aproximadamente 10.070 do sexo masculino e 10.473 do sexo feminino. Elegeram uma
mulher para prefeita do município e colocaram na Câmara apenas uma representante,
que era vinculada ao Partido Social Cristão-PSC.
No que tange à faixa etária dos eleitores, no processo eleitoral do ano de
2008, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, a maioria do público
votante tinha entre 21 e 59 anos. Dentre estes, 43% eram mulheres e 41% eram homens;
os demais 16% estavam distribuídos entre as demais faixas etárias e sexos.
Quanto à escolaridade, os eleitores homens, em sua maioria, situam-se no
perfil de analfabetos ou com apenas o primeiro grau incompleto. Embora não haja uma
grande disparidade entre os dados, ao se comparar o gênero masculino e o feminino, os
homens com nível superior incompleto e completo somavam 258 e as mulheres 239. As
mulheres apresentavam um nível maior de escolaridade ao se destacar as que
concluíram o Ensino Médio, chegando a 5% do perfil, enquanto aos homens apenas 3%.
Este dado, por enquanto, ainda não interferiu numa mudança quantitativa quanto à
eleição de mulheres para o legislativo, tampouco provocou mudanças mais substantivas
no quadro de representação da mulher no poder representativo. Nas eleições de 2012, a
gerência do município foi direcionada a um homem, como já citado, havendo uma
redução drástica no quadro de mulheres gestoras das políticas públicas; para vereança,
apenas duas mulheres ocuparam cargos no legislativo. Tal cenário se acentua quando se
considera que o quadro de representantes do povo na Câmara passou de nove para treze
vereadores(as).
Outro aspecto presente nesse período eleitoral é a considerável participação
das mulheres da cidade nas campanhas dos(as) candidatos(as). Percebe-se nesse
contexto um número marcante de trabalhadoras “precarizadas” atuando como
divulgadoras e mobilizadoras, indo para o corpo a corpo junto à população para
elegerem homens aos cargos públicos. Essas mulheres, na maioria absoluta das
situações, não chegam a exercer cargos de decisão ou de maior poder, quer durante,
quer após o término do processo de campanha.
30
Quanto às demais formas de participação política, constituída pela
sociedade civil8 a cidade de Paracuru também é marcada por um número expressivo de
associações. Dentre estas, destacam-se as associações de bairros. Até o ano de 2013, o
número dessas associações ultrapassava a marca de 100 identificadas9 no Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, segundo as informações prestadas pela Secretaria
de Articulação Política e Comunitária de Paracuru, órgão municipal responsável pelo
acompanhamento das entidades da sociedade civil. As de maior atuação e
reconhecimento passaram a compor os conselhos setoriais ou de políticas públicas e os
conselhos de direito.
Os números também revelam que a inserção das mulheres nesses espaços é
bastante perceptível, pois, nas 50 entidades registradas na Secretaria supracitada, 23
tinham suas presidências assumidas por esse gênero até o mês de fevereiro de 2014.
As mulheres, no contexto do associativismo, ainda assumem
majoritariamente o cargo de secretárias das entidades, chegando a 38 mulheres neste
exercício. Ademais, também lideram as responsabilidades de tesouraria, com 29
distribuídas entre as 50 entidades registradas na secretaria municipal10.
Observando-se a realidade local de Paracuru, para o período de 2014, uma
das fortes marcas do governo consiste na desestruturação dos espaços de participação da
população, dentre eles, as próprias Conferências e Conselhos das Políticas Públicas,
conquistas provenientes da Constituição de 1988, principalmente no tocante à
participação das mulheres. Nessa esteira, justifica-se o fato de o Conselho da mulher,
um dos maiores espaços legalmente constituídos na cidade, estar praticamente
desativado, segundo informações das próprias mulheres da pesquisa. Outro fato
corresponde à tentativa de cooptação dos membros das associações, que passam a se
8 A referência acerca do entendimento sobre sociedade civil será trabalhada em seções posteriores,
entretanto, faz-se necessário destacar que esta se faz pela pluralidade de interações entre as estruturas legais, varias instituições como as associações e demais movimentos, além dos cidadãos articulados (TEIXEIRA, 2002).
9 A identificação significava, para a Secretaria de Articulação Comunitária, a regularização da entidade nos registros do órgão, o que vai tornar este dado inferior, como será elucidado nos parágrafos posteriores, tendo em vista que era necessária, sobretudo, a atualização das informações sobre a diretoria no banco de dados do órgão público, o que favoreceu a redução desse número para 50 (cinquenta) até a referida data da pesquisa.
10 Os dados referentes aos números de associações, bem como os registros de constituição e composição, foram repassados por profissionais vinculados à Secretaria Municipal de Articulação Política e Comunitária de Paracuru, que tinha como Secretária uma mulher, a senhora Sofia Lucivane de Lima Vitor, até a data supracitada com o levantamento da pesquisa. Foram alvo de menção aqui apenas as associações que haviam sido cadastradas pela Secretaria de forma mais completa, contendo informações detalhadas, como nome do presidente, número e nomes dos demais membros da diretoria e dados atualizados, como endereço e outros.
31
inserir no meio dos órgãos públicos, contraditoriamente em meio aos processos de
redução da máquina pública, coagidos diante de manifestações ou qualquer ato de
subversão ao governo municipal.
O próximo passo no desenvolvimento deste estudo será penetrar no universo
das Mulheres Agentes Sociais, selecionadas em 2004 pela Secretaria de
Desenvolvimento Social de Paracuru e acompanhadas a partir de 2005. Esse processo
foi se desenvolvendo com as próprias transformações ocorridas na política de
Assistência Social do referido município.
Este estudo vai seguindo um caminho de muitas reflexões e de revisões
sobre posições e elaborações anteriores atinentes à constituição do grupo de mulheres, o
que será mais bem apresentado na próxima seção, considerando-se, sobremodo, as
mudanças ocorridas em suas vidas e nas vidas dos profissionais que as acompanharam
no percurso de suas trajetórias de participação política e de vida cotidiana. Mudanças
que são guardadas na lembrança e que sustentam a esperança de novos encontros, novos
passos para uma vida diferente, impossível de ser refeita da mesma forma que se
encontrava quando foi estabelecido o ponto de partida.
2.2 AGENTES SOCIAIS: UMA INTERVENÇÃO GERADORA DE EFEITOS
SUBJETIVOS E RESISTÊNCIAS
“Que nada nos defina. Que nada nos
sujeite. Que a liberdade seja nossa própria
substância.”
(Beauvoir, 2013, p. 01)
Na compreensão de comportamentos e de modelos a serem seguidos e
vivenciados, sob o viés da concepção e da interferência de determinadas instituições que
sobrepõem o sistema de produção, as ideologias e a política ao ser humano, esta
pesquisa tem o intuito de estudar o processo de participação das mulheres,
compreendendo que, ao longo da história, para a sociedade, tornou-se viável processar
valores arquetípicos convencionais à manutenção do poder, como registra Torres (2002,
p. 83) a respeito da edificação da identidade de homens e mulheres:
As identidades destes não são resultado de qualquer forma de interação, mas sim resultado de formas de interação peculiares, de relações de
32
gênero presentes no processo cultural-educativo de cada sociedade. Dependendo de cada sociedade, essas relações são mais ou menos assimétricas. Porém, todas elas possuem um ponto em comum: as relações de gênero são permeadas de relações de poder. Nesse contexto tipicamente relacional, os homens são entendidos não como ameaça à efetivação da identidade das mulheres, mas como essenciais nessa construção.
Nessa esteira, pode-se afirmar que as mulheres estão aptas a ultrapassar as
construções sociais fabricadas socialmente e impostas a elas, pois estas, sujeitas aos
modelos institucionalizados de ser mulher, podem se destacar pela autonomia em
determinadas situações, elucidando um outro campo do poder existente na relação entre
homens e mulheres, como entre seus pares (SAFFIOTI, 1992).
Igualmente esclarecedora é a concepção de Cantuário (1998), ao falar das
fugas e, por que não dizer, das fissuras que se mostram com a produção de outras
subjetivações que emergem da estrutura existente, dando evasão às emoções e aos
desejos, no convívio com modelos produzidos pela subjetividade maquínica, dentro de
seus agenciamentos e ligações, corroborando com o fato de que as mulheres são, sim,
capazes de revolucionar e de criar resistências.
Já Esmeraldo (2006), ao subscrever as análises foucaultianas (1994), mostra
que as formas de subjetividade se realizam a partir das próprias formas de
reconhecimento dos indivíduos enquanto sujeitos, em relação ao seu interior e ao outro.
Com base ainda em Foucault (1994), Esmeraldo (2006, p. 02) argumenta que, neste
processo de reconhecimento, de produção e significação, o sujeito se “objetiva em
modelo, em identidade aceitável, mas também pode se insubordinar, resistir a esses
modelos de subjetivação, que objetivam os indivíduos”.
Hoje, na Associação das Agentes Sociais de Paracuru, mediante as
observações realizadas e a partir do diálogo com as mulheres desta pesquisa, foi
possível analisar que a formação política, a visibilidade da cidadania e de direitos
materializaram-se para as 25 (vinte e cinco) mulheres que a compõem, pois ocorreram
mudanças de comportamento, novas subjetivações, novas construções e rompimentos
com o que haviam aprendido até então. Sobre essas observações, expressa-se uma das
Agentes Sociais: “Eu cresci no lado profissional, você está com as pessoas [...] eu só
vivia dentro de casa, eu passei a ver de forma diferente, vi o outro de forma diferente
[...] eu fiquei mais reconhecida” (Fala identificada em encontro realizado no dia 11 de
janeiro de 2014).
33
Figuras 5 e 6 – Primeiro encontro realizado com as Agentes Sociais no dia 09/11/2013
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2013).
A associada expressou a opinião e o anseio de outras mulheres que estavam
presentes nos encontros, realizados sob uma metodologia dialogal, e contribui para
reflexões concernentes ao reconhecimento social e, por que não dizer, a um referencial
analítico, o que Bonetti (2007) chama de ascensão social, confirmando que o
engajamento político torna-se um campo para realizações pessoais e transformações de
vida. Dessa forma, a narrativa da Agente revela, ainda, que ela pôde ir para além da
subordinação à qual estava acostumada no seu cotidiano de mulher, pois, a partir da
representação de Agente Social, de acesso ao espaço público, autovalorizou-se e passou
a recriar seus espaços de poder. Para Cantuário (1988, p. 45), as mulheres
Ao estarem no mundo, fabricam as representações para que, assim, possam ajustar, conduzir-se; dominá-lo, identificar-se, enfim, resolver seus problemas. As ideias que temos criam nosso universo simbólico, e através dele construímos e sustentamos identidades grupais e institucionalizamos as práticas sociais.
2.2.1 Mulheres como agentes e demandatárias de políticas públicas
No município de Paracuru, em 2001, as ações do governo local assumiram
características mais burocráticas, com profissionais mais especializados. As demandas da
população passaram a ser identificadas mediante levantamentos mais apurados sobre a
realidade. A população passou a necessitar de novas políticas sociais e, com isso, novos
serviços foram se constituindo. A estrutura política do município passou a ter novos
contornos e novos sujeitos surgiram no cenário local, podendo-se afirmar que as
mulheres, nesse período, também passaram a ter uma maior inserção social, demandando
novos olhares e ressignificações às questões que lhes eram postas socialmente.
34
Ainda com relação aos aspectos acima abordados, comenta-se a respeito da
questão paradoxal do tema concernente às políticas públicas pensadas e executadas a
partir de 2001 em Paracuru, estruturadas à sombra do controle e da regulamentação da
vida. As políticas públicas, sob o viés de uma perspectiva foucaultiana, passaram a ser
pensadas como dispositivos de controle da subjetivação da população. Nesse período,
mais precisamente entre 2002 e 2004, o desenvolvimento técnico possibilitou a
implementação de novos saberes dentro das secretarias municipais. A essas secretarias,
de certa forma, corresponde um quadro de concessões em função da própria demanda
popular, mas, por outro lado, servem como mecanismos de dominação e estratégia de
um modelo “eficiente”, o que Foucault chama de arte de governar (FONSECA, 2013).
A arte de governar, segundo as argumentações do filósofo Ruiz (2012),
implica ser eficiente administrativamente, e isto, numa concepção foucaultiana,
significa utilizar-se das potencialidades da vida, percebida como essencial para o poder
do Estado e do mercado. Dessa forma, estaria o poder moderno, principalmente a partir
do século XVIII, a serviço da proteção da vida para que se torne produtiva, de maneira
que agencie a continuidade do modo de produção capitalista. Ainda segundo o filósofo
em apreço, ao tornar a vida um marco utilitarista, essa forma de governar assume um
caráter biopolítico dentro da sociedade moderna (RUIZ, 2012)11.
A modernidade e seu novo modelo político também são favoráveis à
proclamação de um capital humano, ao que Fonseca (2013) chamou de um componente
central do programa neoliberal americano. Faz-se menção, assim, à “teoria do capital
humano”, à qual Foucault (2008) se referia ao discutir sobre o neoliberalismo no nascimento
da biopolítica. Convém, então, realizar alguns esclarecimentos sobre a formação desse capital
humano, favorável ao lucro e à produção capitalista. Em seus termos, o capital humano é
necessário para o consumo, uma vez que, ao se consumir, estar-se-á produzindo, e esta
produção pode ser traduzida em desejos e na produção da sua própria satisfação.
Ainda segundo Fonseca (2013), o traço peculiar da arte de governar neoliberal,
consoante o modelo americano, é ter o mercado enquanto “tribunal econômico permanente”
11 Não se planeja, neste tópico, adentrar no conceito de biopolítica, entretanto, reconhece-se a necessidade
de dialogar com certa compreensão do que seria a biopolítica, a partir, inclusive, das leituras realizadas sobre o Nascimento da Biopolítica, de Michel Foucault (2008), e ainda sobre o artigo A economia e suas técnicas do governo biopolítico, de Castor Bartolomé Ruiz (2012). Os autores asseveram que a biopolítica na modernidade é uma forma de governo que se tornou hegemônica. A vida passou a ser uma potência política que antes não era considerada, passando a ser cuidada como um bem biológico que deveria ser protegido por conta de sua utilidade e em função de sua produtividade. Dessa forma, a compreensão sobre o surgimento da biopolítica tornou-se útil para buscar determinadas explicações quanto à produção de dispositivos e técnicas de controle do governo local nesta pesquisa.
35
perante as políticas governamentais. Nesse caso, cabe às políticas públicas favorecer a
produção desse capital humano, de maneira que o transforme numa “competência-
máquina” de produção de renda, cabendo inclusive às políticas educacionais o investimento
nesse capital humano, além dos pais, mais precisamente da mãe, que deve dedicar o tempo
suficiente na constituição de uma criança que se tornará muito mais adaptável, qualificada
para produzir e consumir. Desse modo, de acordo com Foucault (2008),
[...] Sabe-se perfeitamente que o número de horas que uma mãe de família passa ao lado do filho, quando ele ainda está no berço, vai ser importantíssimo para a constituição de uma competência-máquina, ou se vocês quiserem, para a constituição de um capital humano [...] tempo passado, cuidados proporcionados, o nível de cultura dos pais [...] tudo isso vai constituir elementos capazes de formar um capital humano (p. 315-316).
O que se pode perceber é que essas imposições estão muito presentes no
cotidiano feminino. Embora se saiba do crescimento da inserção da mulher no mercado
laboral, as ocupações de trabalho atuais ainda reforçam uma estrutura centrada na
produção do cuidado delegado à mulher. As estatísticas do IBGE revelam, segundo o
censo de 2010, que, no que pese ao crescimento do número de mulheres no mercado de
trabalho no Brasil, a atividade de maior predominância feminina foi a de serviços
domésticos, como se pode constatar no excerto adiante:
As mulheres constituíram 92,7%, vindo, em seguida, as seções da educação (75,8%) e da saúde humana e serviços sociais (74,2%). A participação feminina ainda foi mais elevada que a masculina na seção das outras atividades dos serviços (62,5%), alojamento e alimentação (54,9%), sendo pouco mais da metade na das atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (50,3%) (BRASIL, 2012, p. 01).
No caso de Paracuru, essa realidade marca tanto o campo das políticas
públicas, em termos de ocupação por parte do sexo/gênero no espaço de trabalho na
qualidade de prestadores de serviços públicos em áreas como saúde e assistência, como
também entre os demandatários de maior atenção das políticas públicas.
Para melhor elucidar o parágrafo anterior, é possível dizer que, no
município de Paracuru, no tocante ao público atendido na área da saúde, a mulher é alvo
predominante de demanda, devido às várias questões culturais referentes principalmente
ao tema do cuidado, ou seja, das incumbências relacionadas ao gênero feminino, sobre a
36
atenção junto à família, numa retórica da produção de práticas de si e técnicas de si que
reforçam os aspectos da condução da mulher aos espaços domésticos12.
Em conformidade com esses valores, no transcurso das gerações, também se
pôde registrar que essa responsabilidade tem se ampliado para um universo cada vez
maior de mulheres mais jovens. De acordo com dados fornecidos pela Secretaria
Municipal de Saúde de Paracuru, cadastrados em 2009, o número de meninas grávidas
entre 10 e 19 anos havia crescido consideravelmente, chegando a 1,57% da população
de gestantes (CEARÁ, 2010b).
Traduzindo-se a leitura dos profissionais da saúde, pode-se inferir que o
número estaria crescendo em razão da precoce iniciação sexual de meninas,
principalmente em distritos nos quais os indivíduos manifestam mais cedo a vontade
de constituir uma família. Esse dado se materializou nos registros das equipes de
saúde de Paracuru, que pontuaram um percentual de 47% do total de mulheres
grávidas dentro da faixa etária observada. Para a região da sede, os bairros periféricos
são os que apresentam maior demanda para as equipes. No ano de 2009, este número
chegou a 38% (Trinta e oito) entre a faixa etária de 10 a 19 anos para grávidas (LIMA,
2010).
No campo da Política de Assistência, o público atendido não difere do da
Política de Saúde, principalmente quando o direcionamento das ações tem se
concentrado no público dos Programas de Transferências de Renda. O Programa Bolsa
Família, um dos maiores desenvolvidos e coordenados pela Secretaria de
Desenvolvimento Social em Paracuru, visa ao público feminino no acompanhamento e
no cumprimento das regras estabelecidas pelo Programa, ou seja, na responsabilidade de
zelar pelo atendimento às condições impostas e pelo cuidado com a família. É possível
dizer que esses programas fazem parte também das políticas de fomento ao consumo,
produtoras de sujeitos capazes de satisfazer suas necessidades por meio do acesso aos
bens produzidos pelo capital.
12 Nesse momento, procura-se exemplificar esses conceitos com o trabalho apresentado por Esmeraldo
no Seminário Internacional Fazendo Gênero, promovido pela Universidade Federal da Santa Catarina, em 2006, quando, em seu artigo Diálogos sobre Produção de Subjetividades em Foucault, Deleuze, Guatarri e mulheres rurais assentadas, explanou que certas práticas das mulheres assentadas eram aprendidas a partir dos sete anos de idade no convívio no assentamento, de maneira que, pela repetição, estas tomam conhecimento das técnicas desse fazer, que se torna um saber-técnico, que “vão construindo ao longo de suas vidas o reconhecimento de que essas práticas e técnicas de organização doméstica são da ordem e do mundo das mulheres, de seus domínios e de si” (ESMERALDO, 2006, p . 02).
37
Figuras 7 e 8 – Registro dos dias de pagamento do Programa Bolsa Família, benefício de
transferência de Renda concedido pelo o Governo Federal por meio da Caixa Econômica Federal
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2014).
Este benefício representa uma política de controle, sobretudo das mulheres,
que geralmente ficam responsáveis por seu gerenciamento. Nesse contexto, a Secretaria
que desenvolve a Política de Assistência no Município atendeu, via Governo Federal, a
um total de 5.238 famílias com benefícios do Programa Bolsa Família até o mês de abril
de 2014, o que corresponde a um valor total de R$ 798.638,00 alocados para o
pagamento direto às famílias.
Além dos benefícios reservados às famílias citadas, segundo os Relatórios
de Informações Sociais da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, vinculada
ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, existe, ainda, o
segmento de mulheres gestantes que estão amamentando, recebendo um benefício extra.
Esse público chegou a 155 mulheres em abril do ano supracitado (BRASIL, 2014). Tal
realidade corrobora as argumentações expostas anteriormente quanto às técnicas
administrativas empregadas por governos com o intuito de manter o controle e a
reprodução de um capital humano produtivo.
O grupo de Mulheres Agentes Sociais de Paracuru foi pensado no período
em que se fomentava no país a unificação de vários programas de transferência de renda
implantados ainda no Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2001). Nessa
gestão governamental, criou-se também o Cadastro Único para pessoas em situação de
vulnerabilidade, consistindo numa “base de dados capaz de subsidiar o planejamento de
ações e políticas de enfrentamento à pobreza, com destaque para a implementação de
programas de transferência de renda, nas diferentes instâncias de governo” (ROMERO;
DUARTE, 2010, p. 01).
38
O Governo Lula (2003-2010), já em 2003, utilizando-se da mesma forma de
governar, implantou o Programa Bolsa Família, um programa que compõe um conjunto
de ações na tentativa de combater a fome e reduzir a pobreza no país. Essa iniciativa
consistia numa proposta de unificação dos vários programas de transferência de renda
existentes no Brasil que antes eram de responsabilidade de vários ministérios criados
pelo Governo que o antecedeu.
Enquanto isso a Política de Assistência estruturava suas diretrizes através de
normas que culminaram na incumbência da Assistência Social de desenvolver suas
ações em torno da proteção social às famílias em situação de vulnerabilidade e risco
social. Sendo assim, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
responsável pela política de Assistência Social, tornou-se responsável pela coordenação,
gerência e operacionalização do Programa Bolsa Família, utilizando-se do principal
instrumento de controle da população pobre, o “Cadastro Único”, que, na gestão do
então Presidente Lula, passou também por reestruturações. Dessa forma, cada esfera de
governo, com seus respectivos órgãos de gestão da Política de Assistência, passou a ser
responsável pela implantação do Programa de Combate à Fome do Governo Lula, de
sorte que as intervenções da Política de Assistência, principalmente a partir de 2004,
incidiriam sobre essas famílias identificadas pobres.
Outra mudança ocorrida na operacionalização da Política de Assistência,
com a formalização da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, diz respeito à
educação infantil de crianças de 0 a 6 anos. Até o ano de 2004, para muitos municípios,
cabia à Assistência a responsabilidade no atendimento às crianças, mesmo com as
mudanças ocorridas na Política de Educação no ano de 1996, com a promulgação da
última Lei de Diretrizes e Bases no país.
A Assistência, que até então, em muitos territórios das regiões do país (no
ano de 2004), estava como responsável pelo acompanhamento físico e financeiro das
creches, ou seja, no atendimento à educação infantil, teria a obrigação de passar essa
responsabilidade para a educação. Em Paracuru, após vários momentos de negociação
entre os gestores das pastas em questão, em 2005, a educação passou a assumir toda a
rede de educação infantil no município. Enquanto à Assistência cabia-lhe um trabalho
direcionado às famílias que estivessem com os seus filhos, sobretudo os menores de 06
39
anos, na rede de ensino, isto é, nas creches cuja responsabilidade cabia anteriormente à
Assistência13.
A partir dessas mudanças no município, surgiu o projeto Espaço Cidadão,
que visava direcionar os recursos existentes, cofinanciados pelo Governo Federal e
Municipal, para o atendimento às famílias de crianças com até 06 anos de idade,
mediante ações socioeducativas, tendo, ainda, suas metas voltadas para a geração de
trabalho e renda, com foco em ações pautadas na economia solidária14 e com o objetivo
de potencializar o trabalho de inclusão social, enfatizando a sustentabilidade.
Dessa maneira, o projeto visava trabalhar sob três eixos principais. O
primeiro deles objetivava a formação de uma rede de colaboração solidária, com
oficinas voltadas para o conhecimento da socioeconomia solidária; o segundo, a
capacitação e qualificação para a implantação dos empreendimentos necessários à
formação da rede; e, finalmente, o terceiro tinha como escopo a implantação de um
espaço para a comercialização dos produtos produzidos pelas famílias que
participariam das formações promovidas pelo projeto.
Referido projeto envolveu aproximadamente 638 famílias, que, dentre os
seus membros, tinham crianças com até 06 anos, atendidas pela rede de ensino básico
do Município de Paracuru. Inicialmente essas famílias participaram das oficinas de
socioeconomia solidária, nas quais lhes foram oferecidos recursos para o
desenvolvimento e exercício das etapas correspondentes à formação. O projeto focava,
13 Procurando desenvolver preliminarmente as diretrizes da Política Nacional de Assistência Social no
Município de Paracuru, a Política de Assistência local buscou focar suas ações na família, ou seja, construía aos poucos uma agenda pautada na matricialidade da família. Autoras como Teixeira (2014) argumentam que, a partir dos anos de 1990, principalmente em razão da contrarreforma do Estado, foi possível observar fortemente a presença de uma política do familismo. Aposta-se, assim, na responsabilização das famílias pelo bem-estar de seus membros, tendo o Estado um papel subsidiário, atuando apenas na impossibilidade ou falência da proteção social familiar. Mas, precisamente na Política de Assistência, a lógica da proteção social básica presume que a prevenção é fundamentada na potencialização das funções do cuidado, assistência, socialização, educação, dentre outras, das famílias vulneráveis, ou seja, aposta na capacidade e recursos existentes no interior das famílias.
14 Para Poul Singer, o qual embasou muitos dos trabalhos desenvolvidos no país acerca do assunto considera Economia Solidária “um outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade[...]”. Esta análise é citada por Cornelian (2006), que realizou um estudo sobre o tema sob a perspectiva de Poul Singer, tentando tecer contribuições para discussões quanto ao assunto, deste o ver em meio a contradições, principalmente em meio as definições do que seria a Economia Solidária. Disponível em: <http://portal.fclar.unesp.br/ possoc/teses/anderson_ricardo_cornelian.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2014.
40
ainda, o envolvimento inicial de 50 mulheres que foram chamadas de Agentes Sociais15.
Estas teriam a função de repassadoras e multiplicadoras de temas pertinentes aos
direitos sociais e políticos, ou seja, aos direitos humanos dentro da comunidade. Essas
Agentes Sociais receberiam incentivos para o desenvolvimento das ações junto à
comunidade, tais como cestas básicas, pela ação voluntária. Entretanto, a meta de 50
mulheres selecionadas para atuarem como Agentes Sociais não foi cumprida.
De um público de 638 famílias atendidas anteriormente pelas creches que
foram por longo período atendidas pela Política de Assistência, foram confirmadas 25
(vinte e cinco) mulheres que tinham prioritariamente concluído o Ensino Médio. Outro
critério era a idade mínima, que deveria ser de 18 anos. Contudo, diante do baixo nível
de escolaridade, o critério do Ensino Médio deixou de ser considerado, sendo
selecionadas também mulheres que já estavam finalizando o Ensino Fundamental. E a
idade das mulheres ficou numa média de 27 anos.
Prioritariamente, com uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo
correspondente ao ano de 2005, essas mulheres tinham em si a experiência da chefia de
suas famílias. Segundo a secretária da Política de Assistência no período, Welna Maria
Barroso Saraiva16, dentre as várias ações programadas e pensadas para serem
executadas pelas mulheres que estariam compondo o grupo, as Agentes Sociais tinham
como objetivo “fortalecer o acesso dessas famílias ao projeto, e apoiar a mobilização e
15 É importante referendar que as Agentes Sociais não são Agentes de Saúde. Estas últimas são
profissionais que surgem no Maranhão, mas que têm visibilidade a partir de uma iniciativa do governo cearense na década de 1980. É oportuno mencionar que as primeiras profissionais foram mulheres, haja vista a criação da ocupação ser direcionada especificamente para as mulheres que provinham da seca e que eram consideradas donas de casa, como uma forma de adequar a situação da geração de renda às questões de gênero. Essas mulheres precisavam se ajustar às condições morais vistas pelas comunidades a seu respeito para que se inserissem na ocupação, uma vez que deveriam morar próximo às casas que seriam visitadas, e alcançassem um reconhecimento da comunidade. Enquanto isso, as mesmas precisavam passar as informações necessárias para a redução da mortalidade infantil, desenvolvendo atividades relacionadas ao cuidado, como orientação sobre vacina, amamentação e outras. Contudo, a lógica sob a qual foram criadas as Agentes Sociais em estudo não se diferencia tanto das propostas das Agentes de Saúde, ao se considerar que foi um projeto direcionado às mulheres que viviam em seus espaços privados, domésticos apenas. Não obstante, as temáticas trabalhadas pelas Agentes Sociais foram fortalecidas sob o prisma dos direitos sociais. O próprio termo “Agente”, baseou-se na concepção já utilizada pela área da saúde, contudo, o trabalho deveria seguir outra metodologia interventiva. Outros dados acerca das agentes de saúde podem ser acessados no site: <http://leonardof.med.br/2010/10/10/o-papel-do-agente-comunitario-de-saude-no-sus/>. Acesso em: 29 dez. 2014.
16 No segundo capítulo, o perfil da secretária de assistência em questão será mais bem estudado. Pode-se adiantar que ela exerceu a função durante dois períodos: de 2002 a 2006 e de 2009 a 2010.
41
organização das comunidades, potencializando o trabalho social, com o Programa de
Ações Socioeducativas de Apoio às Famílias – ASEF17” (SARAIVA, 2006, p. 01).
A partir das primeiras capacitações, divididas em cinco núcleos, as Agentes
Sociais foram distribuídas para acompanhar determinadas áreas, conforme o vínculo
escolar de seus filhos, de maneira que cada uma estivesse acompanhando no máximo 20
famílias dentro de determinado espaço geográfico, ficando o núcleo limitado a 100
famílias. Cada núcleo, composto por uma Agente Social Articuladora e quatro Agentes
Sociais, deveria agir em uma área de atuação, que poderia ser uma escola ou uma creche
à qual as famílias estavam ligadas.
Esse modelo funcionou até meados de 2009, quando se iniciaram as
negociações em torno do financiamento do Piso Básico de Transição ASEF, de modo
que os valores injetados pelo Governo Federal no Município, que financiava parte do
Projeto Espaço Cidadão, poderiam ser direcionados para a implantação de um Centro de
Referência da Assistência Social, CRAS, ou para a implantação de novas turmas de um
programa para adolescentes, no projeto conhecido como Projovem Adolescente.
Quando o Município decidiu pela implantação de um novo CRAS, os
recursos que eram direcionados para as atividades com as Agentes Sociais foram
remanejados para a sua implementação; com isso, apenas 12 dentre as Agentes Sociais
foram distribuídas nos dois CRAS existentes em Paracuru, de sorte que as ações e o
foco dos seus trabalhos foram desenvolvidos junto aos CRAS.
Ainda no período de 2008, as Agentes Sociais, além do recebimento mensal
de uma cesta básica, passaram a receber como ajuda de custo uma espécie de bolsa
auxílio, criada pela gestão por conta do trabalho comunitário e posteriormente por conta
das atividades desenvolvidas em conjunto com os CRAS.
17 De acordo com a Norma Operacional da Assistência Social Básica (2004), o financiamento dos
serviços, programas, projetos e benefícios da área da Assistência Social aconteceria em decorrência dos recursos distribuídos, seguindo certos critérios de transferências, ou seja, por meio de pisos que deveriam seguir o nível de proteção social. Portanto, a política deliberou pela existência do piso básico fixo, piso básico de transição (que chegou, em 2009, a ter seus valores remanejados para o piso básico fixo em Paracuru, a partir da preferência do município pela existência de mais um Centro de Referência da Assistência Social, CRAS) e o piso básico variável. Os mesmos correspondiam ao aporte financeiro direcionado às ações de proteção básica, ou seja, para atender às famílias em situação de vulnerabilidade social e que ainda não tinham seus vínculos familiares e comunitários rompidos. Portanto, as ações de Apoio às famílias do ASEF faziam parte do Piso Básico de Transição, que visava a manutenção dos valores e dos serviços de ação continuada – Antiga Rede SAC –, anteriormente financiados pelo Fundo Nacional de Assistência Social, nas ações de Proteção Social Básica referentes à Jornada Integral e à Jornada Parcial para crianças com até 06 anos e ações socioeducativas de apoio às famílias de crianças com até 06 anos – ASEF, como anteriormente registrado; além dos Centros e Grupos de Convivência para Idosos.
42
2.2.1.1 Nasce a Associação das Agentes Sociais de Paracuru
Entre os anos de 2008 e 2009, as Agentes Sociais, mobilizadas pela
necessidade de se organizarem e lutarem inclusive por melhores condições de trabalho,
de acordo com o relato do grupo-sujeito deste estudo, constituíram uma associação, que
passou a ser denominada Associação das Agentes Sociais de Paracuru. A partir desse
momento, percebeu-se uma maior participação dessas mulheres na colaboração das
políticas públicas.
A realidade que se instala a partir do acompanhamento e das falas das
próprias mulheres Agentes Sociais de Paracuru demonstra uma inserção maior das
representantes da associação em conferências e conselhos de gestão das políticas
públicas. Participaram também de reivindicações junto à Câmara, com o objetivo de
serem reconhecidas pelo trabalho que vinham desenvolvendo no município. Entre os
anos de 2010 e 2012, foram assinados convênios com a prefeitura local. Formalmente,
essas mulheres Agentes Sociais de Paracuru passaram atuar nos Centros de Referência
da Assistência Social. Em paralelo a essa inserção e através das ações direcionadas à
arte e à cultura, conseguiram ser reconhecidas como entidade responsável pelo
desenvolvimento de ações financiadas pela Petrobras junto à comunidade infantil e
juvenil. Os efeitos dessa inserção podem ser percebidos na fala de uma das Agentes:
Quando eu iniciei com o projeto [...] eu era daquelas pessoas que entrava muda e saía calada [...] e hoje em dia eu sou conselheira da saúde! Saí de dentro de casa para fazer parte [...], ser uma conselheira da saúde [...] acho que foi um crescimento grande. Eu estava até pensando em casa que veio um projeto sobre a água para os distritos que faltam água. Aí a gente colocou em votação, e eu votei a favor desse projeto [...], aí quando eu cheguei em casa [...] puxa vida! Quem diria que uma simples dona de casa estaria inserida na sociedade podendo votar – fiquei emocionada! (Agente Social, discurso proferido em encontro realizado no dia 14 de dezembro de 2013. A Agente Social atualmente é conselheira num órgão deliberativo da Saúde, representando o segmento dos usuários da política).
Para essas mulheres, o Projeto Espaço Cidadão, denominado pelas mesmas
de Projeto ASEF, um exemplo de envolvimento e encontros com novos saberes,
segundo as expressões aduzidas, provocou fissuras na maneira de ver a vida e na
maneira de conduzir-se nela, como se pode constatar no excerto anterior e no que se
segue:
Através desse projeto da Assistência Social, [...] levou a gente a procurar outros caminhos. Apesar de o projeto ter parado pela metade, mas até hoje a gente vem escrevendo a cidadania da gente (Fala de uma ex-agente social, em
43
encontro realizado no dia 09 de novembro de 2013. Atualmente é servidora pública, exercendo a função de Agente de Saúde no município)18.
Figuras 9 e 10 – Alunos do Projeto Flautas Doce de Paracuru, vinculado à Associação das Agentes
Sociais de Paracuru
Fonte: Acervo da Associação (2013).
A rigor, o projeto que criou o grupo de Agentes Sociais foi pensado no
âmbito da Política de Assistência Social, como consequência da experiência e do
conhecimento popular para fazer política social por meio da participação comunitária.
No entanto, trata-se de um projeto ainda executado nos moldes de um período político
contagiado por uma base neoliberal, em que o voluntariado era estimulado diante da
redução do Estado na esfera das políticas públicas sociais. Não obstante,
contraditoriamente falando, a oportunidade que as Agentes Sociais vivenciaram,
contribuiu sobremaneira para fazê-las avançar sob o ponto de vista de suas
autonomias e engajamento político e social.
No rastreamento da fala das mulheres pesquisadas, podem-se perceber
discursos em torno do ideal de liberdade e de uma maior autonomia nas mulheres
participantes. Numa perspectiva foucaultiana, por outro lado, pode-se dizer que ocorria
a busca pela docilização e transformação das mesmas em instrumento do governo local.
É o que é possível apreender com a exposição de uma das ex-gestoras da Política de
Assistência:
O sentido na formação do Projeto era de fortalecer a assistência, né, com a presença delas na comunidade, mas assim: a gente começou a ver a necessidade de que estas mulheres que iam fazer esse trabalho na comunidade, de que elas realmente tivessem um conhecimento sobre a questão da autonomia, sobre a questão da participação. Para que elas realmente pudessem incentivar isso na comunidade, para que elas
18 A ex-agente social, ao explanar que o projeto parou, refere-se à mudança de modalidade, ou seja, ao
fim do projeto Espaço Cidadão e à inclusão das 12 Agentes Sociais no CRAS.
44
percebessem a necessidade de trabalhar isso na comunidade e de que forma poderiam trabalhar. Então a gente pensou nessas mulheres inicialmente para o fortalecimento da assistência, da política. A gente pensou que estava faltando alguém que fizesse o elo da secretaria com a comunidade dos projetos que existiam, então o pensamento inicial foi esse (Fala de uma ex- -gestora em entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Contraditoriamente, essas subjetivações codificadas, tornadas uma prática
de si, fizeram com que essas mulheres impulsionassem outros devires, de maneira que
romperam com costumes, hábitos ou, melhor dizendo, resistiram ao “código moral”
constituído por valores, regras e ações propostas aos indivíduos ou aos grupos por meio
de um conjunto prescritivo de aparelhos que, para Foucault (2014), é representado pela
igreja, a família e as próprias instituições educativas, dentre outros. Assim, ao mesmo
tempo em que a inserção das mulheres no projeto contribuiu para certas produções e
fabricações de sujeitos ativos, articuladores de cidadania, mediante dispositivos
disciplinares e de biopoder, também chegou a operar novos saberes, que motivaram e
aceleraram novas fugas, em meio às relações atravessadas de poder, tanto no âmbito
familiar como comunitário, em relação ao poder governamental.
Outro aspecto percebido nas relações construídas no decorrer do acesso ao
espaço público e ao saber foi o fortalecimento da afetividade, na relação entre as
mulheres. Identificou-se, ainda, que o projeto lhes propiciou o acesso a novas
ferramentas19, ou seja, a novos elementos que as auxiliaram numa compreensão mais
apurada da realidade e das suas práticas cotidianas, passando a melhor compreendê-las.
Com um caráter contagiante, o conhecimento fomentado passou a se multiplicar e a
permanecer entre as 25 (vinte e cinco) mulheres que iniciaram o projeto. Elas passaram
a romper a mesmice dos discursos domésticos, saíram de suas casas e dedicaram seu
tempo a algo que poderia servi-lhes para o futuro, para novos arranjos e potencialidades.
19 Para Silva (2009, p. 58), segundo Foucault, o termo ferramentas se diferencia do termo instrumento,
posto que o primeiro fornece elementos que se compõem junto à prática, ajudando uma teoria a se multiplicar e multiplicar. Ao ter acesso aos relatórios de Thais Gonçalves Rodrigues da Silva (2009), quando esta utilizou-se das análises foucaultianas como basilares num estudo realizado sobre determinado equipamento cultural em Paracuru (a Escola de Dança e a Paracuru Companhia de Dança), pôde-se perceber uma aproximação particular ao objeto de estudo desta pesquisa junto às mulheres Agentes Sociais, principalmente quanto à identificação de categorias como afetividade, devires e outras empregadas pelos estudiosos que se utilizam do método cartográfico. Dentre os achados de Thais Gonçalves, ela relata que vivenciou “um delicado e complexo jogo de forças que opera num processo sempre a inventar e reinventar condições de existência, arte e resistência, persistência [...] A escola de Dança de Paracuru se diz de muitas maneiras. Desloca a lógica utilitária [...] instaura a amizade de que fala Foucault, a mover novos modos de vida, de conexões e articulações que transversalizam arte e vida”. (SILVA, 2009, p. 128-130). O estudo cartográfico em 2009, portanto, no contexto dos projetos sociais que envolviam a arte, fez parte da dissertação submetida à Coordenação do Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade, MAPPS, da Universidade Estadual do Ceará, UECE.
45
Encontraram, assim, novos campos de trabalho, novos relacionamentos, novos
conhecimentos e fortaleceram a autoestima, o que se pode verificar com o discurso
abaixo:
E foi isso que conquistei: no meu trabalho, conquistei amizades; não só com as agentes sociais, mas cada pessoa, cada família que eu visitava tinha um diferencial [...] fiquei amiga de muitas pessoas dessas famílias e até hoje eu tenho contato com algumas pessoas, e isso me fez crescer cada vez mais como pessoa, como mulher [...] acabei dando mais valor a cada coisa, aos detalhes, e hoje em dia eu sou muito mais feliz [...] até em falar, porque antes eu mal falava e agora, se deixar, eu passo o dia (Agente Social, discurso proferido em encontro realizado no dia 14 de dezembro de 2013. Atualmente exerce a função de cadastradora do Cadastro Único, programa vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social de Paracuru).
Pode-se dizer que essas mulheres ousaram, ao transpor o campo doméstico e
entrar no lócus de intervenção e da decisão socialmente destinado ao homem.
Propuseram a execução de políticas, quebrando as barreiras da comunicação entre o
Estado e a sociedade civil, assumiram posturas e estão na luta por seus objetivos. Sobre
esse ponto, convém lembrar Rubin apud Torres (2002, p. 84), quando afirma que pode
ser que estas lutadoras estejam aprendendo “a usar a si mesmas como armas [...], elas
não precisam armar-se com nada mais do que o autoconhecimento".
É notório que mudanças significativas foram acontecendo na vida das
mulheres ou especificamente no grupo objeto desta investigação. Mudanças que foram
transformando outras vidas, possibilitando rumos diferenciados aos sentidos, que
motivaram novas formas de pensar e de moverem-se durante suas trajetórias. Criaram
resistências e ressignificações, mediante um sonho construído por um coletivo, embora
atualmente esteja se reduzindo quantitativamente o número de mulheres em atuação. No
entanto, ainda é forte a vontade e a importância dada pelas que permanecem à frente da
entidade nessa construção coletiva, embora dentro de suas particularidades e desejos
quanto a novas realidades. Desejam ser exemplos para outras mulheres ao mostrarem
suas conquistas e transformações. É o que se pode perceber na narrativa desta Agente
Social:
Eu lembrei que, na capacitação das Agentes Sociais, meu filho só mamava [...] eu levava ele, deixava com a minha sogra e nos intervalos eu dava de mamar [...] porque eu vi no começo que ali seria um caminho [...] eu poderia ir além [...] hoje eu trabalho [...] eu ainda não cheguei no meu projeto, mas eu sei que um dia eu vou chegar lá! Eu tenho muita vontade de ser professora, só que eu não sou formada [...] eu quero um dia trabalhar com crianças [...] porque visitar as famílias foi o que mais me chamou a atenção [...] trabalhar com as famílias, as crianças, com oficinas [...] cada vez mais eu ficava com a vontade de ir além, de conquistar mais coisas [...] foi o que aconteceu [...]
46
hoje eu trabalho como cadastradora do Bolsa Família, mas eu quero ir além, eu vejo que eu posso, sim, ou ser professora ou ser outra coisa que eu tenho vontade de ser (Agente Social, discurso proferido no grupo no dia 09 de novembro de 2013).
Observou-se no discurso das mulheres Agentes Sociais de Paracuru a
reprodução de valores que foram repassados ao longo das capacitações, embora sem
imposição dos mesmos. Desejos foram sendo aguçados durante os encontros, no tocante
à importância da inserção das mesmas nos espaços sociais e nos espaços públicos. Uma
ação foi construída da relação fomentada entre facilitadores, coordenadora e mulheres
envolvidas nas oficinas para a formação do grupo. Sentimentos revelados foram
estimulados a partir de uma relação de confiança e afeto estabelecidos naturalmente
entre os sujeitos envolvidos, provocadores de acontecimentos ao parafrasear Silva
(2009).
Seguindo os passos de Silva (2009), é como se o universo ou os contextos
em Paracuru caminhassem para a constituição de relações criadas com muita
afetividade, a exemplo do que essa estudiosa conseguiu captar em torno dos
procedimentos artísticos e pedagógicos de um projeto na área da cultura e arte, quando
identificou que o mesmo é “uma vivência que contagia a vida com afetos alegres,
aqueles que, segundo Espinosa, aumenta nossa potência de agir” (2009, p. 115).
Nos encontros que ocorreram como técnica do processo metodológico da
pesquisa, a investigadora deste estudo observou que havia uma afetividade materializada
pela amizade que se enunciava entre as Agentes Sociais, em especial entre as que hoje
compõem principalmente a diretoria da Associação, composta por 12 (doze) mulheres.
Uma amizade que vem atravessando as limitações e os desafios postos à existência da
própria Associação. Ou seja, essas mulheres hoje ainda resistem às próprias mudanças
políticas e sociais, haja vista que a Associação ultimamente encontra-se sem nenhum
financiamento, logo, sem recursos para operacionalizar suas ações.
São mulheres que se organizaram sob a perspectiva da condição de mães,
para buscarem melhorias para a comunidade, para serem instrumentos de acesso ao
poder público, na luta por direitos sociais, embora longe de uma luta consciente contra
todas as formas de discriminação, submissão e opressão que atingem socialmente as
mulheres. Elas têm ancorado suas resistências no sentimento de afeto, carinho e
amizade existente entre as mesmas, numa perspectiva de ascensão social sempre
presente no discurso das mulheres-sujeito desta pesquisa, em especial das que
compunham, no primeiro semestre de 2014, a diretoria da entidade.
47
Além do mais, não se pode perder de vista que, nas relações entre as mulheres
Agentes Sociais de Paracuru e a comunidade, entre as Agentes Sociais de Paracuru e o
poder governamental, bem como entre as próprias Agentes Sociais, existiram relações de
forças e relações de poder presentes nas lutas por direitos sociais, no processo de
identificação e legitimação junto à comunidade e entre as próprias Agentes Sociais, na
disputa por espaços políticos e por reconhecimento, embora muitas vezes não percebidas.
Dentre as Agentes Sociais de Paracuru, destaca-se o relato de uma associada
componente da diretoria da Associação que hoje exerce um cargo público na
administração municipal. Sobre o projeto, argumenta:
O projeto [Espaço Cidadão] das Agentes Sociais mudou muito a minha vida! No meu crescimento, como lidar com as pessoas [...] hoje eu posso chegar para o prefeito, para o presidente [...] sei me expressar! Agradeço muito ao projeto. Foi muito importante na minha vida e até hoje está sendo. Hoje eu estou colhendo os frutos desse projeto (Agente Social, discurso proferido no encontro, realizada no dia 14 de dezembro de 2013).
A partir do que foi exposto, conclui-se que essas mulheres encontram dentro
de suas particularidades e singularidades outras formas de um fazer político, de buscar
direitos, encontros e agenciamentos, o que se torna evidente nas argumentações de
Torres (2002, p. 163), quando assevera que
A organização política das mulheres e o processo de tomada de consciência da sua condição histórica não podem evoluir com uma velocidade determinada ou em uma única direção [...] o processo de formação da consciência coletiva pauta-se em um procedimento metodológico contínuo, incessante e paciente.
Isso reverbera uma leitura de que, de alguma forma, as mulheres hoje estão
em suas diferentes práticas e olhares, produzindo conhecimento e contribuindo para a
construção de um novo mundo. Mesmo disputando pequenas parcelas de poder no
interior de suas relações, as mulheres vão fazendo e refazendo suas histórias,
construindo e trilhando novos caminhos, enfrentando novas resistências e mutações em
suas histórias de vida.
No próximo capítulo, será apresentado o caminho metodológico da
pesquisa. A partir da pergunta de partida enunciada, dá-se sequência aos pressupostos,
aos objetivos, culminando no passo a passo para se chegar mais próximo à realidade
estudada. Relatam-se, portanto, alguns aspectos importantes que revelam a aproximação
da pesquisadora com o campo e com o objeto de estudo, tentando fazer um paralelo
recorrente à prática propriamente dita e aos referenciais teóricos utilizados.
48
3 CAMINHO METODOLÓGICO: TRAÇOS E DIREÇÃO
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa
a si mesmo, os homens [e mulheres] se
educam entre si, mediatizados pelo
mundo.”
(Freire, 2005, p. 78)
3.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO
Ao considerar a realidade local de Paracuru e toda a complexidade que a
envolve, é necessário destacar quantas questões existem para serem compreendidas no
tocante à inserção das mulheres desse município nos espaços de decisão e, no caso da
presente pesquisa, mais precisamente, na gestão de uma entidade inserida nos
movimentos sociais dessa cidade e os reflexos dessas experiências na construção da
subjetividade dessas mulheres, no seu contexto familiar e social.
A partir de 1990, no Brasil, dentre os direitos conquistados pela mulher,
destacam-se as mudanças ocorridas no campo dos direitos trabalhistas, o aumento no
tempo da licença-maternidade para mães adotantes, a regulamentação do emprego
doméstico e tantos outros que contribuíram para o seu empoderamento. Outras lutas
foram se configurando e temáticas novas passaram a fazer parte da agenda do
movimento feminista, além das intensas discussões contra a violência doméstica. Dentre
essas lutas, importa destacar aquelas que dizem respeito à conquista de espaços políticos
nos partidos e demais espaços de deliberação.
É nesse cenário que se desenha e se delimita esta investigação, adentrando
na realidade que configura a relação das mulheres com os espaços públicos, isto é, em
sua participação política em um movimento que não é feminista, mas que foi pensado,
gerenciado e vem sendo construído pelas mulheres, no caso, as da Associação das
Agentes Sociais de Paracuru.
Como já referido, esta experiência de pesquisa teve como campo o
município de Paracuru. O interesse por esse município se justifica principalmente pela
história de uma cultura de inserção da mulher nos cenários econômicos, políticos e
sociais.
49
Nesse caminho, foram trabalhadas situações que envolveram histórias e
acontecimentos, no período de 2004 a 2012, marcado por mudanças políticas no
município e no país. No ano de 2011, em âmbito nacional, assumiu a gestão do país a
primeira presidenta do Brasil, e em âmbito local, desde 2009, a cidade de Paracuru
passou a ser gerida por uma mulher, a saber Erica de Figueiredo Der Havannessian,
vitoriosa nas eleições de 2008.
Não se pode negar que a inserção das mulheres nesses espaços políticos
vem favorecendo a constituição de novas identidades e subjetividades femininas. Novos
campos e planos têm favorecido novos olhares e também o empoderamento das
mulheres. A busca por novos espaços, para além do espaço privado, atualmente, é
referência para novos modelos de relação, novos arranjos e novos devires.
Na condição de Assistente Social e militante na área dos direitos humanos,
exercendo uma profissão eminentemente feminina, pode-se vivenciar uma experiência
de uma década constituída por complexas disputas nos espaços do exercício
ocupacional. É possível afirmar que, nesse período, muitos foram os momentos de
turbulência, mas, na maioria das vezes, o mar calmo e transparente da cidade de
Paracuru, onde exercia determinadas funções, incutia-se a coragem para enfrentar os
riscos do contato com a realidade. Nesse meio, é possível revelar que houve encontros
com a paixão, com o casamento, com a separação, com o acolhimento, com a solidão,
momentos e experiências que foram dando forças para tentar encontrar novos mares,
novas redes, novas linhas, novos desenhos de vida, novas mulheres e novos homens.
Neste estudo, tem-se como propósito buscar respostas sobre as relações
humanas, sobretudo no que tange à vida de mulheres que, na trajetória da produção de
suas subjetividades, procuravam algo para além do que viviam em seus espaços
domésticos, cuidando dos seus companheiros, esposos, filhos, lidando apenas com o
único universo que haviam aprendido a conhecer durante anos: o ambiente doméstico.
As pessoas em questão constituem a Associação das Agentes Sociais de
Paracuru, formada por 25 (vinte e cinco) mulheres, um grupo criado a partir de uma
iniciativa governamental, em 2005, mas implementada oficialmente como Associação
apenas em 2008. Atualmente a entidade ainda não tem sede própria e realiza seus
encontros em espaços públicos, cedidos pelo governo municipal, tendo suas ações
direcionadas à comunidade, atuando ligada ao poder público local, na maioria das
vezes. Contudo, seu foco principal é a população atendida pela política de Assistência
Social. A entidade se mantém distante de um movimento social exclusivamente
50
feminista, embora inserida em espaços de discussão sobre os direitos da mulher. Sua
capilaridade alcança discussões e deliberações de políticas para todos os segmentos,
haja vista que as mulheres que a compõem estão afiliadas a diversos conselhos, como é
caso do Conselho Municipal de Saúde e o Conselho de Direito da Criança.
Em Paracuru, no ano de 2005, começou-se o trabalho com as Agentes
Sociais, por meio do Projeto Espaço Cidadão. A iniciativa junto às mulheres nasceu,
segundo Saraiva (2006)20, da oportunidade dada à população de participar da
elaboração, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas, asseguradas
constitucionalmente a partir de 1988.
Como Agentes Sociais, as mulheres são facilitadoras e mediadoras de
processos de organização, articulação e mobilização comunitária. Têm como papel
principal promover processos de desenvolvimento dentro do município (MASULLO;
BRAGA, 2006)21.
A Secretaria de Desenvolvimento Social de Paracuru, responsável pela
execução da Política de Assistência Social, com o propósito de alcançar os objetivos
registrados anteriormente, organizou e implementou um processo de formação
continuada, direcionado principalmente às mulheres ou mães selecionadas dentro de um
perfil socioeconômico e de escolaridade que fosse foco de intervenção da política de
Assistência Social. Do contingente de 638 famílias acompanhadas no projeto Espaço
Cidadão, provindas da inserção na Política de Educação do município, como bem
enfatizado em seção anterior, destaca-se novamente que aproximadamente 50 mulheres
passaram pelo processo inicial de formação, contudo, como já registrado, apenas 25
decidiram percorrer os caminhos do trabalho comunitário.
A atuação da Agente Social tem como espaço privilegiado a comunidade,
vista como lócus para a constituição de projetos de vida e para a ajuda ao 20 Welna Maria Barroso Saraiva, especialista em Gestão Pública, Assistente Social, assumiu o cargo de
Assessora Técnica junto à Política de Assistência Social em 2001. Em 2002, assumiu a função de Secretária da Política de Assistência, deixando o cargo em 2006, quando foi gestora da área da saúde até 2007. Chegou, novamente, a atuar em 2008 como técnica na área da Assistência, em 2009 assumiu novamente a gestão, ficando no cargo por um período de 24 meses. Tentou, sobretudo nas suas gestões, ampliar o quadro técnico das Secretarias em que atuou, mais precisamente da área da Assistência, que por muito tempo foi chamada de Ação Social. Posteriormente, em decorrência da relação com o modelo do Governo Federal, ou seja, com a denominação Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome, a secretaria passou a ser designada como Secretaria de Desenvolvimento Social.
21 Alessandra Masullo, Assistente Social, mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Osmar Braga, doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Ambos foram facilitadores e assessores na implantação do Grupo Agentes Sociais de Paracuru, implementado em 2005. Com experiência na área da educação popular, atuam, sobretudo, com o segmento da juventude, pesquisa, planejamento, monitoramento e avaliação de programas sociais.
51
desenvolvimento da cidade, uma atuação, portanto, pautada na participação. De acordo
com Masullo e Braga (2006), os colaboradores das diretrizes do trabalho a ser
desenvolvido pelas Agentes Sociais deveriam utilizar-se de uma metodologia que
potencialize a comunidade, os saberes e as experiências, que culmine em atitudes e
iniciativas transformadoras.
Na condição de técnica que havia acompanhado a formação do grupo, mas,
sobretudo, assumindo o papel de pesquisadora, foi instigante e motivador perceber que,
ao saírem de universos exclusivamente privados, onde cuidavam apenas de suas
famílias, dos seus lares, estas mulheres mudaram também suas vidas. Passaram por
novas mudanças, tiveram acesso a saberes diferentes, engajaram-se em cenas políticas,
candidataram-se para as lutas nos espaços da participação representativa,
profissionalizaram-se, estudaram, formaram-se, conseguiram novos trabalhos e
apaixonaram-se. Partiram, pois, para o espaço público, mostrando-se para a vida e para os
novos significados que esta pode tomar.
Nesse cenário, encontra-se motivação para as seguintes perguntas: Qual o
significado da inserção política na trajetória de vida das mulheres Agentes Sociais
de Paracuru? As mulheres engajadas no espaço da Associação Agentes Sociais se
veem como sujeitos políticos? Qual o sentido dado por essas mulheres à luta por
direitos no contexto do seu relacionamento familiar? Que papéis são coatribuídos a
essas mulheres nas dimensões do privado? A participação das mulheres Agentes
Sociais na Associação tem lhes possibilitado condição de empoderamento?
3.2 OS PRESSUPOSTOS DA PESQUISA A PARTIR DA APROXIMAÇÃO COM O
CAMPO
Ao se propor estudar a inserção de mulheres em uma associação que está na
dianteira da luta pelos direitos sociais, em razão das mudanças culturais de seu tempo,
como os momentos de crises globais e os desafios que estão postos à sociedade
atualmente quanto à participação política, é possível afirmar que as mulheres foram
ousadas ao transpor o campo doméstico e entrar no lócus de intervenção e decisão do
homem, propondo a execução de políticas públicas, quebrando barreiras de
comunicação entre Estado e sociedade civil e assumindo posturas firmes na luta por
seus objetivos.
52
Para tentar explicar o que se desconhecia, como diz Osterne (2013), foram
utilizados alguns pressupostos que passaram a funcionar como suposições, afirmações
provisórias a respeito do fenômeno em estudo, na medida em que se chegava a uma
questão central, em função da familiaridade da pesquisadora com o campo. Esses
pressupostos resultaram de observações e experimentações, que foram úteis na
organização das ideias, sobretudo na mediação entre o campo teórico e o empírico, ao
levar em conta que este último não é estático. Portanto, os pressupostos são bases de
verificação de algo que futuramente poderá vir a ser também questionado e aprofundado
por meio de outros estudos (OSTERNE, 2007).
Destarte, como suposição central passível de verificação do que seria
observado, pode-se entrever que:
As mulheres Agentes Sociais, a partir do momento em que
passaram a ter acesso ao conhecimento, a novos saberes e ao
engajamento social, fortaleceram suas identidades na busca do
reconhecimento local no processo coletivo vivido no âmbito da
Associação Agentes Sociais de Paracuru. Sentem-se mais
estimuladas e assumem outras atitudes em suas relações no espaço
privado e público do município. Além do mais, têm implementado
mudanças cotidianas nos seus lares e na própria vida dos membros
da comunidade. Inseridas em outros espaços da vida pública, como
o mercado de trabalho, cursos de nível superior, ou mesmo quando
fortalecem o contato entre a comunidade e o poder público local,
têm se tornado referência na comunidade.
Essa observação remete a outros aspectos específicos e a outras afirmações
provisórias que foram checadas no decorrer da pesquisa, como se pode ler adiante:
As mulheres, ao se inserirem nos espaços de poder e decisão, veem-
se como sujeitos diferenciados, com outras perspectivas de vida.
Enquanto sujeitos coletivos, contudo, não tomaram ainda a
consciência da dimensão política quanto ao poder que podem
exercer através de suas participações na Associação. Assim, ainda
53
não conseguem decodificar o significado de seus engajamentos
como sujeitos políticos.
Os estudos a respeito das relações de gênero e da condição da mulher
apontam que a exata separação entre o público e o privado condiciona a mulher a
determinadas tarefas que não têm valor e não são consideradas políticas. Entretanto,
essas mulheres engajadas nas lutas por melhores condições de vida, pela garantia de
direitos sociais, estão indo para a linha de frente de reivindicações, pensando em
questões culturais, de geração de renda.
Por fim, pode-se considerar nessas relações a existência de micropoderes
que se articulam e fortalecem o princípio de uma relação de empoderamento. Contudo,
não é motivadora a condição de sujeitos em processo de desigualdade, ainda é muito
preliminar essa inquietação, de sorte que acabam iniciando a busca por uma
independência e empoderamento sem ligações profundas com a causa feminista. Dessa
maneira, supõe-se que:
As mulheres, ao iniciarem sua trajetória política por meio do
desenvolvimento do papel de Agentes Sociais, passaram a vivenciar
suas relações familiares de forma mais segura, confiante e
autônoma, favorecendo desdobramentos pró-autonomia em suas
vidas, mesmo a despeito das resistências familiares, das sobrecargas
de trabalho e dos sentimentos de culpa por terem ampliado sua
inserção para além do espaço privado.
As leituras de estudiosos como Frota (2012), acerca das questões de gênero,
são motivadoras para a reflexão sobre as condições, significados e desejos das mulheres
envolvidas na Associação das Agentes Sociais de Paracuru, principalmente quando se
colocam como mulheres que estão na luta pela garantia e efetivação dos direitos sociais,
pensando que ultrapassam as argumentações de que o papel da mulher é diluído na
responsabilidade do cuidado, nos deveres com o marido, filhos e sociedade (FROTA,
2012). Nesse sentido, parte-se do pensamento de que:
As mulheres que participaram do processo de formação do grupo
Agentes Sociais e que constituem a Associação das Agentes Sociais
de Paracuru desempenham, no âmbito dos espaços privados, papéis
54
que vão além da representação de cuidadoras. Assumiram
iniciativas de independência nas relações com seus companheiros,
maridos e pais. Ou seja, estão à frente da busca por emprego,
melhores salários, direitos educacionais e crescimento profissional,
aprendendo a empoderar-se diante da vontade masculina,
sobretudo na dimensão econômica.
Outra questão igualmente importante e pertinente com relação às suposições
levantadas corresponde à leitura de que:
As mulheres engajadas na Associação das Agentes Sociais de
Paracuru conseguem perceber a necessidade de democratizar
responsabilidades. Entretanto, sua emancipação política ainda é
embrionária, embora significativa, em decorrência, sobretudo, da
ausência de condições técnicas e financeiras de sustentabilidade.
Isso tem dificultado o engajamento mais contínuo e efetivo dessas
mulheres no que tange ao seu protagonismo no enfrentamento das
desigualdades entre homens e mulheres, bem como na ampliação de
suas participações nos espaços de poder.
O que foi elucidado remete à tentativa de encontrar, com esta pesquisa,
articulações que possam se somar às sustentações acerca da leitura de que as mulheres
estão aptas a ultrapassar as construções socialmente postas a elas, principalmente ao se
mencionar Saffioti (1992), quando diz que as mulheres sujeitas aos modelos
institucionalizados de ser mulher podem se destacar pela autonomia em determinadas
situações, elucidando outro campo de poder existente na relação entre os gêneros.
3.3 A FINALIDADE DO ESTUDO
Segundo Osterne (2007), mesmo com os estudos em torno das questões que
envolvem a condição feminina, ainda persiste o preconceito, sobremodo no imaginário
popular e nos discursos, de forma muito acentuada sobre a inferioridade da mulher.
Pode-se dizer que avanços aconteceram, principalmente sobre os essencialismos
naturalizados em torno do ser mulher. O interesse deste estudo, portanto, buscou
encontrar as fissuras existentes nas relações travadas pelas Agentes Sociais, mulheres
55
oriundas da classe popular que vivenciam relações desiguais de gênero e de poder no
contexto doméstico e nos espaços públicos; neste último, na luta pelo reconhecimento
político, pelo direito à voz junto ao governo local. Essa realidade incutiu o desejo de
desvendar o significado da inserção política na trajetória de vida das mulheres
Agentes Sociais de Paracuru, sendo esse o objetivo principal deste estudo.
Não obstante, outras questões foram consideradas, bem como outros
objetivos foram suscitados, tais como:
Investigar se as mulheres se percebem como sujeitos políticos ao
participarem da Associação Agentes Sociais de Paracuru;
Compreender os sentidos da inserção feminina nos movimentos
sociais e os reflexos dessa inserção no seu meio familiar;
Identificar as responsabilidades assumidas pelas mulheres no espaço
privado após suas inserções nos espaços de participação política;
Conhecer se as mulheres se sentem mais empoderadas a partir de
suas participações na formação das Agentes Sociais e nas lutas e
ações executadas pela Associação.
3.4 INDICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Nesta seção, descrever-se-ão os caminhos trilhados, inclusive a escolha da
abordagem, para mapear o objeto em estudo, sua natureza, além dos procedimentos
utilizados para a caracterização dos sujeitos pesquisados.
Para aproximar-se do objeto desta pesquisa e para alcançar os seus objetivos,
realizou-se uma abordagem de natureza qualitativa. Esta abordagem afigurou-se como a
mais idônea para identificar as subjetividades que pudessem estar encobertas no ato da
participação das mulheres da Associação das Agentes Sociais de Paracuru. Segundo
Hernández Sampieri (2013), uma pesquisa qualitativa sugere que se fique atento ao olhar,
que se treine para observar o que é diferente da simples visualização, pois propõe a
utilização de todos os sentidos para entrar profundamente em situações sociais e, de forma
ativa, para chegar a uma reflexão permanente.
Consoante Minayo (1994, p. 203), “um estudo qualitativo deve descrever,
compreender e explicar a realidade”. A pesquisa qualitativa converge para o
compromisso político que se elucida em torno de uma ideologia transformadora,
56
comprometida com outro modelo societário e humano, construída no decorrer da
formação profissional, acreditando no sujeito como ser social, portanto, histórico e
eminentemente político.
Dessa forma, partiu-se do interesse em conhecer sentimentos, valores,
opiniões, visões e compreensões sobre as construções sociais, muitas vezes não
revelados pelas Agentes Sociais nas suas práticas, no seu relacionar-se cotidiano, ao
partir da compreensão de que estes podem ser complexos e contraditórios, como
também podem fomentar novos olhares e atitudes frente aos desafios postos na
atualidade, ao considerar que essas mulheres vivenciam diariamente novas dinâmicas
junto à Associação e nas relações familiares.
Se ao ponderar o momento de mudança ocorrido no Município de
Paracuru a partir de 2013, com o gerenciamento das políticas públicas por um grupo
político dissidente do que vinha governando a cidade há mais de 10 anos, as
transformações no cenário político local interferiram consideravelmente na atuação
das Agentes Sociais, o que implicou novos movimentos também políticos por parte
dessas mulheres.
Este estudo tornou-se um grande desafio, devido à aproximação com o
objeto de pesquisa. Diante disso, buscou-se respaldo em procedimentos e técnicas
cientificamente aceitas no meio acadêmico, a fim de distanciar-se de qualquer
possibilidade de uma compreensão espontânea sobre o real, como analisa Bourdieu
citado por Osterne (2007), diante do engano de se achar que o real está nitidamente
transparente ao observador.
Dessa forma, pela forte implicação na construção do projeto que deu início à
formação do grupo Agentes Sociais em Paracuru e por acompanhar as mudanças
ocorridas na sua implementação e constituição legal, ou seja, sendo parte integrante,
envolvida pessoalmente pela própria experiência de ser Assistente Social, com
perspectivas de mundo, conceitos e paixão para o empoderamento das minorias, tomou-
se como ponto de partida a conjectura a respeito da forma apreendida de realizar
pesquisa em serviço social, “a partir da prática profissional, quotidiana, concreta, que se
constitui em objeto de investigação” (BAPTISTA, 2006).
Embora longe de se querer um afastamento dessa forma de realizar
investigação, lutou-se contra a influência de determinados aspectos que
descaracterizassem qualquer busca pela essência da realidade estudada, numa tentativa
57
de chegar à objetivação, embora se compreenda que é impossível chegar a todas as
complexidades que envolvem a realidade (SILVEIRA, 2014).
A perspectiva metodológica que ensejou esta pesquisa apontava para um
paradigma interventivo, de maneira que fosse viável desenvolver um olhar sobre o
processo iniciado no ano de 2005 como base e fundamento para as observações
requeridas. Nos rumos de uma proposta para além das análises explicativas, a pesquisa
de cunho mais ativo, interventiva, foi percebida em decorrência da inseparabilidade
entre o conhecer e o fazer, entre o pesquisar e o intervir, haja vista que, como sugerem
Passos e Barros (2010), toda pesquisa é uma intervenção.
Dessa maneira, optou-se pela inserção numa pesquisa social participativa.
Dada perspectiva não considera a população pesquisada de forma passiva; esta participa
de sua condução e planejamento, uma vez que os problemas a serem estudados não
surgem da mera decisão dos investigadores, mas partem de situações elaboradas,
manifestadas pelos sujeitos da pesquisa (GIL, 2010).
Ao se manter o primeiro contato com as Agentes Sociais, sentia-se o
estímulo para conhecer e registrar o significado da participação política para essas
mulheres. Foram, portanto, os primeiros momentos de contato que deram os contornos
das perguntas e suposições seguintes que mediaram esta investigação. A cargo da
vontade dessas mulheres de fazerem-se presentes no cenário da história de Paracuru
novamente e de contribuir com o caminho de estudo, serviram como suporte para os
diálogos travados com as Agentes Sociais e as intervenções no momento de vida das
mesmas.
É significativo registrar ainda que cada etapa pensada e cumprida infundia
ânimo para enveredar por novos desafios, melhorar a comunicação entre os sujeitos
envolvidos na pesquisa e aprimorar o fazer pesquisa, os caminhos a serem seguidos a
partir da condução do grupo-sujeito, respeitando suas particularidades e realizando uma
autocrítica constante sobre o papel de pesquisadora, sobre a condução nos trabalhos e,
principalmente, sobre a história que envolvia pesquisadora e grupo-sujeito, bem como
das imprevisões do campo, principalmente político.
Com base em Le Boterf (1984 apud GIL, 2010), esta modalidade de
pesquisa auxilia os sujeitos envolvidos a identificar os seus problemas, conduzindo-os a
análises sobre as situações que se apresentam de forma crítica e a buscar soluções. As
argumentações teóricas fazem com que se reitere essa modalidade de pesquisa ao
analisar a fala da Agente Social entrevistada, conforme o discurso revelado: “As
58
perguntas, os momentos nos encontros são importantes, despertaram e serviram para
revitalizar as Agentes Sociais” (Agente Social, inserida na diretoria da Associação, em
entrevista realizada no dia 28 de maio de 2014).
Para a pesquisadora os caminhos trilhados nos primeiros momentos da
pesquisa, desde o contato telefônico inicial com a Presidenta da Associação para
explicar a proposta do estudo, bem como nos primeiros encontros por meio dos grupos
de discussão, foram marcados por um sentimento de alerta e tensão, haja vista a
condição política do período. Para a população de Paracuru, principalmente para as
Agentes Sociais e para a administração atual, a pesquisadora era vista também como
uma representante do poder público e opositora da administração, em função de sua
condição de servidora pública ainda na cidade.
Desse modo, sem se perder de vista o papel de questionadora e crítica da
gestão atual, foi necessária a tomada de alguns cuidados, sobremodo com as Agentes
Sociais de Paracuru, que têm no poder governamental um dos meios de articulação
com a sobrevivência. Ao conhecer as atitudes e comportamentos políticos comuns de
uma cidade pequena, era natural, no primeiro encontro, a presença de ex-Agentes
Sociais que estavam presentes como meras observadoras da proposta e que
supostamente somaram um pequeno percentual de alguns personagens da
administração local, preocupados com o retorno da pesquisadora e seu diálogo com os
membros da Associação, ou seja, da sociedade civil, após um ano afastada do cenário
político da cidade.
A observação foi ratificada e registrada no diário de campo aos 25 dias do
mês de novembro de 2013, em conversa com a presidenta da Associação na época, em
um encontro fortuito numa rua do centro de Paracuru. A presidenta relatou que havia
sido abordada por pessoas representantes da administração atual após o primeiro
encontro. Esses indivíduos queriam saber do que se tratava a intervenção da
investigadora, haja vista os aplausos às falas e as considerações positivas a respeito. A
mesma enfaticamente lhes respondeu:
Eu não tenho que dar satisfação a essa pessoa, nem mesmo ao prefeito; a Associação não era da prefeitura. A Associação era das Agentes Sociais (Fala da presidenta à época, após ser questionada acerca do primeiro encontro ocorrido no dia 09 de novembro de 2013 na Colônia de Pescadores de Paracuru).
Esse posicionamento revela a segurança no discurso da representante, o
conhecimento no que tange à legitimidade da Associação no Município de Paracuru,
59
como também no que diz respeito à existência das correlações de forças existentes no
contexto local e as estratégias usadas na construção dos espaços e da autodefesa. Além
disso, é possível perceber também, no discurso supracitado, o quanto os passos da
investigadora estavam sendo acompanhados.
Ao se dialogar ainda com Baptista (2006), parafraseando Pinto e Silva
(1986) ao considerarem que a forma de fazer ciência do Assistente Social está inserida
no universo das ciências sociais, julga-se que cada uma das ciências sociais se
constituem num sistema de produção do conhecimento, que vai se retroalimentando,
relacionado a instâncias de poder, visões e ideologias, havendo, portanto, uma
cientificidade na condução da proposta desta pesquisa. Como bem cita Baptista (2006),
ponderando as análises de autores como Greenwood (1957), Holtz (1966) e Polansky
(1966):
A construção do saber científico se realiza pela acumulação e organização de conhecimentos reunidos ao longo de muito tempo. Para eles, a informação operada pelo assistente social no cotidiano de seu trabalho, no contato permanente com o real, pode ir além do seu caráter de uso imediato, caso seja submetida a um processo de sistematização, a um esquema classificatório que lhe possibilite tornar-se base para estudos de associações e correlações importantes para produção do conhecimento. Mas se essa informação permanece desconectada, será efetivamente, como bem afirma Macdonald (op.cit.: 26), um ‘conhecimento inerte’ (BAPTISTA, 2006, p. 20).
Por fim, pode-se considerar a importância do uso da pluralidade na
realização desta pesquisa, do diálogo entre métodos e dos modelos utilizados como algo
vantajoso. Como assevera Laplantine (2003, p. 81),
A pluralidade é [...] uma das garantias (não a única evidentemente, pois pode haver pluralidade de dogmatismos e ortodoxias) de que nossas pesquisas aceitam sujeitar-se a críticas recíprocas e passar por processos de invalidação (cf. K. Popper, 1937), cada um dos modelos teóricos sendo apenas uma perspectiva sobre o social, e não o próprio social.
Sendo assim, reitera-se a proposta triangular na aplicação dos
procedimentos realizados neste estudo, que teve a finalidade de mediar uma gama maior
de conhecimento (OSTERNE, 2007), de sorte que não se podiam iniciar certos
procedimentos metodológicos se não se partisse do estudo bibliográfico. Tal processo é
uma etapa importante, devido à necessidade de conhecer os estudos já elaborados
pertinentes ao problema colocado para ser investigado, numa tentativa de reforçar a
análise das questões postas pelo objeto.
60
Dessa forma, a pesquisa bibliográfica permite chegar a campos
diferenciados. Para Gil (1999, p. 65), a pesquisa bibliográfica “reside no fato de permitir
ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que
aquele que poderia pesquisar diretamente”.
Uma proposta metodológica importante correspondeu ao uso da pesquisa
documental, ao considerar que foram acessadas informações referentes a dados
atinentes à constituição da entidade em estudo, dos dados sobre o perfil das Agentes
Sociais, registrados na Associação, além das informações coletadas junto à Secretaria
de Articulação Política e Comunitária, órgão da Prefeitura Municipal de Paracuru,
sobre os números de associações existentes, o perfil dos seus dirigentes e outros
dados.
Desse modo, é possível afirmar que a pesquisa documental assemelha-se à
pesquisa bibliográfica. De acordo com Gil (1999), entretanto, a diferença corresponde à
natureza da fonte, uma vez que as fontes da pesquisa em questão não receberam um
tratamento analítico, como já ocorrido na pesquisa bibliográfica.
Outra trajetória metodológica obedeceu ao uso da pesquisa de campo, haja
vista a vontade de se aprofundar sobre o objeto da investigação, de se ter mantido
contato desde a formação das Agentes Sociais com as mulheres que compõem o grupo-
-sujeito do estudo, além da busca em conhecer a condição atual das associadas – isto é,
como são no seu cotidiano, enquanto trabalhadoras assalariadas, desempregadas, chefes
de família, casadas, separadas, solteiras –, e o envolvimento das mesmas no seu fazer
político. Como discorre Osterne (2007, p. 188), pautou-se na argumentação de que “o
campo é visto como recorte espacial correspondente à abrangência das manifestações
empíricas do objeto de investigação”.
Portanto, enveredou-se pelo interesse de conhecer as transformações
cotidianas e históricas acerca das próprias formas, produções, modelos construídos
socialmente, bem como das representações culturais, refletidas ou meramente
reproduzidas na sociedade no contexto e nas redes de relações de força vivenciadas
pelas pessoas envolvidas neste trabalho, ou seja, no seu campo empírico. Sem perder o
foco e a natureza da pesquisa participante, considera-se que essa etapa levou a
investigadora também a conhecer os problemas pertinentes à Associação, tentando,
então, construir formas de solucioná-los num primeiro instante.
É possível afirmar que, ao se utilizar as metodologias abordadas, buscou-se
reconstruir, traduzir e expressar cientificamente os sentidos dos fatos, da vida das
61
mulheres Agentes Sociais. As possíveis mudanças ocorridas foram captadas por meio
das resistências, hábitos, costumes e valores construídos mediante suas relações
familiares e comunitárias, aproveitando-se de um percurso metodológico apaixonante,
despertador, que move sempre a novos caminhos e intervenções.
Urge registrar que, durante o período de 2007 a 2012, o acompanhamento
à entidade não se deu de forma direta, na posição de Assistente Social, mas indireta,
como gestora dos serviços os quais as mulheres estavam diretamente vinculadas ao
seu fazer político, por meio do exercício das funções de coordenadora de
determinados serviços junto à Política de Assistência Social, bem como ordenadora de
despesas da política.
Após a admissão no mestrado, no primeiro semestre de 2013, teve que se
ausentar fisicamente da cidade de Paracuru em função do tempo que necessitaria para
se dedicar ao contato teórico, através do levantamento e leituras das bibliografias a
serem aplicadas à área de conhecimento em estudo e na pesquisa proposta. A partir de
outubro do mesmo ano, reiniciou as visitas ao município. Pode-se dizer que o retorno
à Associação, o momento de diálogo com as Agentes Sociais, forneceu pistas de como
caminhar na trajetória seguinte. Os discursos revelavam uma Associação sem
atividades, mulheres desmotivadas, mas que guardavam consigo histórias de
resistência, de sobrevivência, que precisavam ser relembradas, contadas por elas
mesmas.
As técnicas utilizadas, aquilo que Kastrup e Barros (2010) chamam de
dispositivos, numa perspectiva foucaultiana, serviram como meios para aguçar a
sensibilidade e o despertar para novos olhares, o que propiciou uma aproximação com a
fidedignidade das significações, como lembra Osterne (2007).
Desse modo, recorrendo-se a uma amostra triangular, o uso das técnicas
assumidas seguiu uma sequência de aplicabilidade e possibilitou que se chegasse aos
dados que serão elucidados no próximo capítulo. Tais técnicas proporcionaram a
observação e o acompanhamento do movimento das subjetividades, com o auxílio
delas, foi possível observar o que estava nas entrelinhas, o que favoreceu a ir além
do que Deleuze e Guatarri (1996), segundo Esmeraldo (2006), chamaram de
segmentaridade molar, que consiste naquilo que está posto, fixo, e chegar à
segmentaridade molecular, que se expressa no campo do desejo, nos planos de fugas
para viver a suas diferenças.
62
Não se pode deixar de elucidar que foram percebidas ainda as questões que
se assentam no campo macro, que compõem as decisões de uma estrutura econômica e
política arcaica que vem sendo fortalecida ou reconstruída pelos atores sociais e
políticos deste país; ao se considerar o lócus da pesquisa, pode-se afirmar que ocorre o
mesmo. Os interesses, principalmente os econômicos na tomada de decisão acerca das
políticas públicas, a visão clientelista e assistencialista das mesmas, sobremaneira
quando se recorre às leituras sobre as práticas existentes no desenvolvimento da Política
de Assistência Social, perpassadas pelas ideias de inovação e conservadorismo, como
bem analisam Bering e Boschetti (2009).
Desse modo, foram utilizadas técnicas como a da discussão em grupo, da
entrevista episódica e da entrevista semiestruturada, com base nas perspectivas de
Flick (2009) e Gil (1994), sem deixar de recorrer ao conhecimento do método dialogal
trabalhado por Paulo Freire (1999, 2005). Ao se considerar as técnicas elucidadas,
propõe-se a produção de uma breve explanação a respeito da sua compreensão nos
próximos parágrafos e a descrição de como se deu seu uso no decorrer da pesquisa.
Como já mencionado, ao se estabelecer o primeiro contato com a
Presidenta da Associação, esta se mostrou muito acolhedora e disponível a se
envolver na proposta da pesquisa. No que tange ao seu período na direção da
Associação, vale salientar que ela a dirigiu por um período de 04 anos, chegando seu
mandato ao fim no mês de julho de 2014. A Presidenta, no primeiro diálogo,
informou que levaria a informação inicial atinente ao meu retorno às demais
representantes da diretoria e que, na sequência, marcaria o primeiro momento para a
apresentação do pré-projeto da investigação.
O primeiro encontro aconteceu no dia 09 de novembro de 2013, tendo
como espaço a Colônia dos Pescadores de Paracuru. Ao todo, 21 (vinte e uma)
mulheres compareceram, entre Agentes Sociais e mulheres que não mais compõem a
Associação, além da presença da primeira facilitadora, Alessandra Masullo, que
participou das primeiras capacitações realizadas junto ao grupo de mulheres para o
processo de formação das mesmas, ainda em 2006, e do estudante Pedro Igor, do
Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE), residente da
cidade de Paracuru, ambos na condição de observadores do processo.
Nesse sentido, cabe destacar que os primeiros encontros foram
importantes para a compreensão do objeto de investigação e de intervenção. A partir
dos primeiros momentos, foi possível perceber os objetivos e hipóteses iniciais e até
63
onde se poderia caminhar com os recursos metodológicos disponíveis e com o tempo
para o alcance dos primeiros dados da pesquisa participante. Dentre esses dados,
destacam-se as percepções, as reflexões, as análises sobre as condições atuais das
Agentes Sociais, suas histórias e as questões mais objetivas concernentes à formação
da entidade.
As trajetórias de encontros sistematizados com as Agentes Sociais de
Paracuru, neste momento metodológico do fazer ciência, foram sendo trabalhadas a
partir de uma técnica de interação coletiva, ou seja, por meio da discussão em grupo.
Para Flick (2009, p. 82), as discussões em grupo,
Correspondem à maneira pela qual as opiniões são produzidas, manifestadas e trocadas na vida cotidiana. Outra característica das discussões de grupo é que as correções por parte do grupo – no que diz respeito a opiniões que estejam corretas, que não sejam socialmente compartilhadas ou que sejam radicais – são disponibilizadas como meio de validar enunciados e pontos de vista. O grupo transforma-se em uma ferramenta para a reconstrução de opiniões individuais de forma apropriada.
Outra questão posta nessa perspectiva é que o grupo tornou-se favorável a
análises de processos comuns de problemas a serem solucionados dentro de seu próprio
seio (FLICK, 2009). Os momentos construídos com o grupo foram favoráveis a um
diálogo, sobretudo em torno da trajetória de formação das mulheres Agentes Sociais,
um retorno contextualizado do início e implantação do projeto no qual as mesmas se
conheceram.
No primeiro encontro do grupo, intentou-se provocar discussões por meio
da utilização de frases questionadoras afixadas nas paredes da Colônia. Essas frases
versavam sobre assuntos do cotidiano, como onde moravam atualmente, se ainda
estavam estudando, se estavam casadas ou solteiras, se trabalhavam, se desejavam
algo naquele momento, se já haviam conquistado algo com a inserção no projeto,
dentre outras. Com isso, buscava-se a percepção que as mesmas tinham sobre elas
enquanto mulheres, seus sonhos, perspectivas para o futuro, condição de moradia e
como estavam atualmente se sentindo. Nesse momento, com o intuito de abranger
tanto aquelas mulheres que se sentiam acanhadas em falar publicamente como aquelas
que não se sentiam à vontade com a escrita, permitiu-se-lhes que tivessem plena
liberdade para se expressar como se sentissem mais confortáveis, tanto oralmente
como por meio da escrita, obtendo, pois, essas duas formas de resposta.
64
Figura 11 – Agentes Sociais em atividade realizada no primeiro encontro coletivo realizado no dia
09/11/2013; Figura 12 – Perguntas geradoras de reflexão para identificação da realidade das
Agentes Sociais
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2013).
Muitas iniciaram relatando as mudanças ocorridas na vida. Dialogaram sobre
determinadas perspectivas, como o porquê da presença no encontro, confirmando algumas
questões que já percebidas com as primeiras falas da Presidenta e demais membros da
diretoria a respeito da presença da pesquisadora. De uma forma geral, mostraram-se
satisfeitas por contribuírem com o estudo, uma forma de retribuir algo que haviam ganhado
com o trabalho desenvolvido a partir de 2005 e de alimentar a esperança infundida pela
perspectiva de resgate do trabalho da Associação.
Figuras 13 a 16 – Resultado de uma das primeiras atividades conseguidas no primeiro encontro do
grupo realizado com as Agentes Sociais no dia 09/11/2013
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2013).
65
Os enunciados quanto à motivação da participação na pesquisa tornaram-
se uma preocupação constante nesta fase da investigação, devido ao fato de as
mulheres passarem a acreditar apenas no papel do mediador, do articulador, que não
conseguissem olhar para si, de perceber a trajetória que trilharam até chegar aos
espaços que ocupam atualmente. Receava-se que elas se condicionassem sempre a
esperar pela presença de um membro externo que desempenhasse o papel de líder, de
onipotente. Essa preocupação por um momento foi desmistificada sobremaneira no
último encontro, ocorrido em julho de 2014, quando se percebeu uma autonomia, uma
postura firme e decidida por parte das mulheres que compunham a diretoria. Foi
possível observar nelas uma vontade de fazer algo, sem precisar do auxílio da
investigadora, especialmente como mediadora, na tomada de decisão por parte da
Associação acerca dos planos futuros da entidade. Eis o discurso de uma Agente
Social sobre o assunto:
Não quer dizer que é só a presidenta e secretária [à frente para buscar resolver os problemas], nós somos a Associação, nós somos todas associadas. E a gente continua acreditando. Porque eu lhe digo uma coisa: se nós não continuássemos acreditando, nós não estaríamos aqui (Agente Social, discurso proferido em encontro realizado no dia 10 de julho de 2014. A Agente é atual representante do Conselho Fiscal da Associação das Agentes Sociais).
Ao longo do percurso, sempre se buscou construir uma retrospectiva
dialogada sobre a vida e as manifestações atuais no cotidiano de cada sujeito presente
nas discussões em grupo. Dentre as manifestações, convém citar discursos como o
relatado a seguir, extraído após o uso de uma técnica dialogal e de estímulo às narrativas
sobre os cursos das Agentes Sociais.
Eu acho que a gente é tão grata também pelo que aconteceu no passado, que, independente de algumas tristezas e dificuldades, a gente vai encarar sem medo [...] o que vier futuramente. A gente vai poder abrir os olhos e encarar sem medo e tentar conseguir os nossos objetivos (Agente Social, em encontro do grupo de discussão realizado no dia 14 de dezembro de 2013).
As próximas figuras ilustram melhor as Agentes Sociais no processo de
reconstrução das suas trajetórias pessoais e de participação política por meio do Grupo
implantado em 2005 e da efetivação deste grupo de Agentes na Associação. Nesse
momento, utilizou-se, de certa forma, da entrevista episódica, que será descrita na
sequência dos parágrafos. Tentou-se provocar também o estímulo à escrita em cartolina
dos períodos cronologicamente vividos pelas Agentes Sociais, para que realmente
66
ficassem marcados na memória das mulheres o quanto já haviam caminhado e, por
óbvio, para levantar temas a serem discutidos, do que havia de significado para elas,
bem como de sentido acerca das responsabilidades assumidas, da percepção que as
mesmas tinham sobre a inserção nos espaços, principalmente fora do lócus doméstico.
Ademais, buscou-se observar as repercussões suscitadas pelas temáticas abordadas,
como se pode observar no excerto a seguir.
Figuras 17 e 18 – Registro das intervenções realizadas no segundo encontro do grupo com as
Agentes Sociais no dia 14/12/2013
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2013).
Em 2010, ingressei no CREAS [Centro de Referência Especializado da Assistência Social]. Com o meu primeiro salário mínimo, eu comprei a minha geladeira [risos da relatora e das demais do grupo neste momento]. E fui crismada também [uma expressão de orgulho ao expor este fato] em 2010. Foi muito gratificante comprar a minha primeira geladeira. Quando o cheque chegou, eu olhei assim [fez o gesto com as mãos, como se estivesse pegando o cheque, e expressou um grande sorriso] nunca tinha pegado no salário mínimo, foi uma sensação maravilhosa poder destrocar o cheque e comprar uma geladeira, pois não tinha uma (Agente Social, discurso proferido no grupo no dia 14 do mês de dezembro de 2013. Esta fala é da Presidenta da Associação à época, que se inseriu nas atividades de um serviço da proteção especial na área da Assistência, após passar por um processo seletivo. Ela, contudo, continua vinculada às atividades da Associação).
Ao seguir-se com a proposta de uma pesquisa participante, considera-se que
esta ainda não teve seu fim e que não foi possível alcançar, na sua totalidade, a
elaboração de elementos mais consistentes que pudessem objetivar mudanças mais
profundas nos problemas encontrados na Associação. Entretanto, para essa etapa, no
caminhar desta pesquisa, chegou-se a constituí-la em sete momentos, sendo analisada
enquanto processo necessário para a coleta dos dados desejados.
Assim, houve 06 encontros coletivos e uma etapa correspondente às
entrevistas individuais, que ocorreu de forma paralela a muitos encontros. O primeiro
67
encontro aconteceu no dia 09 de novembro de 2013, acontecendo o seguinte no dia 14
de dezembro de 2013; os encontros do ano de 2014 aconteceram no dia 11 de janeiro,
27 de março, 14 de junho, sendo o último realizado no dia 10 de julho. Dentre essas
reuniões, urge fazer menção à realizada no dia 27 de março de 2014, quando se
buscou conhecer as reflexões sobre o processo de socialização vivenciado pelas
Agentes Sociais de Paracuru, ao se reiterar a tentativa de compreensão dos sentidos
dados à participação política e saber como elas se sentiam atualmente frente aos
desafios postos à Associação.
Desse modo, definiu-se uma temática específica para o trabalho em grupo: a
alusão ao mês da mulher. Foram utilizados slides e vídeos. Nesse momento, explorou-se
bastante o diálogo de Agentes Sociais que não haviam participado dos encontros
anteriores. Com relação ao espaço da atividade, ocorreu no próprio município de
Paracuru, em um buffet que nos foi cedido. Ali se compartilharam recordações do
processo de engajamento das mulheres Agentes Sociais, das políticas implantadas no
Município e da participação feminina na política, o que levantou a reflexão de muitas
quanto ao significado de sua permanência na Associação, sobretudo dos laços que as
uniam: a relação de amizade, a construção de uma família constituída por mulheres que
passavam às vezes pelos mesmos problemas e que buscavam entre elas apoio,
compreensão e ajuda mútua.
Nesse encontro, praticamente todas as Agentes Sociais, tanto as que
atualmente constam ainda associadas como as que já se desfiliaram, estavam presentes
no evento, um total de 27 mulheres. Todas estavam usando roupas de festa, entre
adereços e maquiagens, estimuladas pelo ambiente externo e fora do contexto dos
encontros anteriores. Elas demostravam entusiasmo, alegria e descontração, pareciam
satisfeitas, pois significava mais um momento de reconhecimento do trabalho das
Agentes Sociais. Nessa ocasião, a figura da pesquisadora mais uma vez foi exaltada,
numa representação de alguém que não havia esquecido a importância daquelas
mulheres no contexto atual que as mesmas vivenciavam, ou seja, sem projetos, sem
intervenções diretas por meio do coletivo junto à comunidade.
Ao se analisar os discursos delas, é possível suscitar que houve uma
situação de extrema confiança no papel da investigadora, sobremodo de interventora de
processos, como já aventado anteriormente, o que pode ser visto na fala logo a seguir,
quando uma das Agentes Sociais revela seu sentimento ao poder participar de um dos
encontros coletivos promovidos.
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Eu estar aqui neste reencontro é uma alegria, eu estava contando os minutos para esse reencontro [...] esse foi inesperado [...] eu não sei nem o significado daqui pra frente, a gente ainda vai ter oportunidade de se encontrar outras e outras vezes [...] E, ao falar do projeto Asef, [...] todas [as demais Agentes Sociais] têm uma importância para mim. Todas, eu sinto como uma [membro] família. Para mim foi uma família que me acolheu [...] uma palavra amiga que me fortaleceu e eu permaneci [...]. Para mim a Associação ainda existe e eu ainda tenho a esperança de voltarmos a desenvolver trabalhos significantes, como nós já desenvolvemos com tantas famílias no Município. Embora o conhecimento, eu tive de lidar com famílias diferentes, encarando a realidade [...] e era a gente que estava de frente e muitos problemas a gente não podia resolver [...] mas estávamos para acolher e ser acolhidas [pela família atendida]. E eu me senti muito satisfeita porque construí muitas amizades [...] E eu só penso nesse momento que eu vou ter muita fé em Deus que a Lidiane, como muitos que passaram no nosso caminho, no nosso dia a dia [...] ela foi uma que nunca nos abandonou, nunca esqueceu a gente (Discurso de uma Agente Social e liderança comunitária que fez parte do primeiro grupo de mulheres, mas que se desvinculou por um período, quando deu acesso a uma das filhas para participar do grupo que logo se constituiu na Associação. Atualmente faz parte da diretoria. Encontro realizado no dia 27 de março de 2014).
Contudo, é importante destacar que a investigadora, nesta etapa da pesquisa,
atenta à necessidade do estranhamento em relação ao objeto da investigação, considera
que não houve qualquer comprometimento que por ventura inviabilizasse a pesquisa,
pois, mesmo com sua aproximação à realidade das mulheres Agentes Sociais, percebeu
que existem entre elas as diferenças que decorrem das experiências, contextos sociais e
vidas, o que, de certa maneira, com base em Souza (2014), acaba provocando um
distanciamento entre a pesquisadora e o grupo-sujeito da pesquisa.
Ao citar-se ainda Souza (2014), apud Magnani (2002), a partir de uma
etnografia realizada sobre as meninas do funk22 da Barra do Ceará acerca do processo de
estranhamento, esta emite a seguinte releitura:
Ao apreender os significados dos arranjos do nativo e descrevê-lo de acordo com o seus conhecimentos teóricos, o pesquisador consegue construir um sistema de referências onde tem lugar o seu ponto de vista, o ponto de vista dos pesquisadores, os erros de um sobre o outro, podendo assim construir uma experiência alargada (MAGNANI, 2002 apud SOUZA, 2014, p. 39).
Os passos dados com as mulheres Agentes Sociais não partiram de uma
proposta etnográfica, contudo, intentou-se, ao longo do resgate das memórias, do
discurso do cotidiano das mesmas, construir uma experiência densa, sempre retornando
nas discussões aspectos da história do grupo que revelassem detalhes relacionados à 22 Para Souza (2014, p. 53), conforme a leitura de Medeiros (2006, p. 13), o termo funk origina-se do
inglês, que significa “ofensivo”, “mal cheiroso”, um termo associado ao sexo, haja vista que os negros americanos o utilizavam enquanto gíria para designar o odor do corpo durante as relações.
69
participação política. Por fim, procurou-se alargar a zona de conhecimento das mulheres
e conhecer sobre as suas experiências no âmbito privado e público.
Como dizem Santos, Osterne e Almeida (2014, p. 33), é preciso atentar
principalmente para as disposições incorporadas tanto pela investigadora como pelos
sujeitos pesquisados por meio do repertório linguístico e das “experiências acessíveis dentro
dos espaços de socialização que vivemos”. Dessa forma, os estudiosos registram a
necessidade de atenção e compreensão sobre essas disposições e questões teórico-
-metodólogicas que acabam por influenciar as práticas e tomadas de decisão, sendo
fundamental essa atenção no momento da análise da pesquisa, para que efetivamente se
possa debruçar sobre as informações que as técnicas – no caso, os autores trabalhavam a
descrição a respeito das entrevistas – “trazem para obtenção dos resultados e sistematização
do conhecimentos” (SANTOS; OSTERNE; ALMEIDA, 2014, p. 33).
Figuras 19 e 20 – Encontro realizado no dia 27/03/2014, em alusão ao mês da mulher, que culminou
numa maior integração das Agentes Sociais
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2014).
Nesse sentido, com o percurso metodológico escolhido para realizar esta
pesquisa, não se podia deixar de enunciar o quanto o mesmo é aguçador e provocativo
a mudanças. Dessa maneira, observou-se que os encontros e as demais técnicas
utilizadas também revelaram dados que já foram identificados e reelaborados pelas
Agentes Sociais; os mesmos estão sendo usados como instrumento de pressão, na
busca pela continuidade da Associação. Nessa esteira, a metodologia utilizada
propiciou elementos para diagnóstico, para captação de diversos aspectos da vida
dessas mulheres, como também para as tentativas de fortalecimento do grupo das
mulheres Agentes Sociais.
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Figura 21 – Primeiro encontro do grupo realizado com as Agentes Sociais no dia 09/11/2014, em
destaque o adereço na sala da colônia dos pescadores de Paracuru; Figura 22 – Quinto encontro do
grupo realizado com as Agentes Sociais no dia 14/06/2014
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora (2014).
Para exemplificar, delinear-se-á um detalhe percebido entre as figuras
ilustradas acima, fonte das fotografias e demais mídias verificadas através da utilização
de câmeras fotográficas e de aparelhos captadores de áudio empregados enquanto
instrumentos de apoio no processo de investigação das técnicas selecionadas. Esses
recursos possibilitaram a observação de certas particularidades que em determinados
momentos não era possível captar.
A foto do coletivo claramente mostra a estatueta de uma entidade católica
fixada ao centro da parede do espaço da Colônia. Essa mesma manifestação pode ser
encontrada em muitas das casas das mulheres pesquisadas, é uma amostra do perfil
religioso da cidade de Paracuru. Segundo dados do IBGE (2010), o número de pessoas
pertencentes à religião católica apostólica romana correspondia a 24.967 pessoas, ao
passo que a espírita chegava a 30 indivíduos e a evangélica, a 5.076 habitantes. As
pessoas envolvidas com religiões de matriz africana não foram citadas no quadro síntese
do IBGE. Essas observações também foram encontradas nos discursos proferidos pelas
participantes nas atividades do próprio processo grupal, como em entrevistas realizadas
nas residências das mulheres Agentes Sociais.
Isto posto, serão apresentadas as demais técnicas das entrevistas enunciadas
anteriormente. Quanto à entrevista episódica, utilizada com o grupo, conforme Flick
(2009), é uma técnica que “parte da suposição de que as experiências de um sujeito
sobre um determinado domínio sejam armazenadas e lembradas nas formas de
conhecimento narrativo-episódico e semântico” (p. 172). Para o autor, o conhecimento
episódico está mais próximo às experiências, enquanto o semântico está baseado em
71
suposições e em relações abstraídas destas e generalizadas. A seguir, um exemplo do
que se colheu com os dados no primeiro encontro com as Agentes Sociais.
Eu acho que essa frase que fala do passado veio bem a calhar nessa manhã, porque quando a gente vê o passado, o presente, o futuro a Deus pertence [...] quando se volta ao passado das agentes sociais [...] foi muito bom o passado, e quando você olha para o passado, os erros que você cometeu, se prestar atenção, você não vai mais cometer. No presente você não vai mais cometer o mesmo erro. E o futuro você não tem medo de encarar, de chegar aonde quiser [...] (Agente Social, discurso proferido no encontro realizado no dia 14 de dezembro de 2013).
A utilização dessa técnica deu um suporte para se encontrar situações ou
episódios que, para as entrevistadas, mostraram-se importantes a partir das suas
experiências com a constituição do projeto no qual foram inseridos, principalmente
quanto ao início do processo de organização de participação das mulheres Agentes
Sociais. Dessa forma, levantaram questões importantes também para o estudo. Ao se
partir da proposta de uma pesquisa participativa, o diálogo entre pesquisadora e
pesquisadas foi tomado por perguntas que suscitaram sentimentos, lembranças e
reações.
Segundo Paulo Freire (1999), na aplicabilidade de uma das etapas do seu
método, utilizando-se de uma base dialogal, este argumenta que as entrevistas são
capazes de revelar “anseios, frustrações, descrenças, esperanças também, ímpeto de
participação, como igualmente certos momentos altamente estéticos da linguagem do
povo” (p. 120). A ilustração dessa questão pode ser plasmada na fala de uma Agente
Social, proferida no último encontro de discussão em grupo, quando se debatia a
situação da Associação no que dizia respeito à ausência de convênios com a Prefeitura,
o que ocasionava um afastamento mais direto e ativo das Agentes Sociais aos problemas
da comunidade.
A gente não pode desistir dos nossos sonhos, hoje não deu certo, eu vou continuar correndo atrás. Não podemos desistir na primeira dificuldade. Porque dificuldade a gente enfrenta todo dia [...], temos que fazer dos nossos sonhos realidade. Obstáculos existem todos os dias [...] (Agente Social, discurso proferido em encontro realizado no dia 15 de julho de 2014. À época, atuava como primeira secretária da Associação).
Outra modalidade utilizada no contexto do contato com as Mulheres
Agentes Sociais grupo-sujeito da pesquisa foi a entrevista semiestruturada, numa
proposta de complementaridade às modalidades anteriores. Tal modalidade foi aplicada
de forma individual, numa tentativa de se alcançar ainda mais os objetivos propostos.
72
Com as entrevistas semiestruturadas, objetiva-se conhecer algo sobre
determinado assunto através de pautas que orientam o diálogo entre o pesquisador e seu
interlocutor (GIL, 1994). No caso ora em tela, as entrevistas foram realizadas no
ambiente doméstico das mulheres Agentes Sociais e ainda nos espaços de trabalho,
nestes últimos com a devida autorização dos proprietários ou responsáveis legais. Dessa
forma, as entrevistas foram trabalhadas a fim de obter informações concernentes àquilo
que as pessoas sentiam, desejavam, sabiam, esperavam, além das suas expectativas e
dos seus objetivos buscados (GIL, 2008).
Vale salientar que as entrevistas realizadas no ambiente de trabalho, de certa
forma, acabavam por provocar na pesquisadora certo incômodo, haja vista a hipótese de
as pessoas não conseguirem diferenciá-la da militante crítica e questionadora de
determinadas políticas que vinham sendo realizadas no Município. Entretanto, em
alguns casos, era a única forma de se conseguir as entrevistas, como o caso da Agente
Social que passava o dia trabalhando no comércio local e que só chegava em casa
depois das 23h. Uma das entrevistas, por exemplo, foi realizada na calçada do comércio
onde ela trabalhava, em pleno domingo. O fato de estar em seu contexto laboral, não a
impediu que ficasse bastante emocionada e sensível à causa da Associação, relatando as
condições para sua inserção no grupo e por que atualmente encontra-se mais afastada. A
Agente queixou-se da falta de articulação do poder público com a Associação. Ela
acredita que não há um olhar sobre o papel das Agentes Sociais por parte dos gestores.
De acordo com o seu discurso, os agentes políticos hoje não têm consideração ao
trabalho das mulheres vinculadas à Associação, diferentemente da época da campanha
eleitoral de 2012, quando haviam se aproximado das Agentes Sociais e tinham se
comprometido a apoiar o trabalho das mesmas.
Conseguiu-se entrevistar individualmente 11 (onze) Agentes Sociais,
entretanto, uma delas desistiu da entrevista, comunicando de sua desistência por meio
de uma técnica da Secretaria de Desenvolvimento Social, com a qual tem uma relação
profissional, uma vez que a mesma é subordinada hierarquicamente a esta técnica no
desempenho das suas funções enquanto educadora social. Isso fez com que se
considerassem as implicações político-partidárias dessa sua postura, uma vez que a
Agente, em outros momentos, levantou o questionamento a respeito da ausência de
diálogo entre Associação e Prefeitura em decorrência do envolvimento que a
Associação tinha com administrações passadas, às quais tanto a pesquisadora como
determinadas Agentes Sociais estavam vinculadas.
73
As outras entrevistas foram realizadas junto a duas ex-gestoras da Política
de Assistência Social, de maneira que uma fez parte do processo inicial na formação do
grupo de Agentes Sociais e a outra da sua constituição legal enquanto Associação. Essas
mulheres representantes da gestão provêm de um contexto familiar e social bem
diferente do das Mulheres Agentes Sociais, pois possuem formação universitária, são
casadas e têm idade entre 39 e 76 anos. Elas trazem na experiência política a marca do
capital familiar23 quanto à tradição assumida na gerência das políticas públicas. As
mesmas compõem parte do universo de informantes colaterais.
Uma dessas mulheres, a que geriu a política de 2007 a 2009, com um
currículo de inserção no Poder Legislativo, foi no Município uma das representantes do
primeiro-damismo na área da Assistência, por um período aproximado de 04 anos, de
forma que carregou por um longo tempo a marca da realização de trabalhos sociais
junto às famílias mais carentes da cidade. A outra representa o marco emergencial das
inovações da Política de Assistência Social, que teve, principalmente a partir de 1993,
as novas diretrizes para tornar-se uma política a ser garantida ao cidadão como direito
do mesmo e dever do Estado.
Ao se considerar ainda necessário conhecer um pouco mais da intervenção
das Agentes Sociais sob a ótica de duas famílias acompanhadas pelas Mulheres Agentes
Sociais a partir do período de 2005, foram realizadas duas entrevistas às famílias
representadas por mulheres provedoras, que participaram de atividades desde a
implantação do grupo das Agentes Sociais, isto é, desde as primeiras reuniões
executadas pelo grupo no ano supracitado.
Tentou-se também por três vezes entrevistar ex-coordenadoras dos
Programas vinculados à Assistência que estiveram presentes nos trabalhos
desenvolvidos pelas Agentes Sociais junto aos Centros de Referência da Assistência
Social durante os anos de 2011 e 2012. Essas tentativas, no entanto, foram frustradas, de
maneira que a pesquisadora teve que recorrer ao uso da tecnologia para enviar-lhes
algumas perguntas por e-mail. Nas primeiras tentativas junto às ex-coordenadoras
Assistentes Sociais, estas, ainda exercendo funções na gestão da Prefeitura Municipal de
23 Pinheiro (2007, p. 87 apud Rabay, 2008, p. 207), com base em Bourdieu, adotou uma tipologia para
classificar a participação da mulher no âmbito da política, destacando quatro possibilidades de capital político: capital familiar; capital oriundo dos movimentos sociais; capital delegado da ocupação de cargos públicos/ políticos e por último o capital convertido de outros campos que não o político. Contudo, a referência destas mulheres em destaque seria viável a uma aproximação com o que o estudioso destacou por capital familiar em razão do já registrado em decorrência do que se deixa de legado ou delegado por parte das famílias que têm uma tradição política.
74
Paracuru, mostraram-se disponíveis ao contato pessoal, todavia não concretizaram tal
disposição para a realização das entrevistas, num tempo programado, o que fez com que
a investigadora optasse por ouvir uma ex-coordenadora que já não estava mais no
Município. Ela se dispôs a atender as perguntas, que foram enviadas e respondidas por
e-mail. Posteriormente a este processo de contato e de espera, das duas contatadas
pessoalmente, como citado anteriormente, apenas uma ex-coordenadora presente e
residente no Município respondeu as questões por correio eletrônico.
Esses aspectos fazem com que se reflita sobre os significados dessas
posturas profissionais que acabam por representar uma cultura política muito presente
nos municípios a partir de um habitus marcado por questões partidárias. É interessante
lembrar que a pesquisadora fez parte, ao longo de 12 anos, de uma elite dominante no
Município de Paracuru, haja vista sua permanência na gestão das políticas públicas
durante o período de 2001 a 2012. Vale mencionar ainda que muitos projetos foram
implantados e implementados durante tal período e que os mesmos foram gerados por
técnicos das ciências aplicadas, sendo, portanto, a Associação das Agentes Sociais uma
representação dessa dinâmica.
Dessa maneira, é possível afirmar que se leva essa marca para os diversos
espaços da cidade, principalmente se for considerada a leitura crítica de Iamamoto
(1992) no que tange ao papel de profissionais como os Assistentes Sociais, cujas ações
sempre recaem no campo político24. Portanto, no contexto das estruturas hegemônicas
existentes na cidade, a elite dominante atual, na busca por demarcar seus territórios e
por cooptar novos intelectuais orgânicos25, impõe regras e limites, muitas vezes
simbólicos, que podem ser traduzidos a partir de comportamentos como os citados.
Outro recurso utilizado como instrumento auxiliar nas análises da
pesquisadora foi o diário de campo, onde dispôs as observações sobre as discussões, 24 Segundo Iamamoto, o Assistente Social, ao desenvolver seu trabalho, “é solicitado não pelo caráter
propriamente técnico-especializado de suas ações, mas antes e basicamente pelas funções de cunho ‘educativo’, ‘moralizador’ e ‘disciplinador’ [...] [Assim,] o assistente social aparece como profissional da coerção e do consenso, cuja ação recai no campo político” (1999, p. 42).
25 Esse termo é utilizado para exemplificar as relações existentes entre os técnicos que fizeram parte das gestões de 2001 a 2012 e os que atualmente compõem a administração, assumida em 2013, esta, por sua vez, opositora do grupo anterior. Embora não se considere que houve mudanças quanto ao modo de produção ao qual estes intelectuais se vinculam, a partir da compreensão gramsciana (PORTELLI, 1977), a caracterização serve para demarcar as relações existentes entre muitos desses profissionais, ou seja, uma relação de oposição aos intelectuais tradicionais. Estes últimos, no caso representados por técnicos das administrações anteriores. Também é possível afirmar que o corpo de intelectualidade existente no Município vinha mantendo certas posturas em decorrência da luta pela sobrevivência, tendo em vista as condições salariais e demais condições precárias em que vivem, inclusive os trabalhadores sociais nos municípios do país, mas isso não significa que não haja pontos de resistência e ruptura com o poder constituído.
75
decisões e manifestações após o uso das técnicas, bem como as observações pertinentes
à dialética da cidade.
Após a transcrição das discussões, narrativas coletadas no decorrer do
processo de aplicação das técnicas, as entrevistas foram transcritas para que se passasse,
então, à etapa de análise dos dados. Como é cediço, os dados não representam coisas
isoladas, nem fixas, eles “manifestam-se em uma complexidade de oposições,
revelações e ocultamento”, como analisa Osterne (2007, p. 191). Utilizou-se o estudo do
discurso para alcançar as questões que foram levantadas enquanto problema
investigado. Partiu-se das considerações de que essa modalidade tem a pretensão de
interrogar os sentidos estabelecidos em diversas formas de produção. De acordo com as
estudiosas Caregnato e Mutti (2006, p. 680), os sentidos podem ser produzidos,
podendo ser “verbais e não verbais, bastando que sua materialidade produza sentidos
para interpretação; podem ser entrecruzadas com séries textuais (orais ou escritas) ou
imagens (fotografias) ou linguagem corporal (dança)”.
Pode-se dizer que o trabalho com a categoria discurso se ocupou da
produção de sentidos e das ideologias materializadas nas falas das mulheres-sujeito
desta investigação. Para Orlandi (2009 apud ALÓS, 2012, p. 389), o discurso é “palavra
em movimento, prática de linguagem”. Nas leituras foucaultianas, o discurso “não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por
que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2012, p.
10).
Por fim, intenta-se seguir, neste estudo, as regras necessárias para que não
se incorra à supervalorização dos dados empíricos e nem às construções teóricas, como
pondera Gil (1999). Sob o prisma da ética, pretende-se ir muito além de uma
sistematização das práticas. Deseja-se aqui aguçar novos saberes, para que sirvam de
inspiração para outros pesquisadores, sobretudo para reflexões críticas acerca das
práticas políticas, considerando-se toda a seriedade de um trabalho científico.
As pessoas de referência desta pesquisa, como anteriormente enfatizado,
fazem parte da Associação das Agentes Sociais de Paracuru, entidade sem fins
lucrativos composta por 25 (vinte e cinco) mulheres. Contudo, a amostra desta pesquisa
foi representada pelo quantitativo de 10 (dez) mulheres, que compõem a diretoria da
Associação e demais membros da entidade, representantes da assembleia geral.
No primeiro momento, aventou-se a ideia de contemplar especialmente as
mulheres que iniciaram o processo de formação do grupo Agentes Sociais a partir de 2005.
76
Entretanto, a dinâmica na composição da técnica de discussões em grupo forneceu
elementos para novas formas de composição das mulheres-sujeito deste trabalho, em
especial para a participação nas entrevistas individuais. Assim, identificou-se, portanto, que,
no decorrer do uso da técnica, quais mulheres participavam com mais assiduidade e quais
só haviam ido apenas uma vez. Vale salientar que a primeira discussão em grupo alcançou
um percentual de 68% das mulheres Agentes Sociais ativas na Associação, ou seja, 17
(dezessete) mulheres.
No que diz respeito às mulheres que viveram intensamente os diálogos nas
discussões em grupo, urge mencionar que 06 (seis) participaram da formação do
primeiro grupo de Agentes Sociais em 2005; enquanto 03 (três) destas fizeram parte da
segunda formação praticamente em 2007, e 01 (uma) compôs uma das últimas
formações do grupo de Agentes Sociais em meados de 2010.
Desse modo, ao se considerar os 06 grupos realizados, correspondente à
técnica de interação coletiva, pode-se precisar que uma média de 12 (doze) mulheres
participaram sistematicamente das discussões. Destas, 06 representavam a diretoria, o
que significa que já estavam desde o início como certas a comporem o grupo de
mulheres que passariam pela etapa individual, isto é, pelas entrevistas semiestruturadas.
As demais foram sendo selecionadas de acordo com o perfil já descrito, a saber: pelo
período de participação na Associação e pela média de participação nas discussões em
grupo. Considerou-se 04 (quatro) mulheres que constituíam a representatividade do
corpo maior da entidade, ou seja, que compõem a Assembleia e que não tem um cargo
na diretoria. Pode-se dizer que das 04 (quatro) selecionadas para entrevista: 01 (uma)
participou no máximo de 03 encontros, uma segunda participou de 02 e outra participou
apenas de 01 encontro.
Diante do apresentado, passou-se a considerar essas 10 (dez) mulheres26
enquanto amostra primária da pesquisa, junto às questões postas por aquelas que
atuavam mais próximas às execuções das decisões da entidade e das que se mostraram
mais afastadas das discussões em grupo. Essas mulheres foram consideradas, portanto,
o grupo-sujeito da pesquisa, este entendido, segundo Guattari (1985), como um grupo
que se autoconhece e busca o lugar do seu desejo/ação, percorrendo caminhos e
26 É importante esclarecer que foram selecionadas 10 mulheres para participar das entrevistas
individuais, contudo, com a desistência de uma das Agentes Sociais selecionadas, com a devida aceitação do seu pedido de cancelamento do material coletado, partiu-se para a seleção e entrevista com outra mulher que estivesse no mesmo perfil da desistente. Por isso, há 11 entrevistas, não obstante, apenas 10, conforme a meta estabelecida, foram validadas.
77
leituras de suas singularidades. Com esse grupo, adentra-se na questão investigativa
deste estudo e vivenciam-se os procedimentos metodológicos da pesquisa.
Das 10 (dez) Agentes Sociais em questão, todas tinham o Ensino Médio
concluído quando iniciaram no grupo Agentes Sociais. Das 10 (dez) mulheres de
referência da pesquisa, com uma média de 27 anos de idade, 50% estavam solteiras e
50% registraram que estavam casadas ou que viviam uma união estável.
Aproximadamente 80% recebiam benefícios de transferências de renda concedidos
pelo Governo Federal. A renda de praticamente 90% dessas mulheres não chegava a ¼
do salário mínimo no ano de 2005, que nesse período chegava a R$ 300, 00 (trezentos
reais), segundo Lei Federal n.º 11.164/200527. Conforme uma das entrevistadas, a
renda da família no período não ultrapassava os R$ 50,00 (cinquenta reais).
Entretanto, foi possível perceber um quadro bem diferente na condição de
rendimento dessas mulheres até o período da última entrevista, realizada em 2014.
Conforme dados fornecidos pelas mesmas, 80% delas hoje chegam a um rendimento
mensal de 01 salário mínimo. As outras, correspondente a 20%, voltaram a ser inseridas
no perfil das pessoas que atualmente sobrevivem apenas dos benefícios de transferências
de renda do governo. Quanto à raça e à cor, estas se encontram dentro do perfil de
mulheres caracterizadas pelo IBGE (2010) como sendo brancas ou pardas28, um dado
mostrado também na autocaracterização.
Constatou-se que atualmente a maioria das mulheres que compõem a
diretoria e as demais Agentes Sociais estão inseridas em determinados serviços públicos
vinculados ao governo local, portanto, 08 (oito) das mulheres que compõem o grupo-
sujeito estão desenvolvendo funções fora das atividades que costumava a Associação
executar, haja vista que ultimamente a entidade não tem nenhum projeto vinculado à
Prefeitura Municipal de Paracuru.
27 Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm>. Acesso em: 12 dez. 2014. 28 Dados do IBGE (2010) segundo a cor e a raça, da última amostra característica da população do
Censo de 2010 quanto ao perfil de rendimento, apontam que a população branca com rendimento de ½ a 1 s/m somavam 1.677 pessoas; já as pardas, com este mesmo rendimento, chegava a 5.127 pessoas; as negras apenas 347 pessoas. Estes dados estimulam duas reflexões importantes quanto ao apresentado: primeiro, a concentração do baixo poder aquisitivo da população parda ou negra, considerando o número de brancos com o mesmo rendimento; segundo, a possibilidade de negação da população existente quanto ao reconhecimento de sua cor e raça, a partir do número apresentado de pessoas pretas, como também a inexistência de pessoas indígenas com ou sem rendimentos nos dados da amostra do IBGE (2010), ao se partir da consideração de que a origem da população de Paracuru é indígena e que guarda resquícios fortíssimos da cultura afro. Dado obtido a partir das manifestações culturais identificadas em 2004 por meio de um mapeamento realizado pela Secretaria de Educação sobre aspectos culturais do seu povo.
78
Fatos como casamento, separação, estar ou permanecer solteira são aspectos
que foram revelados nas suas trajetórias de vida, descobertos mediante os discursos, os
relatos e as experiências desveladas no decorrer das técnicas utilizadas.
Nesse sentido, faz-se necessário elucidar uma característica forte que as
uniu: todas são mães ou já desempenharam este papel, criam seus filhos, com seus
companheiros ou não. Elas passaram a se inserir nos projetos sociais desenvolvidos pela
Secretaria de Desenvolvimento Social, seguindo um perfil de mulheres cadastradas sob
o perfil de pessoas em situação de vulnerabilidade, conforme a renda anteriormente
apontada.
A partir da exposição supramencionada, propõe-se apresentar brevemente
uma caracterização das mulheres Agentes Sociais que proporcionaram as análises de
suas histórias de vida através de seus discursos, de forma coletiva ou individual, que
caminharam com a pesquisadora nas reflexões mediadas entre os campos empírico e
teórico.
Com o propósito de ser fiel à realidade apresentada por todas as mulheres e
de não criar situações que, por ventura, possam violar a privacidade e o direito
individual de cada uma, expondo-as a constrangimentos e outras situações vexatórias,
seguem-se abaixo alguns detalhes das respostas colhidas pelas mulheres Agentes
Sociais em entrevistas individuais acerca do ser mulher. As mesmas estão identificadas
neste estudo pelas iniciais de seus nomes e sobrenomes. Deve-se destacar que o
conteúdo relatado será mais bem analisado nas próximas seções deste estudo. Esta
amostra configurou-se numa apresentação breve da riqueza que foi surgindo no decorrer
das trilhas seguidas na pesquisa.
Agente Social: A. V. S. P.
Esta Agente Social iniciou as atividades junto ao grupo de mulheres no ano
de 2005. No período em que entrou no projeto, a mesma já estava casada. Quanto às
suas atividades, todas estavam ligadas aos serviços domésticos; apenas o marido
trabalhava fora de casa. Relatou que só tinha um filho quando se uniu ao grupo e que
engravidou do segundo durante a execução do projeto. Atualmente com 32 anos, com
casa própria, exerce uma atividade comercial na própria residência do casal. No
discurso apresentado, a mesma diz que ser mulher
79
[...] é ser tudo! Mulher tem que se valorizar, tem que se respeitar, é tudo. Eu acho que por uma as outras pagam, pois existem mulheres que se desvalorizam, vendem o corpo, nem todas as mulheres são iguais. Mulheres que se entregam para qualquer um e por uma as outras pagam. Acho que mulher não deve ser assim, tem que se valorizar.
Agente Social: R. F. N.
R. F. N. tem atualmente 35 anos. Fez parte da primeira formação do grupo
de Agentes Sociais. Quando deu início no projeto, exercia, segundo a mesma, apenas os
serviços domésticos na própria casa. Vivia, então, uma união estável, mas atualmente
encontra-se separada. Reside hoje com o seu filho na casa dos pais. Está fazendo um
curso de pedagogia e tem uma ocupação de educadora social num projeto da Prefeitura.
Quanto ao ser mulher, argumenta:
[...] mulher é ter mais amor próprio [...] ter aquela força de vontade de vencer na vida, não é só ser dona de casa, companheira. A gente precisa ter um objetivo na vida. É ter capacidade de mostrar que a mulher não é só dona de casa, mãe de família, que ela tem capacidade de subir na vida, e de que somos capazes.
Agente Social: E. M. B. N.
A terceira Agente Social que compõe o grupo e a Associação desde a sua
formação tem 38 anos. No período da inserção no grupo, exercia apenas atividades
domésticas na sua casa. É solteira, tem um filho e atualmente reside com a mãe. No
momento da entrevista, no mês de maio, estava trabalhando como garçonete num
comércio local cujo espaço foi concedido pela proprietária para a realização da
entrevista. A Agente Social alega que a ocupação atual não lhe permitiu que participasse
dos momentos de discussão com o grupo. Para ela, ser mulher consiste “em ser mais do
que o homem, porque nós mulheres estamos mais evoluídas que os próprios homens,
pois trabalhamos fora, sustentamos a casa, somos mães solteiras”.
Agente Social: T. N. F.
Esta participante passou a compor o grupo após a terceira fase de mudanças
do mesmo no que se referia à alteração do seu quadro de Agentes. Passou a ocupar o
lugar da Agente Social M. H. N. N., numa condição de sucessora do cargo, haja vista
que a M. H. N. N. era sua genitora e iniciou no projeto quando teve início, no ano de
80
2005. A história de vida da Agente Social é de continuidade da trajetória política e dos
cuidados com a família. Saindo da adolescência, após assumir certas responsabilidades
da genitora, que precisou se afastar dos filhos para buscar meios de sobrevivência em
Fortaleza, em meados do ano de 2007, passou a assumir o papel de mãe, esposa, líder
comunitária e também Agente Social no grupo. Atualmente, com 25 anos, encontra-se
solteira, sem filhos, divide uma casa com mais alguns irmãos, exerce um cargo na
Prefeitura Municipal de Paracuru, atuando junto às famílias em situação de
vulnerabilidade. Academicamente, está fazendo um curso na área de recursos humanos.
A Agente alegou acreditar que ser mulher “é ter responsabilidade, com tudo
o que vai fazer. Ser mulher [pausa para reflexão, pois diz que é difícil responder a essa
questão] é ter responsabilidade, amor ao próximo”.
Agente Social: H. J. S.
A quinta Agente Social passou a compor o grupo numa sequência de
mudanças após 2007. Atualmente faz parte da diretoria da Associação e não se reservou
em desvelar as marcas das mudanças ocorridas na sua vida. Ao iniciar no grupo, era
solteira e tinha apenas dois filhos, mas chegou a engravidar do terceiro filho quando se
encontrava no projeto. Hoje, com 30 anos, encontra-se casada, com casa própria e
presta serviço na Prefeitura Municipal de Paracuru, exercendo o cargo de educadora
social. Vem de uma experiência familiar envolvida na luta comunitária. Argumenta que
terminou um curso técnico e que já tem previsão para iniciar um curso numa faculdade
local, após ter passado no vestibular. No que atine ao fato de ser mulher, assevera: “É
muito importante ser mulher, correr atrás dos seus objetivos, de realmente correr atrás
do que se quer conseguir para você mesmo e até para a sociedade [...] É importante ficar
inteirada de tudo que acontece”.
Agente Social: B. F. N.
A participante fez parte da constituição do grupo desde 2005. Atualmente
compõe diretoria da Associação e relata que, ao iniciar no grupo, tinha apenas um filho
(o seu segundo filho nasceu em 2007), não trabalhava fora, era solteira e dependia da
ajuda da família. Atualmente com 34 anos, com casa própria, exerce o cargo de
educadora social na Prefeitura Municipal de Paracuru e orgulha-se das mudanças
81
ocorridas na vida. Segundo seu relato, enquanto no início do projeto sobrevivia com
uma renda de R$ 50,00 (cinquenta reais) aproximadamente, hoje recebe um salário
mínimo no valor de R$ 724,00 (Setecentos e vinte e quatro reais). Atualmente vive um
relacionamento estável e argumenta que ser mulher “é tudo de bom, é ser uma mulher
guerreira. Tem várias coisas boas, ser mulher [pausa] ser vitoriosa, apesar dos
obstáculos, ser mãe [...]”.
Agente Social: M. I. F. S.
M. I. F. S. passou a fazer parte do grupo a partir de 2007, quando já assumiu
o cargo de Presidenta da Associação no início de sua legalização. Atualmente continua
compondo a diretoria. Vem de uma luta comunitária, em razão da participação em
projetos sociais na condição de voluntária numa entidade vinculada ao Fundo Cristão na
cidade de Paracuru. Trabalhou como doméstica, é casada e mãe de dois filhos.
Atualmente com 44 anos, com casa própria, exerce o cargo de educadora social na
Prefeitura Municipal de Paracuru. Mostra-se otimista quanto ao futuro da Associação e
diz que ser mulher é “ser determinada, saber o que quer, é não perder o lado feminino:
ser mãe, ser dona de casa. Ser uma pessoa determinada, saber o que eu quero, ser
decidida, correr atrás do que eu quero”.
Agente Social: R. M. S.
A Agente Social não começou sua trajetória no grupo junto às demais
que iniciaram em 2005, entretanto, vem assumindo cargos na diretoria da
Associação desde a sua constituição legal, em 2008. Atualmente é uma das mulheres
que está à frente das decisões da entidade. Ao iniciar no projeto, em 2006, segundo a
mesma, encontrava-se num casamento formalizado apenas pela igreja católica.
Genitora de um filho, vive atualmente em casa própria e encontra-se separada. Está
inserida num curso universitário e exerce o cargo de educadora social vinculada à
Prefeitura Municipal de Paracuru. Para ela, ser mulher “é ser forte, ser guerreira,
porque a mulher hoje em dia, apesar das dificuldades que passa com relação ao
trabalho, não é valorizada. Eu acho que, apesar disso, ela sabe segurar, suportar a
dificuldade, sabe levar a dificuldade [...]”.
82
Agente Social: M. H. N. N.
Esta participante tem uma história de participação política na comunidade na
qual reside e sempre seguiu à frente de muitos debates no grupo das Agentes Sociais, desde
a sua formação em 2005. Entretanto, as dificuldades financeiras e os momentos particulares
que vivia, com uma separação, levaram-na a tentar novos caminhos em Fortaleza, deixando
a filha responsável pelo assento na Associação das Agentes Sociais. A Agente Social vem
assumindo por longo período a liderança enquanto presidenta ou vice-presidenta de uma
associação do seu bairro. Retornou por volta de 2009, com uma articulação com as Agentes
Sociais, assumindo novamente assento desde então. Genitora de sete filhos, quando
assumiu o grupo, vivia uma união estável, mas atualmente se encontra solteira. Sem
trabalho fixo, reside em casa própria com dois filhos. Segundo a Agente Social, ser mulher
“é fazer parte da vida, é dar vida, é ser vida, é viver. Eu tenho orgulho de ser mulher, [...]
[além] de ser mãe, eu tenho orgulho das conquistas [...] É diferente do comportamento do
homem [...] eu me dou o meu valor! Eu não me envolvo com qualquer um”.
Agente Social: A. R. S. S. A décima mulher citada assumiu a função de Agente Social no início da
formação do grupo, no ano de 2005. Atualmente compõe a diretoria da Associação.
Comumente tem posicionamentos muito enfáticos quanto à situação da entidade. No
início do grupo, vivia uma união estável, entretanto, atualmente encontra-se separada.
Genitora de um filho, também se encontra afastada das atividades externas ao ambiente
da casa, pois tem se dedicado aos cuidados com o pai, que se encontra com a saúde
fragilizada. No momento reside com este e afirma que ser mulher
É tudo, tudo assim: é poder fazer e alcançar tudo aquilo que almejou um dia, um objetivo que num passado não muito distante [pausa] não se era permitido. E hoje em dia os direitos são iguais, tanto para homens como para as mulheres. E hoje para mim ser mulher ainda pesou mais, porque aprendi a ser mulher aos nove anos de idade. Aprendi muito da vida, por ter sido deixada pela mãe e ter ficado sozinha com o meu pai.
Observa-se a responsabilidade social que essas mulheres vêm carregando
desde cedo, os estereótipos ainda arraigados nos seus discursos, em luta constante para
autoafirmação enquanto poderosas, corajosas, guerreiras diante da necessidade também
de afirmação dos seus espaços. Buscam e tornam-se fortes, mas também, muitas vezes,
83
solitárias nas batalhas cotidianas pela sobrevivência. Assumem seus erros e acreditam
nos seus acertos. Sem críticas mais contundentes às suas condições de serem mães, não
conseguem mais visualizar apenas a condição socialmente construída para a mulher no
meio privado, de forma que vêm questionando ou encontrando algumas respostas que as
levam à reflexão acerca dos direitos iguais para homens e mulheres.
Em muitos discursos, as palavras medo e esperança surgiram, ambas
provêm do Latim. A primeira origina-se do verbo metus, relacionado ao sentimento de
perplexidade, inquietação, admiração, euforia diante de algo não palpável, grandioso,
principalmente sobre algo que não se tem controle, diferente da interpretação do
sentimento de covardia ou apreensão diante do perigo. A segunda, por seu turno,
origina-se do verbo sperare, relacionado a ter fé em algo, bem como esperar por algo29.
Para Eisenberg (2005 apud LYRA, 2005), com base na filosofia hobbesiana,
o medo é uma paixão positiva e pode levar as pessoas à emancipação, fomentadora
tanto do político quanto da política na sua compreensão republicana, de maneira que o
medo da ação política é o fato do medo de ter medo. Para esse autor, esse medo pode
gerar a razão prática e a esperança de emancipação das próprias causas do medo, o que
provocará uma socialização reflexiva, uma recusa à entrega à própria sorte, através de
um engajamento na perspectiva de superação da condição de servidão coletiva, esta no
mundo configurada pelas condições de escravidão às próprias paixões. Portanto, para
essas mulheres, as duas palavras podem estar ligadas a certos dispositivos ou
disposições que estão incorporados, como a fé conectada com a religiosidade ou a
paixão religiosa, entretanto, facilmente pode ser identificada de forma ainda mais
incisiva nos discursos como algo ligado ao anseio por mudanças de vida, pela mudança
na condição da Associação e da crença nas mesmas.
No próximo capítulo, trabalhar-se-ão categorias que se apresentaram no
processo de estudo com o grupo-sujeito desta pesquisa. Paralelo ao uso das explicações
teóricas, intensificam-se as análises dos discursos proferidos pelas Agentes Sociais no
decorrer dos encontros coletivos e dos momentos individuais. Apresentam-se,
sobretudo, aspectos que norteiam as respostas aos objetivos deste estudo, sob a
condição histórica à qual foi submetida a mulher, em meio ao espaço privado e público
e às relações de gênero estabelecidas.
29 Ambas as etimologias foram extraídas da internet, disponíveis nos sites:
<http://palavraseorigens.blogspot.com.br/2010/07/l>; <http://origemdapalavra.com.br/site/?s>. Acesso em: 20 dez. 2014.
84
4 O ACESSO AO MUNDO PÚBLICO E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
DAS MULHERES AGENTES SOCIAIS DE PARACURU
“Não há sentimento mais inseparável do
nosso ser que o sentimento de liberdade.”
(Luxemburgo, 2015, p. 01)
As relações entre homens e mulheres, bem como a própria masculinidade e
a feminilidade, foram se constituindo e se legitimando ao longo dos processos de
sociabilidade e se adaptando conforme os contextos sociais, políticos, econômicos e
históricos.
Os significados dos termos público e privado tornaram-se importantes nos
estudos sobre as relações e condições de vida entre mulheres e homens em sociedade,
entretanto, pode-se dizer que, durante longos anos de estudos, sofreram várias
interpretações. Nos estudos de Arendt (2010), precisamente na literatura sobre a
condição humana, estes termos estão relacionados às esferas do lar (família) e da vida
na pólis (política).
Segundo a autora, no período antigo, precisamente na Grécia, a linha que
assinalava uma distinção entre a esfera do lar e a da pólis era que, na primeira, os
homens viviam juntos por serem a isso compelidos diante das suas necessidades: “A
comunicação natural do lar nascia da necessidade, e a necessidade governava todas as
atividades realizadas nela” (ARENDT, 2010, p. 36).
Já no domínio da pólis, ao contrário da esfera do lar, era o âmbito da
liberdade que predominava, de maneira que nessa só conhecia iguais; existindo na
dimensão do lar, da vida privada, a mais severa desigualdade. Assim, no domínio do lar,
a liberdade não existia, pois seu chefe, seu governante (no caso o homem), só era
considerado livre na medida em que tinha o poder para deixar o lar e ingressar no
domínio político, no qual todos eram iguais. Nessas circunstâncias, mulheres e escravos
estavam destinados apenas ao espaço privado.
Para os gregos, a “capacidade humana de organização política não apenas é
diferente dessa associação natural cujo centro é o lar (oikia) e a família, mas se encontra
em oposição direta a ela” (ARENDT, 2010, p. 28). Dessa forma, a política era vista
como algo externo ao homem, acontecendo entre os homens, na diferença entre os
homens. E ser político, segundo os gregos, significava utilizar as palavras, por meio de
85
argumentos; utilizar a força e a violência era ação pré-política, encontrada no lar, na
família.
Arendt (2010, p. 40) analisa que, no mundo moderno, os domínios sociais (lar,
família) e político vão se diferenciar menos entre si. Para ela, os dois domínios (público e
privado) “constantemente recobrem um ao outro, como ondas no presente fluir do processo
da vida”. Por fim, a vida pública passa a estar a serviço da vida privada.
Nesse âmbito, convém referendar Rabay (2008), quando afirma que a
dicotomia entre o público e o privado tornou-se menos rígida a partir da Idade Média e
no final do século XIX, de maneira que as atividades relacionadas com a sobrevivência
foram se tornando de interesse também da esfera pública, passando as autoridades
privadas e públicas a se fundirem de toda forma até se confundirem com o poder
público. Para autora, citando Costa, “privado passa a ser somente uma esfera da
intimidade”, contudo, a autora enfatiza que “as mulheres permaneciam excluídas da
cidadania, sujeitas a toda uma série de restrições e normas legais, que limitam seus
direitos dentro e fora da família” (COSTA, 1998, p. 55 apud RABAY, 2008, p. 166).
Rabay (2008) assevera que, mesmo com todo o processo de mudança
ocorrida no decorrer da história, o acesso a certos segmentos do espaço público, ainda é
muito restrito às mulheres.
Seja no sentido do domínio do poder público institucionalizado e das relações pessoais, seja no sentido da visibilidade política social, até recentemente, a mulher foi restringida à esfera privada, doméstica. Sua atuação, rompendo o âmbito privado, na modernidade, ainda não conquistou plenamente a visibilidade necessária ao exercício do poder na contemporaneidade (RABAY, 2008, p. 167).
Em âmbito nacional, pode-se dizer que a sociedade brasileira, a partir do
século XIX, sofreu forte influência do Estado em sua formação cultural, por meio da
medicina social que, segundo Costa (1983, p. 33), “foi uma estratégia do Estado
Nacional agrário a fim de estabelecer a coerção sobre a cidade e a população, sem que
fosse dado ao povo o poder de militarizar-se”. É possível observar a fomentação e o
desenvolvimento de uma sociedade burguesa e de um Estado Nacional preocupado com
a “estatização dos indivíduos” (COSTA, 1983, p. 33).
É significativo referendar que, mesmo incluso num contexto familiar
patriarcal, os papéis para homens e mulheres caracterizavam-se pela distinção entre eles
e pela separação profunda entre o espaço público e o privado, como observa Costa
(1983, p. 83):
86
O ‘estar’ da família colonial [...] regulava-se pela distinção social do papel do homem e da mulher e pela natureza das atividades domésticas. O homem, a quem era permitido um maior contato com o mundo, com a sociabilidade, permanecia menos tempo em casa. Os cuidados da residência eram entregues à mulher, que, entretanto, não podia imprimir aos aposentos a marca de sua necessidade.
Segundo Lima (2001), a estratégia de intervenção do modelo higienista, a
partir do século XIX, provocou mudanças na estrutura da casa e da própria intimidade
familiar, passava-se os costumes de uma sociedade agrária para os produzidos por uma
burguesia emergente em pleno século XIX. Assim, é notório que ideologias culturais
modificaram comportamentos e embutiram valores que atenderam aos interesses de uma
determinada classe social. Com isso, o Estado tinha a necessidade de embrenhar-se no
mundo familiar e desestruturar o poder do patriarca diante da emergência capitalista.
Para Raquel (1998, p. 18), a forma de dominação socio-histórica conhecida por
patriarcalismo não está apenas relacionada à “supremacia do homem e da submissão da
mulher, mas designa toda uma estrutura que nasce do poder do pai, reforçada pelo
sistema econômico vigente”.
Novas funções configuram-se para homens e mulheres com a inserção do
sistema capitalista industrial, ou seja, com a cultura familiar burguesa, constataram-se
novas relações entre os gêneros; homens e mulheres passaram a assumir novos papéis;30
o homem, ou o pai higiênico, passava a ser um funcionário da “raça e do Estado”
(COSTA, 1983, p. 240).
30 Para Costa (1983), existiu uma diferença análoga, na dimensão destes papéis principalmente entre
homens proprietários de terra para os que não tinham terra. O primeiro converteu-se à família conjugal com posses para defender seus interesses e sua propriedade. A disciplina médica imposta sobre o corpo do homem, seu sexo e sua movimentação social, o queria longe da libertinagem. De forma que foi compensada pelo poder de explorar novos segmentos da sociedade, que tanto produziam como consumiam para este novo homem burguês. Já o homem não proprietário, “converteu-se à família conjugal para defender a propriedade dos outros. “Tendo como única caução do antigo poder a ordem jurídico-religiosa colonial e como único substrato de sua força a aparência dos costumes e ritos familiares [...]”.Pela intervenção da higiene abriu mão da antiga tirania sobre mulheres e filhos; absteve-se do celibato e da libertinagem; foi obrigado a trabalhar; a renunciar ao ócio e à exploração de escravos domésticos, etc.”. O que se analisa de acordo com o autor é que estes homens perderam toda aspiração ao senhoriato, mas ganharam o machismo. Enquanto a “mulher higiênica nasceu, portanto, de um duplo movimento histórico: por um lado, emancipação feminina do poder patriarcal; por outro, ‘colonização’ da mulher pelo poder médico”. Era nítido o propósito de convertimento da mulher ao modelo de mãe ‘amorosa alimentando o bebê’. “Fora dele, parecia não haver escapatória ao comportamento feminino”. Pois era necessário, haja vista o tempo livre que na época já se materializa para a mulher, em razão da perda do caráter de pequena empresa da casa com a urbanização. Contudo, ao tornar-se também uma consumidora, esta, segundo Costa, “instruiu-se e cultivou-se”, do ponto de vista dos higienistas, “a independência da mulher não podia extravasar as fronteiras da casa e do consumo de bens e ideias que reforçassem a imagem da mulher-mãe” (1983, p. 240-260).
87
Numa sociedade burguesa que “buscava impor freios morais ao patriarca,
cuja incontinência sexual estava associada à prostituição, sífilis e mortalidade infantil”
(COSTA, 1983, p. 244), este homem seguiu valores burgueses correspondentes à
importância do trabalho e de sua competência como profissional; valorizou o aspecto
físico, estimava pela competição e gostos diversos em torno do saber e cultura em um
segmento de valores morais que nortearam comportamentos em específico como a
valorização do afeto junto aos filhos; enquanto a mulher permaneceu em casa, embora
considerada como “rainha do lar”, exercendo várias funções, “como enfermeira e
professora” (COSTA, 1983, p. 244), submetida ao domínio de alguém ou da ordem
médica vigente.
Ao analisar os discursos das Agentes Sociais de Paracuru quanto aos papéis
atribuídos ou coatribuídos às mulheres, é possível perceber caminhos que se processam
no meio da coragem, da determinação, do desbravamento ao novo, sobremodo o da
participação política. Sobre esse engajamento político, cabe frisar que ele não é e não
foi a única maneira para desencadear rompimentos com os valores que constituem as
relações desiguais entre os gêneros, principalmente no seu contexto doméstico, mas
desempenhou um papel importante para potencializar novos olhares e outras trajetórias,
assim pode ser observado com os discursos abaixo:
Houve uma mudança de uma A. R. [cita o próprio nome] para outra A. R. A [A. R.] que não participava de nada era uma mulher morta, parada. Quando você faz parte de uma associação, você tem um entendimento diferenciado, você aprende coisas às vezes tão simples e tão importantes, mas que às vezes estavam ali guardadas. Então você vai perceber realmente o valor que você tem, que pode fazer a diferença. Então eu me percebo totalmente diferente (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014). Foi uma experiência muito boa, me ajudou a crescer principalmente como mulher. Cada desafio que eu enfrentava me ajudou a ver as coisas de forma diferente. [...] Cada dia eu cresço mais como pessoa, espiritualmente e com esses movimentos que eu participo, eu procuro cada dia melhorar como pessoa (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014). Nós fomos reconhecidas. Nós somos reconhecidas. Éramos reconhecidas pelas famílias, éramos bem recebidas nas casas que visitávamos, gostavam do trabalho que fazíamos, da ajuda que podíamos dar, tudo isso contribuía muito. Enriquecia a nossa vida e nos sentíamos importantes para a vida dessas pessoas (Agente Social, entrevista realizada no dia 27 de abril de 2014).
Também em determinados momentos e espaços as subjetividades destas
mulheres estavam relacionadas ainda a resquícios de uma estrutura social responsável
pela reprodução e cristalizações em termos de aceitação quanto ao ser mulher. Os
88
diálogos com as Agentes Sociais de Paracuru revelaram preocupações com uma
“moralidade oficial”31, proveniente de uma cultura machista cultivada no século XIX e
início do século XX, mas que se arrasta e ainda busca inferiorizar e escravizar muitas
mulheres.
Segundo os discursos analisados em entrevista, três das Agentes Sociais
mostraram, de certo modo, o teor explanado anteriormente na questão referente ao rol
desempenhado pela mulher atualmente. A partir da pergunta “o que é ser mulher”, se
obteve a seguinte resposta de uma Agente Social: “Ser mulher hoje é ser uma mulher da
alta sociedade. Ter um papel de trabalhadora, guerreira”.
As Agentes Sociais de Paracuru dizem que a mulher precisa assumir um
papel na sociedade e que este ainda é diferente do exercido pelo homem, dando
elementos, assim, para observar uma relação do sujeito mulher com as regras e como ele
se “reconhece ligado à obrigação de pô-las em prática” (FOUCAULT, 2014, p. 34). É o
que se observa no extrato abaixo:
A mulher em si é para ser diferente do homem. Eu me sinto comportada, diferente do homem, eu me dou o meu valor [...] em termos de relacionamento, eu não me envolvo com qualquer pessoa. Eu já tenho esse pensamento em não me envolver com qualquer pessoa; já se eu fosse homem, eu também acho que não me envolveria com qualquer pessoa (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de maio de 2014).
Para Fonseca (2012), no século XIX, a norma oficial acabava ditando que a
mulher devia ser resguardada em casa, responsável pelos afazeres domésticos enquanto
ao homem cabia assegurar o sustento da família. Esse modelo, entretanto, tratava-se de
um estereótipo baseado nos valores da elite de resquícios coloniais, longe de retratar a
realidade da mulher, sobretudo da pobre. Para a autora, era um instrumento ideológico
inclusive espalhado pelos viajantes europeus com a função de marcar a distinção entre
as mulheres burguesas e as mulheres pobres. Com isso, ela ainda descreve que a
“mulher pobre, diante da moralidade oficial completamente deslocada de sua realidade,
vivia um dilema imposto pela necessidade de escapar à miséria com o seu trabalho e o
risco de ser chamada de ‘mulher pública’” (FONSECA, 2012, p. 519).
Samara (1986), em obra acerca da família brasileira, já dizia, no capítulo
sobre o mito da mulher submissa e do marido dominador que, provavelmente, houve
certo exagero dos estudiosos quanto aos estereótipos transmitidos sobre as condições de
31 Termo utilizado por Fonseca no texto “Ser mulher, mãe e pobre”, parte do livro organizado por Mary
Del Priore: História das mulheres no Brasil, 2012.
89
dominação e submissão entre os gêneros. Esta pesquisadora afirma que “as variações
nos padrões de comportamento de mulheres provenientes dos diferentes níveis sociais
indicam que muitas delas trouxeram situações de conflito para o casamento, provocadas
por rebeldia e mesmo insatisfação” (SAMARA, 1986, p. 57).
Assim, pode-se atentar que, nas relações familiares das Agentes Sociais de
Paracuru há também a possibilidade de haver estratégias de poder criadas por estas
mulheres, reagindo no meio familiar e minimizando as condições de desigualdades no
que se refere ao exercício do poder.
Nessa perspectiva, em meio às relações permeadas por resíduos de uma
cultura moralizadora a serviço do âmbito doméstico e sob controle dos preceitos e
dispositivos legais é totalmente possível que estas mulheres assumam novas práticas
sociais no processo de socialização. Numa visão foucaultiana, é possível até mesmo
argumentar que estes dispositivos perpassam as pessoas e instituições, considerando
estes “como componentes linhas de visibilidade, linhas de enunciação, linhas de força,
linhas de subjetivação, linhas de ruptura, de fissura, de fratura que se entrecruzam e se
misturam[...]” (DELEUZE, 1990, p. 02).
Tal reflexão provoca a ideia de que as subjetividades, o saber e o poder não
têm contornos definitivos, tampouco são representações universais de uma verdade.
Dessa forma, pode-se pensar que, dentre as mulheres Agentes Sociais, ainda é possível
identificar as que se submetem a certos princípios de conduta, mas vão existir as que
caminham num processo de reinvenção, de resistência a determinadas subjetividades
moralmente constituídas.
Para Foucault (2014), as regras e valores podem, ao mesmo tempo, ser
formuladas de forma coerente, doutrinariamente, como também podem ser transmitidas
de forma difusa, sem uma sistematização, passando a constituir-se num jogo complexo
de elementos que acabam por se compensarem, anularem-se e cederem a compromissos
ou escapatórias. De maneira que para Foucault (2014, p. 32), a partir dessas ressalvas,
moral é compreendida igualmente como
Comportamento real dos indivíduos em relação aos valores e regras que lhes são propostos: designa-se, assim, a maneira pela qual eles se submetem mais ou menos completamente a um princípio de conduta, pela qual eles obedecem ou resistem a uma interdição ou a uma prescrição.
O próprio Foucault (2014, p. 33), argumenta também que existe uma
diferença quanto à “regra de conduta e a conduta que se pode medir a essa regra”. Além
90
da observação que se deve ter relativo à maneira pela qual se deve conduzir-se diante
destas regras. Pois “há diferente maneiras de ‘se conduzir’ moralmente, diferentes
maneiras, para o indivíduo que age, de operar não simplesmente como agente, mas sim
como sujeito moral dessa ação”.
No discurso a seguir, ressalta-se o aspecto da condução mantida pela Agente
Social contrária a moral estabelecida costumeiramente à mulher:
Tô querendo [...] os meus objetivos, né, tô conquistando. Graças a Deus, hoje eu tenho o meu trabalho [...] a minha vida familiar é muito melhor, né, com a minha mãe, com meus irmãos. Moro com dois irmãos, dois irmãos que eu gosto muito, né? E [...] eu me superei, eu tô vencendo meus obstáculos, [...] tô só trabalhando e estudando. Por isso que eu até comentei [...] falei pra mãe, né: ‘Esse mês é só pra mim divertir, é um mês que eu tô brincando quadrilha, realmente, por aí, no meio do mundo, mas próximo mês é focar a cabeça nos estudos e [...] essa não é a faculdade que eu quero! Essa que eu vou fazer agora. Mas é uma coisa que eu disse que eu ia fazer e eu vou fazer essa faculdade e daí, quando eu terminar essa, eu pretendo fazer outra, né? (Agente Social, entrevista realizada no dia 09 de junho de 2014).
Samara (1986), ao parafrasear Cândido (1951), registra que o próprio
sistema colonial acabou desenvolvendo aspectos viris na personalidade da mulher, o
que foi significativo para o surgimento de características que se acentuavam em torno
do comando e iniciativa, como a de assumir a responsabilidade no cuidado dos filhos,
assumir os negócios após a morte do marido ou mesmo desempenhar um trabalho na
agricultura e nas pequenas manufaturas domésticas. Contudo, mesmo com as imagens
surgidas quanto às responsabilidades com os negócios e com a lavoura, tendo uma
participação mais ativa, o papel da mulher ainda era limitado “face à manutenção dos
privilégios masculinos” (SAMARA, 1983, p. 58).
Para muitas das Agentes Sociais de Paracuru, a atividade laboral ainda se
mostra enquanto padrão moral, chegando, para essas pessoas, a permear a concepção de
autonomia da mulher, de maneira que o trabalho não foge da concepção de lhes
assegurar uma condição financeira mais confortável, dentro de um padrão estabelecido
socialmente. Nessa oportunidade, relembra-se a citação do discurso proferido por uma
das Agentes ao se reportar à capacidade de comprar um bem material, como uma
geladeira (vide discurso na página 65 deste trabalho). A exemplo do que era permitido à
mulher no período do Estado higiênico, para Santos (2010), esta forma de vivenciar a
felicidade, via consumo, é só mais uma forma de docilizar e promover a passividade dos
indivíduos.
91
Nesse sentido, tornar as pessoas produtivas, por intermédio da docilização
dos corpos, faz com que elas se convertam em potenciais consumidoras de bens e
valores do sistema vigente, isto é, do modelo capitalista. Disciplinadas, estão passíveis
ao direcionamento e ao funcionamento do ciclo econômico de produzir e consumir.
Sob o aspecto de supridor de carências financeiras, o trabalho também
esteve sempre citado pelas Agentes Sociais de Paracuru, paralelo à alusão ao poder de
participação da mulher numa vida pública. Em muitas ocasiões, referiram-se ao
aprendizado que obtiveram com as práticas sociais por meio do projeto de formação
fomentado pela Secretaria de Desenvolvimento Social, como se lê neste discurso:
Sinceramente, no momento, eu gostaria de trabalhar naquilo que eu aprendi [pauta-se nas atividades enquanto Agente Social]. Ter o meu salário todo mês para ter uma tranquilidade, porque dinheiro não é tudo, mas ele me daria uma tranquilidade [...] (Agente Social, entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014).
Na perspectiva de se afirmar ou autoafirmar, as Agentes Sociais reverberam
o trabalho, a autonomia financeira, como também a condição de participação social que
as levarão à mudança de vida. Consequentemente, essas mudanças também são
visualizadas para as famílias que aprenderam a acompanhar.
Essa abordagem sobre o trabalho também esteve relacionada ao fato de criar
e fazer algo. Isso comprova o que afirmou Iamamoto (1997) quando sob um viés
marxista, considerou o trabalho uma atividade fundamental, de sorte que mediatiza a
satisfação das necessidades do homem e da mulher diante da natureza e entre os homens
e mulheres, de maneira que é “através do trabalho que o homem se afirma como ser
criador, não só como indivíduo pensante, mas como indivíduo que age consciente e
racionalmente” (p. 41).
Ao discorrerem sobre o que havia mudado após a inserção no grupo, e sobre
as perspectivas futuras, elas mostraram uma visão correlacionada ao estudo e à
participação política, como já enunciado, sempre vinculada à Prefeitura local, tendo em
vista a perspectiva de financiamento das atividades das Agentes Sociais pela Prefeitura.
Nesse último caso, o trabalho com a comunidade e o retorno às atividades da
Associação têm um significado de reconhecimento, além de poder nas relações entre as
próprias Agentes Sociais e a comunidade, pois é quando se sentem valorizadas e
provocadoras de transformações. Nessa esteira, o fator educacional tem sido hoje um
valor estimado pelas Agentes Sociais, sendo um caminho para mudança da própria vida
que as levaria também ao alcance de status e reconhecimento.
92
Diante do fato de serem muitas destas mulheres responsáveis unicamente
pelo sustento e cuidado com os filhos não houve, a priori, por parte destas, destaque ou
detrimento da preocupação com a prole as outras escolhas como a busca por sonhos
desejos profissionais, como bem assegura a Agente Social de Paracuru abaixo.
[O papel que a mulher deve assumir, segundo a Agente Social] O papel de mãe, depende daquilo que ela determina e que ela queira. Se ela quiser ser uma advogada, ela é; se ela quiser ser uma doutora, ela é. Ela tem que determinar, se determinar e procurar pelos ideais (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de maio de 2014).
Este discurso faz-se notório para refletir acerca dos aspectos negligenciadores
dos determinantes morais, pautados na distinção anatômica entre o corpo feminino e o
corpo masculino, quando da divisão de papéis entre os gêneros. Cabia à mulher, de
acordo com a normatização do seu corpo, o ato de procriar, sobretudo o de cuidar,
distante de um mundo externo, sem estar ligada à racionalidade e ao conhecimento.
Também não foi dado destaque pelo grupo-sujeito desta pesquisa aos relacionamentos
afetivos constituídos ou sonhados a serem conquistados, como sinônimo de felicidade e
de satisfação à mulher, consequência do mito do amor romântico32.
Nessa perspectiva, as mulheres Agentes Sociais, casadas ou não, vivenciaram
seus amores, constituíram família, reproduziram valores arquetípicos, mas também se
deixaram atravessar pelos desejos, pelos anseios e pelas necessidades de vivenciarem
outras relações, que não eram supridas em determinados momentos apenas pelo
apreendido ao longo da constituição do ser mulher, do estar mulher.
Mesmo estando estas mulheres relacionadas em muitas das suas ações e
discursos com o status quo correspondente à responsabilização com os familiares, dos
cuidados com o espaço privado, até pouco tempo destinados exclusivamente à mulher,
diga-se de passagem, a mulher ocidental, estas Agentes Sociais, estão, portanto, imbricadas
por uma segmentaridade molecular atribuída por Esmeralda (2006) aos atos de movimento,
ou seja, ao que provoca mudanças. Tornam-se, de certa maneira, insubordinadas a certas
regras e normas que foram reproduzidas no imaginário social e que, por longos períodos,
determinaram o espaço, o tempo e a maneira de ser mulher. A exemplo dessa
insubordinação e de afetamento por esta segmentaridade provocadora de rupturas, cita-se o
32 Segundo Lins (2000), o amor romântico surgiu na literatura através do mito de Tristão e Isolda,
manifestando-se e reproduzindo-se desde 1185, data de sua primeira versão. Para Rougemont (1988 apud LINS, 2000, p. 72), “o mito age onde quer que a paixão seja sonhada como um ideal, e não temida como uma febre maligna: onde quer que sua fatalidade seja chamada, invocada, imaginada como uma bela e desejada catástrofe, e não como uma catástrofe”.
93
excerto: “Uma mulher livre é poder fazer o que ela quer, controlar seus horários. Eu me
sinto livre, eu me sinto livre” (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de maio de
2014).
Estas mulheres estão indo além do seu espaço da casa, da cozinha; estão
partindo para outros campos do estudo, do campo político, do entregar-se aos prazeres e
do viver a liberdade. Tentam ultrapassar as barreiras do campo rígido, do cristalizado,
do que as deixam enrijecidas. Estão vivendo processos de ressignificações e novas
maneiras de socialização.
4.1 MULHERES, DISCURSOS E IMAGINÁRIO SOCIAL
Ao dialogar-se brevemente com a temporalidade dos fatos, pode-se dizer
que, até os anos 60 do século XX, ser mulher estaria ligado à esfera do privado. A figura
de mãe e cuidadora do lar estava ligada a atividades que não exigiam esforços físicos e
mentais, ou seja, vinculava-se a atividades que seguissem sua delicadeza e fragilidade,
de acordo com as condições da mulher no contexto da família patriarcal e da família
industrial apontadas anteriormente. Para Navarro (2011, p. 01), em sociedades
patriarcais como a brasileira, a
‘Verdadeira mulher’ deve encarnar a fragilidade, a doçura, a dependência, a sensibilidade; em termos de comportamento, precisa ser bela, sedutora, sua posição se atrela ao casamento e à maternidade, sem a qual nenhuma mulher poderia ser completa. Seu domínio seria o âmbito privado, a domesticidade, a família.
Para Rago (2004, p. 33), no imaginário social, a identidade feminina estaria
atrelada às construções ainda da medicina do século XIX, que reforçava: as mulheres
“deveriam desejar ser mães, acima de tudo, como se sua suposta essência se localizasse
num órgão específico – o útero, capaz de responder por todos os seus bons e maus
funcionamentos fisiológicos, psíquicos e emocionais”. Como já aventado anteriormente,
no período colonial, com um modo de produção escravocrata, a mulher ocupava um
espaço favorável ao modelo vigente, um sistema econômico em que a soberania era a do
homem.
Ainda segundo Rago (2004), esse regime foi questionado e derrubado,
embora a autora coloque que as mudanças culturais e mentais sejam difíceis e custosas.
O processo de ruptura, consoante as argumentações da autora, deve-se inclusive ao
advento da acelerada modernização econômica ocorrida principalmente na década de 70
94
do século XX no Brasil. Com isso, milhares de mulheres foram levadas ao mercado de
trabalho de forma que o feminismo emergente naquele período passou a pressionar
incisivamente por um lugar na sociedade, de modo que, atualmente, tornou-se
impossível afirmar que a mulher não tem capacidade para governar, exercer atividades
socialmente criadas exclusivas para o gênero masculino. Além do mais, para Rago
(2004, p. 32), a “pesquisa acadêmica tem trazido à tona uma longa história de lutas,
resistências e profunda determinação, desfazendo as imagens da passividade e da
submissão atribuídas também às mulheres brasileiras”.
A exemplo da governança por parte da mulher, no caso do Brasil, em 2015,
assumiu pela segunda vez o mandato de presidenta uma mulher, embora se tenha a
leitura de que o mérito de Dilma Rousseff seja atribuído à ligação com o ex-presidente
Lula. Mas, como diz Navarro (2011, p. 01),
Em termos de representação social do feminino, não há dúvida de que o poder nas mãos de uma mulher modifica o imaginário social. É este que constrói e institui relações de gênero nas práticas sociais. A existência de gêneros em uma formação social é uma construção: ser mulher ou homem em cada sociedade carrega um sem-número de significados, que compreendem comportamentos, imagens, papéis, funções, hierarquias. [...] [Dilma Rousseff,] Modifica a imagem do feminino e, ao se afirmar como mulher, várias vezes, apresenta um modelo em que as mulheres podem se identificar, cujo lugar de fala e de ação é de poder.
Não se pode perder de vista, como bem relata Puleo (2010), citada por
Rodrigues (2010, p. 01), que “é o imaginário social androcêntrico que cria e naturaliza a
mulher e a aprisiona ao plano da natureza”33. Ressalte-se que, tanto a construção da
identidade da mulher como a do homem, são resultados de formas de interação
peculiares, segundo Torres (2002).
Puleo (2010, p. 04) complementa ainda que “as relações de poder concretas,
a distribuição dos papéis e do status em nossa sociedade têm uma voz simbólica, um
discurso que o justifica e que o retroalimenta. O discurso filosófico forma parte
substancial da rede de relações de poder”.
Urge salientar que os rebatimentos dos movimentos acadêmicos com os
estudos de gênero e com os movimentos sociais, cada vez mais, têm contribuído para a
mudança dos discursos e das práticas sociais, embora, em determinados campos e áreas
33 Puleo, em seu estudo intitulado Filosofia, Gênero e Pensamento Crítico (2000b), traz a categoria
androcentrismo, caracterizando-a enquanto “efeito do sistema de gênero-sexo por meio do qual se considera o homem masculino como excelente e a mulher e o feminino como desvio ou falta” (PULEO, 2000b, p. 116, tradução da pesquisadora).
95
de estudo, ainda se processem muitas relações sexistas e discriminatórias. Como
exemplo das mudanças observe-se um dos discursos citados pela Agente Social de
Paracuru abaixo, no que se refere à importância da mulher na política.
[...] você vê que atualmente, já há algum tempo, temos mulheres na Secretaria de Educação, na Secretaria de Ação Social, coisa que a gente não via. Então, a mulher tem que ser ativa no Poder Público... temos até mulher Presidente. Então, isso é reflexo de toda uma transformação que vem acontecendo (Entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
As análises de Puleo (2000a) também mostram que a existência do discurso
sexista na filosofia, por exemplo, ocorre devido ao fato de haver um discurso feminista
acontecendo paralelamente numa mesma época. Entretanto, suas produções são
ofuscadas e apagadas, como o que ocorreu com a obra de John Stuart Mill, quando
falava acerca da igualdade entre os sexos, ainda no século XIX. Nessa esteira, percebe-
se que se aperfeiçoa um corpus oficial de obras e pensadores que “acabam justificando a
ordem que se quer perpetuar” (PULEO, 2000a, p. 05).
O período que compreende o fim do século XVII e o século XVIII foi
marcado pela busca da racionalidade. O Iluminismo, como marco, trazia críticas à
sociedade religiosa e propostas de mudanças estruturais para esta. Passavam a vigorar
as teorias contratualistas do “direito natural”, como dizem Montanõ e Duriguetto
(2010), via-se a liberdade e autonomia como direito e cabia ao Estado o respeito à
legitimação dos direitos inatos dos indivíduos. Este direito natural afirmava a
igualdade de todos os homens. Puleo (2000a, p. 06), contudo, expressa a autonomia
que era pregada pelos pensadores dessa época através de Rousseau ou Kant, para os
quais a igualdade de ter direito não se estendia à mulher, haja vista que estes autores
sustentavam que as mulheres deviam estar “submetidas e tuteladas pelos homens”.
Kant e Rousseau, para Puleo (2000a), pensavam num modelo de sociedade
burguesa, de maneira que a mulher estaria destinada à garantia da infraestrutura ao
homem produtor. A autora, conclui dizendo que o homem, “no âmbito do público, é
considerado superior, mas secretamente se apoia num mundo doméstico, no qual se têm
marginalizado as mulheres” (COBO, 1995 apud PULEO, 2000a, p. 07, tradução da
pesquisadora).
Reitera-se a sua argumentação de que foi a filosofia da modernidade que
preparou para sujeitos como as mulheres a “grande divisão entre o mundo do público e
o mundo doméstico, divisão de esferas que ainda vivemos” (PULEO, 2000a, p. 07). As
mudanças sociais, entretanto, implicaram também novos costumes, novas atitudes para
96
homens e mulheres no decorrer dos séculos, e estes costumes, vistos como direitos, aos
poucos vêm sendo tomados por outros sujeitos como as mulheres, embora de forma
tardia e lenta.
Analisando-se os discursos das Agentes Sociais de Paracuru, observou-se
que a maioria das entrevistadas acreditam que a mulher deve assumir um papel ativo,
participativo de assumir responsabilidades que eram destinadas apenas ao homem, ao
pai, para que, assim, possam gozar plenamente de seus direitos, de ser líderes de algo,
que possam se engajar na política representativa, como se vê a seguir:
Precisa assumir até mesmo o papel político, ter uma formação. Um exemplo é a nossa Presidenta e as nossas vereadoras. Precisa até para quebrar o preconceito dos homens, né? Eles falam que a mulher tem que ficar em casa cuidando do marido, dos filhos e da casa. Eu não concordo, a mulher tem o papel dela na sociedade (Agente Social e presidenta da Associação, entrevista realizada no dia 09 de novembro de 2013). [A mulher] precisa assumir um papel na sociedade, principalmente de ser líder de algo, porque, hoje em dia, a maioria das lideranças, vem sendo ‘lidadas’ por mulheres. Eu acho que elas são mais ‘compromissadas’ com a realidade das coisas (Agente Social, entrevista realizada nos dias 09 e 28 de junho de 2014).
Percebe-se nesse último registro que existe uma preservação de
determinados comportamentos naturalizados quanto ao ser mulher na política, quando
ela expressa que as mulheres são mais comprometidas com a realidade. Assim, como
analisa Rabay (2008, p. 177), “a imagem pública da mulher na política corresponde a
um conjunto de características e qualidades que o público considera dever existir ou
mesmo ser natural que exista nas mulheres”. Ou seja, acaba correspondendo a imagens
públicas, que são criadas a partir do processo social e psicológico de caracterização do
que a estudiosa chamou de personae ou de máscaras teatrais.
Numa leitura sobre a diversidade a respeito dos modos de apropriação do
corpo no âmbito do privado e do público, Darmon; Hurtubise e Queniart (2008) dão
suporte para a compreensão de aspectos que repercutem tanto nas ações de
conformidade como de emancipação dos sujeitos,
Os mecanismos de regulação social sobre o corpo não são apenas exercidos por instituições e saberes disciplinares, exteriores aos indivíduos, mas mediados por imagens e linguagens individualmente incorporadas e socialmente reproduzidas, a partir das quais se estrutura o simbólico-corporal e as relações com as demais corporeidades, tanto em público como em privado (2008, p. 08).
97
Nos relatos das Agentes Sociais de Paracuru, notou-se que o processo de
socialização34 entre as participantes do grupo deu-se pelo que elas tinham em comum,
ou seja, uma aproximação provocada pela vulnerabilidade, pela condição de classe e por
ser mulher. Dentre as limitações que vivenciavam, estendia-se à classe popular, a
ausência de habitação digna, saúde, educação, e renda. Reflexões que foram
socializadas pelas Agentes Sociais e endossaram uma mudança na reconstrução do
pensar e do agir dessas mulheres, embora ainda existam fissuras necessárias a serem
travadas no âmbito do espaço privado e principalmente no âmbito público. Todavia,
mas hoje essas mulheres se revelam de outra maneira ao mundo, como se pode perceber
em seus discursos:
Nós nos acostumamos [uma com a outra], como se fôssemos da família [...] éramos como irmãs (Agente Social que atualmente trabalha na área da prestação de serviços, mas que continua associada. Entrevista realizada no dia 27 de abril de 2014). [...] às vezes a gente batia muito com a realidade delas, né [das famílias]? Porque assim: não é que naquela hora eu tava passando pela situação, mas o que eu já passei quando eu era pequena, quando minha mãe não tinha condições, então a gente via isso também (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014). Eu me percebo assim: como você sabe, eu era muito calada, tinha vergonha de falar, hoje eu me soltei mais. Mas eu aprendi a me expressar mais [pausa] a falar coisas que eu não tinha coragem de falar e ficava calada. Hoje, com as meninas na Associação, eu já tive mais coragem de falar o que eu estava sentindo[...] quando eu vi que elas tinham coragem de falar, eu perguntava, por que eu não posso falar o que eu estou sentindo? Eu criei coragem vendo elas terem coragem também (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014).
Na perspectiva apresentada, concebe-se que essas mulheres estão refazendo
suas histórias a partir das condições que lhes são postas. Estão aptas a buscar linhas de
fuga que provoquem também novas singularizações, de maneira que acabam por
potencializar a explosão de seus desejos e sentimentos em ensaios diários que culminam
em uma nova mulher. É possível enfatizar que, em seus microcampos, essas mulheres
estão se tornando resistentes ao sujeitamento dos dispositivos que atravessam os gêneros.
Embora, tanto para essas mulheres como para tantas outras, a história da vida não seja
34 Socialização é compreendida a partir de Setton (2008, p. 23) quando argumenta com base em Muriel
Darmon (2006): “Não designa um domínio dos fatos, mas é uma maneira de se compreender o real; é um olhar, uma perspectiva analítica que se constrói frente ao fenômeno da realização objetiva e simbólica do social”.
98
linear, existem os momentos para avanços e os momentos para retrocessos e é a partir
deles que se aprende a lidar com a realidade.
Nesse processo de mudança de discursos e de práticas, mais precisamente
ao assumirem um papel vinculado também ao âmbito público, podem se tornar
cointencionadas à realidade, como diz Freire (2005, p. 64). Essa cointenção tornam-nas
aptas a serem sujeitos na realidade, “não só de desvelá-la e, assim, criticamente
conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento”. Ao passo que se recria e age,
poderá partir para uma ação política cunhada na liberdade, ou seja, numa ação
libertadora. Malgrado se saiba que não se pode ancorar a ideia de que todas as mulheres,
especificamente as deste grupo-sujeito, venham a despertar ou já despertaram
concomitantemente para esse olhar libertador, haja vista seus contextos, suas realidades
históricas, sociais e culturais e, sobretudo, as relações de poder paralelas entre elas.
4.2 NOS CAMINHOS INTERCRUZADOS POR CONCEITOS: A MULHER NA
BUSCA POR RECONHECIMENTO COMO SUJEITO POLÍTICO
Ainda é comum escutar, nos encontros familiares, escolares e de trabalho, o
comentário de que lugar de mulher é em casa, na cozinha, cuidando dos filhos,
tornando-se, assim, alvo de piadas machistas e preconceituosas. Como foi visto em
seção anterior, essa divisão do âmbito privado e público conduziu a uma prática
assimétrica de acesso aos espaços de poder por parte da mulher.
Não é à toa que, segundo a história do movimento feminista, houve a luta
pelo direito à participação política, movimento denominado de “primeira onda”, uma
batalha que teve início no século XVII, que requeria especificamente o direito ao voto.
Após anos de busca para a garantia desse direito e mesmo com sua conquista, ainda se
amarga na história os desafios para que haja, em pleno século XXI, um percentual
igualitário quanto à participação feminina em esferas de decisão comparada à
participação masculina.
Não é por acaso que, posteriormente ao período de pós-guerra-1945, o
movimento tomou o rumo de reivindicar essa igualdade de participação política, sendo
intitulado, então, como “segunda onda”. Conforme Chambouleyron (2009), surgiram
diversas teorias desse momento no movimento feminista, de maneira que convergiram
para o surgimento do slogan “o pessoal é político”. A estudiosa indica que a expressão
99
serviu para problematizar a dicotomia liberal público/privado, a partir das reflexões e
quebra de paradigmas quanto ao fato de o espaço público ser também de direito da
mulher, considerando a necessidade de haver igualdade a partir do âmbito doméstico.
Para as Agentes Sociais abaixo referendadas, participar da vida comunitária,
estar envolvida com a Associação das Agentes Sociais, é sinônimo de crescimento e de
aquisição de conhecimentos, novos saberes, algo que muitas vezes foi até mesmo
incentivado pelos esposos e pelos filhos, o que demonstra uma quebra de paradigmas
quanto a quem cabia a participação política, além de suscitar uma quebra na assimetria
entre os membros da família. Dentre os discursos foram encontrados estas duas
afirmações; uma registrada no primeiro encontro realizado com as Agentes e outro em
entrevista:
Eu fiquei mais reconhecida [...] eu podia ir longe [...] eu tenho três filhos, deixava com a minha mãe e ia trabalhar, meu marido me dava forças também. E através do projeto eu continuei com os meus estudos e esse ano eu tô terminando e não pretendo parar [...] eu quero continuar [...] eu quero ir mais longe [...] eu quero voar alto (Agente Social, discurso proferido em encontro realizado no dia 9 de novembro de 2013).
Cada dia eu cresço mais como pessoa, espiritualmente. Com esses movimentos que participo, eu procuro cada dia melhorar como pessoa. [...] diariamente eu trago coisas boas pra minha casa. [...] não houve conflitos [refere-se à família]. Eles me incentivam (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Na contramão do que se normatizou por séculos em desfavor da mulher,
atualmente se pode descrever os avanços quanto a seu acesso e ao direito sobre seu corpo,
suas decisões, vontades. Como sinônimo desse movimento denominado segunda onda,
Chambouleyron (2009, p. 16) registra que um dos grandes símbolos desse período foi a
obra de Simone de Beauvoir, que criou o conceito de “corpo como situação”; a autora
francesa considerava que a existência do sujeito não comungava com a do seu
nascimento, ou seja, que este sujeito sofre influências do meio, sendo resultado de
relações recíprocas entre o eu e o meio. Portanto, as questões externas são influenciadoras
de comportamentos e de aceitações e provocadoras de opressão às mulheres.
Nessa perspectiva, outras autoras também influenciaram as discussões nesse
período histórico, dentre estas, podem ser citadas Betty Friedan e Gayle Rubin. Para
Chambouleyron (2009), a primeira concentrou seus estudos sobre a mulher inserida no
espaço doméstico; já a segunda investigava o sistema sexo/gênero, que ganhou vez
entre as feministas e passou a ser explorado a partir do viés de que sexo se referia aos
100
aspectos biológicos do corpo e de que gênero se referia ao que é cultural, atribuído por
esta cultura ao biológico.
Por longos períodos, como já referendou Puleo (2000a), a filosofia e a
própria literatura clássica, em especial a ocidental, foram dominantes ao ponto de
influenciar padrões sociais que condicionaram a mulher à não visibilidade, tirando da
mulher o direito de se mostrar, fortalecendo a partir daí a sua opressão.
Na literatura clássica, Durkheim (1989), quando trata da Divisão do
Trabalho Social, é possível observar que, para o funcionamento harmônico de uma
sociedade, é necessária uma coesão social, a partir da adequação do indivíduo à
coletividade. De acordo com Albuquerque (2007, p. 04), a solidariedade social posta por
Durkheim “traz em si uma complementaridade de papéis e funções sociais”. O homem e
a mulher como seres diferentes constituem partes de um todo que somente se concretiza
com a divisão do trabalho sexual, o que vai originar a solidariedade conjugal. Segundo
o sociólogo francês, a diferenciação e a atribuição de funções femininas e masculinas
vão se produzir com base nas disparidades biológicas. Durkheim vai “aplicar o
evolucionismo biológico à realidade social” (ALBUQUERQUE, 2007, p. 04).
As análises remetem à reflexão de que essas questões foram instrumento de
uma clara desigualdade entre os sexos ao longo da história das relações entre homens e
mulheres. A ideia de complementaridade serviu para legitimar uma hierarquização,
principalmente no que diz respeito às tarefas masculinas e femininas, como também
serviu para a manutenção da ordem social (ALBUQUERQUE, 2007).
As leituras marxistas levam, segundo Moraes (2005, p. 02), para uma
dimensão crítica do pensamento conservador acerca da questão da mulher. Revela esta
mesma autora que a condição social da mulher ganha, então, importância, tendo em
vista que a “instauração da propriedade privada e a subordinação das mulheres aos
homens são dois fatos simultâneos”. Moraes diz ainda que, no Manifesto Comunista, de
1848, Marx e Engels reiteram a identidade que existe entre a opressão da mulher, a
família e a propriedade privada, de maneira que foi preconizado entre os comunistas, a
exemplo da propriedade privada, a abolição da família (MORAES, 2005).
Seguidora da corrente marxista, Cisne (2012, p. 133) acredita que a divisão
sexual do trabalho vem determinando as desigualdades entre os sexos e aponta:
A existência de atividades, profissões e até mesmo habilidades consideradas femininas ou masculinas não resultam de um processo espontâneo, tampouco natural. Ao contrário, resultam da construção concreta de relações sociais
101
que, por sua vez, são determinadas pelos interesses dominantes do sistema social vigente, no caso, o patriarcal capitalista.
De acordo com Ferraz e Araújo (2004), a partir da divisão sexual do
trabalho, o desequilíbrio que foi dimensionado entre o processo de produção de bens e a
reprodução da espécie humana ficou mais eminente. Com vista à ascensão do mercado,
as mulheres foram chamadas a desempenhar certas tarefas que se familiarizavam às
tarefas domésticas, sem deixarem de ser tratadas meramente como reprodutoras da vida.
Para Marx, citado por Saffioti (1992, p. 184), “a primeira divisão do trabalho é aquela
existente entre o homem e a mulher para a procriação”.
Dentre os pensadores de seu tempo, mais precisamente no final do século
XIX até o século XX, Simmel (2006) chegou a ganhar simpatia e apoio das feministas
alemãs, a partir do seu pensamento atinente ao feminino, que o via como “fenômeno
autônomo com suas raízes na natureza feminina, ou seja, sem o uso de parâmetros
masculinos” (SIMMEL apud HOT, 2009, p. 01).
A mulher, para Simmel, na concepção de Hot (2009), teria características
que estão carentes no homem, dentre estas, a capacidade de se emocionar e utilizar a
intuição, de forma que a mulher ficaria numa posição superior em relação ao homem.
Longe de assumir tarefas masculinas como contribuição para a cultura objetiva, ao
desenvolver traços como a emoção e a intuição, a mulher poderia assumir funções na
área da Medicina e da História, promovendo, portanto, um processo de especialização
da sua subjetividade.
Simmel (2009), ao considerar a feminilidade como um fenômeno autônomo,
distanciava-se de outros autores como Kant, quando este considerava o homem detentor
da razão e a mulher enquanto algo semelhante ao desvio ou relacionado a uma falta,
como analisou Puleo (2000a). Marianne Weber diz, segundo Hot (2009), que Simmel
preferiu destacar as diferenças existentes entre os sexos, e que, portanto, ela, Weber
prefere buscar o que ambos os sexos têm em comum.
A cultura objetiva, por exemplo, pode ser trabalhada tanto por homens quanto por mulheres, pois é uma capacidade humana. E, justamente por isso, a cultura objetiva possui, sim, características masculinas – observe-se que não exclusivamente como atesta Simmel – já que os homens constituem-se em seres humanos. As características necessárias para o acesso à cultura objetiva, a saber, racionalidade e objetividade, não são qualidades apenas do masculino, são características dos seres humanos. [...] Ela argumenta, ainda, que até mesmo as tarefas domésticas, domínio essencialmente feminino, segundo Simmel, pressupõem um constante uso da cultura objetiva, já que requerem o uso da razão e de capacidades organizacionais (WEBER apud HOT, 2009, p. 06).
102
Hot (2009) observou que Weber considerava a falta de valorização e de
tempo como empecilhos para uma mulher enveredar em determinadas profissões.
Contudo, a estudiosa diz que, mesmo para uma mulher que cobiçava a igualdade entre
os sexos e a liberdade, também apresentava posturas conservadoras quanto às
responsabilidades femininas, quando argumentava que “não podiam ou não deveriam
trocar seu papel de mãe e esposa zelosa para assumir o de mulher que trabalha fora”
(HOT, 2009, p. 07).
Para Bourdieu (2014, p. 24), o mundo social vai interferir na construção de
um corpo depositório de princípios de visão e de divisão sexualizantes, em que o corpo
é uma realidade sexuada. A partir daí emerge uma percepção incorporada desse
programa social que está aplicado a todas as coisas do mundo. Desse modo, para o
autor, aplica-se, antes de tudo,
Ao próprio corpo, em sua realidade biológica: é ele que constrói a diferença entre os sexos biológicos, conformando-a aos princípios de uma visão mítica do mundo, enraizada na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as mulheres, ela mesma inscrita, com a divisão do trabalho, na realidade da ordem social.
O autor conclui dizendo que a diferença biológica entre os sexos,
precisamente a diferença anatômica entre os órgãos sexuais encontrados no corpo
masculino e no corpo feminino, serviu como justificativa natural da diferença
socialmente construída entre os gêneros, resultando, sobretudo, na divisão sexual do
trabalho. Diante da aplicação das diferenças biológicas e da condição que, ao longo da
história, foi se reproduzindo em torno do ser mulher, é possível compreender que a
“diferença sexual é convertida em diferença política, passando a se exprimir ou em
liberdade ou em sujeição” (SAFFIOTI, 2004b, p. 127).
Essas discussões servem para mediar a argumentação sobre a polêmica
criada, a partir dos anos de 1970, em torno das categorias que fundamentaram reflexões
e que nortearam as explicações acerca dos papéis sexuais, que, até então, eram
designados para homens e mulheres e que sustentaram por longos anos a submissão das
mulheres ao homem. O livro O Segundo Sexo, de Beauvoir (1949), por sua vez, acabou
marcando um momento histórico para o feminismo, nascendo inclusive divergências de
conceitos entre as feministas da primeira onda com as da segunda onda. Mas, como
ainda analisa Chambouleyron (2009), o ponto de convergência pautava-se na questão da
igualdade.
103
A categoria gênero, originada da percepção das feministas, sobretudo,
acadêmicas acerca das desigualdades entre homens e mulheres, vem explicitar que essas
desigualdades são construídas sob o prisma das diferenças entre os sexos, no que se
refere à fisiologia humana, a qual justifica tais condições, como coloca Bruschini (1992,
p. 290), ao afirmar que essa categoria “é um modo de referir a organização social das
relações entre os sexos”. Para Scott (1995, p. 75), por seu turno, é um termo que “visa
sugerir a erudição e a seriedade de um trabalho, pois “gênero” tem uma conotação mais
objetiva e neutra do que “mulheres”. O termo, portanto, é mais ajustável à área das
ciências sociais; chegaria até a dissociar-se, da política para certos críticos do
movimento “ruidoso feminista”. O vocábulo gênero passa então a “incluir as mulheres,
sem lhes nomear e parece, assim, não constituir uma forte ameaça. Esse uso do termo
‘gênero’ constitui um dos aspectos daquilo que se poderia chamar de busca de
legitimidade acadêmica para os estudos feministas, nos anos 80” (SCOTT, 1995, p. 75).
Como a própria Scott (1995) analisa, esse é um dos aspectos para o uso do
termo, de forma que ele pode também estar relacionado à leitura que há sobre os
homens, ou seja, é também utilizado “para sugerir que qualquer informação sobre as
mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do
outro” (p. 75). A pesquisadora aponta que ele é estudado sob o prisma das relações
sociais entre os sexos. Para a autora, com o estudo sobre sexo e sexualidade, o termo
tornou-se uma palavra “particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a
prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens” (SCOTT, 1995,
p. 75).
Uma das reflexões contundentes de Scott (1995) refere-se ao uso de forma
descritiva do vocábulo gênero, haja vista que a sua utilização não tem sido uma
preocupação, principalmente para os historiadores que lidam com as questões da
política e poder, ficando à margem, entrelaçada apenas às áreas que estão relacionados
às discussões de cunho mais social, e dos estudos sobre sexo e família. Para a autora,
isso vai contribuir com uma visão mais funcionalista e com um posicionamento de que
esses temas micro não se relacionam às questões mais estruturais. Scott (1995, p. 76)
diz ainda que, no seu uso descritivo, o termo “gênero” “é então, um conceito associado
ao estudo de coisas relativas às mulheres. ‘Gênero’ é um novo tema, um novo domínio
da pesquisa histórica, mas não tem poder analítico suficiente para questionar (e mudar)
os paradigmas históricos existentes”.
104
As leituras e o uso do termo gênero têm sido motivo de questionamentos e
reflexões, haja vista novamente a proposta de disseminar e tornar a categoria mulher
central das discussões. Na verdade, a partir do segundo momento do feminismo, o
grande questionamento se deu também na ênfase dada à supervalorização da categoria
igualdade. Para Chambouleyron (2009, p. 17),
As mulheres que não se viam representadas pelo movimento, acusavam-no de ter silenciado vozes que são marginalizadas por outras razões além do gênero e que, por isso, têm demandas distintas e muitas vezes conflituosas com as das mulheres que lidavam o movimento.
Uma das influentes autoras acerca do estudo sobre gênero e que tem
repercussão no Brasil atualmente é Butler. De acordo com Piscitelli (2001, p. 15), a
estudiosa considera que o
Gênero não deveria ser pensado como simples inscrição cultural de significado sobre um sexo que é considerado como ‘dado’. Gênero deveria designar o aparelho de produção, o meio discursivo/cultural através do qual a natureza sexuada, ou o sexo ‘natural’ são produzidos e estabelecidos como pré-discursivos.
A mesma autora, consoante Silveira (2014), argumenta que uma leitura de
gênero é importante por explorar as complexidades que envolvem a construção da
masculinidade e da feminilidade, de maneira que essas construções são usadas de forma
simbólica e determinante no acesso ao poder.
Lauretis (1987) mostra que o tratamento do gênero como diferença sexual
acaba por engendrar, estereotipar e criar limitações para o conceito. A pesquisadora
considerou que o termo derivou-se da Biologia ou da socialização, ou ainda da
significação e de efeitos discursivos; de toda forma, menos no sexual e mais na
diferença, e que sempre recairá na diferença, tendo como base o homem. Ela é uma
defensora da tese acerca da ênfase dada aos discursos, tanto institucionais como
artísticos, e tantos outros que contribuem para vincular as diferenças estereotipadas
impostas para diferenciar masculino e feminino e busca um conceito que, de certa
forma, desconstrua a imbricação de gênero e as diferenças sexuais.
Segundo Melo (2013), Lauretis considera gênero a partir de uma teoria que
vê a sexualidade como uma tecnologia sexual. Seguindo a mesma linha de raciocínio,
com base na leitura foucaultiana, ela diz que o autor considerou, então, que tanto o
gênero como a sexualidade seriam um conjunto de efeitos produzidos em corpos, por
meio de tecnologias políticas. No entanto, ao acreditar na visão da existência de que
105
esses corpos podem ser produtos de um meio e inclusive carregados de poder, de
maneira que os sujeitos são afeiçoados pelo poder, não se descarta a possibilidade de
autonomia entre os sujeitos. Essas tecnologias podem vir a ser espelhadas ou
desmascaradas, havendo uma mudança de postura e de prática social. É nesta última
perspectiva que se nota as mudanças ocorridas no cotidiano das Agentes Sociais de
Paracuru, a autonomia que se obteve no decorrer do acesso a novas práticas sociais,
provocando o despertar para a existência da desigualdade entre homens e mulheres,
consequentemente para o poder e exercício em novos espaços fora do contexto
doméstico.
Acerca dos conceitos que medeiam os debates sobre as categorias
mulher/gênero, existe uma luta entre os paradigmas que norteiam as feministas,
principalmente entre autoras modernas e pós-modernas. Todavia, este não é o foco desta
pesquisa, e, por isso, não há empenho maior no momento para aprofundar este tema. É
interessante citar que Fraser (2002) é uma das intelectuais a encarar que os modelos e
conceitos modernos e pós-modernos são complementares, pois busca reunir as
categorias “igualdade e diferença, poder e autonomia, numa teoria feminista capaz de
descrever a desigualdade de gênero em cada contexto social e emancipar as mulheres
dessas desigualdades” (CHAMBOULEYRON 2009, p. 13).
Fraser (2000), diz que existe a necessidade de revisitar a categoria gênero
atualmente, tendo em vista a não contribuição com o truncamento na problemática
feminista, de maneira involuntária, que acaba conspirando com o neoliberalismo. Ou
seja, a autora argumenta que é preciso incorporar a problemática centrada no trabalho
associado ao feminismo socialista, sem deixar de acomodar a problemática centrada na
cultura, de forma que englobe o interesse de ambas as correntes. Segundo Fraser (2002,
p. 64),
Isso exige uma teorização tanto sobre o caráter de gênero da economia política quanto sobre a ordem cultural do androcentrismo, sem que qualquer uma das duas seja reduzida em função da outra [...] Disso resultará uma concepção de gênero bidimensional. Atualmente, só uma concepção assim poderá apoiar uma política feminista viável.
Piscitelli (2004), ao destacar as análises de Costa (1998), no estudo O
Tráfico do Gênero, registra que a estudiosa demanda um retorno à noção de mulher
como categoria basilar, a partir da compreensão de que mulher seria uma categoria
política, considerando que o uso da categoria gênero se deu de forma perversa, por meio
de sua transformação, às vezes em masculinidade. O estudo sobre a mulher, então,
106
torna-se um fardo para as pesquisadoras, a partir do momento em que, ao investigar a
opressão vivenciada pela mulher, o homem também deveria ser objeto de estudo, haja
vista ser gênero um termo relacional.
Para Costa (1998), o uso do termo permitiu certa despolitização dos estudos
feministas, em especial no contexto acadêmico latino-americano. Isso levaria à ausência
de uma postura articulada quanto a um projeto político feminista, sobretudo ao fugir do
olhar crítico feminista. Ao tecer algumas conclusões sobre o tema, Costa (1998, p. 132)
provoca e sugere um retorno à categoria mulher,
Entendida não como essência ontológica, nem mesmo no sentido restrito de mulher como essencialismo estratégico, mas na acepção ampla de posição política (o que necessariamente implica algum tipo de essencialismo estratégico em um primeiro momento).
Para Silveira (2014), ao sugerir esse retorno à categoria mulher como
categoria política, Costa (1998, p. 56) ressalta o fato de esta ser uma categoria
“heterogênea, construída historicamente por práticas e discursos diversos que embasam
o movimento feminista [...] o qual está constantemente ligado aos espaços social,
cultural, geográfico, econômico, racial, sexual etc.”.
Por fim, para Piscitelli (2001), segundo Nicholson (2000), a categoria
mulher, dentro dos termos propostos, ao ser usada, traria uma dupla vantagem, pois
proporcionaria o reconhecimento das diferenças existentes entre as próprias mulheres e
possibilitaria tecer o reconhecimento também das semelhanças. Isso remete a um
distanciamento de qualquer reflexão essencialista sobre a categoria mulher. Ao trabalhar
nessa perspectiva, Piscitelli (2001), de acordo com Costa (1998), observa que estaria
trazendo contribuições mais políticas sobre as discussões, bem como estaria criando
mais possibilidades de teorizar com maior desenvoltura as questões pertinentes às
relações e tecnologias de poder.
Ao perguntar às mulheres desta pesquisa a respeito do que seria ser uma
Agente Social, uma das respostas encontradas remeteu-se bastante às reflexões de
Piscitelli e Costa, quando na fala expressava uma identidade entre as Agentes Sociais, a
A partir do reconhecimento como mulher e da existência da Associação formada apenas
por mulheres em Paracuru. Embora, como já alegado anteriormente, a pauta principal
dessas mulheres não seja o movimento feminista, mas os direitos discutidos, as
motivações das lutas imbricam-se ao direito da mulher de decidir e deliberar, como se
pode observar adiante:
107
Eu não sei se é porque Agente Social só tem mulher, é hoje ser mulher. É ser Agente Social é ser reconhecida, é ser guerreira [...] já vi na internet que tem local que não é só mulher, é tanto homem como mulher, e o nosso não, é só mulher. Então não sei se é porque eu foco muito em relação Agente Social por ser mulher e a construção dela é colocar mais mulheres, que eu acho assim que ser Agente Social é importante, porque ali só tem mulher, a opinião não tem ‘o do contra’, às vezes do contra tem, mas, assim, pensam igual, não pensam diferente, pensamento de homem é diferente da mulher, apesar de querer concordar, mas sempre tem a ‘opinião do contra’, diferente, mas pelo menos uma opinião que dá, que vai fortalecer, que vai dar força, na parte do Agente Social (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014).
Dentre os embates mais contemporâneos acerca do tema gênero/mulher,
como já enfatizado, a autora Butler vem sendo bastante estudada. Na leitura de Osterne
(2013), Butler (2008) direciona os leitores para uma discussão a respeito das identidades,
subjetividades assumidas e construídas no interior da linguagem e do discurso. Ou seja,
vai considerar que as palavras provocam ações e atuações. A partir daí, poderá gerar
identidades generificadas e sexuadas de forma performativa. A frase de Simone de
Beauvoir (apud OSTERNE, 2013, p. 03) caberia como explicação para essa análise: “Não
se nasce mulher, torna-se mulher”. Ainda sobre as análises de Butler (2008), o tornar-se
mulher de Beauvoir perpassa uma compulsão cultural em fazê-lo, de tal forma que essa
compulsão não parte do sexo.
Dessa forma, para Butler (1998), mulher parte de uma autoconstrução,
podendo ser algo voluntário. Para Femenías (2012, p. 314), a discussão trazida por
Butler, quanto ao tornar-se mulher, “implica, então, um ato da vontade, uma construção
que designa a variedade de modos pelos quais se pode adquirir significado cultural ou
reconhecer inteligibilidade ao processo de autoconstrução do gênero ao que se torna”.
Portanto, é atendendo a essa abordagem que se pode dizer que a mulher é um sujeito em
processo de construção de maneira discursiva.
Ao considerar dentre as categorias centrais o termo mulher, vêm sendo
basilares as conclusões extraídas da leitura e análise de Bonetti (2009), Costa (1998) e
Piscitelli (2004). Esta última pondera, que o pensamento feminista, embora reitere a
ausência de unidade nos paradigmas das discussões sobre categorias, conceitos e
práticas, vem de forma alargada contribuindo e compartilhando de algumas ideias
centrais quanto às reflexões sobre a questão da mulher, principalmente no que se refere
ao seu sentido político. A autora aponta, sobretudo, a condição social vivenciada pela
mulher, materializada por meio de uma subordinação em relação ao mundo masculino,
subordinação esta que pode variar de acordo com o momento estudado e o mundo em
108
que se inscreve, embora não deixe de ser pensada de forma universal, haja vista que a
condição de subordinação também ocorre em todas as partes e períodos.
O pensamento feminista, entretanto, desperta para um questionamento que
vem fundamentando grandes reflexões a respeito da condição da mulher, a saber, o
suposto caráter natural da subordinação, baseando-se na argumentação de que a
subordinação decorre da forma como a mulher foi construída socialmente.
No campo da perspectiva de desvelar essa subordinação, no que diz respeito
às relações entre as Agentes Sociais de Paracuru com os demais membros da família, no
que concerne a objeções ou a possíveis intervenções quanto à participação delas no
grupo político, não permaneceu apenas nas relações de apoio. As mesmas enfrentaram
também desafios para continuarem na vida política. Isso serve para destacar também
que essas questões relativas aos direitos de acesso ao espaço público por parte da
mulher pode se dar muitas vezes, sem violação de direito ou violência, sendo vistas a
partir da reflexão de concessões que ocorrem nas relações, também como uma forma de
manter-se no poder, sobretudo de quem está na condição de dominante. Mas, no caso
das Agentes Sociais, estas foram resistentes e provocaram fissuras ao mostrarem
vontades e desejos.
Mas, dentre os discursos que marcaram a dualidade entre o apoio e o não
apoio da família, pode-se mencionar o relato de uma das mulheres em entrevista,
quando revelou que passou a conviver com uma determinada pessoa após ter iniciado
no grupo de mulheres. Esse envolvimento, com o transcurso dos anos, passou a ser
conflituoso, pois o companheiro dela não aceitava o fato de ela estar envolvida numa
associação.
[Foram] Sete anos [de relacionamento]. Desse relacionamento tenho dois filhos. Não morávamos na mesma casa, mas ele não aceitava, achava que a Associação era uma besteira, e pra mim não era. Era algo que eu queria e que eu ia crescer, e realmente eu cresci (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de abril de 2014).
A partir do conflito existente, da não aceitação, vêm as resistências e a
quebra de paradigmas e estereótipos. Na contramão do performático, do apreendido, o
discurso abaixo reflete uma ruptura com o essencialismo feminino e começam as
Agentes Sociais a despertarem para novas atuações e práticas sociais.
Foi o que me deu estímulo para tomar uma decisão, porque eu via que aquilo não dava certo, não era aquilo que eu queria. Eu queria estudar, ter um emprego [...] eu diria que a gente tem que aprender a tomar decisões e
109
ver que um relacionamento a gente torce pra ser para sempre, mas às vezes isso não acontece, e o conhecimento a gente tem pra sempre. Se eu não tivesse tomado essa decisão, hoje eu talvez não estivesse aqui. Depois que eu tomei essa decisão, fiquei um período só, estudei, passava três dias longe dos meus filhos, coisa que eu nunca tinha feito. Eu percebia que eu queria coisa melhor. Eu fui atrás do melhor. Hoje, graças a Deus, tenho minha casa, conheci uma pessoa, casei, tenho transporte, e isso foi através do que eu aprendi no projeto, na associação, no CREAS, com as pessoas. Então isso é gratificante (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de abril de 2014).
Constata-se que, ao longo do caminho, como Agentes Sociais, essas
mulheres, em meio às ambiguidades nas suas relações de gênero diante do conformismo
e invadidas por desejos, tenham intercruzado ou mesmo, em determinados momentos,
ultrapassado as barreiras criadas pela “histerização do corpo da mulher”, como se refere
Foucault (2014, p. 113) a um dos quatro grandes conjuntos estratégicos que são
referências para o desenvolvimento de dispositivos de poder e saber sobre o corpo,
sobre o sexo.
A estratégia citada refere-se ao tríplice processo pelo qual o corpo da
mulher foi analisado, qualificado como desqualificado, um corpo vigiado, tratado como
patológico pela medicina, sob controle social, preparado apenas para procriar, em
função da família, para cuidar dos filhos e, como diz Foucault (2014, p. 113),
preocupado com a vida da criança “que produz e deve garantir, por meio de uma
responsabilidade biológico-moral”, toda uma educação.
Por isso, no decorrer do contato com as mulheres Agentes Sociais,
especificamente as 25 (vinte e cinco) associadas, caminhos diferenciados foram
percebidos, dentro de cada vida escolhida e conhecida. Certas mulheres ultrapassaram,
de forma mais crítica, mais conscientes, os dispositivos de poder e controle, até
baseadas pela dor e pela violência, as trilhas em busca da liberdade. Outras
consolidaram as vivências sociais, o desejo de se mostrarem e de serem reconhecidas
em comum acordo, consensuados com seus companheiros e filhos. Algumas destas,
tendo apoio de outras mulheres, membros do próprio grupo de Agentes Sociais de
Paracuru, constituído pela socialização efetivada no contexto do grupo de trabalho, do
contato comunitário. Já outras desistiram do caminho que as levaria a cuidar de si por
meio da política, da participação; movimentaram-se de outra forma, redescobrindo
novos olhares, possivelmente em distintas formas de enxergar a beleza da resistência,
de traçar novas trajetórias.
110
4.2.1 Mulheres na polaridade entre subordinação e insubordinação
Ao se compreender que a subordinação apresenta características mutáveis, é
possível dizer que as condições para esse estado de subordinação e inserção social
também podem ser modificados, isto é, o espaço social a ser ocupado pela mulher pode
ir além do meio privado; ela assume seu reconhecimento político, ancorando-se na
“ideia de que o que une as mulheres ultrapassa, em muito, as diferenças entre elas.
Dessa maneira, a identidade entre as mulheres tornava-se primária” (PISCITELLI,
2004, p. 46). Essa reflexão é aguçada também no discurso abaixo da Agente Social que,
a partir da inserção política, quando reconhece a diferença entre os seus pares e o senso
de responsabilidade ao estar numa coletividade.
[...] tinha coisa que eu dava muita importância e deixava de dar importância para o que realmente merecia. E também porque é uma unidade, você vai ter que aprender a lidar com as diferenças, a respeitar as opiniões e saber que muitas vezes você tem que ouvir mais do que falar. Porque eu já gosto de falar ‘arretado’, eu já tenho uma língua solta, às vezes não seguro a língua e sai ‘debandando’. E assim o respeito também [...]. Então a gente aprende demais, é um aprendizado [...] (Agente Social, entrevista realizada no dia 27 de março de 2014).
Sendo assim, pode-se dizer que, mesmo existindo diferenças apresentadas
por elas, essas mulheres se aproximaram pelo que lhes feria, aguçava-lhes e
impulsionava-lhes a trilhar; por semelhanças pautadas na condição de vida, de direitos
negados, já expressados anteriormente.
Diante disso, faz-se viável citar Gohn (2012, p. 23), quando afirma que
“experiências vividas no passado, como opressão, negação de direitos etc., são
resgatadas no imaginário coletivo do grupo, de forma a fornecer elementos para a leitura
do presente”. Essa vivência foi experimentada principalmente durante as capacitações
concretizadas no início do processo de fomentação do grupo Agentes Sociais e com o
processo de socialização entre elas em meio às reuniões, e aguçadas na metodologia
utilizada nesta pesquisa. É o que revelam as citações abaixo:
Foi uma coisa muito importante [a inserção no grupo], muito importante [...] por causa que eu só vivia em casa, aí, a partir do momento que eu me inseri, eu criei novas amizades, conheci famílias, conheci as situações das famílias (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014). O poder de estar identificando as famílias por situação, de juntá-las e passar para elas o que a gente aprendeu com outras pessoas, com vocês. E passar isso pra alguém é muito importante (Agente social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
111
Foi importante, [ao responder sobre a importância da Associação] porque aprendemos muitas coisas, conhecemos e presenciamos fatos que nos mostraram que a nossa vida é muito além do que nós pensamos. [...] foi muito importante esse tempo com a Associação, só enriquecemos mais e mais na vida. Em termos de aprender o que não tínhamos conhecimento. Saber como é a vida fora de casa, aprender a viver, conhecer novas pessoas. Só tivemos conquistas durante esse período, nunca perdas, apenas conquistas e conhecimento (Agente Social, entrevista realizada no dia 25 de abril de 2014).
A semelhança e a continuidade no trabalho, mesmo voluntário, não se dava
apenas em função das dores ou alegrias sentidas pelas Agentes Sociais, mas também
pelas dores e pelos desejos de outras mulheres acompanhadas pelas Agentes, observado
no próximo discurso:
Ser Agente Social, assim, um papel que eu acho que é importante[...] você tá convivendo ao mesmo tempo com a realidade diferente, ao mesmo tempo você se encontra com a mesma realidade, e você percebe também que, assim: quando você sai da sua casa, aonde você sai pra fazer uma entrevista pra você acompanhar, pra você ver a vida daquela mulher, que a realidade que ela vive, então, assim, você se vê naquela condição [...] participar da Associação [não é vista apenas como espaço para nós que estamos lá], mas também ajudar às outras pessoas. Se eu tô numa Associação, se eu tô num grupo de mulheres e a gente trabalha com mulheres, é porque a gente acredita que dali a gente pode [...] ajudar às outras famílias também, a ver a necessidade e poder tirar algo da situação, resolver alguma coisa também, por ser mulher e ver a situação da outra mulher [...] é realizar também um sonho dela. Vamos supor, o sonho dela [qual é?]. Como a gente sempre sonha por um projeto, qual é o projeto no meu ponto de vista em relação a isso: é ver que as mulheres[...] que elas possam também, da mesma forma que a gente conseguiu alcançar, que elas também possam, então, também abrir barreira (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014).
Este discurso permeia a compreensão da ideia primária de identidade citada
anteriormente por Piscitelli (2004). De maneira política, há um compromisso com a
perspectiva de ruptura do espaço privado e moralizador exclusivo para mulher. Esta
Agente Social, a exemplo das demais, reverbera a proposta de um espaço social
ocupado por ambos os gêneros. Percebe-se a compreensão de que as mulheres precisam
explorar e concretizar práticas que tornem outras mulheres desbravadoras de novos
caminhos, novas vidas possam surgir, e mais mulheres consigam ultrapassar as barreiras
dos códigos que as submetem a condições desiguais, diferenciadas e excluídas dos
espaços de decisão.
Para Silveira (2014), existe a compreensão da existência de um poder
simbólico como componente das relações de gênero, responsável pelo estabelecimento
de condições a homens e a mulheres de forma diferenciada, como os discursos que
passam a ser assumidos e incorporados em habitus pelos gêneros e que percorrem ainda
112
hoje a subjetividade feminina. O relato a seguir da Agente Social, traz esta ruptura do
normatizado e do simbolicamente reproduzido em torno das responsabilidades
diferenciadas ou de forma desigual. Eis o relato:
[A mulher deve procurar] fazer alguma coisa porque tem muitas mulheres que só dependem do marido, só tá ali dentro de casa, não vai batalhar, procurar alguma coisa [...] Ajudar o marido, tem que ficar só em pé de fogão, não! Tem que ajudar o marido também e também se valorizar [...] Ficar só ali no pé do fogão ali [...] Pronto, casei, tive filho, perdi o valor, vou ficar ali na cozinha! Não é assim, não. Tem que dar a volta por cima, procurar alguma coisa para fazer. Ficar dependendo só de homem, não! E sempre bonita, sempre arrumada (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014)
O discurso supracitado caminha para o fator resistência, a marca deixada
pela mulher quando a ela cabia a valorização apenas dos cuidados com os afazeres
domésticos. Observa-se, contudo, a mensagem de que o corpo, na sua simples aparência
estética, está entrelaçado a uma luta ética e de convicções sociais, sobretudo de
posicionamentos acerca do espaço que é de direito da mulher, como diz Ferreira (2013),
de confrontação social, numa revelação de forças tanto de controle como de resistência,
de subordinação e de emancipação. O mesmo autor ao citar-se afirma que se deve olhar
o corpo como um lugar que vai além de uma atuação disciplinar, devendo ser olhado
Também como lugar de oposição, resistência e emancipação social. A mobilização social do corpo não está efetivamente reduzida a mecanismos que operam no sentido da sua sujeição e contenção, nomeadamente quando o sujeito investe em usos corporais que têm na sua base a intenção de desafiar a ordem corporal e social existente [...] (FERREIRA, 2013, p. 509).
Ferreira (2013), em suas análises, ao citar ainda Hardin (1999), vai
conceituar que o corpo é passível socialmente de ser apropriado e reagir enquanto uma
instância de contra-poder, podendo existir reações e enunciações.
Os estudos foucaultianos apontam que, na Grécia clássica, no meio dos
tratados mais desenvolvidos acerca do matrimônio, na relação entre os esposos, a
atração que deveria existir era aquela que se exerce de maneira natural, sendo, portanto,
o uso de artifícios como o tratado por meio da beleza para multiplicar o desejo e os
prazeres desprezado. Ao passo que a mulher, para parecer e manter-se bela, bastava
ocupar-se com a casa, num exercício continuo, assumindo uma posição ereta na
ocupação e realização das responsabilidades domésticas, mantendo-se de pé e
marchando para que o corpo assumisse essa postura.
No caso específico do discurso citado, a mulher passa a assumir um lugar no
espaço fora de casa para arcar também com as responsabilidades na arte de governar,
113
função que caberia ao homem na Grécia antiga e, até pouco tempo, entre sociedades
modernas em pleno século XIX (FOUCAULT, 2014)35. Contudo, abre-se um destaque
no discurso acerca da valorização da mulher relacionado ao fato de manter-se sempre
bela, bonita e na busca por um espaço fora do contexto doméstico. O que se observa
ainda é um corpo que se utiliza de estratégias de poder, estratégias mediadas por
aspectos externos como a própria roupa utilizada, para manter-se proprietária do seu
corpo e do seu olhar para si.
Para a Agente Social, as impressões no exceto supracitado e para outras
Agentes Sociais o fato de saírem de casa, ter que trabalhar, e ter sua própria renda,
representa uma identidade, a de mulher corajosa, aguerrida; Mesmo que em
determinadas falas seja possível perceber as influencias de um senso de
responsabilidade que ainda as cabe pelo cuidado com a família, mas, há sempre com
elas um sentido de compartilhamento e busca de valorização, principalmente quando
estas vivenciam uma relação afetiva. De toda forma, é possível apontar uma
insubordinação e resistência ao que foi comum ser aceito como preceitos reguladores
impostos à mulher. É o caso dos preceitos na Grécia antiga durante a era Cristã a qual
determinava a condição de subordinação da mulher ao homem.
Para Foucault (2014) analisa que até à imposição da monogamia, por meio
da doutrina e pastoral cristã, o aforismo que permaneceu notável e seguido na relação
conjugal correspondia aos preceitos de Demóstenes, considerado um preeminente
orador e político grego, nascido em Atenas no século IV a.C., quando formulou: “As
cortesãs, nós as temos para o prazer; as concubinas, para os cuidados de todo dia; e as
esposas, para ter uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar” (DEMÓSTENES
apud FOUCAULT, 2014, p. 176).
No que concerne às leituras foucaultianas, até o período da relação
poligâmica entre os casais, a mulher, esposa, tinha uma relação concorrencial com as
demais, de forma que ser esposa estava também diretamente ligado à aptidão de dar
prazer ao homem. Para o filósofo francês, essa situação tornou-se agente de muitos 35 O tema é explorado na obra História da Sexualidade II: o uso dos prazeres, de Foucault (2014), ao
estudar a genealogia do homem de desejo, desde a Antiguidade Clássica até os primeiros séculos do cristianismo. O pensador francês dedica-se a explorar a maneira pela qual a atividade sexual foi problematizada pelos filósofos e médicos, na cultura grega clássica, no século IV. Vem mostrar, dentre os pontos pertinentes, as mudanças ocorridas no tratado da sexualidade a partir da institucionalização da moral cristã, principalmente quando a relação entre homem e mulher se passa de uma estrutura poligâmica para seguir uma máxima moral que deveria ser consolidada na monogamia.
114
problemas, ao mudar com a doutrina cristã, a partir do momento em que o homem não
pôde mais ir em busca dos prazeres fora da relação conjugal, em razão de os objetivos
referentes às relações sexuais para o cristianismo servir apenas para procriação.
Entre os períodos correspondentes à constituição de uma sociedade
poligâmica e/ou monogâmica, conforme os estudos foucaultianos, a mulher esteve sob a
imposição de leis e regras desiguais em relação à dos homens. É o caso das mulheres
que, ao serem acusadas de adultério, não podiam se expor em cerimônias de culto
público. Para Demóstenes, por meio da lei, a mulher deveria sentir medo e temor para
permanecer honesta e não cometer faltas, assim seria fiel guardiã do lar. Dessa maneira,
para Foucault (2014, p. 179), “o status familiar e cívico da mulher casada lhe impõe as
regras de uma conduta, que é a de uma prática sexual estritamente conjugal”.
Nessa perspectiva, é patente o fato de que as mulheres deveriam, portanto,
saber respeitar as regras que lhes eram impostas, sobretudo para a manutenção do
controle econômico familiar. As relações conjugais eram vistas como negócios em
âmbito privado. Sobre isso, atualmente, pode-se afirmar que o Estado vem se utilizando
de sutilezas e estratégias para a manutenção dessa situação econômica sobre bens e
direitos, constituídos entre os cônjuges36, como mostra o discurso da Agente Social ao
iniciar sua fala questionando a dependência da mulher ao homem. Ela relata a
dificuldade que teve para ter acesso a um serviço, em razão do seu estado civil:
Eu não aceito isso[...] Eu tenho vinte e três anos de casada e eu não consigo[...] Tem coisa, infelizmente, que eu fazia sozinha[...] Eu tenho que perguntar[...] A casa, por exemplo, é minha e dele. Esse negócio de autoridade[...] às vezes[...] Eu me sinto mal com isso. Eu sou determinada, eu determino, eu faço do meu jeito [...] Aí, com um tempo, eu fui refletindo, fui olhando[...] tem coisa que infelizmente[...] Deixa eu dizer: determinada vez eu fui fazer um empréstimo pra fazer a minha casa, [decidi] Eu vou sozinha[...] Fui lá[...] Ajeitei toda a papelada. Quando chegou a hora[...] [perguntaram] ‘Você é casada no civil’? Aí eu disse: ‘sou’. ‘Cadê a documentação do marido?’. Fui determinada e aí [...] Agora vou precisar da criatura [...] (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
36 Um dos casos mais recentes na manutenção desse controle do Estado, correspondeu às regras
pertinentes aos benefícios previdenciários.Conforme o jornal Folha de São Paulo do dia 29 de dezembro de 2014, o Governo Federal anunciou regras mais rígidas para os beneficiários da previdência que dependem de pensão por morte ou outros benefícios como abono-salarial. Para o governo, na pensão por morte, haverá carência de 24 meses de contribuição previdenciária pelo segurado para que o cônjuge possa herdar o beneficio. Também será exigido tempo mínimo de dois anos de casados ou que tenham uma união estável por igual período. A mudança vai alcançar, sobretudo, as mulheres jovens que ficam viúvas novas e ficam com os benefícios do cônjuge falecido. Parte desta informação está disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/12/ 1568439-governo-muda-regra-de-pagamento-de-beneficios-como-seguro-desemprego.shtml>. Acesso em: 5 jan. 2015.
115
Para Lima (2001), com base em Lins (2000), a ética cristã teria valor
significativo na subordinação e retalhamento causado à mulher, pela propagação de
hierarquias entre homens e mulheres, principalmente em função do que foi atribuído à
“virtude sexual”. O ser feminino, diante do pecado original cometido por Eva, passava
assim a exercer apenas a função de procriação, numa condição submissa ao homem.
Lins (2000) reforça que as regras estão bastante explícitas nos escritos bíblicos do velho
testamento. Esta considera a mulher um ser maligno que deveria ser dominado,
escravizado e inferiorizado: “[...] em meio a dores, dará à luz filhos, o teu desejo será
para o teu marido e ele te governará” (GÊNESIS, 03:16 apud LINS, 2000, p. 44). Nesse
período patriarcal, as mulheres consideradas respeitáveis eram cercadas também de
restrições, enquanto as pecadoras eram desrespeitadas, insultadas.
Ainda foi possível perceber que há outros anseios, desejos e vontades das
mulheres desta pesquisa, como um processo que se aproxima da contestação de seus
corpos aos poderes disciplinadores. Mulheres que lutam contra a passividade, contra o
impulso, contra aspectos considerados, ao longo da história, exclusivos do gênero
feminino, que as levaram à subordinação, ou mesmo a perfis estereotipados e
preconceituosos, passando a ser marginalizadas. Hoje, porém, encontram-se num
processo de reação e enunciação de novos saberes e práticas mesmo em meio ao
controle, mas também na resistência e insubordinação.
4.3 DOS CUIDADOS COM OS OUTROS À LUZ DO CUIDAR DE SI
Com exemplos de rupturas, o contato com as Agentes Sociais mostrou
também que foram poucas as que destacaram, a princípio, a necessidade de inserção no
campo de trabalho apenas por preocupação exclusiva com a criação da prole.
Entretanto, sabe-se que o início de toda trajetória das mulheres em questão se deu em
meio à necessidade de se gerar renda para as famílias; de tirá-las do espaço doméstico e
inseri-las no contexto de trabalho, formal ou não. Esse assunto chama a atenção diante
do aspecto vinculativo da mulher ao tema do cuidado, considerando que a realidade
brasileira ainda é marcada por questões de gênero que exigem do poder público a
garantia de uma série de direitos para assegurar à mulher melhores condições de vida,
respeito e dignidade e menos tempo dedicado exclusivamente aos cuidados domésticos.
Dados do IBGE (2010) mostram que, embora tenha ocorrido um aumento na
taxa de atividade das mulheres, essas permanecem como as principais responsáveis pelas
116
atividades domésticas e pelos cuidados com os filhos e demais familiares. As crianças e
os idosos são o foco dos seus cuidados, o que lhe acarretará uma sobrecarga,
sobremaneira para aquelas que também realizam atividades econômicas fora do
domicílio. Nesse caso, especificamente no Brasil, fala-se da inserção no trabalho
doméstico. Segundo os dados fornecidos por meio da Síntese dos Indicadores Sociais
divulgados pelo IBGE no Censo de 2010,
No Brasil, a média de horas gastas pelas mulheres em afazeres domésticos é mais do que o dobro da média de horas despendidas pelos homens. Em 2009, enquanto as mulheres ocupadas gastaram, em média, 22,0 horas semanais em afazeres domésticos, a média entre os homens foi de 9,5 horas [...] A questão dos afazeres domésticos sob a perspectiva da escolaridade mostra que as mulheres com 12 anos ou mais de estudo passam menos tempo se dedicando a esses afazeres, 17,0 horas semanais, quando comparadas àquelas com até 8 anos de estudo, que despendem cerca de 25,3 horas semanais nesse sentido (BRASIL, 2010b).
Como se pode constatar, a dimensão do cuidado passou a ser intensificada e
lançada às famílias como desresponsabilização do Estado; no caso brasileiro, assumida
muitas vezes pela política de Assistência, Saúde e Educação, cabendo principalmente à
mulher tomar esse encargo. Mesmo com todos os estudos e em meio aos avanços em torno
da questão da mulher, ainda é possível constatar dados como esses apresentados pelo IBGE.
O cuidado é um termo que provém do latim cogitatu. Para Silva et al. (2009,
p. 698), este é a “totalidade das estruturas ontológicas do Dasein (ser-aí) como ser-no-
-mundo: em outros termos, compreende todas as possibilidades da existência que
estejam vinculadas às coisas e aos outros”. Autores como Heidegger (1997) e Silva et
al. (2009) expõem que não se pode cuidar sem considerar as determinações ontológicas
da condição humana. Portanto, “não é possível cuidar de maneira autêntica sem assumir
propriamente, de maneira livre, sua existência sem deixar de considerar nossas
limitações” (SILVA et al. 2009, p. 699).
Uma outra perspectiva, mais utilizada inclusive pela área da enfermagem,
corresponde à linha do autocuidado, centrado na linha da totalidade, visa o ser humano
como um ser somativo, sendo necessária sua adaptação ao meio ambiente para chegar
aos seus objetivos. De certa forma, o ser ou indivíduo é entendido de maneira
fragmentada, como afirmam Silva et al. (2009).
Diante dessa perspectiva, cabe, então, o questionamento: por que cuidar? De
acordo com Alves (2013), com base na análise de Mauss (2008), a sociedade é fundada por
uma dimensão simbólica, de sorte que existe uma estreita ligação entre a dimensão
117
simbólica e o que ele chama de obrigação de dar, como ainda receber e retribuir. Todo o
sistema é, pois, simbólico no sentido em que as trocas acontecem e se mantêm motivadas
por aquilo que elas representam socialmente. O ato de cuidar não foge a essas influências.
Por isso, cuida-se diante daquilo que as pessoas que precisam de apoio são, que se cuida
pelo outro e pelo laço que define a relação. O ato de cuidar é “(subjetivamente) influenciado
por valores, crenças, afetos e pelas concepções que quem cuida tem sobre a família e sobre
o cuidado familiar” (FLORES et al., 2011 apud ALVES, 2013, p. 184).
Entretanto, o ato de cuidar, não se dá da mesma maneira entre homens e
mulheres; cuidar se refere, de forma mais alargada e extensiva, à mulher, seja no âmbito
da família, seja no contexto das profissões determinantes como as existentes na área da
saúde e da educação. As Agentes Sociais de Paracuru, antes de serem capital humano no
uso de estratégias de poder sobre os corpos da sociedade, também se constituíram como
cuidadoras nos seus espaços microfísicos, assumindo papéis que foram além da dádiva.
Nessa esteira, é fato que as Agentes Sociais de Paracuru foram instrumentos
de dispersão desse cuidado, seguindo uma plataforma de cunho mais reformista, a
exemplo do que acontece em muitos países latinos como o Brasil ou mesmo europeus,
conforme ressalta Alves (2013, p. 190): “em todos os países, as contribuições dos/as
cuidadores/as informais excedem a rede de serviços profissionais, evidenciando a
importância que as relações informais têm para as pessoas em todos os contextos”. Essa
estudiosa acaba afirmando que não é apenas pela ausência de alternativas por parte do
Estado em ofertar os cuidados por vias formais, mas que essa “relação do cuidado
informal é uma relação de dádiva, fundada no amor, na relação parental, na
reciprocidade afetiva, que parece bastar-se a si própria” (2013, p. 191). Pode-se afirmar
que essa dádiva feminina passa a compor as práticas de si, numa perspectiva que pode
engessar e disciplinar, ao ponto de naturalizar os corpos para essa prática, que as
condicionam a papéis sociais como o de ser mãe.
Essas mulheres, entretanto, não se perceberam exercendo suas atividades ou
gerindo suas ações condicionadas aos valores maternos, a partir da responsabilidade que
assumiam junto à comunidade. Sempre afirmaram que gostavam de realizar as
atividades comunitárias, sobretudo de visitas às famílias, para conhecer a realidade
delas. Houve aquelas, nos encontros coletivos, que reforçaram a ideia de que realizavam
suas atividades porque tinham um compromisso com as questões sociais. Uma das
Agentes Sociais, ao ser provocada sobre esse compromisso, explanou que era natural,
118
porém cabia ao homem e à mulher. Não prevaleceu entre as Agentes Sociais o cuidado
com a comunidade vinculado à transposição de papéis de mãe e esposa.
Para Bonetti (2009), essa condição de transposição dos papéis de mãe e
esposa provém da concepção de Alvarez (1988), a partir do sentido de extensão que as
mulheres a que Alvarez chama de militante, conduzem a participação política para o
campo das reivindicações. É uma temática37 explicativa que continua povoando e
justificando alguns estudos sobre a participação ou ativismo político das mulheres,
mesmo utilizadas em contextos históricos e políticos específicos.
No tocante às Agentes Sociais de Paracuru, o que se percebeu com maior
veemência foram as fissuras produzidas nessa prática do cuidado simplesmente direcionada
ao outro, embora não a tenham largado na sua totalidade, mas não deixaram de olhar para a
sua beleza, sua história e a importância que tinham a partir da percepção e importância de
cuidar de si. Como diz Cantuário (1998, p. 70), ao parafrasear Ronik (1996), “a produção de
outra subjetividade expressa-se como recusa a consumir os kits de perfis-padrão que
controlam a ordem social. O processo de constituição de subjetividade singular surge em
confronto à subjetividade serializada produzida em escala planetária”.
Parecendo uma dualidade de práticas, as mulheres deste estudo vivem seu
cotidiano no limite da ordem social naturalizada e estabelecida; no entanto, conseguem
romper e criar espaços de insubordinação e de emancipação, ao quererem ir além do que
tem sido posto à mulher pobre, interiorana, de descendência indígena e ou africana, no
caso de Paracuru. Assim, observa-se o excerto:
Quando eu tive o meu primeiro filho, eu sempre tive vontade de trabalhar, de ser independente[...] eu dependia só do meu marido. Quando houve esse cadastro, eu vi uma porta para ser Agente Social. Era voluntário e a gente foi sabendo que ia trabalhar com as pessoas, com a comunidade[...] mas voluntário entre aspas, porque a gente ganhou muito[...] em relação ao crescimento (Agente Social em discurso proferido no primeiro encontro com o grupo realizado no dia 8 de novembro de 2013).
Sob uma outra abordagem, a leitura foucaultiana trata do cuidar de si ligando o
cuidado ao ato de ocupar-se consigo mesmo, ligado à arte da existência, oriundo do 37 Esta temática trabalha com a perspectiva da categoria Maternidade Militante. A categoria Maternidade
Militante aparece como dado para a autora Sonia Alvarez em 1988, a partir da explicação com a experiência de mulheres pobres, oriundas das classes trabalhadoras brasileiras, no período da ditatura militar no país. Com seu caráter mobilizador, as mulheres reivindicavam direitos, como creches e outros serviços, como também junto às questões pertinentes à ditatura militar com relação à busca de seus filhos. Ou seja, para Alvarez, houve uma institucionalização da maternidade, passando a existir uma politização do papel de mãe. “A especificidade desse processo que envolve a ‘maternidade militante’ está na sua contribuição para a visibilização e a politização de questões antes tomadas como apolíticas” (BONETTI, 2009, p. 85, grifo do autor).
119
conhecimento socrático-platônico (SILVA et al., 2009, p. 700). Nesse sentido, tais
estudiosos argumentam que Foucault (2007) referência técnicas que são utilizadas pelo
homem para compreender aquilo que é, dentre elas, cita as técnicas de si, de forma que,
Permitem aos indivíduos efetuarem, sozinhos ou com a ajuda de outros, um certo número de operações sobre seus corpos e sua almas, seus pensamentos, suas condutas, seus modos de ser; de transformarem-se a fim de atender um certo estado de felicidade, de pureza, sabedoria, de perfeição ou imortalidade (SILVA et al., 2009, p. 700).
Nessa perspectiva, percebe-se que as Agentes Sociais passaram a interagir
com o meio novo que conheceram. É claro que em certas situações, adaptaram-se, mas
não deixaram de se rebelar de alguma forma, e de suscitar questionamentos, agindo
numa incipiente rebeldia. Observa-se que há uma busca por novas territorialidades e de
fuga, procurando traçar suas diferenças, seus devires, descortinando essas alianças,
preparando-se para traçar novas perguntas, refletindo sobre a realidade, numa ação que
pode provocar um cuidado inclusive maior de si, haja vista a possibilidade da
consciência do seu direito de viver, da maneira que se vive, percebendo ainda como os
outros vivem. Como se observa na citação abaixo:
Atualmente trabalho na prefeitura, num trabalho que a gente vê a realidade das famílias. Nesse trabalho tem dias que a gente acha gostoso trabalhar, mas tem dias que fica desgostoso com algumas coisas, pois tem casas que a gente chega e vê uma realidade, e tem outras que a gente chega e vê totalmente diferente. E assim a gente fica se perguntando o porquê da [situação daquela] família? (Agente Social, entrevista realizada no dia 08 de novembro de 2013).
Verifica-se que essas mulheres, na sua interação com o meio, nas relações com
seus filhos, pais, companheiros ou esposos e com a comunidade, foram além das
adaptações, transformaram-se, buscaram cuidar de si e promoveram mudanças
consubstanciais dentro do seu tempo e espaços. De forma brusca ou lenta, arranjaram-se e
construíram novos territórios de luta. Nesses novos arranjos, clamaram por direitos e não
por privilégios.
Ao chegar às considerações deste último capítulo, nas próximas seções,
ascender às reflexões sobre o poder intercruzado nas relações dessas mulheres, o
controle sobre seus corpos, a partir da ênfase dada à concepção para a constituição do
grupo de Agentes Sociais, às implicações com relação à inserção política, num contexto
dos movimentos sociais e, por fim, ao processo de empoderamento, o qual foi percebido
entre as Agentes Sociais.
120
5 O MOVIMENTO POLÍTICO DAS AGENTES SOCIAIS DE PARACURU:
ALCANÇANDO SIGNIFICADOS E SENTIDOS À LIBERDADE
“Mostrar às pessoas que elas são muito
mais livres do que pensam, que elas
tomam por verdadeiro, por evidentes,
certos temas fabricados em um momento
particular da história, e que essa pretensa
evidência pode ser criticada e destruída.”
(FOUCAULT, 2006, p. 295)
Essa epígrafe enuncia o papel ativista exercido por Foucault, ainda no
século XX, falecido em 1984, quando seus pensamentos cruzam as reflexões e embasam
os movimentos de contestação política e social, principalmente para os que desejam
pensar de modo diferente (LORENZATTO, 2014).
Nessa tessitura do pensar diferente, precisamente do fazer diferente, chega-
-se a reflexão sobre a liberdade, a verdade e o poder questionador que se pode ter diante
de temas fabricados, chegando-se, portanto, a circularidade do poder e os reflexos da
resistência ao controle dos corpos. Neste estudo visualizado a partir do poder exercido
por mulheres, que compõem uma associação num interior litorâneo do Ceará. Tal
associação surgiu sob um controle estatal, mas as mulheres que a constituíram
souberam, dentro do seu espaço e tempo, criar fissuras e produzir reconstruções em suas
vidas. As respostas acerca do significado da participação política e sobre as
transformações pessoais e sociais provocadas por esta participação foram identificadas
no discurso das Agentes Sociais de Paracuru, a partir do reconhecimento e da negação,
quanto às formas encontradas entre as rupturas às ideias que antes as conservavam num
único destino, o lar, o cuidado com família no âmbito privado.
As Agentes Sociais acabaram buscando novos espaços e lugares que, para
muitas, não existiam até mesmo no imaginário individual, favorecendo assim o
deslocamento de papéis no próprio âmbito familiar, mediado por relações de poder.
O poder foi uma categoria trabalhada neste estudo, tornando-se conhecida
ao passo que se escrevia sobre a inserção da mulher na política a partir da condição de
gestoras das políticas públicas no município de Paracuru. Também, a partir do que
subscrevia Saffioti (1992), quando conceituava poder mediante a base teórica produzida
121
por Foucault (1976), que o descreveu como “constelações dispersas de relações
desiguais discursivamente construídas em campos sociais de força” (SAFFIOTI, 1992,
p. 185). Naquele momento, compreender este conceito não era algo fácil, quando se
vinha de uma experiência de estudo mediada pela discussão do poder no seu
macrocontexto, interligado a estruturas como a economia, a relação de forças entre
capital e trabalho.
Ao focar nesta pesquisa as relações construídas por mulheres em meio à
participação política, acabou-se por perceber que a mulher é detentora de poder, tanto
no meio privado, quanto no espaço público e tem possibilidade de transformar
realidades. Foucault (2012, p. 43), considera que ninguém é, propriamente falando,
titular do poder, pois é algo que é exercido para uma determinada direção, com uns de
um lado e outros do outro. Assim entende-se melhor a citação de que: “não se sabe ao
certo quem o detém; mas se sabe quem não o possui”. Isso favorecia a compreensão da
fortaleza que existe dentro das Agentes Sociais de Paracuru, das relações constituídas e
retrabalhadas por elas a partir do seu cotidiano. Isso foi notado principalmente após a
sua inserção no movimento social, engajando-se politicamente e buscando por direitos,
em prol de objetivos que desnaturalizavam a condição feminina de cuidadoras do lar. É
o que se percebe com o discurso abaixo:
Hoje faço faculdade, faço curso de pedagogia. Eu conquistei experiência, saber lidar com as pessoas, conviver com as pessoas, identificar a situação das pessoas. Adquiri um saber [...] e hoje eu sei o que eu quero (Agente Social, em discurso proferido no encontro realizado aos 14 de dezembro de 2013).
Foucault (2012, p. 45) ainda dizia: “o que faz com que o poder se mantenha
e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.
Estas mulheres, assim sendo, sentiram o prazer de expressar as angústias e os medos;
propuseram-se a conhecer, autoconhecer-se, e produzir novos saberes.
Os discursos a seguir foram proferidos em meio a vozes carregadas de
emoção ao relatar sobre a participação no Projeto, a emoção de se estar produzindo algo
além do que cotidianamente estava posto a elas. A sensação de poder fazer algo, de se
sentir fazendo algo, de ter encontros e vislumbrar possibilidades tornavam-nas mais
sensíveis a propostas de mudança em suas vidas, o que deixou claro o exercício do
poder a partir do seu lado positivado, de provocar transformações. Observado nas
citações abaixo:
122
[Participar do projeto] foi tudo na minha vida, foi tudo de bom, tudo o que eu conquistei. Como a Experiência, a amizade. Eu cresci [...] (Agente Socal, em discurso proferido no encontro realizado no dia 14 de dezembro de 2013). Eu tenho poder de decisão. Eu digo o que eu quero e o que eu não quero. Tenho maturidade suficiente hoje, para tomar a decisão x [...]. Eu não tenho medo de ir além [...] (Agente Social, em discurso proferido no encontro realizado no dia 14 de dezembro de 2013).
Um dos exemplos a ser observado é o de uma das Agentes Sociais de
Paracuru através de sua trajetória de vida que teve início com o projeto e hoje, ainda na
condição de associada, participante da diretoria, exerce a função de educadora social a
serviço da prefeitura de Paracuru. Ela declarou:
Eu sou uma [mulher ] vitoriosa, uma guerreira, nesse percurso todo eu tive varias transformações na vida pessoal e profissional (Agentes Social, em discurso proferido no dia 14 de dezembro de 2013).
Ainda contrariando a ideia de que o poder deve ser visto apenas como algo
que diz não, que impõe limites e reprime, da concepção negativa de poder, ao identificá-
lo principalmente com o papel do Estado, na sua forma repressiva, Machado (2012),
explana que Foucault (2012) pretende dissolver os termos dominação e repressão, a
partir do momento em que põe uma concepção positiva do poder. Cita como exemplo a
dominação capitalista ainda existente, em que esta não estaria mantendo-se apenas e
exclusividade com base na repressão se não houvesse esse lado de concessões e
positividade do poder. De maneira que há cooptação, há entregas e deliberações que
satisfazem por determinados contextos ou conjunturas a vontade da sociedade
dominante.
Assim foi por certo período no que se refere à constituição das Agentes
Sociais, sendo que hoje vivenciam de modo mais acirrado, a usurpação do acesso a
negociações, a discussões e a vivencias democráticas. Assim se observa no discurso
abaixo proferido:
Para eles [representantes do governo local ], nós não existimos [hoje]. Pois a associação parou [refere-se as atividades ligada a prefeitura]e ele não chegou sequer a nos conhecer, nem o nosso trabalho, porque quando ele assumiu, nos não estávamos mais trabalhando. Ele entrou em janeiro e nós havíamos saído em novembro, então ele nunca soube como era o nosso trabalho, nem procurou saber depois. O que ele prometeu que ia nos ajudar, não cumpriu com a promessa. Não ajudou, nunca fez uma reunião, nunca mandou nos chamar. Então, para ele, nós não existimos (Agente Social, em entrevista realizada no dia 25 de abril de 2014).
123
Enfatiza-se que a Associação encontra-se atualmente com suas atividades
paradas. As mulheres associadas estão sendo realocadas nas secretarias municipais. Vão
ocupando desde função de prestadoras de serviços gerais até o de educadoras sociais. A
gestão municipal, a partir de 2013, começou a alocar mais Agentes Sociais em serviços
públicos distantes da natureza para as quais se constituíram. No momento das 25
Agentes Sociais, 12 38 mulheres estão trabalhando na prefeitura. O que se observa é que
este processo vem contribuindo para fragilizar as Agentes Sociais na sua condição
fundante, ou seja, o poder de se coletivizar e se organizar. Como bem expressa uma das
Agentes Sociais por meio do discurso abaixo, elas já conseguem visualizar a
desmotivação e a ausência de algumas Agentes Sociais:
Quando eu trabalhava como presidente, que tivemos muita dificuldade, porque, quando se fala: vamos [ênfase] formar uma associação é uma coisa”, formar é outra totalmente diferente. Principalmente, eu acho que nós somos umas guerreiras, por ter formado essa associação, tudo legalizado[...] pela nossa falta de experiência[...]. Eu pedia sempre ajuda[...]. A associação só permanece até hoje, mesmo, tendo algumas desmotivadas[...] porque a união de algumas ainda permanece. E eu continuo acreditando[...]. Porque eu vou ficar muito triste se uma coisa dessas acabar que foi uma luta tão grande. No início era para receber uma bolsa, mas depois a associação permaneceu. Então, por que deixar acabar? Mesmo com as dificuldades que estamos enfrentando temos que continuar (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
De acordo com Gohn (2012, p. 19), no século XX foi desenvolvido um
conceito de cidadania baseado mais nos deveres do que nos direitos, deveres estes em
especial para com o Estado, que se tornou um interlocutor da sociedade. “O Estado
passa a regulamentar os direitos dos cidadãos e restringi-los, ou cassá-los, em
determinadas conjunturas históricas”.
Diante do quadro de retrocesso marcante quanto aos atos de participação
política no município de Paracuru atualmente, tornou-se viável dizer que hoje os
cidadãos, de alguma maneira, encontram-se mais restritos a manifestações, sob a
regulamentação estatal. A análise, de certa forma, permite observar melhor o estado
atual de organização das Agentes Sociais, as quais atravessadamente se encontram sem
vontade e sem esperança de mudanças locais.
A situação da Associação e a tecnologia usada na cooptação das Agentes
Sociais, principalmente de membros da diretoria, apresenta-se como uma forma de
romper com o processo de cidadania que estas mulheres vinham costurando e tecendo, a 38 Este dado corresponde ao número de mulheres ocupadas no serviço público até o período do primeiro
semestre de 2014.
124
partir da compreensão de que a cidadania, como reverbera Gohn (2012, p. 21), não se
constrói por meio de decretos, normativas que partem de intervenções externas, ou
mesmo de agentes pré-configurados.
Ela se constrói como um processo interno, no interior da prática social em curso, como fruto do acúmulo das experiências engendradas. A cidadania coletiva é constituidora de novos sujeitos históricos [...] A cidadania coletiva se constrói no cotidiano através do processo de identidade político-cultural que as lutas cotidianas geram.
Em meio a esta leitura, estava claro que o poder cruzava as relações
anteriores entre as Agentes Sociais, e o contexto com o poder público, haja vista que
este se dissemina por toda a estrutura social, de forma que o poder não é um objeto, mas
uma relação como afirma Machado (2012). Nada está isento de poder; o poder reportar-
se a cada um como pessoa humana. Até mesmo os pensamentos são atos de poder e isso
é perceptível nas entrelinhas do discurso proferido abaixo: Eu me sentia assim como uma pessoa que tinha não poder mais um pouco de conhecimento para passar para aquela família os seus direitos e deveres, e que eu sabia que ali representando o poder público eu tava como uma agente intermediária, tô dentro da família e vou fazer um cadastro e vou conhecer a realidade. Vou detectar algum problema e de que forma pode ser resolvido então tudo era um reflexo, né? Porque quando a gente entrava lá aquela família via a gente como uma oportunidade ou de aprender de conhecer [...] (Agente Social, entrevista realizada aos 29 de abril de 2014).
Outra observação a ser feita consiste na incerteza sobre a existência do
poder que exercem, o que não se pode afirmar que esta ausência se massificou entre as
mulheres. A narrativa transborda as relações atravessadas pelo poder, inclusive da
representatividade do poder público que tinham estas mulheres durante os anos de 2005
a 2012, a partir do contato com a comunidade. E isso é percebido pelo governo local39,
39 Segundo Gohn (2007, p. 30) os estudos sobre governo local tem uma longa tradição, iniciada por
Tocqueville, Thomas Jefferson e Stuart Mill. Em 1999, Celina Souza e Márcia Blumm, realizaram uma revisão sobre o tema acerca da autonomia política local e acabaram sistematizando as tórias sobre o tema em duas categorias: as normativas e as empíricas, resumindo as abordagens, as mesmas trabalham com o dilema de aumentar os níveis de participação democrática dos cidadãos e, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência da máquina burocrática estatal. Segundo Gonh (2011b), pode-se dizer que as teorias tradicionais sobre o governo local assumem como enfoque prioritário a análise da governabilidade das unidades administrativas territoriais de um dado Estado nacional, destacando a capacidade das elites dirigentes de perseguir, atingir ou combinar objetivos econômicos, sociais, políticos e administrativos. A sociedade entra no cenário como consumidora, cliente ou contribuinte/beneficiária. Ainda se pensa que “a principal tarefa dos governos locais seria a de dar condições para que os serviços coletivos locais se viabilizassem no mercado, num plano de competição.[...] quando se referem exclusivamente ao plano do governo local, o enfoque é sobre a autonomia dos agentes locais privados versus a dos agentes estatais, governamentais” (GONH, 2011b, p. 36).
125
responsável pelas políticas locais à época, em que foi constituído o grupo das Agentes
Sociais de Paracuru. Assim analisa-se com os discursos abaixo proferidos:
Enquanto promotoras da participação cidadã das famílias em situação de vulnerabilidade social, essa mulher, estando Agente Social, contribui tanto com seu desenvolvimento pessoal, algumas inclusive chefes de família, tomando consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir seu destino, quanto com o acesso de outras mulheres aos direitos socioassistênciais (Relato concedido por uma ex-coordenadora do CRAS acerca do significado da mulher na condição da Agente Social e inserida junto à política pública).
Foi muito importante [ao relatar acerca do significado da criação do grupo]. Até porque nós fomos pioneiros no estado do Ceará, pelo que se tem conhecimento. Quando os técnicos da Secretaria do Estado viram a nossa experiência, ela começou a ser comentada e a aparecer em outros locais do Ceará. Foram feitos concursos para agentes sociais, agente conseguiu que elas fizessem parte da categoria de assistência, pelo menos no nível do nosso estado (Discurso de uma ex-gestora da Política de Assistência; entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Supõe-se que o significado dado ao papel das Agentes Sociais de Paracuru
com os trabalhos realizados é também percebido por aqueles que permanecem como
agentes do governo atual, que conheciam a inserção das mulheres e o significado que
elas tinham para a comunidade e a alusão a que projeto político, a que imagem política
elas estão vinculadas. Isso pode ser observado no discurso abaixo, tendo em vista a
capilaridade de intervenção das Agentes Sociais:
Por exemplo a gente visitou um senhor um cadeirante que ele eu digo a gente, as agentes que visitou, que os filhos não iam pra escola por falta de documentação. Ele viu ali naquela entrevista a oportunidade da vida dele. Que foi conseguido o carro para ele se locomover e tirar a Certidão de Nascimento tudo direitinho e depois os filhos foram matriculados. Esse sentimento que ele tinha pela gente, assim o poder público colocou uma pessoa de responsabilidade. Assim o prefeito não pode estar lá nem os secretários os maiores que a gente sabe que tem outras responsabilidades, mas eles tiveram a preocupação de apadrinhar um projeto bom que mostrava serviço e ele sabia que aquilo ia ter um retorno, que apesar de não serem os maiores mais nós estávamos fazendo um trabalho que a família via que tinha retorno. Porque quando o cadeirante viu o carro, chegar quando ele chegou ao cartório, quando ele conseguiu tirar a certidão e matricular as filhas ele viu que não estava longe do poder público, a gente tem que tirar essa ideia que o poder público é os maiores. Não é tudo. É um conjunto que trabalha junto e que são destinadas as pessoas (Agente Social, entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014).
Um outro discurso a ser citado corresponde ao de uma mulher da
comunidade entrevistada, porque fora acompanhada pelas Agentes Sociais a qual
destaca a importância destas na vida da mulher e da família.
126
O trabalho das Agentes era importante. Era um acompanhamento que faziam nas famílias, faziam um trabalho procurando saber como as famílias estavam, e ajudavam na estrutura da família. Por mim, este projeto não deveria ter acabado. O nosso caso era levado, os problemas e os direitos da mulher era falado. Então ajudou na nossa vida (Entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014).
Observa-se, atualmente no município de Paracuru que todas as ações criadas
por políticas de governo que se liga à imagem das gestões passadas deve ser esquecida,
assumindo uma desconfiguração a qualquer possibilidade de representação de um poder
local40, que não compunha a gestão atual.
Percebe-se, ainda, que a visão desfavorável do trabalho das Agentes Sociais
de Paracuru pela gestão atual não se deve, portanto, à ausência de dispositivos
disciplinadores ou de controle sobre a massa, mas pela ausência de continuidade das
políticas sociais, consubstanciadas também pela preocupação com os gastos públicos.
Este último aspecto já vem sendo verificado desde o ano de 2012.
Mesmo tendo sido a formação do grupo Agentes Sociais de Paracuru
pensada e implantada num contexto de uma cidadania regulamentada, ou mesmo como
diz Gohn (2012) de cunho neoliberalista comunitarista em que os sujeitos são solidários
com seus pares sob um processo educativo que favorecesse a cooperação geral, estas
mulheres se sentiram incomodadas e levantaram questionamentos. Nesse caso, na
condição de questionadoras, potencialmente vistas com resquícios e ligações mais
subversivas à ordem local, são negativadas ou negadas pela gestão atual,
desfavorecendo a possibilidade de intervenção das Agentes Sociais de Paracuru
apoiadas pela Prefeitura.
Nesse contexto, entre o passado e o presente, não se pode deixar de observar
que se revelou por meio dos discursos das Agentes Sociais um significado e sentido41 de
40 Quanto ao tema poder local a partir de Gohn (2007) a autora alega que este tema é mais abrangente do
que o conceito de governo local, haja vista que os estudos apontam no Brasil que este poder local, penetra e interfere no governo local, nas suas políticas locais (DABIEL, 1994 apud GOHN, 2007, p. 34). Este inclui o poder econômico, político e social das famílias, assim como o poder carismático de lideres locais e regionais. Antes com uma base territorial onde determinada força hegemônica exercia seu poder, mas a partir dos anos de 1990, o poder local passa a ser visto, de um lado, como sede política-administrativa do governo municipal, mas especificamente de suas sedes urbanas [...] e de outro pelas novas formas de participação e organização popular, como dinamizador das mudanças sociais. Por fim, este passou a ser visto segundo Gohn, como sinônimo de força social organizada como forma de participação da população, na direção do que tem sido denominado empowerment ou empoderamento da comunidade, isto é, a capacidade de gerar desenvolvimento autossustentável, com a mediação de agentes externos, sem ter uma ligação mais ampla com partidos políticos ou sindicatos, mas com o terceiro setor (GOHN, 2007, p. 34-35).
41 Para Gohn (2001, p. 31), ressalta-se que “significado é o conceito de algo, como ele se define e é para os sujeitos que participam das ações coletivas, e de como são socializados. são identificados,
127
cunho coletivo a existência do grupo. Pode ser que todas não tenham alcançado ao
mesmo tempo a decodificação a qual se refere Gohn (2008), como participantes desse
processo, mas, aos poucos, muitas foram dando respostas às situações que se
apresentavam em suas vidas, tanto de forma individual quanto coletiva. Passaram em
seu tempo e espaço e por meio de uma cultura política a compor um quadro de Agentes
Sociais em pleno exercício de uma cidadania coletiva. Mesmo que tenham nascido do
planejamento de um determinado governo, hoje compõem parte dos movimentos sociais
de Paracuru42. E encontram-se num desafio de reestabelecer o grupo, de motivarem-se e
de encontrar novos caminhos para o diálogo e exercício da participação.
5.1 RELAÇÕES DE PODER E INSERÇÃO NOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Para Silveira (2014, p. 91), as relações de poder abrem caminho para a
transformação. Numa relação de forças, as relações de poder “se manifestam no
confronto com o instituído, como uma forma de contestação de costumes, tradições e
domínios”. A respeito das mulheres Agentes Sociais de Paracuru, mesmo que tenham
atuado em muitas ações43 sob o controle de uma coordenação vinculada à prefeitura no
período de 2005 a 2012, e que esta coordenação detivesse o poder de veto sobre as
deliberações44 das Agentes Sociais, isso não significou que o poder exercido também
por estas mulheres não tenha provocado mudanças na vida das pessoas que
acompanhavam, como nas próprias vidas. Este fato é percebido e serve de reflexão para
a tomada de decisão atual dos membros da associação.
Se trabalharmos juntas, daqui pra frente é conquistar o espaço [...] é conquistar o que agente quer, mas é trabalhando junto (Agente Social, em discurso proferido no dia 10 de junho de 2014).
confirmados e testemunhados por aqueles que se defrontam com o outro. Já o sentido é direção, é diretriz, é orientação, é norte, é rumo, é destino que conduz a desdobramentos”.
42 Segundo Gohn (2012, p. 20), a cidadania coletiva surge a partir dos movimentos sociais, entretanto, no caso das Agentes Sociais estas inseridas neste contexto principalmente a partir de 2008, juntam-se aqueles que sofrem as refrações da questão social, mas também por aqueles que “são expropriados no plano dos seus direitos civis de liberdade, igualdade, justiça e legislação”.
43 Faz-se importante citar que a entidade Associação das Agentes Sociais de Paracuru também teve uma significativa presença no cenário local, desenvolvendo um projeto de cunho cultural financiado pela Petrobras, em que a entidade era membro coordenador e executor das ações.
44 Este aspecto refere-se principalmente às ações vinculadas ao Projeto Espaço Cidadão e às atividades dos CRAS. Sem destaque para as ações/atividades sob o acompanhamento realizado pelas Agentes Sociais, junto à comunidade, sendo financiada pela Petrobras.
128
Para Foucault (2012), o poder só funciona de forma circular, de maneira que
se exerce em rede, funcionando a partir de uma cadeia em que os indivíduos sempre
estão sujeitos a exercer e sofrer sua ação. Para o autor, o poder não está aplicado,
portanto, aos indivíduos; ao invés disso, passa por eles. É o que se constata em sua
afirmação registrada abaixo:
Não se trata de conceber o individuo com uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando-os. Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu (FOUCAULT, 2012, p. 285).
De acordo com a proposta metodológica foucaultiana, buscou-se captar o
poder nas suas extremidades, ou seja, onde ele se tornou capilar. Basicamente segundo
Foucault (2012), o poder está nas suas formas e instituições mais regionais e locais,
além do que o poder se corporifica em técnicas e se abastece de instrumentos de
intervenção. Como se viu, o nascimento das Agentes Sociais se deu por meio destes
instrumentos de intervenção, como capilaridade de um poder que se concentrava na
ordem do saber governar e da extensão do poder público atuando na comunidade.
Observa-se isso, na percepção de uma ex-coordenadora da Assistência que acompanhou
o trabalho das Agentes Sociais de Paracuru, conforme relato abaixo:
Percebi, durante o período de coordenação, que as Agentes Sociais possuem muito conhecimento acerca do território de abrangência e das famílias que nele residem, pois a Agente Social também faz parte desta comunidade, assim ela sabe como funciona o seu cotidiano, suas características e quem são seus membros (Ex-coordenadora do CRAS, relato registrado no dia 26 de junho de 2014).
No próximo discurso, pode-se analisar o poder exercido pela Agente Social
no ato de escolha ou seleção de uma família a ser beneficiada com uma cesta básica, no
processo de responsabilização da própria comunidade pela concessão do benefício
assistencial.
Numa visita a cinco famílias deveria ser escolhida duas [...] quando eu fui fazer o cadastro para uma determinada família [referia-se a uma das cinco visitadas no mês] eu expliquei [neste momento com bastante ênfase na fala]: vá para reunião e eu vou visitar mais quatro famílias. Eu vou ver qual a mais vulnerável. Eu sei que ela [a representante da família] não foi à escolhida e ela saiu da sala [da reunião] chateada (Agente Social em discurso proferido no dia 14 de dezembro de 2014)
129
Foucault (2012) compreendia que havia produção de propriedades de
objetos e rituais de verdades por parte do poder; entretanto, ele produz uma eficácia
produtiva, “uma riqueza estratégica”, ou seja, uma positividade, principalmente sobre os
corpos, de maneira a aprimorá-los e adestrá-lo. Por fim, chegar ao proveito máximo de
sua potencialidade, principalmente, econômica, de forma que haja uma redução da sua
forma política. No entanto, podem ser oferecidos pontos de resistências à dominação, a
partir das mudanças de si, por meio de lutas específicas, compreendendo que toda
relação de poder está mexendo com o saber, com a criação e que este pode gerar
possibilidades de rompimento com o processo de repressão e dominação.
Como reverbera a própria Gohn (2012), ao explanar sobre o caráter
educativo dos movimentos sociais, quanto a sua dimensão política organizativa, fruto de
uma consciência adquirida progressivamente através do conhecimento sobre quais são
os direitos e os deveres dos indivíduos na sociedade hoje, os motivos da luta, pode levá-
los a organização. No caso das Agentes Sociais, elas se viam como mulheres que
estavam exercendo um trabalho na política de assistência e que precisavam se
instrumentalizar, vivenciar melhores condições de trabalho, participar da garantia de
direitos. Fomentaram a estrutura organizativa da Associação e institucionalizaram-se em
2008.
A partir daí, como cita Gohn (2012, p. 22), “este processo não se dá
espontaneamente e dele participam vários agentes. As assessorias técnicas, políticas e
religiosas que atuam junto aos grupos populares desempenham um papel fundamental
no processo”. Conforme cita a ex-gestora abaixo, por meio do seu discurso, é
perceptível o papel do poder público através dos seus agentes na fomentação do
envolvimento da mulher com a participação política, na consciência construída a partir
da associação de informações dispersas sobre como funciona a máquina administrativa,
como se deve proceder, quem são os agentes, ao ponto de chegar a perceber os
conflitos, os limites, as fissuras, e a contribuir para os avanços ou recuos desses agentes
políticos, neste caso das Agentes.
Para as mulheres agentes sociais o projeto foi um momento de enriquecimento delas enquanto cidadã, mãe e de sua participação política, já que eram muito limitadas, não estudavam, não tinham perspectiva de trabalho, estavam restritas a família. O projeto com certeza estimulou a participação delas no município. O projeto foi um passo inicial para que elas se percebessem enquanto sujeitos de suas historias. Quando elas começaram a perceber que tinham condições de transformar e de se transformar, de ajudar de alguma forma o município, ajudar as famílias e também fazer parte
130
da política de assistência, a partir desse momento elas começaram a ajudar famílias. Para essas famílias também foi uma diferença, porque passaram a ser atendidas, a receber orientações a serem acompanhadas (Discurso proferido por uma ex-gestora; entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Segundo Gohn (2012), as assessorias e o apoio técnico citado anteriormente
são permeados por interesses mediante a óptica de classes, argumentando que, muitas
vezes esse papel é feito por funcionário público, como foi o caso em Paracuru,
responsável por parte da criação do projeto que posteriormente implementou o grupo de
Agentes Sociais, juntamente com a gestora à época Welna Barroso. A experiência da
técnica provinha do convívio com a classe popular, próxima a pedagogia libertadora
freiriana, quando capacitada ao estagiar no Grupo de Apoio às Comunidades Carentes –
GACC em Fortaleza. Um outro aspecto que deve ser elucidado corresponde à
participação efetiva dos capacitadores e facilitadores das temáticas discutidas com as
Agentes Sociais durante o processo de formação delas considerado o segundo momento
de implantação do grupo. Estes atuaram como intercessores qualitativos45 a medida que
promoveram a ampliação dos olhares, do questionamento e da criação das mulheres
Agentes Sociais.
A identificação dos interesses opostos ao movimento é a outra dimensão do
processo, como diz Gohn (2012) e perceptível pelas as Agentes Sociais de Paracuru,
como já referendado na primeira seção deste capitulo. De toda forma, argumenta a
Agente Social sobre as expectativas em torno do trabalho a ser desenvolvido ainda em
Paracuru, segundo o discurso abaixo:
[...] um dia pode ser que volte, mas acho difícil voltar. Eu acredito que se um dia voltarmos, vai ser daqui a uns quatro anos, dependendo de quem vai ser o novo prefeito, porque desse eu não espero nenhum tipo de ajuda. Mas quem sabe, no próximo mandato, o novo prefeito faça com que o nosso trabalho volte, realize reuniões, contrate e valorize. Porque desse, eu não espero mais nada (Entrevista realizada no dia 25 de abril de 2014).
A análise deste discurso reforça a observação de que membros da
Associação continuam dependentes dos agentes públicos, tendo em vista que não
codificaram em tempo e espaço iguais os significados do poder que têm, principalmente
para fazerem uso do saber que conseguiram extrair do processo de organização.
45 Para Silva (2009), o termo é utilizado por Deleuze, enquanto um disparador da criação, é alguém que
inventa um problema antes de encontrar a solução, ele amplia as possibilidades perceptivas da pessoa, que passa a ousar mais, a imaginar e a estimular potencialidades.
131
Tendo em vista “que todo saber é político [...] saber e poder se implicam
mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, e,
reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder” (MACHADO, 2012, p.
28). Nessa perspectiva existe liberdade que pode ser exercida pelo sujeito, sem
subjugar-se, ou seja, a caminho de certas autonomias e emancipações. O estudioso diz
que “qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder, teia que se
alastra por toda a sociedade e que ninguém pode escapar: ele está sempre presente e se
exerce como uma multiplicidade de relações de força” (MACHADO, 2012, p. 18).
O que se notou, de certo modo, a partir da estruturação do grupo Agentes
Sociais de Paracuru, foi o entrelaçado ao poder disciplinador compreendido por
Foucault (2013), de agente de controle sobre o indivíduo, ao refletir que o poder
disciplinador faz uso inclusive de micropenalidades, que podem ser sobre o corpo,
atitudes, discursos, sexualidade; penalidades essas atreladas à incumbência dos cuidados
que deveriam ter com o lar e com os esposos, companheiros, pais.
As mulheres, contudo, não demonstraram ser isto um fardo, mas
apresentaram-se conscientes de que precisavam romper com o espaço que socialmente foi
destinado a elas, ainda jovens; espaço esse que, até pouco tempo, não lhes dava o direito
ao estudo, à profissionalização, de forma que lhes foi dado, por meio do engajamento
político, o direito de lutarem por liberdade, no sentido de não se diminuírem, de não se
deixarem inferiorizar nas suas relações especialmente domésticas.
Nesse sentido, tais sujeitos se viram na condição de se organizar, de juntar
expectativas, de se fortalecer e, coletivamente, de buscar melhoras. Portanto, passaram a
questionar o poder público, passaram a buscar direitos para a população e para si.
Compreendiam os espaços de forças existentes, não aceitaram mais ser meramente
voluntárias da capilaridade do governo local, quando deixaram de atuar no projeto
Espaço Cidadão, e passaram a desenvolver as atividades no CRAS ou no Projeto
Cultural financiado pela Petrobrás, este último existente até meados de 2013. Estas
mulheres queriam, portanto, dignidade e respeito.
5.2 A INCORPORAÇÃO DE VALORES COMUNITÁRIOS SOB O CONTROLE DO
ESTADO E A REPERCUSSÃO SOBRE AS AGENTES SOCIAIS DE PARACURU
As agentes sociais de Paracuru acabaram se constituindo como entidade
dentro de uma proposta política e econômica atrelada a uma tendência característica no
132
mundo do trabalho que emergiu no Brasil na década de 1980 e, mais fortemente, no
período a partir dos anos de 1990. O terceiro setor, como diz Antunes (2009), era uma
tendência em expansão principalmente entre os países capitalistas avançados como
Inglaterra e EUA. Acaba sendo uma alternativa de ocupação para muitos trabalhadores
que vivem a retração do mercado de trabalho industrial. Surgem, portanto, empresas “de
perfil mais comunitário, motivadas predominantemente por formas de trabalho
voluntário, abarcando um amplo leque de atividades, sobretudo assistenciais, sem fins
diretamente lucrativos [...]” (ANTUNES, p. 112). O mesmo autor vai afirmar que este
terceiro setor é uma consequência da crise que passa o capital, da sua lógica destrutiva
vigente.
No Brasil, precisamente a partir da década de 1990, foram desveladas novas
formas da expressão da questão social, conforme Pereira (2009), assumindo amplitudes
globais, como o próprio desemprego, a precarização do trabalho e o aumento da
situação de pobreza, portanto, o crescimento da desigualdade.
Pereira (2009, p. 287), ainda ao discutir sobre o tema Estado, Sociedade e
Esfera Pública, reporta-se às questões determinantes que foram significativas para
socialização da política e para a ampliação do Estado, dentre estas cita o
Desenvolvimento da economia capitalista; com a formação do monopólio nos fins do século XIX; com as crises cíclicas do capitalismo; com a conquista (pelos movimentos democráticos) do sufrágio universal; com a criação de sindicatos e de partidos políticos de massa.
Para a autora supracitada, a convocação do Estado serviu para tornar as
“liberdades individuais possíveis” e que, portanto,
Subjacente a essa concepção, encontra-se a ideia de que a liberdade, como principio matricial, não deve ser engessada numa postura negadora da participação social do Estado e, por isso, precisa associar-se a um outro principio matricial: a igualdade substantiva (e não só formal), que implica equidade e justiça social (PEREIRA, 2009, p. 287).
Uma das questões claras historicamente é que os direitos sociais passaram a
ser desenvolvidos por meio da execução de políticas públicas46, de maneira que esta não
46 Neste estudo esta pode ser compreendida ainda a partir da leitura de Souza (2006) e Saravia (2006).
Ambos entendem que políticas públicas encaminham-se para o desenvolvimento de ações que podem impulsionar mudanças. Contudo, não é claro nas observações de Souza, como ficam nas argumentações de Saravia que estas também podem ser desenvolvidas para a manutenção da realidade. Como bem coloca este último autor, sendo estas “um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social [...] (SARAVIA, 2006, p. 29).
133
pode ser confundida com política de governo47 ou Estatal48, ou muito menos com a
iniciativa privada, mesmo que para sua existência tenha a participação destes
organismos, como objetivo de alcançar grupos com seus problemas seculares, estes
particulares ou individuais (PEREIRA, 2009).
Na contramão da garantia de políticas públicas, vê-se um crescimento de
ações políticas eleitoreiras e de cunho conservador e na manutenção do status quo, há
disputas por poder e, como bem se sabe, as políticas sociais49 partem de acordos entre o
governo e o capital, assumindo características flexíveis e minimizantes, passando a
sociedade civil a responsabilizar-se pela execução das mesmas, no sentido de conter as
refrações trazidas pelo sistema capitalista. Não obstante, não se pode deixar de enfatizar
novamente que estas políticas passam a ser implantadas em campos totalmente
contraditórios, com isso essa passa a ser também contraditória.
Ao perceber estes caminhos descritos deve-se citar que há consideráveis
implicações para o Estado na concretização das políticas sociais e direitos, diante do que
argumenta Pereira (2009, p. 292), o Estado, conforme argumentação abaixo,
É uma instituição constituída e dividida por interesses diversos, tendo como principal tarefa administrar esses interesses, mas sem neutralidade [...] passando por uma condensação de forças materializada num bloco de poder ou num pacto de dominação, que exerce seu domínio por meio de um aparato institucional [...] sobre a sociedade, embora seja influenciado por esta. Assim, o poder do Estado representa a força concentrada e organizada da sociedade (o bloco no poder) com vistas à regular a sociedade em seu conjunto.
47 Para Almeida (2013, p. 01), “Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem
mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política- -parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais”.
48 Almeida (2013, p. 01), por sua vez, define política de Estado voltadas para um envolvimento de burocracias mais complexas de agentes diversos, como o próprio parlamento ou por instâncias diversas de discussão, “depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. Políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade”.
49 Para Boschetti (2009, p. 303-304) a política social é compreendida como um processo “revelador da interação de um conjunto muito rico de determinantes econômicos, políticos e culturais, e seu debate encerra fortes tensões entre visões sociais de mundo diferentes [...]”. Esta é analisada em enquanto processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelece entre Estado e sociedade civil[...]”. Entretanto, como este estudo baseia-se sobretudo, nas reflexões foucaultianas, cabe lembrar que as políticas sociais, também acabam por desempenhar um papel de regulação social, enquanto dispositivo de poder, como semeia-se ainda enquanto tecnologia do poder, ou seja, deixa de atuar apenas sobre o corpo do individuo, e passando a agir mas sobre o corpo espécie, de forma a controlar e regular a vida, por meio do que se denominou biopoder (FOUCAULT, 2008, 2012).
134
Autores como Behring (2009), descrevem ainda que diante da situação
econômica, social e política na contemporaneidade, as tendências para política social no
país, dar-se com ênfase constante na desresponsabilização do Estado, e do setor público
com o desenvolvimento de políticas sociais que favoreçam a redução da pobreza,
atuando de forma intersetorial. Esta autora com base em Netto (2006), afirma que há um
crescimento das ações da sociedade civil e principalmente da responsabilização da
família por ações assistencialistas, e por que não focar no papel realizado por igrejas e
organizações não governamentais, havendo inclusive uma redução dos repasses para os
orçamentos de base, ou seja, para os municípios, fortalecendo um caminho de políticas
focalistas e assistencialistas.
Contudo, existem as argumentações como as de Boschetti (2009), que
registram as conquistas, em especial com a Constituição de 1988, sobretudo, no
âmbito da seguridade social; entretanto, os limites estão fortemente expressos e são
desafiantes em razão da ordem capitalista. Que podem ser agravados diante das
condições socioeconômicas, além dos baixos salários, e das desigualdades que são
agudas no Brasil. A situação do trabalhador brasileiro, tendo como referência a grande
massa ainda existente na informalidade, acaba colocando uma grande parcela da
população fora do acesso à previdência. Como diz Boschetti (2009, p. 332), a
seguridade social deixa “fora do acesso à previdência a população não contribuinte e,
ainda, exclui do acesso aos direitos assistenciais aqueles que podem trabalhar”. Tendo
em vista que estes precisam estar em situação de vulnerabilidade, classificados
principalmente pela falta de renda.
Nessa perspectiva de conciliação das demandas que se apresentavam para a
administração no ano de 2004, como já explanado no primeiro capitulo deste estudo,
acerca dos ajustes necessários entre a política de Assistência e Educação em Paracuru,
fomentou-se e implantou um projeto que deveria trabalhar numa linha alimentada pelo
que na época caracterizava-se como economia solidária, que, para Antunes (2009),
numa atuação à margem da lógica mercantil, parece-lhe um equívoco concebê-la como
uma real alternativa transformadora dessa lógica capitalista do sistema.
Alimentando a ideia de potencializar a comunidade, otimizar os recursos
existentes, e temerosas50 com a insegurança de ficar sem o devido recurso já escasso da
Assistência ao passo que o público atendido da política deveria ser direcionado para
50 Este momento refere-se ao grupo gestor da secretaria responsável pela política de assistência em 2004.
135
responsabilidade da educação, o projeto Espaço Cidadão elaborado, de certa forma
contribui com a lógica existente em todo o país. Minimiza-se e responsabilidades são
assumidas pela sociedade civil. Como diz Araújo (2008, p. 59), o “Estado não tem
braços para alcançar todas as demandas sócias, capta na sociedade os recursos
simbólicos disponíveis, quando incentiva as organizações para o atendimento dessas
demandas”. Desse Projeto, nasceu o grupo de Agentes Sociais de Paracuru, com ações
articuladas à rede de solidariedade produtiva vinculada a um banco comunitário, o
primeiro criado no Ceará por meio da iniciativa governamental, intitulado BancoPar, em
Paracuru.
Nesse meio entre alcançar a comunidade e potencializá-la, existiu um
fortalecimento das atitudes de controle por parte do governo no direcionamento das
ações, principalmente diante das normas estabelecidas pela legislação vigente da
Política Nacional de Assistência Social, que no caso não tem um fim especifico no
atendimento às mulheres, mas às famílias. Entretanto, como tem sido ainda um dos
principais usuários dos serviços assistenciais tem sido foco de muitas ações e
intervenções. Observe-se o discurso de uma representante do governo local do período.
O projeto foi direcionado as mulheres porque a gente identificou que as mulheres seriam um grupo mais fácil de ser trabalhado na capacitação. A gente na verdade inicialmente queria fortalecer a assistência, poderia ter sido um agente social homem, mas como o grupo começou a ser formado por mulheres identificamos o potencial que a mulher tem por natureza de dialogar de ter maior interesse com coisas relacionadas à família. Naquele momento eu enquanto gestora não imaginava que seriam as mulheres, mas após o andamento da capacitação e após identificarmos os problemas vistos pelas mulheres, no qual a realidade que foi colocada para nós, fomos tentando trabalhar esse grande potencial e fazer que aquela experiência servisse de inspiração para outras mulheres (Discurso de uma das ex-gestora da política de Assistência, responsável pela implantação do grupo e projeto Espaço Cidadão, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
No caso específico do grupo de Agentes Sociais, foi dado início a uma
prática conhecida nas discussões acerca do Estado e as minimizações quanto a sua
responsabilidade social, ou seja, a prática voluntária. Para dialogar acerca do tema
foram utilizadas reflexões de Araújo (2008), por meio da obra: “Voluntariado: na
contramão dos direitos sociais,” quando este inicia as discussões a partir da
conceituação de termos que hoje são pertinentes para uma melhor reflexão e
aproximação sobre o papel das Agentes Sociais no período que vai da sua gênese ao
momento atual.
136
5.2.1 Entre influências e ressignificações em torno da participação
Para os esclarecimentos devidos sobre o voluntariado, existem algumas
concepções que serão discutidas nesta seção, a partir das reflexões sobre solidariedade
social doadora, correspondente a uma das primeiras práticas ligadas ao voluntariado.
Faz-se necessário ainda explicitar que se acentuam as ações caritativas destinadas
principalmente à população pobre em razão da expansão capitalista. Ações caritativas
vão permear a assistência social com forte teor e valores judaico-cristãos, chegando até
a assistência no seu patamar de política pública, aspecto este que se proliferou entre os
continentes. No caso brasileiro, foi latente até meados da década de 1940, quando a
assistência brasileira passou a ter um caráter laico, como afirma Araújo (2008).
Aproveitando a oportunidade acerca da relação apontada por Araújo (2008) entre a ação
caritativa e a assistência, utilizar-se da abordagem conceitual feita por Yasbek (1996)
quando se refere à visão do Estado brasileiro em torno da política em ênfase. Eis o que
afirma Araújo (2008, p. 30):
Segundo os estudos de Maria Carmelita Yasbek, historicamente o Estado brasileiro apoia-se na matriz do favor, do apadrinhamento, do clientelismo e do mando. Concepção presente na cultura brasileira, de estímulo de relações de dependência. É uma matriz conservadora que ‘[...] reforça as figuras do pobre beneficiário, do desamparado, e do necessitado [...]’ (Yasbek, 1996, p. 50). Marca da filantropia e da ação voluntária – marcas que resistem à mudança de concepção – assistencialismo paternalista fundado na benemerência. O Estado, por sua vez, estabelece uma ‘relação cartorial’, burocratizada, permeada de favores e de ‘benesses’. Ações emergenciais e circunstanciais ‘[...] nega a dimensão redistributiva que deveria orientar a intervenção estatal [...]’ (ibid. p. 51). Assistência social como sinônimo de ajuda pontual, assistencial, destinada aos excluídos, como forma compensatória, com a função política de acomodar as tensões sociais, como de controle social, um poder político.
Esta conceituação necessária baseia as argumentações de Araújo (2008)
quando trabalhou a perspectiva da solidariedade social doadora e que compôs por muito
tempo princípios fundantes nas práticas de profissionais do Serviço Social até meados
da década de 1970. Nesta pesquisa, salienta-se a observação sobre a presença desta
categoria profissional influenciando na constituição do grupo Agentes Sociais de
Paracuru. Para o estudioso, solidariedade social doadora caracteriza-se por existir nas
relações sociais, na troca de vínculos entre agentes sociais51, na medida em que se tem
51 No estudo de Araújo (2008), o mesmo utiliza o termo agente social quando se refere aos sujeitos
ativos nos papéis de voluntários, seja numa perspectiva mais caritativa, do que tratou como
137
os que são sensibilizados diante da pobreza, tem os que são atingidos por ela. Portanto,
estes vínculos acontecem em forma de doação.
A solidariedade também é caracterizada a partir da “capacidade de sentir-se
próximo do outro, de penalizar-se, podendo ter até mesmo um senso da realidade social,
mas não distinguindo os fatos com objetividade” (ARAÚJO, 2008, p. 32). O agente
solidário neste caso envolve-se com questões sociais, podendo facilitar soluções por
meio de alternativas de ação. Araújo (2008, p. 32), diz ainda que a solidariedade social
doadora “pode também ser entendida como um movimento de socialidade, com a
conotação de dar e receber, no sentido de implementar o bem comum”. Ele pode ir além
inclusive do alinhamento às doutrinas da igreja cristã, de promotor da paz. Para o autor,
este agente doador, “[...] pode, em vez de promover a paz, dirigir a sua intenção ao
apaziguamento das relações de injustiça social, em detrimento das conquistas sociais”.
Para Araújo (2008), este modelo de solidariedade é percebida como
sinônimo de fraternidade e justiça benfeitora, que sempre esteve presente na igreja,
como também nos momentos de repúdio às injustiças sociais nas manifestações junto às
primeiras fábricas na Inglaterra no século XVIII. As doutrinas, portanto, dentro dos
princípios ancorados são de ordem humano-espiritual e de natureza materialista. Para
Araújo (2008, p. 33) são princípios que ainda hoje contribuem para a assistência social
ter certa ambiguidade. Pois a partir destes valores ainda é comum existirem pessoas que
se envolvem com a própria política de assistência, como bem coloca o autor
“agregando, ainda, segundo os seus seguidores, desejos, interesse e necessidades,
dedicação a um trabalho de ‘ajuda’ ao próximo”, podendo ser entendida como uma
disponibilidade muito pessoal, aparentemente independente de que venha a receber algo
em retribuição. Isso pode ser percebido na fala da Agente Social acerca dos primeiros
momentos do Projeto no qual estava envolvida, sendo responsável pela seleção das
famílias que receberiam cestas básicas.
O sentimento que eu sentia [...] Um sentimento de contribuição, apesar de saber que aquele beneficio não saia do meu bolso, mas de alguma maneira eu contribuía para que ele chegasse ate aquela família que necessitava tanto né por que como a gente trabalhava fazendo aquelas visitas e a gente é que conseguia detectar realmente, a gente fazia a diferença, porque por mais pouco que seja, como diz ninguém é tão pobre que não tenha nada pra dar né assim? Então por mais pouco às vezes aquele pouco com aquela cesta fazia a diferença naquele dia exatamente quando ela recebia. Então o sentimento de contribuição de ter cumprido aquela tarefa, saber que eu visitei, fiz meu
solidariedade social doadora, como também numa vertente mais critica, mais participativa politicamente, denominada como solidariedade social cidadã.
138
trabalho direitinho consegui detectar a necessidade daquela família e de alguma forma consegui contribuir, dar uma assistência [...] (Agente Social, entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014).
As reflexões de Araújo (2008) contribuíram para que outras lembranças
viessem à tona, como a da Secretária de Desenvolvimento Social do município de
Paracuru. Ao proferir seu discurso de boas-vindas no ano de 2013, aos servidores,
declarou que a Secretaria, utilizando-se de uma analogia relativa à política, era um
espaço em que não se daria um não a quem a procurasse, haja vista que a população que
procurava a “ação social” já era um povo sofrido. A concepção cunhada e impregnada
no imaginário social reflete as observações supracitadas de Araújo (2008) apud Yasbek
(1996) sobre a leitura do Estado acerca da assistência, fato que repercute na forma de
gerir a política. Sob um forte apelo assistencialista, vai refletir diretamente na percepção
desta política, negando-a como direito.
Para Araújo (2008), a ação doadora ainda pode sustentar um processo de
cooperação social, que pode ser de iniciativa privada, como também pública, passando a
existir uma maneira de formular e executar propostas assistenciais, de modo a conciliar
interesses e percepção da realidade. Ao tornar-se um/a voluntário/a52 esse/a agente
doador/a tem constituído um trabalho dividido em tarefas e atividades programadas em
instituições diversas. Com base em outros autores como Kohan (1971) e Ander-Egg
(1974), Araújo (2008) explora duas concepções teóricas sobre o tema: a primeira que
esse/a voluntário/a pode desenvolver suas atividades envolvido/a por um forte
sentimento de responsabilidade social, movida por uma solidariedade e ação generosa
atrelada à doação na ordem material como também espiritual (KOHAN 1971, p. 40
apud ARAÚJO, 2008, p. 32, tradução da pesquisadora); a segunda concepção teórica é
de que esse trabalho,
Parte de um esforço consciente, organizado e dirigido, individual ou coletivo que de modo expresso tem por finalidade atuar sobre o meio social, para manter uma situação, melhorar e transformá-la (ANDER-EGG, 1974, p. 16 apud ARAÚJO, 2008, p. 32, tradução da pesquisadora).
Essas concepções ao serem desenvolvidas em entidades públicas ou
privadas podem ser levadas em conta como uma atividade de humanização, sustentada
ainda por uma forte conotação moral e ou ética. Um exemplo dessa afirmação é
52 Neste item, faz-se questão de referenciar os dois gêneros, embora no trabalho do autor são seguidas as
regras gramaticais. Ao compreender que o trabalho voluntário é realizado por homens e mulheres, mas sobretudo por mulheres, seria contraditório se houvesse uma supervalorização do gênero masculino em detrimento do feminino neste estudo.
139
percebida na exposição da ex-gestora da política de Assistência ao marcar a parte
introdutória de uma cartilha sobre o trabalho das Agentes Sociais, expedida em 2006:
Agente Social é aquela pessoa comunicativa, humana, paciente, com capacidades para promover a união e o trabalho social nas comunidades. [ou ainda] este caminho é percorrido por 25 mulheres, que se mostram ousadas, dinâmicas e encorajadas pelo valor de amar a pessoa humana, parceiras no acompanhamento de famílias em situação de vulnerabilidade, no exercício da ocupação de espaços de diálogo, na busca da cidadania plena (BARROSO, 2006, p. 01).
Nessa mesma citação, verificam-se fissuras que dão margem para outra
forma de solidariedade, a solidariedade social cidadã, que envolve ainda o trabalho
voluntário, mas percebida como uma forma de participação mais ativa, mais crítica. O
sentido dado à ocupação de espaços e busca por uma cidadania plena abre um leque de
possibilidades para uma aproximação com um tipo de voluntariado mais direcionado à
luta por direitos, de forma mais crítica e sem vínculos fortalecidos por uma doutrina
espiritualista e benevolente, apontada, por exemplo, por Kohan (1971).
Para Araújo (2008), foi só a partir da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) que o Estado passou a atender e aceitar outros tipos de direitos, além
dos direitos políticos e civis. Ou seja, passou-se a pensar em direitos coletivos, e nos
direitos de cidadania.53 Os primeiros garantidos nas Constituições e nas leis em proveito
do indivíduo. O segundo na obra de Araújo (2008) ao citar Benevides (1994) é visto por
meio de dois tipos de cidadania; uma passiva, a partir da outorga dada pelo Estado e a
cidadania ativa, quando se trabalha na perspectiva de direitos e deveres criados para o
cidadão, sobretudo, sob o prisma dos direitos que devem ser essenciais para garantir
espaços de participação política.
A partir destas reflexões, os direitos dos cidadãos são ancorados nas leituras
mais críticas sobre a realidade, sobre as condições pertinentes à luta de classes, de forma
que se passou a cobrar uma responsabilidade não apenas da sociedade civil54, mas
53 Para Gohn (2008), cidadania é um dos conceitos que mais tem significados e ressignificados entre os
intelectuais, políticos e administradores públicos. Segundo Pinsky (2003), este é um conceito histórico, variando no tempo e no espaço, não apenas pelas regras que o definem quem é ou não titular da cidadania [...] mas também pelos direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão em cada Estado-nacional (PINSKY 2003 apud GOHN, 2008). Embora sejam unanimes entre pesquisadores em localizar as orientações do conceito de cidadania na Grécia clássica, nos séculos V e IV a.C. Enquanto categoria legal, estava segundo Gohn, “conectada com o nascimento da distinção entre estado e sociedade...direitos e deveres dos indivíduos, de forma que a coisa pública separava-se da privada,” acabando por surgir o direito Romano (DELANTY, 2000, p. 12 apud GOHN, 2008, p. 19).
54 Ressalta-se que se parte da compreensão usada por Teixeira (2002, p. 42) acerca do significado de sociedade civil, quando este utiliza-se de conceitos basilares de Cohen & Arato (1992, p. 346).Embora considere que há algumas limitações, mas estes autores a concebem-na como uma rede de associações
140
também do Estado, sobretudo no combate à pobreza. Neste momento histórico, segundo
Araújo (2008, p. 45), incidiu a luta por direitos individuais de liberdade, havendo
possibilidades de organização da sociedade em prol de suas necessidades:
O Estado capitalista centra-se nos interesses econômicos em detrimento do social, havendo necessidade de a sociedade civil buscar compensações econômicas e sociais, subtraídas pelo próprio sistema na direção de direitos coletivos, sociais, que são direitos de cidadania, os quais se efetivam pela participação e pela organização social, em atenção às demandas sociais da sociedade civil.
O autor declara ainda que, a partir das reivindicações dos direitos, sob um
horizonte embasado em princípios de equidade, igualdade e de justiça, os novos agentes
sociais voluntários/as surgem, mas orientados por um profissional como, por exemplo,
do Serviço Social para o desenvolvimento de atividades complementares de assistência
direcionadas à população excluída. Essas atividades passam, portanto, a ser ancoradas
na concepção de uma solidariedade cidadã. Uma concepção entendida e perpassada
entre as Agentes Sociais de Paracuru, como se observa no discurso a seguir,
[...] Como você disse que a gente não ajuda, promove assistência, apesar de não ser do meu bolso aquele arroz, aquele feijão não vinha do meu bolso mais de alguma forma foi por mim pelo meu trabalho que ele chegou até a família, até ela, então era um sentimento de felicidade, compensação de dever cumprido (Agente Social, entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014).
Essa forma de solidariedade é concebida como uma nova perspectiva
valorativa, existindo uma dinâmica em que permeia interesses políticos, econômicos e
sociais. Este/a voluntário/a fundado/a por meio de uma visão cidadã,
Posiciona-se através de grupos e organizações sociais, entre o Estado e o mercado, com consciência crítica da realidade, com capacidade de trabalhar com as populações o processo social, situado criticamente na contemporaneidade do neoliberalismo econômico e de suas implicações sociais. É um reconhecedor dos condicionantes políticos e econômicos como fatores preponderantes que demarcam a realidade social (ARAÚJO, 2008, p. 45).
As declarações supracitadas fomentam a análise sobre os momentos
vivenciados pelas Agentes Sociais no seu processo de formação. Diante das concepções
elencadas até aqui, no que se refere às leituras sobre o voluntario/a agente social
doador/a e o voluntario cidadão/ã, pode-se dizer que a primeira fase para a constituição
autônomas, com interesses comuns, que devem exercer um controle sobre o Estado, utilizando-se para isso de meios não só institucionais, como não convencionais.
141
do grupo das Agentes não foi mediado por uma compreensão mais critica quanto ao seu
papel.
O segundo momento na formação das Agentes Sociais de Paracuru
correspondeu às capacitações que tiveram início ainda em 2005. Essas ocorreram de
forma mais sistemática, buscando definir alguns conceitos, culminando no plano de
ação adequado às atividades de cunho social e de participação junto à comunidade. Foi
o momento em que o grupo realmente começou a dar vida às ações comunitárias.
Passaram as Agentes Sociais a experimentar um novo processo de vivências mais
consolidado com uma solidariedade social cidadã, sob fomentação de valores
organizativos, passando, no dizer de Araújo (2008, p. 46), “a uma ação social como
estratégia de resistência e de enfrentamento às ameaças à violação dos direitos humanos
e sociais”. Como uma participação mais consolidada a forma cidadã, assume uma
dimensão educativa e integrativa. Para Teixeira (2002, p. 38),
Passa esta a ser concebida como aquisição e extensão da cidadania ativa com a inserção maciça dos indivíduos no processo político, mediante a ampliação do sufrágio e, mais recentemente, a construção de novos direitos e a luta pela superação de vários tipos de discriminação e desigualdade.
No que se refere ao grupo Agentes Sociais de Paracuru, além do
conhecimento apreendido com o processo de participação cunhada numa cidadania mais
ativa, elas se inter-relacionaram, havendo uma transformação interna, um crescimento e
amadurecimento quanto à compreensão acerca do espaço da mulher, segundo um olhar
sobre direitos, formas de organização, estratégias que poderiam ser criadas para romper
paradigmas. Isso pode ser observado nos discursos proferidos.
A inserção no trabalho mudou muita coisa, porque quando eu estava no grupo aprendi muita coisa, muitas coisas boas [...]. Hoje eu me vejo transformada. Quando eu entrei no grupo eu era simplesmente uma dona de casa, mãe, divorciada e hoje me sinto, uma mulher realizada (Agente Social, atualmente exerce o papel de educadora social vinculada à prefeitura; entrevista realizada no dia 26 de abril de 2014). [...] As vezes algumas famílias não sabia nem o que era o Bolsa Família, então a gente era como uma porta de conhecimento do que são as leis do que é certo e errado, então era gratificante [...]as vezes a família estava passando dificuldade, mas ela só precisa de uma palavra de incentivo (Agente Social, exerceu o cargo de presidenta da Associação por dois mandatos; entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014).
Portanto, impetradas ao processo de capilaridade da Secretaria, no
primeiro plano o engajamento social das Agentes Sociais estava de certa forma
atendendo aspectos pertinentes ao que se chamou de voluntário/a doador/a, ao
142
engajar-se a partir de um interesse que não era o de lucrar com os “louros da virtude”,
como existem casos apontados por Araújo (2008), o interesse no primeiro momento
chegou à natureza da razão e do sentimento, como abaliza Costa (2000) citado ainda
por Araújo (2008). O interesse neste caso era suprir algo, para possuir algo, ou seja,
uma cesta básica para auxiliar, ou amenizar as vulnerabilidades sociais das quais
estavam vivenciando.
O segundo momento, experimentado pelas Agentes Sociais de Paracuru,
consolidado por uma incorporação55 fomentadora e indutora de processos pertinentes a
um desenvolvimento local, com foco na comunidade, estas já não apresentavam apenas
sentimentos de doação, já não dispensavam mais a remuneração ou qualquer forma de
pagamento e reconhecimento pelo seu trabalho. Buscaram e se constituíram como
Associação56. Uma agente social cidadã nascia como muitos outros agentes de entidades
e associações de classe e outros segmentos provindos dos movimentos sociais surgiram,
sedimentados por uma razão solidária cidadã, “cujo sentido de mobilização se prende,
dentre outros motivos, ao enfrentamento de questões discriminatórias e elitizantes da
sociedade” (ARAÚJO, 2008, p. 46).
Com a implantação da Associação elas aprenderam a organizar pautas
reivindicatórias, a debater com os gestores das políticas, a buscar novos conhecimentos,
a ir às ruas, a mostrar-se à comunidade, a sair dos seus lares, a participar de órgãos
políticos, a fazer negociações. Contudo, mesmo institucionalizadas, permaneceram
atreladas à Política de Assistência de Paracuru. De certa maneira, normatizaram-se e a
legalidade as deixou ainda conectadas ao voluntariado, mesmo assumindo, muitas
vezes, o reconhecimento de que necessitavam de um salário e que não podiam mais
atuar sem um salário mínimo, sem condições dignas de trabalho. Passaram a operar às
ações por meio da entidade que se constituiu, sem fins lucrativos, com uma participação
perpassada ou vinculada as ações da assistência57, ou mesmo da educação.
55 No processo de socialização das Agentes Sociais, a partir das leituras de Bourdieu, compreende-se que
elas tenham sofrido um processo de interiorização das práticas coletivas, de forma consciente ou subconsciente, tomando forma e moldando-se dentro de uma perspectiva de participação e valorização do espaço público, no atendimento às estratégias e dispositivos do governo local. BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. Material em slide concedido por Anne-Sophie Gosselin. Aula sobre o sujeito e os processos de incorporação, da disciplina: corpo e política, vinculado ao Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas-UECE.
56 Embora neste momento passe a Associação a consolidar o que analisou e denominou Araújo(2008), de mecanização da solidariedade, é o momento em que as entidades, ou segmentos ligados ao Estado e ao mercado usam instrumentos jurídicos, como convênios e acordos.
57 A partir da finalidade registrada no Estatuto da Associação aos 10 de abril de 2008 a entidade teria que: I-participar de ações que possam ajudar a prevenir e enfrentar os problemas sociais na
143
Ao serem questionadas acerca do sentimento de dependência ou
independência do governo local, as mulheres da diretoria, principalmente em entrevista,
declararam que existia uma dependência ao governo. Das 10 (dez) entrevistadas, 06
(seis) delas responderam em consonância com a ideia de que só estariam desenvolvendo
suas atividades se tivessem a abertura do poder público. Eis o que foi citado por uma
das Agentes Sociais: Eu acho que [pausa] ela é dependente, porque se ela fosse independente nós [...] eu tenho certeza que nós já tínhamos levado realmente pra frente. Então tem essas pendências (Agente Social, entrevista realizada no dia 09 de junho de 2014).
Outras 02 (duas) afirmaram que, de certa forma, duas situações existiam na
relação entre o governo local e a Associação. Utilizando-se da retórica de que a
Associação não precisa de alguém ou de algo como a prefeitura para continuar, mas
argumentando que financeiramente existem implicações para o desenvolvimento de
suas ações, a Agente Social expôs:
Ela não precisa, agora pra gente atuar, as nossas atividades é necessário, então é por isso que tá do jeito que estar hoje, porque ela não precisa, ela é independente, ela poderia tá atuando sozinha com as próprias pernas e lutando para conquistar o que a gente tinha (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de maio de 2014).
Uma Agente Social apenas disse que a Associação não dependia da
prefeitura para a realização das ações e uma outra não soube responder.
Destaca-se, através da análise dos discursos das Agentes Sociais que não há
clareza ou apreensão quanto à finalidade da Associação, haja vista que um dos fatores
está relacionado à própria forma como a entidade se constituiu, ou seja, a partir do
governo local à época, para atuar na comunidade, com todas as ações, por certo período,
vinculados exclusivamente à administração. Para uma das ex-gestoras da política de
Assistência, elas seriam uma entidade de classe, contudo, estas não se constituíram
desta maneira, não se vinculam no estatuto como classe e nem no imaginário geral
destas mulheres.
comunidade, integrada a outras instituições governamentais ou não, de acordo com sua capacidade; II-atuar na intermediação de apoio entre as Unidades de Assistência Social e a usuária; III-Instituir, pelos meios legais e adequados, a defesa dos interesses de seus associados, propiciando a eles e a seus dependentes diretos e, na medida do possível, o seu engajamento nos planos, programas e projetos de proteção à maternidade, visando o bem-estar social das envolvidas, através de atividades socioeducativas, culturais e recreativas; IV-intergrar com o poder local na participação popular e construção de políticas públicas e o controle social; V-pugnar pelo respeito à ecologia e ao meio ambiente e VI-promover e incentivar iniciativas que visem o desenvolvimento sustentável, promovendo a política de Assistência no município de Paracuru.
144
O que se cogita de certo modo, na ideia de contradição enquanto a
percepção dos agentes públicos sobre a natureza e finalidade das Agentes Sociais de
Paracuru, ou seja, da Associação, tendo em vista que uma entidade de classe se
reveste de ações por parte dos associados para os próprios associados. É claro que
podem se engajar em lutas mais complexas em âmbito político, econômico, social,
cultural. Entretanto, no caso das Agentes Sociais na constituição legal da entidade,
como já focado destinam as ações à comunidade e esta é atendida prioritariamente
pela assistência. Apenas um item no seu estatuto, no capítulo correspondente à
finalidade da Associação destaca o apoio às associadas como já exposto em nota de
rodapé. E no caso das Agentes Sociais, vale lembrar que foram criadas como política
de governo, e vem sofrendo as refrações da conjuntura atual. Assim segue o exemplo
na citação.
Como o grupo nasceu ligado ao poder público elas se acham dependentes do poder público, o que não deveria acontecer, elas tem que se reconhecer enquanto classe de agente social. Acho que faltou do poder público, de nós que estávamos ligados a elas, o incentivo a identificação do que era suas funções, a limitação do que seria a definição: qual o papel dentro da política, para que quando fosse necessário fazer um concurso público elas tivessem espaço, elas conseguissem lutar claramente por isso e até explorar um pouco mais, como a gente sabe na política de saúde se tirar a agente de saúde teria uma falta, a agente social também era para ter esse mesmo valor que se tirasse sentiria falta (Ex-gestora, entrevista realizada no dia 26 de abril de 2014).
No Brasil, é fato o crescimento de entidades e ações voltadas à
responsabilidade social, vinculadas espacialmente aos movimentos sociais,
principalmente cunhadas a perspectiva critica solidária cidadã. Segundo Teixeira (2002,
p. 41), a participação tende cada vez mais a ser
Considerada pelos próprios atores, nas suas dimensões simbólico-expressiva e de controle social do poder político, principalmente, quando se concebe a relação sociedade civil e Estado numa perspectiva de cidadania ativa. Não se pode negar o papel da participação no conjunto de processo decisório, mas não se pode substituir aqueles que recebem um mandato popular com responsabilidades de decidir e implementar ações que respondam as necessidades do povo. Cabe assim, a participação cidadã contribuir para melhorar a qualidade das decisões mediante o debate publico e a construção de alternativas [...].
No caso de Paracuru, a informação quanto ao crescimento das entidades da
sociedade civil se materializa a partir do registro de associações comunitárias de bairros.
Até 2008 os números informais de associações chegavam a aproximadamente 80
145
associações; em 2014, esse número pode ter ultrapassado a marca dos 120, como já
registrado no primeiro capítulo, pela Secretaria de Articulação Política e Comunitária do
município. Um órgão cujo intento claramente consiste no acompanhamento a estas
entidades, implementado na gestão da prefeita Erica de Figueiredo, atualmente com
contornos mais burocratizados, tem sido dispositivo no controle do processo
democrático e de organização das entidades da sociedade civil. Sob a influência da
leitura foucaultiana dir-se-ia que o papel das ações governamentais, neste caso, através
de políticas de governo ou estatal, são usadas como forma de tecnologias de poder,
supondo-se que o uso do órgão público sirva para atuar em corpos coletivizados, de
forma a regular e controlar o processo participativo das entidades.
De toda forma, como é tendencioso, pela sua complexidade, que o sistema
capitalista atue e mantenha o Estado sob controle, é possível afirmar que estas entidades
venham a se fortalecer, mas também venham sofrer desgastes, em decorrência das
desestabilizações em torno do campo trabalhista, sobretudo para aquelas que se
caracterizam como sindicatos e entidades de classe (ARAÚJO, 2008).
As Agentes Sociais de Paracuru requerem emprego, ocupação, mas não se
assumem enquanto entidade de classe encontra-se instável principalmente, por hoje
sofrer as refrações das ações políticas e econômicas sustentadas pelo governo local.
Amparam-se apenas na esperança frágil de se erguerem e continuarem um trabalho
iniciado em 2005. Muitas vezes, mostram-se críticas a esta situação, porém
fragmentadas em atos, tentam retomar o que atualmente tem fortalecido a esperança, ou
seja, o resgate temporal das mudanças ocorridas em suas vidas e na vida de outras
pessoas, através do próprio reconhecimento. “A gente tá nessa caminhada ainda é por
acreditar que um dia a Associação seja realmente reconhecida e as meninas sejam
reconhecidas também” (Agente Social, discurso proferido em encontro realizado no dia
10 de julho de 2014).
Como ainda se permeia no processo de subjetivação destas mulheres que os
momentos coletivos possam ser novamente fortalecidos pelo poder de um governo
local, a partir da inserção da maioria destas mulheres em empregos que venham retomar
o trabalho das Agentes Sociais, estas, portanto, estão vivenciando ainda um processo de
reconhecimento da sua identidade como entidade política, pois como diz Ricoerur
(2004, p. 12 apud GOHN, 2008, p. 32), “reconhecer é primeiramente discernir uma
identidade que se mantém, ao longo das mudanças”. Algo que se percebe na declaração
abaixo: “A associação não é só uma forma de inserção no emprego. A associação é
146
muito mais. Uma associação tem o poder de transformar uma pessoa” (Agente Social,
entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Assim sendo, reconhecer não é algo apenas que implique um
reconhecimento externo, mas é algo que parte do subjetivo, sendo um exercício feito
cotidianamente, nos encontros, na luta diária, para que seja fortalecidos conceitos,
ideias, sentimentos. Como diz Teixeira (2002), os costumes e práticas sociais vão
influenciar na concretização de uma verdadeira participação, em que a educação
política, por si só, não é suficiente. Com base em Avritzer (1994, p. 288), esses
processos de aprendizagem vão precisar estabilizar-se em instituições, e, para Teixeira
(2002), devem estas aprendizagens, sobretudo, ser compreendidas e refletidas, como
integradas, provocadoras de avaliações acerca dos erros, no caminho da descoberta
das potencialidades. No caso das Agentes Sociais de Paracuru, muitas se reconhecem
como agentes de transformação como se percebe na citação: “Porque ser Agente Social
é ser uma pessoa transformadora. Porque diante de todas as dificuldades continuamos
acreditando em transformações!” (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril
de 2014).
Analisa-se que este significado, muitas vezes, foi adormecido. Por outro
lado, prevaleceram os momentos de ressignificação, bem como os de valorização de
uma política, contribuindo para passos em uma direção, no sentido de uma prática
coletiva, pois estar atuando como Agente Social é descrito por algumas da seguinte
maneira:
O que é estar? Eu estou numa fase de aprendizado e crescimento. Aprendi muito, só que eu tenho que ter a percepção de absorver o que eu aprendi e colocar aquilo em prática. Mas se você disser assim, tirando o seu filho qual foi a principal coisa que aconteceu na sua vida? Se você perguntar assim o que foi que aconteceu na sua vida que deu assim um Up? Que você teve uma percepção de tudo? Que mudou? Que fez uma diferença? Que fez com que você abrisse os olhos? Né? Foi ser Agente Social. Eu sou Agente Social, uma agente da sociedade. Eu passei de uma mulher anônima para uma pessoa que aprendeu a ser mulher, a ser mãe, a saber votar, a cobrar, saber que eu tenho direitos, que eu tenho deveres, que eu posso ir onde eu quiser depende de mim. Né ? Então isso eu aprendi sendo o que? Agente Social. Trabalhando na sociedade, desenvolvendo o papel que me era proposto. Às vezes dizia assim: a gente com o cadastro da família pra fazer e pensava será que eu sou capaz? Sou. E fomos capazes e ir lá, de fazer, de mostrar. E tudo foi tão transformador que você vê o reflexo hoje em dia, a gente tem uma postura diferente. Hoje a gente tem uma postura muito crítica, a gente se cobra a gente faz crítica construtiva, a gente quer participar a gente quer (Agente Social, entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014). É um papel muito importante, você conhece novas pessoas, sabe o que as
147
pessoas estão precisando (Agente Social, entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014).
Pra mim, ser Agente Social é tudo! Tudo o que eu consegui tudo que eu faço foi através disso (Agente Social, entrevista realizada no dia 29 de abril de 2014).
A partir desta iniciativa de articulação entre identidade e reconhecimento
é que vão ter o poder de dar sentido às ações, sejam individuais ou coletivas,
(GOHN, 2008), como ocorreu em suas vidas ao quebrarem as barreiras do espaço
doméstico, quando se mostraram, se transformam em sujeitos, autoras de história.
5.3 A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS AGENTES SOCIAIS DE PARACURU NA
TRILHA DO EMPODERAMENTO
Para compreender a participação política das Agentes Sociais de Paracuru,
partiu-se das perspectivas, sobretudo, de Gohn (2008), quando esta diz que participação é
uma lente que possibilita lançar um olhar ampliado sobre a História. Para Teixeira (2002),
a participação no caso dos movimentos sociais, como neste estudo, não é exercida sem
dificuldades objetivas, pois considera que as desigualdades econômicas, sociais, culturais
e étnicas podem influenciar na constituição de comunidades fechadas, até mesmo
fragmentadas diante do mundo globalizado, entretanto, na busca por auto-organização
podem encontrar uma forma de reconhecimento das suas diferenças e direitos.
Para estudiosos como Dallari (1984), a partir do momento que uma
determinada pessoa não quer assumir a responsabilidade de decidir, acaba por tomar
uma decisão, ou seja, a de permitir que outras pessoas decidam em seu lugar. Lembra
que um sistema político só é democrático quando as decisões são tomadas com
liberdade, respeitando a maioria.
Sabe-se que a mulher na arena nacional é maioria em termos demográficos.
Essa realidade se repete no município em Paracuru, contudo, também se sabe que por
séculos estas foram relegadas aos espaços, até então, não democráticos e de decisão.
Ainda de acordo com Dallari (1984), desde milênios na história da humanidade aparece
a existência de uma luta permanente para que haja um processo mais participativo e
democrático em termos de decisões políticas. O autor ressalta que, nos séculos XVII e
XVIII, a burguesia acabou eliminando a diferença entre nobres e plebeus, em que os
direitos políticos, a partir de então, estavam estendidos a todos os que tinham
propriedade ou viviam uma situação econômica favorável para época. Vale salientar que
148
a mulher não estava inserida neste grupo. Na sequência, com a revolução industrial,
após muitas lutas, outro segmento, o proletariado urbano, passa a ter o direito à
participação política; entretanto à mulher, principalmente em países europeus, não foi
dado sequer o direito de votar ou ser votada.
A história aproxima-se da leitura sobre o acesso à participação por parte do
cidadão e cidadã com as constituições de cada país. No caso do Brasil, ressalta-se que a
mulher conquistou o direito ao voto antes mesmo que a mulher francesa, ou seja, a
brasileira em 1927 e a francesa em 1945, esta última por séculos foi precursora de
bandeiras em prol do direito feminino. Declarações internacionais foram outros
instrumentos de conquistas e deliberações de determinadas questões favoráveis à
vontade do povo. De acordo com Scott (2002, p. 265), o direito das mulheres francesas
ao voto foi introduzido formalmente na Constituição da Quarta República, em 1946,
ratificando a Declaração dos Direitos de 1789, “que registrava, segundo a autora, a
igualdade de direitos para mulheres e homens em todas as esferas”.
Para Gohn (2007), a palavra participação é uma das mais utilizadas no
vocabulário político, científico e popular da modernidade, aparecendo associada a
outras palavras como democracia, representação e outras, dependendo da conjuntura
histórica, como da própria época a qual está sendo discutida. Considera, ainda, a autora,
que vários foram os teóricos que fundamentaram o sentido atribuído à participação,
sendo o termo analisado segundo níveis básicos como: o conceitual, o político e o da
prática social. O primeiro tem um alto grau de ambiguidade, variando de acordo com o
modelo teórico o qual o fundamenta. O segundo, para Gohn (2007, p. 14), está
associado a processos de democratização, podendo ser utilizado como “um discurso
mistificador em busca da mera integração social de indivíduos” exemplificados por
meio das políticas sociais de controle social implantadas de forma a regular a sociedade.
Quanto ao terceiro, referente às práticas, “relaciona-se ao processo social propriamente
dito; trata-se das ações concretas engendradas nas lutas, movimentos e organizações
para realizar algum intento”.
Segundo autores como Carvalho (1995) e Gohn (2007), a questão da
participação no Brasil remete-se a fatos históricos desde os tempos em que surgiram as
primeiras lutas da colônia contra a metrópole. Entretanto, a participação política segundo,
Carvalho (1995), estimulada por políticas públicas estatais, surgiu com a ideia de
participação comunitária, sob forte influência norte-americana. Tanto de maneira
ideológica como prática, o movimento surge para dar respostas às questões referentes à
149
relação entre pobreza e doença. O mesmo autor enfatiza que, na América Latina, este
modelo não teve tanta repercussão, entretanto, na década de 1950 aparece o que se
chamou de desenvolvimento da comunidade. Uma proposta também americana de ajuda
aos países em processo de subdesenvolvimento no movimento da guerra fria. Para Gohn
(2007, p. 50), neste período a participação “era pensada como incorporação dos
indivíduos em ações previamente elaboradas pelas autoridades ou grupos de missionários
que desenvolviam programas assistenciais nas comunidades”. Assim também se refletiu
com as contribuições de Araújo (2008), sobre a solidariedade doadora.
Contudo, não é possível perder de vista que novas configurações em torno da
participação alcança atualmente o campo político e da disputa pelo poder. Na atualidade,
já se pode apontar como exemplo o que há de mudanças em torno dos movimentos
sociais, existindo novas lutas potencializadas por movimentos como os de mulheres,
ecologistas, afrodescendentes e os grupos indígenas (GOHN, 2013, p. 19). Para a mesma
autora, “observa-se um novo cenário econômico e sociopolítico, em que marchas,
ocupações e manifestações voltaram à cena em diferentes partes do mundo globalizado.
Elas negam inclusive a política e o comportamento antiético de muitos políticos”.
A Associação das Agentes Sociais estaria inserida dentro do que se denomina
movimentos sociais. Gohn (2012), corrobora para a reflexão de que os movimentos
sociais têm um caráter educativo e que na prática se constrói em vários planos e
dimensões e que não determinam nenhum grau de prioridade, embora articulados. A
partir daí, descreve a dimensão da organização política, fundamentada na consciência
adquirida progressivamente sobre direitos e deveres; a dimensão da cultura política,
através do próprio exercício político favorecendo para o desenvolvimento de uma
cultura que valorize a participação, da utilização de ações continuas e sistemáticas, do
acumulo de experiências, em que a “fusão do passado e do presente transforma-se em
força social coletiva organizada” (THOMPSON, 1979 apud GOHN, 2012, p. 23); e, por
último, a dimensão espacial-temporal, que “leva ao conhecimento e reconhecimento das
condições de vida de parcelas da população, no presente e no passado”, esta dimensão
“possibilita uma grande articulação entre o chamado saber popular e o saber científico,
técnico, codificado. As categorias tempo e espaço são muito importantes no imaginário
popular” (GOHN, 2012, p. 25).
Por sua vez, pode-se dizer que estas dimensões têm influência considerável
na organização e na forma de (re)constituição das Agentes Sociais, atualmente
principalmente nesta etapa atual de fragilização dos encontros do grupo. Não foi à toa
150
na importância identificada com a utilização da entrevista episódica utilizada nesta
pesquisa, na proposta inclusive dos encontros coletivos, como metodologia deste
estudo. Percebe-se que estas dimensões elencadas fazem parte do contexto das Agentes
Sociais. Atualmente, estas mulheres buscam se “realimentar dos produtos” que
conquistaram com o passado para realizar os novos processos de hoje. Tentam “resgatar
elementos da consciência fragmentada” para poder contribuir na articulação atual. Esta
ação é analisada como uma certa resistência política mesmo que imperceptível diante da
hegemonia dominante (GOHN, 2012, p. 24-26). O discurso abaixo é esclarecedor da
percepção sobre o papel político da Associação:
Que a gente possa lutar por muitas melhorias, como instrumento político para o nosso Municio, principalmente para os nossos filhos, pra eles no geral e para nossa comunidade, que venha acrescentar, principalmente na educação, por que antes a gente tinha filhos e se preocupava em ter o que comer, e hoje a preocupação é em educar, manter a mente deles ocupada, porque o reflexo tá aí, a gente vê na TV, é muita agressão é muito desrespeito. [...] E com a Associação eu posso de alguma maneira contribuir, trazer alguma coisa, lutar por algum movimento, trazer alguma coisa para a comunidade que aquilo vai ser de utilidade publica, vai ser favorável, vai acrescentar, então vai fazer valer (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Ela diz ainda acerca do que espera da Associação:
Mais interesse, interesse e cobrança, a gente tem que cobrar um do outro e se cobrar, é como eu digo a gente não precisa ter um motivo para se reunir, a gente precisa se reunir pelo menos uma vez por mês para ter um contato uma com a outra. Para uma saber não é da vida da outra mais saber qual é a necessidade da outra, a necessidade o que esta acontecendo, se alguém esta passando por um momento difícil, ver o que a gente pode fazer de que forma a gente pode trabalhar para ele ser mais bem vista, mais bem requisitada, fazer com que todo mundo saiba que existe a Associação das Agentes Sociais, como tem as Agentes de Saúde, fazer valer o nome, entendeu? (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014).
Para Gohn (2008), os sujeitos protagonistas no processo de vivência e
construção histórica passam a desenvolver uma consciência crítica de forma
desalienadora, pois acabam, inclusive, agregando força sociopolítica ao grupo ou
associação na qual estejam envolvidos, de maneira que esta forma de participação acaba
sendo muito específica, pois leva à mudança e à transformação social. A autora provoca
ainda a reflexão para o entendimento acerca do sentido e do significado da participação
como já citado anteriormente. O primeiro é o que conduz para desdobramentos, após o
significado aprendido e apreendido pelos sujeitos (GOHN, 2008).
A participação política das Agentes Sociais de Paracuru é vista como
proposta de resistência às estruturas criadas socialmente pelo próprio poder local, que
151
facilitou e geriu a inserção das mulheres nos espaços públicos e também representou, de
forma bem mais acentuada, a resistência às condições e relações vivenciadas por elas no
âmbito do privado. Portanto, esse aspecto dá novamente margem para uma reflexão em
torno do conceito de poder, ao compreender que este é permeável nas relações, produtor
de saber e discursos (FOUCAULT, 2012).
Nessa esteira, para autoras como Lisboa (2008), a estratégia de inclusão das
mulheres nas políticas sociais aponta para as reflexões em torno do termo
empoderamento, chamando este a atenção para a palavra “poder”, podendo ser
analisado a partir
Do conceito de poder enquanto relação social. [...] Na proposta do feminismo, porém, pode ser uma fonte de emancipação, uma forma de resistência. Empoderamento na perspectiva feminista é um poder que afirma, reconhece e valoriza as mulheres; é precondição para obter a igualdade entre homens e mulheres; representa um desafio às relações patriarcais, em especial dentro da família, ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero [...] Os estudos feministas partem do pressuposto que o empoderamento das mulheres é condição para a equidade de gênero. O primeiro passo para o empoderamento deve ser o despertar da consciência por parte das mulheres em relação à discriminação de gênero [...] (LISBOA, 2008, p. 02-03).
Segundo Vasconcelos (2001, p. 05), o termo empoderamento reveste-se de
muitas complexidades, por isso, em seu artigo “A proposta do empowerment e sua
complexidade,” conceitua-o como um “aumento do poder pessoal e coletivo de
indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente
daqueles submetidos à relação de opressão e dominação social”. O mesmo estudioso
aponta que o estudo sobre o tema tem sido um elemento central nas políticas sociais,
principalmente nos países de língua inglesa. Neste caso, diante do uso, às vezes de
forma indiscriminada do termo, como abaliza Vasconcelos (2001), neste estudo, este
passou a ser proposto atendendo a perspectiva de que o mesmo transcorre ente as
relações vivenciadas pelas Agentes Sociais de Paracuru, sem assumir uma linearidade,
quando elas fazem uso de certas estratégias de poder. Portanto, não sendo algo contínuo,
permanente, sofre as refrações das correlações de forças existentes.
Os objetivos desta pesquisa culminaram em determinados pressupostos,
como o que se configura pela possibilidade de emancipação por parte das mulheres
Agentes Sociais, no sentido de terem alcançado aspectos que caminham para um
empoderamento a partir da oportunidade de organização política. Embora não tenham
surgido em meio às formas tradicionais dos movimentos sociais massificados, as
Agentes Sociais dentro do seu associativismo pontual, com suas divergências e
152
diferenças próprias dos sujeitos, trilharam caminhos novos, fomentando estratégias de
empoderamento, mesmo que individualizadas, construídas no dia a dia. Estas também
construíram histórias percebidas principalmente por meio da condição de participantes
de uma vida coletiva, quando abriram fissuras na vida doméstica e mesmo em formas
desiguais na vida pública, como diz uma das Agentes Sociais em entrevista: “Mesmo
que acabe, mas pelo menos, fica na historia o que aconteceu e que um dia existiu, [...]”.
Ao dar-se ênfase a esta questão, considera-se a importância do registro sobre o legado
constituído pelas Agentes Sociais de Paracuru, haja vista, a concepção pulsante para
estas mulheres, da possibilidade de novas mulheres conseguirem vivenciar a mesma
trajetória vivida por elas.
Pela leitura sobre o poder, é possível se pensar num agenciamento também
transformador e emancipatório para estas mulheres. Deste modo, faz-se necessário ater-
-se sobre as análises de Gohn (2008, p. 32-33), quando declara que a transformação tem
vários sentidos:
Poderá ser reiterativa do existente, apenas mudando sinais, modernizando algo – mas assentada nos mesmos pressupostos antigos; ou emancipadora e emancipatória, que agrega um sentido, uma qualidade nova, que aponta para uma nova correlação de força sociopolítica dos sujeitos envolvidos.
Com esta definição, Gohn (2008) afirma que a emancipação não é um
receituário de regras a seguir, fruto do desejo dos sujeitos, indivíduos, isoladamente. A
emancipação real constrói-se na prática cotidiana, exigindo uma proatividade, com
metas a seguir, que seria a autonomia. E esta é uma construção que parte de um campo
ético e político de respeito ao outro, sem se relacionar ao campo do pessoal, não
havendo subordinação, dominação, interesses, inclusive, segundo a autora,
“particularistas de poder.” [...] “adquirem uma linguagem que possibilita ao sujeito
participar de fato, compreender e se expressar por conta própria” (GOHN, 2008, p. 33).
Para tudo isso, é importante salientar o campo da liberdade surgido para as
Agentes Sociais de Paracuru, haja vista que o poder que pôde levar a um reconhecimento
e desejo de emancipar-se só é exercido quando há liberdade, na perspectiva de que o
poder pode levar, sobretudo, a resistências e a uma autonomia política, com oposição e
independência ao poder estabelecido (RABAY, 2008). As Agentes Sociais destacam que
a liberdade está atrelada ao direito de ir e vir, ao direito de sair de casa, sem o
compromisso com o horário para retornar, sem ter que dar satisfações ou responder ao
controle de terceiros, como pai e marido. O fato de se ter onde morar e não depender da
153
moradia dos outros é sinônimo de liberdade. Os significados surgidos expressam a
rejeição às normalizações que fomentaram opressões e as colocaram, ou as deixaram por
muito tempo restritas aos espaços apenas da família. Por isso é importante aguçar a
observação de como estas mulheres se veem com relação à liberdade:
Ser livre é você morar na sua própria casa, ter a liberdade de sair com seus filhos sem dar satisfação a ninguém. Eu nunca tive liberdade assim. [A mesma não se sentia livre como hoje] Eu me sentia presa, era obrigada a dar satisfação, não podia sair à hora que eu queria tudo que eu fizesse tinha que comunicar. Agora saio à hora que eu quero, volto à hora que eu quero (Agente Social, entrevista realizada no dia 26 de abril de 2014). É ter liberdade de conseguir seu trabalho, e ser feliz, é caminhar através dos seus sonhos (Agente Social, entrevista realizada no dia 09 de junho de 2014). Eu sou [pausa]. Eu falo de sentimentos né, [...] eu vivi muito tempo com uma pessoa e [pausa] agora já tá quase um ano que eu estou separa dessa pessoa e hoje eu me sinto uma pessoa livre e independente. Hoje eu tenho o meu trabalho, eu tenho a minha casa, né, hoje eu moro com os meus irmãos, [...] hoje eu me sinto uma pessoa livre. Livre para ir onde quero [...] (Agente Social, entrevista realizada no dia 09 de junho de 2014).
Quanto à autonomia, essas mulheres de pronto enfatizaram a relação com a
independência financeira. É uma forma de se sustentar sem a dependência de outra
pessoa, tendo, por exemplo, o próprio negócio. É ser polivalente, poder trabalhar e, por
fim é “uma mulher cheia de direito, ela tem direito, o poder de lutar e vencer”. Também
permeia a noção de liberdade, o poder financeiro, como proporcionador de novas lutas,
outros sonhos trilhados sob novas socializações além do espaço doméstico. Desta
forma, essas mulheres estariam utilizando-se de estratégias de empoderamento nas
microrrelações estabelecidas entre os espaços privados e públicos.
Outra questão importante a ser observada corresponde a uma certa herança
política das Agentes Sociais de Paracuru. Embora, no momento de inserção do Projeto
Espaço Cidadão, determinadas mulheres já viessem com uma bagagem de
socialização pautada num capital político herdado da experiência dos pais, da
participação em movimentos da igreja e do bairro, mesmo que em quantidade mínima,
como se verificou entre as 10 (dez) mulheres especificamente entrevistadas
individualmente, 03 (três) assumiam certo “reconhecimento da legitimidade” para agir
na política, confirmando o que Bourdieu (2004, p. 187), ao ser citado por Rabay
(2008, p. 206), declara: “o capital político é uma forma de capital simbólico, crédito
firmado na concepção e no reconhecimento” da legitimidade para agir na política. É
possível, portanto, balizar que estas mulheres, no decorrer das suas trajetórias de vida,
154
já vinham conquistando desdobramentos favoráveis a uma pró-autonomia, contudo, se
fortaleceram a partir da participação política vivenciada no Projeto e, posteriormente,
com a própria Associação, em razão das experiências relatadas, da fomentação em
torno dos direitos a serem conquistados. Partiram para a conquista de espaços maiores,
para além do se tornar cuidadoras, conheceram valores democráticos e tentaram
consolidá-los em vários âmbitos da vida.
Desse modo, as estratégias de empoderamento dessas mulheres se deu a
partir do momento em que perceberam ser possível fazer algo, realizar coisas
conectadas com o conhecimento e com o saber acerca das suas condições de vida, das
relações construídas por meio dos sistemas preponderantes ao longo de décadas
aperfeiçoados. Participar da vida política para estas mulheres tem outro significado
atualmente, embora não tenha sido motivo de força principal para aguçar novo
rompimento, principalmente com o poder estrutural existente na cidade. Chegam,
portanto, a considerar que participar da vida política do município, sem delegações, sem
tutelas, ou herança política é algo favorável para aprimorar a vida da própria mulher,
como se vê nas citações abaixo:
Melhora, principalmente para a autoestima, e saber que você é capaz de qualquer coisa. A gente vê hoje em dia que, do jeito que um homem levanta uma casa, uma mulher levanta também coisa que não acontecia no passado. Então tudo que se diz mais forte para o homem fazer, a gente também pode, e até porque a gente é mais forte, por que se não, a gente não teria uma criança de parto normal e homem não conseguiria fazer isso com tanta facilidade (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014). É importante participar com certeza. É importante entender o que está acontecendo na cidade e para saber o que se pode cobrar e saber o que irá acontecer (Agente Social, entrevista realizada no dia 28 de abril de 2014). É [pausa] se inserir realmente, sabe? No serviço, na política, porque, atualmente, é como eu já falei né, a mulher, ela tem que ter uma liderança, realmente ela tem que ser líder de algo, ela tem que ver realmente a realidade, pra acabar com essa coisa de que só os homens que “são líder”, só os homens que fazem isso; que hoje em dia até agente ver que tem “serviços de homem” que a mulher faz. E eu acho que isso não era [...] incapaz né? Eu acho que todas nós temos essa capacidade, basta só que realmente “busque” e corra atrás! (Agente Social, entrevista realizada no dia 09 de junho de 2014).
Embora se possa elucidar que no surgimento das Agentes Sociais de
Paracuru haja aspectos relacionados à perspectiva voluntarista doadora, que mediou os
trabalhos das mulheres até um certo período, estes mesmos tornaram-se, de certo modo,
para estas aspectos apoderados, e transformados em saberes e discursos, fortalecidos por
uma participação mais cidadã. Estes foram utilizados favoravelmente para chegar a
155
novos espaços e, de certa forma, a outros territórios de domínio que as colocaram a
frente do que os dispositivos de poder e das tecnologias do poder vigente construíram.
Mesmo que em momentos individuais e coletivos não tenham se
empoderado na sua plenitude das estratégias que as transportassem para uma ascensão
mais política, conseguiram mediar o contato com o real e trilharam novas trajetórias em
suas vidas. Passaram a compreender a importância da participação, principalmente
feminina, embora a luta delas não tenha alcançado um patamar mais complexo da
questão referente à desigualdade entre homens e mulheres, não tenham levantado lutas
mais estruturais na quebra dos paradigmas, com o poder público, mas nos seus
cotidianos, nos seus microcontextos, em meio às forças existentes, compreenderam que
as responsabilidades femininas não se restringiam apenas ao cuidado e ao papel de ser
mãe, mas ao direito de se ter um trabalho fora do ambiente doméstico, de se ter onde
morar, de ser ter um salário digno, e educação, de poder controlar o próprio tempo e de
que a liberdade não se restringia apenas a um dos gêneros.
Desta forma, buscou-se fechar este capítulo com mais uma epígrafe, desta
vez de autoria de Clarice Lispector, refletindo acerca da esperança de que estas
mulheres, como outras que lutam por respeito às diferenças e pela igualdade de direitos,
venham tê-los, sem submergir o poder de criar, e acreditar,
Um dia em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há de temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia (LISPECTOR, 2015, p. 01).
156
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“[...] O fim de uma viagem é só o começo
de outra [...] É preciso recomeçar a
viagem. Sempre.”
(SARAMAGO, 1985, p. 233)
O fim pode parecer um começo para algo novo e inesperado, a partir do
momento que se percebe a perspectiva que a vida pode oferecer. Neste caso estudado
faz-se referência às Agentes Sociais de Paracuru que acreditaram em seu potencial,
vislumbrando o infinito.
Sob a óptica das reflexões de Gohn (2012), as mulheres Agentes Sociais de
Paracuru se constituíram em torno de uma expectativa regulamentadora e passaram por
fases que as marcaram e provocaram mudanças em suas vidas, ao ponto de deixarem
um passado de realizações para muitas famílias acompanhadas durante o período de
2005 a 2012. Destacou-se neste estudo a proposta de pesquisa sobre a participação
política de mulheres sob controle do Estado, mas inserida num contexto dos
movimentos sociais, a fim de desvendar a trajetória e os significados para as próprias
mulheres envolvidas na luta social. Propôs-se, portanto, conhecer as mulheres que se
encontravam na luta, na defesa principalmente do direito ao trabalho, à educação e em
busca do reconhecimento como sujeitos sociais. Essas mulheres hoje constituem um
corpo de diferenciadas experiências e subjetividades que emergem de situações
distintas, a partir de suas realidades específicas, entretanto, com questões supostamente
homogêneas no que se refere aos objetivos que as uniram, ou seja, os direitos de acesso
às políticas públicas, os benefícios para a comunidade, o olhar para o bem-estar do outro
e para a manutenção do bem-estar familiar.
Inseridas as Agentes no contexto dos movimentos sociais, principalmente
após a formação da Associação, estas experimentaram vivências sociais caracterizadas
em diversas formas de ações concretas. Entretanto, tais mulheres também sofreram as
refrações da docilização e da disciplinarização. A origem da organização das Agentes
Sociais de Paracuru remete a leitura ao cumprimento das normas, aos atendimentos das
diretrizes dos projetos vivenciados, tanto por meio do Projeto Espaço Cidadão como
pelo projeto flautas e pelos demais serviços ofertados pelo CRAS.
157
Por outro lado, pode-se dizer também que o contato com o real, com a
disciplina burocratizada do serviço público, fomentou novos atravessamentos
vivenciados por essas mulheres. Ao perceberem as limitações para o acesso aos espaços
que poderiam alcançar, desvelaram informações postas na realidade a partir das relações
construídas e potencializadas pela participação política, de modo que desafiaram
diariamente códigos morais, postos entre as relações de gênero, reproduzidos em
discursos e práticas sociais imbricadas no imaginário social.
A partir do processo de formação como Agentes Sociais, estas se
solidarizaram entre si e entre os demais membros da comunidade. Passaram a enfrentar
os desafios que encontravam com a vulnerabilidade, tendo que enfrentar as rotinas
diárias da espera por bens e serviços públicos, mostraram-se como mulheres que
poderiam buscar os próprios direitos e, pela luta, torná-los efetivos.
Desse modo, ao tentar ultrapassar qualquer visão romântica que pode
parecer existir quanto às análises acerca das mudanças ocorridas para estas mulheres,
tentou-se expressar as transformações qualitativas existentes na vida das Agentes
Sociais, mesmo dentro de suas contradições, que são pertinentes ao processo, haja vista
que estas mudanças não ocorreram ao mesmo tempo e no mesmo espaço para todas.
Resistências existiram quanto ao normatizado e ao instituído, como também ocorreram
na própria aceitação ao processo de ruptura com a vida que levavam.
Percebe-se, no caso supracitado, que o envolvimento político dessas mulheres
na operacionalização do projeto Espaço Cidadão, posteriormente no CRAS e na
sequência nas ações promovidas diretamente pela própria Associação, não as conduziu a
uma relação mais efetiva com as causas diretamente feministas, mas não se pode deixar
de reconhecer que mudanças aconteceram nos seus cotidianos, nos espaços domésticos, e,
por que não dizer, na autoestima delas, pelo sentido de perceberem-se úteis, contribuindo
para a garantia de direitos sociais, estes que repercutem diretamente a causa feminina,
como o direito a educação, ao trabalho, ou mesmo o próprio direito a não violência.
É claro que os resquícios de uma cultura machista, de opressão e subordinação,
não foram superados ao mesmo tempo por todas as Agentes Sociais de Paracuru, como já
citado, fato que repercute na autonomia coletiva destas mulheres frente às limitações postas
pelo governo local e pelas novas relações domésticas fomentadas atualmente.
Destarte, não se pode perder de vista que o alcançado por essas mulheres, no
espaço público, dá margem para discorrer que elas estavam exercendo poder mesmo em
condições de desigualdade, em especial no âmbito do poder público local. Por tudo isso,
158
faz-se necessário observar também que, ainda que em condições desiguais, elas já
estavam, dentro das suas particularidades, usando das estratégias de poder para alcançar
o direito sobre seu tempo e seu corpo. Este poder foi fortalecido pelo saber e pela
liberdade conquistada aos poucos com o acesso a outros caminhos, fora do contexto
doméstico. Como bem disse uma das Agentes Sociais em depoimento: Quem cantava
de galo na casa era ela58.
O que se pode inferir é que estas mulheres, em meio às contradições pertinentes
as relações de forças que se travam nos seus cotidianos, passeiam ainda pela adequação ou
insubordinação a certos padrões e papéis como o de cuidadoras, responsáveis pela família,
ou seja, precisam mostrar algo à sociedade. Mas, diante da circularidade do poder, tornou-se
mais forte cuidar de si e promover um saber político, um saber que fora suscitador de novos
desejos. Por exemplo, compreenderam que o campo do trabalho e do espaço político,
também se destina à mulher. Mais do que o poder de suprir as necessidades do lar, a
perspectiva era de que os trabalhos fora do lar lhes traziam autonomia.
Foi uma compreensão aprimorada pela clareza, pela visibilidade das ações
de cunho coletivo, pelo contato com as outras mulheres e pelo despertar de informações,
passando-se a entender que esta autonomia é algo que se conquista e que é construído
diariamente, como assevera Gohn (2008). Dessa maneira, este poder de proporcionar
transformações também pode oferecer análises para mudanças significativas na
trajetória de vida das mulheres, repercutindo na construção de novos devires sociais,
tornando-as protagonistas de suas histórias, através de um processo de empoderamento.
Isso remete à conclusão que o conhecer, bem como foi com o engajamento
social e político destas mulheres, fortaleceu a identidade de mulher. Ambos dão hoje
significado e um determinado sentido às práticas que as conduzem à liberdade e as
fazem compreender a força que têm enquanto mulher, tornando-as mais confiantes.
Buscaram um reconhecimento que chegou entre estas e por parte da comunidade,
entretanto, o reconhecimento esperado por parte do governo local à época não foi o
suficiente para torná-las hoje uma entidade ou movimento social forte o suficiente para
superar as estratégias de desmantelamento dos agentes políticos locais, encontrando-se
ainda de forma tênue a coletividade entre as Agentes Sociais.
Isso se deve à própria forma que se oficializaram e às construções no
imaginário social acerca do seu papel associativo, além das questões financeiras que
58 Agente Social em entrevista realizada no dia 30 de junho de 2014.
159
permeiam a entidade, apontadas pelas mulheres nos seus discursos, dentre estes, a
ausência de convênios e, consequentemente, de recursos para garantir a execução de
ações e a implantação de uma sede da Associação.
Contrário a esta percepção ainda não codificada acerca do papel político e
força política do conjunto Agentes Sociais de Paracuru pelas próprias mulheres, o
governo local percebeu a instrumentalidade e o papel dessas mulheres e hoje as conduz
a espaços isolados da atuação de Agentes Sociais, como uma forma de contenção
principalmente da imagem política das Agentes e da representatividade a qual estavam
vinculadas até 2012.
As mulheres membros da Associação das Agentes Sociais de Paracuru
começaram a conquistar poder internamente, de forma que já faziam uso de estratégias de
empoderamento, o qual era inclusive utilizado pelo governo local como instrumento de
aproximação e mediação com a comunidade por um certo período. Entretanto, de uma
maneira particular, essas mulheres fizeram história em Paracuru. Deixando o legado das
transformações de vida, foram além do exercício e do papel de mães e partiram em busca
de novas travessias; hoje lutam contra as próprias contradições em que estão imbricadas.
Dessa maneira, tais mulheres não perderam a certeza de que a vida é feita de
avanços e recuos, acertos e erros, permanências e mudanças. Nesse processo, fica o desafio
para se chegar à plenitude do empoderamento (CRUZ, 2009), que seria o rompimento e a
transformação das relações desiguais de gênero, mas, se este não se concretizar como
objetivo das Agentes Sociais, fica a certeza de que elas vão a cada dia se ressignificando e
promovendo outros sentidos para o ser ou estar mulher e Agente Social de Paracuru.
Nessa perspectiva, esta é uma das contribuições deste estudo, a análise sobre a
trajetória seguida pelas mulheres vinculadas à Associação das Agentes Sociais de Paracuru,
no contexto da participação política, sujeitos que, mesmo dentro de suas limitações, tornam-
-se exemplos de estratégias de busca para equidade entre os gêneros, sobretudo no aspecto
da participação, do envolvimento com o contexto político do meio onde vivem e do país.
Por fim, chega-se ao termo da caminhada neste estudo, que se concretizou
por meio de dores, anseios e medos, mas, ao mesmo tempo, com a coragem de viver
sempre novos dias. Esta caminhada no enfrentamento aos desafios, na verdade, não
acaba para a pesquisadora nem para as Agentes Sociais de Paracuru. Fica a perspectiva
de recomeçar sempre, tendo em vista que a “vida voa e o tempo é outro já”, como
interpreta Roberta Sá (2012) no álbum Segunda pele.
160
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176
APÊNDICES
177
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Declaro, por meio deste Termo, que concordei em ser entrevistada (o) e/ou participar na
pesquisa de campo referente à pesquisa intitulada: “A TRAJETÓRIA DAS
MULHERES AGENTES SOCIAIS DE PARACURU – CEARÁ”: um
questionamento acerca do significado da inserção política na trajetória de vida das
mulheres Agentes Sociais de Paracuru. Desenvolvida pela estudante do Mestrado
Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará,
Lidiane Ramos Lima. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem
receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva
de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informada (o) do objetivo geral,
estritamente acadêmico, do estudo que, em linhas gerais, fala sobre as transformações
ocorridas na vida de mulheres, mães, a partir do engajamento político das mesmas
nos movimentos sociais na busca pela garantia de políticas públicas para
comunidade em Paracuru. Fui também esclarecida (o) de que os usos das informações
por mim oferecidas estão submetidas às normas éticas destinadas à pesquisa e que
minha colaboração não se fará de forma anônima, exceto em casos que venham por
ventura expor, a vida privada de outras pessoas, por meio das oficinas e entrevistas a
serem gravadas a partir da assinatura desta autorização. O acesso dos dados contará
com a presença de um aluno do Curso de Serviço Social, observador da metodologia
escolhida para realização da pesquisa, considerando ainda que a analise dos dados
coletados se farão apenas pela pesquisadora e /ou sua orientadora –Maria do Socorro
Ferreira Osterne. Fui ainda informada (o) de que posso me retirar desse estudo a
qualquer momento, sem prejuízo nenhum a minha pessoa ou sofrer quaisquer sanções
ou constrangimento. Atesto recebimento de uma cópia assinada deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecedor.
Paracuru,____de ______________de 201___.
______________________________
Assinatura da (o) participante:
_______________________________ ________________________________ Assinatura da pesquisadora: Assinatura da testemunha:
178
APÊNDICE B – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
1 – Roteiro de entrevistas com as mulheres Agentes Sociais
Identificação: nome; idade; escolaridade; endereço.
1. O que é ser mulher?
2. A mulher precisa assumir atualmente algum papel na sociedade?
3. Em caso positivo, como é esse papel?
4. Como você se percebe na condição de mulher sendo um membro da Associação
Agentes Sociais de Paracuru?
5. O que foi para você se inserir no Grupo Agente Social?
6. O que significa atualmente estar inserida na Associação?
7. Considerando desde a formação do grupo qual o significado da Associação na sua
vida?
8. Participa de outros movimentos coletivos fora da Associação, ou representando a
Associação?
9. Qual o significado disso na sua vida?
10. O que mudou na sua vida familiar após a inserção no Grupo e na Associação?
11. Como concilia sua vida publica com sua vida privada?
12. O que ainda não mudou na sua vida?
13. O que gostaria que fosse diferente na sua vida?
14. O que espera da Associação enquanto instrumento político?
15. O que espera dos membros da Associação?
16. O que a motiva permanecer associada?
17. Como é a relação entre as Agentes Sociais?
18. Como é a relação entre a Associação e o poder público local?
19. A Associação atualmente é independente?
20. A Associação funciona sem a ajuda do poder público ou outras entidades?
21. Por quê?
22. Quais os principais problemas enfrentados hoje pela Associação?
23. É importante para mulher participar da vida política do seu município?
24. Por quê?
25. O que é estar Agente Social?
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26. O que é ser Agente Social?
27. O que é ser uma mulher empoderada?
28. O que é ser uma mulher autônoma?
29. O que é ser uma mulher livre?
2 – Roteiro para entrevista com as ex-gestoras da política de assistência
Identificação: nome; idade; escolaridade; endereço.
1. Qual o sentido do projeto para o Município?
2. O que significou criar o Grupo Agentes Sociais de Paracuru na sua gestão?
3. Como você considera esta ação dentro da Política de Assistência?
4. Qual o significado do projeto para vida das mulheres beneficiadas?
5. As mudanças ocorridas na Política de Assistência levaram o projeto à modificações
metodológicas?
6. Quais os reflexos dessas modificações para vida do Grupo? E para as comunidades?
7. O que significou elaborar este projeto direcionado as mulheres?
8. O que é ser mulher empoderada?
9. O que ser mulher autônoma?
10. O que ser mulher livre?
3 – Roteiro para entrevista com as ex-coordenadoras da política de assistência
Identificação: nome; idade; escolaridade; endereço.
1. Qual o papel da agente social no CRAS?
2. Como era a relação da agente social com a comunidade?
3. Como era a relação com os operadores da Política de Assistência?
4. Qual o significado de estar Agente Social dentro de um CRAS na vida de uma
mulher?
5. As Agentes Sociais faziam alguma diferença no cotidiano da comunidade?
6. As mulheres Agentes Sociais eram empoderadas politicamente?
180
7. Existe implicações para a estrutura de governo em Paracuru com a inserção das
Agentes Sociais no cenário das decisões e deliberações políticas, seja por meio das
atividades do CRAS, conselhos, conferências? Por quê?
4 – Roteiro para entrevista com as famílias atendidas pelas Agentes Sociais
1. Qual a importância das atividades das Agentes Sociais para sua família?
2. Por quê?
3. O que mudou na sua vida com o projeto desenvolvido pela Associação?
4. O que significa para você uma Associação ser composta e gerenciada apenas por
mulheres?
5. Qual a importância de a mulher participar da vida política no seu município?
181
ANEXOS
182
ANEXO A – CARTILHA DAS AGENTES SOCIAIS: PRODUTO DA
SISTEMATIZAÇÃO DAS CAPACITAÇÕES COM AS AGENTES SOCIAIS
183
184
185
186
187
188
189
190
ANEXO B – QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO – CADASTRO AGENTE
SOCIAL
Questionário Socioeconômico
1. Identificação:
1.1 Nome:_________________________________________________________________
1.2 Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
2. Endereço:_____________________________________________________________
3. Estado civil: casada ( ) solteira ( ) separada ( )divorciada ( ) união amigavel ( ) outros
3.1Naturalidade: ___________________________________idade:__________
3.2 Núcleo escolar:__________________________________________________
4. Escolaridade:
( ) não alfabetizada ( ) 1º grau incompleto ( ) 1º grau completo
( ) 2º grau incompleto ( ) 2º grau completo ( ) superior incompl.
( ) superior
5. Ocupação:
( ) trabalha ( ) do lar
( ) desempregada ( ) outros:_________________________
6. Composição familiar:
6.1 quantidade de membros na família:__________________
6.2 quantidade de crianças de 0 a 6 anos:________________
6.3 quantidade de adolescentes:_______________________
6.4 quantidade de idosos:_____________________________
6.5 quantidade de gestante:____________Mês de gestação:______________
7. Demais membros:
191
N.º Nome Sexo Parentesco Idade Escolaridade Ocupação Renda
7.1 Renda da Família:_________________________________
8. Situação de Habitação:_______________________________
8.1 Tipo de construção:
( ) Própria ( ) Co-habitada ( ) Alugada ( ) cedida/Emprestada
8.2 Tipos de Construção:
( ) Tijolo ( ) Taipa ( ) Mista ( ) Outros
8.3 Abastecimento de água:
( ) Cagece ( ) Cacimba ( ) Chafariz ( ) Outros
9 A família é beneficiada por algum programa do Governo Federal?
( ) Sim, qual?_________________________ valor:_______________
( ) Não.
10 Existe algum membro na família com alguma deficiência?
( ) Sim ( ) Não
Se sim, qual o tipo de deficiência?
192
( ) Surdez ( ) Mudez ( ) Mental ( ) Cegueira
( ) Outro (a) Qual:__________________
10.1 Membro com deficiência recebe BPC?
( ) Sim ( ) Não
11. Cite algum curso que gostaria de realizar:
_____________________________________________________________________________________
12 Quais cursos profissionalizantes realizou pelo Projeto ASEF?
_____________________________________________________________________________________
13 Gostaria de participar de algum grupo de geração de renda:
( ) Sim ( ) Não
14 Existe entre os membros da família algum tipo de violência?
( ) Sim ( ) Não
14. 1 Já sofreu algum tipo de violência? ( ) Sim ( ) Não
Paracuru ____/____/ _____
_____________________________________ ______________________________________
Nome do Entrevistador Responsável pela Entrevista
193
ANEXO C – DECLARAÇÃO DE NORMALIZAÇÃO
DECLARAÇÃO DE NORMALIZAÇÃO
Declara-se, para constituir prova junto aos órgãos interessados, que, por
intermédio do profissional infra-assinado, foi procedida a normalização da dissertação
intitulada Mulheres agentes sociais de Paracuru: uma trajetória de significados
para além do espaço privado, razão por que se firma a presente declaração, a fim de
que surta os efeitos legais, nos termos das normas vigentes decretadas pela Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
Fortaleza-CE, 13 de abril de 2015.
_________________________________ Felipe Aragão de Freitas Carneiro
194
ANEXO D – DIPLOMA DO PROFISSIONAL DE NORMALIZAÇÃO