mulheres a revolução mais longa

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    MULHERES:A REVOLUO MAIS LONGAJuliet MitchellTraduo: Rodolfo Konder

    A situao das mulheres diferente da de qualquer outro grupo social. Istoporque no se constituem em uma unidade de um nmero de unidades que podemser isoladas, mas so metade de uma totalidade: a espcie humana. As mulheres soessenciais e insubstituveis; no podem, por esta razo, ser exploradas da mesmamaneira que outros grupos sociais. So fundamentais para a condio humana,sendo, contudo, marginais em seus papis econmico, social e poltico. precisa-mente esta combinao fundamental e marginal a um s tempo que lhes temsido fatal. Dentro do mundo dos homens, sua posio comparvel de umaminoria oprimida: mas elas tambm existem fora do mundo dos homens. Um esta-do justifica o outro e exclui o protesto. Na sociedade industrial avanada, o trabalhodas mulheres marginal apenas com relao economia total. Contudo, atravsdo trabalho que o homem transforma as condies naturais e, por este meio, pro-duz a sociedade. At que haja uma revoluo na produo, a situao do trabalhoprescrever a situao das mulheres dentro do mundo dos homens. Mas as mulhe-res recebem a oferta de um universo prprio: a famlia. Como a mulher mesma, afamlia aparece como um objeto natural, mas na verdade uma criao cultural.Nada h de inevitvel quanto forma ou papel da famlia, a mais do que quanto aopapel das mulheres. funo da ideologia apresentar estes tipos sociais dados comoaspectos da prpria natureza. Ambas podem ser exaltadas, paradoxalmente, comoideais. A verdadeira mulher e a verdadeira famlia so imagens de paz e plenitu-de: atualmente, podem ambas ser centros de violncia e desespero. A condioaparentemente natural pode ser tornada mais atraente, na aparncia, do que o avanorduo dos seres humanos no sentido da cultura. Mas o que Marx escreveu sobre osmitos burgueses da Antiga Idade do Ouro descreve precisamente o reino das mulheres:

    [...] de certa maneira, o mundo simples dos antigos parece ser superior, e assim o , namedida em que buscamos um modelo fechado, forma e limitao estabelecida. Os antigosfornecem uma satisfao precisa, considerando que o mundo moderno nos deixa insatisfei-tos ou, quando parece estar satisfeito consigo mesmo, vulgar e mesquinho.

    As mulheres na teoria socialista

    O problema da subordinao das mulheres e a necessidade de sua libertaofoi reconhecido por todos os grandes pensadores socialistas do sculo dezenove. Fazparte da herana clssica do movimento revolucionrio. Contudo, hoje, no Ociden-te, o problema tornou-se elemento subsidirio, se no invisvel, nas preocupaes

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    dos socialistas. Talvez nenhum outro grande tema tenha sido to esquecido. NaInglaterra, a herana cultural do puritanismo, sempre forte na esquerda, contribuiupara uma difuso ampla de crenas essencialmente conservadoras entre muitos que,de outra forma, incluir-se-iam entre os progressistas. O pronunciamento marcan-te de Peter Townsend um locus classicus destas atitudes:

    Os socialistas tm tradicionalmente ignorado a famlia, ou tentado abertamente enfraquec-la alegando nepotismo e as restries colocadas diante da realizao individual pelos vncu-los familiares. Tentativas extremas de criar sociedades em outra base que no a famlia tmfracassado funestamente. significativo que um socialista fale normalmente a um colegacomo irmo, e um comunista use o termo camarada. Os principais meios de realizar-sena vida so pertencer a uma famlia, e reproduzi-la. Nada se ganha escondendo esta verdade.

    Como se difundiu esta contra-revoluo? Por que o problema da condio damulher tornou-se uma rea de silncio dentro do socialismo contemporneo? AugustBebel,2 cujo livro A mulher no Passado, Presente e Futuro foi um dos textos padresdo Partido Social-Democrata alemo nos primeiros anos deste sculo, escreveu:

    Todo socialista reconhece a dependncia do operrio com relao ao capitalista, e no podeentender que os outros, especialmente os prprios capitalistas, no a reconheam igualmen-te; mas os mesmos socialistas freqentemente no reconhecem a dependncia da mulhercom relao ao homem, porque a questo toca o seu ntimo de modo mais ou menos direto.

    Mas este gnero de explicao psicologstica e moralista claramente ina-dequado. Causas bem mais profundas e estruturais tm atuado de maneira clara.Para examin-las, seria necessrio um estudo histrico maior, impossvel de se fazeraqui. Mas pode-se dizer com alguma certeza que parte da explicao para o declniono debate socialista sobre a questo repousa no somente nos processos histricosreais, mas na debilidade original existente na discusso tradicional da questo, nosclssicos. Pois embora os grandes estudos do sculo passado sublinhassem todos aimportncia do problema, no o resolveram teoricamente. As limitaes de suaabordagem jamais foram transcendidas posteriormente.

    Fourier foi o mais ardente e profuso advogado da libertao das mulheres eda liberdade sexual entre os primeiros socialistas. Em uma passagem bem conheci-da, escreveu:

    A mudana em uma poca histrica sempre pode ser determinada pelo progresso das mu-lheres no sentido da liberdade, porque na relao da mulher para o homem, do fraco para oforte, mais evidente a vitria da natureza humana sobre a brutalidade. O grau de emanci-pao das mulheres a medida natural da emancipao geral.3

    Marx citou esta formulao de modo aprovador em A Sagrada Famlia. Mas, demaneira caracterstica em seus primeiros escritos, deu a ela um significado mais uni-versal e filosfico. A emancipao das mulheres no seria apenas como a via Fourier,

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    com a sua grande preocupao com a libertao sexual, um ndice de humanizaono sentido cvico da vitria do humano sobre o brutal, mas, no sentido mais funda-mental do progresso do humano sobre o animal, do cultural sobre o natural:A relao do homem para a mulher a relao mais natural de um ser humanocom respeito a outro. Indica, por esta razo, at onde o comportamento natural dohomem tornou-se humano, e at onde esta essncia humana tornou-se naturalpara ele, at onde sua natureza humana tornou-se a sua natureza.4 Este tema tpico do jovem Marx.

    As idias de Fourier permaneceram no nvel da injuno moral utpica. Marxusou-as e as transformou, integrando-as em uma crtica filosfica da histria huma-na. Mas manteve a abstrao da concepo de Fourier da posio das mulherescomo um ndice do avano social geral. Isto, na verdade, torna-a meramente umsmbolo concede ao problema uma importncia universal, ao preo de priv-la desua substncia especfica. Os smbolos aludem ou derivam de alguma coisa. Nosescritos do jovem Marx, a mulher se torna uma entidade antropolgica, ou categoriaontolgica, de tipo altamente abstrato. Contrariamente, em seu trabalho posterior,onde est preocupado em descrever a famlia, Marx a diferencia como um fenmenosegundo a poca e o lugar:

    ... o casamento, a propriedade, a famlia permanecem inatacados, na teoria, porque se cons-tituem na base prtica sobre a qual a burguesia ergueu sua dominao, e porque, em suaforma burguesa, so as condies que fazem do burgus um burgus... Esta atitude doburgus com relao s condies de sua existncia adquire uma das suas formas universaisna moralidade burguesa. No se pode, em geral, falar da famlia como tal. Historicamente,o burgus d famlia o carter da famlia burguesa, em que o tdio e o dinheiro so o elode ligao, e que inclui tambm a dissoluo burguesa da famlia, que no impede a prpriafamlia de continuar sempre existindo. Sua existncia vil tem seu equivalente no conceitosagrado que se faz dela na fraseologia oficial e na hipocrisia universal... (entre o proletariado)o conceito da famlia simplesmente no existe... No sculo dezoito, o conceito da famlia foiabolido pelos filsofos, porque a famlia atual j se encontrava em processo de dissoluo,nos maiores pinculos da civilizao. O lao familiar interno foi dissolvido, os componentesisolados que constituam o conceito da famlia foram dissolvidos, por exemplo, obedincia,piedade, fidelidade matrimonial, etc.; mas o corpo real da famlia, a relao de propriedade,a atitude exclusiva em relao a outras famlias, a coabitao forada relaes produzidaspela existncia de crianas, a estrutura das cidades modernas, formao de capital, etc. tudo isso foi preservado, embora com numerosas violaes, porque a existncia da famlia foitornada necessria por sua conexo com o modo de produo, que existe independente-mente da vontade da sociedade burguesa.5

    Ou, ainda mais tarde, em O Capital: Naturalmente, to absurdo sustentarque a forma teuto-crist da famlia seja absoluta e final quanto seria atribuir aquelecarter s formas existentes na Roma antiga, na velha Grcia, ou no Orientes, que,alm disso, se tomadas juntas, formam uma srie no desenvolvimento histrico.6

    O que contundente que aqui o problema das mulheres submergiu em uma an-

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  • 206206206206206 Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006

    lise da famlia. As dificuldades desta abordagem podem ser vistas na nota algoapocalptica dos comentrios de Marx sobre o destino da famlia burguesa aqui e emoutros pontos (por exemplo, no Manifesto Comunista). Havia pouca sustentaohistrica para a idia de que estava em efetiva dissoluo e, sem dvida, j no podiaser vista na classe trabalhadora. Marx, assim, deslocou-se de formulaes filosficasgerais sobre as mulheres, nos primeiros escritos, para comentrios histricos espec-ficos sobre a famlia, nos textos posteriores. H uma sria separao entre os doisenfoques. O terreno comum a ambos, naturalmente, era sua anlise da economia eda evoluo da propriedade.

    Engels

    Coube a Engels sistematizar estas teses em A Origem da Famlia, da Proprieda-de Privada e do Estado, aps a morte de Marx. Engels declarou que a desigualdadedos sexos era um dos primeiros antagonismos dentro da espcie humana. O primei-ro antagonismo de classes coincide com o desenvolvimento do antagonismo entreo homem e a mulher no casamento monogmico, e a primeira opresso de classe,com a do sexo feminino pelo masculino.7 Baseando muito de sua teoria nas impre-cisas investigaes antropolgicas de Morgan, Engels, no obstante, realizou algu-mas anlises valiosas. A herana, que a chave para o seu exame econmico, foiprimeiro de linha materna, mas, com o aumento da riqueza, tornou-se de linhapaterna. Este foi o maior retrocesso da mulher, considerado isoladamente. A fideli-dade da mulher se torna essencial e a monogamia irrevogavelmente estabelecida.A esposa na famlia comunstica, patriarcal, um servidor pblico, com a monogamiaela se torna um servidor particular. Engels efetivamente reduz o problema da mulher sua capacidade de trabalho. Por esta razo, deu a fraqueza psicolgica dela comouma causa primria de sua opresso. Situa o momento de sua explorao no mo-mento de transio da propriedade comunal para a propriedade privada. Se a inabi-lidade para o trabalho a causa de seu status inferior, a habilidade para o trabalhotrar sua libertao:

    ... a emancipao das mulheres e sua igualdade com os homens so impossveis e assimdevem permanecer, enquanto as mulheres forem excludas do trabalho social produtivo, erestringidas ao trabalho domstico, que privado. A emancipao das mulheres s se tornapossvel quando elas so capacitadas a tomar parte na produo em uma escala ampla,social, ou quando os servios domsticos pedem sua ateno apenas numa pequena medida.8

    Ou: A primeira premissa para a emancipao das mulheres a reintroduode todo o sexo feminino na indstria pblica... isto... pede que a qualidade possudapela famlia individual de ser a unidade econmica da sociedade seja abolida.9 Engels,assim, encontra uma soluo esquematicamente apropriada para sua anlise da ori-gem da opresso feminina. A posio das mulheres, ento, no trabalho de Marx eEngels, permanece dissociada de, ou subsidiria a uma discusso da famlia, queest por sua vez subordinada como simplesmente uma pr-condio da propriedade

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    privada. A soluo deles mantm este tom excessivamente econmico, ou entra nodomnio da especulao deslocada.

    Bebel, discpulo de Engels, tentou fornecer uma viso programtica da opres-so da mulher como tal, no simplesmente como um subproduto da evoluo dafamlia e da propriedade privada: Desde o incio dos tempos, a opresso foi o des-tino comum da mulher e do operrio. ...A mulher foi o primeiro ser humano queprovou o gosto da escravido, tendo sido um escravo antes de existir a escravido.10

    Ele reconheceu, com Marx e Engels, a importncia da inferioridade fsica como res-ponsvel pela subordinao da mulher, mas, embora sublinhando a importncia daherana, acrescentou que o elemento biolgico sua funo maternal era uma dascondies fundamentais que a tornaram economicamente dependente do homem.Mas Bebel, tambm, foi incapaz de fazer algo mais do que afirmar que a igualdadesexual era impossvel sem o socialismo. Sua viso do futuro era um sonho vago,quase desligado de sua descrio do passado. A ausncia de uma preocupao es-tratgica forou-o a um otimismo voluntarista, divorciado da realidade. O prprioLnin, embora tenha feito um nmero razovel de sugestes especficas, herdouuma tradio de pensamento que simplesmente indicava uma equao a priori dosocialismo com a libertao feminina, sem mostrar concretamente como iria trans-formar a condio da mulher: a menos que as mulheres sejam levadas a tomar umaparte independente no apenas na vida poltica em geral, mas tambm no serviopblico dirio e universal, no cabe falar sobre uma democracia plena e estvel,muito menos de socialismo.11

    A libertao das mulheres permanece como um ideal normativo, um acess-rio da teoria socialista, sem estar estruturalmente integrado nela.

    O segundo sexo

    O contrrio verdade quanto ao macio trabalho de De Beauvoir O SegundoSexo at hoje a maior contribuio sobre a matria, considerada isoladamente.Aqui, o foco o status das mulheres atravs dos tempos. Mas o socialismo como talsurge como uma soluo curiosamente contingente no final do trabalho, em umeplogo camuflado. A principal inovao terica de De Beauvoir foi unir as explica-es econmica e reprodutiva da subordinao das mulheres por meio de umainterpretao psicolgica de ambas. O homem se afirma como sujeito e ser livreopondo-se a outras concepes. Distingue-se dos animais precisamente pelo fato deque cria e inventa (no pelo fato de que se reproduz), mas tenta escapar cargade sua liberdade dando a si mesmo uma imortalidade espria atravs de seusfilhos. Domina a mulher tanto para aprisionar outra conscincia que reflete a suaprpria, como para lhe fornecer filhos que sejam seguramente seus (seu temor dailegitimidade). As noes tm obviamente fora considervel. Mas, so atemporais:no fcil ver porque o socialismo deveria modificar o desejo ontolgico bsico de

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  • 208208208208208 Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006

    uma liberdade do tipo objeto, que De Beauvoir v como o motor por trs da fixaoda herana no sistema de propriedade, ou a escravizao das mulheres que delederiva. De fato, ela tem criticado este aspecto de seu livro como idealista:

    Eu tomaria uma posio mais materialista hoje, no primeiro volume. Basearia a noo damulher como outro e o argumento maniqueu que isto envolve no em uma luta idealsticae apriorstica de conscincias, mas nos fatos da oferta e da procura. Esta modificao noexigiria quaisquer mudanas no desenvolvimento posterior de meu argumento.12

    No entanto, junto com a explicao psicolgica idealista, De Beauvoir usa umaabordagem econmica ortodoxa. Isto conduz a um evolucionismo definido em seutratamento no volume um, e se torna uma narrativa retrospectiva das diferentesformas da condio feminina, em diferentes sociedades, atravs dos tempos prin-cipalmente em termos do sistema de propriedade e seus efeitos sobre as mulheres. Aisto, ela acrescenta vrios temas supra-histricos mitos do eterno feminino, tiposde mulheres atravs dos tempos, tratamentos literrios das mulheres que nomodificam a estrutura fundamental de seu argumento. A perspectiva para a liberta-o da mulher, no final, est bastante divorciada de qualquer desenvolvimento his-trico.

    Assim, a literatura clssica sobre o problema da condio da mulher tem umanfase predominantemente econmica, acentuando sua simples subordinao sinstituies de propriedade privada. O status biolgico da mulher sustenta tanto suafraqueza como elemento de produo, nas relaes de trabalho, quanto sua impor-tncia como possesso, nas relaes reprodutivas. A interpretao mais completa erecente d a ambos os fatores uma estrutura psicolgica. O projeto de discusso de carter evolucionista e, no obstante, fracassa de modo notvel em projetar umaimagem convincente do futuro, alm de afirmar que o socialismo envolver a liberta-o das mulheres como um de seus momentos constitutivos.

    Qual a soluo para esse impasse? Ela deve repousar na diferenciao dacondio da mulher, muito mais radicalmente do que no passado, em suas estrutu-ras separadas, que juntas formam uma unidade complexa no uma unidade sim-ples. Isto significar a rejeio da idia de que a condio da mulher pode ser deduzidaderivativamente da economia ou equacionada simbolicamente sociedade. Antes,deve ser vista como uma estrutura especfica, que uma unidade de diferenteselementos. As variaes da condio da mulher atravs da histria sero o resultadode diferentes combinaes destes elementos tal como a anlise de Marx da econo-mia em Formaes econmicas pr-capitalistas um conjunto de diferentes com-binaes dos fatores de produo, no uma narrativa linear do desenvolvimentoeconmico. Porque a unidade da condio da mulher, em qualquer tempo, o pro-duto de inmeras estruturas, ela sempre superdeterminada.13 As estruturas-cha-ve podem ser dadas como as seguintes: Produo, Reproduo, Sexo e Socializaodas Crianas. A combinao concreta delas produz a unidade complexa da posi-

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  • Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 209209209209209

    o da mulher; mas cada estrutura separada pode ter atingido um momento dife-rente em qualquer instante histrico dado. Cada uma ento deve ser examinadaseparadamente, de modo a se ver qual a unidade atual, e como pode ser modifica-da. A discusso que se segue no pretende dar uma anlise histrica de cada setor.Preocupa-se somente com algumas reflexes gerais sobre os diferentes papis dasmulheres e algumas de suas interconexes.

    Produo

    A diferenciao biolgica dos sexos e a diviso do trabalho, atravs da hist-ria, tm parecido uma necessidade interligada. Anatomicamente menores e maisfracos, a fisiologia e o metabolismo psicobiolgico da mulher parecem fazer dela ummembro menos til de uma fora de trabalho. Sublinha-se sempre como, particular-mente nas primeiras fases do desenvolvimento social, a superioridade fsica do ho-mem deu-lhe os meios de conquistar a natureza, o que foi negado mulher. Umavez adaptada a mulher s tarefas domsticas envolvidas na manuteno, enquantoo homem empreendia a conquista e a criao, tornou-se ela um aspecto das coisaspreservadas: a propriedade privada e as crianas. Todos os escritores socialistas men-cionados antes tratando do assunto Marx, Engels, Bebel, De Beauvoir ligam aconfirmao e a continuao da opresso da mulher, aps o estabelecimento de suainferioridade fsica para o trabalho manual pesado, ao advento da propriedade pri-vada. Mas a fraqueza fsica da mulher jamais a impediu de trabalhar (alm de criaros filhos) somente tipos especficos de trabalho, em sociedades especficas. Nassociedades primitiva, antiga, oriental, medieval e capitalista, o volume de trabalhorealizado pelas mulheres tem sido sempre considervel (e, em geral, bem mais doque isto). Somente sua forma est em questo. O trabalho domstico, mesmo hoje, enorme, se avaliado quantitativamente em termos de trabalho produtivo.14 Emqualquer caso, o fsico das mulheres jamais as relegou de modo permanente oumesmo predominante a tarefas domsticas inferiores. Em muitas sociedades agrrias,as mulheres tm trabalhado no campo tanto quanto os homens, ou ainda mais.

    A suposio por trs da discusso clssica que o fator crucial iniciador detodo o desenvolvimento da subordinao feminina foi a menor capacidade das mu-lheres para reivindicar o trabalho fsico. Mas, na verdade, isto uma excessiva simpli-ficao. Mesmo nestes termos, na histria tem sido a menor capacidade da mulherpara a violncia bem como para o trabalho que tem determinado sua subordinao.Na maioria das sociedades, a mulher tem sido no apenas menos capaz do que ohomem para realizar tipos pesados de trabalho, como menos capaz de lutar. O ho-mem no somente tem fora para se afirmar contra a natureza, mas tambm contraseus companheiros. A coero social tem interatuado com uma diviso direta dotrabalho, baseada na capacidade biolgica, numa medida bem maior do que geral-mente se admite. Naturalmente, no pode ser realizada como uma agresso direta.Nas sociedades primitivas, a inadequabilidade fsica das mulheres para a caa evi-

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  • 210210210210210 Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006

    dente. Nas sociedades agrcolas onde a inferioridade das mulheres est socialmenteinstituda, elas recebem a tarefa rdua de arar e cultivar. Para isto, a coero neces-sria. Nas civilizaes desenvolvidas e sociedades mais complexas, as deficinciasfsicas da mulher tornam-se novamente relevantes. As mulheres no tm valor paraa guerra ou na construo de cidades. Mas, com a industrializao incipiente, acoero uma vez mais se torna importante. Como Marx escreveu:

    Na medida em que a maquinaria dispensa fora muscular, torna-se um meio de se empregartrabalhadores com fora muscular pequena, e aqueles cujo desenvolvimento fsico incom-pleto, mas cujos membros so mais maleveis. O trabalho das mulheres e crianas foi, poresta razo, a primeira coisa buscada pelos capitalistas que usavam as mquinas.15

    Ren Dumont esclarece que, em muitas zonas da frica tropical de hoje, oshomens so freqentemente ociosos, enquanto as mulheres so foradas a traba-lhar o dia inteiro.16 Esta explorao no tem qualquer origem natural. As mulherespodem realizar seus servios pesados nas sociedades camponesas contempor-neas da frica no por temor represlia fsica por parte de seus homens, masporque seus servios so habituais e construdos dentro das estruturas da socieda-de. Outro ponto que a coero implica num relacionamento entre o coator e ocoagido diferente daquele apresentado pela explorao. E poltico, antes que econ-mico. Ao descrever a coero, Marx disse que o senhor tratava o escravo ou Servocomo a condio natural e inorgnica de sua prpria reproduo. Isto quer dizer,o prprio trabalho torna-se igual a outras coisas naturais gado ou solo: As condi-es originais de produo aparecem como pr-requisitos naturais, as condiesnaturais da existncia do produtor, da mesma forma que seu organismo vivo, embo-ra produzido e desenvolvido por ele, no originalmente estabelecido por si mesmo,mas aparece como seu pr-requisito.17 Esta predominantemente a condio damulher. Pois longe da fraqueza fsica da mulher afast-la do trabalho produtivo, sua fraqueza social que, nestes casos, tem feito dela o maior escravo disso, de modoevidente.

    Esta verdade, embora possa parecer elementar, tem sido, no obstante, igno-rada pelos escritores que tratam do assunto, com o resultado de que um otimismoilegtimo invade suas previses para o futuro. Pois, se apenas a incapacidade biol-gica para o trabalho fsico mais duro o que tem determinado a subordinao dasmulheres, ento a perspectiva de uma tecnologia avanada no campo das mqui-nas, abolindo a necessidade de uma ao fsica extenuante, pareceria prometer, poresta razo, a libertao da mulher. Por um momento, a prpria industrializao,assim, parece anunciar a libertao das mulheres. Engels, por exemplo, escreveu:

    A primeira premissa para a emancipao das mulheres a introduo do todo o sexo femini-no na indstria pblica... E isto tornou-se possvel somente como um resultado da indstriamoderna em larga escala, que no apenas permite a participao das mulheres na produoem grandes quantidades, mas, na verdade, pede por isso, e, alm do mais, tenta converter otrabalho domstico privado tambm em uma indstria pblica.18

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    O que Marx disse do industrialismo incipiente no menos verdade, mas tam-bm no mais verdadeiro do que uma sociedade automatizada:

    [...] bvio que o fato de o grupo coletivo de trabalho ser composto de indivduos de ambosos sexos e todas as idades, deve naturalmente, em condies adequadas, tornar-se umafonte de desenvolvimento humano; embora em sua forma espontaneamente desenvolvida,brutal, capitalista, onde o trabalhador existe para o processo de produo, e no o processode produo para o trabalhador, aquele fato seja uma fonte prejudicial de corrupo eescravizamento.19

    O trabalho industrial e a tecnologia automatizada prometem ambos as pr-condies para a libertao da mulher, junto com a do homem mas , no mais doque as pr-condies. apenas bem bvio que o advento da industrializao atagora no libertou as mulheres neste sentido, tanto no Ocidente como no Oriente.No Ocidente, verdade que houve um grande influxo de mulheres para o trabalhoexistente na economia industrial em expanso, mas isto em breve cessou, e temhavido um aumento relativamente pequeno nas ltimas dcadas. De Beauvoir espe-rava que a automatizao fizesse uma diferena decisiva, qualitativa, abolindo com-pletamente a diferenciao fsica entre os sexos. Mas qualquer esperana nisto em sid tcnica um papel independente que a histria no justifica. Sob o capitalismo,a automao poderia possivelmente levar a um desemprego estrutural sempre cres-cente, que expulsaria as mulheres, os recrutas menos importantes integrados emltimo lugar na fora de trabalho, e os mais caros ideologicamente para uma socie-dade burguesa de produo, aps somente um breve interldio nela. A tecnologia medida pela estrutura social total e esta que determinar o futuro da mulher nasrelaes de trabalho.

    A deficincia fsica no agora, mais do que no passado, uma explicaosuficiente para a relegao da mulher a um status inferior. A coero tem sido apri-morada em uma ideologia compartilhada por ambos os sexos. Comentando os re-sultados de seu questionrio apresentado a mulheres operrias, Viola Klein observa:No h vestgios de igualitarismo feminista militante ou de outro tipo em qual-quer das respostas das mulheres ao nosso questionrio; nem est mesmo presumidoimplicitamente que as mulheres tm um Direito ao Trabalho.20 Recusado, ou recu-sando, um papel na produo, a mulher nem mesmo cria as pr-condies de sualibertao.

    Reproduo

    A ausncia da mulher do setor crtico da produo historicamente, claro,tem sido causada no apenas pela sua fraqueza fsica em um contexto de coero mas tambm pelo seu papel na reproduo. A maternidade exige afastamentos pe-ridicos do trabalho, mas este no um fenmeno decisivo. mais propriamente opapel das mulheres na reproduo que se tornou, pelo menos na sociedade capita-

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  • 212212212212212 Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006

    lista, o complemento espiritual do papel dos homens na produo.21 Produzindofilhos, cuidando deles, e mantendo o lar estas atividades formam o imo da vocaonatural da mulher, dentro desta ideologia. Tal crena tem conseguido muita forapor conta da aparente universalidade da famlia como uma instituio humana. Hpouca dvida de que as anlises marxistas tm subestimado os problemas funda-mentais propostos aqui. O completo fracasso em dar qualquer contedo operacionalao slogan da abolio da famlia uma prova contundente disso ( bem como davacuidade da noo). O vazio assim criado tem sido rapidamente ocupado por cren-as tradicionais como a de Townsend, citada anteriormente.

    A funo biolgica da maternidade um fato universal, atemporal, e, comotal, parece tem escapado s categorias da anlise histrica marxista. Dele decorrem aparentemente a estabilidade e a onipresena da famlia, se em formas bem dife-rentes.22 Uma vez aceito isso, a subordinao social das mulheres embora enfatizadacomo um papel honrado, mas diferente (cf. as ideologias iguais mas separadasdos racistas do sul) pode ser vista decorrendo inevitavelmente, como um inegvelfato bio-histrico. A cadeia causal ento prossegue: Maternidade, Famlia, Ausnciada Produo e da Vida Pblica, Desigualdade Sexual.

    O elo de realizao nesta linha de argumento a idia da famlia. A noo deque a famlia e a sociedade so termos virtualmente co-extensivos, ou de queuma sociedade avanada que no esteja fundada no ncleo familiar atualmenteinconcebvel, est amplamente difundida. S pode ser seriamente discutidaperguntando-se exatamente o que a famlia ou antes qual o papel da mulher nafamlia. Uma vez feito isto, o problema surge sob uma luz completamente nova. Pois bvio que o papel da mulher na famlia primitiva, feudal ou burguesa participade trs estruturas bem diferentes: reproduo, sexualidade e a socializao dascrianas. Elas esto historicamente, no intrinsecamente, relacionadas entre si naatual famlia moderna. O parentesco biolgico no necessariamente idntico aosocial (adoo). Assim, essencial discutir: no a famlia como uma entidade no-analisada, mas as estruturas separadas que a compem hoje, e que podem amanhser decompostas em um novo padro.

    A reproduo, tem sido sublinhado, aparentemente um fenmeno atemporalconstante parte da biologia antes que da histria. Na verdade, isto uma iluso. Averdade que o modo de reproduo no varia com o modo de reproduo;pode permanecer efetivamente o mesmo atravs de diferentes modos de produo.Pois tem sido definido at agora pelo seu carter natural incontrolvel. Nesta medi-da, tem sido um fato biolgico conservado sem mudanas. Enquanto a reproduopermaneceu como um fenmeno natural, sem dvida, as mulheres estavam efetiva-mente destinadas explorao social. De qualquer modo, elas no eram donas deuma grande parte de suas vidas. No tinham escolha quanto a se teriam filhos, equanto (fora os repetidos abortos), sua existncia estava essencialmente submetidaa processos biolgicos fora de seu controle.

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    Anticoncepcionais

    A anticoncepo, inventada como uma tcnica racional somente no sculodezenove, constituiu-se assim numa inovao de importncia histrica mundial. Sagora est comeando a mostrar as imensas conseqncias que pode ter, na formade plulas. Pois o que ela significa que afinal o modo de reproduo podia poten-cialmente ser transformado. Uma vez tornada a gravidez algo totalmente voluntrio(at que ponto assim no Ocidente, mesmo hoje?) sua significao fundamental-mente diferente. J no precisa ser a nica ou a ltima vocao da mulher; torna-seuma opo entre outras.

    Marx v a histria como o desenvolvimento da transformao da naturezapelo homem e, por meio disto, da transformao de si mesmo da natureza huma-na em diferentes modos de produo. Hoje, h as possibilidades tcnicas para ahumanizao da parte mais natural da cultura humana. Isto o que poderia signifi-car uma mudana no modo de reproduo.

    Contudo, ainda estamos longe deste estado de coisas. Na Frana e na Itlia, avenda de qualquer forma de anticoncepcional permanece ilegal. O anticoncepcionaloral privilgio de uma minoria endinheirada em alguns pases ocidentais. Mesmoaqui, o progresso tem sido conseguido em forma tipicamente conservadora e explo-radora. feito somente para as mulheres, que so assim os porquinhos-da-ndiaem um risco que envolve ambos os sexos.

    O fato de importncia transcendental que os anticoncepcionais facilmentedisponveis ameaam dissociar a experincia sexual da reprodutiva que toda a ideo-logia burguesa contempornea tenta fazer inseparveis, com a raison dtre da fa-mlia.

    Reproduo e produo

    Atualmente, a reproduo em nossa sociedade freqentemente uma esp-cie de imitao triste da produo. O trabalho em uma sociedade capitalista umaalienao do trabalho na elaborao de um produto social que confiscado pelocapital. Mas ele pode ainda algumas vezes ser um ato real de criao proposital eresponsvel, mesmo em condies da pior explorao. A maternidade freqentemente uma caricatura disso. O produto biolgico a criana tratadocomo se fosse um produto slido. A maternidade se torna uma espcie de substitutopara o trabalho, uma atividade em que a criana vista como um objeto criado pelame, da mesma forma em que um bem criado por um operrio. Naturalmente, acriana no escapa literalmente, mas a alienao da me pode ser bem pior do quea do operrio, cujo produto apropriado pelo patro. Nenhum ser humano podecriar outro ser humano. A origem biolgica de uma pessoa uma abstrao. A

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  • 214214214214214 Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006

    criana como uma pessoa autnoma inevitavelmente ameaa a atividade que afirmacri-la continuadamente, simplesmente como uma possesso dos pais. As posses-ses so sentidas como extenses do eu. A criana, como uma possesso, suma-mente isto. Qualquer coisa que a criana faa, por esta razo, uma ameaa prpria me, que renunciou sua autonomia atravs desta concepo errnea deseu papel reprodutivo. H poucos riscos mais precrios em que se possa basear umavida.

    Alm disso, mesmo se a mulher tem controle emocional sobre seu filho, tantolegal como economicamente ambos esto sujeitos ao pai. O culto social da materni-dade igualado pela real falta de poder socioeconmico da me. Os benefciospsicolgicos e prticos que os homens recebem disso so bvios. A conversa dabusca da criao por parte da mulher na criana o refgio dos homens com relaoao seu trabalho dentro da famlia:

    Quando voltamos ao lar, tiramos nossa mscara, largamos nossas ferramentas, e j nosomos advogados, marinheiros, soldados, estadistas, clrigos, mas simplesmente homens.Camos novamente em nossas relaes mais humanas, que, no fim das contas, so tudo oque nos pertence quando estamos diante de ns mesmos.23

    De forma diferente de seu status no-produtivo, sua capacidade para a mater-nidade uma definio da mulher. Mas, apenas uma definio fisiolgica. Enquan-to lhe seja permitido permanecer como um substitutivo da ao e da criatividade, eo lar continua a ser uma rea para o relaxamento dos homens, as mulheres perma-necero confinadas procriao, sua condio universal e natural.

    Sexualidade

    A sexualidade tem sido tradicionalmente a dimenso mais proibitiva da situa-o das mulheres. O significado de liberdade sexual e sua conexo com a liberdadedas mulheres um tema particularmente difcil, que poucos escritores socialistastm-se disposto a suscitar. Somente Fourier identificou totalmente os dois, em estro-fes lricas descrevendo um paraso sexual de permutaes as famosas falansterias.A moralidade socialista na Unio Sovitica proibiu por muito tempo uma discussosria sobre o assunto, dentro do movimento comunista mundial. O prprio Marx aeste respeito, algo menos liberal do que Engels no incio de sua vida expressoupontos de vista tradicionais quanto questo: [...] a santificao do instinto sexualatravs da exclusividade, o controle do instinto por leis, a beleza moral que tornaideal o mandamento da natureza, na forma de um vnculo emocional (esta ) aessncia espiritual do casamento.24

    Contudo, bvio que atravs da histria as mulheres tm sido apropriadascomo objetos sexuais, tanto como progenitoras ou produtoras. Sem dvida, a rela-o sexual pode ser assimilada ao regime de possesso bem mais fcil e completa-

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    mente do que o relacionamento produtivo ou reprodutivo. O vocabulrio sexualcontemporneo traz um testemunho eloqente com relao a isto um vocabul-rio compreensivo da reificao. O velho Marx estava bem consciente disto, sem d-vida: O casamento... incontestavelmente uma forma de propriedade privada ex-clusiva.25 Mas nem ele nem seus sucessores jamais tentaram seriamente encarar asimplicaes disto com relao ao socialismo, ou mesmo com relao a uma anliseestrutural da condio das mulheres. O comunismo, sublinhou Marx na mesma pas-sagem, no significaria a mera comunizao das mulheres como propriedade co-mum. Alm disso, ele jamais se arriscou.

    H aqui algumas consideraes histricas. Pois, se os socialistas nada tm dito,a lacuna tem sido preenchida por idelogos liberais. Um livro recente, Eros Denied,de Wayland Young, argumenta que a civilizao ocidental tem sido singularmenterepressiva do ponto de vista sexual, e, num apelo por maior liberdade sexual hoje,compara-a numa certa extenso s sociedades orientais e antigas. chocante, noentanto, que este livro no faa qualquer referncia ao status das mulheres nestasdiferentes sociedades, ou s diferentes formas de contrato de casamento nelas exis-tentes. Isto torna todo o argumento em um exerccio puramente formal o inversodas discusses socialistas da posio das mulheres, que ignora o problema da liber-dade sexual e seu significado. Pois, embora seja verdade que algumas culturas orien-tais e antigas (e, sem dvida, primitivas) eram bem menos puritanas que as socieda-des ocidentais, absurdo ver isto como uma espcie de valor transponvel que sepode abstrair de sua estrutura social. Na verdade, em muitas destas sociedades aabertura sexual foi acompanhada de uma forma de explorao poligmica quea tornou na prtica simplesmente uma expresso da dominao masculina. J que aarte era tambm um campo do homem, esta liberdade encontra uma expressonatural e freqentemente poderosa na arte o que comumente citado como sefosse prova da qualidade integral do relacionamento humano na sociedade. Nadapoderia ser mais enganador. O que necessrio, antes que esta essncia exortativaingnua de exemplo histrico, alguma viso da co-variao entre os graus de liber-dade sexual e abertura, e a posio e dignidade das mulheres em diferentes socieda-des. Alguns pontos so imediatamente bvios. A histria atual bem mais dialticado que qualquer viso liberal a apresenta. A poligamia jurdica sem limites qual-quer que seja a sexualizao da cultura que a acompanha claramente uma anu-lao total da autonomia da mulher, e constitui uma forma extrema de opresso. Aantiga China uma perfeita ilustrao disto. Wittfogel descreve o extraordinriodespotismo do paterfamilias chins Um policial litrgico (semi-oficial) de seu pr-prio grupo familiar.26 No Ocidente, no entanto, o advento da monogamia no foide forma alguma um avano absoluto. Certamente, ele no criou uma igualdade deum-para-um longe disso. Engels comentou com exatido:

    A monogamia no surge de forma alguma na histria como a reconciliao entre o homeme a mulher, muito menos como a forma mais elevada de uma tal reconciliao. Ao contrrio,

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  • 216216216216216 Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v Niteri, v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006

    surge como a subjugao de um sexo pelo outro, como a proclamao de um conflito entreos sexos inteiramente desconhecido at aqui nos tempos pr-histricos.27

    Mas, na era crist, a monogamia assumiu uma forma muito especfica no Oci-dente. Aliou-se a um regime sem precedentes de represso sexual geral. Em suaverso paulina, isto teve uma tendncia marcadamente antifeminina, herdada dojudasmo. Com o tempo, isto se diluiu a sociedade feudal, a despeito de sua repu-tao posterior para o ascetismo, praticava a monogamia formal com aceitao con-sidervel do comportamento polgamo, pelo menos dentro da classe dominante.Mas aqui novamente, a extenso da liberdade sexual era apenas um ndice de domi-nao masculina. Na Inglaterra, a mudana verdadeiramente maior ocorreu no s-culo dezesseis, com a ascenso do puritanismo militante e o aumento das relaesde mercado na economia. Laurence Stone observa:

    Na prtica, se no na teoria, a nobreza do incio do sculo dezesseis era uma sociedadepoligmica, e alguns viviam com uma sucesso de mulheres, a despeito da proibio dodivrcio... Mas, impressionada pelas crticas calvinistas ao padro duplo, a opinio pblicacomeou a fazer objees manuteno aberta de uma amante.28

    O capitalismo e as solicitaes decorrentes de uma burguesia recm-surgidaconcederam s mulheres um novo status como esposa e me. Seus direitos legaisforam aprimorados; havia vigorosa controvrsia quanto sua posio social; baterna mulher era proibido. Em uma mulher, o homem burgus procura uma contraparte,no um igual.29 Na periferia social, a mulher encontrou ocasionalmente uma igual-dade que era mais do que sua funo feminina em uma sociedade comercial. Nasseitas extremistas, as mulheres freqentemente possuam direitos completamenteiguais: Fox argumentou que a Redeno restaurou a igualdade pr-lapsariana e queas mulheres quaker, por esta razo, conseguiram uma autonomia real. Mas, uma vezinstitucionalizada a maioria das seitas, reenfatizou-se a necessidade da disciplinafamiliar, e, com ela, a obedincia da mulher. Como diz Keith Thomas, os puritanosfizeram algo para elevar o status das mulheres, mas no muito.30 O sistema pa-triarcal foi preservado e mantido pelo modo econmico de produo. A transiopara a monogamia completa e efetiva acompanhou a transio para a sociedadeburguesa moderna, como a conhecemos hoje. Como o prprio sistema de merca-do, representou um avano histrico, a elevado preo histrico. A igualdade formal,jurdica da sociedade capitalista e da racionalidade capitalista aplicava-se agora tan-to ao contrato marital como ao contrato de trabalho. Em ambos os casos, a parida-de nominal encobre explorao e desigualdade reais. Mas, em ambos, a igualdadeformal ela mesma um progresso relativo, que pode ajudar a tornar possvel umnovo avano.

    A situao hoje definida por uma nova contradio. Uma vez estabelecida aigualdade conjugal formal (monogamia), a liberdade sexual como tal que sob con-dies poligmicas era usualmente uma forma de explorao torna-se, pratica-

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  • Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 Niteri, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 203-232, 1. - 2. sem. 2006 217217217217217

    mente, uma possvel fora de libertao. Significa ento, simplesmente, liberdadepara ambos os sexos para transcender os limites das atuais instituies sexuais.

    Historicamente, ento, tem havido um movimento dialtico, em que a expres-so sexual foi sacrificada em uma poca de represso mais ou menos puritana,que, no obstante, produziu uma maior paridade dos papis sexuais, que, por suavez, cria a pr-condio para uma libertao sexual genuna, no sentido duplo deigualdade e liberdade cuja unidade define o socialismo.

    Este movimento pode ser verificado dentro da histria dos sentimentos. Oculto do amor surge somente no sculo doze, em oposio a formas maritais legaise com uma valorizao exaltada das mulheres (o amor galanteador). Ele, da emdiante, tornou-se gradativamente difundido, e foi assimilado ao casamento comotal, que, em sua forma burguesa (o amor romntico) tornou-se uma escolha livrepara toda a vida. O que chocante aqui que a monogamia como uma instituiono Ocidente antecipou-se idia de amor em muitos sculos. Os dois tm sidoposteriormente harmonizados de forma oficial, mas a tenso entre eles jamais foiabolida. H uma contradio formal entre o carter contratual voluntrio do casa-mento e o carter espontneo incontrolvel do amor a paixo que celebradaprecisamente pela sua fora involuntria. A noo de que ela ocorre somente umavez em cada vida, e pode, por esta razo, ser integrada em um contrato voluntrio,torna-se cada vez menos plausvel luz da experincia diria uma vez que a repres-so sexual como um sistema psicoideolgico torna-se em tudo distendida.

    Obviamente, a principal quebra no padro tradicional de valor foi at agora oaumento da experincia sexual pr-marital. Isto est agora virtualmente legitimadona sociedade burguesa contempornea. Mas, suas implicaes so explosivas para aconcepo ideolgica do casamento que domina esta sociedade: a de um vnculoexclusivo e permanente. Uma antologia americana recente, A Famlia e a RevoluoSexual, revela isto com muita clareza:

    No que se refere s relaes extra-maritais, os anti-sexualistas ainda esto enfrentando umaluta dura, se perdida. O prprio imo da tica sexual judaico-crist de que os homens e asmulheres devem permanecer virgens at o casamento e que devem permanecer cem porcento fiis aps o casamento. Com relao castidade pr-marital, esta tica parece estar acaminho da porta de sada, e, em muitas reas da populao, torna-se cada vez mais umprincpio morto.31

    A onda atual de liberalizao sexual no presente contexto poderia conduzir auma liberdade geral maior das mulheres. Igualmente, poderia pressagiar novas for-mas de opresso. A criao puritano-burguesa da mulher como uma contraparteproduziu a pr-condio para a emancipao. Mas deu igualdade legal estatutriaaos sexos, ao preo de represso grandemente intensificada. Posteriormente comoa prpria propriedade privada tornou-se um freio no desenvolvimento ulterior deuma sexualidade livre. As relaes mercadolgicas capitalistas tm sido historica-

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    mente uma pr-condio do socialismo; as relaes maritais burguesas (ao contrriodo que denuncia o Manifesto Comunista) podem igualmente ser uma pr-condiopara a libertao das mulheres.

    Socializao

    O destino biolgico como me torna-se uma vocao cultural em seu papelcomo socializadora das crianas. Criando-as, a mulher atinge sua principal definiosocial. Sua adequabilidade para a socializao nasce de sua condio psicolgica;sua capacidade para amamentar e a relativa inabilidade ocasional para empreendertrabalho extenuante pesam. Deveria ter sido dito de incio que adequabilidade no inevitabilidade. Lvi-Strauss escreve:

    Em todo grupo humano, as mulheres do luz as crianas e cuidam delas, e os homens tmantes como sua especialidade a caa e as atividades guerreiras. Mesmo a, contudo, temoscasos ambguos: naturalmente os homens jamais do luz uma criana, mas em muitassociedades... so levados a agir como se o tivessem feito.32

    A descrio de Evans Pritchard da Tribo Nuer pinta exatamente esta situao. Eoutro antroplogo, Margaret Mead, faz comentrios sobre o elemento de desejo-realizao na suposio de uma correlao natural entre a feminilidade e a nutrio:

    Temos presumido que, porque conveniente para uma me desejar cuidar de seu filho, este um trao com que as mulheres foram mais generosamente dotadas, por um cuidadosoprocesso teleolgico de evoluo. Temos presumido que, porque os homens tm caado,uma atividade que requer empreendimento, bravura e iniciativa, eles foram dotados destasvaliosas aptides como parte do seu temperamento-sexo.33

    No entanto, a concesso cultural dos papis no trato das crianas e os limitesde sua variabilidade no se constitui no problema essencial a ser examinado. O que bem mais importante analisar a natureza do prprio processo de socializao esuas exigncias.

    Parsons em sua anlise detalhada afirma ser essencial para a criana ter doispais, um que representa um papel expressivo e outro que representa um papelinstrumental.34 A famlia nuclear gira em torno dos dois eixos da hierarquia familiare destes dois papis. Em linguagem tipicamente parsoniana, ele afirma que pelomenos um aspecto fundamental da situao externa dos sistemas sociais aqui umaspecto do organismo psicolgico um ponto crucial de referncia para a diferen-ciao na famlia. Repousa na diviso dos organismos em classes de lactantes e no-lactantes. Em todos os grupos, afirmam ele e seus colegas, mesmo naquelas tribosprimitivas discutidas por Pritchard e Mead, o macho representa o papel instrumentalem relao esposa-me. Em uma fase, a me representa um papel instrumental e

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    expressivo vis--vis com seu filho: isto ocorre pr-edipianamente, quando ela afonte de aprovao e desaprovao, bem como de amor e carinho. No entanto,aps isso, o pai, ou o homem que o substitui (nas sociedades matrilineais, o irmoda me) assume o papel. Em uma sociedade industrial moderna, dois tipos de papelso claramente importantes: os papis familiares adultos de procriao, e opapel ocupacional adulto. A funo da famlia como tal reflete a funo das mulhe-res dentro dela; primordialmente expressiva. A pessoa representando o papel inte-grado-adaptvel-expressivo no pode estar afastada durante todo o tempo das tare-fas instrumental-ocupacionais da existir uma inibio estabelecida quanto aotrabalho da mulher fora de casa. A anlise de Parsons deixa claro o exato papel dosocializador materno na sociedade americana contempornea.35 Mas no prossegueat afirmar que outros aspectos e modos de socializao so concebveis. O que valioso no trabalho de Parsons simplesmente sua insistncia a respeito da impor-tncia central da socializao como um processo que constitutivo de qualquersociedade (nenhum marxista at agora forneceu uma anlise comparvel). Sua con-cluso geral que:

    Parece no ter qualificao sria a opinio de competentes psiclogos de que, embora aspersonalidades difiram grandemente em seu grau de rigidez, certos padres fundamentaisamplos de carter esto enraizados na infncia (na medida em que no so geneticamenteherdados) e no so radicalmente modificados pela experincia adulta. O grau exato em queeste o caso, ou o exato nvel de idade em que a plasticidade se torna grandemente dimi-nuda, no esto em discusso aqui. O importante o fato da formao de carter na infn-cia, e sua relativa estabilidade aps esta fase.36

    Infncia

    Isto parece indiscutvel. Uma das grandes revolues da psicologia modernafoi a descoberta de um peso especfico decisivo da infncia, no curso de uma vidaindividual um tempo psquico proporcionalmente maior do que o tempo cronol-gico. Freud iniciou a revoluo com seu trabalho sobre a sexualidade infantil; Kleinradicalizou-a com seu trabalho sobre o primeiro ano de vida da criana. O resultado que hoje sabemos bem mais do que jamais soubemos antes o quo delicado eprecrio para qualquer pessoa o processo de passagem do nascimento at a infn-cia. O destino da personalidade adulta pode ser em grande parte decidido nos mesesiniciais da vida. As pr-condies para a estabilidade posterior e a integrao exigemum grau extraordinrio de cuidado e inteligncia da parte do adulto que est socia-lizando a criana, bem como uma perseverana atravs do tempo, da mesma pes-soa.

    Estes indiscutidos avanos na compreenso cientfica da infncia tm sidoamplamente usados como um argumento para se reafirmar a funo maternal es-sencial das mulheres, numa poca em que a famlia tradicional parecia cada vez mais

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    corroda. Bowlby, estudando as crianas evacuadas na Segunda Guerra Mundial,declarou: essencial para a sade mental que o infante e a criana pequena expe-rimentem uma relao calorosa, ntima e contnua com sua me,37 estabelecendouma tendncia que se tornou cumulativa desde ento. A nfase da ideologia familiarafastou-se de um culto do juzo biolgico da maternidade (a dor que torna a crianapreciosa, etc.) indo para uma celebrao do cuidado materno como um ato social.Isto pode chegar a extremos ridculos:

    Para a me, a amamentao se torna um complemento do ato de criao. D-lhe um eleva-do senso de realizao e lhe permite participar de um relacionamento to prximo da perfei-o quanto qualquer outro que a mulher pode esperar conseguir... O simples fato de dar luz, no entanto, no preenche esta necessidade e este anseio, por si s... A maternidade um modo de vida. Permite a uma mulher expressar seu eu total, com os sentimentos ternos,as atitudes protetoras e o amor envolvente de uma mulher maternal.38

    As tautologias, as mistificaes (um ato de criao, certamente um processo?)os puros absurdos... to prximos da perfeio quanto qualquer outro que a mu-lher pode esperar conseguir... indicam o abismo entre a realidade e a ideologia.

    Padres familiares

    Esta ideologia corresponde em forma deslocada a uma mudana real no pa-dro da famlia. Na medida em que a famlia tornou-se menor, cada criana adquiriumaior importncia; o ato atual de reproduo ocupa cada vez menos tempo e oprocesso de socializao e nutrio aumenta ponderavelmente em significao. Asociedade burguesa est obcecada pelos problemas fsicos, morais e sexuais da in-fncia e adolescncia.39 A responsabilidade ltima deles est com a me. Assim, opapel maternal da me recuou, enquanto seu papel socializante aumentou. Nadcada de 1890, na Inglaterra, uma me passava quinze anos em estado de gravi-dez e amamentao; na dcada de 1960, passa uma mdia de quatro anos. A escolaobrigatria a partir dos cinco anos de idade, sem dvida, reduz a funo maternalem grande parte, aps os anos iniciais vulnerveis.

    A situao atual ento de tal ordem que nela a importncia qualitativa dasocializao durante os primeiros anos da vida da criana adquiriu uma significaobem maior do que no passado enquanto a soma quantitativa da vida de uma megasta tanto na gestao como na educao da criana diminui grandemente. Segueda que a socializao no pode simplesmente ser elevada ao nvel de uma novavocao maternal da mulher. Usada como uma mstica, torna-se um instrumento deopresso. Alm disso, no h razo inerente para que a me biolgica e social de-vam coincidir. O processo de socializao , no sentido kleiniano, invarivel mas apessoa do socializador pode variar.

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    Bruno Bettelheim, observando mtodos de kibbutz, nota que a criana educadapor uma enfermeira treinada (embora normalmente amamentada pela me) nosofre a instabilidade de ansiedades parentais tpicas e, assim, pode lucrar com osistema.40 Esta possibilidade no deveria ser fetichizada, por sua vez (Jean Baby, fa-lando da criana aps os quatro anos de idade, vai ao ponto de dizer que a separa-o completa parece indispensvel para garantir a liberdade da criana, bem comoda me).41 O que ela na verdade revela a viabilidade de vrias formas de socializa-o nem necessariamente ligadas famlia nuclear, nem ao pai biolgico.

    Concluso

    A lio destas reflexes que a libertao das mulheres s pode ser conseguidase todas as quatro estruturas em que elas esto integradas forem transformadas.Uma modificao de qualquer uma delas pode ser anulada pelo reforamento deoutra, de tal forma que apenas uma mera permutao da forma venha a serconseguida. A histria dos ltimos sessenta anos fornece amplas provas disso. Noincio do sculo vinte, o feminismo militante na Inglaterra ou nos Estados Unidosultrapassou o movimento operrio na violncia de seu assalto contra a sociedadeburguesa, na luta pelo voto. Este direito poltico foi eventualmente conquistado. Adespeito disso, ainda que uma simples complementao da igualdade legal da socie-dade burguesa, deixou a situao socioeconmica das mulheres virtualmenteinalterada. O legado maior do sufrgio foi nulo: as sufragistas demonstraram-seincapazes de ir alm de suas reivindicaes iniciais, e muitas de suas figuras de lide-rana tornaram-se mais tarde extremamente reacionrias. A revoluo russa produ-ziu uma experincia bem diferente. Na Unio Sovitica, na dcada dos vinte, surgiuuma avanada legislao social visando a libertao das mulheres, acima de tudo nocampo sexual: o divrcio foi tornado livre e automtico para qualquer das partes,liquidando assim efetivamente o casamento; a ilegitimidade foi abolida, o abortoliberado, etc. Os efeitos sociais e demogrficos destas leis numa sociedade baixa,semi-alfabetizada, curvada diante da rpida industrializao (necessitando, por estarazo, de uma alta taxa de natalidade) foram previsivelmente catastrficos. Ostalinismo em breve produziu uma restaurao das normas tradicionais de ferro. Aherana foi restabelecida, o divrcio tornado inacessvel, o aborto ilegal, etc.

    O Estado no pode existir sem a famlia. O casamento um valor positivo para o Estadosocialista sovitico somente se as partes vem nele uma unio por toda a vida. O chamadoamor livre uma inveno burguesa e nada tem em comum com os princpios de conduta deum cidado sovitico. Alm disso, o casamento recebe seu pleno valor para o Estado somen-te se h filhos, e os consortes experimentam a mais elevada satisfao da paternidade

    escreveu o jornal oficial do Comissariado da Justia, em 1939.42 As mulheres aindamantinham o direito e a obrigao de trabalhar, mas porque estas conquistas nohaviam sido integradas nas tentativas anteriores de se abolir a famlia e de se estabe-lecer a liberdade sexual, no ocorreu qualquer libertao geral. Na China, ainda ou-

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    tra experincia est sendo realizada hoje. Em uma nova fase da revoluo, toda anfase est sendo colocada na libertao das mulheres na produo. Isso tem resul-tado em uma impressionante promoo social das mulheres. Mas, tem sido acom-panhado por uma tremenda represso sexual e um rigoroso puritanismo (atualmen-te predominante na vida cvica). Isto corresponde no apenas necessidade de semobilizar maciamente as mulheres para a vida econmica, mas a uma profundareao cultural contra a corrupo e a prostituio prevalecentes na China imperial edo Kuo Ming Tang (um fenmeno diferente de qualquer outro na Rssia czarista).Porque a explorao das mulheres era to grande no ancien rgime, a participaodas mulheres em nvel municipal na revoluo chinesa foi singularmente intensa.Quanto reproduo, o culto russo da maternidade nas dcadas dos trinta e dosquarenta no tem sido repetido por razes demogrficas: sem dvida, a China podeser um dos primeiros pases do mundo a fornecer anticoncepcionais grtis, comautorizao do Estado, em uma escala universal, populao. Novamente, no en-tanto, dado o baixo nvel de industrializao, e o temor produzido pelo cerco impe-rialista nenhum avano geral poderia ser esperado.

    Somente nas sociedades altamente desenvolvidas do Ocidente pode ser entre-vista hoje uma libertao autntica das mulheres. Mas para que isto ocorra, devehaver uma transformao de todas as estruturas em que elas esto integradas, euma unit de rupture.43 Um movimento revolucionrio deve basear sua anlise nodesenvolvimento desigual de cada uma, a atacar o elo mais fraco na combinao.Isto pode ento tornar-se o ponto de partida para uma transformao geral. Qual a situao das diferentes estruturas, hoje?

    1. PRODUO1. PRODUO1. PRODUO1. PRODUO1. PRODUO: O desenvolvimento a longo prazo das foras de produodeve comandar qualquer perspectiva socialista. As esperanas que o advento datecnologia suscitou no sculo dezenove j foram discutidas. Demonstraram-se ilus-rias. Hoje, a automao promete a possibilidade tcnica de se abolir completamentea diferena fsica entre o homem e a mulher na produo, mas, sob as relaescapitalistas de produo, a possibilidade social desta abolio est permanentemen-te ameaada, e pode facilmente ser transformada em seu oposto, a diminuio efe-tiva do papel da mulher na produo, conforme os contratos da fora de trabalho.

    Isto diz respeito ao futuro, presentemente o principal fato a registrar que opapel da mulher na produo est virtualmente estacionrio, e assim tem estado hbastante tempo. Na Inglaterra, em 1911, trinta por cento da fora de trabalho cons-titua-se de mulheres; na dcada dos sessenta, trinta e quatro por cento. Tambm acomposio destes empregos no mudou de modo decisivo. Os empregos so mui-to raramente carreiras. Quando no esto nas posies mais baixas no terrenofabril, so normalmente posies burocrticas auxiliares (como as secretrias) com-plementares aos papis masculinos. So freqentemente empregos com uma natu-reza expressiva elevada, tais como tarefas de servio. Parsons diz estupidamen-te: Dentro da organizao ocupacional, so anlogos ao papel da esposa-me na

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    famlia.44 O sistema educacional sustenta esta dualidade estrutura-papel. Setenta ecinco por cento das moas de dezoito anos na Inglaterra no esto recebendo nemeducao nem treinamento, hoje em dia. O padro do pai instrumental e da meexpressiva no substancialmente modificado quando a mulher estremuneradamente empregada, pois seu emprego tende a ser inferior ao do homem,ao qual a famlia ento se adapta.

    Assim, em todos os pontos essenciais, o trabalho como tal na quantidade etipo efetivamente disponveis hoje no se demonstrou ser uma salvao para asmulheres.

    2. REPRODUO:2. REPRODUO:2. REPRODUO:2. REPRODUO:2. REPRODUO: O avano cientfico na anticoncepo, como vimos, pode-ria ter transformado a reproduo involuntria que responsvel pela vastamaioria de nascimentos no mundo, hoje, e por uma proporo maior mesmo noOcidente em fenmeno do passado. Mas os anticoncepcionais orais que atagora foram desenvolvidos em uma forma que repete exatamente a desigualdadesexual na sociedade ocidental esto apenas em seu incio. So inadequadamentedistribudos atravs de classes e pases, e esperam novos aprimoramentos tcnicos.Seu principal impacto inicial ser nos pases desenvolvidos, provavelmente psicolgi-co certamente libertar a experincia sexual das mulheres de muitas das ansieda-des e inibies que sempre a afligiram.45 Divorciar definitivamente o sexual da pro-criao, como complementos necessrios.

    O padro demogrfico da reproduo no Ocidente pode ou no ser ampla-mente afetado pela anticoncepo oral. Um dos fenmenos mais contundentes dosanos mais recentes nos Estados Unidos tem sido o sbito aumento na taxa de nata-lidade. Na ltima dcada, foi mais alto do que em pases subdesenvolvidos, comondia, Paquisto e Burma. Na verdade, isto reflete simplesmente a carga econmicamais leve de uma famlia grande em condies de impulso econmico, no pas maisrico do mundo. Mas reflete tambm o engrandecimento da ideologia familiar comofora social. Isto conduz estrutura seguinte.

    3. SOCIALIZAO3. SOCIALIZAO3. SOCIALIZAO3. SOCIALIZAO3. SOCIALIZAO: As mudanas na composio da fora de trabalho, o ta-manho da famlia, a estrutura da educao, etc. embora limitados de um ponto devista ideal sem dvida diminuram a funo social e a importncia da famlia.Como uma organizao, ela no uma unidade significativa no sistema de poderpoltico, desempenha uma parte pequena na produo econmica e raramente anica agncia de integrao na sociedade maior; assim, em nvel macroscpico, ser-ve a muito poucos fins.

    O resultado tem sido um maior deslocamento da nfase na funo psicossocialda famlia, para a criana e para o casal.46 Parsons escreve: O sentido da evidnciaindica o incio de uma relativa estabilizao de um novo tipo de estrutura familiar,em uma nova relao com uma estrutura social geral, em que a famlia mais espe-

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    cializada do que antes, mas de forma alguma menos importante, porque a socieda-de dependente mais exclusivamente dela, pela realizao de certas de suas funesvitais.47 O ncleo vital da verdade na nfase da socializao da criana j foi discu-tido. essencial que os socialistas o reconheam e o integrem inteiramente em qual-quer programa pela libertao das mulheres. notvel que o recente trabalho devanguarda de marxistas franceses Baby, Sullerot, Texier conceda ao problemasua importncia real. No entanto, no h dvida que a necessidade das crianas decuidado permanente e inteligente nos primeiros trs ou quatro anos de vida podeser (e tem sido) explorada ideologicamente de modo a perpetuar a famlia comouma unidade total, quando suas outras funes se encontram em visvel declnio.

    Sem dvida, a tentativa de se focalizar a existncia das mulheres exclusivamen-te na criao dos filhos, manifestamente prejudicial s crianas. A socializaocomo um processo excepcionalmente delicado requer um socializador sereno e ama-durecido um tipo que as frustraes de um papel puramente familiar no sosuscetveis de produzir. A maternidade exclusiva freqentemente, neste sentido,contraprodutiva. A me descarrega suas prprias frustraes e ansiedades em umafixao na criana. Uma maior conscientizao da importncia crtica da socializa-o, longe de levar a uma restituio dos clssicos papis maternais, deveria condu-zir a uma reconsiderao deles do que faz um bom agente socializador, que possagenuinamente fornecer segurana e estabilidade criana.

    O mesmo argumento se aplica, a fortiori, ao papel psicossocial da famlia parao casal. As crenas de que a famlia fornece um enclave inexpugnvel de intimidadee segurana em um atomizado e catico chega ao absurdo que a famlia possa serisolada da comunidade, e que suas relaes internas no venham a reproduzir, emseus prprios termos, as relaes externas que dominam a sociedade. A famlia comorefgio em uma sociedade burguesa torna-se inevitavelmente um reflexo dela.

    4. S4. S4. S4. S4. SEXUEXUEXUEXUEXUALIDADEALIDADEALIDADEALIDADEALIDADE: difcil deixar de concluir que a maior estrutura que seencontra atualmente em rpida evoluo a sexual. A Produo, Reproduo e So-cializao esto todas mais ou menos estacionrias no Ocidente, hoje, no sentido deque no se tm modificado h trs ou mais dcadas. No h, alm disso, qualquerexigncia ampla de modificao nelas, por parte das prprias mulheres a ideologiagovernante tem impedido efetivamente a conscincia crtica. Contrastando com issoa ideologia sexual dominante est se demonstrando cada vez menos bem-sucedidana regulamentao do comportamento espontneo. O casamento, em sua formaclssica, est cada vez mais ameaado pela liberalizao das relaes antes e depoisdele, que afeta todas as classes, hoje em dia. Neste sentido, evidentemente o elomais fraco da cadeia a estrutura particular que campo das maiores contradies.O potencial progressista destas contradies j foi enfatizado. Em um contexto deigualdade jurdica, a liberao da experincia sexual das relaes que so estranhas aela se procriao ou propriedade poderia levar verdadeira liberdade inter-sexual.Mas poderia tambm conduzir simplesmente a novas formas de ideologia e prtica

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    neocapitalistas. Pois uma das foras por trs da atual acelerao da liberdade sexualtem sido sem dvida a converso do capitalismo contemporneo de um ethos pro-duo-e-trabalho em um ethos consumo-e-divertimento. Rierman comentou estedesenvolvimento no incio da dcada dos cinqenta:

    [...] no h apenas um aumento no lazer, mas o prprio trabalho torna-se tanto menosinteressante como menos exigente para muitos... mais do que antes, enquanto diminui adisposio para o trabalho, o sexo penetra nas horas vagas, bem como nos momentos deentretenimento. visto como um bem de consumo no apenas pelas velhas classes desocu-padas, mas pelas modernas massas descansadas.48

    O ponto principal do argumento de Riesman que em uma sociedade enfastiadapelo trabalho, o sexo a nica atividade, a nica reminiscncia das energias que sepossui, o nico ato competitivo; a ltima defesa contra a vis inertiae. A mesma visopode ser encontrada, com maior profundidade terica, na noo de Marcuse dede-sublimao repressiva a libertao da sexualidade para sua prpria frustraono servio de uma mquina social totalmente coordenada e envenenada.49 A socie-dade burguesa atualmente pode bem arcar com uma rea de jogo sexual pr-maritalno-procriativo. Mesmo o casamento pode salvar-se aumentando os ndices de di-vrcio e recasamentos, significando a importncia da prpria instituio. Estas con-sideraes tornam claro que a sexualidade, embora possa presentemente conter omaior potencial para a libertao pode igualmente ser organizada contra qualqueraumento de suas possibilidades humanas. Novas formas de reificao esto emer-gindo, que podem esvaziar a liberdade sexual de qualquer significado. Isto umlembrete de que, embora uma estrutura possa ser o elo mais fraco em uma unidadecomo a da condio da mulher, jamais pode haver uma soluo atravs dela tomadaisoladamente. O utopismo de Fourier ou Reich foi precisamente pensar que a sexua-lidade poderia inaugurar uma tal soluo geral. A observao de Lnin a Clara Zetkin um corretivo salutar, se exagerada: Quo bravia e revolucionria possa ser (a liber-dade sexual), ainda na verdade bem burguesa. , principalmente, um hobby dosintelectuais e das reas mais prximas a eles. No h lugar para ela no partido, naconscincia de classes, na luta, no proletariado.50 Pois uma soluo geral s podeser encontrada em uma estratgia que afete todas as estruturas da explorao dasmulheres. Isto significa a rejeio de duas crenas dominantes na esquerda:

    Reformismo: Esta agora assume a forma de limitadas reivindicaes de me-lhoramentos: paridade salarial para as mulheres, mais escolas do tipo creche, melho-res facilidades de retreinamento, etc. Em sua verso contempornea, est completa-mente divorciada de qualquer crtica fundamental da condio das mulheres ouqualquer viso de sua libertao real (nem sempre foi assim). Na medida em querepresenta um tpido adorno do status quo, deixa uma essncia progressista bemlimitada.

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    Voluntarismo: Esta assume a forma de exigncias maximalistas a abolioda famlia, a eliminao de todas as restries sexuais, a separao obrigatria depais e filhos que no tem chance de conquistar qualquer apoio amplo atualmente,e que serve apenas como um substituto para o trabalho da anlise terica ou per-suaso prtica. Ordenando todo o assunto em termos totalmente intransigentes, ovoluntarismo objetivamente ajuda a mant-lo fora do campo da discusso polticanormal.

    Qual, ento, a atitude revolucionria responsvel? Ela deve incluir tantoreivindicaes imediatas como fundamentais, em uma crtica nica do conjunto dasituao das mulheres, que no fetichize qualquer dimenso dela. O desenvolvimen-to industrial moderno, como tem sido visto, tende para a separao da funo origi-nariamente unificada da famlia procriao, socializao, sexualidade, subsistnciaeconmica, etc. mesmo se esta diferenciao estrutural (para usar um termo deParsons) tenha sido reprimida e dissimulada pela manuteno de uma poderosaideologia familiar. Esta diferenciao fornece a base histrica real para as exignciasideais que deveriam ser apresentadas: a diferenciao estrutural precisamente oque distingue uma sociedade avanada de outra primitiva (em que todas as funessociais so fundidas en bloc).51

    Em termos prticos, isto significa um sistema coerente de exigncias. Os qua-tro elementos da condio das mulheres no podem simplesmente ser consideradosde modo isolado; formam uma estrutura de inter-relaes especficas. A famlia bur-guesa contempornea pode ser vista como uma fotografia trplice das funes sexual,reprodutiva e socializante (o mundo da mulher) abraadas pela produo (o mundodo homem) precisamente uma estrutura que em ltima anlise determinada pelaeconomia. A excluso das mulheres da produo atividade social humana e seuconfinamento a uma condensao monoltica de funes em uma unidade a fam-lia que unificada exatamente na parte natural de cada funo, a causa masprofunda da definio social contempornea das mulheres como seres naturais. Poresta razo, a principal esperana de qualquer movimento de emancipao aindadeve se concentrar no elemento econmico a entrada das mulheres, de modopleno, na indstria pblica. O erro dos antigos socialistas era ver os outros elementoscomo reduzveis ao econmico; da o apelo pela entrada das mulheres na produoser acompanhado pelo slogan puramente abstrato da abolio da famlia. As exign-cias econmicas ainda so primordiais, mas devem ser acompanhadas por polticascoerentes para os outros trs elementos, polticas que em conjunturas particularespodem ocupar o papel primordial na ao imediata.

    Economicamente, a exigncia mais elementar no o direito ao trabalho ou areceber salrios iguais pelo servio prestado as duas reivindicaes reformistas tra-dicionais mas o direito ao trabalho igual. Atualmente, as mulheres realizam traba-lhos no especializados, sem carter criador, que podem ser vistos como extensesde seu papel familiar expressivo. So esmagadoramente cabeleireiras, datilgrafas,

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    garonetes, faxineiras, burocratas. Na classe trabalhadora, a mobilidade ocupacional, contudo, algumas vezes mais fcil para as moas do que para os rapazes podementrar em um setor burocrtico em nvel mais baixo. Mas somente duas em cadacem mulheres encontram-se em cargos administrativos ou empresariais, e menos decinco em cada mil, nas profisses. As mulheres mal so sindicalizadas (25 por cento)e recebem menos dinheiro do que os homens pelo trabalho manual que realizam:em 1961, o salrio industrial mdio para as mulheres era menor do que a metadedo dos homens, o que, mesmo descontando o trabalho em tempo parcial, represen-ta um aumento macio da explorao por parte do empregador.

    Educao

    Toda a pirmide de discriminao descansa sobre uma slida base extra-eco-nmica educao. A reivindicao por trabalho igual, na Inglaterra, deveria acimade tudo assumir a forma de uma exigncia por um igual sistema educacional, j queisto atualmente o principal filtro considerado isoladamente de seleo das mulhe-res para os trabalhos inferiores. Presentemente, h algo parecido com educaoigual para ambos os sexos at os 15 anos. Depois disso, trs vezes mais rapazes doque moas prosseguem em sua educao. Somente um em cada trs vestibulandosaprovados em nvel A, e um em cada quatro estudantes universitrios, so mulheres.No h qualquer prova de progresso. A proporo de estudantes universitrios dosexo feminino a mesma que era na dcada dos vinte. At que estas injustiasestejam terminadas, no h chance de trabalho igual para as mulheres. No neces-srio dizer que a natureza do sistema educacional, que atualmente instila a limitaoda aspirao nas moas, precisa ser modificada tanto como os mtodos de seleo.A educao provavelmente a rea-chave para o avano econmico imediato, nomomento.

    Somente se for fundada na igualdade, a produo pode ser verdadeiramentediferenciada da reproduo e da famlia. Mas isto exige, em troca, todo um conjuntode solicitaes no-econmicas, como complemento. Reproduo, sexualidade esocializao tambm precisam ser libertadas de formas coercitivas de unificao.Tradicionalmente, o movimento socialista tem pedido a abolio da famlia burgue-sa. Este slogan deve ser rejeitado como incorreto, hoje. maximalista no mau sen-tido, colocando uma reivindicao que se constitui simplesmente em uma negao,sem qualquer construo coerente posterior a ela. Sua fraqueza pode ser vista quan-do a comparamos ao apelo pela abolio da posse privada dos meios de produo,cuja soluo a propriedade social est contida na prpria negao. O prprioMarx aliou as duas, e sugeriu a igual futilidade das duas exigncias: [...] esta ten-dncia de se opor a propriedade privada geral propriedade privada est expressade forma animal; o casamento... est em contraste com a comunidade de mulheres,em que as mulheres se tornam propriedade comunal e comum.52 As razes para afraqueza histrica da noo esto no fato de que a famlia jamais foi analisada estru-

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    turalmente em termos de suas diferentes funes. Foi uma entidade hipostasiada;a abstrao de sua abolio corresponde abstrao de sua concepo. A preocu-pao estratgica para os socialistas deveria ser com a igualdade dos sexos, no coma abolio da famlia. As conseqncias desta exigncia no so menos radicais, masso concretas e positivas, e podem ser integradas no curso real da histria. A famlia,como existe atualmente, na verdade incompatvel com a igualdade dos sexos. Masesta igualdade no vir de sua abolio administrativa, mas da diferenciao histri-ca de suas funes. A reivindicao revolucionria deveria ser pela libertao destasfunes de uma fuso monoltica que oprime cada uma delas. Assim, a dissociaoda reproduo da sexualidade liberta a ltima da alienao na reproduo indesejada(e o temor disto), e a reproduo da subjugao ao acaso e causalidade incontrolvel. assim uma exigncia elementar pressionar-se pelo livre fornecimento estatal deanticoncepcionais orais. A legalizao do homossexualismo que uma das formasde sexualidade no-reprodutiva deveria ser apoiada exatamente pela mesma ra-zo, e as campanhas regressivas contra ele em Cuba ou qualquer outra parte deveriamser criticadas sem hesitao. A abolio direta da ilegitimidade como uma noolegal, como na Sucia e Rssia, tem uma implicao semelhante; separaria civica-mente o casamento da paternidade.

    Da natureza cultura

    O problema da socializao apresenta questes mais difceis, como se viu. Masa necessidade de intenso cuidado maternal nos primeiros anos de vida da crianano significa que a atual forma sancionada de socializao, considerada isolada-mente casamento e famlia seja inevitvel. Longe disso. A caracterstica funda-mental do sistema presente de casamento e famlia o seu monolitismo, em nossasociedade: h somente uma forma institucionalizada de relacionamento intersexualou interprocriativo possvel. isto ou nada. Eis porque ela essencialmente umanegao da vida. Pois toda a experincia humana mostra que os relacionamentosintersexual e interprocriativo so infinitamente variados sem dvida, grande partede nossa literatura criadora uma celebrao de fato enquanto a expressoinstitucionalizada deles em nossa sociedade capitalista totalmente simples e rgida.A pobreza e simplicidade das instituies nesta rea da vida que constituem talopresso. Qualquer sociedade exigir algum reconhecimento institucionalizado esocial das relaes pessoais. Mas no h absolutamente razo para que deva existirapenas uma nica forma legtima e uma multido de experincias no legitimadas.O socialismo deveria significar propriamente no a abolio da famlia, mas a diver-sificao das relaes socialmente reconhecidas que so hoje, forosa e rigidamente,impelidas na sua direo. Isto significaria uma escala variada de instituies onde afamlia apenas uma, e a sua abolio implica em nenhuma. Os casais vivendojuntos, ou os que no vivem reunidos, as unies a longo prazo com filhos, paissozinhos criando os filhos, crianas socializadas por pais convencionais antes quebiolgicos, grupos aparentados estendidos, etc. todos estes casos deveriam ser

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    envolvidos em uma escala de instituies que irmanasse a livre inveno e a varieda-de de homens e mulheres.

    Seria ilusrio julgar e especificar estas instituies. As consideraes circuns-tanciais sobre o futuro so idealistas, e, o que pior, estatsticas. O socialismo serum processo de transformao, de mudana. Uma imagem fixa do futuro a-histrica no pior sentido; a forma que o socialismo assumir depender do tipoprecedente de capitalismo e da natureza de seu colapso. Como Marx escreveu:

    O que ( progresso) se no a elaborao absoluta das disposies criadoras (do homem),sem quaisquer pr-condies outras que a evoluo histrica antecedente, que torna a tota-lidade desta evoluo isto , a evoluo de todas as foras humanas como tal, sem que asmeam com qualquer padro previamente estabelecido um fim em si? O que isto, se nouma situao onde o homem no se reproduz em qualquer forma determinada, mas produzsua totalidade? Onde ele no procura permanecer como algo formado pelo passado, mas o movimento absoluto do devenir?53

    A libertao das mulheres sob o socialismo no ser racional, mas uma con-quista humana, na longa passagem da Natureza para a Cultura, que a definio dahistria e da sociedade.

    Notas:

    A Editoria da revista optou por publicar esta traduo, editada na Revista Civilizao Brasileira, nmero

    14, em julho de 1967. O artigo foi digitado por Sharon Teixeira Ohana.

    TOWSEND, Peter. A society for people. Conviction: Norman Mackenzie,1958. p. 119-20.

    BEBEL, August. Die Frau und der Sozialismus.1983.

    3 FOURIER, Charles. Thorie des Quatre Mouvements. In: ______. Oeuvres Compltes. t. I, p. 195. 1841.

    4 MARX, Karl. Propriedade privada e comunismo. 1844.

    5 MARX, Karl. A ideologia alem. 1845-46.

    6 MARX, Karl. O capital. 1867.

    7 ENGELS, Friedrich. A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado (1884). In: MARX; ENGELS.

    Selected works. 1962.

    8 Ibid.

    9 Ibid.

    10 BEBEL, Agust. Die Frau und der Sozialismus.1983.

    11 V. I: Lnin: As tarefas do proletariado em Nossa Revoluo (1917) em Collected Works, n. XXIV, p. 70.

    12 DE BEAUVOIR, Simone. Force of circunstance. 1965. p. 192.

    13 Ver ALTHUSSER, Louis. Contradiction et Surdetermination. In: Pour Marx. 1965. Althusser apresenta a

    noo de uma totalidade complexa em que cada setor independente tem sua prpria realidade autno-

    ma, mas cada um dos quais finalmente, mas apenas finalmente, determinado pelo econmico. Esta

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    totalidade complexa significa que nenhuma contradio na sociedade sempre simples. Como cada setor

    pode se movimentar num passo diferente, a sntese da