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XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 1 ENEGEP 2006 ABEPRO Mudanças tecnológicas e redução de efetivos: a intensificação do trabalho na origem de problemas de saúde em uma indústria de alumínio primário Francisco José de Castro Moura Duarte (PEP/ COPPE- UFRJ) [email protected] Léonard Julien Benoit-Gonin (PEP/ COPPE- UFRJ) [email protected] Resumo A avaliação ergonômica realizada na fundição de uma indústria de alumínio primário demonstrou que a intensificação do trabalho está na origem dos problemas de saúde dos operadores. Mudanças tecnológicas provocaram a redução dos efetivos e maiores exigências físicas na operação de algumas máquinas. Tais transformações tecnológicas podem ter, contudo, origens distintas: em alguns casos ocorrem por necessidades de adaptação à legislação ambiental, em outros por mudanças nas exigências do mercado. Diversos aspectos relacionados à responsabilidade social são abordados neste artigo, principalmente aqueles relativos à degradação das condições de trabalho dos operadores. Palavras-chave: Avaliação ergonômica, Intensificação do trabalho, Alumínio primário 1. Introdução Este artigo apresenta os principais resultados da avaliação ergonômica realizada na fundição de uma indústria de alumínio primário no Rio de Janeiro, entre maio e agosto de 2005. A demanda por esta avaliação ergonômica surgiu do crescente número de afastamentos de operadores daquele setor por problemas de saúde, sobretudo ligados à coluna lombar e cervical. A busca das origens dos problemas físicos apresentados não ficou, contudo, restrita à análise dos postos de trabalho em si, cujas características não foram significativamente alteradas desde o início da operação da fábrica, na década de 80. Foram analisados também os fatores conjunturais, mercadológicos ou ligados à estratégia da empresa que poderiam ter influência no surgimento e agravamento de problemas de saúde. Nos últimos 15 anos, por exemplo, mudanças na legislação (com a nova Constituição de 1988) e no mercado levaram a empresa a fazer modificações em seu mix de produtos e na organização do trabalho do setor de fundição que tiveram impactos importantes na carga de trabalho dos operadores. 2. Objetivo e metodologia O objetivo desta avaliação ergonômica dos postos de trabalho da fundição foi identificar os postos críticos e as demandas para a Análise Ergonômica do Trabalho, conforme estabelecido na norma técnica brasileira NR 17. O produto principal do trabalho foi um mapeamento de criticidade dos postos de trabalho da fundição, com indicação daqueles onde são prioritárias as ações de transformação. Assim, as principais etapas do trabalho foram: - Análise da população de trabalhadores, através de entrevistas e dados dos setores médico

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XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006

1 ENEGEP 2006 ABEPRO

Mudanças tecnológicas e redução de efetivos: a intensificação do trabalho na or igem de problemas de saúde em uma indústr ia de

alumínio pr imár io

Francisco José de Castro Moura Duar te (PEP/ COPPE- UFRJ) duar [email protected] j .br Léonard Julien Benoit-Gonin (PEP/ COPPE- UFRJ) [email protected] j .br

Resumo

A avaliação ergonômica realizada na fundição de uma indústria de alumínio primário demonstrou que a intensificação do trabalho está na origem dos problemas de saúde dos operadores. Mudanças tecnológicas provocaram a redução dos efetivos e maiores exigências físicas na operação de algumas máquinas. Tais transformações tecnológicas podem ter, contudo, origens distintas: em alguns casos ocorrem por necessidades de adaptação à legislação ambiental, em outros por mudanças nas exigências do mercado. Diversos aspectos relacionados à responsabilidade social são abordados neste artigo, principalmente aqueles relativos à degradação das condições de trabalho dos operadores. Palavras-chave: Avaliação ergonômica, Intensificação do trabalho, Alumínio primário

1. Introdução

Este artigo apresenta os principais resultados da avaliação ergonômica realizada na fundição de uma indústria de alumínio primário no Rio de Janeiro, entre maio e agosto de 2005.

A demanda por esta avaliação ergonômica surgiu do crescente número de afastamentos de operadores daquele setor por problemas de saúde, sobretudo ligados à coluna lombar e cervical.

A busca das origens dos problemas físicos apresentados não ficou, contudo, restrita à análise dos postos de trabalho em si, cujas características não foram significativamente alteradas desde o início da operação da fábrica, na década de 80. Foram analisados também os fatores conjunturais, mercadológicos ou ligados à estratégia da empresa que poderiam ter influência no surgimento e agravamento de problemas de saúde. Nos últimos 15 anos, por exemplo, mudanças na legislação (com a nova Constituição de 1988) e no mercado levaram a empresa a fazer modificações em seu mix de produtos e na organização do trabalho do setor de fundição que tiveram impactos importantes na carga de trabalho dos operadores.

2. Objetivo e metodologia

O objetivo desta avaliação ergonômica dos postos de trabalho da fundição foi identificar os postos críticos e as demandas para a Análise Ergonômica do Trabalho, conforme estabelecido na norma técnica brasileira NR 17. O produto principal do trabalho foi um mapeamento de criticidade dos postos de trabalho da fundição, com indicação daqueles onde são prioritárias as ações de transformação.

Assim, as principais etapas do trabalho foram:

- Análise da população de trabalhadores, através de entrevistas e dados dos setores médico

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e de recursos humanos da empresa;

- Análise do funcionamento geral, do processo produtivo e das modernizações tecnológicas;

- Análise da organização do trabalho e suas recentes transformações;

- Acompanhamento e observação das principais situações típicas de trabalho, focando principalmente os observáveis esforço e postura;

- Realização de reuniões de validação e discussão de propostas de ação.

3. Dados de saúde da população de trabalhadores

Foram entrevistadas 59 pessoas (operadores, supervisores e técnicos de manutenção), todas do sexo masculino e com escolaridade de 2º grau. Dos entrevistados, 56% têm 5 anos de casa ou mais e 70% deles têm entre 31 e 50 anos.

Os dados de saúde fornecidos pelo departamento médico da fábrica mostram que desde 1997, 34 operadores foram afastados definitivamente por problemas de saúde, como se pode ver na figura 1. As principais causas destes afastamentos foram hérnia discal, tendinite, cervicalgia e lombalgia.

Afastamentos na fundição1997 - 2004

1

5

11

2

6

11 00

2

4

6

8

10

12

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Figura 1 – Número de afastamentos definitivos por ano, entre 1997 e 2004

No período entre janeiro de 2000 e abril de 2005, foram realizados pelo departamento médico 862 atendimentos de operadores da fundição (mais de 21 por mês), dos quais resultaram 1579 dias de afastamento temporário, predominantemente por problemas osteo-musculares (lombalgia, tendinite, cervicalgia). A figura 2 relaciona os principais problemas de saúde dos operadores, o número de incidências e o conseqüente número de dias de afastamento.

Ainda de acordo com o departamento médico da empresa, houve um aumento dos casos de afastamento por problemas de saúde depois de 1997, época da supressão da 5ª turma de operadores e da redução do tempo de folga.

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Número de incidências X dias parados

40

170

182

199

198

205

264

316

1579

13

75

115

44

48

39

97

135

296

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800

Aparelho Genito-urinário

Aparelho Digestivo

Consulta/Exame/Outros

Problema dermatológico

Aparelho Circulatório

Outros (cirurgias/ DIP)

Sistema nervoso/sentidos

Aparelho respiratório

Problema Osteo- Muscular

Nº incidências

Dias parados

Figura 2 – Principais problemas de saúde: número de incidências X número de dias de afastamento

4. O processo produtivo e a organização do trabalho: na or igem da intensificação do trabalho

A fundição, setor onde se processa o alumínio líquido proveniente da sala de cubas, conta com seis fornos de espera, responsáveis pela alimentação das lingoteiras, da HDC (horizontal direct casting) e da VDC (vertical direct casting). Existem, ainda, duas serras (nas quais se faz o fracionamento dos tarugos produzidos na HDC e VDC), e três fornos de homogeneização, etapa final da produção dos tarugos.

Além do metal líquido proveniente da sala de cubas (95.000 ton./ ano) a fundição refunde sucata externa, o que lhe permite manter um volume de produção de cerca de 110.000 ton./ ano. Este recurso permitiu um aumento de produção mas provocou um aumento no número e na freqüência de tarefas realizadas na utilização desta sucata (carregamento manual de sal e anteligas, por exemplo).

A manipulação destes produtos e a utilização de ferramentas acopladas às empilhadeiras (para preparação dos fornos) provocam desconforto e dores cervicais e nas articulações, devido à trepidação causada pelas dimensões das próprias ferramentas mas também devido ao estado físico do piso junto aos fornos (superfícies irregulares, buracos etc.). Como mostra FERNEX (1998), a carga física deve ser considerada na intensificação do trabalho, mas outros elementos inerentes às condições de trabalho também devem ser considerados: “ (...) características imediatas da tarefa e do posto de trabalho, o ambiente físico do posto de trabalho, o peso dos objetos a manipular, a postura de trabalho...” .

Nos últimos dez anos a empresa reduziu fortemente a produção de lingotes e ampliou a produção de tarugos, produtos de maior valor agregado: a VDC, por exemplo, teve sua produção duplicada em 2004.

Quanto à organização, o trabalho na fundição é contínuo, realizado por 4 turmas de 26 operadores cada que se revezam em três turnos (de 0h às 8h, de 8h às 17h e das 17h às 24h). Este número, contudo, não corresponde à situação normal de trabalho, já que há sempre 2 operadores de férias e outros afastados ou em treinamento. Assim, o número de operadores efetivamente em operação hoje é, em média, de cerca de 20, tendo havido casos extremos de haver apenas 13 operadores disponíveis. A figura 3, resultado da análise de 4979 relatórios de

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turno relativos aos anos de 1999 a 2005, mostra o efetivo médio diário na fundição.

Figura 3 – Efetivo médio diário entre 1999 e 2005

A intensificação do trabalho, origem do aumento dos problemas de saúde, está relacionada aos seguintes fatores:

A mudança do mix de produção: exigências de mercado provocaram um grande aumento na produção de tarugos e uma proporcional redução na produção de lingotes. Tal exigência provocou a busca por um aumento de produtividade na VDC e na HDC, levando, inclusive, a mudanças tecnológicas que respondessem às necessidades do mercado.

As mudanças tecnológicas: a utilização das mesas Air Slip na VDC, por exemplo, permitiu o aumento de 100% da produção nesta máquina, já que o tempo de setup foi reduzido. Na HDC, por exemplo, a troca do anel de cobre pelo anel de grafite nos moldes (por motivos ambientais), levou à necessidade de um maior número de trocas destes moldes, operação com grandes exigências físicas (figuras 4 e 5).

Figuras 4 e 5 – Troca de moldes na HDC

O aumento do volume de produção: possibilitado pela utilização de sucata para refusão, provocou um aumento no número de tarefas dos operadores e, assim, uma maior exigência em

Efetivo médio diário - produção1999-2005

19,7

2120,9

21,9

202020,4

18,519

19,520

20,5

2121,5

2222,5

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Número deoperadores

Total de turnos analisados: 4979

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termos físicos. Também para os operadores da HDC a utilização se sucata representou um aumento de esforço e de posturas inadequadas, já que a colocação de sucata nos fornos durante o vazamento provoca falhas superficiais nos tarugos e a conseqüente necessidade de troca de moldes ou esmerilhação.

A redução do efetivo e do número de turmas de operadores: A extinção da quinta turma e a conseqüente redução do número de operadores (figura 6) levou a um aumento do volume de trabalho. Dados levantados mostram que existem ocasiões em que a operação é realizada por 14, 13 e até 12 homens.

2005: TOTAL 108

1989 1997 2000 2002 2004

5 Turmas

Até 1989: TOTAL 124

1989 a 1997:

TOTAL 130

1997 a 2000:

TOTAL 80

2002 a 2004:

TOTAL 100 2000 a 2002:

TOTAL 88

4 Turmas 4 Turmas

Figura 6– Número de operadores X número de turmas

O estado de funcionamento dos equipamentos: o envelhecimento dos equipamentos e a desigualdade de vida útil de seus componentes levaram a um funcionamento degradado do sistema técnico como um todo. Este estado de funcionamento implica em uma maior intervenção dos operadores para manter a produção dentro das normas de produção e qualidade da empresa, a exemplo do que ocorre com o empilhamento e carregamento manual de lingotes (figuras 7 e 8).

Figuras 7 e 8 – Carregamento manual de lingotes

5. Conclusões

A criticidade dos postos de trabalho, relacionada à intensificação do trabalho e aos fatores

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mencionados anteriormente, também é reflexo das exigências de esforço e postura, notadamente na HDC. Os postos de trabalho mais críticos são: na HDC, a troca de moldes e o manuseio de tarugos; nas lingoteiras, o manuseio de lingotes; na VDC, a limpeza do poço; na frente de fornos, a preparação dos fornos (manuseio de anteligas e sal, utilização das ferramentas acopladas às empilhadeiras).

Como nos mostram Gollac et Volkoff (2000), “ (…) a intensificação do trabalho vai sobretudo abalar o compromisso construído por cada trabalhador entre os objetivos da produção, as competências de que ele dispõe e o zelo de preservar sua saúde. Trabalhar na urgência restringe as margens de manobra e torna as dificuldades menos evitáveis. Quando é preciso fazer logo, se trabalha da maneira mais rápida e não da mais cômoda”.

Referências

FERNEX, A. Intensité du travail, définition, mesure, évolutions. Premiers repérages. Etudes et recherches de l’ ISERES, n°169, 1998.

GOLLAC, M., VOLKOFF, S. Les conditions de travail. Paris : La découverte, 2000.