motion comics: recriando as histórias em quadrinhos e a animação

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1 Augusto Caires, Daniel Barbosa, Francisco Lelis, Iuri Soares, João Andrade e Pedro Costa Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação Projeto Experimental apresentado à Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais para graduação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda. Orientadora: Carolina Marinho Belo Horizonte 2010

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O projeto pretende discutir os chamados Motion Comics do ponto de vista da linguagem referenciada nos quadrinhos e na animação e investigar de que modo eles acompanham as tendências contemporâneas de hibridação nos meios audiovisuais. A pesquisa pretende investigar a relação entre as linguagens dos quadrinhos e da animação e a linguagem dos Motion Comics além de averiguar se há algo de exclusivo na linguagem dos últimos, de forma a descobrir os potenciais desta forma de expressão. A percepção do público internauta será avaliada na intenção de melhor compreender os achados da pesquisa, que conduzirão à produção, como experimentação, de um Motion Comic ao final da pesquisa, colocando em prática os achados de pesquisa referentes À linguagem dos mesmos. Palavras-chave: quadrinhos, animação, motion comic

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Augusto Caires, Daniel Barbosa, Francisco Lelis, Iuri Soares, João Andrade e Pedro Costa

Motion Comics:

Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

Projeto Experimental apresentado à Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais para graduação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientadora: Carolina Marinho

Belo Horizonte

2010

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Resumo

O projeto pretende discutir os chamados Motion Comics do ponto de

vista da linguagem referenciada nos quadrinhos e na animação e investigar de

que modo eles acompanham as tendências contemporâneas de hibridação nos

meios audiovisuais. A pesquisa pretende investigar a relação entre as

linguagens dos quadrinhos e da animação e a linguagem dos Motion Comics

além de averiguar se há algo de exclusivo na linguagem dos últimos, de forma

a descobrir os potenciais desta forma de expressão. A percepção do público

internauta será avaliada na intenção de melhor compreender os achados da

pesquisa, que conduzirão à produção, como experimentação, de um Motion

Comic ao final da pesquisa, colocando em prática os achados de pesquisa

referentes À linguagem dos mesmos.

Palavras-chave: quadrinhos, animação, motion comic

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Abstract

The research project aims to discuss what is called Motion Comics, from the

point of view of language referenced in comics and animation, and investigate how

they follow the contemporary trends of hybridization in audiovisual media. The research

aims to investigate the relationship between the language of comics and animation and

the language of Motion Comics, and whether there is something exclusive in the

language of those last ones, in order to discover the potential of this form of

expression. Perception by internet audiences will be assessed with the intent of better

understanding the research’s findings, which will lead to the production, as an

experimentation, of a Motion Comic at the end of the research, allowing for its findings

related to the language of Motion Comics to be put into practice.

Key-words: comics, animation, motion comic

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4

Lista de figuras Página Figura 1 14

Figura 2 16

Figura 3 21

Figura 4 22

Figura 5 25

Figura 6 27

Figura 7 40

Figura 8 44

Figura 9 50

Figura 10 51

Figura 11 62

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Sumário Página 1 Introdução 7 2 Capítulo 1 – Uma História dos Quadrinhos 9 2.1 A Adjetivação das Histórias em Quadrinhos 9

2.2 A linguagem dos Quadrinhos 16

2.3 Principais Vertentes das Histórias em Quadrinhos 18

2.3.1 Histórias Instrutivas 19

2.3.2 Histórias do Tipo Como-Fazer 19

2.3.3 Histórias Sem Trama 19

2.3.4 História Ilustrada 19

2.3.5 História Simbolista 20

2.3.6 História de Um Trecho-Da-Vida 20

2.3.7 História de Vida 20

2.3.8 Estética dos Quadrinhos 20

2.3.9 Mangá 26

2.3.10 Principais Gêneros 30

2.4 A influência da linguagem das Histórias em Quadrinhos sobre os

Desenhos Animados 33

2.5 Animação Digital 38

2.5.1 Concepção 38

2.5.2 Evolução 39

2.5.3 Características 41

3 Capítulo 2 – A linguagem dos Motion Comics 44

3.1 O que são os Motion Comics 46

3.2 Caracterização dos Motion Comics 46

3.2.1 Técnicas de Produção dos Motion Comics 51

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3.2.2 A Estética dos Motion Comics 54

3.2.3 Temáticas dos Motion Comics 55

3.3 Quando e onde surgiram 55

3.4 Circulação dos Motion Comics 59

3.5 Relação Quadrinho e Motion Comics 60

4.0 Conclusão 64

Referências 68

Anexos 71

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1 Introdução

Os Motion Comics, espécie de híbridos entre quadrinhos e animação,

representam um importante exemplo em matéria de hibridação de linguagens,

surgindo como uma nova forma de mídia produzida através da combinação de

elementos das histórias em quadrinhos e da animação. Embora possam ser

considerados uma forma de desenho animado, eles possuem características

que os diferenciam das formas tradicionais, e que deixam claro seu vínculo

com as HQs. Seu principal veículo é a internet, o que acompanha a tendência

de migração das narrativas gráficas para o meio digital.

A presente monografia tem por objetivo discutir a relação dos Motion

Comics com as mídias pré-existentes que lhe servem de origem, assim como

as potencialidades oferecidas pela transposição da arte sequencial do meio

impresso para uma forma digital híbrida. Também inclui-se no projeto a

produção, com o objetivo de experimentar as diversas características

apresentadas ao longo da pesquisa, de um exemplar desta mídia, algo que

está dentro das capacidades técnicas do grupo e que permite colocar em

prática a estética e a linguagem dos Motion Comics.

Devido à escassez de material acadêmico tratando especificamente dos

Motion Comics, este trabalho deve utilizar como referência a bibliografia mais

ampla já existente acerca das principais linguagens originárias dos MCs,

especificamente a animação e os quadrinhos. Sobre a produção do Motion

Comics é importante ressaltar os problemas em adequar a produção a sua

devida mídia, expondo o material na internet temos de ter o cuidado em não

haver um plágio de roteiro ou uso indevido de sons e músicas, dando assim,

um caráter totalmente experimental ao projeto que é utilizado por recurso dos

próprios criadores.

A construção do trabalho inicia-se com o historia dos quadrinhos: suas

origens, suas variações, seus desenvolvimentos, sua linguagem, estética, tipos

narrativos e suas principais características em seus diversos estilos. Após

conceituar as histórias em quadrinhos, passamos para a animação, fazendo

uma análise de seu passado, influências dos quadrinhos na animação, as

animações digitais, suas concepções, características e evoluções.

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O segundo capítulo é voltado inteiramente ao Motion Comics, nesse

momento procuramos conceituá-lo em seus aspectos mais gerais e

procuramos investigar sua estética e suas características, suas temáticas, as

origens, sua veiculação e finalmente relacionamos o paralelo dos Motion

Comics com a animação e quadrinhos, sem perder suas próprias e únicas

características.

O trabalho apresentado justifica-se primeiramente no interesse dos

autores sobre o tema, tanto quanto histórias em quadrinhos quanto as

animações, filmes e outras mídias em que esta arte se apresenta. Outro fator

essencial para a construção do trabalho, como já foi dito, é a falta de materiais

acadêmicos sobre o assunto. Motion Comics é uma arte tão recente que até as

próprias empresas que utilizam deste recurso não o definem com exata

precisão.

É importante lembrar que os Motion Comics ainda estão em processo de

construção. Ao longo do trabalho, o utilizaram de diversas maneiras e já o

modificaram e aprimoraram, mostrando que o próprio conceito ainda está em

fase experimental. Com este projeto propomos um início ao estudo deste tema,

sendo este apenas o começo da identificação e utilização desta linguagem em

diversos meios.

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2 Capítulo 1 - Uma História dos Quadrinhos

2.1 A Adjetivação das Histórias em Quadrinhos.

Mais de um século depois de sua criação as histórias em quadrinhos

continuam fazendo parte da vida de milhões de crianças, jovens, adultos e

idosos. Pode ser considerada como uma forma de arte consagrada devido a

sua longevidade e sua capacidade se reinventar, sendo considerada uma arte

tanto Pop quanto Cult. Mais do que simples desenhos enquadrados em um

pedaço de papel, os quadrinhos conseguiram se diversificar e migrar para

diversos formatos e enredos.

Existem várias divisões de formato no mundo dos quadrinhos como por

exemplo charge, Tira, Revista em Quadrinhos, Graphic Novel, Webcomic, Story

Board e Fanzine. Todos possuem sua singularidade e vêm contribuindo para o

desenvolvimento da linguagem quadrinizada na medida em que introduzem

novos elementos significativos dotados de grande relevância expressiva.

A charge é um formato de arte sequencial. Embora composto de uma

única imagem, ele combina tanto palavras quanto imagens dotadas de grande

valor comunicativo que tem como objetivo o humor, a crítica espirituosa e a

ludicidade. Os traços dos desenhos são simplificados e as caricaturas são um

recurso frequente. O humor se destaca como uma característica extremamente

frequente entre as charges. Originadas entre os jornais impressos, elas

normalmente produzem um humor crítico através do uso de notícias recentes

de alguma importância. Embora tenham começado no jornal impresso, existem

versões animadas disponíveis em alguns veículos, como TV e internet. Nestes

casos os chargistas fazem uso de recursos simples de animação para adequá-

las à transmissão audiovisual, sendo que as limitações técnicas da animação

nestes casos será conseqüência dos curtos prazos, comuns ao mercado

jornalístico.

A tira, também conhecida como tira diária, é uma sequência de imagens.

O termo é atualmente mais usado para definir as tiras curtas publicadas em

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jornais, mas historicamente o termo foi designado para definir qualquer espécie

de tira, não havendo limite máximo de quadros, embora o mais freqüente sejam

três (o que permite narrar princípio, meio e fim com facilidade).

Frequentemente possuem conteúdo humorístico, seja de teor adulto ou infantl.

Seu traço também é em geral simplificado, embora existam casos importantes

de histórias voltadas para o público infanto-juvenil que adotem uma estética

realista, como Flash Gordon, Tarzan, Jim das Selvas, entre outros.

A revista em quadrinhos, como é chamada no Brasil, ou comic book

como é (predominantemente) conhecida nos Estados Unidos, é o formato

comumente usado para a publicação de histórias do gênero, desde séries

românticas aos populares super-heróis. Trata-se da mais importante mídia

onde se veiculam HQ1. Originalmente, as revistas tinham como propósito reunir

coleções de tiras previamente publicadas em jornal, mas foram ganhando

notoriedade e passaram a ser um importante veículo para publicação de

material inédito. Ainda assim, não são sempre produzidas com um acabamento

gráfico de qualidade, vide o fato de se adotarem até hoje papéis de qualidade

questionável para publicação de muitos títulos, e no mercado brasileiro, o fato

de o chamado formatinho (formato fechado 14,8 x 21 cm, as mesmas medidas

de uma folha de papel formato A5) ser ainda hoje o formato de revistas mais

associado com a HQ.

Já a Graphic novel é um termo para um formato de revista em

quadrinhos que geralmente trazem enredos longos e complexos,

frequentemente direcionados ao público adulto. Embora o termo seja alvo de

críticas por conta de sua aplicação ou não a determinadas obras, chama a

atenção o fato de que para ser considerada como tal, a publicação deve ser

dotada de um tratamento gráfico diferenciado, como por exemplo maior número

de páginas, papel de boa qualidade e páginas com dimensões especiais,

maiores que a média das revistas tradicionais.

1 Para evitar redundância e tornar o texto menos cansativo, serão utilizadas as siglas DA, HQ e MC para

designer respectivamente Desenho Animado, História em Quadrinho e Motion Comics.

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As webcomics, também conhecido como online comics, web comics ou

digital comics são histórias em quadrinhos publicadas na internet. Muitas

webcomics são divulgadas e vendidas exclusivamente na rede, enquanto

outras são publicadas em papel mas mantendo um arquivo virtual por razões

comerciais ou artísticas. Com a popularização da internet, o formato webcomic

evoluiu, passando a tratar desde as tradicionais tiras diárias até graphic novels.

Temos também os storyboards, que são ilustrações dispostas em

sequência, com o propósito de prever uma cena animada ou real de um filme.

Um storyboard é essencialmente uma versão em quadrinhos de um roteiro ou

de uma seção específica de um filme, produzido previamente para auxiliar os

diretores e cineastas a visualizar as cenas e encontrar potenciais problemas

antes que eles aconteçam. Produzido em geral de maneira simples, os

storyboards são uma importante ferramenta para a elaboração do

enquadramento das cenas. Existem aqueles produzidos exclusivamente para

propósitos de produção, sem pretensões comerciais e, portanto, sem arte-final.

Por outro lado, é comum que determinadas agências de publicidade de grande

porte solicitem a produção de storyboards com uma notável qualidade de

desenho e boa apresentação, quando o objetivo é convencer um cliente a

aprovar a produção de um comercial. Nestes casos é comum que o tratamento

gráfico deixe-os ainda mais parecidos com as HQs.

As revistas em quadrinhos amadoras recebem o nome de fanzines, e

são em geral feitas de forma artesanal a partir de fotocopiadoras. É uma

alternativa barata àqueles que desejam produzir suas próprias revistas para um

público específico, e conta com estratégias informais de distribuição. Diversos

cartunistas começaram desta maneira antes de passarem para espécies mais

tradicionais de publicação, enquanto outros artistas estabilizados continuam a

produzir fanzines paralelamente à suas carreiras.

Todos esses formatos abrem um leque de opções que facilitam o

contato do leitor com a arte, pois cada uma tem seu estilo e seu meio de

divulgação diferenciados, porém elas usam em sua grande maioria os mesmos

artifícios para serem construídas, que basicamente se constituem de desenhos

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simplificados e a utilização de recursos gráficos para expressão e

complementação de sentido.

Todas elas necessitam de imagens para serem construídas, aquilo que

nós vemos e interpretamos faz a mensagem ter sentido. A interpretação pode

variar de pessoa para pessoa e para isso os autores fazem uso de outro

recurso gráfico importantíssimo nas HQ’s: a combinação entre imagens e

palavras, como aponta Will Eisner: “Na arte seqüencial, as duas funções estão

irrevogavelmente entrelaçadas.” (EISNER, 2001, p.122). Eisner desenvolve seu

argumento falando da importância das experiências do leitor para compreensão

da obra:

A compreensão de uma imagem requer uma comunidade de experiência. Portanto, para que sua mensagem seja compreendida, o artista seqüencial deverá ter uma compreensão da experiência de vida do leitor. É preciso que se desenvolva uma interação, porque o artista está evocando imagens armazenadas nas mentes de ambas as partes. (EISNER, 2001, p.13)

Com isso o autor mostra que é necessário que autor e leitor

compartilhem de um mesmo repertório para que as imagens sejam

compreendidas. A escrita é um exemplo disso, as letras não passam de

imagens, mas tanto quem escreve quanto quem lê sabe o que cada letra

significa. O mesmo é feito com as imagens, nós criamos um banco de dados e

a cada imagem nova que se vê, a associação com outra imagem já conhecida

é imediata. Aqui temos a criação de código nas palavras e nos recursos

gráficos dos quadrinhos.

Quando uma narrativa ou diálogo não podem mais ser expressos

apenas visualmente, o autor passa a utilizar as palavras em conjunto com as

imagens e, dessa forma, a mensagem passa a ser mais do que apenas uma

mensagem simples com interesse apenas ao essencial.

“Quando a palavra e imagem se “misturam”, as palavras formam um amálgama com a imagem e já não servem para descrever, mas para fornecer som, diálogos e textos de ligação.”(EISNER, 2001, p.122)

Os balões de diálogo são usados para representar a fala ou

pensamento de certo personagem. E essa representação pode ser feita com o

uso de texto e ocasionalmente com o uso de imagens. A onomatopéia é um

recurso semelhante ao usado nos balões, porém ela é usada para expressar

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sons que não vêm apenas dos personagens em si, e sim de barulhos como

portas batendo, telefones tocando, socos e pontapés. Como o texto é aplicado

às ilustrações, os balões, a tipografia e as onomatopéias acabam se tornando

parte da estética dos quadrinhos também. São complementares e

complexificam o sentido.

Pode-se dizer que os recursos gráficos que são utilizados para criar uma

história em quadrinhos são variados. O uso das cores é importante, pois cada

uma pode nos remeter a uma idéia diferente. Há um conjunto de recursos

gráficos e esses se juntam ao uso de cores, tipo de papel, quadrinização e

diagramação das páginas que também vai produzir efeito de sentido criando

assim uma estética própria dos quadrinhos, fruto da sua linguagem.

O uso das cores na HQ acompanha o desenvolvimento da produção

gráfica. A princípio vista ocasionalmente nas tirinhas de jornal com uma

qualidade mediana, a cor se tornou frequente, sobretudo nos quadrinhos

americanos, quando as revistas começaram a se difundir. No começo, elas

eram chapadas e não havia um grande número de opções, o que fazia de seu

uso um mero enfeite para a arte. Conforme a qualidade das técnicas de

reprodução foi melhorando, as cores se tornaram mais variadas e abundantes

nas revistas, e a partir do início dos anos 90 se viu uma profusão de títulos que

utilizavam colorização digital, o que permitiu a um maior número de títulos

utilizar efeitos de luz e sombra diretamente na cor através de recursos como o

degradê.

A despeito de sua qualidade ou disponibilidade técnica, a cor é para os

quadrinhos o mesmo que é para o cinema, a fotografia e as artes plásticas: um

signo por si só. Seus significados simbólicos e culturais são capazes de

produzir sentido independentemente e podem complementar as narrativas

visuais. Na HQ, as cores podem representar o estado de espírito de um

personagem, a época em que a história se passa ou a situação em que os

personagens se encontram. Em alguns casos ela merece atenção especial,

como em Sin City, de Frank Miller. Nesta série há pouquíssimos elementos

coloridos em meio a uma arte predominantemente monocromática. O resultado

é uma atenção especial ao elemento colorido. A cor vermelha, por exemplo,

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14

transmitirá em Sin City uma importante ideia de luxúria ou violência, que não

passará despercebida já que todas as demais cores são eliminadas do

desenho, exceto pelo preto e pelo branco, conforme demonstra a figura 1.

Claro que não é um efeito exclusivo da obra de Miller, mas trata-se de um bom

exemplo de como as cores são capazes de transmitir nas narrativas gráficas

uma informação complementar importante, sendo signos por si próprias e

enfatizando determinados sentidos que são extremamente relevantes no

contexto narrativo.

Figura 1: capa de uma edição americana de Sin City. A presença de uma única cor reforça o

impacto da ilustração.

Fonte: MILLER, 1994

Quanto ao comportamento das personagens, a estética dos quadrinhos

nos apresenta uma representação gráfica baseada na compreensão da

linguagem corporal, tal como no teatro e no cinema também acontece. Através

da representação dos gestos (muitas vezes exagerada para reforçar o sentido)

a HQ consegue transmitir os sentimentos. Conforme comenta Eisner:

O corpo humano, a estetização da sua forma, a codificação dos seus gestos de origem emocional e das suas posturas expressivas são acumulados e armazenados na memória, formando um vocabulário

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não verbal de gestos. Ao contrário do requadro nas histórias em quadrinhos, as posturas dos seres humanos não fazem parte da tecnologia dessa arte. Elas são mais exatamente um registro “... do movimento expressivo...uma descarga motora que pode ser um veículo do processo expressivo”.

2Elas fazem parte do inventário do

que o artista reteve a partir da observação. (EISNER, 2001, p.100)

A postura do corpo e os gestos têm primazia sobre o texto e o modo

como são usados define e modifica o significado que se deseja para as

palavras empregadas no texto. Por isso a maneira como os personagens se

sentam, andam, gesticulam, falam, riem e choram é de grande importância e

podem complementar aquilo que é transmitido através do texto. Uma

gargalhada, por exemplo, será representada por um “Ha-ha-ha” no balão, mas

caberá ao traço nos dizer se ela é sincera, irônica, maléfica ou inocente.

Para a história em quadrinhos construir uma lógica, ela precisa

funcionar de maneira que o leitor não se sinta perdido em um mundo de ideias

soltas, ele precisa de um suporte que o diga qual é o melhor caminho a ser

tomado e o enquadramento é a melhor ferramenta para tal. A maneira como os

quadrinhos são dispostos na página faz com que a ação se desenvolva,

criando uma dinâmica que cativa o leitor. Montando uma história com um

enquadramento interessante e ao mesmo tempo funcional, de um jeito que o

leitor tenha facilidade em ler, o criador tem total controle sobre a sua leitura,

pois assim como os filmes hoje funcionam, quadro após quadro, a HQ tende

seguir o mesmo exemplo e obtendo essa organização elas conseguem adquirir

linearidade.

Dada a complexidade do código da HQ é necessário ter em mente que

para ler determinadas obras será necessário possuir um repertório

considerável, com um conhecimento prévio a respeito da lógica da disposição

dos quadros nas páginas, a ordem e o significado específico de cada um dos

balões e o significado de cada signo visual, como por exemplo, as linhas de

movimento.

2 Hans Prinzhorn, Artistry of the Mentally III, a contribution to the psychology of

configuration(springer Verlag,1972

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2.2 A linguagem dos Quadrinhos

A linguagem dos quadrinhos evoluiu muito desde seu surgimento.

Enquanto as primeiras tirinhas se limitavam a uma pequena seqüência de

ilustrações, os Comic Books de hoje apresentam recursos complexos que vão

além dos visuais, permitindo ao leitor uma imersão completa em uma cena. e

acordo com átima erreira de Oliveira (2008), a linguagem da (HQ) tem como

principais ferramentas: enquadramento, o tipo de linguagem visual utilizada e o

balão, além da onomatopéia - ferramenta sonora amplamente utilizada.

Os enquadramentos dos quadrinhos se assemelham aos do cinema.

Indicam a maneira como um quadro se apresenta ao leitor. São eles: plano

geral, plano total, plano médio, plano americano e close-up. Cada um destes

planos possibilita um diálogo diferente entre o quadrinho e o leitor. O close-up,

por exemplo permite uma intensificação do contato do espectador com a

personagem, enquanto o plano médio, por possibilitar uma clareza maior nos

traços fisionômicos das personagens, é bastante utilizado em cenas de

diálogos.

Segundo Fátima Ferreira, a linguagem visual (icônica) pode dividida em

três vertentes principais, ilustradas pela figura 2:

Realista: quando as personagens são apresentadas com feições

próximas às humanas.

Caricatural: as personagens tem as feições exageradas

Estilizada: Um traço intermediário entre o Caricatural e o Realista.

Figura 2: foto, desenhos realista, estilizado e caricatural baseados na foto, respectivamente.

Fonte: McCloud, 1995

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O Balão é um recurso gráfico extremamente expressivo e relevante na

narrativa quadrinizada. Ele se apresenta em vários formatos, cada qual

fazendo referência a alguma forma expressiva.

Uma das principais características criativas dos quadrinhos, o balão – de formato ligeiramente circular, retangular, etc., cujo interior encerra diálogos, idéias, pensamentos ou ruídos. (CIRNE 1970, p.15)

O balão foi utilizado pela primeira vez da maneira como conhecemos

hoje por Richard Felton Outcaut, nos EUA, nas hist rias do Yellow Kid (1896).

Seu surgimento possibilitou quadrinhos mais complexos ao passo que os

personagens podiam dialogar e se expressar através dele. Com o tempo foram

surgindo diversos tipos de balão, capazes de revelar ao leitor a maneira que o

diálogo, seja ele entre personagens ou puramente reflexivo, era estabelecido.

Robert ena oun (1968) registra 72 esp cies de balões entre: censurado,

personalizado, mudo, atômico, sonolento, glacial, agressivo, onomatopaico,

pop, tradutor, interrogativo, infantil, exibicionista, est ril etc.

Os balões possuem algumas especificidades que valem ser destacadas:

são a intersecção entre imagem e palavra, transmitem também um código auditivo, indica qual personagem está falando/pensando, ou onde o som tem origem. Eles também são indicadores da ordem dos falantes. Balões colocados na parte superior esquerda devem ser lidos primeiro. (FERREIRA, 2008, p.1)

A onomatopéia é outro recurso gráfico que traduz ruído e se difere do

balão por retratar sons ambientes, como: portas batendo, tiros de revólver,

tapas, sons de animais, etc. A onomatopéia, junto ao balão, são formas de

visualização espacial do som. São solidificadores da palavra. Nas palavras de

Moacy Cirne:

O ruído, nos quadrinhos, mais do que sonoro, é visual. Isto porque, diante do papel em branco, os desenhistas estão sempre à procura de novas expressões gráficas, e o efeito de um buum ou de um crash – quando relacionado de modo conflitante com a imagem – é, antes de mais nada, plástico. (CIRNE 1970, p. 15)

As vinhetas, ou quadros, são a parte mínima de uma HQ. Cada história

em quadrinhos é dividida em quadros, não necessariamente simétricos, que

compreendem neles os objetos e ações de um instante específico ou de uma

seqüência interligada de instantes. Desta forma, a disposição dos quadros

acaba por controlar a maneira como a história será lida. Com o passar do

Page 18: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

18

tempo autores descobriram nos quadros funcionalidades que iam além de

simplesmente separar ações. Descobriram neles maneiras de expressão que

possibilitavam uma interação mais rica com os leitores. Surgiram códigos como

os do balão: quando o requadro é apresentado com o traçado sinuoso ou

ondulado, é um indicativo de que a situação aconteceu no passado. Quando

tem formato de nuvem, representa o pensamento de algum personagem. A

ausência de qualquer demarcação, indica um espaço ilimitado na situação

apresentada.

As vinhetas, talvez por serem visualmente percebidas como o limite de

cada cena, muitas vezes têm este suposto limite transgredido. É comum

encontrar em revistinhas de super-heróis, personagens propositalmente

representados extrapolando estes limites, como uma forma de ilustrar a

imponência ou perigo.

2.3 Principais Vertentes das Histórias em Quadrinhos

O autor Scott McCloud define os quadrinhos como “imagens pict ricas e

outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir

informações e/ou a produzir uma resposta no espectador” (McCLOU , 1995, p.

9). Dentro desta definição abrangente podem ser incluídas formas de arte e

expressão tão diversas quanto as instruções de segurança de um avião

comercial, que contêm imagens em sequência dos procedimentos de

emergência, e os vitrais de uma igreja contendo cenas sucessivas da vida de

Jesus. Mas para chegar a ela, o próprio autor destaca a importância da

separação entre forma e conteúdo, dizendo que “o truque nunca confundir a

mensagem com o mensageiro.” (McCLOU , 1995, p. 6). As principais

vertentes dos quadrinhos podem, portanto, ser classificadas de acordo com

seu conteúdo, com os temas abordados. Em “Narrativas Gráficas”, Will Eisner

utiliza tal classificação, criando as seguintes categorias:

2.3.1 Histórias Instrutivas

Se enquadram aqui as histórias que possuem a finalidade de ensinar um

processo, pois como observa Eisner

Page 19: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

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é mais fácil ensinar um processo quando ele está envolto em uma

“embalagem” interessante... Uma hist ria, por exemplo. Quando

demonstraram a capacidade de organizar elementos técnicos numa

ordem disciplinada, os quadrinhos encontraram uma clientela pronta.

(EISNER, 1996, p. 28)

2.3.2 Histórias do Tipo Como-Fazer

Nesta categoria pode ser incluída qualquer forma de arte sequencial cujo

objetivo seja demonstrar o funcionamento de um processo ou procedimento

específico. Um manual de instruções em que os passos de uma dada operação

são expostos através de imagens sequenciais, como as instruções de

emergência dos aviões, são um exemplo deste gênero. Segundo Eisner,

“Hist rias com o objetivo de ensinar alguma coisa são geralmente estruturadas

para se concentrar no processo. As habilidades são aprendidas através da

imitação” (EISNER, 1996, p. 29)

2.3.3 Histórias Sem Trama

Will Eisner usa esta categoria para incluir quadrinhos em que a narrativa

é um elemento simples e secundário, sendo o layout, os efeitos visuais e as

características estilísticas os verdadeiros protagonistas. Segundo ele,

quando o layout high-tech e a pirotecnia visual dominam uma história

em quadrinhos, o resultado é quase sempre um enredo muito

simples.(...) A arte torna-se a história, como numa tapeçaria.

(EISNER, 1996, p. 30).

Neste tipo de estória, os enredos em geral revolvem em torno de um

único problema central, como as perseguições ou atos de vingança, sendo

qualquer nível maior de complexidade desnecessário ou até mesmo

indesejável.

2.3.4 História Ilustrada

Enquadram-se aqui a maior parte dos chamados livros ilustrados. Eisner

observa que

Nesta forma de narrativa gráfica, o escritor e o artista preservam sua

soberania porque a história vem do texto e é embelezada pela arte. O

ritmo vagaroso desse tipo de narrativa gráfica dá ao leitor mais tempo

para observar melhor a arte. (EISNER, 1996, p. 31)

Page 20: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

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2.3.5 História Simbolista

Neste tipo de estória, os personagens e elementos gráficos são

simbólicos, servindo para representar ideias cuja relevância se sobrepõe à da

trama específica, que serve apenas para representar o conceito abstrato que

se procura transmitir. Por exemplo, um homem velho que supera doenças e a

reprovação de seus semelhantes para ir votar pode ser usado como símbolo da

luta de um povo pela democracia.

2.3.6 História de Um Trecho-Da-Vida

Este grupo abrange histórias biográficas, reais ou fictícias, como Eisner

explica:

Uma história de um pedaço-da-vida geralmente extrai um segmento interessante de uma experiência humana e o examina.(...) O narrador seleciona um evento de interesse que pode ser contado sozinho. O escritor conta com uma experiência de vida ou a imaginação do leitor para dar impacto à história. (Eisner, 1996, p. 40)

2.3.7 História de Vida

Este gênero narra um evento revelador, a partir do qual várias deduções

podem ser feitas acerca do protagonista. Sua atitude ao longo deste evento

pode revelar seus traços físicos e psicológicos, enquanto flashbacks, por

exemplo, podem ser usados para expor momentos chave de sua vida que o

levaram até aquele momento.

2.3.8 Estética dos Quadrinhos

As diferenças estéticas entre os vários meios de expressão da arte

sequencial são óbvias e decorrentes de cada meio. Tendo em vista o vasto

número de meios possíveis, não caberia aqui a análise de cada um deles.

Considerando-se uma definição mais restrita das histórias em quadrinhos que

limite-se ao meio impresso - especificamente as revistas em quadrinhos -

podem ser identificados alguns gêneros estéticos relevantes. McCloud (1995)

sugere três vertentes principais das revistas em quadrinhos, divididas

geograficamente entre Estados Unidos, Europa e Japão e, estilisticamente, por

características que lhes são particulares. Um aspecto abordado é o nível de

abstração ou realismo presente nos traços de cada estilo. Segundo ele, os

Page 21: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

21

quadrinhos europeus tendem a combinar cenários mais realistas com

personagens de linhas simples (figura 3):

Em alguns quadrinhos, essa separação é bem mais pronunciada. O estilo Tintin de linhas simples combina personagens muito icônicos com cenários extremamente realistas.

Essa combinação permite que os leitores se disfarcem num personagem e entrem num mundo sensorialmente estimulante.

(...) Na Europa, o efeito pode ser encontrado em muitos quadrinhos, de Asterix a trabalhos de Jacques Tardi. (McCLOUD, 1995, p. 42, 43)

Figura: é possível notar a disparidade entre a simplicidade da personagem e os cenários.

Fonte: McCLOUD, 1995

McCloud percebe que “nos quadrinhos americanos, esse efeito usado

com muito menos freqüência” (McCLOU , 1995, p.43). Neles, a exemplo

daqueles produzidos por empresas como Marvel e DC Comics, há uma

tendência ao realismo tanto nos personagens quanto nos cenários, o que é

particularmente evidente nos quadrinhos que têm como tema os super-heróis e

a ficção científica. Apesar disso, vale ressaltar que “quando fazem o rosto e a

figura, quase todos os desenhistas de quadrinhos usam uma pequena dose de

cartum. Até os desenhos mais realistas...estão longe do foto-realismo.”

(McCLOUD, 1995, p. 42) . Isto implica no fato de mesmo os desenhistas

dotados de um estilo mais próximo do realismo fotográfico fazerem uso de

distorções, seja de expressões faciais, de movimentos ou de perspectiva, como

a intenção de aumentar a expressividade de suas obras.

Segundo o autor, na vertente japonesa ocorre a hibridação do realismo,

usado para objetificar certos elementos da cena ou personagens, com traços

icônicos, destinados a produzir o efeito oposto além de uma certa familiaridade

Page 22: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

22

e identificação (figura 4). Como ele mesmo diz, “...os quadrinhos japoneses

têm uma longa e rica hist ria de personagens icônicos.” (McCLOU , 1995, p.

43). Ele argumenta:

Como em décadas recentes, os fãs japoneses também desenvolveram um gosto pela arte foto-realista...os estilos híbridos resultantes mostraram uma tremenda variação icônica, com personagens muito cartunizados e fundos quase fotográficos. Mas os desenhistas japoneses deram um passo a mais. Logo, alguns viram que o poder objetificante da arte realista podia ter outros usos. Por exemplo, enquanto a maioria dos personagens era desenhada com simplicidade, pra melhor identificação do leitor...outros eram feitos de forma mais realista, pra serem objetificados, enfatizando sua “infamiliaridade” pro leitor. (McCLOUD, 1995, p. 43, 44)

Da mesma forma um objeto, como uma espada no exemplo usado pelo

autor, pode ser, em um quadro, retratada de forma icônica, por ser uma

extensão da identidade de um personagem que a empunhe e, no seguinte,

aparecer de forma realista, “não s para mostrar os detalhes, mas pra gente se

conscientizar dela como objeto, uma coisa com peso, textura e complexidade

física.” (McCLOU , 1995, p. 44)

Figura 4: a personagem é retratada de forma icônica enquanto os demais elementos da cena

recebem tratamento realista.

Fonte: McCLOUD, 1995

Outra característica estudada é o tipo predominante de transição entre

quadros. Nas HQs ocidentais há uma maciça predominância do tipo

identificado por McCloud como de ação-pra-ação, ou seja, “transições que

apresentam um único tema em progressão distinta de ação-pra-ação.”

(McCLOUD, 1995, p. 70) Tal predominância é comum às vertentes americana e

Page 23: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

23

européia, embora seja mais acentuada na primeira. Há também forte presença

de outros dois tipos de transição. Ainda segundo McCloud, o primeiro é o que

nos leva de tema-pra-tema, permanecendo dentro de uma cena ou ideia” (...) e o outro o das transições “cena-a-cena, que nos levam através de distâncias significativas de tempo e espaço. (McCLOUD, 1995, p.71).

No Japão estas proporções se alteram de forma significativa. Há uma

ocorrência maior do tipo tema-pra-tema e também do momento-a-momento,

que retrata as etapas sucessivas de uma única ação e, portanto, exige muito

pouco esforço de dedução. Há tamb m a presença maciça do “aspecto-pra-

aspecto, (que) supera o tempo em grande parte e estabelece um olho

migratório sobre diferentes aspectos de um lugar, ideia ou atmosfera.”

(McCLOUD, 1995, p. 72), usada para levar o leitor a “compor um único

momento usando fragmentos dispersos” (McCLOU , 1995, p. 79). Os dois

últimos tipos são quase inexistentes nos quadrinhos ocidentais. O autor atribui

tal diferença a dois fatores principais:

O tamanho pode ser um dos fatores responsáveis. Os quadrinhos japoneses são publicados como livros de antologia, onde a pressão sobre qualquer um dos capítulos pra mostrar muita coisa não é tão grande.

(...) Com isso é possível dedicar muitos quadros pra mostrar um lento movimento cinematográfico ou estabelecer um clima.

(...) A arte e a literatura do ocidente não divagam muito. Nós temos uma cultura muito orientada pelo objetivo.

Já o oriente, tem uma tradição de obras de arte cíclicas e labirínticas.

Os quadrinhos japoneses parecem herdar essa tradição, enfatizando mais o estar lá do que o chegar lá.” (McCLOU , 1995, p. 80, 81)

McCloud também aponta o uso de quadros sangrados para dar a uma

cena o aspecto da atemporalidade, como um recurso de origem japonesa

apenas recentemente adotado no Ocidente.

O uso de figuras expressionistas para representar emoções ou estados

mentais, por sua vez, é mais característico dos quadrinhos europeus e

japoneses, como diz McCloud:

esse princípio é evidente em muitos quadrinhos europeus e em quadrinhos românticos japoneses, onde foram criados efeitos expressionistas pra quase qualquer emoção imaginável! (1995, p. 133) .

Page 24: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

24

A arte expressionista tem como principal característica a ênfase no

turbilhão emocional interno do artista e a transmissão destes sentimentos e

estados mentais através das imagens. Seu traço mais perceptível é:

A deformação das imagens visuais. Pelo teor violento e explosivo da emoção, o pintor expressionista sente-se coagido pela verdade visual das formas e cores. Torna-se sistemático deformador das imagens visuais, para traduzir, espontânea e diretamente, os seus sentimentos (Enciclopédia Delta Larrousse: 1970, p. 2640)

A relação mais clara deste estilo com as HQs é o uso da imagem para

transmitir emoções e, num sentido mais amplo, representar num meio

exclusivamente visual aquilo que não pode ser visto com os olhos. No caso dos

quadrinhos, este efeito pode ser atingido através de inúmeros mecanismos

além das expressões faciais dos personagens. Um deles são as figuras de

natureza simbólica, como linhas onduladas para um odor forte, caso em que

um mecanismo visual supre a ausência de outro sentido, o olfato. Da mesma

maneira, uma gota de suor na testa pode representar uma emoção, o

nervosismo. E segundo McCloud:

os fundos podem ser outra ferramenta valiosa para indicar idéias invisíveis...sobretudo, o mundo das emoções.

Mesmo quando há pouca ou nenhuma distorção de personagens numa cena, um fundo distorcido ou expressionista pode afetar nossa “leitura” dos estados interiores do personagem. (McCLOUD, 1995, p. 132)

O uso das chamadas linhas de movimento é um exemplo de

expressionismo nos quadrinhos que merece destaque e que também serve

para diferenciar suas principais vertentes. Segundo McCLOUD, elas se

encontram “em algum lugar entre o movimento dinâmico dos futuristas e o

conceito de movimento de Duchamp... (McCLOUD: 1995, p. 110), ou seja,

entre a decomposição do movimento em etapas e sua abstração total na forma

de, por exemplo, uma única linha reta. Segundo o autor

Devido à habilidade deles em representar ação com drama, as linhas de movimento destacadas se tornaram uma especialidade americana.

Nesta abordagem, tanto o objeto em movimento quanto os cenários são desenhados num estilo claro, e o caminho do movimento é imposto sobre a cena. (McCLOUD, 1995, p. 112)

Já na Europa, as linhas de movimento são, historicamente, pouco

utilizadas. No Japão, por outro lado, elas são empregadas de maneira distinta.

Page 25: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

25

Em uma fotografia em que o obturador é lento demais para congelar a imagem,

objetos que se movem em relação à câmera ficam borrados. Mas se a câmera

acompanha o objeto, é o fundo que fica desfocado. Este conceito deu origem à

técnica que McCloud chama de Movimento Subjetivo (figura 5).

Figura 5: Linhas de movimento e movimento subjetivo na HQ Scott Pilgrim Vs The World

onte: O’MALLEY, 2006

Adotada inicialmente no Japão e popularizada em outras regiões do

mundo posteriormente, ela mostra a ação do ponto de vista do objeto que se

move, aplicando as linhas ao cenário. Segundo o autor, a id ia que “se a

observação de um objeto em movimento é envolvente, ser esse objeto deve

ser mais ainda.” (McCLOU : 1995, p. 114)

O uso da cor também distingue as principais vertentes de quadrinhos.

Nos Estados Unidos, limitações técnicas levaram à predominância das cores

primárias e planas, o que é evidenciado pelo colorido dos uniformes dos super-

heróis. Na Europa, onde técnicas de impressão superiores eram utilizadas,

vários artistas “...como Claveloux, Caza e Moebius, viram nessa impressão

superior uma oportunidade de se expressarem através de uma paleta subjetiva

mais intensa.” (McCLOU , Scott: 1995, p. 190) enquanto outros, como Herg ,

Page 26: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

26

utilizavam as cores planas devido a uma opção estilística. Já no Japão a

impressão monocromática, compatível com a maior extensão das revistas, é

predominante.

2.3.9 Mangá

Apesar da grande diferenciação que hoje toma o mangás dos comics,

eles provêm de um passado comum e certas características dos mangás

precisam ser estudadas e bem detalhadas para podemos compreender este

grande fenômeno. Independente de estilos, os mangás devem ser vistos como

uma forma de quadrinho em si exclusivo dos japoneses, como de acordo com a

autora Helen McCarthy

Manga é a palavra japonesa para quadrinhos e apenas quadrinhos japoneses devem ser chamados Manga. [...] Um trabalho de arte não é limitado pela cultura ou época que o produz; mas é enraizado nessa cultura ou época. [...] Se existe algum motivo para distinguir algum motivo para distinguir quadrinhos japoneses dos quadrinhos de outras nações por utilizar um termo japonês, manga,então esse termo deve ser somente usado para quadrinhos japoneses. (McCARTHY, 2006, p.7)

Sendo assim, como um quadrinho específico de uma região

culturalmente bem diferente da nossa, os recursos lingüísticos usados no

mangá tem certas peculiaridades próprias. Começando pelo alfabeto que

podemos dividir em:

• Hiragana e Katakana: Os dois alfabetos básicos japoneses e os mais

utilizados no mangá. Cada caractere representa uma sílaba, o hiragana é

utilizado para escrever palavras japonesas enquanto katakana é usado para

escrever palavras estrangeiras.

• Kanji: Tamb m conhecidos por ideogramas, são caracteres de origem

chinesa. Eles representam algo em específico (seja um objeto, idéia ou uma

palavra) quando usada em um mangá, para facilitar a leitura já que existe um

número muito elevado de kanji e são raros os japoneses que conhecem a

grande maioria, a forma Kana (hiragana ou katakana) é escrita em cima do

kanji.

Outra grande diferenciação é na própria escrita, que ela pode ser feita

verticalmente ou horizontalmente. Nos mangás é mais comum que ela seja

Page 27: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

27

feita verticalmente, o que muda totalmente o estilo de diagramação das

palavras de dentro do balão. A ordem de leitura Oriental também é

diferenciada, ela é feita da direita para esquerda e de cima para baixo,

conforme a figura 6:

Figura 6: Esquema exemplificando a forma lida em um mangá.

Fonte: dados de pesquisa

A onomatopéia japonesa deve ser vista como algo bem a parte em um

mangá, pois ela possui uma grande influência no mesmo. Além de sons que

fazem na história, ela pode representar um estilo e pode gerar um impacto tão

grande para a história como uma imagem ou mesmo um balão. Sônia Luyten

explica muito bem a importância da onomatopéia no Japão.

A grande diferença entre o estilo (a forma) ocidental de representar os sons e as formas japonesas é que no mangá a onomatopéia está tão integrada na estrutura do quadrinho que lhe dá um especial efeito visual harmônico e estético. (LUYTEN, 2002, p.181)

Eiichiro Oda , o criador de uma das maiores obras no ramo “One Piece”,

revela em uma entrevista que um mangá de fantasia bom é aquele que está

recheado de DON (uma onomatopéia japonesa que significa explosão)

Os balões assim como nas HQ são uma extensão da linguagem corporal

dos personagens, trazendo mais do que simplesmente as suas devidas falas ,

mas carregadas de emoções em si. As mais usadas são o balão normal, balão

de grito, medo, narração , exaltação e pensamento. No entanto com o uso dos

Kanas e ideogramas eles dão um ar mais estético aos balões, o mangaká

muitas vezes estiliza de acordo com o sentimento do seu personagem. Sendo

assim podemos ver diferenciações de dois sentimentos mesmo utilizando o

mesmo tipo de balão. O pensamento também pode ser visto a parte, já que na

Page 28: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

28

maior parte do tempo os japoneses não o usam em um balão, mas sim no meio

da imagem para mostrar uma forma de devaneio.

Constatamos que a própria história da escrita japonesa tem essa tradição da abstração de traços de figuras reais, isto é, signos que representam e expressam visualmente a idéia das palavras, diferente da escrita alfabética, que não transmite sensorialmente nenhum sentido. (LUYTEN, 2001, p.32.)

Como já vimos, o estilo japonês é muito voltado para a imagem, não é

de costume muita narração a não ser que seja algo muito necessário. Até em

mudanças de cenários, quando já acostumados, mal se aparece o nome e sim

uma imagem do lugar. Um recurso muito utilizado apenas em imagem é o

flashback, neste recurso não se tem nenhuma narração que se voltou ao

passado, no entanto a parte de fora dos quadros fica preta ao invés de branca,

sinalizando a mudança temporal. A alteração das calhas (espaço entre os

requadros) e do próprio contorno dos requadros pode ser utilizada como indício

de que o que está sendo mostrado não se trata do tempo presente. Não é um

recurso exclusivo dos mangás, mas destaca-se neles por conta de sua já

mencionada omissão de narrações e informações textuais que indiquem a

transição.

Um recurso interessante de ser notado também é a falta de cores em

mangás, principalmente nas suas versões finais para a vendagem. Com isso

podemos ver que a estética no mangá é mais dedicada à forma e o traço. Isto

certamente influi sobre a escolha de técnicas de luz e sombra adotadas pelos

artistas. É muito comum entre os mangás a arte-final hachurada, que se

combina às reticulas (texturas desenhadas em preto e branco) para compensar

a ausência das cores e representar diferenças entre objetos e distâncias, além

de ajudar na composição das páginas. O papel utilizado em mangás também

chama a atenção por ser em geral de má qualidade devido aos modelos

editoriais japoneses. Nestes papéis seria praticamente impensável a utilização

de cores.

O tempo em mangá é, talvez, a característica mais diferenciada em

relação ao quadrinho ocidental. Na maioria dos mangás o tempo é fechado, os

personagens crescem se desenvolvem e suas histórias terminam. Diferente do

que acontece com a Marvel e a DC, onde diversos autores podem escrever

Page 29: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

29

sobre um personagem, criando mundos totalmente diferentes para eles. Outra

característica muito marcada pelo tempo nos mangás é a velocidade no

mesmo. Linhas paralelas no decorrer dos mangás, causando um aumento de

velocidade, sendo comparado com o aspecto de transição de quadro de

McCloud do “momento-a-momento”, e em outras páginas grandes cenas

detalhadas pedaço por pedaço caracterizam esta disfunção temporal, sendo

usado tamb m a transição “aspecto-pra-aspecto”. Com isto, os mangás

possuem muitas vezes uma narrativa mais lenta que a dos quadrinhos

americanos e europeus.

A metáfora é um recurso muito utilizado nos mangás, ganhando certas

caracterizações próprias. A imagem em si, por muitas vezes, não consegue

expor todo o ideal e sentimento dos personagens ou da situação e por isto

estes recursos são utilizados para auxiliar no entendimento das cenas, tendo

um certo tipo de mensagem icônica nos quadrinhos como podemos ver por

Roland Barthes.

Não existe uma natureza da cópia pictórica, e os códigos de transposição são históricos (sobretudo no que tange a perspectiva); em seguida a operação de desenhar (a codificação) obriga imediatamente a uma certa divisão entre significante e o insignificante: o desenho não reproduz tudo, freqüentemente reproduz muito pouca coisa (...) Já não é a relação entre uma natureza e uma cultura (como no caso da fotografia), é a relação entre duas culturas: a “moral” do desenho não a amoral da fotografia. (BARTHES, 1990, p.35)

Nos quadrinhos em geral temos estes recursos como estrelas na cabeça

quando um personagem se machuca ou uma lâmpada quando se tem uma

ideia. Os mangás também utilizam esses recursos, no entanto, têm alguns

pr prios como uma esp cie de “gota gigante” ao lado da cabeça do

personagem, exemplificando uma situação constrangedora que este

personagem ridiculariza a situação ou também quando o sangue escorre de

seu nariz, significando que este está excitado com algo que viu (normalmente

usado por homens, mas também pode aparecer em mulheres) ou o cair no

chão quando algo inesperado acontece.

Por fim, os últimos recursos de linguagem e pode se dizer os mais

importantes são os próprios traços característicos do mangá. Olhos grandes

para simbolizar mais as expressões, cabelos bastante espetados das mais

Page 30: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

30

diferentes cores, fogem um pouco do traço realístico o tornando mais icônico.

No entanto os cenários normalmente são mais reais e muitas vezes fotográfico,

tornando assim um estilo “híbrido” falado por McCLOU anteriormente.

2.3.10 Principais Gêneros

Embora os quadrinhos se adequem a uma variedade de gêneros, pode

ser observada neles a predominância de certos temas. Tais padrões variaram

muito ao longo da história, sendo que os tipos de histórias mais comuns

atualmente em muito diferem daqueles mais presentes nas origens desta

mídia. Estas podem ser traçadas até as charges humorísticas americanas do

final do século 19, que buscavam abordar assuntos familiares ao seu público

alvo, especialmente os imigrantes europeus. Seus principais objetivos eram

ampliar a venda dos jornais e promover a inserção destes estrangeiros na

sociedade dos Estados Unidos. Segundo Waldomiro Vergueiro:

Eram baratas. Eram fáceis de compreender. Eram atrativas ao leitor com pouco conhecimento do idioma inglês. E, além de funcionarem muito bem em todos esses quesitos, atingiam em cheio o seu público e contribuíam para uniformizar as diversas etnias em torno de uma maneira única de encarar o mundo. (VERGUEIRO, 2001)

Da diversificação destas charges surgiram outros gêneros temáticos

dignos de menção. Um deles são as Kids Strips, caracterizadas por ter como

protagonistas personagens infantis, em geral garotos. Estas permitiam a seus

autores abordar temas sociopolíticos controversos de forma inocente, sem ter

de lidar com a tensão que o uso de personagens adultos traria. Assumindo o

papel de contestadores da ordem estabelecida, as crianças tendem, nestes

quadrinhos, a infernizar, seja de forma intencional ou acidental, os adultos.

Outra vertente significativa são as Animal Strips, que têm como

personagens centrais animais antropomorfizados. Estas, segundo Vergueiro,

...são descendentes diretas das fábulas e histórias infantis cultivadas durante séculos pelas mais diferentes civilizações. Por meio dos animais, os homens buscaram representar sentimentos e motivações humanos e torná-los mais assimiláveis aos leitores, uma atividade que normalmente tinha evidentes funções didáticas e educacionais. (VERGUEIRO, 2001)

As Animal Strips possuem também forte relação com o cinema, visto que

inúmeros personagens são comuns aos desenhos animados e aos quadrinhos.

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31

Exemplos disso são personagens como Mickey Mouse, Pato Donald,

Pernalonga, Felix the Cat e Tom e Jerry.

Embora seja predominantemente voltado para o público infantil, assim

como as Kids Strips, este gênero foi também empregado com sucesso para

abordar temas adultos, como em “Maus”, de Art Spiegelman, que representa os

horrores do nazismo através de animais antropomórficos.

Também recorrentes entre os quadrinhos de jornais eram as Family

Strips, que enfocavam o ambiente familiar e especialmente o modo de vida e o

cotidiano norte-americanos. Consequentemente, desfrutavam de boa aceitação

popular, visto que

...traziam um ambiente com o qual todos os leitores se identificavam

e não causavam, em princípio, reações contrárias (como poderia acontecer, por exemplo, com histórias que representassem graficamente as minorias ou reproduzissem estereótipos raciais).(VERGUEIRO, 2001)

Uma variante deste gênero são as Girl Strips, que:

...em geral narram as tribulações de jovens casadoiras em luta pela sobrevivência material, enquanto esperam pelo aparecimento de seu príncipe encantado. (VERGUEIRO, 2001)

Estas, surgidas na década de 1920 em resposta ao processo de

emancipação feminina, tinham protagonistas de atitudes liberais e

questionavam os valores conservadores da época. Mais tarde, nas décadas de

60 e 70, passaram também a manifestar as exigências do movimento feminista.

Suas personagens, segundo o autor,

Ainda que transpostas aos quadrinhos como objetos sexuais, personificavam as exigências do mundo feminino, que, em nível mundial, cobrava o direito de se manifestar e decidir sobre sua própria vida, incluindo o uso de seus próprios corpos – no que se incluía o direito ao aborto e a livre manifestação de sua sexualidade. (VERGUEIRO, 2001)

O gênero de Aventura, por sua vez, é o primeiro a se desvincular das

origens humorísticas dos quadrinhos e a adotar um estilo de desenho mais

próximo do realismo, além de uma continuidade narrativa que, em geral, não é

encontrada nos quadrinhos de jornal. As histórias, neste caso, podem ser

identificadas por certos elementos recorrentes, como os cenários pitorescos ou

o conflito entre um herói e um vilão como ponto central da trama. Dentro desta

Page 32: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

32

vertente pode ser incluída a ficção científica ou especulativa. Esta é em geral

ambientada no espaço e em outros ambientes futuristas. Ela tende a

concentrar-se na representação dos medos e esperanças de uma geração em

relação ao seu futuro, especialmente às consequências do desenvolvimento

tecnológico humano e da possibilidade da existência de vida extraterrestre. As

histórias policiais são também um forte sub-gênero e descendente dos

quadrinhos de aventuras, tendo como alguns de seus principais exemplos os

quadrinhos do detetive Dick Tracy, criado na década de 1930 por Chester

Gould, e The Spirit, de Will Eisner.

Mas o tema mais fortemente vinculado à mídia dos quadrinhos são os

super-heróis, que unem elementos de vários dos sub-gêneros já mencionados,

como a ficção científica e as histórias de detetive, para criar o que Vergueiro

chama de “...gênero mais característico com que a linguagem quadrinhística

brindou a sociedade contemporânea...” (VERGUEIRO, 2001). Tendo se

desenvolvido ao longo do século XX, estas narrativas tem no personagem

Super-Homem um pioneiro, sendo que foi graças ao sucesso desta

personagem que diversos derivados foram produzidos e lançados por inúmeras

editoras de quadrinhos. As principais editoras americanas são especializadas

justamente em super-heróis, o que faz deste gênero o mais comercialmente

bem-sucedido na história dos quadrinhos ocidentais. Suas características

estéticas são baseadas no impressionismo e no expressionismo, sendo que o

traço cartunesco em geral não é utilizado. Isto se deve ao fato de que muitas

vezes as histórias possuem uma forte carga dramática, o que deixa pouco

espaço para o humor. Tipicamente, tratam-se de histórias de realismo

fantástico, onde eventos extraordinários ocorrem num mundo mais ou menos

pacato, parecido com a sociedade contemporânea na qual as histórias são

produzidas. Temas como magia e ficção-científica servem como suspensão de

descrença para que o leitor acredite que as capacidades especiais das

personagens são viáveis. Em geral dirigidas ao público adolescente masculino,

as histórias de super-heróis guardam diversas semelhanças estéticas e

temáticas com gêneros já mencionados como aventura. São também muito

marcadas por clichês que servem como recursos de roteiro, como por exemplo,

identidades secretas e arqui-inimigos. Como o próprio nome já dá a entender,

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33

os super-heróis são movidos por ideais heróicos, muitas vezes relacionados a

um forte código de ética e algumas vezes marcado por posturas moralistas

diretamente relacionadas à questões sociais relevantes no período de suas

produções. Outra característica marcante é a presença de doses nem sempre

moderadas de violência, reforçadas pelo fato de que muitas vezes os poderes

especiais dos super-heróis se relacionam a atributos físicos, como força,

velocidade e agilidade. Esta é inclusive uma crítica freqüente aos quadrinhos

do gênero.

2.4 A influência da linguagem das Histórias em Quadrinhos sobre os Desenho Animados

Para McCloud, o termo chave que traduz as Histórias em Quadrinhos é

Arte Sequencial Visual e ela, de acordo com o autor, é uma definição também

para os desenhos animados, porém ele assim os diferencia:

...a diferença básica é que a animação é seqüencial em tempo, mas

não espacialmente justaposta como nos quadrinhos! Cada quadro de

um filme é projetado no mesmo espaço-a tela. Enquanto nos

quadrinhos eles ocupam espaços diferentes. O espaço é pros

quadrinhos o que o tempo é pro filme. (McCLOUD, 1995, p. 7)

Daí podemos ver que a questão mais relevante na diferenciação de

linguagens está sem dúvida nas limitações da mídia: os quadrinhos expressam

o tempo através do espaço pois não há o controle sobre o tempo gasto pelo

leitor para ler a história. Ainda assim, ambas as artes podem ser enquadradas

neste mesmo grupo da arte seqüencial, pois compartilham uma série de

características.

Os quadrinhos e a animação padecem inclusive de preconceitos

comuns. McCloud já havia observado que histórias em quadrinhos são

encaradas pela sociedade como material infantil enquanto Alberto Lucena

aponta para problemas semelhantes no cenário do cinema de animação. A

relação entre estes preconceitos, pode-se apenas supor, está ligada à

percepção da semelhança entre ambas as artes, suas linguagens e

características estéticas, bem como seus gêneros mais comuns. Em inglês, as

palavras que designam quadrinhos e desenho animado são respectivamente

comics e cartoon, palavras cujo significado está associado à comédia e ao

humor. Daí o fato de tais artes serem consideradas infantis, de acordo com as

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34

ideias de Marcelo Tassara: "tudo indica que nossa sociedade, comandada por

gente grande e muito séria, ainda sofre de uma espécie de adultismo."

(TASSARA apud LUCENA, 2002, p.11). Não podemos ignorar, no entanto, que

a percepção pública destas artes revela algo a seu respeito, isto é, a

percepção da semelhança de linguagens, temas, estilos e possibilidades.

A nítida relação entre desenhos animados e histórias em quadrinhos

não é apenas icônica como também histórica. Carolina Marinho aponta para as

origens dos desenhos animados e sua relação com os cartunistas:

Os primeiros desenhos em animação eram executados por cartunistas que transportavam suas gags dos jornais para as telas. Inaugura-se aí as relações do DA com a HQ. Quer dizer, já em seu nascimento o DA é marcado por uma mesma procedência dos quadrinhos, cuja diferença se faz apenas nos distintos suportes onde cada um se veicula, ou seja, enquanto a HQ tem o papel como base, o DA tem a película.(...) Essa relação era tão estreita que o nome do DA em inglês ficou sendo Cartoon, ou seja, caricatura. (MARINHO,

s/d, p. 11)

Ou seja, no início do DA, as diferenças de linguagem são apontadas por

Marinho como dependendo apenas da diferença entre suportes. Naturalmente,

o desenvolvimento das técnicas de animação conduziu à construção de uma

linguagem específica adequada ao meio audiovisual e suas possibilidades,

mas a princípio o DA nada mais era que a passagem das HQ para a película.

E se é a HQ que antecede o DA, trata-se de uma questão técnica:

ambas tentam representar o movimento, de forma que até as pinturas

rupestres são consideradas por alguns autores como McCloud como ancestrais

da HQ enquanto outros autores como Lucena as vê como ancestrais do

desenho animado. No entanto a complexidade dos aspectos técnicos do DA

fizeram com que seu desenvolvimento só se desse muito recentemente, como

mostra Lucena:

Para o desenho e a pintura, a natureza já oferecia os materiais básicos necessários à produção visual. A animação, entretanto, como ilusão do movimento através da rápida sucessão de imagens, requeria um elevado grau de desenvolvimento científico e técnico para ser viabilizada enquanto arte - o que só vai acontecer no início do século XX. (LUCENA, 2002, p.29)

A linguagem do DA possui elementos em comum tanto com a linguagem

cinematográfica quanto com a HQ. A linguagem animada herdou muitos de

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35

seus elementos estéticos e formas de representação da HQ. Quanto à estética,

a semelhança entre o traço mais utilizado nos quadrinhos e os desenhos

animados é perceptível, como demonstra Marinho:

Essas influências estão presentes na estética, ou seja, é traduzida

fundamentalmente pelos traços dos desenhos, constituindo, nesse

sentido, um estilo muito semelhante entre um e outro. (MARINHO,

s/d, p.38)

Até mesmo os temas recorrentes no início de ambas as mídias são

comuns, como as fábulas com animais antropomorfisados, as charges, os

cartuns e as narrativas de realismo fantástico ou maravilhoso, plenamente de

acordo com as possibilidades que somente o desenho podia oferecer, posto

que outras artes como a literatura, a fotografia e o cinema tradicional não

podiam mostrar, no caso da literatura por não oferecer imagens e no caso das

outras duas por impossibilidade de realizar o que o desenho pode facilmente

sugerir. Esta questão dos temas se observa em inúmeras produções, como

Marinho também observa:

Identificamos essa herança, digamos assim, na construção antropomorfisada dos personagens e em traços simplificados baseados em linhas de contorno, isentos da preocupação com detalhes e sombreamentos. A concepção narrativa de ambos também se assemelha produzindo histórias simplificadas, rápidas e dinâmicas. (MARINHO, s/d, p. 37)

Partindo deste cenário em que ambos possuem comuns possibilidades e

técnicas semelhantes, é possível constatar que a relação entre a linguagem da

animação e a linguagem da HQ conduziu a um cenário semelhante quanto ao

tema das produções e sua estética predominante. Inclusive os signos visuais

próprios das histórias em quadrinhos se viram muitas vezes sendo apropriados

pelo DA.

De maneira redundante, alguns dos signos presentes na HQ

reaparecem no DA para reforçar idéias que o movimento por si só das

animações já deveria bastar para sugerir, por exemplo, o movimento ou o som.

Porém, percebemos a herança dos quadrinhos em diversos DA que optam por

representar o movimento ainda com as linhas que os quadrinhos utilizavam, e

reforçar a importância do som através da aplicação de onomatopéias, muitas

vezes em busca de uma aproximação consciente com a HQ.

Page 36: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

36

Dos quadrinhos, o DA herda o uso de elementos figurativos ou icônicos, retratado na visualização de metáforas como, por exemplo, ver estrelas, estar nas nuvens, etc...O story board ou o roteiro gráfico do DA , nada mais é do que, literalmente, quadrinizar a história, ou seja, as cenas do desenho são detalhadas em quadros sequenciais que é, digamos assim, uma espécie de esboçamento do Quadrinho. (MARINHO, s/d, p. 38)

Isto demonstra que a reprodutibilidade técnica é cada vez melhor ao

passo que os recursos lingüísticos típicos que nasceram das limitações na

reprodução são adotados como distinção de estilo, por opção dos diretores de

arte. Assim a proximidade estética entre DA e HQ hoje não se deve

necessariamente à comum origem dos profissionais, tampouco à limitações

técnicas que influenciem o etilo de ambos, mas à opções ligadas geralmente à

narrativa. De fato, a opção por reaproximar a estética de ambas as mídias pode

se dever a um fator corriqueiro da indústria do entretenimento, que como

observa Blackton (1914), citado por Lucena, se aplica também à animação:

"uma vez que a novidade havia se esgotado, os filmes de efeito tornaram-se

fatalmente monótonos para mentes amadurecidas" (BLACKTON apud

LUCENA, 2002, p.45).

Contudo, é válido ressaltar que a produção de um desenho animado

requer conhecimentos técnicos muito mais avançados que a HQ. A tradicional

animação quadro a quadro requer uma equipe maior e mais coordenada de

desenhistas, divididos em cargos distintos e com enorme responsabilidade, já

que a ilusão de movimento é garantida na animação pela continuidade da arte,

o que por sua vez depende de um grande cuidado e perfeccionismo por parte

da equipe. Isto contribuiu inclusive para que a linguagem do Desenho Animado

se desenvolvesse numa direção diversa da linguagem dos quadrinhos, se

aproximando da linguagem do cinema. Até mesmo a estética do DA, ainda hoje

parecida com a HQ, mudou para se tornar mais viável para a indústria, como

constata Lucena falando sobre o trabalho do famoso animador francês Émile

Cohl: “simplificou o traço para agilizar a execução dos desenhos, mas sem

abdicar da expressividade da linha” (LUCENA, 2002, p.50). Ainda mais

revelador é o que Lucena diz sobre o trabalho de John Randolph Bray, que

procurou aumentar a lucratividade do DA a partir das teorias administrativas de

Frederick W. Taylor, chegando a alguns importantes pontos, como por exemplo

"descartar ou modificar a maneira então vigente de produzir animação com

Page 37: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

37

esforços em detalhes proibitivos” (LUCENA, 2002, p.63). Ou seja, Bray

pretendia aumentar a produtividade através do uso de desenhos mais simples

e animação mais limitada. Com isto, o animador pretendia viabilizar a produção

em larga escala em um momento em que as técnicas de animação ainda eram

muito limitadas e caras (no começo do século XX). Mas ao mesmo tempo em

que passa a se afirmar como arte e desenvolver a própria linguagem, o DA é

forçado a abandonar, por razões técnicas, a complexidade da arte dos

quadrinhos, optando por uma arte menos detalhada ou pelo menos dotada de

detalhes mais simples (como colorização e jogo de luz e sombra).

Para permitir uma estética uniforme nos filmes de animação, as grandes

equipes trabalharam ainda na intenção de imitar ao máximo o traço de um

único artista, limitando com isto as diferenças entre si. Desta forma, o estilo de

desenho torna-se além de tecnicamente mais simples também mais limitado,

pois é necessário que um grande número de pessoas seja capaz de desenhar

de uma só maneira. Isto conduziu ao quase abandono de algumas técnicas

utilizadas na HQ, como o pontilhismo e as sombras hachuradas, que eram

praticamente inviáveis para a animação tradicional quadro-a-quadro. O

desenho animado compartilha de similaridades estéticas com a HQ, é verdade,

mas padece de um moderado empobrecimento estético por conta de sua

complexa produção. Isto se dá para que possa ser alcançado um equilíbrio

entre a expressividade plástica e a cinética. Em geral, um estúdio de animação

não poderá dar maior atenção a um destes aspectos sem que ocorra um

prejuízo do outro. Isto se aplica na maior parte dos casos, ainda que o avanço

das técnicas de animação, sobretudo a animação digital, tenha facilitado muito

a preservação de ambos os aspectos nos desenhos. Mas há os casos em que

é de interesse dos produtores dar maior atenção ao lado estético dos

desenhos, inclusive através do uso de técnicas que dificultem a animação,

como as já citadas técnicas de arte final. É o casos de produções como os

Motion Comics, que sendo desenhos animados que utilizam a estética dos

quadrinhos, sacrificam a fluidez da animação na intenção de preservar ao

máximo os detalhes da arte quadrinizada. A expressão cinética nestes casos

ficará sob a responsabilidade da expressão plástica: o desenho terá de

capturar o momento certo do movimento que se deseja simular, para que o

Page 38: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

38

espectador possa entender, por exemplo, que um personagem pulou, mesmo

que o que ele veja seja um desenho estático se deslocar rigidamente pela tela.

Estes recursos possuem um segundo efeito que pode se assumir que não é do

interesse da maioria dos produtores e que pode ser visto como uma razão pela

qual os grandes estúdios em geral preferem sacrificar a estética em prol da

expressividade cinética: os Motion Comics possuem uma visível artificialidade,

isto é, não se pode acreditar no movimento das personagens, o que pode

afastar ou reduzir o efeito catártico.

2.5 Animação Digital

2.5.1 Concepção

A década de 80 marcou uma corrida dos setores público e privado

estadunidense atrás de novas tecnologias que tinham sido possibilitadas com a

popularização do computador pessoal, da internet, e a criação de novos

softwares que poderiam ajudar os animadores a automatizar o processo

produtivo.

No bojo desses descobrimentos, surgiram projetos destinados a

estabelecer uma interface homem/máquina baseada na interação

visual; uma interface que fosse “amigável” ao usuário e que o

capacitasse a interagir com a máquina, sem que para isso fosse

preciso operar a linguagem dos uns (1) e zeros (0). (CRUZ, 2006, p.

47)

Segundo Lucena (2005), depois da chegada da interface gráfica, criada

em um laboratório da Xerox, no final dos anos 70, quando a computação

gráfica ainda estava em sua fase experimental, uma parcela de cientistas,

programadores e teóricos acharam que poderiam fazer do computador um

instrumento de arte, por ser puramente matemática e racional. Tal teoria era

frágil e não foi adiante, mas abriu um debate na mídia o que culminou também

para na década seguinte uma profusão exagerada de computer art que dava a

entender que qualquer um com o software necessário poderia ser um artista.

(...) a computação gráfica era interesse do governo dos Estados

Unidos devido à funcionalidade militar que ela poderia assumir.Isso

fez com que o governo norte-americano financiasse maciçamente

alguns centros de pesquisa universitários. Contudo, a iniciativa

privada também estava atenta ao sucesso que a tecnologia fazia

perante o público - sobretudo no sentido publicitário -, o que fez com

Page 39: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

39

que empresas, como Boeing, McDonnell Douglas, Lockheed,

General Motors, General Electric, AT&T e IBM entrassem nesse

promissor mercado.Nesse sentido, a imagem e a interação – dois

conceitos presentes na expressão interface amigável – poderiam

contar com todo o investimento possível para quebrar as barreiras

entre o usuário comum – e artistas – e o mundo da computação.

(CRUZ, 2006, p. 48)

Assim cada vez mais profissionais migravam para este campo buscando

uma oportunidade de melhorar a sua condição, montando pequenos estúdios e

fugindo ao controle de grandes conglomerados, como, por algum tempo, foi a

história da Pixar, que foi criada como um braço da Lucasart, empresa criada

por George Lucas da série Star Wars (1977), foi vendida para Steve Jobs por

10 milhões de dólares e em 2006 comprada pela Disney. Em sua jornada a

Pixar começou ajudando a Lucasart em efeitos especiais, logo passando a

fazer comerciais independentes, o que foi um estouro na década de 90 para

fazer sua primeira obra-prima, Toy Story (1995) dirigido por Jhon Lasseter, hoje

diretor de criação. O sucesso do filme deu espaço para outros marcando uma

nova era no mercado da animação.

A partir daí, foi deflagrada uma nova tendência de dominação no

universo industrial do cinema animado, a exemplo de Shrek (2001) e

Madagascar (2005), da Dreamworks Animation, A Era do Gelo

(2002), do Blue Sky Studios, Procurando Nemo (2003), Os Incríveis

(2004) e Carros (2006), da Pixar Animation Studios. Assim como o

fenômeno Disney, na década de 1930, o cinema de animação vive

atualmente seu segundo auge de popularidade.Embora esse

processo tenha sido novamente acompanhado pela dominação do

mercado internacional, os primeiros dez anos de produção

apresentaram filmes de qualidade técnica refinada e valor artístico

apurado. (CRUZ, 2006, p. 54)

Mesmo com os contínuos sucessos, a empresa ainda não conseguia

gerar lucros suficientes para se sustentar e então a Pixar, em 2006, foi vendida

para a Disney, no mesmo ano do lançamento da animação Carros.

2.5.2 Evolução

Desde a criação da interface e do 3D (figura 7), houve uma corrida em

busca de se tornar a programação digital, uma prática cada vez mais parecida

com as ferramentas artísticas reais. Por exemplo, podemos mostrar a

adaptação de curvas baseadas em equações da matemática (equações

Page 40: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

40

paramétricas, de terceiro grau) na programação para simular as réguas

flexíveis usadas por desenhistas entre elas a Bezier curve, B-spline, e outras.

Figura 7: formas básicas em 3D

Fonte: LUCENA, 2005

Mas a produção era sempre limitada pelos fracos recursos de hardware

na época que não conseguiam suprir todas as necessidades dos

pesquisadores e pelo fato de que o artista deveria saber também os difíceis

códigos de programação para operar a máquina, o que foi mudado pelos

pesquisadores canadenses Nester Burtnyk e Marceli Wein, que criaram as

duas técnicas de maior repercussão na animação computadorizada, a

animação por Keyframe e por esqueleto.

Chama a atenção a preocupação de Burtnyk e Wein em ofrececer

uma condição de trabalho o mais natural possível para o animador

que pretende se aventurar no domínio digital. [...] O animador não

tem que ser incomodado pela necessidade com a necessidade de

saber programação (no sentido antiprodutivo da digitação de códigos

alfanuméricos), mas há que se familiarizar com o sistema de

produção digital. (BURTNYK e WEIN apud LUCENA, 2005)

A técnica de Keyframes, segundo Lucena (2005), consiste em uma

adaptação do procedimento usado na animação clássica: um animador-chefe

desenha as posições principais (key positions) de uma curta seqüência de

ação, dando esta referência para que o animador-assistente preencha os

intervalos com desenhos intermediários (inbetween frames). Esta técnica dá

maior controle do movimento ao animador mas mesmo com a divisão de

trabalho, a carga do mesmo dificulta melhorias estéticas. Nesta técnica o

computador preenche os intervalos entre os desenhos criados por um processo

chamado interpolação, aonde calcula as posições de um objeto no espaço

fazendo as mudanças de acordo as posições dos keyframes.

Este processo, contudo, era feito linearmente, com movimentos

descontínuos e bruscos. Então Burtnyk e Wein propuseram uma interpolação

Page 41: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

41

através de curvas (ou seja, considerando variações no movimento ao longo do

tempo, em vez de velocidade constante) e propuseram o uso de esqueletos

para diminuir o esforço criado sem ter que desenhar mais ou adicionar mais

keyframes para se obter certos movimentos com uma estrutura que simula os

ossos que sustentam a integridade do corpo dando flexibilidade local ou do

desenho todo, misturando isso com a interpolação, que foram extremamente

compatíveis. Obviamente o processo de realização desta técnica de animação

foi gradativa ao longo que evoluções na capacidade dos hardwares foram

possibilitando sua concepção.

A computação gráfica dos dias de hoje existe graças aos esforços do

NYIT (New York Institute of Technology) que reuniu artistas tradicionais e

cientistas da computação para reunir o conhecimento existente e pesquisar

sobre os usos da animação dentro do universo digital. George Lucas, recrutou

os mais renomados integrantes deste instituto para a sua própria empresa a

Lucasart,que tinha aberto uma ala de computação gráfica, para a continuação

de seu filme (Star Wars V: The Empire Strikes Back, com seu nome traduzido

para o português como, Guerra nas Estrelas: O Império Contra-Ataca).

Diferentemente dos filmes criados com ajuda da computação gráfica

anteriores, que usavam os recursos computacionais apenas como incremento

aos filmes, que tinham certa magia e captavam o espectador, sem alguma

qualidade artística, este time de nomes fortes da computação junto da

capacidade artística de George Lucas prometia uma mudança no uso da

computação em filmes.

A animação também ganhou espaço quando empresários da televisão

olharam para este campo como uma oportunidade de melhoria pois começou a

ser usada em programas ao vivo, como é até os dias atuais, e assim

financiando o crescimento da técnica.

2.5.3 Características

Há vários pontos da animação digital em que podemos distinguir

algumas diferenças e melhorias ou adaptações da animação clássica, como

cita Cruz :

Page 42: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

42

Nesse sentido, de uma maneira geral, os filmes atuais são marcados

por um ritmo dinâmico, acelerado, obtido através da grande

quantidade de planos curtos, do uso constante de movimentos de

câmera, da grande quantidade de viradas na trama, do movimento

frenético dos personagens e suas personalidades histéricas. A esse

respeito, o ritmo agitado dos filmes atuais estaria mais próximo das

animações desenvolvidas pelos estúdios Warner Bros. e MGM, na

década de 1940, do que dos primeiros filmes de Walt Disney, cujo

ritmo evoca a contemplação e dá tempo ao espectador de

primeiramente ver o que passa na tela, depois perceber o que

acontece na história, e por fim, sentir os efeitos do encontro desses

dois componentes (é claro que esse processo acontece da mesma

forma na animação atual, contudo, dá-se de uma maneira mais veloz

e descritiva).” (CRUZ, 2006, p. 87)

Um exemplo desta contraposição pode ser observado, segundo a

autora, se compararmos os filmes Bambi (1942) e Procurando Nemo (2002),

aonde vemos uma câmera mais suave no primeiro e uma montagem mais

rápida e com planos mais curtos no segundo. O som também é uma

característica importante de ambos os métodos sendo que nas animações

Disney existe a predominância de narrações e o diálogo é usado poucas vezes

para se dar continuidade a história. Já nas animações digitais modernas existe

uma grande quantidade de diálogos irrequietos e músicas que contribuem para

construir o ambiente irreverente das histórias.

Também segundo Cruz, componentes de encenação são necessários

para a criação de uma ambiente para os filmes:

Os cenários, as formas das figuras, a iluminação e os efeitos visuais,

tanto nos filmes tradicionais quanto nos digitais, dão credibilidade

aos acontecimentos da história e viabilizam a imersão do espectador

na narrativa, transportando-o ao universo representado na tela. Do

ponto de vista formal, esse ponto é o que mais distancia os dois

grupos de filmes, pois os resultados plásticos provenientes do uso do

desenho e da pintura são essencialmente diferentes daqueles

alcançados através da computação gráfica. Nesse sentido, a

animação digital 3D estaria mais próxima da animação de bonecos,

simulando, através do computador, o que na filmagem de bonecos é

real. Nesse ponto, é a animação tradicional que tenta forjar o que é

próprio da animação de bonecos e do 3D: a tridimensionalidade. As

figuras de Disney almejam ser volumétricas e isso é atestado nos

seus primeiros filmes: os personagens “saltam” da tela e, numa

mesma imagem, é possível perceber os níveis de cenários que se

localizam mais próximos e mais distantes da câmera, a exemplo da

panorâmica de abertura de Bambi, em que a profundidade de campo

(certamente forjada com auxílio da câmera de múltiplos planos) cria

Page 43: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

43

uma sensação de recolhimento da floresta, protegida por uma mata

densa e dificilmente penetrável. (CRUZ, 2006, p 89)

Efeitos visuais também são usados desde os primeiros filmes Disney

como chuva, sombra, silhueta e neblina para contribuir para a dramaticidade do

filme assim como a animação digital também usa estes artifícios como textura

de pelos, oceano e etc.

O desenvolvimento da animação digital não poderia ser concretizado

sem a ajuda de profissionais da animação clássica, do cinema, televisão e

computação que levaram a pesquisa a sério e não deixaram o a arte fora de

foco no desenvolvimento das tecnologias de hardware e software assim

podendo alcançar o patamar que a animação digital chegou, saindo de apenas

um auxílio estético para propagandas de empresas grandes e passando para

um lugar de destaque na produção audiovisual contemporânea.

Page 44: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

44

Capítulo 2 – A linguagem dos Motion Comics

3.1.1 O que são os Motion Comics

Nos últimos anos, estão se tornando cada vez mais comuns adaptações

dos quadrinhos para outras mídias, seja em filmes, desenhos animados,

videogames ou similares. O crescimento do número de produtos derivados não

reflete no entanto um aumento significativo no número de vendas de revistas

em quadrinhos. Ao contrário, as grandes editoras enfrentam vários desafios,

como a perda de leitores para outras formas de entretenimento e a pirataria

digital. Assim, adaptações do conteúdo dos quadrinhos começaram a ser cada

vez mais exploradas e por isso estamos diante da profusão dos motion comics,

animações simples e limitadas, em geral adaptações audiovisuais fiéis de

material previamente publicado em quadrinhos. Com isto, as editoras parecem

pretender atingir o público que perderam para a internet, e o fazem através de

produções que se apropriam das possibilidades técnicas das novas mídias sem

perder suas referências nas mídias tradicionais. Não se trata de um fato sem

importância, já que esta mudança de mídia pela qual atravessam os

quadrinhos está provocando transformações consideráveis em sua linguagem,

através da adição de alguns elementos (como a própria animação) em

detrimento do abandono de outros (as características específicas do material

gráfico, como o tipo de papel, que não podem ser emuladas pelas narrativas

audiovisuais) (figura 8).

Figura 8: screenshot de Broken Saints, série de animação com estética e recursos narrativos

proveninentes dos quadrinhos, mas totalmente audiovisual. Nota-se o formato de tela e

enquadramento widescreen, típico de vídeos, combinado com o balão de fala típico das HQs

impressas.

Fonte: Broken Saints

Page 45: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

45

Os chamados motion comics são uma forma de animação que

compartilha semelhanças estéticas e linguísticas com as HQs e com o DA. Não

se caracterizam como uma técnica específica de animação, posto que podem

fazer uso de diversos recursos diferentes, nem como gênero, já que

comportam todos os gêneros permissíveis aos quadrinhos. Apenas para

tomarmos como exemplo, podemos mencionar a forma como Elaine Chow os

definiu: “shows de slides semi-animados de gibis convencionais” (CHOW,

2009). As palavras de Chow demonstram a percepção da semelhança estética

de tais produções com os quadrinhos, ao mesmo tempo em que demonstra o

reconhecimento da distinção entre os MCs e os desenhos animados. Nas

palavras de Cláudio Yuge, tratam-se de “uma esp cie de revista (em

quadrinhos) em movimento, com a narrativa tradicional (dos quadrinhos)

acrescida de efeitos de câmera e áudio” (YUGE, 2009). Yuge tamb m chamou

a atenção para os suportes em que os MCs podem ocorrer:

(...) você pode usar seu iPhone ou seu XBox, mesmo seu computador, para curtir as histórias em quadrinhos filmadas e dispostas em uma narrativa com closes de câmera, panorâmicas e recursos semelhantes em meio a onomatopéias e diálogos sonorizados. (YUGE, 2009)

Pelas palavras de Yuge percebe-se que ocorre nos MCs uma incomum

união de elementos da linguagem estática da HQ e da linguagem da animação.

Das HQs eles herdaram basicamente o grafismo, traços simplificados e signos

como linhas de movimento, onomatopéias e outras representações gráficas

para experiências sensoriais. Da animação herdaram o movimento, ainda que

de forma incipiente e limitada (muitas vezes de forma intencional). Esta

comunhão de características é notável, ao ponto de qualquer leigo perceber

facilmente que os motion comics não são meros desenhos animados, ainda

que suas diferenças específicas sejam de difícil apreensão. De que forma a

linguagem dos MCs difere da HQ e da animação tradicional é a pergunta que

deve ser respondida para que seja possível compreender a importância dos

motion comics.

Page 46: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

46

3.2 Caracterização dos Motion Comics

Os motion comics são uma mídia híbrida, uma combinação de

elementos provenientes tanto da animação quanto dos quadrinhos. É

necessário, portanto, identificar suas características estéticas, técnicas e

narrativas, e determinar quais delas foram herdadas de suas mídias geradoras

e quais lhes são próprias.

Já é notável de antemão a herança estética das HQs de super-heróis,

gênero mais bem-sucedido comercialmente e especialidade das principais

editoras envolvidas com o mercado de MCs. Tanto os estilos de desenho

quanto a colorização típicas deste gênero são visíveis em um grande número

de motion comics. Dentre os MCs que adaptam material previamente publicado

deste estilo, a narrativa serializada é a mais comum, o que faz com que a

maioria das produções constitua sagas de vários episódios, sendo que em

alguns casos é possível pensar até em várias temporadas. Quanto à duração,

pode-se dizer que não há um padrão. Séries como Astonishing X-Men e

Spider-Woman são constituídas de episódios de cerca de 10 minutos que

adaptam cada um HQs de cerca de 22 páginas. Séries como Watchmen por

sua vez, possuem episódios de cerca de 20 minutos, que adaptam direta e

detalhadamente capítulos de cerca de 40 páginas da versão original em

quadrinhos. Contudo, há casos que fogem deste padrão, como Superman: Red

Son, cujas edições de cerca de 40 páginas, ainda que tenham sido adaptadas

com fidelidade e sem cortes, foram desmembradas em vários episódios curtos,

com cerca de um minuto e meio cada, cada um compreendendo poucas

páginas da HQ original.

3.2.1 Técnicas de Produção dos Motion Comics

Um dos aspectos mais visíveis dos motion comics que os diferem de

outras mídias é o conjunto de métodos empregados na movimentação de seus

componentes animados. Na animação tradicional, tais componentes são

produzidos através de um conjunto de imagens desenhadas dispostas em

sequência, o que cria a ilusão de movimento. Esta técnica não se faz presente

em nenhum dos MCs atualmente disponíveis. Neste aspecto, eles possuem

ligações mais visíveis com a animação digital. Nela, todos os elementos com

Page 47: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

47

movimento são obtidos através da construção de modelos em três dimensões

articulados. Alguns motion comics, especialmente aqueles produzidos pela

empresa de quadrinhos Marvel como “Astonishing X-Men”, utilizam de alguma

forma o método de animação tridimensional. A forma como ele é usado,

entretanto, difere daquela presente nos desenhos. Enquanto estes são em

geral feitos inteiramente em 3D, nos MCs a função da técnica é atribuir

movimento espacial a imagens originalmente bidimensionais e estáticas. A

combinação dos traços com o 3D pode, por exemplo, preencher a lacuna entre

as imagens estáticas de um rosto visto de frente e este mesmo rosto visto de

lado.

Na animação tradicional, a imagem final é, normalmente, composta com

a sobreposição de camadas desenhadas separadamente. Há uma para os

elementos em primeiro plano, mais animados, e outra para os planos de fundo,

predominantemente estáticos, sendo camadas intermediárias acrescentadas

quando necessário. Os motion comics utilizam este recurso e ampliam sua

função ao não apenas dividir uma cena entre protagonistas e cenário, mas

também usar tal divisão para animar os elementos da cena. Combinada a

técnicas de edição de vídeo e tratamento de imagens, este recorte das figuras

em camadas pode ser usado para reproduzir vários movimentos que

normalmente seriam obtidos com o processo quadro a quadro ou com o uso do

3D, como a articulação do corpo de um personagem ou o deslocamento de um

veículo.

Scott McCloud (2006), fala das potencialidades das mídias digitais para

esta forma de arte. Sobre a produção de arte digital em geral, ele fala que:

...os elementos produzidos por programas de “desenho” são objetos matematicamente definidos, eles podem ser movidos, duplicados e transformados vezes e vezes seguidas, permanecendo sempre nítidos e precisos.

Em contraste, os programas de “pintura” armazenam e processam imagens como mosaicos de minúsculos pixels, que alteram suas cores imperceptivelmente a cada mudança na imagem geral.

O ato de “desenhar” foi associado ao uso de faixas elásticas mágicas...

...e o de “pintar” ao uso de uma caixa de areia inteligente, animada e multicolorida.

Page 48: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

48

Nos últimos anos, um dos santos graais da computação gráfica têm sido a combinação entre a precisão e a flexibilidade dos “desenhos” com o poder intuitivo e a sutileza da “pintura” (McCLOU , 2006, p. 149 e 150)

Os MCs são produzidos através de uma forma limitada desta

combinação. A arte estática inicial em geral é produzida manualmente ou com

programas de tratamento de imagens, a “pintura” a que se refere o autor. A

animação de elementos desta arte, por outro lado, é feita através de processos

vetoriais, de programas de edição de vídeo e modelagem tridimensional.

Mas há um elemento comum que une as diversas técnicas de animação

usadas nos MCs, distinguindo-as daquelas usadas em outras mídias. Nos

desenhos animados, sejam eles analógicos ou digitais, o movimento é

incorporado ao material desde o início do processo de produção. O desenho

manual é feito quadro a quadro e o modelo tridimensional tem incorporado em

si as articulações que permitirão sua posterior animação. No motion comic por

outro lado, o material primário é um conjunto de desenhos estáticos e

bidimensionais em cujo movimento é anexado através do uso de técnicas de

animação digital variadas. Mesmo naqueles exemplos que não são

adaptações, mas sim produzidos diretamente para esta mídia, os desenhos

são produzidos em forma estática e posteriormente animados. Tais formas de

animação são limitadas, uma característica que não passa desapercebida em

artigos sobre o tema:

Os curtas são um tipo de híbrido entre um quadrinho impresso e um desenho animado. A animação não é nem de perto tão rica quanto a de um desenho totalmente animado, havendo apenas uma movimentação limitada que vem na forma de tufos de fumaça, olhos se mexendo e coisas do tipo. Mas a estória progride com música e dublagens que falam os papéis dos personagens. (Tradução Livre) (McBRIDE, 2008)

3

Como afirma a autora, o movimento na maioria dos MCs se restringe à

animação de alguns elementos da cena, a adição de efeitos visuais como

3 No original: The shorts are a kind of hybrid between a printed comic and a cartoon. The

animation isn't nearly as rich as a fully animated cartoon, with only limited motion that comes in the form of wisps of smoke, darting eyeballs and the like. But the story is advanced with music and voiceovers that speak the characters' parts. (McBRIDE, 2008)

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49

fumaça e iluminação à imagem estática e ao uso de ângulos e movimentações

de câmera. Em uma mídia em que a animação se faz presente, mas de forma

reduzida, esta acaba por assumir um caráter minimalista, mostrando-se apenas

quando preciso. Desta forma, a animação pode ser usada quando o movimento

for necessário para transmitir alguma informação ou intensificar a carga

emocional de uma cena. Um motion comic que faz uso de tal efeito é N,

produzido pela Marvel tendo como base um conto escrito pelo autor Stephen

King. Nele, alterações sutis no rosto do protagonista são mostradas,

colaborando para transmitir ao espectador seu medo. Por outro lado, ações

maiores, como alguém andando, são frequentemente exibidas quadro a

quadro, de maneira estática. A própria ausência da animação em um contexto

onde ela se faz presente pode servir para intensificar o impacto de uma cena.

Um exemplo disso é alternar imagens estáticas de um personagem abrindo

uma porta para sair e depois de uma sala vazia ao invés de mostrar todo o

processo do personagem saindo da sala. Existem, por outro lado, MCs em que

a animação é extensivamente aplicada. Nestes, procura-se obter um efeito

semelhante ao dos desenhos animados tradicionais enquanto retendo os

traços característicos das páginas de quadrinhos. Um exemplo dessa vertente

é Astonishing X-Men, da Marvel, que chega ao extremo da sincronia labial das

falas de seus personagens. Trata-se de um motion comic dinâmico e rico em

movimentos, ainda que os movimentos não transmitam naturalidade na maior

parte das vezes, justamente por se tratar de uma adaptação de material

previamente desenhado para não ser animado. Contudo, a qualidade e

quantidade de detalhes preservados da arte original compensa a falta de

expressividade cinética dos desenhos.

O uso dos ângulos de câmera, por sua vez, possui uma função

adicional, a de dirigir o olhar do espectador. Este é um aspecto que atrai

críticas aos MCs, como esta aqui apresentada:

A primeira crítica dos leitores de quadrinhos com relação à novidade vai de encontro com duas das principais ferramentas de narrativa do mestre Will Eisner: a composição e o layout. Ou seja, a tela do computador ou de um iPhone, por exemplo, limitam a experiência de artistas e fãs. Enquanto os primeiros perdem a liberdade de criar linhas de ação amplas, os outros são obrigados a acompanhar a aventura de forma bem mais linear, especialmente quando o uso da sequência é vertical. (YUGE, 2009)

Page 50: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

50

Como afirma o autor, tal crítica vem principalmente dos fãs de

quadrinhos. Nestes cabe à composição e layout de cada quadro dirigir o olhar

do leitor aos elementos que o autor pretende destacar. E como cada

interpretação do material difere das demais, o meio impresso permite ao leitor

criar sua própria interpretação das sequências de imagens e falas. Nos motion

comics que são adaptações de materiais impressos, a câmera concentra-se a

cada instante no que seriam fragmentos de uma página, restringindo a

possibilidade de leituras diversificadas desta como um todo. O artista, por sua

vez, perde neste contexto a habilidade de produzir quadrinhos que permitam

tais múltiplas interpretações. É necessário ressaltar, entretanto, que esta crítica

implica em uma visão dos MCs como descendentes exclusivamente dos

quadrinhos, ignorando sua relação com os desenhos animados, em que

movimentos de câmera são em geral usados para dirigir o olhar do espectador

(figuras 9 e 10).

Figura 9: página inicial da primeira edição de Watchmen: os autores fazem uso de muitos

requadros convencionais na diagramação da página.

Fonte: Watchmen Motion Comics

Page 51: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

51

Figura 10: screenshot do primeiro episódio de Watchmen Motion Comic: perde-se a

diagramação

original das páginas em quadrinhos, embora os balões sejam preservados, apesar da

dublagem, por sua função estética.

Fonte: GIBBONS, 2009

É notável também que os Motion Comics fazem, como a maioria dos

desenhos animados, uso de efeitos sonoros, dublagem e trilha musical. Isto os

distingue dos quadrinhos, que, pelas óbvias limitações do meio impresso em

que são veiculados, fazem uso apenas de elementos visuais. A forma como o

som é usado, entretanto, é diferente da animação tradicional. Nos MCs, os

efeitos sonoros frequentemente coexistem com suas representações gráficas,

originárias dos quadrinhos, como as onomatopéias e os balões de fala. Esta

combinação surge de várias formas, podendo falas e sons serem

representados de forma sonora, visual ou ambas simultaneamente.

3.2.2 A Estética dos Motion Comics

A natureza de seus processos de desenho e animação reflete na

estética dos motion comics. O primeiro sinal disso é o alto nível de

detalhamento das imagens, independente destas fazerem parte do fundo ou do

primeiro plano, que esta mídia possibilita e frequentemente utiliza. Esta

característica pode ser observada ao compararem-se duas adaptações de uma

mesma HQ da Marvel Comics. Uma a s rie animada “X-Men”, lançada em

1992 e a outra o motion comic “Astonishing X-Men”, de 2009. Na primeira

versão há uma quantidade menor de traços. Linhas finas são usadas apenas

para dar contornos aos diversos elementos das cenas. Na segunda, por outro

Page 52: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

52

lado, os traços são abundantes e pouco diferem daqueles nos quadrinhos. Isto

é particularmente evidente nos cabelos, na anatomia e nas vestimentas dos

personagens. No desenho animado, cabeleira e músculos são delineados de

maneira simples. No MC, por outro lado, mechas individuais de cabelo, rugas

de expressão e outras características anatômicas mais sutis podem ser

observadas. Nas roupas, há na animação uma preferência por cores lisas ou

padrões simples, enquanto no motion comic há ocorrências de estampas mais

intrincadas, além de serem mais evidentes dobras e irregularidades no tecido.

As técnicas de produção e as altas resoluções dos monitores atuais permitem

inclusive uma utilização extensiva de texturas. Tal diferença no nível de

detalhamento e abundância de traços é mais visível nos elementos móveis das

cenas, como os personagens. Existe uma razão prática para isto, visto que nos

MCs o movimento se faz menos presente que na animação e não requer a

produção de inúmeras variações de cada elemento de cena. É necessário

ressaltar, entretanto, que algumas animações tradicionais apresentam um grau

de detalhes próximo ao dos motion comics. Mas tal característica em geral se

restringe a produções de grande orçamento, sendo a maioria longas-metragens

destinados a exibição nos cinemas, o que se justifica pela grande quantidade

de trabalho manual necessária à combinação de traços detalhados com

animação quadro a quadro.

É dos quadrinhos que esta mídia herda grande parte de seus elementos

estéticos. Isto é evidente na presença frequente de vários elementos comuns.

Um deles são os balões de fala e onomatopéias. Estes podem parecer, a

princípio, redundantes em um meio que permite e em geral usa efeitos sonoros

e dublagem. Exceto naqueles MCs que optam pelo não uso total ou limitado da

dublagem, tais elementos abandonam, portanto, sua função de transmitir

informação. Suas outras qualidades, por outro lado, permanecem ou se

intensificam. Nas HQs, os balões e onomatopéias participam na composição

das imagens como elementos visuais. Isto é evidente, por exemplo, no modo

como uma onomatopéia que representa o som de uma explosão acompanha

seus traços ou compartilha de suas tonalidades alaranjadas. Este efeito se

mantém nos motion comics, nos quais tal interação entre as representações

gráfica e verbalizada de um evento pode ser intensificada pela adição do

Page 53: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

53

movimento. No exemplo da explosão, a onomatopéia passa a poder expandir-

se juntamente com as labaredas. Naqueles que são baseados em HQs

impressas, os balões servem ainda para preservar a composição visual do

material original, visto que dela fazem parte.

Contudo, embora em geral muito detalhados, os MCs frequentemente

evidenciam a precariedade da arte do material de origem, ou seja, as HQs. Nos

motion comics alguns aspectos da estética dos quadrinhos ganham um

destaque maior, não pretendido pelos desenhistas e arte-finalistas. A

ampliação de quadros que originalmente ocupariam pouco espaço, faz com

que detalhes desenhados com menos cuidado se tornem mais evidentes.

Assim, alguns aspectos de esboços e mesmo de artes finalizadas

despreocupadamente aparecem mais nos motion comics que nas HQs. Esta

estética mais suja e grosseira dos detalhes chama muita atenção em MCs,

quer se tratem de adaptações de obras previamente publicadas - sobretudo

obras não originalmente idealizadas para o formato audiovisual - ou de

períodos em que a colorização digital não era largamente utilizada (o que

ocasionava uma arte-final mais livre e uma escolha de cores mais

descompromissada). É o caso de Watchmen, onde pequenos quadros da HQ

foram ampliados e passaram a ocupar não só um grande espaço na tela, como

também um tempo considerável nos MCs. É possível notar as falhas do

desenho de Dave Gibbons na versão audiovisual da obra, provocadas não pela

falta de talento do autor, mas pelo fato de que os originais eram pequenos e

haviam sido idealizados apenas para publicação em tamanho reduzido.

Os MCs que são adaptados diretamente de HQs também mantêm os

demais traços do original, acrescentando apenas movimento e efeitos

especiais. Mas mesmo aqueles que são desenhados diretamente para o

formato digital mantêm esta estética. Uma das evidências mais visíveis disso é

a presença de traços e contornos bem definidos, em especial o uso de traços

finos para simular gradações de cor e de sombras opacas e recortadas, todas

características das HQs. Há, entretanto, aspectos visuais dos MCs que são

típicos da animação digital. Essas são as técnicas usadas principalmente para

simular efeitos ambientais como chuva, fogo ou fontes de iluminação. Tais

Page 54: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

54

efeitos são em geral acrescentados digitalmente através de programas de pós-

produção de vídeo.

A maneira como elementos estáticos e animados se combinam também

colabora para dar aos motion comics uma estética própria. A utilização de

sequências de imagens estáticas para representar movimento é característica

dos quadrinhos, enquanto na animação o movimento tende a ser sempre

representado de forma contínua. Nos MCs, por outro lado, ocorre uma

hibridação das duas formas de representação. O resultado disso é uma

alteração do ritmo percebido dos eventos. Uma ação que ocorreria lentamente,

como o crescimento de uma planta, pode ser mostrada por alguns quadros em

rápida sucessão, enquanto uma ação mais dinâmica, como uma explosão,

pode aparecer como uma animação continua e, consequentemente, dando

uma impressão de ser mais longa.

3.2.3 Temáticas dos Motion Comics

Como são produzidos através da adição de elementos animados e

sonoros a uma arte estática preexistente é natural que a maioria dos motion

comics sejam adaptações de materiais provenientes de outras mídias, uma

tendência observável no mercado atual. A maioria deles é baseada em

quadrinhos, sendo produzida por empresas deste ramo como a Marvel e a DC

Comics. Nestes casos, a temática é a mesma que predomina no mercado de

HQs. Vários dos principais exemplos deste gênero, como Astonishing X-Men e

Watchmen, são transcrições para o meio digital de histórias cujo tema central

traz de volta os super-heróis. Há também adaptações que não se justificam

pela existência prévia de um material gráfico impresso a ser convertido para o

novo formato. É o caso de N, que é baseado em uma obra literária puramente

textual. Este último exemplo foi produzido como forma de divulgar o

lançamento de um livro de contos. O MC de Watchmen, por sua vez, teve seu

lançamento intimamente vinculado à produção de um filme também baseado

nesta HQ. Ambos estes casos revelam o potencial do motion comic como mídia

publicitária ou complementar a outras mídias.

Os motion comics não são, entretanto, necessariamente adaptados de

outras mídias, havendo material produzido diretamente para este meio. Além

Page 55: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

55

disso, a produção de um MC é um processo mais simples que o de uma

animação, seja ela feita por meios tradicionais ou digitais. Embora um exemplar

mais tecnicamente complexo desta mídia exija um grau elevado de

conhecimento das técnicas de produção por parte de seus criadores, um

exemplar simples pode ser produzido de forma amadora com relativa

facilidade. Sua veiculação, por sua vez, se dá predominantemente por meios

digitais, como sites de compartilhamento de conteúdo, o que facilita a

divulgação de produções independentes. Evidência disto é a grande

quantidade de motion comics amadores disponíveis na internet. Grande parte

destes é feita por fãs que acrescentam efeitos especiais e animação limitada a

páginas de suas revistas em quadrinhos favoritas.

Em suma, os motion comics possuem características herdadas dos

quadrinhos, como a estética demarcada de seus traços e a presença de balões

de fala e onomatopéias. A estes é acrescido, de forma limitada, movimento e

efeitos de animação digital. A mídia torna-se distinta das HQs e da animação

por possuir traços de ambas. É a maneira como ela combina tais traços que lhe

atribui suas características próprias, como a combinação de imagens estáticas

e animação minimalista para produzir efeitos narrativos, tornando os MCs uma

forma distinta de ambas as suas mídias geradoras.

3.3 Quando e onde surgiram.

É difícil precisar quando os motions comics foram lançados oficialmente.

A ocorrência do termo é posterior ao surgimento das primeiras produções a

utilizar esta linguagem, já que conforme foi discutido, as primeiras animações

nada mais eram que uma transição de cartuns para os desenhos animados e

como tal possuíam limitações estéticas muitas vezes semelhantes às

limitações observadas nos MCs. Além disto, os motion comics compartilham

semelhanças com alguns webcomics mais detalhados, que como os MCs

fazem uso de efeitos de câmera e efeitos sonoros (com a diferença de que

MCs não são interativos). Mesmo o temo webcomics não é unânime, já que

Edgar Franco cunhou o termo HQtrônicas para se referir à sua obra Neomaso

Prometeu, que compartilha diversas semelhanças com os MCs (mais uma vez,

com exceção da interatividade). Entre aquelas experiências assumidamente

Page 56: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

56

interessadas em explorar o potencial dos quadrinhos animados, as primeiras

são contemporâneas do lançamento de tecnologias de suportes midiáticos

como o CD-Rom além é claro dos computadores com monitores dotados de

imagens com resolução razoável. Isto fica claro através de McCloud:

(...) pergunta - o que os quadrinhos podem fazer num ambiente

digital? - foi considerada pela primeira vez pelos cartunistas durante

o auge dos CD-ROMS de multimídia. Os CD-ROMS deram a muitos

os primeiros vislumbres das possibilidades criativas da mídia digital.

(McCLOUD, 2006, p. 208)

Quanto à questão da resolução dos monitores, McCloud observa que a

princípio esta era uma importante limitação dos quadrinhos digitais:

“infelizmente, para compensar a baixa resolução dos monitores, os quadrinhos

muitas vezes apareciam na tela um de cada vez” (McCLOU , 2006, p. 209).

Esta questão certamente comprometia a experiência ao limitar as

possibilidades da expressão como história em quadrinhos. Só recentemente,

diante do surgimento de monitores com alta resolução, é que se pode pensar

em produções mais aprimoradas neste sentido. Isto justifica, ao lado da

expansão da internet e das mídias móveis, o fato dos motion comics

começarem a crescer como forma de expressão e como mercado apenas

recentemente. Logo, por si tratar de um fenômeno essencialmente atual e em

formação, pode-se dizer que conceituar os motion comics é uma tarefa

arriscada, posto que a especificidade de sua linguagem ainda está se

desenvolvendo. No website de uma das principais produtoras envolvidas com

os MCs, há uma curta cena experimental do que pode vir a ser uma tendência

no futuro: um motion comic em 3D estereoscópico, para ser assistido com

óculos apropriados.

Durante a última década ele foi tomando forma e continua até hoje. Em

2005 a Lions Gate lançou uma versão animada da franquia de cinema Saw, no

Brasil foi lançado com o nome de Jogos Mortais, com características claras de

quadrinhos e pouquíssima animação. Não obteve uma grande recepção, pois

ainda não se sabia o que era aquela nova arte e nem se sabia como classificá-

la.

Mas essa animação e muitas outras como Broken Saints, de produção

independente, foram importantíssimas para que mais tarde a Warner Bros

Page 57: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

57

lançasse oficialmente os seus primeiros motions comics: uma adaptação de

Batman: Mad Love e Watchmen: Motion Comics, uma adaptação das histórias

em quadrinhos que possuem o mesmo nome. Esses lançamentos obtiveram

uma visibilidade maior porque na época ocorreu o lançamento dos filmes

Batman: The Dark Knight e Watchmen o que acabou alavancando as vendas

dos motions comics pela internet e assim ganhando uma fama maior. Com isto,

a Warner Bros. pretendia apresentar tais obras a um público não habituado a

ler quadrinhos, sobretudo no caso de Watchmen. Esta última obra foi marcada

por grandes disputas entre o roteirista da HQ original, Alan Moore, que sempre

se declarou contra qualquer adaptação de sua obra para um formato

audiovisual, visto que o que ele pretendia era justamente explorar as

possibilidades narrativas dos quadrinhos. Isto chamou uma atenção especial

para a obra original durante a produção de sua adaptação cinematográfica.

Muitos fãs e curiosos gostariam de saber o que havia na versão original, para

poder comparar com o filme e chegar às próprias conclusões. Não é difícil

compreender as motivações da Warner Bros. ao criar a versão audiovisual da

HQ, já que o público contemporâneo está mais habituado à este tipo de

conteúdo do que às habituais HQs impressas. No entanto, estas primeiras

produções, embora tenham chamado a atenção da mídia, causaram certo

estranhamento devido à dificuldade de definir a diferença entre estes MCs e os

desenhos animados convencionais, além de trazer dúvidas quanto ao valor

estético destas produções e sua contribuição para a linguagem e o mercado

das HQs, conforme apontam Johanna Drapper e KC Carlson do Comics Worth

Reading:

Quando você adiciona truques de câmera e trilha sonora a uma

história em quadrinhos, ela ainda é uma história em quadrinhos? Ou

uma desculpa pobre para um cartum feito de forma barata? Estarão

eles atingindo uma nova audiência, atraída por um novo formato em

formas de venda mais modernas (que vêm com o novo formato)?

Irão estes hipotéticos novos leitores eventualmente comprar revistas

em quadrinhos? Poderia este ser apenas mais um jeito de fazer

dinheiro com o mesmo conteúdo pré-existente? 4(CARLSON;

CARLSON, 2009)

4 No original: When you add camera tricks and a soundtrack to a comic, is it still a

comic? Or just a poor excuse for a cartoon, done on the cheap? Are they reaching a new

audience, attracted by a new format in more modern sales outlets (that come to them)? Will

Page 58: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

58

Os questionamentos da Comics Worth Reading foram e continuam

sendo válidos. O impacto destas inovações na forma de consumir os motion

comics foram analisados por Chris Albrecht:

Esta primeira geração é assumidamente crua, mas há movimento

suficiente nestes motion comics para manter a atenção do

espectador, e até o momento, a música e a dublagem têm sido

ótimos. Além disso, o nível de experimentação e sofisticação irão

crescer na medida em que mais forem produzidos.5 (ALBRECHT,

2008)

As palavras da NewTeeVee estão de acordo com o que veio a de fato

acontecer. Trabalhando para rivalizar com as vendas pela internet, a Marvel

Comics, concorrente da DC Comics, estava no processo de produção de mais

motions comics. As adaptações de Astonishing X-Men e Spider-Woman

acabaram sendo lançadas com um acabamento mais profissional e mais

cuidadoso, pois alguns defeitos que ficaram claros no lançamento de

Watchmen e Batman foram corrigidos. Spider-Woman, ao lado de N, marcou

inclusive o início de uma nova tendência, uma vez que a série foi desenvolvida

desde o princípio com a intenção de ser publicada tanto em quadrinhos

impressos quanto em motion comics. Nada inédito, mas algo que ainda não

havia sido tentado por nenhuma das grandes editoras do mercado. Isto deu

aos autores a possibilidade de explorar as possibilidades narrativas de ambas

as mídias de maneiras diferentes, o que é perceptível ao se analisar o layout

das páginas da versão impressa, que nem sempre está de acordo com a

versão motion comic. Ocorrem inclusive cenas alternativas, onde determinadas

partes da arte foram usadas de maneiras diferentes conforme a mídia. As cores

também variam entre as versões, o que cria uma distinção entre elas. Tudo isto

graças ao fato de a história ter sido desde o início planejada para ser lançada

those hypothetical new readers eventually wind up buying traditional-format comics? Could this

be just another way to try and make more money from the same, previously existing content?

5 No original: This first generation [of motion comics] is admittedly crude, but there is

enough 'motion' in these motion comics to keep the viewer’s attention, and so far the music and

voice acting have been great. Plus, the level of experimentation and sophistication will grow as

more are produced.

Page 59: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

59

desta forma, ao contrário das adaptações lançadas anteriormente pela DC

Comics. Por outro lado, Astonishing X-Men trata-se também de uma adaptação

de material previamente publicado, assim como o recém-lançado Iron Man:

Extremis em motion comic. Este último inclusive teve seu lançamento realizado

próximo à estréia do filme Homem de Ferro 2, numa clara tentativa da Marvel

de aproveitar a oportunidade para promover ao mesmo tempo tanto o filme

como sua linha de MCs. Contudo, diante do fato de que a série pouco tem a

oferecer e acrescentar em relação a sua versão original em quadrinhos ou os

demais motion comics, novas críticas surgiram, colocando em foco a questão

da relevância destas produções.

3.4 Circulação dos Motion Comics

Os primeiros motion comics a fazerem sucesso foram distribuídos pela

Warner (Time Warner Inc.), que apostou muito na confecção e divulgação dos

mesmos por uma série de mídias, assim como mais tarde a Marvel Comics e

outras. Lançando os episódios no iTunes, Xbox Live e Playstation Store,

custando em média U$1,99, Marvel e Warner investiram para que a novidade

fosse notada através de sites como o YouTube (neste caso a Marvel optou por

lançar por tempo limitado os episódios piloto neste site para atrair atenção,

além de lançar nele também teasers, trailers, entrevistas e making ofs) e

similares. Hotsites também são utilizados, e em alguns casos, até a televisão,

vide séries como Invincible, lançada na emissora americana MTV.

A Time Warner também usou este meio para criar uma espécie de

teaser para o filme Eu sou a Lenda (I am legend, no título original) que poderia

ser visto online em um site ou também disponível no iTunes. Alguns

acompanhantes do fenômeno levantam hipóteses interessantes para explicar o

investimento em MCs. Apenas como exemplo, podemos citar o blog “ V s

Worth Watching”, aonde a blogueira comenta os motion comics e sua entrada

no mercado, já que considera os MCs uma solução barata para as empresas,

um tipo de mídia que pode ser adaptada para um dispositivo móvel (iPhone,

iPad, telefones em geral, entre outros) barata e com um grande buzz em sua

volta.

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60

Além de circularem na TV, estarem disponíveis para downloads

(gratuitos ou não) e poderem ser assistidos em mídias móveis, os motion

comics podem também ser encontrados a venda no mercado de Home Vídeo,

ou seja, DVDs e Blu-Ray. Watchmen e Broken Saints são exemplos de séries

já lançadas neste formato. Isto demonstra que as produtoras possivelmente

esperam que existam consumidores com vários perfis, dispostos desde a

assistir em mídias móveis até os que preferem consumir os motion comics da

mesma maneira que se consome um a animação tradicional.

A recente adaptação cinematográfica da Graphic novel Kick Ass –

Quebrando Tudo (simplesmente Kick Ass no original) fez uso de uma cena em

flashback inteiramente desenvolvida como um MC, desenhado com estética

semelhante à do desenhista original, John Romita Junior, indicando uma

possível tendência para futuras adaptações de quadrinhos para cinema live

action.

3.5 Relação Quadrinho e Motion Comics

Conforme já foi apontado, os motion comics são uma hibridização

destas duas formas de mídia, no entanto é interessante saber quais

características usam e como são usadas, ou seja, o que existe de quadrinho e

animação delimitando as motion comics.

Uma das relações mais notórias entre o quadrinho e o motion comics é a

utilização do traço das comics, a pintura, balões e onomatopéias dão esse

caráter de “uma revista em quadrinho que se move”. É interessante notar a

natureza da fusão entre HQs e animação, que nestes casos se assemelha aos

primeiros experimentos deste tipo, que segundo McCloud:

(...) eram de natureza aditiva... Combinando os estilos, gêneros e armadilhas dos quadrinhos impressos com a sacola interativa de truques associada aos jogos em multimídia e ao "infotainment" os produtores esperavam fazer com que os quadrinhos "ganhassem vida". Com este fim, dubladores foram usados para ler em voz alta os balões...uma animação limitada foi oferecida...(McCloud, 2006, p. 209)

Os Motion Comics utilizam da arte e da iconização dos quadrinhos como

uma forma de aproximá-los do tal, e utilizam pobres recursos de animação com

o mesmo afim. Temos que entender que os MCs têm mais como objetivo de

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61

serem um novo estilo de quadrinho para as novas mídias interativas do que

uma animação propriamente dita. A primeira idéia dos MCs era restaurar

alguns heróis em quadrinhos e adaptá-los a uma nova forma de mídia (como

aconteceu com a Spider-Woman e Astonishing X-Men), logo tivemos antigas

histórias passadas para esse meio (Watchmen) e por fim séries que só existem

no Motion Comics.

A pintura nos motion comics normalmente vem com um estilo mais

realista que acompanhamos nas HQs da DC e da Marvel. Principalmente

porque eles re-utilizam exatamente as mesmas técnicas do quadrinho para nos

dar a impressão de que são efetivamente um quadrinho em movimento. Essa

pintura é feita pelos recursos de pintura digital. Apesar desse estilo ser usado

para imagens estáticas devido à sombra e luz que refletem no personagem,

nos motion comics eles utilizam desse recurso para dar uma quebra também

na animação. Essa característica estática no meio do seu próprio dinamismo

ressalta essa hibridização dos MCs e mostra a opacidade que essa forma usa

ao romper com a ideia de luz e sombra, quase como um “bullet time” focado

em um só detalhe enquanto o resto continua em pleno movimento.

Em alguns casos, a utilização de balões chega a ser redundante, já que

a dublagem não só reproduz aquilo que está escrito neles, como também

indica de maneira por vezes muito mais forte as nuances da fala que os

quadrinistas tentam representar através de variações na tipografia. No entanto,

o uso dos balões pode ser justificado - principalmente no caso dos MCs que

adaptam HQs previamente publicadas – como uma forma de preservar a

composição, e com isso a experiência, das páginas originais dos quadrinhos. A

utilização ou não de requadros pode se dar baseada nas mesmas justificativas,

embora seja menos freqüente. Acontece que em boa parte dos motion comics

não ocorre divisão da tela com várias cenas, por não haver necessidade ou

interesse em mostrar vários acontecimentos ao mesmo tempo. A montagem

paralela justificaria o uso de requadros, mas nos motion comics, ao contrário

das HQs, o tempo não é representado, pelo menos na maioria das vezes, pelo

espaço. As onomatopéias por sua vez constituem um ponto de importante

reflexão. Como os balões, elas também são preservadas para manter a

composição original, mas nem sempre os sons que elas representam são

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62

utilizados nos MCs. Ora são omitidos, ora são trocados por sons que

certamente não coincidem com o que elas representam, como é o caso de uma

cena de explosão vista em um dos capítulos do MC de Superman: Red Son.

Acontece que as dimensões, cores e tipografia utilizados nas onomatopéias

possuem além da função de comunicar o som que se dá na história, um

propósito estético. Estas duas coisas não entram em conflito na mídia

impressa, mas no caso do MC do Superman um som tão intenso quanto

sugerido pela onomatopéia (e pela própria cena, que envolvia a queda de um

foguete) entraria em conflito com a narração da personagem principal, o que

não contribuiria para a narrativa (figura 11).

Figura 11: screenshot do terceiro episódio de Superman: Red Son: a onomatopeia sugere um

estrondo bem mais intenso do que a trilha Sonora que acompanha a cena utilizou.

Fonte: Superman: Red Son

É interessante perceber que os quadrinhos criaram diversos recursos

para simbolizar coisas das quais não temos como expressar totalmente em um

desenho parado, nas MCs apesar do movimento, eles ainda resgatam esses

recursos utilizados para jogar o leitor nesse universo de quadrinhos, no

entanto, nada é perfeito e é difícil incorporar todo esse ideal nessa mídia e

algumas características essenciais citadas pelo Will Eisner ainda não foram

totalmente recriadas para esse novo meio, a tela do computador e do iPhone

ainda pode limitar uma linearidade da forma de leitura. Por outro lado, parece

interessar a vários autores preservar justamente estes signos visuais próprios

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63

das HQs, mesmo que eles não sejam necessários. Esta redundância é muitas

vezes visível, como os exemplos das onomatopéias e dos balões já deixam

claro, o que demonstra que estes excessos fazem parte da proposta da

narrativa dos motion comics. Desta forma, eles se diferenciam tanto das HQs

quanto dos desenhos animados, rompendo com a estaticidade dos primeiros

sem abraçar por completo a expressividade cinética dos últimos.

Há casos em que os MCs procuram se distinguir dos desenhos

animados através da auto-imposição de limitações por parte dos autores que

certamente não se dão por conta de restrições orçamentárias ou técnicas. É o

caso dos motion comics de Watchmen, onde todos os personagens foram

dublados por um único ator. Além de anti-catártico, o resultado também carrega

algumas semelhanças com a sensação de ler uma revista em voz baixa, ou

ouvir uma pessoa lendo o texto dos balões apresentados na tela.

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64

Conclusão

Os motion comics são uma mídia de origem recente que tem como seu

principal meio de veiculação a internet. Esta é também nova se comparada a

outros meios como o cinema ou a televisão. Por isso, os MCs estão ainda em

evolução, tendo apenas uma parcela de seus usos potenciais sido explorada

pelos produtores. Consequentemente, é difícil chegar a uma caracterização

definitiva tento como base a análise dos exemplares já produzidos. Um

exemplo dessa evolução é o uso dos balões de fala e sua combinação com a

dublagem. Nos primeiros MCs das grandes produtoras eles eram muito

recorrentes, enquanto em alguns dos mais recentes eles sequer aparecem. As

próprias definições oferecidas pelos profissionais envolvidos com a criação

destes variam consideravelmente. Um exemplo é esta de Neil Adams, um dos

criadores do motion comic de Astonishing X-Men.

Uma história em quadrinhos que se mexe? Sim! Mas isso não é...

animação? Na verdade, não. Animação, como se define hoje, são

centenas de milhares de células de animação desenhadas por um

estúdio de artistas de animação que adaptam o trabalho de UM

criador para uma versão simplificada - que tenha o menor número

possível de linhas. Se bem feito, pode ficar brilhante - porém, nunca

será o trabalho original do artista. Até agora. O que nos traz à motion

comic que será lançada no dia 28. (ADAMS, Neil. 2009)

Ele parece ver a mídia como uma extensão ou complemento das histórias

em quadrinhos, uma visão justificada pelo fato de que a maioria dos

exemplares produzidos até agora é adaptada diretamente das páginas das

HQs de super-heróis. Ao mesmo tempo, entretanto, ele aponta uma importante

característica dos MCs que, por não ser herdada de nenhuma de suas mídias

geradoras, os quadrinhos e a animação, parece ser fundamental para distingui-

los das mesmas. Trata-se da forma como são animados, através do acréscimo

do movimento a uma arte estática desenhada pré-existente. Adams aponta

como principal benefício deste método a possibilidade de preservar inalterado o

trabalho de desenho do quadrinista original e também as características

estéticas do quadrinho, como seus traços abundantes e detalhados.

Tais métodos de fato fazem com que os motion comics tenham uma

vocação para a adaptação de materiais provenientes de outras mídias, em

especial as HQs. Esta é, no entanto, apenas uma de suas possibilidades

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65

temáticas e estéticas. A retenção dos traços típicos dos quadrinhos tem sido,

até agora, comum a todos os MCs produzidos. Há também uma predileção

quase absoluta pelas adaptações. Mas, como já foi falado, esta é uma mídia

incipiente e, portanto, aberta à criação de inúmeras vertentes ainda não

exploradas, o que significa que futuramente podem ser criados exemplares que

utilizam outras vertentes estéticas. Já existem mesmo casos que fogem à regra

das adaptações, como o motion comic Broken Saints. Em suma, o uso de

outras temáticas ou traços estéticos por si só não é suficiente para

descaracterizar um motion comic como tal. O mesmo pode ser dito da duração

que, embora gire em torno de poucos minutos na maioria dos casos, pode

facilmente se estender mais que isso.

Através da análise de vários exemplares da mídia, podem ser

identificadas algumas características que parecem ser fundamentais a todos os

MCs, embora a mídia não se encontre ainda suficientemente bem estabelecida

para que sejam alcançadas conclusões definitivas. Uma delas é o nível de

detalhe dos traços, ou mais especificamente o potencial para tal. Embora não

possa ser observada em todos os exemplos da mídia, fica evidente que esta

permite um nível de detalhamento superior ao da animação tradicional com

esforço comparativamente menor. Isto é possível graças ao segundo e mais

definidor aspecto dos motion comics, a já mencionada forma como eles

combinam a arte estática com elementos animados. Neles, o movimento é

aplicado, através de efeitos de edição e animação digital, sobre um desenho

pré-existente. É esta forma de produção que empresta a vários dos MCs parte

de seus traços estéticos, como o ritmo pouco natural que o movimento neles

frequentemente assume ou o uso narrativo de sua ausência. E é também isto

que os distingue da animação, produzida através da exibição sucessiva de

quadros individuais ou de métodos tridimensionais, e dos quadrinhos, que são

detalhados porém totalmente estáticos, transformando-os em uma mídia

genuinamente distinta das demais.

Quanto ao motion comic produzido pelo grupo, cabe observar que foi

utilizada uma estética rebuscada em vários momentos, se aproximando da

estética de um esboço, com o fim de fazer uso da vocação dos MCs para

Page 66: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

66

explorarem os detalhes da arte estática que a animação tradicional deixa

escapar ou coloca em segundo plano.

Trata-se de um roteiro autoral e inédito e não de uma adaptação de obra

previamente publicada. Nele, um jovem trabalhador que acorda todos os dias

às sete horas e seis minutos (uma alusão ao número da besta, que é 666, aqui

interpretado como equivalendo à seis horas e sessenta e seis minutos)

encontra-se frustrado e desinteressado na própria vida, o que o motiva, após

uma discussão com seu chefe, a se suicidar. Para sua surpresa, ele acorda

novamente no mesmo dia, acreditando que tudo não passou de um sonho.

Diante disso, ele insiste em se suicidar de outras maneiras, já que permanece

insatisfeito com sua rotina. Como o resultado é sempre o mesmo, ele decide

finalmente desistir de tentar e simplesmente viver sua vida, apenas para ser

atropelado por um ônibus. Seu despertador aparece então de relance,

revelando que desta vez, ele marca sete horas e sete minutos, cabendo ao

espectador interpretar o verdadeiro significado desta tomada final.

A escolha por um roteiro onde uma mesma rotina se repete não é gratuita.

Na verdade, ela permitiu ao grupo contar uma história fazendo uso de poucos

desenhos e reeditando várias vezes cenas muito parecidas. Com isto,

pretendia-se transmitir a famigerada lentidão e congelamento de instantes

típicos dos MCs.

A inexistência de uma história em quadrinhos convencional em mídia

impressa não prejudicou o trabalho do grupo e aparentemente não é um

elemento de grande relevância na produção de MCs em geral, já que a

diagramação própria das histórias em quadrinhos de dá em páginas com

proporção completamente diferente do widescreen adotado no meio

audiovisual. Isto é, a organização dos painéis num motion comic normalmente

acompanha a mesma sucessão vista nas HQs, mas dificilmente os mesmos

formatos e diagramação usados em páginas impressas.

Também foi constatado que a decupagem de uma cena num MC pode ser

feita através da disposição num mesmo frame de vários painéis retratando

aspectos diferentes de um mesmo momento. O resultado é semelhante à

experiência tradicional de uma HQ.

Page 67: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

67

Uma trilha sonora foi especialmente criada para integrar o experimento. O

compositor foi Vinícius Pereira da Fonseca, que recebeu uma cópia do roteiro e

assistiu a uma primeira versão (inacabada e incompleta) do MC, além de

receber recomendações dos membros do grupo para elaborar uma música

carregada de “melancolia, amargura, tristeza, depressão e desilusão”. A

música foi considerada de grande importância na hora da edição final, que

buscou sincronizar cortes e movimentos de câmera com o ritmo da produção

sonora.

O grupo fez a opção por manter recordatórios com as falas do narrador-

personagem (único personagem que fala na produção). Estes recordatórios

apresentam as falas (na verdade pensamentos, jamais proferidos em voz alta

pelo protagonista) com uma tipografia que se assemelha bastante àquelas

utilizadas pelas grandes editoras de HQs. Tais recordatórios são sincronizados

com a narração feita por Aloísio Eustáquio Garcia Leal, que à pedido do grupo

procurou interpretar o protagonista com uma voz carregada de pesar e tristeza.

Com isto, o grupo acredita ter explorado de maneira satisfatória a

especificidade desta forma de expressão, atingindo seus objetivos iniciais e

exemplificando vários de seus achados de pesquisa.

Page 68: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

68

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Page 71: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

71

Motion Comic – 07:06

Plot

Um homem que vive de sua rotina (acorda as 7:06, se arruma, vai trabalhar,

almoça com os colegas, volta a trabalhar e assim retorna para sua casa) não

controla sua vida, simplesmente segue o fluxo. Em uma maneira desesperada

de ter o controle e acabar com o pouco sentido que sua vida possui, ele

suicida. No entanto mesmo com sua morte, ele acorda novamente às 7:06. Ele

tenta suicidar de novas formas até que finalmente, por não querer enfrentar

todo o processo mais uma vez, decide seguir com sua vida. Neste momento,

ele é atropelado por um ônibus descontrolado e acorda novamente às 7:07.

Roteiro

CENA 1

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Close do relógio de cabeceira do

protagonista, que muda de 07:05

para 07:06. Os números do

mostrador digital são vermelhos.

Som de despertador tocando

começa.

00:01

Corte seco. Som de despertador pára. 00:07

Fade in. Plano aberto do teto do

quarto visto da perspectiva do

protagonista, ainda deitado. A

pintura mostra sinais de descuido e

desgaste. No centro há um

ventilador ligado. As pás giram

lentamente.

Som de ventilador começa. 00:08

00:13

Plano aberto do protagonista

deitado na cama, por cima do

lençol, visto de cima. Sua mão está

sobre o despertador, único item

sobre sua mesa de cabeceira. A

câmera se aproxima lentamente do

rosto do protagonista.

00:20

Fade out. 00:28

Fim de cena. Som de ventilador pára. 00:30

Page 72: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

72

CENA 2

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Tela preta. Som de buzinas e motores de

carro começa em volume baixo,

aumentando gradualmente.

00:30

Fade in. Plano aberto da silhueta

de uma grande cidade de manhã. O

céu e a luz do sol aparecem em

suas cores naturais.

00:32

A câmera desce, em traveling, ao

nível da rua, mostrando o

protagonista dirigindo seu carro em

meio a um engarrafamento. Ele

veste uma camisa de mangas

compridas com gravata.

00:34

Em plano fechado, uma pessoa de

camiseta e bermudas anda na

calçada da rua em que está o carro

do protagonista. Seu andar é

mostrado por uma série de imagens

estáticas ao invés de um

movimento contínuo. A imagem do

pedestre é borrada para simular a

perda de foco devido a sua

proximidade da câmera.

Som de buzinas alcança seu

volume máximo.

00:44

Depois que o pedestre passa, a

imagem permanece a mesma por

um momento.

Som de buzinas pára

gradualmente.

00:50

O carro à frente daquele do

protagonista move-se menos de um

metro. Em seguida, o protagonista

move o seu carro.

PROTAGONISTA: As pessoas

passam por mim como passam

pelo nada.

.

00:53

Em traveling, a câmera sobe até

voltar a mostrar o céu. Fade out.

Som de buzinas continua em alto

volume.

01:05

Fim de cena. Som de buzinas pára. 01:15

Page 73: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

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CENA 3

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Fade in. Em plano aberto, é

mostrada uma sala repleta de

cubículos idênticos, cada um

ocupado por um empregado. A

câmera se aproxima lentamente de

um deles, em que está o

protagonista.

Trilha sonora sombria. 01:15

Fade out. 01:23

Fade in. Em plano fechado, a

câmera mostra o protagonista, visto

de costas, sentado em frente a um

computador cuja tela mostram

gráficos de análise. A câmera se

aproxima da tela do computador até

mostrar apenas a tela.

PROTAGONISTA: Alguém ia

notar se eu parasse de

trabalhar?

01:27

Na tela, o protagonista faz um

movimento com o mouse.

PROTAGONISTA: Parece que

não. 01:35

Fade out. 01:43

Fade in. Em plano aberto, é

mostrada novamente, vista de

cima, a sala repleta de cubículos. A

câmera se afasta lentamente.

PROTAGONISTA: Se eu não

viesse amanhã, alguém ia sentir

a diferença?

01:45

Fade out. Fim de cena. Trilha sonora pára gradualmente. 01:53

CENA 4

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Fade in. Em plano fechado, é

mostrada uma pequena e mal

iluminada sala. No centro há uma

mesa com uma cadeira deixada fora

de lugar, como se alguém houvesse

sentado nela recentemente. Em cima

da mesa há um prato com sobras e

uma embalagem vazia de comida

pronta.

01:55

Page 74: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

74

As luzes se apagam. Som de interruptor. 02:05

A câmera começa a se afastar,

mostrando a imagem desta cena

como um de vários quadros de uma

HQ.

Som de porta se abrindo e

fechando com rangido.

02:15

A câmera continua a se afastar,

mostrando quatro quadros, cada

um com uma parte de uma das

cenas anteriores (plano aberto do

protagonista deitado na cama,

plano aberto dele no

engarrafamento, plano fechado

dele sentado em frente ao

computador e plano fechado de sua

mesa de jantar, respectivamente).

Mesma trilha sonora da cena 2.

Começa com volume baixo e

aumenta gradualmente.

02:18

A câmera se afasta mais,

mostrando estes quatro quadros

repetidos lado a lado inúmeras

vezes.

A música acelera. 02:28

Em traveling, a câmera passa para

um único quadro ao lado do

conjunto de quadros menores

repetidos. Nele, em plano fechado,

aparece uma imagem estática do

protagonista de frente para um

homem de terno e aparência

truculenta. O homem de terno está

gritando com expressão

enraivecida. O protagonista tem um

semblante apático. O único

elemento animado na cena é a

saliva que voa, em câmera lenta,

saindo da boca do homem de terno.

A música pára subitamente.

PROTAGONISTA: (pausa)

Enquanto ele reclama, sinto o

cuspe atingindo meu rosto. Ele

diz que meu serviço é ruim. Ele

deve estar certo.

02:40

Fade out. Fim de cena. 02:55

CENA 5

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Em plano fechado, o protagonista é

visto dentro de um elevador.

Volta a tocar a música, porém

mais lenta.

02:57

Page 75: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

75

As portas do elevador se fecham. 03:00

Um quadro menor se sobrepõe à

imagem principal. Nela, aparece em

close o mostrador do elevador, no

qual os números começam a subir

a partir do 18 até chegar ao 36. Na

imagem principal, a câmera se

aproxima lentamente da porta do

elevador.

03:03

Fade out. A música pára gradualmente. 03:23

Fim de cena. PROTAGONISTA: Estou

cansado. 03:25

CENA 6

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Em plano aberto, aparece uma

avenida vista de cima e margeada

por altos edifícios, dentre eles o

local de trabalho do protagonista.

Trilha sonora dramática. 03:28

Em plano fechado, com expressão

serena, o protagonista despenca de

costas do topo do edifício, se

afastando da câmera e caindo.

Música aumentando

gradualmente.

03:38

O protagonista atinge a calçada. No

momento do impacto a imagem é

substituída uma tela preta.

Trilha sonora pára.

Som do impacto.

04:00

Subitamente a cena volta igual à

cena 1. Porém de forma mais

rápida.

Despertador começa a tocar 04:02

Fade in. Zoom in no rosto do

protagonista deitado na cama na

mesma posição.

Despertador pára.

PROTAGONISTA: Mas eu senti

o vento em minha nuca, a

aceleração da queda apertando

minhas costas.

4:10

Fade out. Fim de cena. 4:18

CENA 7

Page 76: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

76

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

A rotina dele se repete, de forma

acelerada e mostrando apenas

momentos chaves em forma de

flashes até a cena 5. Fade out.

Trilha sonora dramática e

barulho de despertador.

04:20

CENA 8

Vídeo (P/B e Vermelho) Áudio

Fade in. Close de uma faca

ensanguentada jogada no piso do

quarto. A câmera se afasta

lentamente até mostrar a cena

como um quadro de HQ. O sangue

na faca aparece em vermelho.

Trilha sonora sombria.

PROTAGONISTA: Tento outros

métodos.

04:30

A câmera passa em traveling para

um quadro ao lado do primeiro, que

mostra em plano fechado os pés do

protagonista balançando já sem

vida.

PROTAGONISTA: Outras

soluções.

04:33

A tela fica escura. Passa para um

quadro abaixo do anterior, que

mostra mais uma vez a cena do

teto do quarto.

Barulho de despertador em

volume baixo.

PROTAGONISTA: Mas o

resultado é sempre o mesmo.

04:36

Fade out. Fim de cena. Barulho de despertador pára. 04:37

CENA 9

Fade in. Protagonista está deitado

na cama, o cotidiano se repete com

imagens muito rápidas até a nova

morte.

Despertador tocando. Musica

com ritmo forte e pesado.

04:38

PP em um revolver que dispara,

fumaça sai do cano e sangue

espirra na parede. Tela fica preta

abruptamente

Música continua.

É ouvido um disparo de arma de

fogo.

04:50

Em seguida abre uma nova

imagem de uma pia cheia de

Música continua. 04:57

Page 77: Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

77

frascos de comprimido com mais

um sendo jogado na pilha.

Tela preta novamente. Uma corda

com um laço para forca é preso no

ventilador, tela preta.

Música continua.

05:00

Imagem some abruptamente. Fim

de cena.

Despertador pára. 05:05

CENA 10

Vídeo (Preto e Branco) Áudio

Em plano aberto visto de frente, o

protagonista aparece de pé no topo

do edifício onde trabalha, como que

prestes a saltar novamente. Sua

expressão é de medo.

Som de vento forte.

PROTAGONISTA: Estou

cansado.

05:06

A câmera desce lentamente pela

fachada do edifício em traveling.

Trilha sonora animadora, que

começa em volume baixo e

aumenta gradualmente.

05:10

A câmera pára no nível da calçada.

Em plano aberto, aparece o

protagonista de pé em frente ao

edifício com uma expressão

confiante.

Trilha sonora chega ao volume

máximo.

PROTAGONISTA: Talvez seja

hora de continuar com minha

vida.

05:17

As portas do edifício se fecham

atrás dele. A câmera se aproxima

lentamente do protagonista.

Trilha sonora pára abruptamente.

Som de pneus derrapando ao

longe.

05:19

Um ônibus desgovernado atinge o

protagonista. No momento do

impacto a tela fica subitamente

branca.

Barulho de impacto. 05:22

Fade out. 05:25

Corte seco para close do mostrador

do despertador, que marca 07:07

em vermelho.

Som de despertador tocando. 05:27

Créditos são mostrados no

mostrador do relógio

Som de despertador continua,

diminuindo lentamente de

volume. Música final.

05:30

Fade out. Fim de cena. 05:40

FIM