mortalidade por causas mal definidas · por garantir o correto funcionamento do sim no município,...

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BENTO GONÇALVES

RELATÓRIO

EPIDEMIOLÓGICO

MORTALIDADE POR

CAUSAS MAL DEFINIDAS

SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE MORTALIDADE - SIM

2ª REVISÃO

1990 a 2012 Rio Grande do Sul Bento Gonçalves

Secretaria Municipal da Saúde Serviço de Vigilância Epidemiológica

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

BENTO GONÇALVES

Secretaria Municipal de Saúde

Serviço de Vigilância Epidemiológica

Colaboradores José Antônio Rodrigues da Rosa (coordenador e organizador)

Letícia Biasus Fabiane Giacomello

Jakeline Galski Rosiak Márcia Dal Pizzol

Dezembro de 2013

Rua Goiânia, nº 590, Bairro Botafogo, CEP 95700-000 e-mail: [email protected]

Os dados desta publicação são de domínio público e podem ser utilizados, desde que citadas as fontes.

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SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE MORTALIDADE - SIM O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) foi implantado no Brasil em 1977. Ele consiste num conjunto de ações executadas pelos níveis municipal, estadual e federal que visam garantir que todas as instâncias envolvidas cumpram suas obrigações técnicas e legais no processo do óbito. Essa cadeia de ações inicia-se, antes mesmo, da ocorrência do óbito através da impressão e da distribuição dos formulários de declaração de óbito para os serviços e profissionais que têm a responsabilidade de atestar e declarar um óbito. A declaração de óbito (DO) compõe-se de um formulário de três vias (branca, rosa e amarela) no qual serão registradas as informações relativas ao óbito: nome do falecido, data de nascimento e óbito, endereço de residência do falecido e de ocorrência da morte, circunstâncias e/ou patologias que determinaram a morte, entre outros dados. Após corretamente preenchidas e assinadas pelo profissional que atestou a morte, as vias branca e amarela são fornecidas para os familiares do falecido, a fim de que realizem o seu registro no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) do local de ocorrência do óbito. A via rosa permanece arquivada junto ao prontuário hospitalar do falecido ou no setor responsável pelos registros da instituição que atestou a morte. O RCPN realiza as ações de registro civil do óbito, retendo as duas vias da DO. Os familiares do falecido recebem, então, a Certidão de Óbito, documento que permitirá o sepultamento no cemitério. A via branca da DO é entregue à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a via amarela permanece no cartório. Em Bento Gonçalves, o Serviço de Vigilância Epidemiológica da SMS, desde o ano 2000, é o responsável por garantir o correto funcionamento do SIM no município, de tal forma que cada óbito ocorrido no município cumpra as exigências do sistema e seja devidamente informado para a SMS. Desde que a atual equipe do SVE assumiu o SIM, foram corrigidos alguns problemas que estavam comprometendo a sua operacionalidade, como, por exemplo: sepultamento em cemitérios públicos sem o registro prévio do óbito no RCPN, liberação dos falecidos do hospital para o serviço funerário sem a respectiva DO, inexistência de um controle efetivo da emissão das DO e do seu posterior recebimento (não era feita a busca ativa das DO emitidas pela SMS, a fim de garantir o seu retorno). Para evitar a subnotificação de óbitos e melhorar a qualidade das informações prestadas, o Serviço de Vigilância Epidemiológica da SMS começou a corrigir essas deficiências. Assim, a partir de 2000, foram implantadas as seguintes medidas: o estabelecimento de um rigoroso controle do fluxo das DO (todas as DO emitidas deveriam retornar a SMS); o esclarecimento e a atualização contínuos das normas operacionais do sistema junto as equipes das funerárias, cemitérios, Instituto Médico Legal (IML), hospital, cartórios e equipe médica do pronto atendimento da Secretaria Municipal de Saúde e, mais recentemente, do SAMU; o estabelecimento da obrigatoriedade do fornecimento da DO para todos os óbitos ocorridos ou atendidos no hospital (antes da liberação do corpo) e no Pronto Atendimento da SMS; a confecção de um prospecto informativo sobre a obrigatoriedade do registro da declaração de óbito em cartório, fornecido para os familiares junto com a DO; a proibição do sepultamento de cadáveres nos cemitérios públicos do município sem o registro prévio do óbito no cartório. Além disso, o SVE vem trabalhando consistentemente para qualificar as informações prestadas nas DO, de modo a diminuir problemas relacionados a informações duvidosas ou não prestadas. Para tanto, o SVE tem investigado os óbitos declarados como sendo de causa mal definida, como causa intermediária, como causa não especificada, de patologias que não podem ser codificadas como causa básica da morte, de mulheres em idade fértil, de crianças menores de 1 ano (óbito infantil), fetais, de mulheres grávidas ou puérperas (óbito materno), de doenças e agravos de notificação obrigatória, de causas externas que não descrevem o tipo e/ou a circunstância do acidente ou da violência. A investigação é feita através da busca de informações em diferentes fontes, tais como: médicos que declararam o óbito ou profissionais que prestaram assistência ao falecido antes da morte, prontuários médicos (seja no hospital ou nas Unidades de Saúde Pública), boletins de atendimento em serviços de urgência (pronto atendimento, corpo de bombeiros, SAMU), notícias de jornal (sites de notícias na internet), boletim de ocorrência policial e entrevista com os familiares do falecido. Complementarmente, o SVE, juntamente, com a Câmara de Vereadores, instituiu uma Lei Municipal que orienta sobre o sepultamento e o registro de óbitos. Após o cumprimento de todas as etapas, as informações da via branca da DO são digitalizadas em um programa do Ministério da Saúde, denominado Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Mensalmente, os dados deste sistema são enviados pelo SVE ao nível estadual e, deste, para o federal. Este banco de dados, alimentado com as informações das DO, servirá como ferramenta de acompanhamento e análise epidemiológica da mortalidade, tanto no município, estado e país. Todos estes cuidados com o SIM e com a qualidade de suas informações é que garantirão a fidedignidade dessas análises. Tanto que, dada a inexistência de outras fontes de informações, o sistema de mortalidade tornou-se uma das mais preciosas ferramentas para avaliar a situação de saúde da população brasileira.

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Em Bento Gonçalves, o SVE vem utilizando o SIM para caracterizar algumas das principais questões de Saúde Pública no município. O presente relatório corresponde a 2ª revisão de dados, ampliando e atualizando o relatório sobre mortalidade por causas mal definidas publicado em 2006. Ele descreve o trabalho da Vigilância Epidemiológica de Bento Gonçalves para reduzir as taxas de morte por causas mal definidas e qualificar o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Costuma-se utilizar diferentes tipos de indicadores para estudar o comportamento da mortalidade. Aquele que certamente oferece mais subsídios é o coeficiente de mortalidade específico por causa, sexo e idade (coeficiente por cem mil habitantes). Na ausência de informações que permitam o cálculo de coeficientes, ou quando conveniente, o Serviço de Vigilância Epidemiológica utilizou o cálculo de taxas relativas (mortalidade proporcional), representadas sob a forma de percentuais. De modo geral, os dados informados neste relatório, em particular, os anteriores a 1999, têm como fonte o Ministério da Saúde (In: datasus.gov.br), a Secretaria Estadual da Saúde do RS (Núcleo de Informações em Saúde), a 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (Caxias do Sul) e o próprio Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Bento Gonçalves.

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MORTALIDADE POR CAUSAS MAL DEFINIDAS O manual para a Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID-10) conceitua causa mal definida como toda a afecção para a qual não houve o necessário estudo do caso para estabelecer um diagnóstico final

[1]. As afecções, sinais e sintomas incluídos na categoria das causas mal definidas

consistem em[1]

: a) casos para os quais não se possa chegar a um diagnóstico mais preciso, mesmo depois que todos os fatos que digam respeito ao caso tenham sido investigados; b) sinais ou sintomas existentes no momento da primeira consulta que se mostrem de caráter transitório e cujas causas não possam ser determinadas; c) diagnósticos provisórios atribuídos a um paciente que não retorne a consulta para aprofundamento da investigação do diagnóstico ou para assistência; d) casos encaminhados a outros locais para investigação ou tratamento antes que o diagnóstico fosse feito; e) casos para os quais não foi possível estabelecer um diagnóstico mais preciso por qualquer outra razão; f) alguns sintomas para os quais se fornece informação complementar e que representam por si só importantes problemas na assistência médica. A rigor, os óbitos de causas mal definidas costumam ser aqueles codificados no capítulo “R” do CID 10 (R00-R99). Entretanto, também podem ser considerados como “mal definidos” os óbitos por causas violentas sem a devida descrição das circunstâncias em que ocorreu a violência, como, por exemplo: os acidentes de transporte que não descrevem os tipos de veículos envolvidos, as quedas não especificadas, os traumatismos codificados em “S” ou em “T” em que não há menção do acidente ou violência, entre outras situações. Também são alvo de investigação, as mortes declaradas como septicemia ou choque séptico, como prematuridade, anóxia intrauterina, sofrimento fetal, carcinomatose, entre outras. Um óbito declarado como sendo de causa mal definida pode ser conseqüência de problemas relacionados ao acesso aos serviços à saúde e a qualidade da assistência prestada à população nestes serviços, em especial, os meios de apoio diagnóstico (serviços de laboratório e de radiologia, por exemplo) e o atendimento médico. Assim, um elevado coeficiente de mortalidade por causas mal definidas e, dentre elas, as atribuídas à falta de assistência médica, sugere uma baixa qualidade e resolutividade dos serviços de saúde e uma precária organização do serviço de vigilância em saúde de um município. O relatório Saúde Brasil 2006

[2] do Ministério da Saúde traçou o seguinte perfil da mortalidade por causas

mal definidas no país: a proporção de óbitos por causas mal definidas aumenta gradualmente com a idade (são relativamente poucos óbitos nas faixas etárias mais jovens [até 25 anos]); as taxas são maiores na população feminina do que na masculina; as taxas padronizadas são maiores nos negros que nos brancos em todas as regiões do Brasil (exceto na Região Sul). Elas constituem a primeira causa de óbito nas Regiões Norte e Nordeste, havendo uma nítida tendência de diminuição da proporção de causas mal definidas com o aumento da escolaridade. Elas apresentam um percentual sensivelmente menor entre os beneficiários dos planos de saúde e ocorrem, predominantemente, no domicílio. Os altos percentuais de óbitos de causas mal definidas impedem o uso da informação sobre a causa da morte para determinar sua contribuição na mudança do padrão de mortalidade e o impacto nos diferentes grupos da população

[8].

O problema das altas taxas de óbitos por causas mal definidas em muitos estados brasileiros tornou-se alvo das discussões da Vigilância em Saúde e, em 2004, os municípios tiveram que estabelecer metas de redução das taxas de mortalidade por causas mal definidas na Pactuação Programada e Integrada (PPI)

[5].

O tema também passou a ser incluído no Pacto Pela Saúde (Pacto pela Vida) em 2007, propondo uma meta de óbitos com causa definida de 90% no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)

[6, 7].

Como conseqüência, as equipes de vigilância tiveram que implementar em suas ações a investigação dos óbitos de causas mal definidas, no intuito de encontrar registros e evidências sobre possíveis doenças e agravos pré-existentes dos falecidos, de modo a estabelecer nexos causais com a morte, reclassificar e definir a causa do óbito e, assim, qualificar os registros do SIM. Para orientar as equipes de vigilância sobre como investigar os óbitos de causas mal definidas, em 2008, o MS propôs o uso do formulário “Autopsia Verbal”. Neste formulário, são registradas informações a respeito dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente no período anterior ao óbito, bem como, resultados de laudos de laboratório, de radiologia, entre outros dados, que auxiliem a identificar as prováveis causas da morte

[8].

1. Investigação dos Óbitos por Causas Mal Definidas em Bento Gonçalves As causas mal definidas de mortalidade englobam todos os eventos classificados no capítulo XVIII do CID 10, sendo agrupados em 19 categorias de sinais, sintomas e achados laboratoriais sem definição de diagnóstico, sob os códigos R00 a R99

[1]. Ainda poderiam ser acrescidos a estas 19 categorias os acidentes

e violências classificados dentro dos códigos Y10-Y34 (eventos de intenção indeterminada), S00-S99 e T00-T98 (traumatismos sem especificação do agente causador).

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Até o ano de 2001, a participação dos óbitos por causas mal definidas no quadro geral de mortalidade era inexpressivo em Bento Gonçalves. Sua maior proporção ocorreu no ano de 1991, quando representou 5,9% do total de óbitos do município (ver Tabela 1). A partir do ano 2001, entretanto, o Departamento Médico Legal do Estado (DML) determinou que fosse cumprida a Portaria 01 da Secretaria Estadual da Justiça do RS, de 12 de fevereiro de 2001

[11]. Essa

Portaria obriga os profissionais dos serviços de saúde pública do município a atestarem o óbito e a emitirem a declaração de óbito dos falecimentos de causa natural (não violenta) que tiverem ocorrido fora dos serviços de saúde (mortes ocorridas no domicílio, por exemplo). Essa determinação do DML fez com que a demanda dos óbitos de causa natural não hospitalizados, até então necropsiados pelo IML, fosse direcionada para os serviços de urgência do hospital local e da Secretaria Municipal de Saúde (Pronto Atendimento 24 Horas). Vale lembrar que nesses serviços, a maioria dos médicos trabalha sob regime de plantão, não conhecendo, via de regra, a história clínica pregressa dos pacientes atendidos, muito menos, das pessoas falecidas. Por conta disso, e vendo-se obrigados legalmente a atestar os óbitos naturais de pessoas desconhecidas, os médicos passaram a fazê-lo declarando as mortes como sendo de “causa indeterminada”, ou como “sem assistência médica”. A conseqüência direta disso foi o expressivo aumento do número de casos de óbitos declarados e classificados como causa mal definida, em 2002 e durante os anos seguintes. Nos período de 1990 a 1999, por exemplo, o número médio de óbitos classificados como “mal definidos” que era de cerca de 13 ao ano, aumentou para 37 casos no período de 2000 a 2009 e para 56 casos no período de 2010 a 2012. Prevendo que esse aumento fosse ocorrer, o Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde iniciou uma rotina de investigação de óbitos por causa mal definida, no início de 2002

[3]. Neste

processo de investigação, são realizadas uma ou mais das seguintes ações: entrevista com os familiares do falecido; contato com o médico que preencheu a declaração de óbito, com o médico assistente que atendeu, ou habitualmente atendia a pessoa antes do falecimento; pesquisa em prontuário (hospital, unidades de saúde), nos serviços de diagnóstico locais (laboratório e radiologia, por exemplo), boletins de ocorrência da polícia e registros fotográficos de jornais, sistemas de informação (SINAN, SINASC, SININTOX-BG, GEMUS) e, mais recentemente, nos registros de atendimento do SAMU de Bento Gonçalves. A história de vida e de saúde dos falecidos é investigada em busca de evidências que demonstrem a existência de doenças agudas ou crônicas prévias, comportamentos de risco, acidentes ou violências, bem como, sequelas de doenças ou acidentes e que permitam estabelecer um nexo causal com a sua morte. Essas informações são anexadas ao documento original da declaração de óbito, a fim de não alterá-lo, codificadas e digitadas no software do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). 2. Principais Resultados e Constatações da Investigação de Óbitos por Causas Mal Definidas Para melhor entender os resultados deste relatório, é necessário considerar que existem duas formas de avaliar as informações: a primeira refere-se aos resultados que seriam obtidos “sem” a investigação dos óbitos inicialmente declarados como causa mal definida; a segunda refere-se aos resultados obtidos “com” ou “após” a investigação e reclassificação dos óbitos com causa básica (inicialmente) declarada como mal definida. Por exemplo, em 2002 foram 59 mortes foram declaradas como sendo mal definidas. Após a investigação destas mortes, em 55 casos foram encontradas informações que ajudaram a estabelecer um nexo causal e redefinir a provável causa da morte (isto é, deixaram de ser mal definidos). Ou seja, em apenas 4 óbitos a investigação não encontrou nenhuma evidência de patologia que pudesse ser utilizada para esclarecer como e porque a morte teria ocorrido. Após a investigação, a causa básica destes 55 óbitos foi reclassificada e eles passaram para outros capítulos do CID 10. Em 23 casos (39,0%) a investigação encontrou evidências que permitiram reclassificar a causa básica da morte como doenças do aparelho circulatório (capítulo IX); em 9 casos (15,3%) como doenças do aparelho respiratório (capítulo X); em 5 casos como doenças do sistema nervoso (8,5%) (capítulo VI), e o restante em outros capítulos. Como resultado global do ano 2002, a proporção dos óbitos mal definidos que seria de 11,9% “sem” a investigação, reduziu-se para apenas 0,8% do total de mortes deste ano, “após” a investigação e reclassificação das 55 mortes (ver Tabela 1). A incidência das doenças do aparelho circulatório de 2002 que seria de 112,4/100.000 “sem investigação”; aumentou para 137,3/100.000 “após” a investigação e reclassificação dos 23 óbitos que haviam sido inicialmente declarados como mal definidos. A Tabela 1 mostra a série histórica de óbitos de causas mal definidas de Bento Gonçalves entre 1990 a 2012, “sem investigação” e “após” a investigação. No total do período, o município teria uma taxa de 5,9% de óbitos por causas mal definidas se a investigação destas mortes não tivesse sido realizada pela Vigilância Epidemiológica. Após a investigação, esta taxa foi reduzida para apenas 1,6% do total de mortes registradas.

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Se forem consideradas as mortes ocorridas a partir de 2002 (ano em que a investigação dos óbitos por causas mal definidas iniciou no município), a taxa de mortes mal definidas que teria sido de 8,6% “sem” investigação, diminuiu para 0,5% “após” a investigação. Entre 2002 e 2012, o número médio de óbitos mal definidos que seria de 47 casos por ano, caiu para apenas 3 casos “após” a investigação – uma redução de cerca de 94%. No período de 2002 a 2012, a Vigilância Epidemiológica investigou um total de 518 óbitos inicialmente declarados como causa mal definida, dos quais foi possível encontrar informações e definir a provável causa do óbito em 490 (94,6%). Em apenas 28 casos não se conseguiram informações complementares que ajudassem a estabelecer um nexo causal para a morte. O Gráfico 1 mostra a evolução das taxas de mortalidade por causas mal definidas no Brasil, no RS e em Bento Gonçalves. Observa-se uma redução progressiva destas taxas ao longo dos anos, principalmente no país. No RS, apesar da queda, as taxas têm se mantido entre 4,3 e 4,7% desde 2008. No município, com o processo de investigação iniciado em 2002, as taxas dos óbitos mal definidos têm permanecido abaixo de 1%, chegando a 0,0% em 2012. A principal constatação deste trabalho foi a de que a grande maioria dos casos de óbito natural, declarados pelos médicos como causa mal definida, eram, de fato, de pessoas vitimadas por doenças crônico-degenerativas

[9], para as quais vinham fazendo algum tipo de acompanhamento ou tratamento. Essas

informações sobre o passado clínico da pessoa falecida, constatadas pela equipe do Serviço de Vigilância Epidemiológica, poderiam ter sido registradas pelo médico, por ocasião do preenchimento da declaração de óbito (na parte II da DO), como informações clínicas adicionais do caso. O não registro dessas informações se deve, entre outras causas, a: desconhecimento do médico sobre como preencher a declaração do óbito; falta de tempo ou de interesse do profissional em qualificar o registro, o que implica conversar com os familiares da pessoa falecida sobre a história clínica da pessoa falecida e certificar-se das informações. A desqualificação do registro de dados clínicos na declaração de óbito agrava-se pela constatação de casos em que a pessoa falecida estava internada no hospital por ocasião do óbito, e, a despeito de existir diagnóstico definido no prontuário, o médico que declarou o óbito, alegando “insuficiência de informações”, ou “não conhecimento do caso”, declara-o como “causa indeterminada”. Neste aspecto, deve-se lembrar que a legislação federal, incluindo, aqui, as recomendações do Conselho Federal de Medicina

[10], são unânimes em reconhecer a importância da declaração de óbito como

importante instrumento epidemiológico, comprometendo a classe médica com a qualificação das informações prestadas. O que se quer dizer com isso, é que, em nosso município, a declaração de um óbito como causa mal definida não ocorre, necessariamente, por problemas de acesso aos serviços de saúde, como sugerem os altos coeficientes de mortalidade por causa mal definida em algumas regiões, mas, sim, por questões relacionadas à falta de qualidade no registro das informações sobre a situação de saúde da pessoa falecida, antes do óbito. 3. Principais Características dos Óbitos por Causas Mal Definidas O Serviço de Vigilância Epidemiológica avaliou as características dos 518 óbitos mal definidos residentes em Bento Gonçalves e ocorridos e investigados entre 2002 e 2012. 3.1 - Óbitos por Causas Mal Definidas por Local de Ocorrência do Óbito A investigação dos óbitos residentes de causa mal definida mostrou que em 56,4% dos casos o local de ocorrência da morte tem sido foi o próprio domicílio do falecido (ver Gráfico 2). Em geral, as pessoas que morrem no próprio domicílio são encontradas por algum familiar que acaba chamando a ambulância do hospital, do Pronto Atendimento Médico 24 Horas (PAM) da Secretaria Municipal de Saúde, dos bombeiros, ou ainda, a polícia civil ou militar. Os corpos dos falecidos são levados para o serviço de urgência do hospital, para o PAM, ou para o IML de Bento Gonçalves. Como os médicos plantonistas destes serviços não conhecem a história clínica dos falecidos e, diante da constatação de um óbito natural (sem indícios de violência), acabam por declará-lo como morte de causa desconhecida, ou sem assistência médica. Em 30,5% dos óbitos inicialmente classificados como mal definidos, o paciente estava internado ou em atendimento ambulatorial no hospital ou no PAM por ocasião da morte. A investigação verificou que numa parte destes casos, o paciente havia sido levado ao serviço de urgência já em risco de vida, vindo a morrer durante o atendimento de urgência ou horas após o mesmo, não sendo possível para a equipe definir um diagnóstico da provável patologia causadora da morte. Em alguns casos, entretanto, constatou-se que, o paciente encontrava-se internado no hospital há vários dias antes do óbito, e que embora existisse um diagnóstico definido no prontuário, o óbito havia sido declarado como sendo de causa desconhecida, porque o médico atestante era o plantonista (e não o médico assistente) que alegava não conhecer o paciente. Estes médicos foram orientados pela equipe do Serviço de Vigilância Epidemiológica sobre o fato

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de que, mesmo não sendo o médico assistente, deveriam preencher a declaração de óbito de acordo com as informações do prontuário do paciente. Como conseqüência, esta situação foi saneada. 3.2 - Óbitos por Causas Mal Definidas Por Faixa Etária e Sexo A avaliação dos 518 óbitos mal definidos ocorridos entre 2002 e 2012 observou que na maioria dos anos os homens morreram mais do que as mulheres por causas mal definidas. A exceção ocorreu no ano 2010 (ver Gráfico 3). A incidência média masculina tem sido de 54,0 óbitos por 100.000 homens contra 37,6 óbitos por 100.000 mulheres. Tanto os homens como as mulheres morreram mais por causas mal definidas na faixa etária de 70 anos e mais (ver Gráfico 4). Em relação à faixa etária (ambos os sexos), observa-se uma alta incidência de óbitos mal definidos na população idosa, atingindo um coeficiente médio de 489,0 óbitos por 100.000 habitantes nas pessoas com 70 anos e mais (ver Gráfico 5). Estas características são semelhantes às observadas nacionalmente, isto é, maior predominância de óbitos mal definidos entre homens e em idosos

[2].

É importante lembrar que os óbitos residentes em Bento Gonçalves, classificados como mal definidos, referiam-se, em essência, a pessoas com doenças crônico-degenerativas. Como se sabe, este grupo de doenças é naturalmente mais comum em idosos. Além disso, deve-se considerar que muitos pacientes com doenças crônico-degenerativas, mesmo na fase final da doença, permanecem em casa, sob os cuidados da sua família. Como foi explicado anteriormente, os óbitos ocorridos no domicílio são atestados por médicos em serviços de saúde que, em regra, não conhecem estes pacientes, nem sua história clínica. Por essa razão, acabam declarando a morte como de causa mal definida. Estas situações explicariam a maior incidência de óbitos classificados como mal definidos na faixa etária de 70 anos e mais. 4. Comparação dos Óbitos por Causas Mal Definidas Antes e Após a Investigação Dos 518 óbitos mal definidos ocorridos e investigados durante o período de 2002 a 2012, o Serviço de Vigilância Epidemiológica conseguiu definir a causa do óbito em 490 casos (94,6%). No Gráfico 6, pode-se observar os coeficientes de mortalidade por causas mal definidas, “sem” o processo de investigação e após a investigação. Em 2002, por exemplo, se os 59 óbitos inicialmente classificados como mal definidos não tivessem sido investigados, o coeficiente de mortalidade seria de 63,8 óbitos por 100.000 habitantes – um aumento relativo de cerca de 460,0%, em relação ao ano anterior. Com a investigação desses óbitos, esse coeficiente reduziu-se para 3,1 óbitos por 100.000 habitantes, cerca de 71,0% menor do que o coeficiente de 2001. “Sem” o processo de investigação, o coeficiente de mortalidade das causas mal definidas seria de 49,2 por 100.000 habitantes em 2012; e as causas mal definidas corresponderiam a 2ª principal causa de morte do município. Após a investigação, o coeficiente de mortalidade foi reduzido para zero em 2012, e o diabete mellito passou a constar como a 2ª causa de morte dos bentogonçalvenses. A Tabela 2 mostra como foram reclassificados os 518 óbitos mal definidos, após a investigação: 45,2% foram reclassificados como doenças do aparelho circulatório (234 casos); 9,8% foram reclassificados como doenças do aparelho respiratório e como causas violentas; 9,1% foram reclassificados como doenças endócrinas e metabólicas. Ainda houve casos reclassificados como transtornos mentais e comportamentais, doenças do sistema nervoso, neoplasias, entre outros. Do ponto de vista epidemiológico, esses resultados são compatíveis com o quadro de mortalidade encontrado no município, ao longo dos anos. Em apenas 5,4% dos óbitos inicialmente declarados como mal definidos, a investigação não encontrou evidências ou história de doenças ou agravos que pudessem ser utilizados para redefinir e reclassificar a causa da morte. 5. Impacto da Investigação dos Óbitos Mal Definidos Sobre o Perfil de Mortalidade do Município O processo de investigação de óbitos não resultou apenas na redução dos coeficientes de mortalidade das causas mal definidas. A medida em que as causas destes óbitos foram sendo definidas, elas foram reclassificadas e passaram a ser agregadas em outros grupos de doenças do CID 10.

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A Tabela 3 mostra os resultados que seriam obtidos “sem” a investigação dos óbitos mal definidos e os que foram efetivamente alcançados após a investigação e reclassificação dos óbitos inicialmente declarados como causa mal definida. Entre 2002 a 2012, a investigação e redefinição das causas de morte permitiu agregar ao grupo das doenças do aparelho circulatório 234 óbitos que teriam permanecido mal definidos sem a investigação. O total de mortes por doenças do aparelho circulatório teria sido de 1.474, com uma incidência média de 130,0 óbitos por 100.000. Após a investigação, este total aumentou para 1.708 (+15,9%), resultando numa incidência média de 150,7 por 100.000. As doenças do aparelho circulatório foram o grupo que mais agregou casos de morte inicialmente declarados como mal definidos. Os transtornos mentais e comportamentais foram o grupo que, proporcionalmente, apresentou o maior aumento após a investigação e redefinição das mortes mal definidas (108,6%). A grande maioria dos casos reclassificados neste grupo referia-se a alcoolismo (F10.1-F10.2). Dos 518 óbitos mal definidos que foram investigados, 79,7% referiam-se a doenças crônicas não transmissíveis, com destaque para as doenças cardiovasculares (I00-I99) – 56,7% (ver Gráfico 7). 6. Conclusões A investigação dos óbitos mal definidos é uma estratégia que contribui para qualificar os registros de mortalidade. Ela ajuda a estabelecer e a definir o provável nexo causal das mortes, reduzindo sensivelmente a proporção de óbitos mal definidos. Em Bento Gonçalves, o Serviço de Vigilância Epidemiológica conseguiu definir a causa da morte em 94,6% dos casos inicialmente classificados como mal definidos. Na sua grande maioria, estes óbitos referiam-se a pessoas idosas que tinham uma história clínica de doença crônico degenerativa no momento da morte e que haviam morrido no próprio domicílio ou em um serviço de saúde durante ou horas após o atendimento de urgência ter sido prestado. A principal razão para estes óbitos terem sido declarados como “causa desconhecida” é o fato dos médicos atestantes não conhecerem a história clínica dos falecidos e não colocarem informações sobre a mesma na declaração de óbito. O processo de investigação teve um impacto positivo sobre o perfil de mortalidade do município, principalmente em relação às doenças do aparelho circulatório.

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Tabela 1. Número e Proporção de Óbitos Mal Definidos (MD) Sem Investigação e Após Investigação, Bento Gonçalves, 1990 a 2012.

*Ano em que a Vigilância Epidemiológica iniciou o processo de investigação dos óbitos mal definidos em Bento Gonçalves Tabela 2. Reclassificação dos Óbitos de Causa Mal Definida Após a Investigação Segundo CID 10, Bento Gonçalves, 2002 a 2012.

Classificação CID 10 Total (%)

1. Doenças Infecciosas e Parasitárias 5 1,0

2. Neoplasias 22 4,2

3. Doenças do Sangue, Órgãos Hematol. e Transt. Imunitários 1 0,2

4. Doenças Endócrinas, Nutricionais e Metabólicas 47 9,1

5. Transtornos Mentais e Comportamentais 38 7,3

6. Doenças do Sistema Nervoso 20 3,9

7. Doenças dos Olhos e Anexos 0 0,0

8. Doenças do Ouvido e da Apófise Mastóide 0 0,0

9. Doenças do Aparelho Circulatório 234 45,2

10. Doenças do Aparelho Respiratório 51 9,8

11. Doenças do Aparelho Digestivo 8 1,5

12. Doenças Pele e Tecido Subcutâneo 1 0,2

13. Doenças do Sistema Osteomuscular 4 0,8

14. Doenças do Aparelho Geniturinário 4 0,8

15. Gravidez, Parto e Puerpério 1 0,2

16. Afecção Perinatal 1 0,2

17. Malformações Congênitas 2 0,4

18. Mal Definidas 28 5,4

20. Causas Violentas 51 9,8

Total 518 100,0

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Tabela 3. Comparação da Incidência Média de Mortalidade Sem Investigação e Após a Investigação e Reclassificação dos Óbitos Mal Definidos Segundo CID 10, Bento Gonçalves, 2002 a 2012.

*IM: Incidência Média (por 100.000)

Gráfico 1. Mortalidade por Causas Mal Definidas Proporcional (%) por Ano, Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul e Brasil, 1990 a 2012.

Gráfico 2. Mortalidade por Causas Mal Definidas por Local de Ocorrência do Óbito Proporcional (%), Bento Gonçalves, 2002 a 2012 (n= 518).

Óbitos por Causas Mal Definidas por Local de Ocorrência do

Óbito, Bento Gonçalves, 2002 a 2012 (n= 518)

30,5%

0,6%5,1%

7,4%

56,4%Domicílio

Hospital

Outros*

Via Pública

Ignorado

13

Gráfico 3. Mortalidade por Causas Mal Definidas Sem Investigação por Sexo e Ano por 100.000 Habitantes, Bento Gonçalves, 2002 a 2012 (n= 518).

Gráfico 4. Incidência Média da Mortalidade por Causas Mal Definidas Sem Investigação por Sexo e Faixa Etária por 100.000 Habitantes, Bento Gonçalves, 2002 a 2012 (n= 518).

Gráfico 5. Incidência Média da Mortalidade por Causas Mal Definidas Sem Investigação por Faixa Etária por 100.000 Habitantes, Bento Gonçalves, 2002 a 2012 (n= 518).

14

Gráfico 6. Incidência da Mortalidade Por Causas Mal Definidas Sem Investigação e Após a Investigação Por 100.000 Habitantes Por Ano, Bento Gonçalves - 1990 a 2012

Gráfico 7. Reclassificação dos Óbitos de Causas Mal Definidas Após Investigação Segundo CID 10, Bento Gonçalves, 2002 a 2012 (n= 518).

15

Referências Bibliográficas: 1. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª Revisão (CID

10). Editora da Universidade de São Paulo, 1993. 2. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em

Saúde. Saúde Brasil 2006: uma análise da situação de saúde no Brasil. Brasília, 2006. 3. ROSA, José Antônio Rodrigues da; Biasus, Letícia. Redução das taxas de mortalidade por causas mal

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4. SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE DO RS. Estatísticas de saúde - mortalidade, Núcleo de Informação em Saúde, SES/RS, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998-1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012 (no site da SES do RS).

5. SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE DO RS. CENTRO ESTADUAL DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Programação pactuada integrada epidemiologia e controle de doenças (PPI-ECD) 2004. Notas Técnicas. RS, 2004.

6. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 91/GM de 10 de janeiro de 2007. 7. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 1.580/GM de 19 de julho de 2012. 8. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual para investigação do óbito com

causa mal definida. Brasília, 2008. 9. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação

Interfederativa. Caderno de diretrizes, objetivos, metas e indicadores: 2013 – 2015. Brasília, 2013. 10. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. O atestado de óbito e a formulação de políticas públicas. In:

Revista do Conselho Federal de Medicina, dezembro de 2004-janeiro de 2005. 11. SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA. Portaria conjunta nº001 de 12 de

fevereiro de 2001. In: Diário Oficial da União. Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2001.