moradores da chocolatão reencontram dignidade

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Moradores da Chocolatão reencontram a dignidade Mariana Amaro No dia 12 de maio de 2011, as 180 famílias que moravam dentro de um depósito de lixo, atrás da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, foram relocadas para uma rua transversal ao final da Av. Protásio Alves. Desconfiadas, deixaram as moscas e as madeiras podres da antiga vizinhança para encontrar o inacreditável: dignidade. Casas geminadas de até dois andares, pintadas em três tons de cores pastéis, ruas pavimentadas, água e esgotos canalizados e gramados verdes bem aparados os esperavam. Depois de 40 anos de descaso, os papeleiros do Centro podem, finalmente, chamar um lugar de seu. “Problemas? Perto do que tínhamos lá, não tem. Sempre há os descontentes, mas não conseguem nem o que reclamar”, empolgase o presidente da associação da comunidade, Soli Olmar da Silva, vulgo Neguinho, 42 anos, dono de um mercadinho ligado a seu lar cor de pêssego. Jackson Adriano Ribeiro da Silva, nove anos, e Assis Cunha Riogrande, 12 anos, comemoram a melhora em “cem por cento” jogando bola nas ruas sem barro. Mas Assis, invocando palavras maternas, adverte: “O ruim é que os hospitais são longe”. A infância que vai valer mais de sete centavos o kg Franzina e loira, Francielini Marques Silva, dez anos, arrasta uma mesa de ferro para reciclar. Comemora, pois o objeto parece pesado e a reciclagem paga sete centavos o quilo. Ela se perde entre papéis mofados, tampas de privadas, cabides enferrujados, cortiços quebrados e outros restos que ninguém mais quis, atrás de tesouros do lixo. Uma das poucas remanescentes, na terçafeira a família de seis pessoas se muda para a Nova Chocolatão. Mal podem esperar. Em frente à construção tipo galpão onde Francielini mora, sua tia Deise da Silva, 21, se prepara para a mudança. “Não conheço o lugar pessoalmente, mas ouvi dizer que é bem melhor. Não é difícil”, diz. Ao lado, a filha de quatro meses, Alana Marques, sorri. Diferente de sua prima, ela nunca vai saber o que é catar sucata no pátio de casa.

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Reportagem para a disciplina de Redação Jornalística ministrada pelo professor Marques Leonam na Famecos - PUCRS.

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Page 1: Moradores da Chocolatão reencontram dignidade

Moradores  da  Chocolatão  reencontram  a  dignidade      

Mariana  Amaro      

No  dia  12  de  maio  de  2011,  as  180  famílias  que  moravam  dentro  de  um  depósito  de  lixo,  atrás  da  Câmara  de  Vereadores  de  Porto  Alegre,  foram  relocadas  para  uma  rua  transversal  ao  final  da  Av.  Protásio  Alves.  Desconfiadas,  deixaram  as  moscas  e  as  madeiras  podres  da  antiga  vizinhança  para  encontrar  o  inacreditável:  dignidade.  

Casas  geminadas  de  até  dois  andares,  pintadas  em  três  tons  de  cores  pastéis,  ruas  pavimentadas,  água  e  esgotos  canalizados  e  gramados  verdes  bem  aparados  os  esperavam.  Depois  de  40  anos  de  descaso,  os  papeleiros  do  Centro  podem,  finalmente,  chamar  um  lugar  de  seu.                     “Problemas?  Perto  do  que  tínhamos  lá,  não  tem.  Sempre  há  os  descontentes,  mas  não  conseguem  nem  o  que  reclamar”,  empolga-­‐se  o  presidente  da  associação  da  comunidade,  Soli  Olmar  da  Silva,  vulgo  Neguinho,  42  anos,  dono  de  um  mercadinho  ligado  a  seu  lar  cor  de  pêssego.  Jackson  Adriano  Ribeiro  da  Silva,  nove  anos,  e  Assis  Cunha  Riogrande,  12  anos,  comemoram  a  melhora  em  “cem  por  cento”  jogando  bola  nas  ruas  sem  barro.  Mas  Assis,  invocando  palavras  maternas,  adverte:  “O  ruim  é  que  os  hospitais  são  longe”.      A  infância  que  vai  valer  mais  de  sete  centavos  o  kg      

Franzina  e  loira,  Francielini  Marques  Silva,  dez  anos,  arrasta  uma  mesa  de  ferro  para  reciclar.  Comemora,  pois  o  objeto  parece  pesado  e  a  reciclagem  paga  sete  centavos  o  quilo.  Ela  se  perde  entre  papéis  mofados,  tampas  de  privadas,  cabides  enferrujados,  cortiços  quebrados  e  outros  restos  que  ninguém  mais  quis,  atrás  de  tesouros  do  lixo.  Uma  das  poucas  remanescentes,  na  terça-­‐feira  a  família  de  seis  pessoas  se  muda  para  a  Nova  Chocolatão.  Mal  podem  esperar.    

Em  frente  à  construção  tipo  galpão  onde  Francielini  mora,  sua  tia  Deise  da  Silva,  21,  se  prepara  para  a  mudança.  “Não  conheço  o  lugar  pessoalmente,  mas  ouvi  dizer  que  é  bem  melhor.  Não  é  difícil”,  diz.  Ao  lado,  a  filha  de  quatro  meses,  Alana  Marques,  sorri.  Diferente  de  sua  prima,  ela  nunca  vai  saber  o  que  é    catar  sucata  no  pátio  de  casa.