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 CIDADANIA, DIGNIDADE HUMANA E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini * V iviane Coêlho de Séllos Knoerr **  SUMÁRIO: Introdução; 2. Dir eito fundamental à boa Administração Públic a; 3. Princípio da eciência e normatividade; 3.1 Princípio supranacional; 3.2  Direito público subjetivo de cidadania; 4. A signicação de eciência; 4.1  Prin cípi o “bipo tenc ial” ; 4.2 Menor sacri fíc io para os admin istr ados; 5.  Eciência econômica e eciência administrativa; 5.1 Eciência e dignidade humana; 5.2 Os direitos fundamentais como elementos do conceito de eciência administrativa; 6. Considerações nais; Referências. RESUMO: O princípio constitucional da eciência, inspirado na eciência econômica, própria do setor empresarial, foi adotado no Brasil em 1998 em função das reformas neoliberais ocorridas na década de 90, mediante o ideal de redução do tamanho do Estado e da adoção de práticas gerenciais de administração. O que se pretende demonstrar com esta pesquisa é que o princípio da eciência não se equivale à eciência econômica – embora não a ignore –, derivando do princípio da boa Administração do Direito italiano, devendo ser interpretado no conjunto dos demais princípios constitucionais. Além disso, cuida-se de um direito de cidadania, cuja aplicação concreta merece considerar a dignidade humana em seu conteúdo, visando a implementar, inclusive, os direitos fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: Eciência econômica; Princípio da boa administração; Princípio constitucional da eciência; Direito público subjetivo à eciência e * Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Docente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curi- tiba – UNICURITIBA. Linha de Pesquisa - Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidad e; Líder do grupo de pesquisa “Ética, direitos fundamentais e responsabilidad e social”; Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: mateusber - [email protected] ** Doutora em Direito do Estado e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica – PUCSP; Especialista em Direito Processual Civil pela PUCCAMP; Coordenadora e Docente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA; Linha de Pesquisa - Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade. Líder do Grupo de pesquisa: “Direito Empresarial e Cidadania no século XXI”. Advogada nos estados de São Paulo e Paraná. E-mail: viviane@ sellosknoerr.com.br

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CIDADANIA, DIGNIDADE HUMANA E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

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  • CIDADANIA, DIGNIDADE HUMANA E O PRINCPIO DA EFICINCIA

    Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini*Viviane Colho de Sllos Knoerr**

    SUMRIO: Introduo; 2. Direito fundamental boa Administrao Pblica; 3. Princpio da eficincia e normatividade; 3.1 Princpio supranacional; 3.2 Direito pblico subjetivo de cidadania; 4. A significao de eficincia; 4.1 Princpio bipotencial; 4.2 Menor sacrifcio para os administrados; 5. Eficincia econmica e eficincia administrativa; 5.1 Eficincia e dignidade humana; 5.2 Os direitos fundamentais como elementos do conceito de eficincia administrativa; 6. Consideraes finais; Referncias.

    RESUMO: O princpio constitucional da eficincia, inspirado na eficincia econmica, prpria do setor empresarial, foi adotado no Brasil em 1998 em funo das reformas neoliberais ocorridas na dcada de 90, mediante o ideal de reduo do tamanho do Estado e da adoo de prticas gerenciais de administrao. O que se pretende demonstrar com esta pesquisa que o princpio da eficincia no se equivale eficincia econmica embora no a ignore , derivando do princpio da boa Administrao do Direito italiano, devendo ser interpretado no conjunto dos demais princpios constitucionais. Alm disso, cuida-se de um direito de cidadania, cuja aplicao concreta merece considerar a dignidade humana em seu contedo, visando a implementar, inclusive, os direitos fundamentais.

    PALAVRAS-CHAVE: Eficincia econmica; Princpio da boa administrao; Princpio constitucional da eficincia; Direito pblico subjetivo eficincia e

    * Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paran UFPR; Docente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitrio Curi-tiba UNICURITIBA. Linha de Pesquisa - Atividade Empresarial e Constituio: Incluso e Sustentabilidade; Lder do grupo de pesquisa tica, direitos fundamentais e responsabilidade social; Procurador de Justia do Ministrio Pblico do Estado do Paran. E-mail: [email protected] ** Doutora em Direito do Estado e Mestre em Direito das Relaes Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica PUCSP; Especialista em Direito Processual Civil pela PUCCAMP; Coordenadora e Docente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitrio Curitiba UNICURITIBA; Linha de Pesquisa - Atividade Empresarial e Constituio: Incluso e Sustentabilidade. Lder do Grupo de pesquisa: Direito Empresarial e Cidadania no sculo XXI. Advogada nos estados de So Paulo e Paran. E-mail: [email protected]

  • Revista Jurdica Cesumar - Mestrado, v. 12, n. 1, p. 237-257, jan./jun. 2011 - ISSN 1677-6402 238

    cidadania; Eficincia e dignidade humana; Eficincia e direitos fundamentais.

    CITIZENSHIP, HUMAN DIGNITY AND THE PRINCIPLE OF EFFICIENCY

    ABSTRACT: The constitutional right of efficiency, inspired by economic efficaciousness, proper to entrepreneurship, was introduced in Brazil in 1988 owing to neo-liberal reforms in the 1990s. It foregrounded the ideal of decreasing the size of the State machine and the introduction of management practices in State administration. Current research shows that the efficiency principle is not equal to economic efficaciousness, albeit it does not discard it. Rather, it derives from the Italian principle of good Law Administration and should be interpreted within the other constitutional principles. Further, the citizenship right is protected and its concrete application should take into account human dignity in all its consequences so that fundamental rights could be also deployed.

    KEYWORDS: Economic efficiency; The principle of good administration; The constitutional principle of efficiency; Public right subjected to efficiency and citizenship; Efficiency and human dignity; Efficiency and fundamental rights.

    CIUDADANIA, DIGNIDAD HUMANA Y EL PRINCIPIO DE LA EFICIENCIA

    RESUMEN: El principio constitucional de la eficiencia, inspirado en la eficiencia econmica, propia del sector empresarial, fue adoptado en Brasil en 1998 en funcin de las reformas neoliberales ocurridas en la dcada de 1990, mediante el ideal de reduccin del tamao del Estado y de la adopcin de prcticas gerenciales de administracin. Lo que se pretende demostrar con esa investigacin es que el principio de eficiencia no se equipara a la eficiencia econmica aunque no la ignore -; derivando del principio de la buena Administracin del Derecho italiano, debiendo ser interpretado en el conjunto de los dems principios constitucionales. Adems de eso, se cuida de un derecho de ciudadana, cuya aplicacin concreta merece considerar la dignidad humana en su contenido, visando implementar, incluso, los derechos fundamentales.

    PALABRAS-CLAVE: Eficiencia econmica; Principio de buena administracin; Principio constitucional de eficiencia; Derecho pblico subjetivo a la eficiencia y ciudadana; Eficiencia y dignidad humana; Eficiencia y derechos fundamentales.

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    INTRODUO

    O tema deste artigo consiste na apurao da relao entre a eficincia na Administrao Pblica, a priori inspirada no modelo gerencial de resultados, e a sua relao com a cidadania e a dignidade humana, ou seja, com as promessas constitucionais de implementao de um complexo e rico catlogo de direitos fundamentais, cuja materializao no raramente incompatvel com a eficincia econmica de busca resultados timos, prpria do meio empresarial no qual inspirou a j distante reforma de 1998.

    Justifica-se a pesquisa exatamente para avaliar a relao existente entre eficincia econmica e eficincia na Administrao Pblica; entre esses contedos e o princpio constitucional da eficincia; entre esse princpio e os demais princpios da Administrao Pblica; entre o princpio da eficincia e a implementao da cidadania tal qual delineada pelo Texto de 1988, relao essa, como afirmado, aparentemente tensa e contraposta, pois a eficincia econmica nem sempre oferece trato compatvel com a dignidade humana, na sua busca prioritria de resultados econmicos.

    Sem olvidar de outras questes, a pergunta essencial a ser enfrentada a seguinte: possvel compatibilizar-se o inegvel trao econmico do princpio constitucional da eficincia com a implementao de direitos fundamentais, cuja realizao economicamente ineficiente relativamente sua no implementao, como na hiptese de polticas de ao afirmativa?

    Para a realizao da pesquisa ser utilizado o mtodo terico-bibliogrfico, pelo qual sero aplicados textos constantes de livros, artigos e publicaes jurdicas no geral. Abordar-se- o tema de maneira dedutiva e dialtica, partindo-se da anlise de dispositivos legais do Direito brasileiro e do Direito internacional que tratam do princpio da eficincia e das questes relacionadas cidadania, dignidade humana e aos direitos fundamentais.

    Espera-se com esta pesquisa demonstrar o impacto que o princpio constitucional da eficincia pode alcanar na inafastvel relao axiolgica que mantm com a atuao da Administrao Pblica, inclusive na efetivao de direitos fundamentais.

    2 DIREITO FUNDAMENTAL BOA ADMINISTRAO PBLICA

    O princpio da eficincia parte integrante do direito fundamental

  • Revista Jurdica Cesumar - Mestrado, v. 12, n. 1, p. 237-257, jan./jun. 2011 - ISSN 1677-6402 240

    boa Administrao Pblica.Na Itlia, dentre os princpios constitucionais explcitos da atividade

    administrativa, h o princpio da boa Administrao ou princpio do bom andamento da Administrao, que tem na eficincia uma de suas acepes. O art. 97 da Constituio italiana assim prescreve: Os rgos pblicos so organizados segundo as disposies da lei e de modo que sejam assegurados o bom andamento e a imparcialidade da Administrao Pblica.1

    Resta citado por Delpino e Giudice, explicam que:

    o princpio da boa administrao indica a obrigao dos funcionrios administrativos e em geral para todos os agentes da administrao, de desenvolverem a atividade administrativa segundo a modalidade mais idnea e oportuna para o fim de eficcia, eficincia, rapidez e economicidade da ao administrativa, com o menor sacrifcio dos interesses particulares de cada um. 2

    O princpio constitucional da eficincia inserido pela EC 19/98 no art. 37, caput, da Constituio de 1988, nada mais seria do que uma faceta do princpio da boa administrao do Direito italiano,3 posto esperar-se dos nossos agentes pblicos o desenvolvimento da atividade administrativa igualmente de forma idnea, eficaz, rpida e econmica.

    Para alm da ideia de eficincia, Juarez Freitas reconhece a existncia entre ns do prprio princpio da boa Administrao, compreendido por ele com um direito fundamental, qual seja, o direito fundamental boa Administrao Pblica, definido pelo autor do seguinte modo:

    1 I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge in modo que siano assicurati il buon andamento e limparzialit dellamministrazione.2 DELPINO, l.; GIUDICE, F. Del. Diritto Amministrativo: fonti, soggetti, atti, mezzi, beni, compiti, responsabilit, giustizia, 12.ed. Edizioni Simone, 1994/95, p.354: Il principio di buona amministrazione (art. 97 Cost.) indica lobbligo per i funzionari amministrativi ed in genere per tutti gli agenti dellamministrazione, di svolgere la propria attivit secondo le modalit pi idonee ed opportune al fine della efficacia, efficienza, speditezza ed economicit dellazione amministrativa, con il minor sacrificio degli interessi particolari dei singoli (RESTA). O princpio de boa administrao (art. 97 Const.) indica a obrigao para os funcionrios administrativos e em geral para todos os agentes da administrao, de desenvolver a prpria atividade conforme as modalidades mais idneas e adequadas para a eficcia, eficincia, rapidez e economia da ao administrativa, com o menor sacrifcio dos interesses particulares dos cidados (RESTA).3 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. So Paulo, SP: Malheiros, 2006, p. 110.

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    [...] trata-se do direito fundamental administrao pblica eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparncia, motivao, imparcialidade e respeito moralidade, participao social e plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administrao pblica observar, nas relaes administrativas, a cogncia da totalidade dos princpios constitucionais que a regem.4

    Dentre os elementos componentes desse conceito, destaca-se o direito Administrao Pblica eficiente, comprometida com resultados harmnicos com os objetivos fundamentais da Constituio, alm de redutora dos conflitos intertemporais, que s fazem aumentar os chamados custos de transao,5 apresentando-se o dever de eficincia administrativa como um dos mais destacados componentes do aludido direito fundamental, cuja normatividade indeclinvel.

    3 PRINCPIO DA EFICINCIA E NORMATIVIDADE

    A eficincia da Administrao Pblica, atualmente princpio constitucional, sempre esteve presente entre ns enquanto dever do administrador pblico, e, portanto, da prpria Administrao Pblica, cujos comportamentos lhe so imputados.

    O princpio constitucional da eficincia foi inserido no ordenamento jurdico brasileiro pela Emenda Constitucional n 19/98, que o acrescentou ao art. 37, caput, da Constituio Federal. Tal norma referida tambm no art. 2, caput, da Lei de Processo Administrativo (Lei n 9.784/92)6 e no art. 6, 1, da Lei de Concesso e Permisso dos Servios Pblicos (Lei n 8.987/95).7

    4 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental boa administrao pblica. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 22.5 Ibidem, 2009, p. 23.6 Art. 2 A Administrao Pblica obedecer, dentre outros, aos princpios da legalidade, finalidade, motivao, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditrio, segurana jurdica, interesse pblico e eficincia.7 Art. 6 Toda concesso ou permisso pressupe a prestao de servio adequado ao pleno atendimento dos usurios, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. 1 Servio adequado o que satisfaz as condies de regularidade, continuidade, eficincia, segurana, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestao e modicidade das tarifas.

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    O princpio da eficincia no novo entre ns.8 No , tambm, exclusividade do direito brasileiro, correspondendo ao dever de boa administrao da doutrina italiana, como anteriormente referido.9

    Este princpio est previsto tambm explicitamente em outros ordenamentos jurdicos. Alexandre de Moraes leciona que a Constituio da Espanha,10 promulgada em 27 de dezembro de 1978, a Constituio das Filipinas, de 5 de outubro de 1986, e a Constituio da Repblica do Suriname, de 31 de outubro de 1987, consagram expressamente o princpio da eficincia.11

    No caso brasileiro, desde a Reforma Administrativa de 25 de fevereiro de 1967 j se falava de eficincia na Administrao Pblica, no como norma constitucional, mas como disposio de ndole infraconstitucional, que impunha aos agentes pblicos o dever de eficincia, dever que sempre vinculou a atuao da Administrao Pblica,12 obrigando-lhe a atuar de modo rpido e preciso, para produzir resultados que satisfaam as necessidades da populao, no dizer de Odete Medauar.13

    Demais disso, a prpria Constituio Federal de 1988, quando de sua promulgao, j se referia eficincia na Administrao Pblica ao estabelecer em seu art. 74, inc. II, que os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio, mantero, de forma integrada, sistema de controle interno para comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto eficcia e eficincia, da gesto oramentria, financeira e patrimonial nos rgos e entidades da administrao federal, bem como da aplicao de recursos pblicos por entidades de direito privado.14

    8 MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: emenda constitucional n.o 19/98. So Paulo, SP: Atlas, 1999, p. 25.9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. So Paulo, SP: Malheiros, 1997, p. 90-91.10 A Constituio Espanhola, no seu art. 103, fala em princpio da eficcia.11 MORAES, op cit., 1999, p. 26-27.12 Como leciona Lcia Valle Figueiredo: Ao que nos parece, pretendeu o legislador da Emenda 19 simplesmente dizer que a Administrao deveria agir com eficcia. Todavia, o que podemos afirmar que sempre a Administrao deveria agir eficazmente. isso o esperado dos administradores. (FIGUEIREDO, Lcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. So Paulo, SP: Malheiros, 2008, p. 64-65.)13 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11. ed. So Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2007, p. 127.14 Sobre esse dispositivo, Manoel Gonalves Ferreira Filho comentou: Avaliao de resultados. Esta concerne essencialmente ao Poder Executivo, e administrao, direta e indireta, que a ele se sujeitam. Com relao s suas atividades que cabe apreciar a eficcia e eficincia, quanto a resultados, de sua gesto oramentria, financeira e patrimonial. (FERREIRA FILHO,

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    O Superior Tribunal de Justia,15 informa a doutrina,16 j havia reconhecido o princpio da eficincia anteriormente Emenda Constitucional n.o 19/98, norma essa considerada pea fundamental da reforma administrativa,17 posto representar a substituio do modelo burocrtico pelo modelo gerencial de Administrao Pblica, to em voga naquele momento histrico, influenciado pelos ideais do neoliberalismo econmico do incio da dcada de 90 do sculo passado, em pleno vigor nas primeiras dcadas deste sculo XXI.

    A irrecusvel normatividade da eficincia na Administrao Pblica brasileira encontra fundamentao igualmente no plano internacional.

    3.1 PRINCPIO SUPRANACIONAL

    O princpio da eficincia, alm de princpio constitucional e legal expresso do Direito brasileiro, norma supranacional, encontrando previso categrica na Conveno Interamericana Contra a Corrupo e na Conveno das Naes Unidas Contra a Corrupo.

    A Conveno Interamericana Contra a Corrupo (CICC), promulgada entre ns pelo Decreto n 4.410, de 7 de outubro de 2002, prev a eficincia no seu art. III, n 2, como uma das medidas preventivas no combate corrupo administrativa, recomendando aos Estados Partes a criao, manuteno e fortalecimento de sistemas de recrutamento de funcionrios pblicos e de aquisio de bens e servios por parte do Estado de forma a assegurar sua transparncia, equidade e eficincia.

    Agustn Gordillo, ao comentar a Conveno Interamericana Contra a Corrupo, pontifica constituir-se a eficincia num novo princpio de Direito Administrativo supranacional, (...) especialmente em matria de contrataes pblicas. Mencionada Conveno, impe uma obrigao de resultado, qual seja a eficincia no gasto ou inverso pblica na contratao estatal (...) e

    Comentrios Constituio brasileira de 1988. 2. ed. So Paulo, SP, Malheiros, 2009. v.1, p. 411.)15 BRASIL. Superior Tribunal de Justia 6.a Turma Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana n.o 5.590/95-DF Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Dirio da Justia, Seo I, 10/06/1996, p.20.395.16 CARDOZO, Jos Eduardo Martins. Princpios constitucionais da administrao pblica (de acordo com a Emenda Constitucional n.o 19/98). In: MORAES, Alexandre (Coord.) Os 10 anos da Constituio Federal. So Paulo, SP: Atlas, 1999, p. 164. 17 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princpios constitucionais do processo administrativo disciplinar. So Paulo, SP: Max Limonad, 1998, p. 194.

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    gera responsabilidade (...) em Direito Administrativo interno e internacional (...).18

    Alm da CICC, a Conveno das Naes Unidas Contra a Corrupo, promulgada pelo Decreto n 5.687, de 31 de janeiro de 2006, tambm trata da eficincia. No lugar de medida preventiva, o princpio da eficincia tratado com um dos princpios fundamentais sobre o qual o setor pblico deve estar assentado.

    Considerada essa perspectiva pouco referida pela doutrina brasileira, possvel se afirmar que o princpio da eficincia entre ns um princpio legal, constitucional e de direito internacional pblico, dele derivando direitos e obrigaes para o administrado-cidado e para a Administrao Pblica.

    3.2 DIREITO PBLICO SUBJETIVO DE CIDADANIA

    Do princpio legal, constitucional e de direito internacional pblico eficincia administrativa, emerge o direito pblico subjetivo da populao brasileira eficincia administrativa. Trata-se de um direito difuso, no dizer de Diogo de Figueiredo Moreira Neto,19 pertencendo a todos os brasileiros indistintamente.

    Cuida-se de um direito de cidadania, cujo exerccio h de ocorrer pela via do dilogo coordenado e funcional, visando integrao social, processo esse denominado por Habermas de agir comunicativo,20 realizado

    18 GORDILLO, Agustn. Tratado de derecho administrativo. 4. ed. atual. com a Conveno Interamericana contra a Corrupo. Buenos Aires: Fundacin de Derecho Administrativo, 1997, p. 11- 17. Tomo 1. (Constitu-se num nuevo princpio de derecho administrativo supranacional, (...) especialmente en materia de contrataciones pblicas. Mencionada Conveno, impone una obligacin de resultado, cual es la eficiencia del gasto o inversin pblica en la contratacin estatal (..). e genera responsabilidad. (...) en derecho administrativo interno e internacional (...).)19 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2002, p. 104.20 Enquanto a linguagem utilizada apenas como medium para a transmisso de informaes e redundncias, a coordenao da ao passa atravs da influenciao recproca de atores que agem uns sobre os outros de modo funcional. To logo, porm, as foras ilocucionrias das aes de fala assumem um papel coordenador na ao, a prpria linguagem passa a ser explorada como fonte primria da integrao social. nisso que consiste o agir comunicativo. Neste caso os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretaes comuns da situao e harmonizar entre si os seus respectivos planos atravs de processos de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca incondicionada de fins ilocucionrios. Quando os participantes suspendem o enfoque objetivador de um observador e de um agente interessado imediatamente no prprio sucesso e passam a adotar o enfoque performativo de um falante que deseja entender-se com uma segunda pessoa sobre algo no mundo, as energias de ligao da linguagem podem ser mobilizadas para a coordenao de planos de ao. Sob essa condio, ofertas de atos de fala

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    por intermdio do entendimento, da educao da populao quanto a esse seu direito, parcela do direito fundamental boa Administrao Pblica, transformado em realidade, em ao.

    O controle repressivo tambm possvel, apresentando-se como essencial para a reduo dos sacrifcios da populao que financia o Estado, visando reduo do desperdcio de recursos pblicos e supresso dos desvios e do enriquecimento em prol de interesses escusos de agentes pblicos e particulares, no combate corrupo, consoante consagrado nas aludidas convenes internacionais (Conveno Interamericana Contra a Corrupo e Conveno das Naes Unidas Contra a Corrupo).

    Enfim, a norma constitucional inserida pela Emenda Constitucional 19/98 no art. 37, caput, da Constituio Federal, no trouxe a lume somente um novo princpio de Administrao Pblica ou uma nova ideologia de administrao, mas um projeto constitucional de uma Administrao Pblica que ainda est para ser construda, a Administrao Pblica eficiente, a boa Administrao Pblica, eficincia essa caracterizadora, em si mesma, de um direito de cidadania, de natureza coletiva.

    Entendida a eficincia na perspectiva normativa, a sua compreenso semntica apresenta-se indispensvel.

    4 A SIGNIFICAO DE EFICINCIA

    Eficincia, segundo a lio de Houaiss, significa o poder, capacidade de ser efetivo; efetividade, eficcia; virtude ou caracterstica de (algum ou algo) ser competente, produtivo, de conseguir o melhor rendimento com o mnimo de erros e/ou dispndios.21 Para Aurlio Buarque de Holanda, quer dizer: ao, fora, virtude de produzir um efeito; eficcia. Eficcia, explica, corresponde qualidade ou propriedade de eficaz. E, eficaz aquilo que produz o efeito desejado; que d bom resultado: medida eficaz; tratamento eficaz. Que age com eficincia: gerente eficaz.22 Maria Helena Diniz, por sua vez, afirma que

    podem visar um efeito coordenador na ao, pois da resposta afirmativa do destinatrio a uma oferta sria resultam obrigaes que se tornam relevantes para as conseqncias da interao. (HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 1997, v. I, p. 36.).21 HOUAISS. Dicionrio Eletrnico Houaiss da lngua portuguesa.22 HOLANDA, Aurlio Buarque de. Novo dicionrio Aurlio da lngua portuguesa. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1986, p. 620.

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    eficincia para o direito administrativo, o requisito exigido no perodo de estgio probatrio de funcionrio pblico, averiguando sua produtividade ou rendimento no desempenho de sua funo. Segue a eminente jurista asseverando que, para a Teoria Geral do Direito, eficincia a caracterstica do que eficiente ou eficaz. o princpio que norteia a prestao do servio pblico, entendendo que ele deve ser atualizado. Hely Lopes Meirelles j afirmava, bem antes da Emenda n.o 19/98, que eficincia um dever que se impe a todo agente pblico de realizar suas atribuies com presteza, perfeio e rendimento funcional.23

    Da conjugao das abalizadas lies poder-se-ia afirmar que so caractersticas semnticas do princpio da eficincia: a virtude de produzir efeito pela ao; o seu carter finalstico, na busca de um resultado almejado pela Administrao Pblica; que esse resultado seja qualificado pela perfeio e atualidade de seu objeto; e, por derradeiro, um dever do administrador pblico eficincia funcional. No mesmo sentido a lio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.24

    Noutra perspectiva, eficincia contrapem-se a lentido, a descaso, a negligncia, a omisso caractersticas habituais da Administrao Pblica brasileira, com raras excees.25 A incompetncia funcional, a falta de produtividade do agente pblico, o baixo rendimento funcional, a imperfeio na atuao, marcada por erros constantes, e o elevado custo da mquina administrativa, rotineiramente presentes na realidade nacional, precisam ser combatidos pelos rgos de controle da Administrao Pblica e pela prpria populao, que tem o direito pblico subjetivo a uma Administrao Pblica eficiente.

    De outro modo, pode-se afirmar que o princpio da eficincia contrrio ideia de corrupo administrativa, lamentavelmente presente na

    23 MEIRELLES, op. cit., 1997, p. 90.24 O princpio da eficincia impe ao agente pblico um modo de atuar que produza resultados favorveis consecuo dos fins que cabem ao Estado alcanar. Trata-se de idia muito presente entre os objetivos da Reforma do Estado. No Plano Diretor da Reforma do Estado, elaborado em 1995, expressamente se afirma que reformar o Estado significa melhorar no apenas a organizao e o pessoal do Estado, mas tambm suas finanas e todo o seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relao harmoniosa e positiva com a sociedade civil. A reforma do Estado permitir que seu ncleo estratgico tome decises mais corretas e efetivas, e que seus servios tanto os exclusivos, quanto os competitivos, que estaro apenas indiretamente subordinados na medida em que se transformem em organizaes pblicas no estatais operem muito eficientemente. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11. ed. So Paulo, SP: Atlas, 1999, p.73.)25 MEDAUAR, op. cit., 2007, p. 127.

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    histria e na realidade brasileira,26 e que igualmente est a exigir consistente reao das instituies e da sociedade, to afetada por comportamentos mprobos contrrios aos deveres de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia no trato dos assuntos que lhe so afetos. A quebra do dever de eficincia, via de regra, lesa o errio e enriquece ilicitamente agentes pblicos e particulares, distribuindo-se sociedade os prejuzos. Ou seja, privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuzos.

    evidente a necessidade de transformao dessa realidade, tornando o dever ser em algo factvel e vlido na esfera da realidade, e no mero discurso jurdico. Trata-se do j mencionado agir comunicativo,27 que exige a mobilizao da sociedade e de seus representantes junto ao Estado, de modo a se criar pelo dilogo a harmonizao entre o interesse da coletividade eficincia na administrao dos negcios pblicos e a ao dos agentes pblicos, tradicionalmente no comprometida, ao menos em parte, com a coordenao de planos de ao tendentes efetivao do princpio da eficincia como valor fundamental da Administrao Pblica, levando-se em conta o seu contedo semntico ora refletido, que ultrapassa as linhas de seu mero valor econmico,

    gerencial, desburocratizante, pretendido pela reforma constitucional de 1998.

    4.1 PRINCPIO BIPOTENCIAL

    Jos Eduardo Martins Cardozo,28 escorado na lio de Paulo Sandroni, ensina que o princpio da eficincia, visto unicamente sobre o prisma econmico, refere- se forma de realizar uma tarefa, no se coadunando com a idia de qualidade. Existe, independentemente de qualquer considerao acerca do produto obtido ou de seu resultado. Apresenta o seguinte exemplo: se um mdico realizar uma interveno cirrgica num paciente, poder faz-lo com grande eficincia, mas, se a interveno tiver sido realizada no rgo errado, ela no ter a mnima eficcia. Desta forma, uma ao pode ser eficiente sem ser eficaz. No plano econmico, segundo o autor, o que se nota a distino entre eficincia e eficcia, significando aquela o processo,

    26 A chamada cultura de corrupo, a nosso ver, um dos mais graves problemas da sociedade brasileira, modo de pensar e proceder que leva o Estado a uma condio de ineficincia, em alguns casos completa, haja vista o desvio dos recursos e fins do Estado para o atendimento de escusos interesses privados. (BERTONCINI, Mateus. Ato de improbidade administrativa: 15 anos da Lei 8.429/1992. So Paulo, SP: Revistas dos Tribunais, 2007, p. 29-31).27 HABERMAS, op. cit., 1997, v. I, p. 36.28 CARDOZO, op. cit., 1999, p. 164-165.

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    a forma de se realizar ou desempenhar determinada tarefa, e essa o resultado qualificado.

    Se eficincia econmica isso, a Reforma Administrativa implementada pela Emenda Constitucional n.o 19/98 quis, verdadeiramente, mais do que isso, pois, como sabido, o Plano Diretor da Reforma Administrativa e a Exposio de Motivos da Emenda Constitucional n.o 19/98 almejaram enfatizar a qualidade e o desempenho nos servios pblicos: a assimilao, pelo servio pblico, da centralidade do cidado e da importncia da contnua superao de metas desempenhadas, conjugada com a retirada de controles e obstrues legais desnecessrios.29 Observa-se que o conceito de eficincia adotado pela Reforma muito mais prximo do sentido semntico e jurdico at aqui apresentado, do que daquele meramente econmico.

    Embora existam os que entendam que eficincia e eficcia no se confundem, o que est bem claro na acepo econmica dos citados termos o primeiro significando a forma de realizar uma tarefa e o segundo o resultado obtido , para o Direito a eficcia est contida na eficincia, de modo que possvel falar-se em duas espcies de eficincia: de meios e de resultados. por isso que Cardozo qualifica a eficincia como um princpio bipotencial.30

    Alexandre de Moraes, ao analisar o princpio da eficincia, reconhece, como suas, as caractersticas de direcionamento da atividade e dos servios pblicos efetividade do bem comum, sem olvidar da busca da qualidade,31

    o que representa a eficincia material de que trata Cardozo. A eficincia formal tambm afirmada por Alexandre de Moraes. As caractersticas de imparcialidade, neutralidade, transparncia e eficcia so prprias do princpio da eficincia, estando ligadas ao conceito formal de eficincia.

    Com efeito, a interpretao de Cardozo absolutamente consentnea com o regime jurdico-administrativo brasileiro, no qual a indisponibilidade do interesse pblico e a supremacia do interesse pblico necessitam para a sua concretizao no apenas de meios eficientes, mas tambm de resultados eficazes.

    De nada adianta um clere procedimento de compra, se o resultado consistir na aquisio de um bem inservvel para a Administrao ou de

    29 Idem.30 CARDOZO, op. cit., 1999, p. 165-166.31 MORAES, op. cit., 1999, p. 27-34.

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    reduzido desempenho. Da mesma forma, um intrincado, burocrtico e lento meio de compra no serve para o atendimento do interesse pblico, mesmo que ele garanta um timo resultado. A compreenso do princpio da eficincia passa, necessariamente, pela eficincia de meios e de resultados, em consonncia, evidentemente, com todo o conjunto de princpios e regras do regime jurdico administrativo, na consecuo das finalidades inerentes Administrao Pblica.

    Esse bipotencial princpio deve representar o menor sacrifcio possvel para os administrados.

    4.2 MENOR SACRIFCIO PARA OS ADMINISTRADOS

    Invocando a lio de Delpino e Giudice, aqui j citada, eficincia deve significar tambm o menor sacrifcio possvel dos administrados. A boa Administrao Pblica no apenas aquela que desempenha suas funes com perfeio no que tange forma e aos resultados, como, por exemplo, na emisso de atos da Administrao sem vcios, na obedincia do devido processo administrativo, no rigor com os prazos, no respeito ao atendimento dos administrados.

    H tambm a necessidade do menor sacrifcio possvel para o cidado-administrado, responsvel pelo financiamento do Estado, em respeito ao princpio da proporcionalidade. A otimizao dos recursos pblicos e a economicidade so igualmente caractersticas da eficincia jurdico-administrativa, assim como o combate corrupo, conforme revelam as citadas convenes internacionais sobre o assunto.

    O desperdcio e o desvio de recursos pblicos devem ser evitados.O controle interno e externo da Administrao Pblica direta e indireta

    h de considerar a eficincia administrativa como critrio essencial na aferio dos resultados alcanados pelos administradores pblicos, na aprovao ou no de suas prestaes de contas, sob pena de sua responsabilizao pessoal em face de atos e contratos ineficazes. Lucia Valle Figueiredo destaca que esse um importante significado do princpio:

    Todavia, acreditamos possa extrair-se desse novo princpio constitucional outro significado aliando-se ao art. 70 do texto constitucional, que trata do controle do

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    Tribunal de Contas.Deveras, tal controle dever ser exercido no apenas sobre a legalidade, mas tambm sobre a legitimidade e a economicidade; portanto, praticamente chegando-se ao cerne, ao ncleo, dos atos praticados pela Administrao Pblica, para verificao se foram teis o suficiente ao fim que se preordenavam, se foram eficientes.De outra parte, o controle jurisdicional, insculpido no art. 5, inciso XXXV, da Constituio, pode tornar-se ainda mais eficaz ao poder se debruar sobre os atos administrativos impugnados, que podero ser controlados tambm a lume de mais esse princpio constitucional.32

    Respeitadas as necessidades e deveres inerentes ao Estado, tanto em relao aos procedimentos estranhos ao setor privado, como em relao implementao de polticas pblicas destinadas a materializao de direitos fundamentais, a Administrao Pblica deve perseguir concretamente os melhores resultados, pois o direito pblico subjetivo coletivo eficincia impe ao agente pblico o dever de respeito aos administrados, no sentido do menor nus possvel a esses na realizao dos fins pblicos, resultado esse a ser acompanhado e fiscalizado pelos mecanismos de controle interno e externo.

    No se deve olvidar para o fato que o financiamento da mquina pblica realizado pelo administrado-contribuinte. Os seus recursos abastecem os cofres pblicos, recursos esses cuja aplicao deve ser guiada pelos princpios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficincia.

    Como cedio, os recursos pblicos so parcos e finitos, o que exige dos administradores planejamento e estratgia na sua aplicao, para que se possa ter o maior volume possvel de servios pblicos adequados com o menor custo econmico.

    5 EFICINCIA ECONMICA E EFICINCIA ADMINISTRATIVA

    Certo que o sentido econmico de eficincia no suficiente para preencher o espao correspondente ao princpio constitucional da eficincia na Administrao Pblica. O alcance deste princpio explcito da Administrao Pblica maior do que sua expresso econmica ou, ainda, poltico-

    32 FIGUEIREDO, op. cit., 2008, p. 65.

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    administrativa, informada pelos articuladores da reforma administrativa de 1998.

    necessrio que se elucide ao intrprete menos avisado que a eficincia ora inserida dentre os princpios da Administrao Pblica e as regras voltadas sua realizao no bastam em si mesmas, necessitando sua implementao da observncia das demais regras e princpios do regime jurdico-administrativo, sob pena de se atentar no apenas contra o Texto Maior, mas contra o prprio Estado Democrtico de Direito.

    No dizer de Maria Sylvia Zanella Di Pietro33 e Romeu Felipe Bacellar Filho,34 o princpio da eficincia deve ser acrescido ao conjunto de princpios impostos Administrao, no podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de srios riscos segurana jurdica e ao prprio Estado de Direito.35

    De outro modo, Celso Antnio Bandeira de Mello afirma que o princpio da eficincia no pode ser concebido (...) seno na intimidade do princpio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficincia justificaria postergao daquele que o dever administrativo por excelncia.36

    A eficincia emprestada do setor privado deve ser contextualizada para que possa produzir os seus adequados efeitos. A eficincia na Administrao Pblica, includas as categorias jurdicas ligadas a este conceito (contratos de gesto, termos de parceria, participao dos usurios na Administrao Pblica, avaliao peridica de desempenho, escolas de governo etc.), deve ser compreendida pela importante lente dos princpios da supremacia do interesse pblico sobre o particular e da indisponibilidade do interesse pblico pela Administrao, que governam o regime jurdico-administrativo, alm da necessria compatibilizao com os demais princpios desse regime.37

    Ainda no que tange interpretao e aplicao da eficincia, a conciliao entre esse princpio e os demais princpios da Administrao Pblica tarefa que se impe continuamente, havendo a norma que ser compreendida a partir do conceito de bem comum, denominado bem de todos pelo constituinte de 1988 (art. 3.o inc. IV da Constituio).38

    33 DI PIETRO, op. cit., 1999. p.74.34 BACELLAR FILHO, op. cit., 1998, p. 193-194.35 DI PIETRO, op. cit., 1999, p.74.36 MELLO, op. cit., 2006, p. 110.37 BERTONCINI, Mateus. Princpios de direito administrativo brasileiro. So Paulo, SP: Malheiros, 2002, p. 123.38 CARDOZO, op. cit., 1999, p. 165.

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    Em suma, a eficincia sacada do modelo privado e inserida na realidade da Constituio de 1988 sofreu nesse processo de transferncia agudas transformaes na sua dimenso, para transmudar-se na eficincia administrativa. Embora essa categoria de Direito Pblico contenha elementos da eficincia econmica, a ela no se equivale em sentido e alcance, como at aqui demonstrado.

    5.1 EFICINCIA ADMINISTRATIVA E DIGNIDADE HUMANA

    A presena do elemento econmico na eficincia administrativa inegvel, encontrando-se relacionado ideia de menor sacrifcio para os administrados. Ocorre que nem sempre possvel a busca incessante de resultados econmicos.

    No sendo possvel a conciliao entre o princpio da eficincia e algum outro princpio da Administrao Pblica, a ponderao concreta dos valores em jogo levar o aplicador do direito melhor soluo para o caso concreto, no se descartando a hiptese do afastamento da eficincia diante de um valor maior, quando o atendimento de um especfico interesse pblico assim o exigir, como o caso da concretizao de polticas pblicas cuja implementao impe ao Estado o afastamento da eficincia de meios e de resultados para a consecuo de um fim arrolado no catlogo de direitos fundamentais.

    o caso, por exemplo, da implementao de polticas pblicas em prol de hipossuficientes, como ocorre na contratao de portadores de necessidades especiais nos quadros da Administrao Pblica, cujo critrio preponderante de seleo no se coaduna propriamente com o conceito de mxima eficincia funcional, de melhor rendimento e menor custo, to ligado ideia de eficincia econmica. Na espcie, prevalece a promoo da dignidade da pessoa humana.

    Nesse sentido, Maral Justen Filho leciona:

    As contrataes administrativas devem refletir a utilizao mais satisfatria dos recursos pblicos, fundamento da obrigatoriedade da licitao prvia. Mas a Administrao Pblica tambm est vinculada a promover a dignidade dos portadores de deficincias fsicas. Para cumprir essa funo, a Administrao pode

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    valer-se de contrataes administrativas. Assim, os deficientes sero contratados para fornecer utilidades materiais de que a Administrao necessita. Sero realizadas, conjuntamente, duas finalidades buscadas pela Administrao: obter determinada prestao e propiciar, por meio do trabalho, a promoo da dignidade pessoal dos deficientes fsicos. Da segue o afastamento da licitao tanto quanto a admisso de contratao por valor superior quele que a Administrao poderia obter no mercado. Essa soluo poderia ser incompatvel com a eficincia econmica, mas satisfaz a eficcia da atividade administrativa.39

    Embora a eficincia econmica deva ser perseguida pela Administrao Pblica, esta no um fim em si mesmo. A racionalidade econmica h de ser interpretada em face da principiologia do Direito Administrativo, do princpio da dignidade humana e da necessria satisfao dos direitos fundamentais, cuja implementao incumbe essencialmente ao Poder Publico. Como afirmado, eficincia administrativa no sinnimo de eficincia econmica. A dignidade humana h de ser considerada em seu contedo.

    Com isso, tem-se por respondida a questo fundamental apresentada na introduo desse trabalho. Em outros termos, possvel compatibilizar-se o inegvel trao econmico do princpio constitucional da eficincia com a implementao de direitos fundamentais, cuja realizao economicamente ineficiente relativamente sua no implementao. No balanceamento entre eficincia econmica e dignidade humana, esse ltimo valor, de maior peso e dimenso, deve prevalecer nessa relao.

    O Estado no pode pretender agir como uma empresa privada na busca de resultados econmicos, porque os fins que deve perseguir so outros, o que refora a distino entre eficincia econmica e eficincia administrativa.

    5.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO ELEMENTOS DO CONCEITO DE EFICINCIA ADMINISTRATIVA

    Essa srie de caractersticas da eficincia administrativa deixa muito

    39 JUSTEN FILHO, Maral. Curso de direito administrativo. 4. ed. So Paulo, SP: Saraiva, 2009, p. 120.

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    claro, como afirmado anteriormente, que no h a menor possibilidade de se confundir a eficincia vista pelo prisma da economia capitalista, com o princpio da eficincia inserido na Constituio da Repblica Federativa do Brasil pela Emenda Constitucional n.o 19/98.

    A primeira realidade eficincia econmica, no suficiente para explicar a segunda.40 Aquela cuida de um nico aspecto, enquanto esta constitui-se numa realidade multidimensional, includo o respeito aos direitos fundamentais.

    De modo paradigmtico e inovador, Maral Justen Filho assevera que o Direito Administrativo da Constituio de 1988 vincula-se realizao dos direitos fundamentais, definidos a partir da dignidade humana,41 elemento essencial da prpria definio de Direito Administrativo segundo ele.

    Nessa perspectiva, poder-se-ia dizer que os direitos fundamentais merecem figurar como elemento componente do princpio constitucional da eficincia, cujo conceito poderia ser o seguinte: constitui-se o princpio da eficincia no Direito brasileiro contemporneo no dever constitucional dos administradores pblicos de otimizao dos recursos pblicos para a obteno do melhor resultado possvel com o menor dispndio de recursos na execuo de suas competncias (dimenso econmica), sem se olvidar da necessidade de conciliao desse princpio com os demais princpios do Direito Administrativo e da incidncia dos mecanismos de controle preventivo e repressivo (dimenso normativa), visando a prestao de servios adequados populao, inclusive na concretizao dos direitos fundamentais e na promoo da dignidade humana (dimenso finalstica), dimenses que somadas delineiam o direito pblico subjetivo da populao a uma Administrao Pblica eficiente.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    Finda a pesquisa, possvel se concluir que o princpio constitucional da eficincia inserido pela Emenda Constitucional 19/98 no art. 37, caput, da Constituio Federal, no trouxe a lume somente um novo princpio de

    40 Jos Eduardo Martins Cardozo define esse princpio como sendo aquele que determina aos rgos e pessoas da Administrao Direta e Indireta que, na busca das finalidades estabelecidas pela ordem jurdica, tenham uma ao instrumental adequada, constituda pelo aproveitamento maximizado e racional dos recursos humanos, materiais, tcnicos e financeiros disponveis, de modo que possa alcanar o melhor resultado quantitativo e qualitativo possvel, em face das necessidades pblicas existentes. (CARDOZO, op. cit., 1999, p. 166-167).41 JUSTEN FILHO, op. cit., 2009, p. 3.

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    Administrao Pblica ou uma nova ideologia de administrao, mas um projeto constitucional de uma Administrao Pblica que ainda est para ser construda, a Administrao Pblica eficiente, a boa Administrao Pblica, eficincia essa caracterizadora, em si mesma, de um direito de cidadania, de natureza coletiva.

    Demais disso, a eficincia neoliberal sacada do modelo privado e inserida na realidade da Constituio de 1988 sofreu, nesse processo de transferncia, agudas transformaes na sua dimenso, para transmudar-se na eficincia administrativa. Embora essa categoria de Direito Pblico contenha elementos da eficincia econmica, a ela no se equivale em sentido e alcance. Eficincia administrativa no sinnimo de eficincia econmica.

    Embora a eficincia econmica deva ser perseguida pela Administrao Pblica, esta no um fim em si mesmo. A racionalidade econmica h de ser interpretada em face da principiologia do Direito Administrativo, do princpio da dignidade humana e da necessria satisfao dos direitos fundamentais, cuja implementao incumbe essencialmente ao Poder Publico.

    Ao se perquirir como se fez na introduo se possvel compatibilizar-se o inegvel trao econmico do princpio constitucional da eficincia com a implementao de direitos fundamentais, cuja realizao economicamente ineficiente relativamente sua no implementao, como em algumas hiptese de polticas de ao afirmativa, a resposta a essa indagao deve ser no sentido positivo, pois, como demonstrou a pesquisa, o princpio constitucional da eficincia deve ser ponderado em relao a outros valores, havendo de considerar em seu contedo a implementao desses direitos.

    Enfim, cidadania, dignidade humana e o princpio da eficincia so categorias que permitem harmonizao.

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    Recebido em:13 junho 2012.

    Aceito em: 22 junho 2012