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Equipe nº 2275
MOOT COURT COMPETITION
Competição de Julgamento Simulado em Direito do Desenvolvimento Sustentável
Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Fundação Getúlio Vargas – Direito Rio de Janeiro
Tulane University
Universidad de los Andes
Universidad Rafael Landívar
Apoio: Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, Brasil
18 – 20 de Março de 2011
1
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 2
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: ARTIGOS VIOLADOS ... 4
Art. 1.1 – Obrigação de Respeitar os Direitos ................................................................... 4
Arts. 04, 05 e 11 – Direito à Vida, Direito à Integridade Pessoal e Direito à Dignidade ... 7
Arts. 21 e 22 – Direito à Propriedade Privada e Direito de Circulação e Residência ...... 14
Art. 24 – Igualdade Perante a Lei ..................................................................................... 18
Arts. 08 e 25 – Garantias Judiciais e Proteção Judicial .................................................... 22
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 26
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 32
2
I. INTRODUÇÃO
1. Trata-se de questão envolvendo a República de Tucanos e a população indígena
Aricapu, nativa do país, bem como a população imigrante originária da República de Mirokai,
estas últimas subscritoras deste Memorial1 (“Povos Subscritores”).
2. Em síntese, a República de Tucanos, visando atender a demanda energética resultante
de seu crescimento econômico e industrial, optou pela construção da "Hidrelétrica de Cinco
Voltas” (“Hidrelétrica”), na confluência dos Rios Betara e Corvina, seguindo uma série de
procedimentos determinados pela Lei n˚ 8090/76, que estabelece a legislação ambiental do
país (Política Tucana de Meio Ambiente de 1991 – “PTMA”).
3. Ocorre que a região onde a Hidrelétrica foi estabelecida2 era habitada pelos Povos
Subscritores, que detinham a propriedade da área e sua subsistência dependia exclusivamente
de sua exploração3.
4. Vendo-se prejudicados pelo impacto ambiental e social decorrente das obras de
construção da Hidrelétrica e temendo sua remoção da área, os Povos Subscritores buscaram,
de imediato, uma negociação conjunta com a República de Tucanos. Apesar de demonstrar
inicialmente interesse nas discussões, este não manteve suas promessas de reavaliar o projeto
1 O povo Aricapu mantinha boas relações com o governo Tucano, que reconheceu em 1975 os direitos coletivos
daquele povo à terra, bem como seus direitos de propriedade pelo “Ato de Reconhecimento de Terras
Indígenas". Já a população Mirokaense se registrou conforme as normas da “Agência Nacional de Auxílio aos
Estrangeiros", adquirindo títulos de posse das terras onde se estabeleceram.
2A Hidrelétrica deverá produzir 11.000 megawatts de energia. A área atingida pelas obras é da ordem de 1450
km2 e resultará no deslocamento de cerca de 5.000 imigrantes, bem como de 1.550 indígenas.
3 Ambos os povos se sustentam por meio de regimes de economia familiar, praticando a caça, a pesca, a
agricultura e a coleta de alimentos.
3
de construção da Hidrelétrica, prosseguindo, por decisão unilateral, com o início das obras no
dia 15/03/2010, duas semanas após o início das negociações com os Subscritores.
5. Com o fracasso das negociações, a população afetada buscou a tutela de seus direitos
perante a justiça nacional, alegando possuir fortes laços com a terra, não desejando, portanto,
o deslocamento, ainda que mediante o recebimento de novas propriedades e recursos
financeiros. Alegaram, também, que os impactos provenientes da construção da Hidrelétrica
gerariam danos psicológicos e físicos irreparáveis, além de resultar em um impacto ambiental
superior aos limites e procedimentos estabelecidos pela PTMA.
6. Tendo seu pedido totalmente indeferido em primeira instância em 14/05/2010, o grupo
recorreu à Corte de Apelações, obtendo decisão favorável em 30/06/2010, quando foi emitida
liminar determinando a suspensão das obras.
7. Interposto recurso pelo Advogado Geral da União, a Suprema Corte, em 02/08/2010,
confirmou a decisão proferida em primeira instância, autorizando a continuidade das obras,
sob a justificativa de estarem ausentes evidências concretas de impactos negativos.
8. Dessa forma, exauridos todos os mecanismos internos de proteção jurisdicional, os
Povos Subscritores, com o apoio da sociedade civil4, submeteram sua demanda ao Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (“SIDH”), sendo admitida pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH”) em 15/10/20105.
4 Representada nesse trâmite pelas ONGs Planeta Sustentável e Instituto para a Conservação da Herança
Indígena.
5 Note-se que a Convenção foi ratificada pela República Federal de Tucanos em 04/08/1991, tendo sido
reconhecida a Competência da Corte IDH em julho de 1992.
4
9. Frustradas as tentativas de realização de um acordo amigável entre as partes, a CIDH,
em observância ao artigo 45.2 de seu Regulamento, bem como aos artigos 40 das regras da
Comissão de Procedimento da CIDH e 49 da Convenção Americana de Direitos Humanos
(“Convenção”), submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Corte IDH”).
10. Considerando-se que, com o avanço das obras, não apenas o impacto ambiental e
social, mas também as violações de direitos humanos se tornarão cada vez maiores, senão
irreversíveis, faz-se necessário que a Corte IDH intervenha de modo imediato e preciso,
expedindo, nos ditames do artigo 63.2 da Convenção, medida emergencial efetiva que faça
cessar a continuidade das violações, como já o fez em situações anteriores.
11. Adicionalmente, a CIDH adotou diversas medidas provisórias em casos análogos a
este6, reiterando em seu relatório anual de 2007 a importância da “proteção de terras
ancestrais e locais sagrados de populações indígenas que veem seus direitos ameaçados”.7.
II. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: ARTIGOS
VIOLADOS
Art. 1.1 – OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS
12. O compromisso assumido pelos Estados-Parte do SIDH encontra-se evidente neste
artigo, que determina a obrigação de respeitar e garantir o exercício dos direitos protegidos
6 Lista de Medidas Provisórias adotadas pela Corte IDH para a proteção de populações indígenas – em 2010: MP
197/10: MP 102/10; MP 260/07; - em 2009: MP 301/08; MP 56/08. Destaca-se o caso desta última em que a
Comissão requisitou ao Estado do Panamá que cessasse a construção da Hidrelétrica no rio Changuinola até que
se decidisse, no âmbito do Sistema Interamericano, o mérito da causa.
7 Relatório Anual CIDH: <http://www.cidh.oas.org/annualrep/2007sp/cap2.2sp.htm#Ind%EDgenas> acessado
em 06/01/11. Parágrafo 61.
5
pelo sistema, de modo que qualquer pessoa a ele tenha acesso, sem qualquer discriminação.
Portanto, uma vez incorporada a Convenção pelo Direito interno da República de Tucanos, é
seu dever adotar medidas no sentido de efetivar aquelas disposições, de forma a remediar
todas as situações de discriminação existentes em sua sociedade8. Nesse sentido, observa-se o
disposto na Opinião Consultiva 18/03 perante a Corte IDH sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares (“OC 18/03”):
“Los derechos humanos deben ser respetados y garantizados por todos los Estados. Es
incuestionable el hecho de que toda persona tiene atributos inherentes a su dignidad
humana e inviolables, que le hacen titular de derechos fundamentales que no se le
pueden desconocer y que, en consecuencia, son superiores al poder del Estado, sea cual
sea su organización política”9
13. No entanto, ao decidir pela construção da Hidrelétrica, cujo impacto ambiental supera,
inclusive, os limites legais estabelecidos em sua legislação, a República de Tucanos, em
detrimento do interesse de povos indígenas e imigrantes, favorece o aumento da oferta de
energia por considerá-la interesse maior, como afirmou o Advogado Geral da União: “um
impacto negativo sobre uma porção tão pequena da população é justificado pelos benefícios
que a hidrelétrica irá gerar para os demais".
14. A violação, portanto, se faz clara: a República de Tucanos lança mão da situação de
vulnerabilidade dos Povos Subscritores para fazer valer o interesse que considera maior, i.e.,
aumento da oferta de energia. Nesse sentido, restou entendido pela CIDH e pela Corte IDH na
sentença referente ao caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua:
8Corte IDH; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e Direitos dos Imigrantes Irregulares,
de 17 /12/2003; parágrafo 112.
9 Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares, de 17/09/2003; parágrafo 73.
6
“El Estado está obligado a respetar los derechos y libertades reconocidos en la
Convención y a organizar el poder público para garantizar a las personas bajo su
jurisdicción el libre y pleno ejercicio de los derechos humanos. [...] El no reconocer la
igualdad de los derechos de propiedad basados en la tradición indígena es contrario al
principio de no discriminación contemplado en el artículo 1.1 de la Convención"10
.
15. A obrigação dos Estados de atuar em nome do respeito aos direitos humanos dos
cidadãos também encontra amparo na mais recente jurisprudência da Corte IDH:
“(...) os Estados Partes na Convenção têm a obrigação de investigar e punir os
responsáveis por violações a direitos humanos e, conforme o caso, indenizar as vítimas
de tais violações ou seus familiares. (...) O Estado tem o dever de investigar as violações
de direitos humanos, processar os responsáveis e evitar a impunidade. A Corte definiu a
impunidade como „a falta, em seu conjunto, de investigação, perseguição, captura,
julgamento e condenação dos responsáveis pelas violações dos direitos protegidos pela
Convenção Americana‟65(...).” 11
10
Corte IDH: Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, Sentença de 31/08/2001. Serie
C No. 79. parágrafos 154 e 140 b, respectivamente.
11 Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos
Humanos no Caso Sétimo Garibaldi contra a República Federativa do Brasil; (Caso 12.478); 24 de dezembro
de 2007; parágrafo 82, p. 16; apud Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso de los Hermanos Gómez
Paquiyauri. Sentença de 8 de julho de 2004. Série C Nº 110, parágrafo 148; Corte Interamericana de Direitos
Humanos, Caso “19 Comerciantes”. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C Nº 109, parágrafo. 175; Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Caso Bámaca Velásquez. Reparaciones, (art. 63.1 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos), Sentença de 22 de fevereiro de 2002. Série C Nº 91, parágrafo 64. Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Caso Loayza Tamayo. Reparações (art. 63.1 Convenção Americana sobre
Direitos Humanos). Sentença de 27 de novembro de 1998. Série C Nº 42; par. 170.
7
16. Portanto, o não cumprimento dessas obrigações torna internacionalmente responsável
a República de Tucanos, de modo que as sanções serão mais graves conforme as garantias
fundamentais e direitos violados.12
Arts. 04, 05 e 11 – DIREITO À VIDA, DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL E
DIREITO À HONRA E DIGNIDADE
Violação do direito à vida
17. Tido como base e fundamento de todos os demais direitos da pessoa humana13
, o
direito à vida dos Povos Subscritores restou claramente violado com a manifestação unilateral
da República de Tucanos ao dar prosseguimento às obras da Hidrelétrica.
18. Em razão de seu valor absoluto, o direito à vida não pode ser suspenso por nenhum
motivo14
, sendo considerado inderrogável, inviolável e inalienável. Ainda, o respeito a
referido direito pelo Estado não se dá apenas na esfera biológica (aqui compreendida como a
morte dos indivíduos, o que não aconteceu no presente caso), mas também em seu sentido
econômico, social, cultural e educacional, que deve se traduzir na realização de políticas
públicas eficientes e eficazes. É cediço, portanto, que a vida de cada indivíduo não se
manifesta de maneira isolada, uma vez que o direito à vida está intrinsecamente relacionado a
12
Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares, de 17/09/2003; parágrafo 106.
13 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira; Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; 3ª edição; Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
2010; p. 38.
14 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira; Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; 3ª edição; Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
2010; pp. 38-39.
8
toda e qualquer interação social capaz de garantir não apenas sua criação, mas também sua
manutenção.
19. Sendo assim, o que se observa no caso em tela é totalmente oposto ao previsto na
Convenção e ratificado pela República de Tucanos: uma clara violação ao direito à vida,
como restará demonstrado abaixo.
20. Observa-se o desrespeito aos imigrantes15
, que, uma vez desabrigados em seu país de
origem, instalaram-se em um território que mais uma vez lhes será suprimido, causando-lhes
traumas que jamais serão reparados, como mencionado na OC 18/03:
“Las migraciones y los desplazamientos forzados, com el consecuente desarraigo de
tantos seres humanos, acarrean traumas: sufrimiento del abandono del hogar (a veces
com separación o desagregación familiar), perdida de la profesión y de bienes
personales, arbitrariedades y humiliaciones impuestas por autoridades fronterizas y
oficiales de seguridade, perdida del idioma materno y de las raíces culturales, choque
cultural y sentimento permanente de injusticia.”16
.
15
“Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de
determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamentos atributos da pessoa humana, razão por que
justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o
direito interno dos Estados Americanos (...)‟‟. Preâmbulo da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de
San José da Costa Rica.
16 Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares, de 17/09/2003; Voto Concorrente do Presidente da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, Juiz Antonio Augusto Cançado Trindade; parágrafo 14.
9
21. Observa-se, ainda, o total desrespeito à cultura e às raízes do povo Aricapu17
, que
tiveram prejudicados seus rituais e crenças com o deslocamento forçado a que serão
submetidos com as obras. Isso porque a reprodução sociocultural de grupos tradicionais, tais
quais os povos indígenas, depende, basicamente, das relações que eles estabeleceram com o
meio natural onde se fixaram e desenvolveram.
22. Estes são, portanto, resultados históricos, pois combinam formas e modos comunitários
de apropriação, o modo de manejar a terra, os produtos cultivados, os hábitos alimentares,
construção de moradias; os bens naturais como água, plantas, peixes, áreas de cultivo agrícola
itinerante, entre outros, fundamentais à sobrevivência da população indígena Aricapu, que
continua buscando sua subsistência por meio da caça e da agricultura18
.
23. Por todas as razões expostas, a inobservância do princípio da proporcionalidade em
sentido estrito e sua aplicação ao direito à vida dos habitantes da região afetada são
inquestionáveis. A necessária proporção entre o sacrifício de bens e os males a serem evitados
não foi, em momento algum, considerada pela República de Tucanos.
24. Pelo contrário. Em nome do desenvolvimento e do progresso econômico, traduzido
pelo abastecimento energético, a República de Tucanos simplesmente ignorou seus
17
“Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no
gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas
tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e
oferecer condições para sua efetiva participação no alcance do desenvolvimento sustentável” in Princípio 22 da
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992.
18 Nesse mesmo sentido, a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972, é clara: “1. O
homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe
oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente.”.
10
cidadãos19
. Com suas medidas, desconheceu não apenas os Povos Subscritores, como também
o meio ambiente e, consequentemente, as gerações futuras da população Tucana.
25. Dessa forma, válidos serão o Princípio nº 2 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio
Ambiente, de 1972, que dispõe que “[o]s recursos naturais da terra, incluídos o ar, a terra, a
flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser
preservados em benefício das gerações futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou
ordenamento.”, bem como o Art. 2º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de
1986, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (“ONU”), que
dispõe que “[a] pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser
participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento.”.
26. Além disso, “[a]ções estrategicamente planejadas para destruir uma parte importante
do meio ambiente representam uma infração aos direitos humanos básicos das pessoas
afetadas. A relação entre a segurança humana e um ambiente seguro e habitável é
fundamental, em particular no que tange ao acesso aos recursos naturais. Se esse intricado
relacionamento for perturbado de forma significativa pela ação deliberada de terceiros, as
vidas ou as condições de vida daqueles que dependem do ambiente natural podem ser postas
em risco, ou mesmo destruídas.(...). A destruição deliberada do habitat ou do acesso a
19
Nesse sentido, sábias serão as palavras de JJ Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da
Constituição (Coimbra: Almedina, 2003 - p339): A “proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as
recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas os princípios em análise limita a reversibilidade dos
direitos adquiridos em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança do cidadão no
âmbito econômico, social e cultural e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela
dignidade da pessoa humana. (...) A violação do núcleo essencial efetivado justificará a sanção de
inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada „justiça social‟.”.
11
alimento ou água potável em escala significativa poderia representar uma infração aos
direitos humanos fundamentais das pessoas dentro do grupo visado (...)”.20
27. Considerando-se também que as pessoas que vivem em comunidade compartilham
seus valores e objetos sociais para assegurar as condições igualitárias ao acesso aos bens
materiais e imateriais21
, a observância ao direito à vida deve ser feita à luz de uma
interpretação dinâmica e evolutiva22
e em prol de toda a comunidade indígena e imigrante
afetada.
Violação do direito à integridade pessoal
28. É também com base nessa lógica que deve ser entendido o artigo 05 da Convenção. O
respeito à integridade23
física (biológica), psíquica (mental) e moral (relacionada com a
20
FREELAND, Steven; Direitos Humanos, meio ambiente e conflitos: enfrentando os crimes ambientais in SUR
– Revista Internacional de Direitos Humanos; Ano 2; número 2; São Paulo, 2005; pp.119-120/.135 (acessado
em 05.01.2011, http://www.surjournal.org/conteudos/artigos2/port/artigo_freeland.htm).
21 Convención para la Salvaguarda del Patrimônio Cultural Inmaterial, de 17/10/2003.
22 No caso Moiwana Village v. Suriname (Corte Interamericana de Direitos Humanos; Moiwana Village v.
Suriname, Série. C, n. 124; Sentença de 15 de Junho de 2005; parágrafo 93), aquele Estado, ao descumprir o
direito de garantir aos membros da comunidade Moiwana que providenciassem um funeral digno aos seus
familiares e amigos vítimas do massacre a que foram submetidos, violou o direito à integridade da comunidade
como um todo. Essa interpretação dinâmica e evolutiva da Corte IDH deve ser aplicada ao caso em questão, de
maneira que os direitos coletivos dos povos imigrantes e indígenas sejam respeitados no que diz respeito à sua
integridade.
23 “El respeto a la dignidad inherente de la persona es el principio en el que se basan las protecciones
fundamentales del derecho a la vida y a la preservación del bienestar físico. Las condiciones de grave
contaminación ambiental, que pueden causar serias enfermedades físicas, discapacidades y sufrimientos a la
población local, son incompatibles con el derecho a ser respetado como ser humano”. Comisión Interamericana
12
honorabilidade) dos habitantes da região afetada pelas obras, nada mais significa que
expressão da dignidade humana24
, valor-síntese do modelo de Estado adotado pela República
de Tucanos25
. A violação à integridade dos povos afetados pelas obras viola, também, sua
dignidade, razão pela qual a República de Tucanos deve ser condenada.
29. Ademais, os danos causados à integridade dos indígenas Aricapus possui um
significado diverso do significado para o homem-médio de Tucanos, conforme se denota do
artigo de OSWALDO RUIZ CHIRIBOGA, Advogado da Corte IDH:
“A respeito da integridade psíquica e moral, convém lembrar a sentença da Corte IDH
no caso da Comunidade Moiwana versus Suriname sobre o massacre de 39 de seus
membros em uma operação militar em 1986. As investigações realizadas pela Justiça
estatal não tiveram os resultados esperados e os crimes permanecem impunes. Segundo
os costumes da comunidade, se um de seus membros é ofendido, seus familiares devem
procurar justiça. Se o ofendido morre, a crença é de que seu espírito não poderá
descansar até que se faça justiça. No entanto, a comunidade Moiwana não pôde honrar
apropriadamente seus falecidos, o que considera uma 'transgressão moral profunda', que
ofende os ancestrais e provoca 'doenças espirituais'. A Corte considerou o fato e julgou
de Derechos Humanos. Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Ecuador, OEA/Serie L/V/II.96,
doc. 10 rev. 1, 24 de abril de 1997, párrafo 92.
24 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira; Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; 3ª edição; Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
2010; p. 44.
25 A saber, Estado constitucional e de Direito.
13
violado o direito à integridade pessoal dos membros da comunidade pela 'indignação e
vergonha de terem sido abandonados pelo sistema de justiça penal do Suriname'".26
Violação do direito à honra e dignidade
30. Aos Aricapus, que declaram possuir forte ligação com a terra e com a comunidade, o
impacto psicológico e físico configuraria uma agressão extremamente grave à sua integridade
pessoal e à sua própria honra, conforme o artigo 11 da Convenção.
31. Por honra entende-se o conjunto de atributos morais e a reputação que tem
determinada pessoa nas suas relações com os demais membros da sociedade27
. Entende-se
também este ser um direito à integridade moral. Tentou a Convenção, com esse artigo,
proteger mais uma vez o bem maior, que é a dignidade da pessoa humana.
32. Immanuel Kant define a dignidade como uma “qualidade inerente aos seres humanos
enquanto entes morais: na medida em que exercem de forma autônoma a sua razão prática,
os seres humanos constroem distintas personalidades humanas, cada uma delas
absolutamente individual e insubstituível.” 28
.
33. Dessa forma, ao deixar de observar as qualidades inerentes aos Povos Subscritores,
qualidades estas que os diferenciam do restante da população Tucana, a República de Tucanos
violou não apenas sua honra, como também sua dignidade.
26
CHIRIBOGA, Oswaldo Ruiz; O direito à integridade cultural dos povos indígenas e das minorias nacionais:
um olhar a partir do Sistema Interamericano; in SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos;2006, nº5,
ano 3.
27 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira; Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; 3ª edição; Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
2010; p. 15.
28 DOS SANTOS CUNHA, Alexandre; A normatividade da pessoa humana: o estudo jurídico da personalidade
e o Código Civil de 2002; Rio de Janeiro, 2005: Forense; pp. 85-88.
14
34. É, portanto, falho o argumento utilizado pelo Advogado-Geral da República de
Tucanos que o impacto negativo sobre a pequena população seria justificado pelos benefícios
trazidos pela Hidrelétrica, restando completamente ignorada a proporção do impacto.
Arts. 21 E 22 – DIREITO À PROPRIEDADE PRIVADA E DIREITO DE
CIRCULAÇÃO E RESIDÊNCIA
Direito à propriedade privada
35. No caso em tela, observamos que a propriedade proporciona aos proprietários os bens
necessários à sua existência, é um instrumento necessário à vida A Corte IDH, ao interpretar o
conceito de bens, os define como “aquelas coisas materiais apropriáveis, assim como todo
direito que possa formar parte do patrimônio de uma pessoa; dito conceito compreende todos
os móveis e imóveis, os elementos corpóreos e incorpóreos e qualquer outro objeto imaterial
suscetível de valor” 29
.
36. No SIDH, é solidificada a tese de que o direito à propriedade privada se faz essencial
às comunidades indígenas que se ligam às terras de seus ancestrais30
.
37. O leading case nesse sentido é o caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni
v. Nicaragua31
, no qual a Corte IDH confirma essa concepção chamada de “evolutiva” do
artigo 21 da Convenção. A Corte IDH entendeu que o direito à propriedade, nesses casos, não
se restringe ao conceito Civil já consagrado na doutrina tradicional.
29
CIDH, Caso Ivcher Bronstein vs. Peru, Reparações e Custas, sentença de 06/02/2001, série C, nº74, parágrafo
122.
30 Caso Yanomami vs Brasil, CIDH Resolução N° 12/85. 05/03/1985.
31 Corte IDH: Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31/08/2001. Serie
C No. 79.
15
38. Dessa forma, a Corte IDH reconheceu o direito dos povos indígenas à propriedade
coletiva da terra:
“Consideramos intemporal que nos parece caracterizar a relação dos indígenas da
Comunidade com suas terras. Sem o uso e gozo efetivos destas últimas, eles estariam
privados de praticar, conservar e revitalizar seus costumes culturais, que dão sentido à
sua própria existência, tanto individual como comunitária. O sentimento que se
desprende é no sentido de que, assim como a terra que ocupam lhes pertence, também
eles pertencem à sua terra. Têm, pois, o direito de preservar suas manifestações culturais
passadas e presentes, e o de poder desempenhá-las no futuro.” 32
.
39. Considerando ainda o significado especial da propriedade coletiva das terras para os
povos indígenas dado pela Corte IDH, seus direitos sociais são compreendidos como
autênticos direitos subjetivos inerentes ao espaço de cada ser, cuja destinação natural é
proporcionar a todas as pessoas a soma de bens necessários a uma existência humana digna,
preservando a sua identidade cultural e transmitindo-a para as futuras gerações:
“As populações indígenas e suas comunidades, bem como outras locais, têm papel
fundamental na gestão do meio ambiente e no desenvolvimento, em virtude de seus
conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar de forma
apropriada a identidade, cultura e interesses dessas populações e comunidades, bem
como habilitá-las a participar efetivamente da promoção do desenvolvimento
sustentável.” 33
.
40. Trata-se, portanto, de variável daquilo que se conhece como desenvolvimento
sustentável:
32
Voto concorrente dos Juízes Cançado Trindade e Abreu Burelli no Caso da Comunidade Mayagna (Sumo)
Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79.
33 Princípio 22 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
16
“O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias
necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível
satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural,
fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as
espécies e os habitats naturais” 34
.
41. A fim de concretizar essa forma de desenvolvimento, faz-se mister que os direitos à
propriedade (terra), à vida e à dignidade sejam inter-relacionados ao meio ecologicamente
correto, economicamente viável e socialmente aceito, sendo necessária uma interpretação à
luz do artigo 11 do Protocolo de San Salvador que dispõe sobre o meio ambiente sadio.
42. Os danos causados pela construção da Hidrelétrica resultarão na destruição das bases
materiais e culturais, inviabilizando a sustentação dos grupos populacionais atingidos. Sendo
o ser humano o foco central das ações de preservação do meio ambiente, as formas como se
transformam os recursos naturais devem estar em consonância com a liberdade pessoal e
justiça social, fundadas no respeito aos direitos humanos essenciais, conforme o Preâmbulo da
Convenção Americana de San José da Costa Rica.
43. Dessa forma, a República de Tucanos, ao desapropriar as terras pertencentes aos
Povos Subscritores para dar continuidade à construção da Hidrelétrica, aniquilou as relações
socioculturais por eles estabelecidas, ferindo qualquer disposição atinente a um meio
ambiente sadio, devendo ser responsabilizada pela violação do artigo 21 da Convenção
referente à propriedade:
34
Relatório de Brundtland, publicado pela Comissão Mundial sobre o meio ambiente e Desenvolvimento da
ONU em 1987.
17
Direito de circulação e residência
44. Considerando-se a interpretação dinâmica e evolutiva dos artigos da Convenção e sua
aplicação à comunidade, a Corte IDH tem, em suas decisões, caminhado no sentido de
garantir a todos os indivíduos os direitos de propriedade, as liberdades políticas, bem como a
liberdade de locomoção35
.
45. No que tange ao artigo 22 da Convenção, é sabido que os Estados – Partes podem
elaborar leis que limitem o direito de circulação e residência em casos extremos, mas jamais
possuem o atributo de editar leis que impeçam por completo seu exercício pelos cidadãos.
Qualquer medida nesse sentido seria totalmente contrária ao disposto naquela Convenção, aos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade e, sobretudo, ao respeito da dignidade da
pessoa humana.
46. Além disso, dispõe o item nº 03 de referido artigo que qualquer forma de restrição ao
direito de circulação e residência dos cidadãos deve ser uma exceção à regra, sendo, portanto,
uma medida indispensável dentro do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, é possível
concluir que, sendo a República de Tucanos um Estado que segue os moldes
supramencionados, a adoção de leis ou de quaisquer políticas públicas capazes de impedir o
direito de residência dos povos indígenas e imigrantes configurar-se-ia em uma afronta à
Convenção.
47. Foi o que fez a República de Tucanos, que cometeu grave violação ao direito de
residência dos povos subscritores ao editar leis objetivando sua expropriação.
35
ANTKOWIAK, Thomas M., Moiwana Village v. Suriname: A Portal into Recent Jurisprudential
developments of the Inter-American Court of Human Rights (July 15, 2007). Berkley Journal of International
Law (BJIL), Vol. 25, No. 2 2007 - acessado em 06.01.2011,
http://www.boalt.org/bjil/docs/BJIL25.2_Antkowiak.pdf.
18
Art. 24 – IGUALDADE PERANTE A LEI
48. O Art. 24 da Convenção, ao tratar do direito à proteção legal e do reconhecimento de
todos os cidadãos de maneira igualitária, sendo desprezadas quaisquer formas de observância
à cor, gênero, etnia ou classe social, descreve o princípio da isonomia, um dos pilares
estruturantes dos direitos humanos36.
49. Referido princípio foi violado pela República de Tucanos, que, apesar de ter colocado
em prática a legislação nacional referente ao deslocamento37
, feriu o princípio da isonomia ao
deixar de consultar os Povos Subscritores quanto aos impactos resultantes das obras, bem
como quanto à sua relação com a terra afetada. Como restou claro pelo pronunciamento do
Advogado Geral de Tucanos, as leis foram executadas de forma a reprimir os direitos de uma
minoria consideravelmente expressiva dentro daquele país.
50. É sabido que a lei “não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento
regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o
conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos
sistemas normativos vigentes.” 38.
51. No âmbito do SIDH, o entendimento quanto a esse princípio é o de que “os Estados
não podem subordinar ou condicionar a observância do princípio da igualdade perante a lei
e a não discriminação à consecução dos objetivos de suas políticas públicas, quaisquer que
36
GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira; Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; 3ª edição; Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
2010; p. 187.
37 Política Nacional de Deslocados - PND, que consiste no fornecimento de terra e de recursos para o recomeço
de suas atividades
38BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio; Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. Ed., 16. Tir. São
Paulo, Malheiros, 2008, p. 10.
19
sejam essas, incluídas as de caráter migratório. Este princípio de caráter geral deve ser
respeitado e garantido sempre. Qualquer ação ou omissão em sentido contrário é
incompatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos.” 39.
52. Para que se possa analisar a isonomia no caso apresentado, é necessário que se estude
as situações dos Imigrantes e dos Indígenas conforme suas peculiaridades e vulnerabilidades.
53. No que diz respeito aos primeiros, a nacionalidade muitas vezes acaba tornando-se um
entrave à adoção de políticas públicas pelo Estado capazes de garantir a plena satisfação dos
direitos dos cidadãos. No caso dos imigrantes, apesar de terem sua situação regularizada
mediante a Agência Nacional de Auxílio aos Estrangeiros (“ANAE”), sua nacionalidade foi
fator determinante para o descaso do Estado no que diz respeito à atenção a eles dispensada
após as reclamações de que a construção da Hidrelétrica traria prejuízos à sua propriedade.
54. Discorre CANÇADO TRINDADE nesse sentido:
“Os Estados não podem discriminar ou tolerar situações discriminatórias em detrimento
dos migrantes, e deve garantir o devido processo legal a qualquer pessoa, independente
do seu status migratório. Este último não pode ser uma justificativa para desprover uma
pessoa do exercício e do gozo dos seus direitos humanos, incluindo direitos
trabalhistas.” 40.
55. A situação precária dos povos imigrantes, bem como o desrespeito aos seus direitos
intrínsecos permanece até os dias atuais41. Além disso, a ausência de mecanismos efetivos de
39
Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares, de 17 de setembro de 2003; parágrafo 73, p. 172 (sem ênfase no original).
40 CANÇADO TRINDADE, Antônio; in Desarraigamento e a proteção dos migrantes na legislação
internacional dos direitos humanos; Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n. 47, 2008; pp. 29-64.
41 Em março de 2010, a título de exemplo, a CIDH denunciou o Estado do México por não promover atitudes
enérgicas contra os grupos criminosos que sequestram e massacram imigrantes naquele país. In Inter-American
20
proteção aos imigrantes é fator que contribui para o aumento da impunidade praticada contra
eles42
.
56. O SIDH entende43
que a proteção das populações indígenas constitui um
comprometimento sagrado e fundamental dos Estados americanos, uma vez que, por razões
históricas, as populações nativas mantem interação com potências e governos muito maiores e
mais poderosos que as comunidades tribais. Esse contexto, aliado aos constantes abusos dos
governos estatais contemporâneos, faz com que as comunidades tribais tornem-se vulneráveis
a graves violações de direitos humanos.
57. Por tais motivos, uma vez consolidado o SIDH, as violações e abusos sistemáticos
passaram a ser abordados de forma muito particular, estando em trâmite, inclusive, o Projeto
de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas44
perante o SIDH.
58. Em 1972, a CIDH emitiu uma resolução denominada “Proteção Especial para as
Populações Indígenas, Ação para Combater o Racismo e a Discriminação Racial”45
, na qual
cristaliza o entendimento de que as populações indígenas devem receber proteção especial,
estabelecendo a especial atenção pelos Estados à questão indígena, notadamente quanto à
administração e gestão de funcionários.
Comission on Human Rights; Press Release nº 86/10; IACHR condemns killing of immigrants in Mexico
(acessado em http://www.cidh.org/comunicados/english/2010/86-10eng.htm).
42 OEA/Ser.P.AG/doc.305/72, rev. 1, 14/03/1973, pp. 90-91.
43 Relatório Anual de 1972 da CIDH; Proteção Especial para as populações indígenas. Luta contra o racismo e
a discriminação racial.
44Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas acesso em 07/02/2011
http://www.cidh.org/Indigenas/Cap.2g.htm.
45 Relatório Anual da CIDH, 1972. http://www.cidh.oas.org/annualrep/72sp/sec.2e.htm#IND%CDGENAS
Acesso em 07/02/2011.
21
59. Apesar de todos esses avanços no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos dos
povos indígenas, ainda são muito frequentes suas violações, as quais, muitas vezes,
encontram-se relacionadas com a exploração de recursos naturais em seus territórios, como no
caso da violação da República de Tucanos. Novamente destacam-se os casos da Comunidade
Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicaragua e o caso do Povo Indígena Yanomami vs Brasil46
,
análogos ao caso em questão, nos quais prevaleceu o entendimento da proteção especial dos
direitos dos indígenas, essencialmente no que diz respeito à propriedade e seu significado
especial para esses povos.
60. Minoria populacional, os indígenas e os imigrantes estão inevitavelmente fadados a
sofrer com o preconceito e a xenofobia da maioria populacional, questão que acaba se
fortalecendo com a discriminação provocada pelo Estado.
61. Ainda, em relação à vulnerabilidade, destaca-se que “[v]ulnerability in this context
can be defined as the diminished capacity of an individual or group to anticipate, cope with,
resist and recover from the impact of a natural or man-made hazard. The concept is relative
and dynamic. Vulnerability is most often associated with poverty, but it can also arise when
people are isolated, insecure and defenceless in the face of risk, shock or stress.”47
.
46
Caso Yanomami vs Brasil, CIDH Resolução N° 12/85. 5/03/1985.Embora a legislação brasileira protegesse os
direitos dos indígenas (Constituição Federal de 1967, Lei 6.001/73 – Estatuto do índio, ainda vigente, Código
Civil Brasileiro de 1916, na década de 1960, o governo brasileiro aprovou um plano de exploração dos recursos
naturais e desenvolvimento da região da floresta, iniciando a construção da Rodovia Perimental Norte – BR.210
que atravessou o território Yanomami, obrigando a população a abandonar suas terras e buscar refúgio em outras
localidades. Na década seguinte, começou a explorar os recém descobertos depósitos minerais da região,
agravando a situação anterior. Diante dessa situação, buscou-se delimitar um território denominado Parque
Yanomami, proposta que não saiu do papel. Enquanto eram estabelecidos os acordos, a população se sujeitou a
uma série de abusos de seus direitos, dentre os quais a prostituição de mulheres, o contato com enfermidades
externas, o assassinato e o desaparecimento de nativos, entre outros.
47http://www.ifrc.org/what/disasters/about/vulnerability.asp
22
62. Vale também mencionar a OC 18/03:
“Generalmente los migrantes se encuentran em una situación de vulnerabilidad como
sujetos de derechos humanos, en una condición individual de ausencia o diferencia de
poder con respecto a los no-migrantes (nacionales o residentes). Esta condición de
vulnerabilidad tiene una dimensión ideológica y se presenta en um contexto histórico que
es distinto para cada Estado, y es mantenida por situaciones de jure (desigualdades entre
nacionales y extranjeros em las leyes) y de facto (desigualdades estructurales). Esta
situación conduce al estabelecimento de diferencias en el acceso de unos y otros a los
recursos públicos administrados por el Estado.”48
63. Dessa forma, a não observância da vulnerabilidade dos Povos Subscritores pela
República de Tucanos fere o valor intrínseco do direito em questão, devendo aquele Estado
promover a adoção de medidas legais capazes de garantir que o direito de referidos povos não
seja mais objeto de futuras violações.
Arts. 08 e 25 – GARANTIAS JUDICIAIS E PROTEÇÃO JUDICIAL
Garantias Judiciais
64. Todas as garantias judiciais elencadas no Art. 08 da Convenção são diretamente
relacionadas ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa.
65. O devido processo legal é um direito e uma garantia. Como define OSWALDO RUIZ
CHIRIBOGA: “consiste no direito de toda pessoa de ser ouvida com as devidas garantias e
num prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,
48
Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares, de 17 de setembro de 2003; parágrafo 112.
23
estabelecido previamente pela lei, que substancie qualquer acusação formulada contra si ou
que determine seus direitos e obrigações.”49
.
66. A Corte IDH, por sua vez, define o princípio do devido processo legal da seguinte
maneira: “conjunto de requisitos que deben observarse en las instancias procesales a efectos
de que las personas estén en condiciones de defender adecuadamente sus derechos ante
cualquier [...] acto del Estado que pueda afectarlos. Es decir, cualquies actuación u omisión
de los órganos estatales dentro de un processo, sea administrativo sancionatório o
jurisdicional, debe respetar el debido processo legal.”50.
67. A mesma Corte IDH, na Opinião Consultiva nº 16, de 01 de outubro de 1999, traz
também apontamentos sobre o devido processo legal:
“En opinión de esta Corte, para que exista „debido proceso legal‟ es necesario que un
juticiable pueda hacer valer sus interesses em forma efectiva y condiciones de igualdad
procesual con otros justiciables. Al efecto, es útil recordar que el proceso es um médio
para assegurar, em la mayor medida posible, la solución justa de una controvérsia.” 51
68. Uma vez consolidado o entendimento da relação especial dos indígenas com a terra, e
do caráter singular da proteção que o Estado deve para com essas comunidades no que diz
respeito à proteção de seus direitos, a Corte IDH entendeu, na sentença do caso da
Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, que “En lo que respecta a pueblos indígenas,
es indispensable que los Estados otorguen una protección efectiva que tome en cuenta sus
49
CHIRIBOGA, Oswaldo Ruiz; O direito à integridade cultural dos povos indígenas e das minorias nacionais:
um olhar a partir do Sistema Interamericano; in SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos;2006, nº5,
ano 3.
50 Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinião Consultiva OC – 18/03 sobre a Condição Jurídica e
Direitos dos Imigrantes Irregulares, de 17 de setembro de 2003; parágrafo 73, p. 123
51 Corte Interamericana de Direitos Humanos; Opinión Consultiva OC-16/99 de 1 de Octubre de 1999, par.117.
24
particularidades propias, sus características económicas y sociales, así como su situación de
especial vulnerabilidad, su derecho consuetudinario, valores, usos y costumbres.” 52
.
69. Dessa forma, é necessário, para que se observe as disposições do Art. 8, o
comprometimento do Estado em relação ao direito consuetudinário dessas comunidades, e sua
efetiva participação em um processo formal de reivindicação de terras, que observe a
razoabilidade de prazos e de indenizações. A violação da República de Tucanos, neste
sentido, é notória, uma vez que as comunidades indígenas e imigrantes procuraram as
autoridades para negociações e foram recebidos por tratores e escavadeiras que prontamente
iniciaram a execução das obras.
70. Embora o Governo tenha prometido reavaliar o projeto de remoção e trabalhar em
conjunto com as pessoas afetadas a fim de que fosse alcançada uma solução favorável para
ambas as partes, as obras tiveram início imediatamente após sua autorização pelo órgão
competente, violando, portanto, os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal.
Proteção Judicial
71. A Convenção é clara ao estabelecer que cabe ao Poder Judiciário a proteção a
quaisquer abusos aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. A Corte IDH interpreta
esse artigo da seguinte forma:
“La obligación a cargo de los Estados de ofrecer, a todas las personas sometidas a su
jurisdicción, un recurso judicial efectivo contra actos violatorios de sus derechos
fundamentales. Dispone, además, que la garantía allí consagrada se aplica no sólo
52
Corte Interamericana de Direitos Humanos - Caso Comunidade Indígena Yakye Axa versus Paraguai, Sentença
de 17/06/2005, Série C, nº 125, par. 63
25
respecto de los derechos contenidos en la Convención, sino también de aquéllos que
estén reconocidos por la Constitución o por la ley.” 53
72. É sabido também que a conduta da República de Tucanos trouxe consigo violações a
uma série de direitos fundamentais dos Povos Subscritores, todos eles aqui exaustivamente
mencionados. Não bastassem as inúmeras tentativas de ambos os povos de obter
judicialmente a satisfação de seu direito (qual seja, o de ter resguardada sua propriedade), sua
pretensão foi, apenas em um momento (na decisão de segunda instância), considerada
judicialmente legítima.
73. É importante ainda frisar que o acesso à informação é um pré-requisito para a
participação pública na tomada de decisões e para que os indivíduos possam supervisionar e
reparar ações dos setores públicos e privados, uma vez que “Toda pessoa tem direito à
liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber
e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras,
verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua
escolha.”.54
74. Ainda nesse sentido, “[o]s povos interessados deverão ter o direito de escolher suas,
próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida que ele
afete as suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que
ocupam e utilizam (...) deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e
programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente”.55
53
Cf. Caso del Tribunal Constitucional, supra nota 10, párr. 89; y Garantías Judiciales en Estados de Emergencia
(arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-9/87 del
6/10/1987. Serie A No.9, párr. 23.
54 Art. 13.1- Convenção Americana de Direitos Humanos
55Art.14 da Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho
26
75. Dessa maneira, o Poder Judiciário da República de Tucanos, tendo por base apenas a
observância ao desenvolvimento econômico daquele País, decidiu, em última instância, e com
base no parecer favorável do Advogado Geral da União, suprimir os direitos fundamentais
daqueles povos. Restou violada, portanto, a proteção judicial.
III. CONCLUSÃO
76. Nos dias de hoje, Estados multiétnicos são a regra. Concluiu-se, na Conferência de
Durban56
, que a xenofobia contra não-nacionais é hoje uma das formas contemporâneas mais
frequentes de racismo.
77. A República de Tucanos insere-se nesse contexto. Estado reconhecidamente
multiétnico, conta com um número expressivo de povos imigrantes que não pode ser
ignorado. Além disso, conta também com uma população igualmente expressiva de indígenas,
que apresentam cultura e costumes diferentes dos cultivados pelo restante da população
Tucana.
78. O direito dos imigrantes a gozar de todos os direitos garantidos aos demais cidadãos
da República de Tucanos é inquestionável. A obrigação de proteção dos Estados a todos os
cidadãos que habitam seu território é recorrente na comunidade internacional:
“Aliens thus have an inherent right to life, protected by law, and may not be arbitrarily
deprived of life. They must not be subjected to torture or to cruel, inhuman or degrading
treatment or punishment; nor may they be held in slavery or servitude. Aliens have the
full right to liberty and security of the person. If lawfully deprived of their liberty, they
shall be treated with humanity and with respect for the inherent dignity of their person.
56
World Conference against Racism, Racial Discrimination, Xenophobia and related intolerance; Multi-ethnic
States and the Protection of Minority Rights Durban, África do Sul, 31 de agosto a 8 de setembro de 2001
(acesso em 06.01.2011 - http://www.un.org/durbanreview2009/pdf/DDPA_full_text.pdf).
27
Aliens may not be imprisoned for failure to fulfill a contractual obligation. They have the
right to liberty of movement and free choice of residence; they shall be free to leave the
country. Aliens shall be equal before the courts and tribunals, and shall be entitled to a
fair and public hearing by a competent, independent and impartial tribunal established
by law in the determination of any criminal charge or of rights and obligations in a suit
at law. Aliens shall not be subjected to retrospective penal legislation, and are entitled to
recognition before the law. They may not be subjected to arbitrary or unlawful
interference with their privacy, family, home or correspondence. They have the right to
freedom of thought, conscience and religion, and the right to hold opinions and to
express them. Aliens receive the benefit of the right of peaceful assembly and of freedom
of association. They may marry when at marriageable age. Their children are entitled to
those measures of protection required by their status as minors. In those cases where
aliens constitute a minority within the meaning of article 27, they shall not be denied the
right, in community with other members of their group, to enjoy their own culture, to
profess and practice their own religion and to use their own language. Aliens are entitled
to equal protection by the law. There shall be no discrimination between aliens and
citizens in the application of these rights. These rights of aliens may be qualified only by
such limitations as may be lawfully imposed under the Covenant”57
79. Da mesma maneira, são idênticos os direitos dos indígenas, de forma que cabe à
República de Tucanos o igual respeito a ambos os povos. E, por respeito a esses povos,
entenda-se, também, o devido respeito ao ambiente em que eles vivem.
80. Observa-se, portanto, uma dupla forma de abuso: abuso aos direitos fundamentais dos
Povos Subscritores e abuso ao meio ambiente, que não apenas afetará irremediavelmente os
povos aqui mencionados, mas também as gerações futuras de toda a República de Tucanos.
57
United Nations; Officer of the High Commissioner for Human Rights; General Comment No. 15: The position
of aliens under the Covenant; 11/04/1986; paragraph 7.
28
81. Assim, “[a] noção de abuso é próxima da de excesso. Uso excessivo e abusivo
pressupõem, em comum, a legitimidade, em princípio, do uso. O poder do qual se abusa ou
de qual se excede é, em regra, legítimo. Há excesso, por exemplo, quando o agente,
exercendo legitimamente o seu poder, exorbita, vai além dos limites da razoabilidade
contextual.”58
82. Os direitos ambientais são também importante componente dos direitos
fundamentais59
, cuja eficácia depende exclusivamente da atuação do Estado em conjunto com
a sociedade. Um Estado que não incentiva a prática comunitária de proteção ao meio
ambiente por meio da realização de políticas públicas, atuando apenas em nome do interesse
econômico, acaba por violar uma série de outros princípios fundamentalmente importantes. É
o que acontece, portanto, com a República de Tucanos.
83. Dessa forma, “[o] direito de viver em um ambiente seguro requer proteção, por meio
de mecanismos jurídicos adequados e exequíveis. A relevância desses direitos significa que a
destruição deliberada do ambiente, mesmo durante um conflito, é restringida pelos princípios
da legislação ambiental e pode implicar na responsabilização do Estado.” 60
.
58
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; Da abusividade do poder econômico; in Revista de Direito Econômico –
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, n 21 - Outubro – Dezembro de 1995; pp. 23-30
(acessado em 05.01.2011 - http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/134).
59 FREELAND, Steven; Direitos Humanos, meio ambiente e conflitos: enfrentando os crimes ambientais in SUR
– Revista Internacional de Direitos Humanos; Ano 2; número 2; São Paulo, 2005; p.138 (acessado em
05.01.2011 - http://www.surjournal.org/conteudos/artigos2/port/artigo_freeland.htm).
60 FREELAND, Steven; Direitos Humanos, meio ambiente e conflitos: enfrentando os crimes ambientais in SUR
– Revista Internacional de Direitos Humanos; Ano 2; número 2; São Paulo, 2005; p.138 (acessado em
05.01.2011 - http://www.surjournal.org/conteudos/artigos2/port/artigo_freeland.htm).
29
84. Sendo assim, cabe especialmente ao Estado a tarefa de preservar o meio ambiente,
tendo sempre em vista o legado que será deixado às novas gerações:
“Não devemos poupar esforços para libertar toda a humanidade, acima de tudo os
nossos filhos e netos, da ameaça de viver num planeta irremediavelmente destruído pelas
atividades do homem e cujos recursos não serão suficientes já para satisfazer as suas
necessidades.” 61
.
85. A humanidade se fortalece pelo respeito às diferenças naturais e culturais, e se
enfraquece quando há dominação de um ser sobre o outro, fundados numa pretensa
superioridade universal. Cumpre à República de Tucanos, portanto, frear suas atividades de
construção da Hidrelétrica, em respeito à dignidade dos povos que habitam a região das obras.
Em respeito, igualmente, a toda a população Tucana, pois, “[e]m qualquer escala de valores,
considerações de ordem humanitária devem prevalecer sobre aquelas de ordem econômica
ou financeira, sobre o alegado ‟protecionismo‟ do „mercado global‟, e sobre rivalidade entre
grupos.” 62
.
86. Não obstante, uma vez que o artigo 68.1 da Convenção Americana estipula que “[o]s
Estados Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso
em que forem partes”, requer-se sejam dispostos os mecanismos efetivos mencionados no
parágrafo 63 para que a República de Tucanos assegure a implementação, em nível interno,
do disposto pela Corte IDH em suas decisões.
61
Organização das Nações Unidas; Declaração do Milênio; Cimeira do Milênio; Nova Iorque, 6 a 8 de setembro
de 2000; p. 3 (pesquisa feita em 06.01.2011, às 00h41 no site
http://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/DecdoMil.pdf).
62 CANÇADO TRINDADE, Antônio; in Desarraigamento e a proteção dos migrantes na legislação
internacional dos direitos humanos; Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n. 47, 2008; p. 59.
30
87. Além disso, no que diz respeito à reparação dos danos, e à aplicação do Artigo 63.1 da
Convenção, a Corte IDH apresenta na sentença do caso Aloboetoe e outros vs. Suriname 63
o
entendimento de que a compensação deverá ser determinada conforme as leis e costumes do
território afetado. No caso mencionado64
, consolidou-se o entendimento de que a
determinação do quantum compensatório, assim como da relação de dependência que geraria
o direito ao recebimento, é determinada pela lei e costume do território da vítima.
88. Isto posto, a reparação devida às vítimas das violações por parte da República de
Tucanos deve igualmente observar a condição especial e particular na qual se encontram os
indígenas e os imigrantes, ou seja, uma vez que se entende que o valor da propriedade para
estes povos é diferente daquele valor que se apresenta no restante da sociedade de Tucanos,
sua reparação deverá ser, portanto, proporcionalmente diferente.
89. Finalmente, considerando-se a dificuldade da implementação das decisões da Corte
IDH65
e que a obrigação de cumprir o disposto em suas sentenças corresponde a um princípio
básico do direito da responsabilidade internacional do Estado, bem como dispõe o artigo 27
da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 196966
, não pode a República de
Tucanos, por motivos de ordem interna, deixar de assumir a responsabilidade internacional já
estabelecida, uma vez que as obrigações convencionais dos Estados Partes vinculam todos os
poderes e órgãos do Estado.
63
Caso Aloboetoe – Corte IDH: Sentença de 10/09/1993. Reparações. Serie C No. 15 (acessado em 06/01/2011.
- http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_15_esp.pdf).
64 Tratou-se, no Caso Aloboetoe, do assassinato de sete homens da comunidade Saramaca pelo exército da
República do Suriname, em que foi aplicada a legislação Saramaca em detrimento da surinamesa.
65 Caso Yanomami e Relatórios Anuais da CIDH: 2007 (p. 59) e 2008 (p. 60)
66 Artigo 27 – Direito Interno e Observância dos Tratados: Uma parte não pode invocar as disposições de seu
direito interno para justificar o inadimplemento de um Tratado.
31
90. Ante tudo quanto fora exposto, resta evidente a violação, pela República de Tucanos,
aos artigos 01, 04, 05, 08, 11, 21, 22, 24 e 25 da Convenção, interpretados à luz do artigo 11
do Protocolo de San Salvador, devendo a República de Tucanos ser condenada à reparação
dos danos causados aos povos indígenas e imigrantes a teor do disposto no artigo 63.1 da
Convenção.
32
IV – REFERÊNCIAS
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