monteiro jm 2007 etnocídio etnogênese

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  • TEMPOS NDIOS:HISTRIAS E NARRATIVAS

    DO NOVO MUNDO

    organizao

    Carlos FaustoJohn Monteiro

    M U S E U N A C I O N A L D E E T N O L O G I A

    A S S R I O & A LV I M

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  • E N T R E O E T N O C D I O E A E T N O G N E S E : I D E N T I D A D E S

    I N D G E N A S C O L O N I A I S 1

    john m. monteiroDepartamento de Antropologia, IFCH/Unicamp

    Em sua Histria do Brasil, escrita em 1627, Frei Vicente do Salva-dor faz meno obra de um certo D. Diego Dvalos, vizinho deChuquiabue no Peru, que traava as origens dos ndios americanos Pennsula Ibrica, mostrando as possibilidades e os limites das fanta-sias que o descobrimento do Novo Mundo suscitava. Existia uma gentebrbara, segundo D. Diego, integrada por comedores de carne huma-na, que habitavam uma regio serrana da Andaluzia. Dizimados pelosespanhis em guerras, alguns poucos remanescentes deixaram aquelaterra e embarcaram para onde a fortuna os guiasse, passando pri-meiro pelas Canrias, depois Cabo Verde e, finalmente, Brasil. Saramdois irmos por cabos desta gente, um chamado Tupi e outro Guarani;este ltimo, deixando o Tupi povoando o Brasil, passou a Paraguai comsua gente e povoou o Peru (Salvador 1982 [1627]:77).2

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    1 Uma verso muito preliminar deste texto foi apresentado no Colquio Tempos ndios:Histrias e Narrativas do Novo Mundo, realizado no Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, 3-4 dedezembro de 2000. Agradeo os apontamentos de Maria Helena P. T. Machado, as sugestes (sobre-tudo os apontamentos tupinolgicos) de Carlos Fausto e os comentrios de Maria Odila Silva Dias,Bob Slenes, Robin Wright, Alcida Ramos e Joo Pacheco de Oliveira, que leram o texto enquantocomponente da minha tese de livre-docncia, apresentada em 2001.

    2 D. Diego Dvalos y Figueroa, ele prprio andaluz, aportou no Novo Mundo na dcada de1570 e se estabeleceu como encomendero no Alto Per (Bolvia), nas proximidades de La Paz (tam-bm conhecido como Chuquiabo). Poeta no estilo de Petrarca, publicou um volume de prosa e po-esia em Lima em 1602, a Miscelnea Austral, porm esta histria no faz parte. Sobre D. Diego, ver

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  • Frei Vicente no deu o menor crdito a este relato fantstico,mas aproveitou para afirmar que tinha a certeza de que os povos ind-genas originaram de outro lugar que no a Amrica, porm donde nose sabe, porque nem entre eles h escrituras, nem houve algum autorantigo que deles escrevesse. Ao localizar a origem dos ndios em algumrecanto remoto da Espanha, D. Diego talvez procurasse dizer algumacoisa a respeito da unidade da espcie humana, refletindo sobre a pro-ximidade antiga entre os ndios e os colonizadores. Ao mesmo tempo,no entanto, fornecia uma narrativa de forma encapsulada da con-quista dos povos amerndios, mais precisamente dos Tupi do Brasil edos Guarani do Paraguai, entre os quais o canibalismo, o despovoa-mento e a migrao foram elementos marcantes. De qualquer modo,a verso do colono espanhol to interessante pelo seu contedo es-pecfico quanto pela sua explicao da origem dos nomes tnicos paraos povos indgenas da Amrica colonial. Perseguidos, dizimados, seusremanescentes afugentados, os povos que se recompuseram no NovoMundo tomaram o nome de seus chefes como autodenominao. Ade-mais, a composio especfica das etnias, no aval de D. Diego, haviasido fruto de um processo histrico de contato e de conquista.

    Na exata contramo desse registro europeu, surgiu um relato maisou menos coevo na Histria da Misso dos Padres Capuchinhos, do fran-cs Claude dAbbeville, reproduzindo o notvel discurso de Mom-bor-uau, um ancio tupinamb na ilha de So Lus:

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    Colombi-Mongui (1985). Frei Gaspar pode ter confundido este autor com D. Martn del BarcoCentenera, cujo poema pico Argentina y conquista del Ro de la Plata, impresso em Lisboa em 1602,apresenta uma variante da saga dos irmos Tupi e Guarani no primeiro canto. De qualquer modo, ameno pelo frei Vicente certamente decorre do fluxo de notcias que acompanhavam as mercado-rias dos peruleiros, comerciantes portugueses que freqentavam o Peru e o Alto Peru neste perodo(cf. Alencastro 2000:110-112). Agradeo a Paul Firbas da Princeton University pela informao so-bre Barco Centenera.

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  • Vi a chegada dos portugueses em Pernambuco e Poti ( ) De incio,os portugueses no faziam seno traficar sem pretenderem fixar resi-dncia. Nessa poca, dormiam livremente com as raparigas, o que osnossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente hon-roso. Mais tarde, disseram que ns devamos acostumar a eles e queprecisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar cidadespara morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constitu-ssemos uma s nao. Depois, comearam a dizer que no podiamtomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permi-tia possu-las por meio do casamento e que eles no podiam casar semque elas fossem batizadas. E para isso eram necessrios pa [isto ,padres]. Mandaram vir os padres; e estes ergueram cruzes e princi-piaram a instruir os nossos e a batiz-los. Mais tarde afirmaram quenem eles nem os pa podiam viver sem escravos para os servirem e poreles trabalharem. E, assim, se viram constrangidos os nossos a forne-cer-lhos. Mas no satisfeitos com os escravos capturados na guerra,quiseram tambm os filhos dos nossos e acabaram escravizando todaa nao; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaramlivres foram, como ns, forados a deixar a regio (Abbeville 1975[1614]:115, nfase minha).

    Do mesmo modo que o frei Vicente contestou a veracidade dasafirmaes de D. Diego, poder-se-ia duvidar da autenticidade do re-lato de Mombor-uau: afinal de contas, segundo o historiador capuchi-nho que transcreveu a narrativa, o ancio era velho mesmo, contandonada menos que 180 anos de idade. Chama a ateno, no entanto, amaneira pela qual se reconstitua a conquista a partir de uma perspec-tiva indgena. [P]arecia que desejavam que constitussemos uma snao: esta foi a leitura que os Tupinamb fizeram nos primrdios do

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  • contato, quando as relaes pareciam obedecer a lgica da sociedadeindgena. No contentes com isso, os novos aliados comearam a sub-verter as expectativas dos ndios, interferindo diretamente nos domniosdo parentesco, da guerra e, com a presena cada vez maior dos padres, nodo sagrado. A busca insacivel por escravos aqui, de maneira signi-ficativa, a misso jesutica apresentada como forma de escravido primeiro envolvia os ndios como fornecedores de escravos atravs daguerra e depois submetia os membros do prprio grupo ao cativeiro.Para preservar a liberdade, restava-lhes apenas a opo de deixar a re-gio.

    Este mesmo tipo de anlise j foi realizado, h bastante tempo,por Florestan Fernandes (1975). Entretanto, prisioneiros das estruturasque o etnlogo construiu em seu meticuloso modelo funcionalista, osTupinamb de Florestan s sobreviveriam ao impacto da conquista atra-vs da migrao, como haviam feito os grupos egressos de Pernam-buco que teriam reconstitudo a coeso tribal em lugares distantes dapresena europia. Nesse sentido, davam as costas para a histria parano ser vtima dela.

    Mas h outras leituras possveis. Cresce, na bibliografia etnohist-rica das Amricas, a idia de que o impacto do contato, da conquistae da histria da expanso europia no se resume apenas na dizimaode populaes e na destruio de sociedades indgenas. Esse conjunto dechoques tambm produziu novas sociedades e novos tipos de sociedade,como bem apontam Stuart Schwartz e Frank Salomon (1999, 2:443).De acordo com Guillaume Boccara (2000), vm sendo amplamentereconhecidos o carter construdo das formaes sociais e das identi-dades, assim como o dinamismo das culturas e tradies. Desta feita,esse autor busca desmantelar a radical oposio entre pureza origin-ria/contaminao ps-contato, binmio que teima em resistir, subli-

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  • nhando-se o processo contnuo de inovao cultural. Lanando mo denoes tais como etnognese, etnificao e mestiagem, Bocarrafornece um roteiro bastante instigante para se pensar os processos detransformao desencadeados pela conquista ou, melhor dizendo, pelaexpanso europia. Para outros autores, como Neil Whitehead (1993:285), estes processos de transformao enfeixam fenmenos bem dis-tintos, abrangendo desde a total extino de certas formaes tnicas, persistncia de outras, inveno de outras ainda.

    Cada vez mais presente nestas abordagens, o termo etnogneseganha novos sentidos quando pensado enquanto articulao entreprocessos endgenos de transformao e processos externos introduzi-dos pela crescente intruso de foras ligadas aos europeus. Na introdu-o de sua coletnea sobre a etnognese, o antroplogo Jonathan Hillprope uma abordagem que vai alm de uma definio tributria daantropologia cultural norte-americana, na qual seria a origem histricade um povo que se auto-define a partir de seu patrimnio sociocultu-ral e lingstico. Para Hill, trata-se tambm das estratgias culturais epolticas de atores nativos, buscando criar [e renovar] identidadesduradouras num contexto mais abrangente de descontinuidades e demudanas radicais. Colocado de outra maneira, para apreender osprocessos culturais em jogo, no se pode tratar as sociedades indgenascomo culturas locais em isolamento; no entanto, Hill, evidentementeem reao a teses globalizantes que, apesar de datadas, se mostram aindabastante resistentes, adverte que no se pode entender as formas espe-cficas de etnognese apenas a partir das relaes entre sociedades su-balternas e as estruturas de dominao e de poder. Assim, escreve Hill,[p]ara alm das lutas de um povo para manter a sua existncia diantede uma histria caracterizada por mudanas radicais e, no mais dasvezes, imposta de fora para dentro, a etnognese tambm est enrai-

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  • zada nos conflitos internos e entre povos indgenas e afro-americanos(Hill 1996:1-2).

    Acompanhando a abordagem de Boccara, que trabalha mais espe-cificamente sociedades em situaes de fronteira, Gary Clayton An-derson (1999:4) enfatiza a ao consciente [agency], a contestao e acriatividade cultural indgena na resposta presena espanhola nasfronteiras setentrionais da colnia. Segundo o autor, a etnognese estradicada no processo no qual pequenos bandos transformaram assuas culturas para se unir a outros grupos, abandonando as suas ln-guas, suas prticas sociais e mesmo processos econmicos para atenders demandas da nova ordem. Tais processos envolviam a integrao depessoas de outras etnias (no caso dos cativos, por exemplo) bem comoa reinveno e incorporao de prticas e de tecnologias dos euro-peus, como o cavalo e o comrcio. O autor tambm ressalta de formainteressante a questo da distribuio de recursos, mostrando comoas hierarquias sociais foram reorientadas na consolidao de poder eriqueza por certos segmentos, como entre os mais velhos, por exem-plo, ou entre os caciques. Inovador, o livro de Anderson mostra como sepode trabalhar com fontes externas para estabelecer algumas pistassobre as posturas e as transformaes das sociedades nativas face aoavano dos europeus.

    Esta perspectiva importante medida que busca sublinhar a di-nmica interna dos processos de reao conquista, porm se dis-tanciando da abordagem de Florestan Fernandes que pressupunha orestabelecimento do equilbrio do sistema organizatrio tribal comoa chave da sobrevivncia tnica plena (Fernandes 1975:11-30). No en-tanto, se as novas perspectivas passam a enfatizar a ao consciente ecriativa de atores nativos, ao essa informada tanto por cosmologiasarraigadas quanto por leituras da situao colonial, ainda falta definir

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  • mais claramente quais so as unidades sociais relevantes, antes e de-pois da chegada dos europeus. Eduardo Viveiros de Castro (1993:32),em sua excelente crtica ao livro Histria dos ndios no Brasil, chama aateno para esta problemtica, observando que [o] congelamento eo isolamento das etnias um fenmeno sociolgico e cognitivo ps-colombiano. Para Viveiros de Castro, a atribuio de etnnimos erafruto de uma incompreenso total da dinmica tnica e poltica dosocius amerndio, incompreenso essa fundamentada num conceitosubstantivista e nacional-territorialista, longe da natureza relativae relacional das categorias tnicas, polticas e sociais indgenas. Nestesentido, pelo menos para as terras baixas da Amrica do Sul, o mosaicoetno-histrico do mapa ps-contato contrasta com um panorama pr--colombiano que mais se assemelha a um caleidoscpio.

    Mas, se a essencializao das categorias tnicas foi fruto de umequvoco, este equvoco trazia uma certa intencionalidade. Na verdade,a operao colonial de classificar os povos subordinados (ou potencial-mente subordinveis) em categorias naturalizadas e estanques condi-o fundamental da dominao colonial, como bem lembra NicholasDirks (Foreword in Cohn 1996:xi) remete quilo que Boccara cha-ma de etnificao ou, para outros, tribalizao. Aspecto fundamen-tal na formao de alianas e na determinao das polticas coloniais mesmo em reas centrais como no Mxico ou no Peru, diga-se depassagem a tendncia de definir grupos tnicos em categorias fixasserviu no apenas como instrumento de dominao, como tambm deparmetro para a sobrevivncia tnica de grupos indgenas, balizandouma variedade de estratgias geralmente enfeixadas num dos plos doinadequado binmio acomodao/resistncia. Isto vem obrigando osestudiosos a tratar o cipoal de etnnimos com mais cautela e rigor, so-bretudo no que diz respeito relao entre as formas sociais pr-colo-

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  • niais e as unidades sociais posteriores instalao de populaes euro-pias e africanas nas Amricas.

    Neste sentido, h uma relao intrnseca entre a classificao tni-co-social imposta pela ordem colonial e a formao de identidades tni-cas. importante lembrar, no entanto, que as identidades indgenasse pautavam no apenas em relao s origens pr-coloniais comotambm em relao a outras categorias indgenas ou no que gesta-ram no contexto colonial das Amricas. Pode-se comear pelos prprioseuropeus, to unos e diversos: faz-se necessrio sublinhar no apenasos jogos identitrios que diferenciavam as potncias europias no NovoMundo (cf. Seed 1995 e Perrone-Moiss 1997) como tambm as cliva-gens internas a cada unidade nacional. Na Amrica Portuguesa nodiferente da Amrica Espanhola pesavam as distines definidas apartir das origens religiosas (com a presena importante de cristosnovos), da noo de pureza de sangue e da condio social. Do mesmomodo, outro fenmeno pouco estudado de um ponto de vista antropo-lgico diz respeito s origens tnico-nacionais diversas entre os jesu-tas que atuavam nas misses, objeto de uma acirrada controvrsia nosculo XVII e condio subjacente a prticas de catequese distintas.3

    Finalmente, preciso prestar mais ateno s novas categorias so-ciais que foram constitudas no bojo da sociedade colonial, sobretudoos marcadores tnicos genricos, tais como carijs, tapuios ou, nolimite, ndios. Se estes novos termos no mais das vezes refletiam as

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    3 No Brasil, esta diferena se manifestava claramente nas misses entre os Kariri nos sculosXVII e XVIII (Pompa 2003), e merece ser estudado em outros lugares, sobretudo na Amaznia daprimeira metade do sculo XVIII. A disputa entre missionrios portugueses e estrangeiros tambmfoi central histria das misses orientais, nas quais alguns jesutas italianos chocavam a ortodoxiados portugueses com prticas transculturais, isto , adotando costumes nativos. Ver, entre outros,Alden (1996, esp. 267-272).

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  • estratgias coloniais de controle e as polticas de assimilao que busca-vam diluir a diversidade tnica, ao mesmo tempo se tornaram refern-cias importantes para a prpria populao indgena. Assim, os ndioscoloniais buscavam forjar novas identidades que no apenas se afasta-vam das origens pr-coloniais, como tambm procuravam se diferen-ciar dos emergentes grupos sociais que eram frutos do mesmo processocolonial, o que se intensificou com a rpida expanso do trfico tran-satlntico e o correspondente aumento de uma populao africana eafrodescendente. Com o crescimento destes outros setores populacio-nais, parece ter havido uma crescente estigmatizao dos ndios, sepa-rados de e opostos a outras categorias tnicas e fenotpicas, tais comobrancos, mestios, negros (Sider 1994:112). Seria precipitado, no en-tanto, chegar a uma concluso definitiva sobre este processo na AmricaPortuguesa, mesmo porque ainda sabemos pouco sobre as relaes toambguas quanto complexas que existiam entre sociedades indgenas equilombos, por exemplo, ou entre escravos ndios e escravos africanos.4

    Etnocdio

    Na poca em que Diego Dvalos, Mombor-uau e frei Vicentedo Salvador narraram as suas histrias, o litoral brasileiro j havia pas-sado por uma terrvel hecatombe. A explorao, comrcio e colonizaodos europeus na Amrica desencadearam transformaes profundas

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    4 Embora no tenha atingido o patamar dos estudos sobre o Caribe e as Guianas, este tematem sido objeto de vrios trabalhos interessantes recentemente. Ver, por exemplo, a coletnea organi-zada por Gomes (1999). No que diz respeito aproximao entre antropologia e histria no estudode comunidades indgenas e de remanescentes de quilombos, veja-se o instigante artigo de Arruti(1997).

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  • nas sociedades indgenas atravs de diversos mecanismos, alguns im-plementados conscientemente, outros introduzidos sem a mesma in-tencionalidade. No Brasil, o trplice avano dos soldados del Rei, dossoldados de Cristo e, sobretudo, dos soldados microscpicos de uma in-vaso de patgenos afetou radicalmente a inmeras sociedades, sobre-tudo os diferentes grupos tupi do litoral. Certamente o fator que maisatingiu as sociedades da orla martima no decorrer do sculo XVI foi oalastramento de doenas antes desconhecidas nas Amricas, manifes-tando-se de maneira mais brutal e impiedosa nos repetidos surtos epi-dmicos que ceifavam a vida de milhares de vtimas.

    Conforme lembra Neil Whitehead (1993:288-291), preciso ma-tizar as ondas destrutivas das doenas epidmicas em termos temporaise espaciais. Segundo ele, os autores que enfatizam to somente a dimen-so trgica do despovoamento tendem a imputar um carter demasia-damente uniforme ao alastramento das epidemias, deixando de ladofatores importantes que ora intensificavam, ora amenizavam a transmis-so de patgenos. Dentre esses fatores, as diferenas ecolgicas, os pa-dres de alimentao e, sobretudo, as respostas ativas dos indgenass epidemias podiam determinar diferenas significativas no desfechodos contgios. Do mesmo modo, diferentes regimes de trabalho ou demissionao condicionaram a ao e o impacto das doenas, produ-zindo escalas bastante diferenciadas de mortalidade (Newson 1985).

    Um ponto crucial apontado por Whitehead diz respeito defasa-gem entre os primeiros contatos e os principais episdios epidmicosque assolaram as populaes do litoral. Ao mesmo tempo, porm, admissvel supor que o inverso fosse verdadeiro tambm, isto , quealgumas sociedades indgenas conheceram as doenas antes do contatodireto com portadores europeus, mestios ou africanos. Seja como for,no litoral brasileiro do sculo XVI o contato direto j havia atravessado

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  • cinco dcadas antes da ecloso das primeiras pandemias. Longe deconstituir um varivel independente no despovoamento do litoral, amortalidade provocada por doenas contagiosas atingiu seus pontosmais altos quando conjugada com outras mudanas importantes nasrelaes entre colonizadores e ndios. Afinal de contas, foi na esteira dasofensivas blicas promovidas pelo governador Mem de S e do processoconcomitante de deslocamento das populaes indgenas para as aldeiasmissionrias que ocorreram as primeiras grandes epidemias, com des-taque para o alastramento da varola pelo litoral de Pernambuco a SoVicente em 1562-63 (Dean 1984; Alencastro 2000:127-133; e Mon-teiro 1999:996-1009).

    As doenas letais semearam a desordem entre a populao nativa,sobretudo naquela subordinada aos missionrios e aos colonos. Anchie-ta, rememorando este grande surto epidmico, escreveu em 1584:

    No mesmo ano de 1562, por justos juzos de Deus, sobreveio umagrande doena aos ndios e escravos dos Portugueses, e com isto grandefome, em que morreu muita gente, e dos que ficavam vivos muitos sevendiam e se iam meter por casa dos Portugueses e se fazer escravos,vendendo-se por um prato de farinha, e outros diziam, que lhes puses-sem ferretes, que queriam ser escravos: foi to grande a morte que deuneste gentio, que se dizia, que entre escravos e ndios forros morreriam30.000 no espao de 2 ou 3 meses (Anchieta 1988 [1584]:364).

    No mesmo relato, Anchieta buscou quantificar a dramtica quedana populao da Bahia:

    A gente que de 20 anos a esta parte gastada nesta Baa, parece coisa,que se no pode crer; porque nunca ningum cuidou, que tanta gente

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  • se gastasse nunca, quanto mais e to pouco tempo; porque nas 14igrejas, que os padres tiveram, se juntaram 40 000 almas, estas porconta, e ainda passaram delas com a gente, com que depois se fornece-ram, das quais se agora as trs igrejas que h tiverem 3500 almas sermuita (Anchieta 1988 [1584]:385).

    Infelizmente, sabemos relativamente pouco a respeito das res-postas dos Tupi aos surtos epidmicos.5 As cartas dos jesutas no incioda colonizao dizem algo sobre a percepo dos ndios com relao origem das doenas, claramente associada presena dos padres. Poucodepois de chegar no Brasil, em 1549, o padre Manuel da Nbrega seespantou no apenas com a freqncia das doenas entre a populaobatizada pelos jesutas, mas tambm e sobretudo com a acusao veicu-lada pelos feiticeiros, ou xams, de que os missionrios infligiam adoena com a gua do batismo e causavam a morte com a doutrina. Deacordo com a descrio do padre Francisco Pires, os ndios comearama tomar atitudes para evitar os missionrios de vez: fugiam os gentios[dos Padres e Irmos] como da morte e despejavam as casas e fugiampara os matos; outros queimavam pimenta por lhes no entrar a morteem casa. Levavam cruz alevantada a que haviam grande medo e vinhamalguns ao caminho a rogar aos Padres que lhes no fizessem mal, que pas-sassem de largo mostrando o caminho e, tremendo como a verga, noqueriam ouvir as pregaes.6 Uma dimenso do terror que as epide-

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    5 Um excepcional exerccio nesse sentido, enfocando as interpretaes dos Yanomami refe-rente s epidemias associadas diretamente ao e magia dos brancos, o texto de Albert (1992).

    6 Cartas de Manuel da Nbrega ao Dr. Azpilcueta Navarro, 10 de agosto de 1549, in Leite(1956-60, 1:143) e de Francisco Pires aos Padres e Irmos do Colgio de Coimbra, 7 de agosto de1552, in Leite (1956-60, 1:397).

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  • mias traziam est inscrita na dramtica palavra usada no Brasil para avaricela: catapora, o fogo que salta (cf. Alencastro 2000:129).7

    Para alm da ao dos missionrios que, no af de proteger os n-dios, semeavam as condies para a sua destruio, outras atividadescoloniais tambm espalhavam os contgios pelos sertes da Amrica.Egressos de So Paulo, Salvador, So Lus e Belm, os sertanistas quepalmilharam o interior em busca de escravos e de riquezas mineraisconstituram os principais agentes do contato durante os primeiros s-culos da colonizao. Se os relatos coevos e modernos tendem a realara violncia das bandeiras e das tropas de resgate como fator de despo-voamento, no se pode desprezar a ao das doenas nesses movimen-tos de grande envergadura. Muitas vezes foi depois de uma epidemiaque se organizava as grandes expedies; do mesmo modo, a introdu-o de elevados nmeros de cativos ou de catecmenos doentios con-tribua para a insalubridade pblica nas unidades coloniais (Monteiro1991). Alguns autores, como Srgio Buarque de Holanda, chegaram asugerir que os paulistas colocavam os recm egressos do serto numa es-pcie de quarentena, menos por precauo epidemiolgica do que paraefeitos de controle social e de redistribuio posterior entre os colonos(Holanda 1990 [1945]:183).

    Resumindo, uma primeira tarefa que cabe ao historiador dos n-dios diz respeito reformulao do quadro de radical descontinuidadeentre as dinmicas pr-coloniais e ps-contato (cf. Sider 1994:110). preciso conhecer melhor os contornos e o impacto das epidemias, dosdeslocamentos espaciais e das mudanas na forma de guerrear, fatoresestes que contriburam para transformaes fundamentais nas socie-

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    7 Segundo Teodoro Sampaio (1987 [1901]:128, 220), este vocbulo seria uma corruptela detat-pora, que quer dizer fogo irrompe ou erupo, afogueamento da pele (nfase do autor).

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  • dades indgenas. No entanto, ao invs de enfocar to somente a dila-pidao das sociedades nativas no processo de conquista termo esteusado com maior freqncia na historiografia, substituindo a incuaidia de colonizao torna-se interessante levar em conta o surgi-mento de diferentes e divergentes formas de sociedades nativas aps odesembarque definitivo dos europeus em terras americanas.

    Etnogneses

    Dentre as novas configuraes tnicas e sociopolticas que surgiramaps a conquista, destacam-se em primeiro lugar aquelas articuladasde algum modo com o projeto colonizador, seja como aliados, inimi-gos ou mesmo refugiados. O envolvimento em guerras coloniais, emrivalidades intra-europias ou no crescente trfico de cativos indgenasmostrou-se uma importante estratgia para vrios grupos que busca-ram resguardar a sua autonomia, paradoxalmente atravs desta cola-borao. Os fenmenos de ethnic soldiering (especializao blica dealguns grupos tnicos ou, ainda, a incorporao de determinadas etniasnas tropas coloniais), estudado por Neil Whitehead (1990), ou do co-mrcio envolvendo intermedirios indgenas que forneciam cativos(Monteiro 1994a:62-68; Farage 1991:85-119) implicavam em muitomais do que a mera manipulao de rivalidades pr-coloniais; antes es-tes processos sinalizavam muitas vezes a emergncia de novas unidadessociopolticas, apesar de identificados pelos primeiros escritores colo-niais em termos cada vez mais fixos e estticos.

    Em seu interessante estudo sobre a etnognese mapuche no Chile,Guillaume Boccara traa a transformao da guerra de sua forma pr--colonial para a forma ps-contato da maloca, um empreendimento de

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  • pilhagem voltado para a aquisio de bens de origem europia e parao fortalecimento dos caciques que exerciam um novo tipo de poder(Boccara 1999:442). Este deslocamento da atividade guerreira tam-bm se desdobrava em ataques constantes aos ndios amigos, isto ,aliados aos espanhis, que constituam uma importante fonte de ca-valos. Neste sentido, a exemplo de tantos outros grupos em situaesde fronteira nas Amricas, os Mapuche articulavam a sua identidadede modo algo paradoxal, valendo-se da imbricao com a esfera colo-nial para se manter efetivamente independente dela.

    Com referncia ao Brasil, muito tem sido escrito sobre a guerratupinamb, porm praticamente nada sobre a sua transformao. Flo-restan Fernandes chegou a esboar um plano de trabalho sobre a fun-o social da guerra na sociedade colonial, porm o seu engajamentono projeto da Unesco acabou adiando o trabalho que nunca chegou aser concretizado plenamente (Fernandes 1979 [1948]:231). A docu-mentao colonial de fato aponta para um processo de reorientao daguerra, qual seja atravs dos testemunhos que reclamavam da vendados cativos de guerra a includos Mombor-uau, como vimos acima seja atravs da especializao de certos grupos como fornecedores deescravos. H tambm situaes anlogas ao caso dos Mapuche mencio-nado acima. So muito bem documentados os exemplos Guaicuru ePaiagu no extremo oeste da Amrica Portuguesa no final do sculoXVII e atravessando o sculo XVIII (Vangelista 1991), bem como deoutros grupos de corso o melhor exemplo dos temveis Muras,estudados por Marta Amoroso (1992) e por David Sweet (1992) queorientavam as prticas guerreiras para os freqentes ataques aos portu-gueses e seus aliados indgenas. Assim, grupos provavelmente poucoexpressivos ou mesmo inexistentes no perodo pr-colonial atingi-ram uma proeminncia no contexto colonial (Whitehead 1993:297).

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  • Mesmo etnias que tiveram uma presena destacada no panoramapr-conquista passaram por mudanas significativas ao reformular aguerra diante do novo quadro de alianas e inimizades, como no casodos Tupinamb que se deslocaram para o Mdio Amazonas. O holandsMaurcio de Heriarte, que acompanhou a grande expedio de PedroTeixeira pelos rios Amazonas e Napo em 1637-38, descreveu os habi-tantes da Ilha Tupinambaranas como descendentes dos Tupi do litoral:

    O princpio destes ndios Tupinambaranas no foi de naturais desserio. Dizem que, no ano de 1600, saram seus antepassados do Brasilem trs tropas, em busca do Paraso Terreal (coisa de brbaros) rom-pendo e conquistando terras, e que havendo caminhado muito tempochegaram quele stio, que acharam abundante e cheio de ndios natu-rais; e por ser bom o sitiaram e conquistaram os seus naturais, avassa-lando-os, e com o tempo se casaram uns com os outros, e se aparentaram;mas no deixam de conhecer os naturais a superioridade que os Tu-pinambaranas tm neles (apud J. Fernandes 1997:136).

    Continuando, Heriarte fez uma outra observao preciosa: So osmais belicosos ndios destas partes, mui senhores e liberais, bem dis-postos, mas muito traidores, carniceiros, e era a gente que mais carnehumana comia nesse rio, do que a comunicao dos Portugueses ostem tirado em muita parte.

    Nesse caso especfico, a antropofagia foi lida pelo viajante holan-ds como uma expresso importante da identidade do grupo, tanto emreferncia s demais etnias da Amaznia quanto no que diz respeitoaos descendentes dos antigos Tupinamb que ainda viviam no litoral.Nesse sentido, a reinstituio do canibalismo por um grupo que muitoprovavelmente fora obrigado a abandon-lo quando passou pelas mis-

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  • ses de Pernambuco, talvez se assemelhasse aos casos estudados porWhitehead na Guiana (1993:297), nos quais surgiram cultos canibaiscomo expresso de um radicalismo tnico que embasava a resistnciae a autonomia desses povos. Os Tupinamb do litoral, sob o controledos colonizadores, parecem ter seguido um caminho diferente, comomostram de maneira convincente Eduardo Viveiros de Castro e Ma-nuela Carneiro da Cunha (1985). Ainda assim, h algumas evidnciaspara outros grupos que teriam lanado mo do canibalismo para de-marcar as relaes com os brancos: este seria o caso dos Botocudos nossculos XVIII e XIX ou, de uma maneira curiosa, dos Cambeba no s-culo XVIII. Em sua Memria sobre o gentio Cambeba que habitavaas margens e nas ilhas do rio Solimes, Alexandre Rodrigues Ferreiraregistrou uma interessante observao:

    H dvida, se os Cambebas eram antropfagos. Crem muitos que oeram e so ainda os que vivem no mato. Todos os desta Nao, que exa-minei neste particular, me afirmaram que era falsa semelhante im-putao, antes dizem os que descendem dos Cambebas, que eles usamdo artifcio das suas cabeas para mostrarem que no comem carnehumana, podendo assim escapar escravido, que por igual delito ossubmetiam os Europeus (Ferreira 1974 [1783-92]:52).8

    Nos sculos XVI e XVII, ao longo do litoral, uma seqncia deguerras contribuiu para a o estabelecimento e, por conseguinte, conge-lamento de grupos tnicos. A seqncia longa: a Guerra dos Tamoios,as guerras movidas por Mem de S na Bahia e no Rio de Janeiro, a

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    8 Para uma discusso interessante dos pressupostos que embasavam as imagens produzidaspelo naturalista baiano, veja-se Carvalho Jr. (2000).

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  • conquista da Paraba, a conquista do Maranho e do Par, a guerraluso-holandesa, o conjunto de conflitos conhecido na historiografiacomo a Guerra dos Brbaros, a destruio dos Palmares, para ficar ape-nas nos episdios mais marcantes (ver Puntoni 2002, esp. captulos 3e 4). Guerreiros potiguar, inimigos duros na conquista do Rio Grandedo Norte, mais tarde serviram aos portugueses contra os Aimor dePorto Seguro e Ilhus e chegaram mesmo a combater na outra margemdo Atlntico Sul, em guerras angolanas.9 Se a bibliografia histrica cos-tuma estabelecer um quadro estvel de alianas e inimizades que es-tava pautada pelos pares de grupos inimigos como no dio imemorialentre Tupinamb e Tupiniquim, ou entre Potiguar e Caet, ou entreBotocudo e Puri a documentao revela abundantes exemplos de gru-pos que deslizaram de uma aliana para outra de acordo com as condi-es que enfrentavam. A chamada Paz de Iperoig, na qual os refnsjesutas Nbrega e Anchieta teriam persuadido os Tamoio a abando-narem a guerra, proporciona um primeiro exemplo de uma mudanaradical no quadro de alianas (Monteiro 1994a:39-40).

    Desde cedo, portanto, os nomes tnicos possuam um carter re-lacional e historicamente especfico. O par de inimigos Tamoio e Te-memin sugere esse fenmeno, o primeiro referindo-se ao av ou aosantepassados, o segundo a neto paterno ou descendentes. Ao que tudoindica, o termo Tamoio surgiu no bojo da revolta dos Tupinamb queocupavam o litoral entre So Vicente e a Baa de Guanabara no finalda dcada de 1540. Este movimento ganhou flego com a chegada,

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    9 Neste ltimo caso, a exemplo dos embates no Nordeste brasileiro durante o mesmo per-odo, lutaram tambm pelo lado holands. A frota comandada por Cornelis Corneliszoon Jol, o c-lebre Houtebeen (perna-de-pau), partiu de Recife rumo a Luanda em 1641 com pelo menos 200ndios guerreiros, provavelmente potiguar, apesar de algumas fontes mencionarem aliados tapuia.Ver Alencastro (2000:444) e Boxer (1973 [1952]:253).

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  • na dcada seguinte, dos franceses que estabeleceram uma colnia noRio de Janeiro. curioso notar que no relato de Hans Staden (1999[1557]), escrito na primeira fase do conflito, no se menciona nem otermo Tamoio, nem Tememin. Contemporneo de Staden, o calvi-nista Jean de Lry, ao se referir aos inimigos setentrionais dos Tupi-namb do Rio de Janeiro, tampouco se refere aos Tememin, apenasaos Maracaj (Lry 1994 [1580]:147-148). Gatos selvagens, este etn-nimo cedeu lugar para Tememin, termo que se consolidou enquantogrupo tnico aliado aos portugueses na tomada de Guanabara e noscombates contra os Tamoio, sendo premiados com terras e honrarias,suas lideranas conservando pelo menos at o sculo XVIII os privilgiosoutorgados a D. Martim Afonso de Souza Araribia (Almeida 2003:150-168).

    O que se nota nas fontes quinhentistas e seiscentistas precisa-mente a tenso entre a busca de uma unidade tupi afirmada no con-traste com os Tapuia e a diviso fragmentria dos povos do litoral numgrande nmero de etnnimos especficos. Como j desenvolvi em ou-tro trabalho (Monteiro 2000), esta tenso ganhou novos contornos nosculo XIX, atravs das releituras que os primeiros historiadores nacio-nais fizeram dessas mesmas fontes. No entanto, se uma parte do pro-blema pode ser atribuda s tresleituras de observadores que poucoentendiam da organizao social amerndia, esses relatos tambm dei-xam transparecer algo da percepo indgena do processo de etnifica-o.

    Assim, por exemplo, segundo o jesuta Jcome Monteiro, escre-vendo no incio do sculo XVII, foram os heris civilizadores que esta-beleceram a distino entre Tupi e Tapuia: Dizem mais que este MaraTup dividiu entre eles as lnguas para que tivessem guerra com os Ta-puias, mas no sabem dar a razo delas (apud Leite 1938-50, 8:408).

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  • Mas a diviso entre os grupos tupi tambm foi tema de vrias narrati-vas indgenas, reproduzidas pelos escritores coloniais. Ao explicar decomo os ndios tupinambs se fixaram na Ilha do Maranho e circun-vizinhanas, o capuchinho Claude dAbbeville misturou o horizontecristo do Paraso Terrestre com a perspectiva tupinamb sobre os des-dobramentos da conquista. Os ndios falavam de um belo pas a quechamam Caet, floresta grande, localizado para o sul. Os Tupinamb,os mais valentes e os maiores guerreiros, habitaram estas terras atque os portugueses apoderaram-se delas; diante disso, os ndios pre-feriram abandonar o seu prprio pas a se entregarem aos portugueses.Andaram, andaram at chegar no mar e estabeleceram-se em vrias al-deias. Outros preferiram ficar na Serra de Ibiapaba (Abbeville 1975[1614]:208-209).

    As narrativas dos Tupinamb do Maranho sobre estas grandesmigraes certamente refletiam os eventos da segunda metade do s-culo XVI que caracterizaram a conquista nas capitanias de Bahia, Per-nambuco e Paraba. O termo Caet, alis, referia-se a um dos gruposmais renitentes em sua oposio ao avano dos portugueses, sendoobjetos de uma cruel declarao de guerra justa em 1562 e de umaperseguio implacvel por parte dos portugueses e seus aliados. Masse os Tupinamb passaram a embrenhar-se nos matos e nas mais recn-ditas florestas, este refgio servia no apenas para escapar dos portu-gueses como tambm proporcionava um espao para restabelecerdivises antigas. O missionrio francs explicava que estes Tupinambestabeleceram vrias aldeias, espalhando-se por a e derivando seusnomes dos lugares de suas residncias, mas conservando o nome detupinamb que serve at hoje para qualific-los. Segundo Abbeville,vrios ndios mais velhos ainda recordavam da chegada no Maranho,quando realizaram uma grande festa de cauim. Segue a narrativa:

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  • Aconteceu que, estando todos embriagados, uma mulher esbordoouum companheiro de festa, disso resultando grande motim que provo-cou a diviso e a separao do povo todo. Uns tomaram o partido doofendido e outros o da mulher e de tal modo se desavieram que, de gran-des amigos e aliados que eram, se tornaram grandes inimigos; e desdeento se encontram em estado de guerra permanente, chamando-seuns aos outros de tabajaras, o que quer dizer, grandes inimigos, oumelhor, segundo a etimologia da palavra: tu es o meu inimigo e eusou o teu (Abbeville 1975 [1614]:209, nfase do autor).

    Segundo os tupinlogos, Tabajara seria donos das aldeias, o queleva a supor que o narrador capuchinho tenha errado na etimologia.No entanto, como em tantos outros casos ao longo da histria do Brasil,parece tratar-se da corrupo e ressignificao colonial de uma palavratupi cujo sentido se aproximaria mais etimologia de Abbeville. Fre-qentemente grafado como Tobajara, o termo deriva do advrbio de lu-gar toway (ou toba), o que significa em frente ou em face. Para TeodoroSampaio (1987 [1901]:331), a combinao toba+yara refere-se ao in-divduo fronteiro, aquele que est em frente, o vizinho em face. A estadefinio, o tupinlogo baiano acrescenta: Tambm significa o com-petidor, o rival, o mulo; o cunhado da parte do homem.10 Tu es o meuinimigo e eu sou o teu: Abbeville captou com perfeio a dimenso rela-cional do nome. De fato, presente em vrias partes do litoral brasileiroa partir do sculo XVI, o termo Tobajara ou Tabajara oscilou en-tre aliado e inimigo, dependendo do ponto de vista do observador.11

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    10 Carlos Fausto (comunicao pessoal) sugere que toway+ara seria a nominalizao agentivado advrbio de lugar toway, podendo significar, portanto, do outro lado.

    11 Em meados do sculo XVI, Hans Staden (1874 [1557]:50) afirmou que os Tupinamb dolitoral vicentino so chamados de Tawaijar pelos seus inimigos, o que quer dizer inimigo.

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  • Ao longo do sculo XVII, contudo, este etnnimo passou a ser cadavez mais associado a determinados conjuntos de populao tupi. Nadcada de 1650, o padre Antnio Vieira relatou a trajetria algo voltildos Tobajara da Serra de Ibiapaba. No incio do sculo foram conver-tidos pelos jesutas Francisco Pinto e Luiz Figueira, porm a misso foiabandonada depois da morte violenta do carismtico padre Pinto.Quando os holandeses ocuparam Pernambuco em 1630, os Tobajaraapesar de batizados viviam como gentios, confederando-se com osholandeses quando estes se fizeram senhores da fortaleza do Cear,combatendo tanto os portugueses no Maranho quanto os Tobajarasque l havia de sua prpria nao. Insatisfeitos com os aliados bata-vos, que os remuneravam apenas com a mortalidade exacerbada, estesTobajara resolveram vingar neles [os holandeses] as vidas dos que na-quela empresa tinham perdido, passando todos flecha e espada.No obstante esta reviravolta nas alianas, para Vieira os Tobajara deIbiapaba no deixaram de ser as feras que se criavam e escondiam na-quelas serras. Rebeldes, tornaram-se ainda mais feras a partir de 1654,quando os ndios protestantes refugiados de Pernambuco restaurado sejuntaram a eles. Com a chegada destes novos hspedes, concluiu Viei-ra, ficou Ibiapaba verdadeiramente a Genebra de todos os sertes doBrasil (Vieira 1992 [1656]:127-131).

    Pouco mais de meio sculo depois, os ndios de Ibiapaba forneciamuma verso prpria que permite dimensionar melhor o processo deetnognese tobajara. curioso notar que, ao enviar uma petio paraD. Joo V, os solicitantes no se diziam Tobajara explicitamente e simse caracterizavam to somente enquanto ndios. Integrantes de umaaldeia jesutica, os ndios da aldeia da Serra de Ibiapaba passavam porgrandes mudanas naquela conjuntura (por volta de 1720), primeiroem decorrncia das muitas mortes que as guerras e doenas acarreta-

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  • ram, porm tambm por se lhes agregarem mais tapuias, sendo es-tes aldeados na esteira da chamada Guerra dos Brbaros. Ainda assim,buscaram reafirmar certas tradies ao justificar o pedido de terras ede honrarias para os principais. Relembraram, por exemplo, que seusavs antigamente haviam se retirado da Bahia, informao esta quecorresponde ao relato de Abbeville porm que foi elidida por Vieira.Esta migrao primordial fora acompanhada por outros dois princi-pais com numerosas famlias, os quais passando o Rio de So Franciscose separaram deles, e se embrenharam nas dilatadas Serras do Araripeaonde h mais de cem anos vivem escondidos, e podero passar de qua-tro mil almas. Mas esse passado rebelde, encapsulado na refernciaaos parentes que se separaram naquele momento inicial, cede lugar nodocumento elaborao de uma imagem de fiis vassalos que prestarammuitos servios relevantes Coroa de Portugal, no s na Restauraode Pernambuco mas continuamente desde que os padres da Compa-nhia os aldearam.12 Se, por um lado, os autores da petio seguiam umpadro comum a todos os colonos, reivindicando uma sesmaria emterras que plantaram sempre seus pais e avos, no deixa de ser signi-ficativo o esforo de delinear uma memria muito particular de suaexperincia colonial.

    A trajetria de algumas lideranas potiguar tambm ilustrativados processos de consolidao tnica no contexto das guerras coloniais.O prprio etnnimo suscita discusso: seriam Petiguar mascadoresde fumo ou Potiguar comedores de camaro?13 Com o tempo, o se-

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    12 Petio dos ndios da Serra da Ibiapaba, despacho datado 12 de outubro de 1720, ArquivoHistrico Ultramarino, Cear cx. 1, doc. 90 (No CD-Rom do Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_006,Cx. 1, D. 65). Agradeo ao professor Francisco Pinheiro da UFC por ter me facultado acesso tran-scrio do documento.

    13 Segundo Teodoro Sampaio (1987 [1901]:306-307), o termo Potiguara teria antes o sen-tido indecoroso de comedores de excrementos, ou seja, um termo injurioso lanado pelos inimi-

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  • gundo nome vingou, sendo inclusive aportuguesado na dinastia quese instalou. Mas at os anos finais do sculo XVI, constituam o maisduro inimigo dos portugueses, ainda mais porque contavam com oapoio de alguns franceses que forneceram chumbo e plvora como re-foro para os j temveis arcos desse povo. Duramente castigados pelosportugueses e seus aliados tobajara, acabaram acertando um acordode paz em 1599. Aceitando o batismo e a aliana com os portugueses e, estranhamente, com os Tobajara concordaram em reorientar osatributos blicos para a supresso das rebelies dos Aimor em Ilhuse Porto Seguro. Sob o comando do chefe Zorobab, embarcaram seiscaravelas com 1300 guerreiros potiguar e tobajara, que surpreenden-temente conseguiram derrotar e escravizar vrios grupos Aimor.

    Aps uma volta triunfal, Zorobab foi mobilizado pelo governa-dor para assolar um mocambo de negros de Guin fugidos () nospalmares do Rio Itapicuru, vrios dos quais ele capturou e vendeu paraos brancos, para depois comprar uma bandeira de campo, tambor,cavalo e vestidos para entrar triunfante em a sua terra. Chegou a pediraos franciscanos que lhe mandassem uma dana de curumins () e lheenramassem a igreja e abrissem a porta, porque havia de entrar nela.Mas se a pompa europia o atraa, Zorobab tambm queria continuara tomar a vingana de seus inimigos e preparou-se para ir dar guerraao Milho Verde, que era um principal do serto que lhe havia morto umsobrinho cristo; mais provavelmente, tambm visava conseguir escra-vos para os portugueses. O presidente da congregao advertiu que jeram vassalos de el-rei e no podiam fazer guerra justa sem ordem sua

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    gos. Ligeiramente readaptado, o nome passou a significar comedores de camaro. interessantenotar este mesmo tipo de acusao indecorosa foi lanado, no incio do sculo XVIII, pelos mazom-bos contra o governador portugus de Pernambuco Flix Jos Machado de Mendona, no contextoda Guerra dos Mascates (Boxer 1962:122).

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  • e do seu governador geral. Figura prestigiada, recebia presentes e vinhosdos brancos da Paraba, ou por seus interesses de ndios por seus ser-vios e empreitadas, ou por temor que tinham da sua rebelio. Esteltimo temor era compartilhado pelo governador, que acabou pren-dendo Zorobab. Tentaram mat-lo diversas vezes dando-lhe veneno,porm ele no morria, porque dizem que receoso [da peonha] bebiade madrugada a sua prpria cmara e que com esta triaga se preservavae defendia do veneno. Cada vez mais perigoso, foi enviado para oReino, primeiro a Lisboa mas, por ser porto de mar do qual cada diavm navios para o Brasil em que podia tornar-se, seguiu para voraonde faleceu (Salvador 1982 [1627]:287-292).

    A trajetria seguida pela famlia Camaro demonstra um outrocaminho para os Potiguar aps a conquista. Se a participao de An-tnio Felipe Camaro como fiel aliado dos portugueses na guerra con-tra a ocupao holandesa bem conhecida, preciso contextualizar estafigura num plano mais amplo, num mundo colonial onde a aliana, avassalagem e o privilgio constituram elementos importantes na pro-jeo de lideranas indgenas. Seu pai foi um poderoso chefe potiguarque, no final do sculo XVI, lutou ao lado de aventureiros francesescontra a expanso dos interesses portugueses para o norte do rio SoFrancisco. Potiguau Camaro Grande foi principal dos Potiguarda margem esquerda do Rio Potengi, no Rio Grande do Norte, e acabouconcordando com a paz firmada no Forte dos Reis Magos em 1599.Tambm admitiu a entrada de missionrios franciscanos entre a sua gen-te, sendo ele prprio batizado com o nome cristo de Antnio Camaroem 1612. Estes acontecimentos no significaram, contudo, que estesguerreiros deixariam de lado as armas. Muito pelo contrrio, agoraaliados aos portugueses que continuavam a marcha da conquista parao norte com o objetivo de tomar o Maranho, os Potiguar do Potengi

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  • se mostraram indispensveis para o xito dos portugueses e luso-bra-sileiros em vrios conflitos que marcaram o conflagrado sculo XVII.Potiguau seguiu para o Maranho no comando de seus guerreirospor volta de 1614, porm parece ter morrido no caminho.

    Nascido por volta de 1601, Antnio Felipe Camaro foi despa-chado ainda criana para a aldeia de parentes no Pernambuco, prova-velmente na companhia de outros Potiguar do Rio Grande que foramdeslocados para misses na esteira do acordo de paz de 1599. Foi cri-ado e doutrinado nas palavras de um escritor jesuta na missofranciscana de So Miguel, aprendendo a ler e escrever. A exemplo dopai, destacou-se nas atividades blicas no comando de guerreiros queresidiam nas misses, mobilizados para extirpar as ameaas presenaportuguesa: franceses, holandeses, quilombolas e, sobretudo, inimigosindgenas. Estes ltimos incluam outros grupos potiguar, como o daBaa da Traio, na Paraba, que auxiliou os holandeses quando estestomaram a Bahia de Todos os Santos em 1625. Pelos servios prestados,o rei Felipe II (IV da Espanha) agraciou este lder indgena com o H-bito de Cristo com 40.000 ris de renda anual, alm de outros 40.000ris de soldo pelo patente de Capito-Mr dos ndios Potiguares. Fielvassalo da coroa portuguesa, Antnio Felipe Camaro foi assim premia-do com cargos, honras e rendas em carter no s vitalcio como tam-bm hereditrio. Neste sentido, Francisco Pinheiro Camaro, DiogoPinheiro Camaro, Sebastio Pinheiro Camaro e Antnio DomingosCamaro sucederam-no como Governador dos ndios de Pernam-buco e Capitanias Anexas, instaurando uma verdadeira dinastia nativa(Lopes 1999).

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  • Em Busca do ndio Colonial

    Se, na Amrica Portuguesa, a presena de dinastias indgenas comttulos de nobreza figurava como algo raro e geralmente ligado aos ser-vios militares prestados, esta, no entanto, permite vislumbrar um as-pecto importante do papel desempenhado por atores indgenas nodrama colonial. Com certeza, a insero de diferentes grupos indgenasno interior do espao colonial ou s margens dele permanece umtema-chave a ser explorado de maneira mais assdua, at porque grandeparte da documentao indita em arquivos brasileiros e estrangeiroslida com questes relacionadas s misses, terra e ao trabalho dos n-dios.14 Ligado a isso emerge, pouco a pouco, um retrato das lideranaspolticas e espirituais que atuaram nas fmbrias do sistema colonial,ganhando um lugar mais seguro como agentes histricos. Este retratose contrape, claro, abordagem mais consagrada da resistncia ind-gena, considerado no mais das vezes como uma reao coletiva natu-ralmente em defesa das tradies milenares. Alguns trabalhos recentestm sublinhado a necessidade de reviso de temas to diversos quantoa chamada conquista espiritual, a escravido dos ndios, o trabalho nasmisses e as comunidades sob o regime pombalino.15

    As aldeias missionrias proporcionaram um espao importantepara a reconfigurao das identidades indgenas ao longo do perodocolonial (Almeida 2003:257-278). Apesar do esforo de mostrar o quan-

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    14 Um roteiro mnimo das fontes em arquivos no pas encontra-se em Monteiro (1994b).15 Sobre estes temas, entre outros representativos de uma nova histria indgena, ver os es-

    tudos em Carneiro da Cunha (1992) e Schwartz e Salomon (1999); Farage (1991); Monteiro(1994a); Vainfas (1995); Fernandes (1997); Domingues (2000); Sommer (2000); Sampaio (2001);Almeida (2003); e Pompa (2003).

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  • to os novos cristos haviam se afastado do seu passado pago, os rela-tos dos missionrios abundam em detalhes sobre no apenas as per-manncias como tambm as reformulaes do universo social esimblico, abalado que foi pelas epidemias, pelos deslocamentos espa-ciais e pela imposio da cosmologia crist (Pompa 2003). Um exem-plo sugestivo vem da Narrativa Epistolar do jesuta Ferno Cardimque, como secretrio do visitador Gouveia durante a sua inspeo dasmisses e colgios entre 1583 e 1590, forneceu descries muito ricasem detalhes reveladores da maneira pela qual os Tupinamb das mis-ses conviviam com os novos tempos (Castelnau-LEstoile, 2000).

    De imediato, dois aspectos se destacam: a memria da guerra e oapego aos rituais. Quanto guerra, os jesutas causavam certa estranheza,de acordo com um pequeno episdio contado por Cardim: um me-nino, perpassando em uma canoa pelo padre visitador, lhe disse em sualngua: Pay, marap guaranme nande popeoari?, [isto ], em tempo deguerra e cerco como ests desarmado? (Cardim 1997 [1583-90]:259).Mas os padres achavam que andavam muito bem armados: com a pa-lavra de Deus. Eram, afinal, os soldados de Cristo e esta equivalnciamilitar no deixou de ser notado pelos ndios. Alguns anos antes, porexemplo, na carta enviada pelos Meninos rfos em 1552 provavel-mente escrita pelo jesuta Francisco Pires e assinado por Diego Topi-namb Peribira Monget Quati relatava-se uma peregrinao porterra adentro, armando-nos contra eles com a cruz de Cristo e suaspalavras (Leite 1956-60, 1:378).

    Os padres tambm se saam bem nos elaborados rituais que pre-paravam, sobretudo na forma de festas de santos ou da encenao deteatro. A festa das endoenas na aldeia do Esprito Santo, na Bahia, foiconduzido nas duas lnguas: tiveram mandato em portugus por haver

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  • muitos brancos que ali se acharam, e paixo na lngua [geral], que cau-sou muita devoo e lgrimas nos ndios (Cardim 1997 [1583-90]:247). Mas se o tupi constitua a lngua principal dos autos de devoo,no tinha exclusividade, pois os jesutas ensinavam o portugus, o latime mesmo o castelhano aos meninos. Numa festa realizada na mesmaaldeia de Esprito Santo, debaixo [de uma fresta] ramada se representoupelos ndios um dilogo, em lngua braslica, portuguesa e castelhana,e tm eles muita graa em falar lnguas peregrinas, maxime a caste-lhana (Cardim 1997 [1583-90]:232).

    As festas organizadas para receber o visitador tambm mesclavamelementos cristos e tradies nativas, tais como a limpeza do caminhoe a saudao lacrimosa. Ao chegar aldeia de Esprito Santo, prximoa Salvador, a comitiva do visitador Gouveia foi saudada por flautistase o jantar debaixo de um arvoredo de aroeira tambm foi acompa-nhada por msicos tupi. Os meninos ndios, escondidos em um fres-co bosque, cantavam vrias cantigas devotas enquanto comemos, quecausavam devoo, no meio daqueles matos, principalmente uma pas-toril feita de novo para o recebimento do padre visitador seu novo pas-tor (Cardim 1997 [1583-90]:221). Fica claro, no entanto, que os ndiosdas aldeias mobilizavam os rituais de encontro com os padres e outrasautoridades de modo a afirmar a sua devoo sem abrir mo das tradi-es que ganhavam novas feies a cada encenao. Cardim comentouesse aparente paradoxo em sua descrio da recepo oferecida pelosndios da aldeia de Esprito Santo: Tudo causava devoo debaixo detais bosques, em terras estranhas, e muito mais por no se esperaremtais festas de gentes to brbaras (Cardim 1997 [1583-90]:222). Defato, a Narrativa Espistolar relata episdios que denunciavam o carterhbrido dos festejos, nos quais havia um certo esforo em pautar as ati-

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  • vidades religiosas novas pelas tradies pr-crists. Os cunumis, sc.meninos, com muitos molhos de frechas levantadas para cima, faziamseu motim de guerra e dava a sua grita, e pintados de vrias cores, nu-zinhos, vinham com as mos levantadas receber a bno do padre,dizendo em portugus, louvado seja Jesus Cristo (Cardim 1997[1583-90]:222). O diabo, ao que parece, tambm era figura indispens-vel nas festas realizadas e no teatro representado nas aldeias crists. Numafesta descrita por Cardim, nem faltou um anhang, [isto ], diabo,que saiu do mato; este era o ndio Ambrsio Pires, que a Lisboa foi como padre Rodrigo de Freitas. A esta figura fazem os ndios muita festa porcausa de sua formosura, gatimanhos e trejeitos que faz; em todas as suasfestas metem algum diabo, para ser deles bem celebrada (Cardim1997 [1583-90]:222).

    Assim, a msica sacra, os dilogos da f e os rituais cuidadosamenteencenados pelos jesutas marcavam a vida dos ndios aldeados. No en-tanto, de acordo com o padre Cardim e para o desgosto de muitos padres,isto no significava o fim dos cantos e ritos que eles tanto queriam ex-tirpar. Aps uma festa descrita na Narrativa Epistolar, os ndios deramcontinuidade aos festejos moda gentlica, movidos ao som de umcabao cheio de pedrinhas (como os pandeirinhos dos meninos em Por-tugal) e coordenados por tal compasso que no erram ponto com osps, e calcam o cho de maneira que fazem tremer a terra (Cardim1997 [1583-90]:234-35). No obstante a sua tentativa de relativizar acena com comparaes metropolitanas, Cardim com efeito estava diantede um ritual ao som do marac, relembrando as glrias da guerra inter-tribal e da vingana. No se lhes entende o que cantam, mas disseram--me os padres que cantavam em trova quantas faanhas e mortes tinhamfeito seus antepassados (Cardim 1997 [1583-90]:235). Em outra oca-

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  • sio, a procisso foi devotssima com muitos fachos e fogos, discipli-nando-se a maior parte dos ndios, que do em si cruelmente, e tmisto no somente por virtude, mas tambm por valentia, tirarem san-gue de si e serem abaet, sc. valentes (Cardim 1997 [1583-90]:247).

    Exatos dois sculos depois, nas vilas pombalinas visitadas porAlexandre Rodrigues Ferreira, o misto entre o pr-colonial e o novoapareceu para o desgosto do naturalista. A Memria sobre as cuias quefazem as ndias de Monte Alegre e de Santarm sumamente interes-sante pois descreve as tcnicas e a produo em detalhes. A produoanual era de 5 a 6000 cuias, do fabrico das quais que se vestem amaior parte das ndias de Monte-Alegre. Cada cuia alcanava de 100a 120 ris, conforme o tamanho, a pintura, a qualidade, se lisa oude gomos. A produo destinava-se aos brancos: as ndias que sa-bem que os brancos as compram, tratam de as trabalhar e aperfeioar.Porm Alexandre Rodrigues se deteve num detalhe muito importante:as ndias reservavam uma parte da produo para fins prprios, comimplicaes no apenas materiais como tambm simblicas.

    As cuias so os pratos, os copos e toda a baixela dos ndios. Cada umtem em sua casa uma delas reservada para dar a beber, ou gua ou osseus vinhos ao Principal, quando o visita, ou casualmente, ou em al-gum dia de convite. Consiste o distintivo dela, em ser ornada de algumbzio, seguro por uma bola de cera, toda cravada de mianga, e suamuiraquit, em cima, que lhe serve de asa em que pega o Principal.Oferece-se ao dito, em cima de uma salva que feita de ponteiros depatau Por mais diligncia que fiz por comprar uma destas, sa-tisfao da sua dona, no foi possvel, tanto o apreo que fazem dataa por onde bebe o seu Principal (Ferreira 1974 [1783-92]:36-39,grifo do autor).

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  • Construindo a Prpria Histria

    Assim como a reflexo de Mombor-uau serviu, antes de tudo,para instruir as relaes que se desenrolavam entre os ndios de So Luse a nova leva de europeus, muitas outras lideranas e outros pensado-res indgenas mobilizavam os seus conhecimentos para se posicionardiante da histria. Num outro trecho bastante conhecido da mesmaHistria das Misses Capuchinhas no Maranho, o lder tupinamb Ja-piau narrava as origens da radical separao entre ndios e brancos:

    ramos uma s nao, ns e vs; mas Deus, tempos aps o dilvio,enviou seus profetas de barbas para instruir-nos na lei de Deus. Apre-sentaram esses profetas ao nosso pai, do qual descendemos, duas espa-das, uma de madeira e outra de ferro e lhe permitiram escolher. Eleachou que a espada de ferro era pesada demais e preferiu a de pau.Diante disso o pai de quem descendestes, mais arguto, tomou a deferro. Desde ento fomos miserveis, pois os profetas vendo que os denossa nao no queriam acreditar neles, subiram para o cu, dei-xando as marcas dos seus ps cravadas com cruzes no rochedo pr-ximo de Poti (Abbeville 1975 [1614]:60-61).

    Este interessante discurso d margem para diversas interpreta-es. primeira vista, trata-se da transformao da trgica histria docontato em mito, fornecendo uma explicao nativa dentro de umgnero discursivo indgena da situao de subordinao e de inferio-ridade na qual os Tupinamb do Maranho se encontravam no inciodo sculo XVII. Mas o aspecto mais importante disso reside no deslo-camento do sujeito, onde a ao do ndio que determina a marcha dahistria. Para Manuela Carneiro da Cunha, comentando este e outros

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  • exemplos de mitologias que tematizam a gnese do homem branco, oque deve ser salientado que a opo, no mito, foi oferecida aos n-dios, que no so vtimas de uma fatalidade mas agentes de seu destino.Talvez escolheram mal. Mas fica salva a dignidade de terem moldadoa prpria histria (Carneiro da Cunha 1992:19).

    , certamente, um avano para a historiografia brasileira reconhe-cer as lideranas indgenas enquanto sujeitos capazes de traar a suaprpria histria. No entanto, necessrio considerar que as escolhasps-contato sempre foram condicionadas por uma srie de fatorespostos em marcha com a chegada e expanso dos europeus em terrasamericanas. A catstrofe demogrfica que se abateu sobre as socieda-des nativas, estreitamente ligada s estratgias militares, evangelizadorase econmicas dos europeus, deixou um quadro desesperador de socie-dades fragmentadas, imbricadas numa trama colonial cada vez maisenvolvente. Diante de condies crescentemente desfavorveis, as lide-ranas nativas esboavam respostas das mais variadas, freqentementelanando mo de instrumentos introduzidos pelos colonizadores. Aresistncia, neste sentido, no se limitava ao apego ferrenho s tradi-es pr-coloniais mas, antes, ganhava fora e sentido com a aberturapara a inovao.

    Esta caracterstica da poltica dos ndios nem sempre foi perce-bida pelos observadores europeus, que tendiam a retratar os ndios re-calcitrantes como verdadeiros selvagens, que hostilizavam os brancosem funo da sua natureza bruta. O reverso desta imagem residia nondio que colaborava com os projetos coloniais. Um curioso docu-mento de meados do sculo XVIII, provavelmente escrito por um je-suta, elencou 25 exemplos de ndios Famosos em Armas que nesteEstado do Brasil concorreram para sua conquista temporal e espiritual.Encabeada pelo inesquecvel Dom Felipe Camaro, a lista inclui di-

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  • versos lderes que, para o autor, permitem rebater certas noes sobrea incapacidade total dos ndios de agir politicamente. Destes e outroscasos semelhantes, escreveu ele, claramente se infere que no so osndios da nossa Amrica Lusitana to apoucados, rudes, e indiscipli-nveis como ordinariamente se pinta, tratando-os mais como a feras ebrutos irracionais, do que como a homens capazes de razo.16

    Entre outros, destacaram-se Pindobuu ndio magnnimo in-trpido e guerreiro com uma espada de pau na mo ameaa aos seuspor conservar a paz com os portugueses e favorecer aos padres daCompanhia; ou, ainda, Garcia de S outro ndio famoso pregadorda f, com esprito semelhante ao Apstolo das Gentes; e mais umndio pregador: O celebrado Tacaranha muito amante dos padresvestido de uma roupeta comprida azul com uma cruz vermelha de ta-fet no peito. Alm dessa atividade auxiliar catequese, o autor tam-bm apontava para a participao dos ndios em outras atividadescoloniais, como a do sertanismo, que deslocava populaes de remo-tos sertes para as vilas e aldeamentos coloniais. Por exemplo, O fa-moso ndio Arco Grande to zeloso da f que entrou pelo serto 400lguas em busca de seus parentes para o reduzir Igreja e companhiados padres, sem temor os seus inimigos dos quais triunfou, pondo-osem fugida, e matando a muitos.

    O autor annimo sublinhava, claro, o papel de colaborao des-tes ndios. No entanto, possvel entrever que estas atividades envolviammais do que a mera manipulao das lideranas nativas por interessescoloniais. Tratava-se da apropriao, por algumas destas lideranas,

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    16 Annimo, ndios Famosos em Armas que neste Estado do Brasil concorreram para suaconquista temporal e espiritual, 10 maro de 1758, manuscrito, Instituto de Estudos Brasileiros daUSP, Cod. 5.6.,A8.

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  • dos smbolos e dos discursos dos brancos para buscar um espao pr-prio no Novo Mundo que pouco a pouco se esboava.

    Esta mesma linguagem se encontrava tambm nos movimentosrebeldes que se opunham presena dos colonizadores. Os Tupinambdo Maranho, por exemplo, alm das suas espadas de madeira, tam-bm lanavam mo da palavra escrita no levante articulado por um lderchamado Amaro, que teria sido criado pelos jesutas em Pernam-buco. De posse de algumas cartas dos portugueses, Amaro teria dissi-mulado a leitura dessas na frente de uma grande comitiva de chefes,afirmando que o assunto delas se reduzia a que todos os Tupinambsfossem escravos. De acordo com o cronista Bernardo Pereira de Berre-do, foi to diablica esta sugesto, que penetrando logo a brutalidadede tantos brbaros, assentaram uniformemente em que se matassemtodos os brancos (Berredo 1989 [1749]).

    O padre Antnio Vieira, em sua Relao da Misso da Serra deIbiapaba, tambm notou o uso da palavra escrita por ndios rebeldes,que agora buscavam negociar com os jesutas que penetravam essa Ge-nebra dos sertes. Um ndio principal chamado Francisco, que apre-sentou aos padres as cartas que trazia de todos os principais, metidas,como costumam, em uns cabaos tapados com cera, para que nos riosque passam a nado se no molhassem. Ademais, admiraram-se os pa-dres de ver as cartas escritas em papel de Veneza, e fechadas com lacreda ndia (Vieira 1992 [1656]:139).

    Esse fascnio pela escrita tambm foi registrado pelo padre JooFelipe Bettendorf. A falta de meios no impedia os jesutas em seu es-foro de ensinar os ndios a ler e escrever. Missionrio no Maranho,o padre Bettendorf recordava suas primeiras atividades na aldeia deMortigura, no incio dos anos de 1660:

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  • E por que, por falta de livros, tinta e papel no deixassem de apren-der, lhes mandei fazer tinta de carvo e sumo de algumas ervas e comela escreviam em as folhas grandes de pacobeiras; e para lhes facilitartudo, lhes pus um pauzinho na mo por pena e os ensinei a formar econhecer as letras, assim grandes como pequenas, no p e na areia daspraias, com que gostaram tanto, que enchiam a aldeia e as praias deletras (Bettendorf 1990 [1699]:156).

    Ao encher a praia de letras, a escrita apresentava-se como outraescolha para estas lideranas, assim como a espada de pau. Se o pequenorelato com o qual iniciamos parece jogar para um passado remoto aao crucial que havia decidido a sorte do grupo, o contedo deste mitomostra um dilogo explcito com a atualidade que os Tupinamb viviam.Japiau sabia muito bem quem eram seus interlocutores. Os profetasde barbas, afinal de contas, estavam de volta, apresentando novas es-colhas to difceis quanto aquela oferecida ao pai ancestral. nestaencruzilhada, ponto de encontro entre a tradio e a inovao, que seesboava e se esboa hoje a histria dos ndios diante da pesada re-alidade da dominao colonial.

    Concluso

    medida que a poeira da agitada e confusa comemorao/anti-comemorao do quinto centenrio cabralino se assenta, podemosafirmar que permanece um enorme desafio encarar a histria de umaperspectiva a partir da qual as populaes nativas tm um papel tocrtico quanto crucial. Diferentemente de muitos pases nas Amricas,onde a presena indgena se mantm forte na articulao das identida-

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  • des nacionais, o lugar dos ndios no Brasil continua sendo conjugado,no mais das vezes, no tempo passado. Hoje uma minoria absoluta, apopulao indgena atual mal chega a 0,4% da populao do pas comoum todo de acordo com a estatstica oficial, que ainda a trata comoremanescente. Ainda assim, por trs desta cifra nfima floresce umrico painel de diversidade mais de 200 grupos tnicos que conser-vam mais de 170 lnguas distintas e um legado histrico do qual opas ainda no se deu conta. Apesar de fundamentada em algumasverdades, a crnica da destruio e do despovoamento j no maisaceitvel para explicar a trajetria dos povos indgenas nestas terras. Oque se omite com tal abordagem so as mltiplas experincias de ela-borao e reformulao de identidades que se apresentaram como res-postas criativas s pesadas situaes historicamente novas de contato,contgio e subordinao. O caminho ainda longo e bastante in-certo; mas vrios antroplogos e historiadores j vm dando passos nadireo certa.

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