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Monte dos Castelinhos: à procurada cidade "perdida" de lerábrígaSítio arqueológico no concelho de Vila Franca de Xira já é o mais
importante da Região de Lisboa e Vale do Tejo para o estudo da
presença romana. Escavações descobriram fortificação, casas,ruas e um escudo romano único na Península Ibérica
ArqueologiaJorge Talixa
O monte dos Castelinhos, uma es-
pécie de promontório que se elevasobre a Estrada Nacional n.° 1 (ENI),perto da entrada sul do Carregado, jáestava referenciado como sítio arque-ológico importante. Mas só nos últi-mos dez anos avançaram campanhasde escavação arqueológica regulares,que começaram por descobrir umagrande fortificação da época roma-na e muitos objectos de cariz militar.Este Verão, uma nova campanha de
escavação pôs a descoberto casas, ru-as, muita cerâmica, moedas e outros
objectos de uso comum, que refor-
çam a tese dos arqueólogos respon-sáveis de que ali se situava a cidaderomana de lerábriga, considerada a
mais importante entre as antigas Lis-
boa (Olissipo) e Santarém (Scallabis).
lerábriga é referida em textos clás-sicos como estando situada a cercade 30 milhas romanas (perto de 45
quilómetros) de Olissipo. A distância
corresponde e há novos dados quesuportam essa forte possibilidade
de estar ali esta importante cidaderomana "desaparecida" há muitosséculos.
Certo é que o sítio do monte dosCastelinhos (situado no extremo nor-te do concelho de Vila Franca de Xi-
ra, na freguesia de Castanheira do
Ribatejo), pelos achados arqueológi-cos e pelo seu grau de preservação,já é considerado o mais importanteda época romana em toda a Regiãode Lisboa e Vale do Tejo. O monte,muito pedregoso, não teve pratica-mente exploração agrícola e todosestes vestígios estão muito bem pre-servados, permitindo reconstituirmuito do que foi a vivência romananeste ponto estratégico que era, en-tão, sobranceiro ao Tejo e à princi-pal estrada romana que atravessava o
território da Lusitânia. João Pimentae Henrique Mendes, arqueólogos do
município, têm liderado estas esca-
vações e sublinham que o foco prin-cipal não é confirmar que lerábrigase situava ali, mas pôr progressiva-mente a descoberto e estudar umlocal da maior importância para oconhecimento da presença romanana Península Ibérica. Depois, o sítio
do monte dos Castelinhos terá todasas condições para ser classificado co-mo monumento nacional.
Todo o espaço do sítio arqueológi-co estende-se por mais de dez hecta-res inseridos na chamada Quinta da
Marquesa e os arqueólogos abriram,este ano, uma segunda área de esca-
vação, a oeste (sentido do Tejo) da
primeira. "Este ano decidimos apon-tar noutra direcção para resolvermosum problema. Já se tinha arrumadoa questão da importância do mon-te dos Castelinhos durante a fase da
conquista romana, no período repu-blicano (século I Antes de Cristo) eé nesse período que a investigaçãotem vindo a ser desenvolvida, por-que estamos perante um sítio comuma grande fortificação, que teveuma forte presença militar no pe-ríodo de Júlio César", explica JoãoPimenta ao PÚBLICO, frisando quehavia, contudo, "indícios de que estesítio também tinha sido importanteem épocas já do alto império romano(séculos I e II depois de Cristo), numaaltura em que Roma já se tinha aquiimplantado e este território estava na
província romana da Lusitânia".
De acordo com o arqueólogo vi-
la-franquense, o objectivo era con-firmar se, de facto, no monte dos
Castelinhos, para além da compro-vada presença militar, tinha havidoem paralelo ou posteriormente umdesenvolvimento urbano importan-te. "E isso prende-se com uma das
questões a que o projecto esteve
sempre ligado, embora não seja isso
que nos move, mas que é perceberse o monte dos Castelinhos poderáser a lerábriga referida em váriasfontes clássicas. Abrimos esta novafrente de escavação e os resultados
surpreenderam-nos de uma formaassaz relevante devido ao estado de
conservação das estruturas da épocaromana já do tempo do imperadorAugusto. Temos vários edifícios, te-mos uma rua, que indica que nessaaltura o sítio foi reconstruído e tinhauma grande importância económica.Era um sítio rico, com uma grandedinâmica comercial, o que poderácontribuir realmente para ser a ci-dade de lerábriga", acrescenta JoãoPimenta.
O arqueólogo adianta ainda quefoi encontrada muita cerâmica do
tipo "terra sigillata" (objectos pin-tados com um verniz vermelho quetêm marcas que permitem localizare datar a sua produção), uma grandequantidade de ânforas, moedas da
época de Augusto, fíbulas e outrosmateriais. Esta campanha permitiuapenas escavar a parte superficial e
ainda não chegou aos pavimentosdas casas.
Poderão estes dados correspondera uma importante villa (quinta) ro-mana e não a uma cidade? HenriqueMendes garante que não. "Pensamos
que seja uma coisa maior, estamos
perante uma nova área com algumasumptuosidade, algo de grande di-mensão. Temos jã inclusivamenteescavada uma rua em lajado e ter-ra batida. Com esta dimensão e este
tipo de construções em termos deurbanismo não seria compatível comuma villa, é compatível com algo dedimensão diferente", sublinha.
lerábriga é referida em várias fon-tes clássicas desde o Itinerário deAntonino (século I DC) a textos do
geógrafo grego Ptolomeu, que falamnuma cidade localizada na zona doestuário do Tejo a 30 milhas romanasde Olissipo, que tinha grande impor-tância económica, também porqueera ali que quem viajava a partir da
antiga Lisboa (Olissipo) parava parapernoitar, comer, mudar de cavalos
ou fazer compras nos mercados. Ummarco miliário recentemente desco-berto junto a Alenquer (ver caixa)veio reforçar a tese de que lerábrigaficava mesmo na zona do actual mon-te dos Castelinhos. Falta descobrirvestígios mais precisos que confir-mem esta informação e encontrarexplicações definitivas para o "aban-dono" posterior da cidade. João Pi-menta e Henrique Mendes acreditam
que a falta de água no topo do montetenha feito, progressivamente, com
que as populações se tenham deslo-cado para zonas mais baixas, mais
próximas do Tejo e do seu afluente
rio da Pipa. E, de facto, no sopé domonte também já foram encontrados
vestígios da época visigótica.
Fortes probabilidades"Estes dados já são suficientemen-te tangíveis para podermos afirmarque há aqui um sítio importante do
tempo do imperador Augusto e háfortes probabilidades de estarmosaqui perante a antiga lerábriga", as-
segura João Pimenta.Henrique Mendes salienta que de-
corre, agora, um trabalho aturado de
investigação de todos os materiaisencontrados e que, no próximoVerão, também em parceria com o
Curso de Arqueologiada Faculdade de Le-tras de Lisboa, haverá
nova campanha de escavações. "Es-
tamos a falar de um sítio com maisde 10 hectares, por muito que con-
sigamos escavar vai sempre ficar emaberto uma janela de interpretação.Resta-nos esperar que, à medida quevamos escavando, nos sejam revela-das pistas sobre esta grande ocupa-ção e sobre o porquê do abandonodeste sítio", concretiza. "Estamos emcrer que o Monte dos Castelinhos járeúne todas as condições para vir a
ser classificado como monumentonacional", acrescenta Henrique Men-des, até porque em toda a região deLisboa e Vale do Tejo "não há nadada época romana com este estado de
preservação. As características ge-ológicas do local permitiram isso",conclui João Pimenta.
Escavações que decorrerameste Verão no monte dosCastelinhos e escudo de ferroséculo I AC
ééHá fortesprobabilidades deestarmos perante aantiga lerábriga"João Pimenta
Arqueólogo
Escudo único naPenínsula Ibérica
Entre
milhares deobjectos já recolhidosnas escavações domonte dos Castelinhos
destaca-se um escudomilitar romano com umgrau de preservação únicona Península Ibérica.Tanto assim é que esteescudo já foi cedido paraexposições em Espanha. "É
uma peça única a nível dopatrimónio nacional, quejá foi requerida para várias
exposições, inclusivamenteem Mérida cem Madrid.E que já esteve por duas
vezes no Museu Nacionalde Arqueologia. A par doescudo, o mais importanteé o conjunto de materiaisde cariz militar, que é raro. E
depois, temos um conjuntonumeroso de cerâmicas ede recipientes metálicos,que também são raros. E
temos estiletes de osso quequerem dizer que quemali vivia eram pessoas quesabiam escrever e escreviamem tabuinhas de cera, muitotípicas da época romana",remata João Pimenta. JX
Marco miliãrio de Alenquer ajudaa confirmar localização de lerãbriga
Nos
últimos meses foi,também, descobertona Quinta de SantaTeresa (junto ao Centro
Escolar de Alenquer) ummarco miliário romanoimportante para confirmar a
tese de que lerãbriga podeestar mesmo no montedos Castelinhos. Dizemas fontes clássicas quelerábriga distava 30 milhasromanas de Olissipo. Ora,este marco miliário diz quea zona de Alenquer estavaa 35 milhas romanas de
Olissipo. Se tivermos emconta que entre Alenquere o monte dos Castelinhosdistam cerca de 5-6quilómetros, este é umnovo dado para confirmaresta forte possibilidade. Poroutro lado, afastará umatese anterior que situavalerábriga nos arredores deAlenquer, facto que não foiconfirmado por escavações."É mais um indicador deque Castelinhos possa serefectivamente lerábriga",sustenta João Pimenta. J.T.