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município de lousada - maio 2011 1 Suplemento de Arqueologia Mensal Ano 12 N.º 86 distribuição gratuita Revista Municipal Monte Castilhô (Vilar do Torno e Alentém): novos contributos para o estudo da Idade do Bronze Final em Lousada Luís Sousa * * Arqueólogo. CML. [email protected] INTRODUÇÃO Os dados actualmente disponíveis possibilitam apontar para Lousada a presença efectiva de nove povoados (fig.1) com ocupação enqua- drável na Idade do Bron- ze Final, a saber: o Alto dos Três Caminhos, Bou- ça das Cales, Monte das Panelas, Monte Telégra- fo e o agora divulgado Monte Castilhô, localiza- dos na bacia hidrográfica do rio Sousa; Alto das Ca- deiras, Cabeço da Agrela, Castro de São Domingos e Castro dos Mortórios, localizados na bacia hi- drográfica do rio Mezio. O presente mapa de dis- persão da quase deze- na de povoados com filiação no Bronze Final, permite-nos colocar o concelho de Lousada num patamar de singula- ridade, destacando-se claramente do panorama vigorante re- lativamente à totalidade do território integrado do Vale do Sousa. O Monte Castilhô que nos ocupa pre- sentemente, o qual se implanta num outeiro de média altitude, vem contri- buir para estreitar a malha de disper- são, revelando um modo de apropria- ção do território já constatado (Sousa L, 2007), quer do ponto de vista visu- al, quer do ponto de vista agro-pasto- ril, isto é, inteira a estrutura de apro- priação territorial revelada pela exis- tência simultânea de povoados aber- tos e posicionados em lugares eleva- dos que em face do modelo revelado permite depreender que entre estes se davam passos convergentes para criação de “condições indispensáveis à emergência de inter-dependências e “solidariedades” supra-regionais de âmbito europeu” (Jorge SO, 1995: 16). OS POVOADOS DO BRONZE FINAL EM LOUSADA Na bacia hidrográfica do rio Sousa, ocupando outeiros sobranceiros a pe- quenas bacias de recepção que cons- tituem alguns regatos afluentes da- quele curso fluvial, encontramos ac- tualmente cinco assentamentos do período em análise. Neste ponto da- mos apontamento de quatro, deixan- do para espaço próprio o Monte Cas- tilhô, que desenvolveremos de segui- da. O Alto dos Três Caminhos, situado na freguesia de São Miguel, é uma colina elevada de 374 metros de altitude, com forte presença na orografia da região. De localização privilegi- ada, o povoado apre- senta-se circundado pela ribeira de Barrosas a Sul e Oeste, pela ri- beira da Longra a Nor- te, e a Este e Sul pelo rio Sousa, o que se tra- duz efectivamente num extenso território que conglomera abundan- tes recursos aquíferos que terão proporciona- do na área a actividade agro-pastoril. Se es- casseiam ou, por outro lado, são completamen- te omissos dados con- cretos quanto às acti- vidades agrícolas e/ou artesanais praticadas por parte de certas co- munidades que perma- neceram noutros as- sentamentos proto-his- tóricos, os vestígios de mós manuais de vai- vém ou tipo cela aqui identificados e o gran- de número de vestígios arqueológi- cos deste período, dispersos por lar- ga superfície em zonas de baixa alti- tude propiciadoras à actividade agrí- cola, permitem depreender, com cer- ta segurança, a presença de uma ac- tividade preferencialmente centrada na produção cerealífera. A mais antiga referência a este povo- ado é da autoria do Pe. Francisco A. Peixoto que, em 1913, no Jornal de Louzada, disse que “na freguesia de São Miguel, na extremidade norte, exis- te um Crasto, monte elevado, de forma cónica, assim chamado pelo povo, e em cujo cimo há, principalmente do lado do poente, uma ondulação de terreno que foi certamente um valo ou trinchei- ra para defeza, em casos de guerra” (Peixoto, 1913, 329: 1). Fig. 1 - Carta de distribuição dos povoados da Idade do Bronze Final no concelho de Lousada

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Neste texto é divulgado um povoado da Idade do Bronze Final situado na freguesia de Vilar do Torno e Alentém, a que demos a denominação de Monte Castilhô, topónimo hoje desaparecido, integrando-o no quadro de povoamento do período considerado no concelho de Lousada.

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município de lousada - maio 2011 1

Suplemento de ArqueologiaMensal Ano 12 N.º 86 distribuição gratuita Revista Municipal

Monte Castilhô (Vilar do Torno e Alentém):novos contributos para o estudo da Idade do Bronze Final em Lousada

Luís Sousa*

* Arqueólogo. CML. [email protected]

INTRODUÇÃOOs dados actualmentedisponíveis possibilitamapontar para Lousada apresença efectiva denove povoados (fig.1)com ocupação enqua-drável na Idade do Bron-ze Final, a saber: o Altodos Três Caminhos, Bou-ça das Cales, Monte dasPanelas, Monte Telégra-fo e o agora divulgadoMonte Castilhô, localiza-dos na bacia hidrográficado rio Sousa; Alto das Ca-deiras, Cabeço da Agrela,Castro de São Domingose Castro dos Mortórios,localizados na bacia hi-drográfica do rio Mezio.O presente mapa de dis-persão da quase deze-na de povoados comfiliação no Bronze Final,permite-nos colocar oconcelho de Lousadanum patamar de singula-ridade, destacando-seclaramente do panorama vigorante re-lativamente à totalidade do territóriointegrado do Vale do Sousa.O Monte Castilhô que nos ocupa pre-sentemente, o qual se implanta numouteiro de média altitude, vem contri-buir para estreitar a malha de disper-são, revelando um modo de apropria-ção do território já constatado (SousaL, 2007), quer do ponto de vista visu-al, quer do ponto de vista agro-pasto-ril, isto é, inteira a estrutura de apro-priação territorial revelada pela exis-tência simultânea de povoados aber-tos e posicionados em lugares eleva-dos que em face do modelo reveladopermite depreender que entre estesse davam passos convergentes paracriação de “condições indispensáveisà emergência de inter-dependências

e “solidariedades” supra-regionais deâmbito europeu” (Jorge SO, 1995: 16).

OS POVOADOS DO BRONZE FINALEM LOUSADANa bacia hidrográfica do rio Sousa,ocupando outeiros sobranceiros a pe-quenas bacias de recepção que cons-tituem alguns regatos afluentes da-quele curso fluvial, encontramos ac-tualmente cinco assentamentos doperíodo em análise. Neste ponto da-mos apontamento de quatro, deixan-do para espaço próprio o Monte Cas-tilhô, que desenvolveremos de segui-da.O Alto dos Três Caminhos, situado nafreguesia de São Miguel, é uma colinaelevada de 374 metros de altitude, comforte presença na orografia da região.

De localização privilegi-ada, o povoado apre-senta-se circundadopela ribeira de Barrosasa Sul e Oeste, pela ri-beira da Longra a Nor-te, e a Este e Sul pelorio Sousa, o que se tra-duz efectivamente numextenso território queconglomera abundan-tes recursos aquíferosque terão proporciona-do na área a actividadeagro-pastoril. Se es-casseiam ou, por outrolado, são completamen-te omissos dados con-cretos quanto às acti-vidades agrícolas e/ouartesanais praticadaspor parte de certas co-munidades que perma-neceram noutros as-sentamentos proto-his-tóricos, os vestígios demós manuais de vai-vém ou tipo cela aquiidentificados e o gran-

de número de vestígios arqueológi-cos deste período, dispersos por lar-ga superfície em zonas de baixa alti-tude propiciadoras à actividade agrí-cola, permitem depreender, com cer-ta segurança, a presença de uma ac-tividade preferencialmente centradana produção cerealífera.A mais antiga referência a este povo-ado é da autoria do Pe. Francisco A.Peixoto que, em 1913, no Jornal deLouzada, disse que “na freguesia deSão Miguel, na extremidade norte, exis-te um Crasto, monte elevado, de formacónica, assim chamado pelo povo, eem cujo cimo há, principalmente do ladodo poente, uma ondulação de terrenoque foi certamente um valo ou trinchei-ra para defeza, em casos de guerra”(Peixoto, 1913, 329: 1).

Fig. 1 - Carta de distribuição dos povoados da Idade do Bronze Final no concelhode Lousada

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Fig. 2 - Monte Casilhô, Perspectiva de Este

Trata-se de um interessante povoado,do ponto de vista cronológico, pois re-velou materiais cerâmicos com umadilatada cronologia que vão desde oCalcolítico à Idade do Ferro. Porém, atéao momento, revelou-se mais expres-siva a ocupação do Bronze Final.Bouça das Cales é o único assenta-mento de baixa altitude, ocupando umachã aplanada sobre a margem es-querda do rio Sousa. Trata-se de umassentamento em morro de chã, quese eleva a uma altitude que não ultra-passa os 230 metros, localizado nafreguesia de Meinedo. Identificou-se,neste local, abundante cerâmica, em-bora muito fragmentada, por isso difí-cil de caracterizar, merecendo relevoum fragmento de pança decorado porincisão, ostentando uma espécie de«espinha de peixe», verificando-seuma dispersão de espólio que chegaaos 2,4ha, cujo balizamento cronoló-gico se enquadra no Bronze Final.Destacamos, ainda, o aparecimentode um núcleo em sílex paraextracção de pequenaslascas.O povoado de Monte Telé-grafo (Silvares) fica situa-do num remate de esporãocorrespondente ao maciçomontanhoso da serra de Ma-ragotos, com orientaçãoNorte/Sul, de vertentes vol-tadas às ribeiras do Fontãoe Barrosas, respectivamen-te a Oeste e a Este, alcan-çando a altitude máxima de578 metros.A mais recuada menção a esta esta-ção remonta aos fins do século XIX,cabendo a primazia a Martins Sar-mento. Este alude o povoado na suaobra intitulada “ANTIQVA (Informes,reconhecimentos e prospecções)”,porém, sem que alguma vez se tenhadeslocado ao local. Este facto é cons-tatado na exposição da notícia, trans-mitida por parte de Pe. Francisco A.Peixoto, em que este disse que viu umgrande circuito de muralhas em Cal-velos (chã no monte de Barrosas,onde houve telégrafo), todavia, Sar-mento refuta dizendo mas o montenão tem patamares (Sarmento M,1989: 27). De facto, numa aturada ba-tida de campo efectuada no topo dodestacado Monte Telégrafo, não vis-lumbramos qualquer sinal de estrutu-ras defensivas, contudo, chamamosa atenção para a possibilidade de es-tas terem existido, embora certamen-te bastante destruídas, considerandoque toda a área do esporão está co-berta de eucaliptos, tendo sido o topo

e as vertentes completamente reme-xidas e aplanadas na sequência daplantação dos mesmos.O espólio aqui recolhido, composto porfragmentos cerâmicos de reduzidas di-mensões, sem possibilidade de resti-tuição de formas, permite um bali-zamento cronológico entre a Idade doBronze Final e a Segunda Idade doFerro. Os vestígios ceramológicosdeste espaço temporal, corresponden-te à Fase I e II da «Cultura Castreja»,não apresentam quaisquer indícios deuso de roda de oleiro. As cerâmicasdo Bronze Final aqui recolhidas exi-bem superfícies alisadas, de pastasgrosseiras tendo na constituição gran-de quantidade de areia e cristais dequartzo. Apresentam normalmente to-nalidades acinzentadas. A dispersãodo espólio não ultrapassa, de momen-to, os 0,9ha, estando este muito locali-zado em redor do Marco Geodésicoque aí se encontra implantado.É o povoado proto-histórico que, no

plano concelhio, mais se destaca noterritório, sendo por isso detentor deum vasto horizonte visual (Magalhãeset alii, 2009: 19-20).Os povoados localizados na baciahidrográfica do rio Mezio revelam es-tratégias de povoamento um poucodiferenciadas das constatadas paraa bacia do Sousa. Se nesta bacia derecepção se constata a presença depovoados preferencialmente instala-dos em outeiros e chãs de média alti-tude, próximos de parcelas agráriasde elevada potencialidade agrícola ecursos de água relativamente próxi-mos, no Mezio, dado que os habitatsocupam linhas de festo e de parcosrecursos aquáticos, as comunidadesdo bronze parecem ter superiorizadoaspectos mais de visibilidade terri-torial, dominando áreas onde a princi-pal actividade desenvolvida poderá tersido mais vocacionada para o pas-toreio que propriamente agrícola.A Sul do Castro dos Mortórios, no aroadministrativo da freguesia de Nevo-

gilde, encontramos o povoado do Altodas Cadeiras, no topo do qual se atin-ge os 397 metros de altitude. Assentasobre um morro de configuração ova-lada que se estende no sentido su-deste/noroeste, sendo a plataformado cume, a espaços, aplanada, o queterá proporcionado o assentamentode comunidades do Bronze Final, comoo atestam os vestígios cerâmicos aíidentificados. Do topo do esporão, umdos relevos intermédios da orla daSerra de São Tiago, que se destacana paisagem, obtém-se amplo campovisual sobre a veiga do troço médiodo rio Mezio, que lhe fica a Este.Não se detectam quaisquer estrutu-ras de carácter habitacional ou de-fensivo, contudo este facto poderádever-se, por um lado, à vegetaçãoque cobre a zona, por outro, por ascomunidades da Idade do bronze em-pregarem materiais de curta durabili-dade nas suas construções e pela“invisibilidade arqueológica” de certas

estruturas surgidas ape-nas em negativo, tais comofossas e silos. Os vestígi-os arqueológicos identifica-dos não permitem aindauma correcta distribuiçãoespacial, todavia, conside-ramos que pelo menos atéà curva de nível dos 380metros a sua presença éverificada.Bem ao Norte do concelhode Lousada, a noroeste dafreguesia de Lustosa, si-tua-se o Cabeço da Agrela,

morro de formato ovalado de 474 me-tros de altitude, de orientação sudes-te/noroeste, correspondente à franjaintermédia do Monte de Sá. As princi-pais vertentes do Cabeço da Agrelaencontram-se a Norte e a Oeste, vol-tadas para o rio Vizela, depreendendo-se, desta forma, a preponderância decontrolo visual sobre o território cir-cundante. Aqui foram identificadosalguns materiais cerâmicos de redu-zido tamanho, destacando-se de en-tre o espólio identificado o achado deuma ponta de seta em sílex, recolhidana vertente Este, no caminho de aces-so ao cocuruto do povoado. Pinho Leal(1874, IV: 501), em finais do séculoXIX, na obra “Portugal Antigo e Mo-derno”, legou-nos algumas notas so-bre Lustosa, referindo que “no alto domonte há vestígios de fortificações an-tigas”. Pese embora a importância danotícia, o autor não indica de modo con-creto qual o monte a que se refere, peloque não nos é permissível apontar se ainformação respeita ao Cabeço da

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Agrela ou ao Castro deSão Gonçalo, ambos loca-lizados em Lustosa.O Castro de São Domingos(Cristelos) ocupa um mor-ro de formato cónico, os-tentando boas condiçõesnaturais de defesa, princi-palmente as vertentes vol-tadas a Este e a Sul. Apre-senta-se bastante destaca-do na orografia circundan-te, o que lhe confere amplodomínio visual sobre a pai-sagem, tem, por isso, visi-bilidade directa sobre oCastro do Alto de Nevogilde, MontePedroso, Santa Águeda, Mortórios eBufo. É bem servido de recursosaquíferos, passando-lhe na base o ri-beiro do Fontão, afluente do rio Mezio.Com evidente ocupação pelo menosa partir do século IV a.C., detentor detrês a quatro tramos de muralhas, po-derá possuir um substrato ocupacionalintegrado no período de alteração “cul-tural decorrente da introdução da me-talurgia nesta região” (Pinto M, 1997).As investigações desenvolvidas nes-te povoado não mostraram, até ao mo-mento, um horizonte, ainda que verti-cal, passível de ser incluído neste pe-ríodo cultural. Julgamos, porém, queum tosco e fracturado bloco graníticode grão fino e de tons avermelhados,encontrado neste povoado fora decontexto, tendo representadas duasconcavidades que se assemelham aórbitas oculares sobrepujadas por umsulco em arco, se possa tratar de umaestela. A constatar-se esta realidade,poderemos estar perante um momen-to crucial em que se verifica o “reapa-recimento de povoados fortificados”,aliado a “fenómenos de entesoura-mento e pela intensificação de umaproto-estatuária de iconografia mas-culina” (Bettencourt MAS, 1995: 112).Ostentando a altura máxima de 368metros, o Castro dos Mortórios, situa-do entre as freguesias de Covas/Rai-monda (Lousada/Paços de Ferreira),apresenta uma das mais antigas re-ferências documentais para este pe-ríodo na região. Daqui resultou umúnico achado enquadrável no BronzeFinal. Trata-se de “uma faca ou lançade bronze” (Dinis MV, 1963: 94), en-contrada numa das vertentes do cas-tro, tendo sido recolhida pelo Sr. Mau-

rício José Neto, em 1925, e oferecidaao Museu de Arte Sacra e Arqueolo-gia do Seminário Maior do Porto1.Finalizamos com o Monte das Panelas(Silvares), povoado implantado numesporão de 345 metros de altitude, co-nhecido localmente sob a sugestivadenominação de Monte das Panelas,situado entre o ribeiro do Fontão e oribeiro de Pontarrinhas. Aqui identifi-camos um conjunto de materiaiscerâmicos que poderão ser atribuídosà Idade do Bronze Final. A esqueléticapotência estratigráfica e a densa ve-getação rasteira que cobre o contra-forte não permitiu, até há pouco tem-po, que lograsse-mos profícuos re-sultados aquando dos diversos ras-treios da área, desenvolvidos atravésde batidas de campo. Fruto de traba-lhos levados a cabo na zona no de-correr da abertura do eixo viário Lou-sada (vila) a Lustosa (serra dos Cam-pelos), foi possível visualizar nos per-fis causados pelos bulldozers algunsvestígios que provam a recuada pre-sença antrópica deste esporão baixono período considerado. O estadofragmentário e o número diminuto doselementos identificados, na totalidadeprovenientes de bojos de recipientescerâmicos, não permitem que se lhesdedique extensas considerações, no-meadamente no que se refere ao tipodas formas representadas. As pas-tas são maioritariamente grosseiras,bastante arenosas, de tonalidadesque oscilam entre os cinzentos e be-ges claros. Destaca-se, ainda, desteperíodo correspondente ao Bronze Fi-nal, um fragmento cerâmico de tonsalaranjados e cerne cinzento claro,bem como um outro que apresenta in-dícios de espatulamento das paredes

internas, análogos aosque observamos no po-voado coevo do Alto dosTrês Caminhos (SãoMiguel) (Magalhães etalii, 2009: 20-21).

O POVOADO DO BRO-NZE FINAL DE MONTECASTILHÔ: INTEGRA-ÇÃO CRONO-ESPA-CIAL NO CONCELHODE LOUSADAEste arqueossítio, loca-lizado na freguesia Vilardo Torno e Alentém, é um

cabeço cónico, de topo ligeiramenteaplanado, de 308 metros de altitudemáxima, orientado no sentido sudoes-te/nordeste, destacado na paisagemcircundante, dominando simultanea-mente a bacia hidrográfica do rio Sousae da ribeira de Vilar, embora recaiasobre o primeiro curso fluvial a prima-zia e maior horizonte visual (fig.2).Pinho Leal (1886, 11: 1284), no seu“Portugal Antigo e Moderno”, reportan-do-se aos montes existentes na fre-guesia de Vilar do Torno, diz, aquandoda sua nomeação, que um se denomi-na de Castilhô. Reflecte sobre estetopónimo apontando que tal designa-ção se deve à razão de aqui ter existi-do “outr’ora algum castello ou atalaia,como revela o seu nome de Castilhô,castrello ou pequeno castello”.Em “O Minho Pitoresco”, de José Au-gusto Vieira (1887, II: 369), atenden-do à etimologia da palavra Castilhô,aponta para “pequeno castello”.Em 2007 constatou-se pela primeiravez a efectiva presença de vestígiosarqueológicos no Monte Castilhô, ten-do sido incluído num trabalho acadé-mico de investigação a propósito do“Povoamento Proto-histórico e Roma-no no concelho de Lousada” (SousaL, 2007). Na altura, fruto da densavegetação que cobria o monte, nãofoi possível efectuar um convenien-temente rastreio da zona, porém, fo-ram tecidos alguns apontamentosque, por apoiados num parco e dimi-nuto número de fragmentos cerâmi-cos, induziram em erro as cronologi-as apontadas na altura.Numa obra editada recentemente, cha-mada de “Lousada Antiga: das origensà primeira República”, de Augusto So-ares de Moura, encontramos também

1 A direcção de trabalhos de prospecção, sobre um prisma científico e organizado, e o desenvolvimento de trabalhos de investigaçãoarqueológica, certamente alterarão o quadro traçado para o concelho e para a região envolvente. Esta circunstância permitirá dar,porventura, maior importância aos elementos cerâmicos e não tanto aos artefactos metálicos, pois que a grande maioria dos locaisconhecidos apenas se documentam pela presença de objectos metálicos, surgidos em achados fortuitos, tidos como elementoprimordial e único a tipificar o período de assentamento de um certo povoado, descurando-se as restantes materialidades.

Fig. 3 - Fragmentos cerâmicos do Bronze Final recolhidos no Monte Castilhô

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uma breve referência ao nosso objec-to2, menção que o autor colhe na “Gran-de Enciclopédia”, não aditando, por isso,relevantes informações para a histo-riografia e caracterização do sítio.Numa deslocação recente, em Feverei-ro do corrente ano, aproveitando o factode ter sido efectuada a total desmataçãoe limpeza do monte, foram detectadosnovos materiais ceramológicos que per-mitem efectuar considerações cronoló-gicas mais finas. Assim, damos contaque o sítio de Monte Castilhô, objecto dopresente texto, é um assentamento daIdade do Bronze Final, no qual foram iden-tificados fragmentos cerâmicos manu-ais, de paredes de espessura fina amédia, caracterizados por pastas nogeral mal calibradas, arenosas, de tonsbege e castanho pálido, com presençaabundante de quartzos angulosos de ta-manho médio.O espólio arqueológico observado, aopresente exclusivamente composto pormateriais ceramológicos, é formadomaioritariamente por fragmentos de pan-ça, ressaltando, contudo, um bordo, tal-vez de malga, de tonalidade bege claro,ostentando decoração incisa, compos-ta por linhas verticais que se desenvol-vem paralelamente ao bordo (fig.3).Pequenos fragmentos encontram-seespalhados, de modo muito esparso,um pouco por todo o topo do morro,embora, esclarecemos, que a cercade 43/44 metros a noroeste do cume,numa zona onde foi aberto um cami-nho, se acha uma maior concentraçãode materiais, em associação com umaespessa camada de terra humosa.

NOTAS FINAISO Bronze Final em Lousada é marca-do pela dissemelhança do habitat ede anarquia em termos de dispersãoespacial dos assentamentos. Os po-voados repartem-se pela ocupaçãode outeiros, remates de esporão emorros de chã, coexistindo “povoa-dos abertos ou assentamentos emcampo aberto enquanto outros gru-pos populacionais ocupam lugareselevados” (Calo Lourido, 2005: 97).Esta dicotomia revela-se, também, nossistemas defensivos. Apenas parecehaver a comprovada existência de umsistema defensivo, ainda que elemen-tar, exclusivamente em dois povoa-dos – Cabeço da Agrela e Alto dosTrês Caminhos. O primeiro deveriapossuir um sistema defensivo bastan-te rudimentar, composto por grandesblocos graníticos que encostavam aoutros preexistentes, sendo, talvez,posteriormente colmatados os inters-tícios por terra. O sistema defensi-vo do Alto dos Três Caminhos pare-ce um pouco mais complexo, toda-via, a dificuldade em discernir qual osistema empregue radica na altera-ção topográfica de que o povoadotem sido alvo. A Norte, próximo dotopo do outeiro, vêem-se valadosque poderão corresponder a fossos,assim como algumas plataformas quemarcam a morfologia do povoado eque poderão ocultar cinturas de mu-ralhas. Não obstante, desconhece-mos o contexto cronológico da suaedificação.A intervisibilidade não era valorizada

na hora da escolha do local para osassentamentos, tal facto depreende-se pelo posicionamento longitudinalsobre a linha de festo verificado nospovoados do vale do rio Mezio e peladistância e diferente estratégia de as-sentamento verificada entre os povo-ados do Alto dos Três Caminhos, Mon-te Castilhô e Bouça das Cales, no valedo rio Sousa. A proximidade da redehidrográfica parece também não tersido grandemente valorizada para al-guns povoados, dado que, enquadra-do neste período cronológico, o po-voado mais próximo se encontra acerca de 500 metros de um cursofluvial, desconhecendo-se na áreaqualquer nascente. Reportamo-nos,enquadrado nesta específica situa-ção, do povoado aberto de Bouça dasCales. A média de distância ao recur-so aquífero mais próximo verificadopara o Bronze Final é de, aproxima-damente, 1000 metros (medida em li-nha recta).O elemento que parece unificar ascomunidades do Bronze Final na áreaconcelhia é a vocação para a activi-dade agro-pastoril, corroborada pelarelação vale versus montanha, e o lar-go domínio visual sobre o territóriocircundante, dominando os principaiscorredores naturais de penetração noterritório. A actividade agrícola pare-ce ter sido mais valorizada, conside-rando que 78% dos povoados se im-planta no intervalo altimétrico dos 200-400 metros de altitude. Apenas doispovoados se situam acima destascotas.

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2 Diz o citado autor que “Castilhô, lugar referenciado na freguesia de Vilar de Torno, é um evidente diminutivo medieval (escrevia-seCastrello). Refere-se a um pequeno castro local” (Moura AS, 2009: 108).