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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB CAROLINA COELHO PINHEIRO POLÍTICA E HUMOR: UM ESTUDO DISCURSIVO DO PROGRAMA CUSTE O QUE CUSTAR - CQC

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB

CAROLINA COELHO PINHEIRO

POLÍTICA E HUMOR:

UM ESTUDO DISCURSIVO DO PROGRAMA CUSTE O QUE CUSTAR - CQC

VITÓRIA DA CONQUISTA

2010

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CAROLINA COELHO PINHEIRO

POLÍTICA E HUMOR:

UM ESTUDO DISCURSIVO DO PROGRAMA CUSTE O QUE CUSTAR – CQC

Monografia apresentada ao DFCH – Departamento de Filosofia e Ciências Humana – da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. Nilton Milanez

Vitória da Conquista

2010

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CAROLINA COELHO PINHEIRO

POLÍTICA E HUMOR:

UM ESTUDO DISCURSIVO DO PROGRAMA CUSTE O QUE CUSTAR – CQC

Monografia apresentada ao DFCH – Departamento de Filosofia e Ciências Humana – da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação. Sob a orientação do Prof. Dr. Nilton Milanez.

Aprovada em: ____ de _____________ de 2010

Componentes da banca examinadora

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

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Dedico este estudo aos meus pais, Carlos Augusto e Elizete Coelho, minha fonte de vida, e aos meus queridos avôs, Claudionor, Tereza, Emanoel e Dinair, meus verdadeiros mestres.

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Durante esses quatro anos muitas descobertas fizeram parte da minha rotina acadêmica. No curso de Comunicação Social descobri o que é e como se faz o verdadeiro jornalismo, e fui além, na busca por compreender os horizontes da Análise do Discurso, o meu grande desafio. Nessa caminhada gostaria de agradecer a todos que fizeram parte das minhas conquistas.

Em primeiro lugar ao Senhor Deus por ser a minha companhia nas madrugadas de estudo.

Aos meus pais pelo amor incondicional e pela confiança, deixando livre a escolha do meu futuro.

Aos meus irmãos Alexandre, pela infância inesquecível, e Eliza pela doçura.

A Bartolomeu Júnior por diminuir a saudade vindo pra perto, enchendo os meus dias de amor.

A querida Conça por me incentivar no mundo da leitura.

A amiga do coração Iana por ser a minha maior companheira.

A Rubens, meu braço direito em muitos trabalhos, e aos demais colegas.

Agradeço também aos professores Anaelson, Ana Claudia, Carmen Carvalho, José Duarte, Marcus Lima e Jorge Viana pelos ensinamentos.

Em especial, ao meu orientador Nilton Milanez, por me presentear com a oportunidade de participar de um laboratório de estudos. Graças a ele, que tanto me incentiva, aprendi que conhecimento nunca é o bastante o que me faz ser mais do que aluna uma pesquisadora.

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CITAÇÃO

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RESUMO

O presente trabalho utiliza dos fundamentos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa, tomando os postulados de Michel Foucault e as considerações de Jean Jaques Courtine, apresenta um estudo sobre o discurso político e sua representação midiática. O tema proposto “Política e humor: Um estudo discursivo do programa Custe o que custar - CQC” propõe uma análise sobre as formações do discurso, sua produção televisiva e relacionamento com o sujeito telespectador. As construções midiáticas dos discursos nos permitem compreender a importância da linguagem verbal/visual para a identificação da posição do sujeito, imbricadas nos enunciados, que por sua vez refletem valores e crenças impressas na sociedade. Dessa forma, ao analisar programas televisivos como o humorístico “CQC- Custe o Que Custar”, temos por objetivo compreender o papel social do jornalismo televisivo na produção dos discursos políticos e seus efeitos de sentido, sócio-histórico e lingüístico-discursivo.

Palavras-chave: Discurso; Corpo; Humor; Política; Televisão; CQC – Custe o que custar

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ABSTRACT

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

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2.1 A Análise do Discurso e o Discurso Político

Marcados por acontecimentos históricos ocorridos no fim dos anos 60, início dos

anos 70, na França, o termo “discurso” e sua disciplina “análise do discurso”, fizeram

com que a lingüística se interessasse para além da frase, pela enunciação e seu único

objeto de análise da época: o discurso político. Gregolim (2003. p.10) nos explica essa

nova forma de pensar a linguagem, entendendo que há uma relação fundamental entre o

campo lingüístico e histórico, no jogo de produção e interpretação dos discursos em um

determinado contexto histórico.

Analisar discursos não pode mais se limitar a caracterizar diversos tipos de textos em diferentes níveis de funcionamento lingüístico, mas em pensar e em descrever a maneira como se entrecruzam historicamente regimes de práticas e séries de enunciados, e em desarticular, desse modo, as perspectivas lingüística e histórica em uma direção outrora indicada por Michel Foucault. (GREGOLIN APUD COURTINE, 1990 p.17)

Desse modo, a metodologia utilizada tem como base operações que realizam o

fechamento de um espaço discursivo, caracterizam um enunciado, e por fim,

estabelecem uma relação na produção do discurso, entre os elementos lingüísticos e as

questões que emergem desse exterior.

A partir das considerações propostas por Cleudemar Fernandes (2007), no

campo do discurso é preciso considerar os elementos que tem existência no social, as

ideologias, e a História. No discurso, os sentidos das palavras não são fixos,

acompanham as transformações sociais e políticas de toda natureza e se modificam em

conformidade com as formações ideológicas em que os sujeitos se inscrevem.

Consoante com Foucault (1995) todo discurso é marcado por enunciados que o

antecedem e o sucedem, integrantes de outros discursos.

Os enunciados assim como os discursos, são acontecimentos que sofrem continuidade, descontinuidade, dispersão, formação e transformação, cujas unidades obedecem a regularidades, cujos sentidos são incompletamente alcançados. (FERNANDES, 2007, p.57)

Nesse sentido, Foucault prossegue trazendo um questionamento crucial a todo

analista do discurso: “quais as condições (econômicas, políticas, sociais etc.) que

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possibilitam, em certo momento histórico, o aparecimento de um determinado

enunciado e não outro em seu lugar?” (1986, p. 32).

O discurso político é uma produção histórica, uma articulação lingüística que

reflete posições revelando relações de poder. Para pensarmos sobre o discurso político é

preciso identificar, inicialmente, como o sujeito do discurso se constitui, sobre o que o

discurso fala e ainda quais as condições que possibilitam o seu aparecimento.

Paralelo a teoria é importante destacar que segundo Jean Jacques Courtine (2006), o

sujeito político é um ponto de condensação entre linguagem e ideologia, “assujeitado”

dentre um todo de condições de produção que limitam a constituição do corpus apoiado

em uma tradição discursiva que permite apenas a retomada de materialidades

lingüísticas. Os enunciados funcionam, portanto, sobre regras discursivas que impõem

uma ordem do discurso ao sujeito político.

Pode-se ver, então, não uma escolha do sujeito da enunciação da maneira que o agrada, mas um conjunto de posições do sujeito, isto é, um conjunto de modos de enunciação que o sujeito falante deve ocupar ao tornar-se o sujeito do discurso. (LINGUAGEM DISCURSO POLITICO PG 75)

Quando tratamos de sujeito, não abordamos o sujeito individual, particular, mas

sim o sujeito social inserido na história, apreendido em um espaço coletivo, o sujeito

que produz discursos.

Por conseguinte o sujeito não é dado a priori, resulta de uma estrutura complexa, tem existência no espaço discursivo, é descentrado, constitui-se entre o ‘eu’ e o ‘outro’. Nesse contexto epistemológico, os sujeitos resultam de uma ligação da ideologia, inscrita histórico-socialmente, com o inconsciente, que dá vazão a manifestação do desejo. (FERNANDES, 2007, p 43)

No campo político o discurso é um instrumento de poder. É através dele que os

partidos se diferem e se legitimam, e é a ele que as pessoas aderem e reproduzem

constituindo uma memória histórica e social com base na retomada, reprodução do

discurso e seu esquecimento.

Porque o discurso político, em geral, constitui de fato um "lugar de memória": um dispositivo discursivo que organiza para qualquer sujeito enunciador que toma a fala em seu interior, tanto a lembrança, a repetição e o encaixamento argumentado do que convém dizer quanto o esquecimento

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e o apagamento do que convém calar". ( COURTINE discursos sólidos, discursos líquidos: as mutações das discursividades contemporâneas p.13)

O espaço de memória discursiva se constitui dessa maneira em um corpo sócio-

histórico-cultural (FERNANDES 2007), e analisar o discurso implica fazer aparecer

objetos e enunciações que aparecem e desaparecem, coexistem e transformam-se em um

espaço discursivo. Desse modo, o discurso político é um “lugar de memória” que abriga

vitorias e derrotas constituindo os traços da identidade partidária e seus modos de

enunciação. “[...] ele traz o vestígio – inscrito nas suas formas – das flutuações e das

contingências de uma estratégia; a impressão sedimentada de uma história, de suas

continuidades e de suas rupturas”. (PG 92 desconstrução de uma língua de madeira)

2.2 Discursos líquidos: da Língua de Madeira a Língua de vento

O discurso político midiático caracterizou-se, durante décadas, pelo uso das

“línguas de madeira”, objeto de vários trabalhos da Análise do Discurso nos anos 80 e

90. A expressão que tem origem metafórica denota rigidez, insensibilidade, opacidade e

pode significar “cara de pau”, “madeira de dar em doido”. Em seu uso político

partidário, essa expressão ‘de madeira’, “designa uma linguagem estereotipada, própria

da propaganda política, uma maneira rígida de se exprimir que usa clichês, fórmulas e

slogans, e reflete uma posição dogmática, sem relação com a realidade vivida.”

(CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2004, p.305).

As novas formas de linguagem pública, adotadas por nós, são herança dos

acontecimentos históricos de maio de 68 que interferiram, além do Partido Comunista

Francês, em todo o sistema de comunicação política. Paralelo a críticas, às “línguas de

madeira” e aos longos discursos, uma nova forma de linguagem fluida, rápida, efêmera

e líquida se constitui e é denominada como “línguas de vento”. Essas estratégias

lingüísticas, materializadas no texto verbal/não verbal, possuem particularidades que as

aproximam e às diferem a partir de condições sócio-históricas bem definidas.

Essa lógica buscou modos de expressão inéditos, pretendendo romper com as formas canônicas da tomada de posição pública, panfleto e petição. Astúcia verbal em vez de estratégia discursiva, ela reencontrou e fez eclodir outras práticas linguageiras no campo esquadrinhado do discurso político: formas curtas, uso lapidário de fórmulas, desconstrução das línguas de madeira submetidas ao efeito desoxidante do jogo de palavras, dispersões

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individuais da fala política em inscrições transitórias, simples grafites destinados ao acaso dos olhares. Uma verdadeira poética da fala breve, pessoal e efêmera se insinua então no discurso político. (DESCONSTRUÇÃO P. 105)

Fenômenos de reprodução e exclusão são característicos das “línguas de madeira

e de vento”. Nas formações discursivas “o discurso é reiteração, lembrança, reprodução,

repetição na ordem de uma memória plena ou saturada; mas ele é também vazio, vácuo,

inconsistência, repetição na ordem de uma memória lacunar” (desconstrução de uma

língua de madeira p.97).

Ao observarmos à retórica política, percebemos marcas de expressão que

configuram o passado e o presente de um “patrimônio verbal”. Na construção dos

enunciados ocorre um resgate da memória, ao mesmo tempo em que um apagamento, o

que remete a uma política do esquecimento (COURTINE 2006). Nesse espaço de

repetição e citação um discurso sempre fará remissões a outros discursos no uso das

“formulações origens”, dos jargões e frases feitas. Tudo é usado de modo estratégico.

O discurso extrai sua legitimidade do fato de falar em nome de: da história. […] As formas discursivas da memória política se inscrevem nas modalidades de existências do enunciado. Alguns discursos devem poder ser relembrados, repetidos, e isso constrange consideravelmente sua forma.[…] Percebemos aqui a necessidade de um discurso organizado sob a forma de memória, de uma estruturação do enunciado que liga todo acontecimento a uma interpretação já produzida, que relaciona toda fala à citação de um enunciado anterior. (DESCONTRUÇÃO DE UMA LINGUA PG 89 - 103)

Dentre essa “política do esquecimento” e as repetições das “formulações origens”, o

político apaga e retoma assuntos que acabam por justificar suas intenções e explicar por

que a permanência de um determinado discurso e não outro em seu lugar, em um

contexto histórico específico, de tempo e lugar de enunciação.

As formas de comunicação política vêm sofrendo mudanças em seu modo.

Embora ainda haja uma retomada, uma repetição do discurso, ele nunca terá o mesmo

sentido visto que, ainda que utilize das mesmas palavras, a posição do sujeito e o

momento histórico não serão os mesmos. Desse modo, a passagem de uma gramática

para uma pragmática política faz com que os monólogos, as formas longas percam lugar

para o discurso curto e líquido, que se inscreva no imediato mais do que a inserção em

uma memória histórica.

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O reinado das formas breves é, assim, o primeiro elemento dessas recentes transformações da fala pública. É possível ver nelas os efeitos, no campo do discurso, de uma racionalização do espaço político, totalmente causada pelo uso de técnicas de comunicação de massa. (os deslizamentos DO ESPETACULO Pg 23)

O estado “líquido” não é apenas uma simples característica da língua de vento.

O sociólogo Z.Bauman (2001), propõe uma nova visão da modernidade sendo possível

uma análise da relação entre língua de madeira e língua de vento a partir da

modernidade sólida e dos tempos líquidos.

No cenário pós-moderno, a modernidade sólida, pautada por um conjunto

estável de valores e modos de vida cultural e político, se rompe dando lugar a

modernidade líquida, que transforma as relações sociais, familiares, afetivas e até

mesmo as afinidades políticas, fazendo com que percam a consistência e a estabilidade.

As condições nas quais seus membros agem mudam em menos tempo do que é preciso para que os modos de ação se cristalizem como hábitos e como rotinas. (BAUMAN, 2006, p.7)

Nessa modernidade maleável ocorre uma quebra de padrões onde o sólido,

previsível, ultrapassado, duradouro, sede lugar as incertezas, mutações, ao dinamismo

do mundo fluído que não permite mais o tradicional. Nesse processo de “derretimento”,

termo usado por Bauman para configurar a passagem de sólido pra líquido, tudo passa a

ser adaptado para os mais diversos moldes, encaixes, modelos e situações. "[…] uma

das conseqüências inevitáveis, no universo das idéias e dos discursos, da invasão do

domínio político pelas lógicas e dispositivos do mercado: o recobrimento da fala publica

pelas estratégias discursivas da sociedade de consumo" (COURTINE, 2007, p.14).

Em uma sociedade fluída, caracterizada pela busca da satisfação imediata, pela

ordem do consumo, ocorre a ascensão de um objeto individual enquanto a esfera pública

é apagada, tornando-se lugar de problemas e interesses privados.

[...] a fala pública foi progressivamente incorporada pelo irresistível apetite de crescimento do mercado e da ideologia que lhe subjaz, o consumismo. [...] É assim que o cidadão se apaga sob o consumidor, que o discurso político tende a se tornar uma mercadoria como outra qualquer e que seu enunciador não seja nada mais do que o simples detentor de um “capital de celebridade” ou de “aprovação”, no grande mercado da bolsa de valores políticos. […] Os discursos então portadores de sua própria data de validade, encontram-se submetidos à regra universal do descartável." (COURTINE, 2007, p.14)

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A partir dessas transformações, com o decorrer do tempo ocorreram mudanças

nas materialidades discursivas. A liquidez discursiva, que caracteriza os discursos

políticos da atualidade, propõe a perda da solidez discursiva, assim como a língua de

vento supostamente propõe a desconstrução da língua de madeira. Como nos mostra

Navarro (2007, apud FOUCAULT, 2000),

a desestabilização e a liquidez dos discursos são dois traços que constituem o espaço da ordem, as condições históricas e sociais que permitem que, num certo momento e época, determinadas práticas discursivas identitárias aflorem e outras não.

A idéia de desconstrução, assim como a de derretimento, passa a ser questionada

ao encontramos em um mesmo espaço social um discurso líquido e uma gestão

solidificante na busca por uma ordem estável. Nesse sentido a partir das considerações

de Françoise Gadet e Michel Pêcheux é possível confirmar ainda a hipótese de que as

“línguas de vento” sejam apenas uma forma mais fluída das “línguas de madeira”, mas

com a mesma essência:

[...] com a ascensão dos meios de comunicação de massa, a língua do direito e da política se enrosca com a língua de vento da propaganda e da publicidade. Uma face obscura de nossa modernidade a que uma reflexão sobre a língua não poderia permanecer cega. (GADET, PECHÊUX, 2004, p.23)

2.3 Discursos não verbais na Sociedade Imagética

Assim como o discurso verbal, a linguagem imagética passou por diversas

transformações ao longo de diferentes períodos históricos. Desde a Antiguidade

Clássica até a Idade Média as imagens figuravam no campo religioso e pedagógico e as

ilustrações eram utilizadas de forma didática para esclarecer informações, e até mesmo

aprimorar esteticamente os textos. A partir do século XVI, passa-se a análise do corpo

em movimento, ao modo em que o rosto manifesta medos, anseios, e paixões.

No início dos anos 1980, uma verdadeira revolução áudio-visual instaura o

"reinado das imagens". Ao estudarmos o modo como operam os sistemas audio-visuais

nos discursos políticos analisamos um recente elemento da Análise do Discurso, as

materialidade não-verbais. Considerando que todo enunciador é ao mesmo tempo um

sujeito histórico e um sujeito falante, as transformações do campo da fala pública a

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partir das formas dialógicas da comunicação, devem ser interpretadas a partir de uma

memória das imagens que instaura outros sentidos na existência das materialidade

discursivas.

Desse modo por meio da relação entre história e memória, é possível

compreender a ligação entre as teias de imagens que modificam a sociedade. Courtine

(1981) busca entender os aspectos sociais através de uma investigação dos enunciados,

que por sua vez, possibilitam analisar os acontecimentos discursivos e seus efeitos de

sentido.

O campo da fala pública esta atravessado, saturado por imagens nas quis percebemos, ao mesmo tempo, a força de seu impacto e a instantâneidade de sua obsolescência. É crucial compreender como eles significam, como uma memória das imagens as atravessa e as organiza, ou seja, uma intericonicidade que lhes atribui sentidos reconhecidos e partilhados pelos sujeitos políticos que vivem na sociedade, no interior da cultura visual. (J.J D. Solidos D.Liquidos p.17)

Assim como toda formação discursiva apresenta, em seu interior, o

entrelaçamento de diferentes discursos, ao que na AD denominamos interdiscurso,

Milanez 2006, nos ajuda a compreender a idéia, ainda recente, de intericonicidade

trazida por Courtine, ao considerar que

toda imagem se inscreve em uma cultura visual, e essa cultura visual supõe, para o indivíduo, a existência de uma memória visual, de uma memória das imagens. Do mesmo modo, uma imagem pode ser inserida dentro de uma série, uma genealogia, como o enunciado em uma rede de formulação, no sentido exposto na arqueologia foucaultiana: dessa propriedade fundamental do enunciado imagético, Courtine deriva a noção de intericonicidade. (MILANEZ, 2006, p.168-169)

Nesse cenário de constantes mutações Gregolin afirma a necessidade da AD, que

era voltada somente para os textos escritos, se readequar incorporando em sua análise

uma pragmática do discurso político que possibilite analisar sua recepção e circulação

social, e uma semiologia histórica do discurso político, a fim de analisar as suas

materialidade verbais e não-verbais, rompendo com a obsessão lingüística do

estruturalismo. Essa semiologia é possível desde a arqueologia foucaultiana, onde o

enunciado já dispunha de uma natureza semiológica a as materialidade não verbais já

eram analisadas, por exemplo, nas pinturas.

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"O século XX inventou teoricamente o corpo. […] E assim acontece que o corpo

foi ligado ao inconsciente, amarrado ao sujeito e inserido nas formas sociais da cultura"

(COURTINE, 2008, p.08). Com o advento de novas tecnologias, torna-se possível

observar o corpo em movimento e capturar imagens através das câmeras. Em um

segundo momento, com o surgimento da fotografia a imagem passa a ser usada como

referencia do real, uma característica que a difere das pintura e das ilustrações.

A televisão passa a ser o grande atrativo a partir da década de 1950 e se

assemelhava a um programa de rádio televisionado, sem cores nem vídeo-taipe tudo era

produzido no momento da transmissão. Posteriormente o computador, com o avanço da

internet, surge para ocupar uma posição privilegiada no acesso e arquivo de imagens.

Nesse cenário pós-moderno outras funções passam a ser exploradas, a imagem é

submetida a processos de manipulação, seja através da capturarão, da escolha do

ângulo, do foco, ou dos recursos de edição. No campo jornalístico, o modo com que as

abordagens são feitas, a escolha das pautas e a seleção e edição das imagens, exercem

influência no resultado final da matéria. Todos esses fatores vão interferir sobremaneira

na produção de sentidos que o veículo pretende direcionar e na percepção por parte do

público.

Nessa situação ganham relevo as montagens, as fantasias visuais tornadas possíveis a partir da editoração eletrônica de imagens, da criação de efeitos, das mixagens com cenas de arquivo. Há um investimento nas cores, na cenografia, no movimento, nas curiosidades e na pirotecnia visual […]. (MARCONDES FILHO, 2000, p.42)

Diante dessa relação a figura do orador também se modifica, já que as massas

que antes se agrupavam para acompanhar os discursos, agora encontram-se

fragmentadas em domicílios, voltadas para aparelhos que sustentam uma falsa idéia de

proximidade. Ainda que o sujeito político seja visto, encarado, observado, e até tenha

sua intimidade exposta sobre a luz da TV, o olhar do telespectador visualiza nada mais

do que uma imagem, uma representação, uma aparição, uma mascara, uma figura: o

rosto vira tela. (Courtine 2010. p.4)

A nova relação que se estabelece, entre discurso e imagem, na esfera de

representações sustenta a política da fala pautada na língua de madeira e principalmente

em sua nova forma, na língua de vento, adaptada ao aparelho audiovisual de

informação. "Era chegado o tempo de incorporar ás análises a 'língua de vento' da

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mídia, o discurso ordinário, as novas materialidade do mundo pós-moderno que se

concretizavam no discurso" (GREGOLIN, p.27).

"Arcaicas as formas longas, maçantes, suspeitas de duplicidade, opacas, alusivas e mentirosas; modernas - ou melhor pós-modernas -as formas breves, vivas e claras em sua retórica esmigalhada. […] Línguas perfeitamente referenciais, que em sua transparência diriam as mesmas coisas. Línguas ordinárias, que banalizam o discurso político em um franco falar. A sinceridade em política empresta de agora em diante a voz austera de uma arte do pouco. Os homens políticos falam línguas mínimas, o basic… Descredito da fala, mas também triunfo da imagem." (COURTINE 2010 p.2)

2.4 Discurso Político e Mídia

O descrédito em relação ao discurso político faz com que as formas de

comunicação pública sejam atentamente analisadas. A crítica a “língua de madeira” é

pautada em novos estilos de fala, cheias de jogos de linguagem voltados para os

aparelhos de informação. “O reinado das formas breves” ameaça os monólogos, as

grandes narrativas e dissertações, defendidas pelos partidos.

De fato, tudo no lingüístico em torno do político atua entre dois pólos contrários: as forças de estabilização da língua de madeira e as forças de desestabilizações, trazidas pelas práticas discursivas de toda ordem, os dissensos de todos os tipos, fazendo com que, além das ‘línguas naturais serem capazes de política’, a Política também seja capaz de ‘Lingüística’. (ECOS DE MADEIRA SOPROS DE VENTO)

No entanto, ao analisar as intenções e propósitos aos quais os discursos são

submetidos é possível concluir que a mudança no uso das “línguas” não garante a

verdade ou a transparência na comunicação, a língua de vento foi feita para atender a

lógica comercial do marketing político, pautada pela lógica da vida privada em uma

sociedade de consumo. Diante da brevidade e simplicidade das proposições em uma

nova forma de comunicação política, a transparência das intenções passa a ser

questionada.

A intenção é menos explicar ou convencer, mas seduzir ou conquistar: formas didáticas da retórica de uma política clássica modelada pela máquina erudita são substituídas por novas formas, assujeitando os

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conteúdos políticos às exigências de práticas de escrita e leitura adequadas ao aparato áudio-visual de informação. [...] De agora em diante, o discurso político não pode ser dissociado da produção e recepção de imagens da mesma maneira que o discurso do homem político não poderia mais se separar de sua imagem. (LINGUAGEM DISCURSO POLITICO PG 84)

Desse modo, a crise do discurso político vem sendo acompanhada pela

incredulidade cada vez maior da sociedade em relação às instituições e modelos

governamentais. Os meios audiovisuais, em especial a televisão e a internet, têm

modificado a fala pública que aliada a imagens passa a ocupar o espaço ao qual

Courtine designa como da “política-espetáculo”. “A mensagem política não é mais

unicamente lingüística, mas uma colagem de imagens e uma performatividade do

discurso, que deixou de ser prioritariamente verbal”. (COURTINE, 2006, p.85)

Além da retórica, outros elementos vão compor o discurso político. A

redefinição das relações entre público e privado vai, por exemplo, interferir na forma de

aceitação desse discurso. O modelo de espetáculo político, enfatizado pelos meios

audiovisuais, nos propõe uma reflexão sobre o lugar que a vida privada ocupa no espaço

público. Tal relação será também pautada pela nova forma de comunicação política

onde ocorrerá uma personalização da esfera pública.

Reforçando a desconstrução das “línguas de madeira”, e o aparecimento das

“línguas de vento”, um novo estilo de fala pública, uma mistura de formas populares e

cotidianas, irá se dirigir a cada ouvinte, ainda que seja em uma multidão, criando a

ilusão de uma “conversação privada”. Essa redefinição “[...] vai fazer com que cada vez

mais a crença política dependa estreitamente da percepção psicológica da autencidade

do orador, do espetáculo de sua sinceridade, da encenação de seus sentimentos.” (AS

DERIVAS DA VIDA PUBLICA p.133)

As técnicas e aparatos audiovisuais da comunicação promovem uma política da

vida privada, onde o discurso vai estar sempre associado à imagem “como se passasse

de uma política do texto, veículo de idéias, para uma política da aparência, geradora de

emoções” (COURTINE, 2006, p.23).

Neste espetáculo entre enunciado e corpo falante a mídia e o marketing exercem

controle sobre o sujeito político, interferem na retórica, na construção do discurso e da

imagem. Cada vez mais distante, a massa passa a acompanhar o movimento político

enquanto telespectadores, fazendo da televisão o palanque, assistindo entrevistas e

debates em seu domicilio.

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Essas formas de living-room politics transformaram radicalmente o estilo de eloqüência pública. Elas deslocaram-na, implantaram-na em um lugar, não mais de ajuntamento popular, mas de tecnologia áudio-visual em que as únicas ameaças físicas são de ordem técnica – luz, som, transmissão. (OS DESLIZAMENTOS pg 26)

Diante dos nefastos efeitos da vida privada, que interferem decisivamente na

vida pública evidenciada pelos escândalos, a mensagem política deixa de ser a

“manifestação do desejo divino” e passa a ser analisada na modernidade em sua

dimensão humana, sob as exigências de uma sociedade de massa formada boa parte por

telespectadores.

Através dessa prática, que se estabelece para analisar não somente os fatos, mas

também as causas, as intenções, os traços psicológicos, evidencia-se uma “política da

confissão”. Nesse sentido a televisão opera como uma poderosa maquina de vigilância a

partir da construção e desconstrução das carreiras políticas em seus jornais, reality e talk

shows.

Vivenciamos um momento onde a mídia televisiva permitiu que, ao invés do

Estado, o indivíduo fosse o centro do espetáculo. “As imagens corrompem as palavras, a

política-espetáculo deforma o debate de idéias: a democracia estaria doente em sua

comunicação”. (OS DESLIZAMENTOS p.22)

2.5 Espetáculo televisivo

A sociedade liquida alimenta também um consumo informacional. O surgimento

de novas mídias vem para suprir a busca do sujeito pós-moderno por redes de interação

social que possibilitem, a partir dos meios de comunicação, uma posição de interlocutor

e não mais de receptor somente. Uma análise dessa transição da sociedade nos permite

compreender as fases que atingiram o jornalismo resultando em seu formato atual.

A partir da necessidade de expor informações até então controladas por

instituições e usadas como forma de poder, o jornalismo em seu primeiro momento se

profissionalizou para agir como uma força política autônoma, de esclarecimento, e sem

fins econômicos. Tempos depois as inovações tecnológicas modificam os processos de

produção do jornal e obrigam as empresas jornalísticas a se inserir no mercado para

manter a modernização de suas ferramentas.

A partir desse momento Marcondes Filho (2000) afirma que o jornal perde sua

identidade e torna-se uma mercadoria que " […] irá transformar uma atividade livre de

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pensar e fazer política em uma operação que precisará vender muito para se

autofinanciar " (2000, p.13).

A mídia mantém uma relação de cumplicidade com o mercado, a transformação

de um fato em notícia está ligada a regras de comportamento e desejos de consumo.

Refém da logica comercial atualmente o jornalismo é caracterizado como um veìculo

massivo, destinado a divulgação e venda de produtos mais do que informação, espelho

imagético para a televisão e suas redes publicitárias.

Eugenio Bucci (1997) avalia o papel da televisão no cotidiano. Para ele, a Tv é

muito mais do que um aglomerado de produtos descartáveis destinados ao

entretenimento de massa. No Brasil, o veículo consiste num sistema complexo que

forceje código pelo qual o brasileiro se reconhece brasileiro. Nesse contexto, a televisão

opera de forma privilegiada a partir dos atrativos de som e imagem, elementos que

interferem na forma como os acontecimentos são noticiados e aceitos pelos

telespectadores. Desse modo, a TV produz sentidos e exerce influência no modo como o

sujeito constrói a realidade.

Por meio de sua programação a televisão procura interferir na forma de agir dos

telespectadores na sociedade assim como no modo em que reconhecem o mundo. Nessa

relação a imagem é uma ferramenta fundamental para o entretenimento no jornalismo

televisual, pois consegue convencer e se fazer entender por um grande numero de

pessoas independente do lugar social em que ocupem.

O processo comunicativo televisual comporta diferentes níveis de enunciadores:

apresentadores, repórteres, animadores, âncoras, entrevistadores etc... que funcionam

como mediadores entre a instância de enunciação, e os interlocutores virtuais ou reais.

As emissoras controlam a programação através da escolha do tom, ou seja, do

formato e do conteúdo. Assim, o processo de tonalização dirige-se ao meio social ao

interagir com diversos telespectadores tentando conquista-los através de um misto de

informação e entretenimento.

A escolha do tom dado a cada programa não ocorre de forma aleatória ou neutra,

toda produção televisual movimenta-se entre dois objetivos fundamentais: o de informar

e o de divertir.

Inúmeros fatores são capazes de alterar a construção do fato noticioso: as

disputas ideológicas nas redações, o microjogo do poder, as grandes e pequenas

sabotagens e até mesmo as opiniões pessoais ligadas à lógica do mercado, mostram

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como a produção da notícia não é linear ou homogênea e sempre sofrerá interferências

externas e internas à redação.

Para ARBEX (2002) o telenoticiário diário adquiriu o estatuto de uma peça

política, cuja lógica é determinada pelas relações de cada veículo da mídia com o

sistema político, financeiro e econômico do país ou região em que ele se encontra. A

notícia, como produto final, é uma síntese desse conjunto de relações.

Nos anos 60 os telejornais buscam transformar o importante em interessante e

garantir ao público a sensação de estar bem informado. Os programas deixam de narrar

às imagens, feito um veículo impresso, e se distanciam da linguagem do rádio tornando-

se um show televisivo com videoteipes, vinhetas e cenários numa transmissão em ritmo

acelerado.

Assim, na televisão actual o paradigma do espetáculo tende a prevalecer sobre os outros na preparação das mensagens reais. Até os telejornais se tornam shows, com os seus cenários futuristas, efeitos especiais, linguagem enfática e apresentadores/apresentadoras-vedetas. É o que poderíamos chamar a espetacularização do conjunto do discurso televisivo, que tende fazer predominar entre as funções tradicionalmente atribuídas à televisão (informar, formar, divertir) a função do divertimento. Isto concebe-se perfeitamente para uma televisão comercial cuja estratégia se baseia numa diversão do público com produtos de consumo (JESPERS, 1998, p.74-75).

2.6 Estratégias discursivas no CQC

As construções midiáticas dos discursos nos permitem compreender a

importância da linguagem verbal/não verbal para a identificação da posição do sujeito,

imbricadas nos enunciados, que por sua vez refletem valores e crenças impressas na

sociedade. Após expor o percurso teórico que auxiliará nas análises deste trabalho

enquanto discurso político midiático, a partir dos próximos itens, iremos explorar do

conhecimento adquirido até aqui.

Dessa forma, para compreender essa relação da mídia com o telespectador

tomaremos como objeto de estudo o programa televisivo CQC – Custe o Que Custar,

exibido pela rede Bandeirantes de televisão. Iremos analisar o papel social do

jornalismo televisivo na produção dos discursos políticos e os efeitos de sentido, sócio-

histórico e lingüístico-discursivo, produzidos por estratégias humorísticas.

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No ar desde 17 de março de 2008, o CQC ocupa um horário privilegiado na

grade da Band nas noites de segunda-feira, com reprise dos melhores momentos aos

sábados. Com audiência elevada o formato do programa faz sucesso em vários países

tendo sido criado originalmente na Argentina pela produtora Cuatro Cabezas,

idealizadora. Com a proposta de noticiar os principais assuntos da semana, tratando-os

de maneira irreverente que fogem do jornalismo convencional, a receita do programa é a

possibilidade de satirizar personalidades além de denunciar fatos políticos.

O telejornalismo tem utilizado estratégias discursivas de cunho narrativo, para

integrar o entretenimento à informação. Desde a década de 60 a televisão opera como

um veículo massivo que faz uso da publicidade para proporcionar diversão e manter os

índices de audiência. Os novos formatos televisivos têm buscado programas híbridos e

inovadores para conquistar o público, que se diferencie do formato noticioso

convencional.

Para esta análise tomamos como premissa que o telejornalismo é uma instituição

social e uma forma cultural, que tem utilizado cada vez mais de recursos audiovisuais,

narrativos e dramáticos comuns a cibercultura. Atendendo às novas exigências

mercadológicas, o CQC utiliza como tom do programa a notícia aliada ao humor, sendo

este último, seu forte elemento característico. O “tom” funciona como uma estratégia

enunciativa que busca delimitar a interação que um programa mantém com sua

audiência.

Em sua web site os idealizadores definem o Custe o Que Custar da seguinte

maneira: “Com humor inteligente, audacioso e muitas vezes ácido, o programa faz um

resumo semanal das notícias, e nessa varredura dos fatos importantes, sob o olhar atento

do CQC, ninguém escapa. No estúdio, quartel general do CQC, Marcelo Tas, Rafinha

Bastos e Marco Luque assumem a bancada, e além de conduzir o programa ao vivo

terão a missão de comentar livremente os principais assuntos da semana.” Integram

ainda a equipe, os repórteres Danilo Gentili, Felipe Andreoli, Rafael Cortez, Oscar Filho

e Mônica Iozzi.

2.7 O CQC e os telejornais

Ainda que o formato dos telejornais convencionais não se assemelhe totalmente

com o do CQC, a linha editorial e alguns aspectos visuais apresentam semelhanças, já

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que em ambos observamos a presença de aparatos tecnológicos, bem como, de pautas

mais leves e descontraídas.

A maioria dos jornais segue uma mesma escala noticiosa, onde as matérias

relacionadas à política, economia, educação e as demais questões sociais, são as

primeiras a irem ao ar. Para o último bloco ficam as notícias desportivas e de

entretenimento, preservando a idéia de "happy end" que se seguirá na programação

pelas telenovelas.

No CQC ainda que o conteúdo da notícia já tenha sido exibido em um telejornal,

a abordagem dos assuntos não funciona do mesmo modo, já que informação e humor

caminham juntos em todos os quadros independente do assunto abordado. O programa

propõe ainda, uma paródia aos critérios que os noticiários sustentam, usados para

transmitir os ideais de neutralidade e imparcialidade jornalística ao telespectador.

Alem da escolha das pautas e critérios de edição a figura do âncora também

interfere na credibilidade do que é noticiado e na aceitação da audiência. Nos programas

televisivos os apresentadores assumem o centro da imagem e chegam até mesmo ao

status de personalidades.

Adotando um tom irreverente o formato do Custe o Que Custar rompe com as

normas dos noticiários tradicionais, formatados a partir de princípios de neutralidade,

formalidade e seriedade, desde o figurino, ao cenário, até as abordagens e edições das

matérias.

No caso dos telejornais a bancada é ocupada por um jornalista ou um casal com

vestimenta formal e discreta, de modo que não concorra com a imagem ou assunto

noticiado. O estúdio cada vez mais moderno apresenta a equipe de redação no plano de

fundo, sustentando a idéia de “notícia quente” e dinamicidade.

Nos jornais, o plano diante da câmera é fixo e o apresentador é filmado da

cintura pra cima. A câmera assume simbolicamente o sentido do olhar do telespectador

fazendo com que o âncora fale diretamente com o público, transmitindo a sensação de

olhos nos olhos, de compromisso com a verdade.

Quebrando este padrão estético, no Custe o Que Custar três apresentadores

dividem a bancada enquanto ao fundo telões futuristas simulam imagens, feito um

vídeo-clipe, e jogos de luzes criam um suspense no ar.

A abertura do programa acontece de maneira frenética e já apresenta elementos

publicitários. O formato conta ainda com uma platéia que vibra a cada quadro

conduzido pelo ritmo eufórico do CQC.

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O figurino é outro elemento que os difere, de termo preto e óculos escuros os

apresentadores se assemelham mais a espiões do que a jornalistas, lembrando os

famosos "homens de preto".

Distantes do comportamento formal adotado pelos âncoras convencionais,

Marcelo Tas, Rafinha Bastos e Marcus Luque, se movimentam constantemente diante

das câmeras, brincam entre si, comentam as matérias e se expressam de modo cênico.

Através das performances na bancada e construções narrativas nas reportagens, se

estabelece um cenário de debate público que atua em um cenário alternativo de

entretenimento e informação.

Todas essas características comportamentais sustentadas pelos elementos

visuais são adotadas para dar sentido ao emblema do programa: "CQC - Custe o que

Custar, Eles estão à solta, mas nós estamos correndo atrás".

Não é a toa que os apresentadores sustentam esse discurso no final de cada

edição. A mensagem é dirigida especialmente para a classe política. Ao afirmar que

“eles estão à solta”, fica expresso pelo não dito que “eles”, no caso, os políticos,

deveriam estar presos, ao mesmo tempo em que o complemento da fala “nós estamos

correndo atrás”, reforça a idéia de que o CQC tem um compromisso com a sociedade e

permanece em estado de vigilância pronto para agir, “custe o que custar”.

Também não é por acaso que o símbolo escolhido para representar o programa é

uma mosca. Por ser incomodo, ter uma natureza inconveniente, insistente, e ainda

possuir a capacidade de penetrar em qualquer lugar, no caso do CQC a mosca se

assemelha ao comportamento adotado pelos jornalistas.

Outra singularidade do Custe o Que Custar é a forma com que se relaciona com

a publicidade. Dividido em três blocos, com intervalos curtos, boa parte dos numerosos

anúncios são feitos no decorrer das matérias e protagonizados pelos próprios

integrantes.

O comercial ligado a informação atende aos anseios da cultura de massa e as

regras do mercado capitalista, numa relação entre a produção e o consumo. O formato

estratégico é extremamente funcional e dificilmente o telespectador ira mudar de canal.

Além de sustentar a imagem de que os repórteres são consumidores dos produtos

anunciados, a propaganda é feita durante as vinhetas que antecedem os quadros, e

também abusam da irreverência como atrativo.

O CQC é interessante para o mercado a partir do seu alto índice de audiência,

semelhante aos programas de esporte. Na abertura Marcelo Tas, apresentador que

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comanda a bancada, faz questão de frisar que o CQC é "o programa da família

brasileira", ou seja, com o elevado número de celebridades e personalidades públicas,

somado a mistura de entretenimento e informação, acaba por atingir um público

diversificado.

Nem somente humorístico, nem totalmente jornalístico, a partir de suas

características de tom o CQC se enquadra nos moldes criados pelo novo gênero

denominado infontaiment, que nada mais é do que informação aliada ao entretenimento.

Ao mesmo tempo em que o programa é repleto de elementos gráficos e

audiovisuais, faz uso com freqüência de termos específicos do jornalismo como

"notícia, matéria, reportagem, cobertura, entrevista, pauta, repórter, etc..." Além da

estrutura do lead " o que?, quem?, onde?, quando? por que?, como?" ser comum nas

cabeças das reportagens.

Na linha entre o espetáculo e o jornalismo, o fator credibilidade é determinante e

fica expresso na denominação dos integrantes como jornalistas e não humoristas. Ainda

que a informação seja desconstruída e repaginada pelo viés do humor, a base deve

continuar sendo a mesma, a de cumprir com a responsabilidade jornalística em noticiar

os fatos relevantes.

2.4 O espetáculo político do corpo e da fala

Após compreender, no primeiro capítulo, algumas questões que envolvem a

política da fala, tanto em suas formas fluídas quanto herméticas, voltemos nossa atenção

para o corpo e em específico para a linguagem do rosto e suas múltiplas expressões. No

cenário atual de "espetacularização" que a política se encontra, Courtine sustenta a

mudança do sujeito político em relação as técnicas audiovisuais de comunicação, que a

partir de uma pedagogia do gesto e da expressão fazem do corpo um "objeto-farol, um

recurso central da representação política". (COURTINE, 2003, p.25)

A comunicação midiática torna marcante a diferença entre a eloqüência dos

discursos em comícios e a eloqüência televisiva. Enquanto a primeira dirigia-se e

fortalecia-se exercendo poder sobre uma massa restrita, mas presente, o discurso

voltado para TV e meios digitais é submetido ao controle tecnológico do corpo e da

fala, sendo acompanhando por um público imenso, mas ao mesmo tempo ausente. O

aparato audiovisual alimenta, dessa forma, a falsa idéia de proximidade sustentada a

partir de um olhar afastado.

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A partir das aparições públicas em comícios, os políticos tiveram que adaptar

suas características às novas condições dentro do espetáculo midiático. Os excessos

cênicos foram reduzidos e voltou-se uma atenção especial para as expressões faciais. A

proximidade do olhar e da câmera “impede igualmente a imobilidade de uma ‘cara de

madeira’: ela obriga a cada um de se exprimir; de exibir à flor da pele índices de uma

emoção, fingida ou sentida. Ela promove, na troca verbal, modos de sociabilidade

corporal aos quais é preciso se submeter.” (OS DESLIZAMENTOS Pg 29)

A televisão possibilita a criação de um espaço cênico onde o espetáculo vai além

da fala, estando os olhares dos telespectadores, mais do que os ouvidos, voltados para o

corpo de quem se apresenta. Em uma linguagem da aparência e diante dos mecanismos

televisivos, tanto de gravação, edição e transmissão da imagem, existe um controle

sobre as idéias e sobre o corpo.

"Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,

selecionada, organizada e retribuída por certo número de procedimentos que tem por

função conjurar seus poderes" (FOUCAULT 2006, p.8-9). Além das expressões

corporais, a linguagem verbal também passa por procedimentos de controle. O discurso

que o sujeito político produz, passa por procedimentos disciplinares tais como a

interdição, que nos permite compreender que nem tudo pode ser dito de forma aleatória

por qualquer pessoa, em qualquer espaço.

Foucault afirma que o recurso de interdição é freqüente na sociedade em

questões que envolvem a política e a sexualidade, revelando que "por mais que o

discurso seja aparentemente pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo

rapidamente, sua ligação com o desejo e poder". (FOUCAULT 2006, p.10)

Atendendo ao desejo dos telespectadores de ver a vida privada, o homem, sob o

personagem público, a câmera busca captar o íntimo e para isso mantêm o foco sempre

na fisionomia ou nas mãos, em uma verdadeira pedagogia das expressões. O corpo

“fala” mais no vídeo do que as palavras que compõe o discurso.

Indissociável do discurso, a imagem vem qualificar ou desqualificar os conteúdos, medir seu impacto, soldar seus efeitos. Uma das conseqüências mais marcantes do desenvolvimento de uma tecnologia da comunicação política terá sido a de modificar a relação entre enunciação do discurso e espetáculo do corpo falante, em proveito deste último. (OS DESLIZAMENTOS p. 24-25)

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Em "História do Rosto", Courtine e Claudine Haroche (1988) nos permitem

compreender as expressões que marcam as faces, em um percursso que analisa o

processo de constituição do homem expressivo e as interpretações possíveis através

desses movimentos corporais. Na história da expressividade do corpo, os autores

buscam compreender as implicações do sujeito para a percepção de si mesmo e das

relações sociais, ou seja, a percepção do sujeito em relação ao outro. Nessa relação que

marca o sujeito, a linguagem e o corpo, o indivíduo se revela pela estaticidade e

expressividade do seu rosto.

Na busca por desvendar o homem privado sob o personagem público, de

descobrir sua identidade através do que é revelado em sua face, essa nova política da

imagem é testemunha de uma era fisiognomonica. "A fisiognomonia é uma resposta ao

sentimento da incerteza face ao outro, ao medo do desconhecido, quando se trata de

saber com quem se lida em um corpo social em plena reconfiguração." (Courtine 2010

p.5)

Através dos tratados de fisiognomonia, uma arte dos detalhes, o julgamento do

indivíduo vai além das marcas faciais, das características físicas, e dedica-se a uma

atenção aos signos revelados no rosto, as expressões singulares que manifestam o

interior, o que o indivíduo tem de mais particular. Desse modo "o indivíduo é, desde

então indissociável da expressão de seu rosto, que se torna a tradução corporal do seu

'eu' mais intimo" (COURTINE e HAROCHE,1988, p.10).

O corpo é capaz de revelar-se tanto, que a partir do momento em que passa a ser

observado torna-se necessário se submeter a uma pedagogia do controle onde é

indispensável aprender a conter-se. "Exprimir-se, calar-se, descobrir-se, mascarar-se:

esses paradoxos do rosto são os mesmos do indivíduo." ( COURTINE e HAROCHE

1988, p. 20).

Nesse jogo que envolve uma disciplina do corpo, treinado a se conter, é possível

compreender que essas técnicas alimentam a idéia de representação, a respeito do

sujeito político, e ate mesmo uma dissimulação da verdade, já que é possível pensar e

planejar o que será refletido em cada gesto, ainda que não se atinja a interpretação

desejada.

Devido à exposição excessiva a que estão submetidos, a partir dos avanços

tecnológicos de que dispõe a mídia, os sujeitos buscam convencer através de efeitos de

expressão e retórica que sustentem a idéia de "falar verdadeiro", ainda que através de

uma seriedade forjada ou de um sorriso calculado. As lentes da câmara submetem o

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corpo vigiado a uma política do olhar que remete a efeitos de sentidos, por vezes

denunciadores, sarcásticos, ridicularizantes, utilizados recorrentemente na mídia

principalmente pelo viés do humor.

Valendo-se desse saber acerca da interpretação das expressões, nesse segundo

capítulo iremos analisar as materialidades discursivas, presente nos vídeos, e sua relação

simbiótica com o verbal. É possível verificar que os mínimos gestos contradizem a fala,

revelam pela face, o que os discursos verbais tentariam por vezes esconder.

Amparado por microfones e técnicas gestuais o corpo político, vigiado

atentamente por muitos olhares, deve ainda obedecer a uma “pedagogia da

naturalidade”, para alcançar uma boa aceitação do seu discurso. Sustentado por esse

jogo de imagens, o homem público não é mais do que uma representação performática

que “aparenta ser” alguma coisa.

Em busca da apreensão dos detalhes, a câmera tem o poder de recortar,

evidenciar, por em foco determinados movimentos corporais que convidam o

telespectador a explorar o que esta sendo visualizado em cada expressão, a interpretar

cada gesto, a descobrir onde se encontra a mentira e a verdade expostas pelos indícios

de afeição, irritabilidade, stresse, simpatia e apreensão, em meio a testas franzidas,

olhares furiosos, sobrancelhas arqueadas, bocas mordiscadas, enfim, sorrisos e lagrimas.

Nessa tentativa de "decifrar as aparências" o telespectador busca adivinhar,

através das marcas que se dão a ler no rosto do político, os seus segredos e artimanhas

preservados por um discurso que usa de frases feitas e promessas para representar e não

revelar nada além do previsto. "O político esta submetido a novas exigências: não se

trataria mais somente de parecer, mas de transparecer". (COURTINE 2010 p.4)

Como já mencionamos no capitulo anterior, diante das novas relações que se

estabelecem na pós-modernidade, o discurso político, assim como sua imagem, tem

perpassado por um descredito e um enfraquecimento do seu poder de verdade. Nesse

contexto a figura do sujeito político, o corpo, aparece enquanto uma linguagem líquida

que é passível de questionamentos, o que dificulta a reafirmação e manutenção de um

falso discurso enunciado pelas línguas de vento. A nova relação que se estabelece entre

discurso e imagem nessa esfera de representações, sustenta a política da fala pautada na

língua de madeira e principalmente em sua nova forma , na língua de vento, adaptada ao

aparelho audio-visual de informação.

A identificação das funções da linguagem imagética ao longo da historia, e a

percepção da expressão, ajuda-nos a compreender discursivamente a técnica de

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filmagem e reprodução de imagens realizadas pelos aparelhos audiovisuais. A

importância e até mesmo predominância em alguns momentos da imagem em relação ao

verbal, sinalizanos um imaginário sobre as praticas televisivas em que a manipulação de

imagens é utilizada como forma de prender o olhar do telespectador. Desse modo a

imagem de si (COURTINE 2010) passa a ser indissociável do discurso proferido,

fazendo com que a visão mais do que a audição sirva de instrumento para medir o valor

e os efeitos do discurso político.

É a grande mutação do homo politicus: o corpo do político, tão longamente mudo, repentinamente começa a falar. (…) O retrato do político e a psicologizaçao das relações sociais foram assim conduzidas para o desenvolvimento de políticas privadas, individuais, da aparência: nascem, então, sensibilidades novas feitas de comunicação, de escuta ou de expressão de si; surgem nova injunções que instauram as tiranias da imagem de si. ( COURTINE 2010 p.2-3)

O programa "CQC- Custe o Que Custar", nos permitem compreender as relações

de poder e controle que o aparato televisivo exerce no discurso político e seus efeitos

de sentido sobre o sujeito telespectador. A análise do discurso político pós- moderno e

suas representações, em conjunto com as teorias, permitem uma visão critica do modo

de fazer política em uma sociedade dominada pelos meios de comunicação de massa.

A partir dessas considerações que compreendem o papel da imagem, iremos

analisar o corpo, focalizando o rosto, em um video do CQC exibido em junho de 2010,

que obteve grande repercussão na mídia devido ao seu teor provocativo.