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 INSTITUTO BRASILIENSE DE DIREITO PÚBLICO Programa de Pós-Graduação em Direito Administrativo Trabalho de Conclusão de Curso A (IM)POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECÔNOMIA MISTA Bruno Lameira Itani Brasília-DF 2013

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A (IM)POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIARECÍPROCA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECÔNOMIA MISTA

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  • INSTITUTO BRASILIENSE DE DIREITO PBLICO Programa de Ps-Graduao em Direito Administrativo

    Trabalho de Concluso de Curso

    A (IM)POSSIBILIDADE DE EXTENSO DA IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA S EMPRESAS PBLICAS E SOCIEDADES DE ECNOMIA MISTA

    Bruno Lameira Itani

    Braslia-DF 2013

  • BRUNO LAMEIRA ITANI

    A (IM)POSSIBILIDADE DE EXTENSO DA IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA S EMPRESAS PBLICAS E SOCIEDADES DE ECNOMIA MISTA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Administrativo do Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP como requisito parcial para obteno do ttulo de especialista em Direito Administrativo.

    Orientadora: Marilda Silveira

    Braslia-DF 2013

  • INSTITUTO BRASILIENSE DE DIREITO PBLICO Programa de Ps-Graduao em Direito Administrativo

    BRUNO LAMEIRA ITANI

    A (IM)POSSIBILIDADE DE EXTENSO DA IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA S EMPRESAS PBLICAS E SOCIEDADES DE ECNOMIA MISTA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Direito Admnistrativo do Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP como requisito parcial para obteno do ttulo de especialista em Direito Administrativo. Orientao: Prof. Marilda Silveira

    Aprovado em ________/________/________________

  • minha me, ao meu pai, minha irm e a minha namorada, os quais sempre estiveram comigo me dando todo o amor e fora que preciso para continuar trilhando a trajetria da minha vida.

  • Pouco conhecimento faz que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. assim que as espigas sem gros erguem desdenhosamente a cabea para o Cu, enquanto que as cheias as baixam para a terra, sua me.

    Leonardo da Vinci

  • RESUMO

    ITANI, Bruno Lameira. A (im)possibilidade de extenso da imunidade tributria recproca s empresas pblicas e sociedades de economia mista. 2013. Trabalho de Concluso de curso (Ps-Graduao). Instituto Brasileiro de Estudos Tributrios. Goinia, 2013.

    O presente estudo tem como objetivo realizar uma anlise geral sobre a imunidade tributria recproca e sua extenso s empresas pblicas e sociedades de economia mista. Atravs de uma anlise principiolgica e sistmica, buscou-se compreender melhor o conceito de imunidade e competncia legislativa tributria, demonstrando a importncia e a melhor compreenso destas. A inteno da pesquisa foi de verificar em quais casos possvel estender a imunidade recproca frente aos princpios constitucionais do federalismo e da capacidade econmica. Partindo do conhecimento de tais imunidades, buscou-se ainda conjugar tal preceito com o conceito de servio pblico e a necessidade de se aplicar tal imunidade s empresas estatais que exeram o referido tipo de atividade. Palavras-chave: Imunidade tributria. Imunidade recproca. Empresas pblicas. Sociedades de economia mista. Servio Pblico.

  • v

    ABSTRACT

    The present study aims to conduct a general analysis on the reciprocal tax immunity and its extension to public enterprises and joint stock companies. Through a principled and systemic analysis, we sought to better understand the concept of immunity and tax legislative competence, demonstrating the importance and understanding of these. The intent of the research was to verify in which cases it is possible to extend the reciprocal immunity against the constitutional principles of federalism and economic capacity. Based on the knowledge of these immunities, yet sought to combine this precept with the concept of public service and the need to apply such immunity to state enterprises engaged in said activity type.

    Keywords: Immunity tax. Reciprocal immunity. Public companies. Joint stock companies.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    - Pargrafo Art. - Artigo CF - Constituio Federal CODESP - Companhia Docas do Estado de So Paulo DF - Distrito Federal EBCT - Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos IDP - Instituto Brasiliense de Direito Pblico Inc. - Inciso Min. - Ministro N. - Nmero Rel. - Relator STF - Supremo Tribunal Federal STN - Sistema Tributrio Nacional

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .................................................................................................................................................. 8 2 A IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA ............................................................................................. 10

    2.1 A IMUNIDADE TRIBUTRIA NO ORDENAMENTO PTRIO ................................................ 10 2.2 IMUNIDADES CONDICIONADAS E INCONDICIONADAS .................................................... 13 2.3 IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA ............................................................................ 14 2.4 OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS QUE REGEM A IMUNIDADE RECPROCA ........................................................................................................................... 16

    2.4.1 Os princpios e o ordenamento .............................................................. 16 2.4.2 Princpio federativo ................................................................................. 19 2.4.3 Princpio da capacidade econmica ...................................................... 20

    3. EMPRESAS PBLICAS E SERVIO PBLICO ...................................................................................... 28 3.1 AS EMPRESAS ESTATAIS EMPRESAS PBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA .............................................................................................................................................. 28 3.2 CONCEITUANDO SERVIO PBLICO .............................................................................. 30

    4 A IMUNIDADE RECPROCA APLICADA S EMPRESAS PBLICAS ............................................... 32 4.1 AS EMPRESAS PBLICAS DELEGATRIAS DE SERVIO PBLICO ................................... 32 4.2 A EXTENSO DA IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA S EMPRESAS PBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ...................................................................................... 33 4.3 JURISPRUDNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ................................................... 37

    5 CONCLUSO .................................................................................................................................................. 42 REFERNCIAS .................................................................................................................................................. 47

  • 8

    1 INTRODUO

    O presente estudo tem por escopo realizar uma anlise de cunho administrativista sobre o sistema tributrio brasileiro e chamar a ateno s imunidades tributrias, em especial, imunidade recproca, bem como suas extenso s Empresas Pblicas e Sociedades de Economia Mistas.

    Para tal, analisaremos a natureza jurdica de tais entidades bem como passaremos pela definio das atividades por elas desempenhadas, enquadrando-as, ou no, na definio de servio pblico.

    A imunidade tributria recproca tem previso no art. 150, VI, a, da Constituio Federal (CF) de 1988, e consiste na vedao da Unio, dos Estados, dos Municpios e do Distrito Federal (DF), de institurem tributos sobre o patrimnio, renda ou servios uns dos outros.

    Assim, pacfica a aplicao de tal imunidade s pessoas jurdicas de direito pblico pertencentes administrao direta, no podendo um ente tributante imiscuir-se na atividade de outro por meio da cobrana de tributos.

    Contudo, com a ampliao da descentralizao do Estado e com a expanso da criao de empresas pblicas e sociedades de economia mista, os cientistas do Direito passaram a ser indagados sobre a possibilidade de ampliao de tal benefcio tambm s empresas estatais.

    Questiona-se muito se o fato de tais empresas estarem exercendo atividades anteriormente praticadas por entes da administrao direta no justificativa suficiente para o gozo de tal benefcio.

    De suma importncia a anlise a respeito das formas como tais imunidades devam ser aplicadas, de modo que aquelas empresas so controladas por entes polticos e exercem grande movimentao financeira, refletindo em prejuzo ao errio pblico no que tange sua tributao como a sua no tributao.

    A inteno da presente pesquisa de aprofundar o estudo sobre a imunidade recproca frente aos princpios constitucionais do federalismo e da capacidade econmica, em contraponto com a necessidade de adequada prestao dos servios pblicos.

  • 9

    Para tal, aps uma anlise tributria sobre os conceitos de Imunidade, Imunidade Tributria Recproca, Capacidade Contributiva, dentre outros institutos, analisar-se-, tambm, a criao das empresa pblicas e da sociedade de economia mista, traando de forma mais detalhada o tipo de atividade por elas desempenhada, quando se trata de prestao de servios pblicos de forma descentralizada ou de atividade econmica em setores tidos por estratgicos para o Estado.

    Passada tal anlise, nos debruaremos sobre tema espinhoso na doutrina brasileira, qual seja, a definio do que deve se entender por servio pblico, a quem cabe o dever de prest-los e quais as conseqncias advindas da prestao de tais atividades.

    Posto isto, prope-se aqui uma anlise do posicionamento doutrinrio a respeito do tema, a fim de construir, de modo sistemtico, o ordenamento posto hermenutica para a aplicao da imunidade tributria recproca e das pessoas que devem gozar de tal benefcio fiscal.

    Por fim, tentar-se- demonstrar nas linhas a seguir, o posicionamento que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem adotando quando acionado para solucionar casos concretos envolvendo empresas pblicas e sociedades de economia mista face ao interesse fiscal dos entes federados.

  • 10

    2 A IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA

    2.1 A imunidade tributria no ordenamento ptrio

    Ao iniciar o estudo sobre as imunidades tributrias, mais especificamente sobre a possibilidade ou no da extenso da imunidade recproca s empresas pblicas e sociedades de economia mista, faz-se necessrio fixar as premissas bsicas que serviro de base para a abordagem da referida temtica.

    de suma importncia desenvolver a noo de competncia tributria e o conceito de imunidade tributria que serviro de fundao para as concluses obtidas nas linhas a seguir.

    A Constituio Federal (CF) de 1988, ao tratar do Sistema Tributrio Nacional (STN), disciplinou a competncia tributria de cada ente poltico de forma inteira e rgida, demarcando, por balizas claras, o mbito de competncia legislativa de cada ente federativo para instituio de tributos.

    Roque Antnio Carraza, de forma objetiva, destaca que competncia tributria a aptido jurdica para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipteses de incidncia, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de clculo e suas alquotas1.

    Assim, observa-se que a competncia tributria j nasce delimitada na prpria Constituio Federal, a qual, visando evitar que um ente poltico onerasse certas situaes ou pessoas consideradas relevantes para o Estado, prev a impossibilidade de instituio de tributos sobre tais entes por serem tidos por imunes.

    Leciona, a propsito, o professor Paulo de Barros de Carvalho sobre as competncias tributrias:

    Competncia legislativa a aptido de que so dotadas as pessoas polticas para expedir regras jurdicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observncia de uma srie de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo. Por fora do princpio da legalidade (CF, art. 5, II), a ponncia de normas jurdicas inaugurais no sistema h de ser feita, exclusivamente, por intermdio de lei, compreendido este vocbulo no seu sentido lato. Em

    1 CARRAZA, Roque Antonio. A imunidade tributria das empresas estatais delegatrias de servios

    pblicos. 1. ed. So Paulo: Malheiros, 2004. p. 17 (grifo meu).

  • 11

    qualquer segmento da conduta social, regulada pelo direito, a lei o instrumento introdutor dos preceitos jurdicos que criam direitos e deveres correlatos. [...] A competncia tributria, em sntese, uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que so portadoras as pessoas polticas, consubstanciadas na possibilidade de legislar para a produo de normas jurdicas sobre tributos2.

    Quando falamos em competncia tributria para legislar sobre limitaes constitucionais ao poder de tributar, devemos ressaltar que tal competncia foi expressamente delegada Lei Complementar, conforme preceituado no art. 146, II da CF.

    Tal modalidade legislativa foi escolhida justamente pelo conhecimento que o constituinte tem da fria fiscal dos entes polticos em buscar cada vez mais formas de aumentar sua arrecadao.

    Nesse sentido, citamos o professor Paulo Ayres Barreto: Conhecedor da fria que campeia em todas as esferas de governo, a Constituio reservou essa relevante matria lei complementar, evitando tivssemos, a respeito a pretexto de regular limitaes constitucionais ao poder de tributar uma lei federal, uma lei distrital, mais de duas dezenas de leis estaduais e mais de 5.000 leis municipais, todas a amesquinhar, a restringir, a mutilar, a mais no poder, as imunidades, especialmente as da letra cdo inciso VI, do art. 1503.

    Fixada a premissa quanto ao conceito de competncia tributria, passa-se ao objeto central do presente captulo: a imunidade tributria. Esta consiste em uma excluso da competncia tributria em relao a certas pessoas, bens ou fatos. Ou seja, nas palavras do professor Aliomar Baleeiro, as imunidades tributrias so uma limitao constitucional ao poder de tributar4.

    Tal conceito vem sendo amplamente recepcionado pela doutrina ptria, a qual entende que as imunidades so uma baliza instituda pelo constituinte para limitar a competncia outorgada s pessoas polticas de direito constitucional interno.

    Nesse sentido, tem-se o ensinamento do Professor Paulo de Barros Carvalho: Recortamos o conceito de imunidade tributria, nica e exclusivamente, com o auxlio de elementos jurdicos substanciais sua natureza, pelo que podemos exibi-la como a classe finita e imediatamente determinvel de normas jurdicas, contidas no texto da Constituio Federal, e que

    2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 23. ed. So Paulo: Saraiva, 2011.

    3 BARRETO, Paulo Ayres, Imunidades tributrias: limitaes constitucionais ao poder de tributar. 2. ed. So

    Paulo: Dialtica, 2001, p. 24. 4 BARRETO, Paulo Ayres. op. cit., p. 11.

  • 12

    estabelecem, de modo expresso, a incompetncia das pessoas polticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situaes especficas e suficientemente caracterizadas5.

    Completando tal pensamento, tem-se o professor Jos Souto Maior Borges, citado pelo professor Paulo Ayres Barreto, ao tratar da competncia tributria:

    Ela , por excelncia, ontologicamente, no seu nascedouro, limitada. como um perfil resultante de um desenho constitucional, no s com as normas autorizativas que definem positivamente o exerccio do poder fiscal, mas tambm com normas limitativas, que dizer, as normas que determinam os limites em que esse poder poder ser exercido, ou dever ser exercido6.

    Diante do exposto, percebem-se as imunidades no como limitaes de competncia, mas sim, como o resultado de regras positivas e negativas que a delineiam e demarcam7. Ou seja, as imunidades nascem juntamente com as regras de competncia a concluso lgica da interpretao do mbito de competncias legislativas.

    Alm de ser uma forma de demarcao de competncia, as imunidades tributrias tambm possuem outro papel dentro do ordenamento: de modo reflexo, representam uma garantia fundamental do contribuinte de sofrer tributao sobre determinada pessoa, fato ou objeto.

    A seguir, tem-se parte da doutrina de Roque Antonio Carraza sobre a referida temtica:

    Estamos percebendo que, por efeito reflexo, as regras imunizantes conferem aos beneficirios o direito pblico subjetivo de no serem tributados. Deste modo, se a situao N , nos termos da Lei Maior, insuscetvel de ser alcanada pela tributao, o contribuinte tem o direito de, enquanto a realiza, no ser molestado, em sua propriedade, por pessoa poltica alguma. Por outro lado, se s a pessoa poltica A pode tributar o fato X, o contribuinte que o pratica tambm tem o direito de, em razo dele, no ser tributado pelas pessoas polticas B, C, D, N8.

    No mesmo sentido, entende Jos Wilson Ferreira Sobrinho: A norma imunizante no tem apenas a funo de delinear a competncia tributria, seno que tambm outorga ao imune o direito pblico subjetivo de no sofrer a ao tributria do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o

    5 CARVALHO, Paulo de Barros de. Curso de Direito Tributrio. 23. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 236.

    6 BARRETO, Paulo Ayres, op. cit., p. 12.

    7 COSTA, Regina Helena. Imposto sobre servios. Tributao de anncios e destaques em lista ou guias

    telefnicos. Inadmissibilidade em face de vedao constitucional. Revista de Direito Tributrio, v. 39, n. 106. In: Imunidades Tributrias Teoria e Anlise da Jurisprudncia do STF. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 57. 8 CARRAZA, Roque Antonio. A imunidade tributria das empresas estatais delegatrias de servios

    pblicos. 1. ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 22-23 (grifo meu).

  • 13

    duplo papel de fixar a competncia tributria e de conferir ao seu destinatrio um direito pblico subjetivo, razo que permite sua caracterizao, no que diz com a outorga de um direito subjetivo como norma jurdica atributiva por conferir ao imune o direito referido9.

    preciso observar a imunidade tributria como um dos principais valores lanados na ordem constitucional valor este que tem o poder de conferir segurana e certeza s relaes jurdicas e aos contribuintes.

    Por fim, possvel conceituar a imunidade tributria como um obstculo criado pelo constituinte para proteger certas pessoas, fatos e situaes do poder legiferante das pessoas polticas de direito constitucional interno.

    2.2 Imunidades condicionadas e incondicionadas

    As imunidades tributrias podem ser classificadas de diversas maneiras e formas, conforme o interesse objetivado pelo cientista do Direito.

    Para o presente estudo, faz-se importante destacar a classificao utilizada pelo professor Paulo Ayres Barreto, o qual divide as imunidades tributrias em duas classes, a saber: as condicionadas e as incondicionadas10.

    A imunidade incondicionada aquela que independe de uma norma infraconstitucional reguladora; ou seja, a carta magna no traz condies, restries ou requisitos para que tal imunidade se aplique. Como exemplo desta, tem-se o art. 150, inc. VI, alneas a, b e d da CF de 1988. So elas: a imunidade recproca, a imunidade dos templos de qualquer culto e a imunidade dos livros, peridicos e de papel destinado a sua impresso.

    A inexistncia de requisitos e condies sobre tais imunidades se faz lgica pelos prprios direitos aos quais estas visam assegurar.

    A imunidade recproca, por exemplo tema do presente estudo , visando a manuteno e a plenitude do pacto federativo, determina que baste ser ente poltico

    9 FERREIRA SOBRINHO, Jos Wilson. Imunidade tributria. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor,

    1996, p. 102. 10

    BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributrias: limitaes constitucionais ao poder de tributar. 2. ed. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 14.

  • 14

    constitucional para que seus patrimnios, rendas e servios no possam ser gravados com impostos.

    Por sua vez, a CF traz em seu rol de limitaes ao poder de tributar, algumas hipteses que, para operarem plenamente, dependem da existncia de uma lei infraconstitucional que as regule: so as imunidades condicionadas encontradas nos arts. 150, VI, alnea c, 195, 7, e art. 5, LXXIV, todos da Carta Magna vigente.

    A ttulo de exemplificao, tem-se, a seguir, o art. 150, VI, c, in verbis: Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: [...] VI - instituir impostos sobre [...] c) patrimnio, renda ou servios dos partidos polticos, inclusive suas fundaes, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituies de educao e de assistncia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; [...].

    Ao examinar tal enunciado prescritivo, possvel observar que a norma de imunidade s ter sua eficcia alcanada mediante a observncia de certas exigncias.

    Conforme destacado anteriormente, a imunidade recproca est no grupo daquelas imunidades ditas incondicionadas. Ou seja, basta o carter subjetivo de ser ente poltico para gozar de tal benesse. Contudo, tal premissa deve ser relativizada ao se tratar das empresas estatais, onde o carter objetivo dever ser observado.

    2.3 Imunidade tributria recproca

    No texto constitucional, distinguem-se vrias espcies diferentes de imunidades, conforme previses expressas do art. 150, VI, da CF de 1988. O presente estudo tem seu foco apenas na hiptese prevista na alnea a do referido artigo, ou seja, apenas na imunidade tributria recproca, in verbis:

    Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: [...] VI - instituir impostos sobre: a) patrimnio, renda ou servios, uns dos outros; [...].

  • 15

    Tal imunidade consiste na no possibilidade de tributao entre as pessoas de direito pblico interno, em razo da forma federativa de Estado adotada pela Carta Magna vigente.

    A imunidade recproca protege o patrimnio, a renda e os servios da Unio, dos Estados e dos Municpios, sendo extensiva s autarquias e s fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, no que concerne ao patrimnio, renda ou servios vinculados s suas finalidades essenciais ou s delas decorrentes (art.150, 2).

    Conforme ser demonstrado ao longo deste estudo, a interpretao a ser dada regra de imunidade tributria recproca deve ser a mais abrangente possvel, visto que seu fundamento mais importante a proteo e manuteno da forma de Estado Federal, por isto sendo considerada clusula ptrea, nos termos do art. 60, 4, IV, da CF de 1988.

    Neste sentido, faz-se pertinente o que preconiza Roque Antonio Carrazza, sobre tal questo:

    Decorre do princpio federativo porque, se uma pessoa poltica pudesse exigir impostos de outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia. Sim, porque, cobrando-lhe impostos, poderia lev-la a situao de grande dificuldade econmica, a ponto de impedi-la de realizar seus objetivos institucionais. Ora, isto a Constituio absolutamente no tolera, tanto que inscreveu nas clusulas ptreas que no ser sequer objeto de deliberao a proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado (art. 60, 4, I)11

    A imunidade tributria recproca no tem por maior finalidade preservar os cofres das pessoas de direito pblico interno, mas sim garantir uma maior isonomia e independncia destas entre si.

    Corroborando com tal entendimento, tem-se o professor Jos Souto Maior Borges, que destaca a importncia das imunidades no ordenamento ptrio:

    Sistematicamente, atravs da imunidade resguardam-se princpios, ideias-fora ou postulados essenciais ao regime poltico. Consequentemente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais um problema do direito constitucional do que um problema de direito tributrio. Analisada sob o prisma do fim, objeto do escopo, a imunidade visa assegurar certos princpios fundamentais ao regime, a incolumidade dos

    11 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributrio. 21. ed. So Paulo: Malheiros,

    2005, p. 689-690.

  • 16

    valores ticos e culturais consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livre das interferncias ou perturbaes da tributao. A imunidade, diversamente do que ocorre com a iseno, no se caracteriza como regra excepcional frente ao princpio da generalidade do tributo12.

    A importncia da imunidade tributria tamanha que, mesmo que parte da doutrina adota o posicionamento de que mesmo que no tivesse sido expressamente prevista no texto constitucional, sua existncia seria inquestionvel quando de uma anlise sistmica do esquema federativo do Estado brasileiro. Neste sentido, coaduna de tal entendimento professores como Paulo de Barros Carvalho, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba13.

    2.4 Os princpios constitucionais administrativos que regem a imunidade recproca

    2.4.1 Os princpios e o ordenamento

    Aps o estudo conceitual sobre as imunidades tributrias, faz-se importante firmar o entendimento de que o legislador constituinte, ao estabelecer a imunidade recproca, o fez embasado nos princpios do pacto federativo e da capacidade econmica.

    Ao iniciar uma anlise principiolgica das imunidades tributrias, preciso analisar o conceito de princpios e sua importncia hermenutica em face do ordenamento jurdico ptrio.

    A conceituao de princpios possui duas grandes correntes, a saber: a primeira, encabeada por Robert Alexy, entende que princpios so mandamentos de otimizao, ou seja, normas que estabelecem que algo seja cumprido na maior medida possvel, de acordo com as possibilidades fticas e jurdicas existentes. So os pontos bsicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do prprio Direito.

    12 BORGES, Jos Souto Maior. Isenes tributrias. 2. ed. So Paulo, 1980, p. 184-185.

    13 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 23. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 240.

  • 17

    Celso Antnio Bandeira de Mello examina exaustivamente o conceito de princpio ao afirmar que o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionali dade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico14

    Contudo, no presente estudo, deve-se entender o termo princpios no como simples ideias passveis de ponderao, mas como normas fundamentais e estruturantes do ordenamento.

    Maria Sylvia Zanella de Di Pietro, citando Jos Cretella Jnior, conceitua que os princpios de uma cincia so as proposies bsicas, fundamentais, tpicas que condicionam todas as estruturaes subsequentes. Princpios, neste sentido, so os alicerces da cincia15.

    Nas palavras de Joel de Menezes Niebuhr: Os princpios so normas de elevada abstrao e generalidade no circunscritos em pressupostos de fato, relacionados historicamente moral e justia, o que a eles confere superioridade normativa, bem como propicia, a descoberta do sentido e da finalidade a ser perseguida na soluo de casos concretos, sistematizando e permitindo a adequao da ordem jurdica dinmica social, mediante a ponderao justificada pelo razovel.16

    Faz-se importante destacar que os princpios podem ser vistos como valores ou como regras. Tal distino, entretanto, deveras complexa e inexiste unanimidade doutrinria acerca do critrio a ser adotado. Buscaremos aqui, firmar a linha doutrinria que servir como premissa para o desenvolvimento.

    Jos Gomes Canotilho sintetiza a questo da seguinte forma: A existncia de regras e princpios, tal como se acaba de expor, permite a decodificao, em termos de um (Alexy:gemassigte Konstitutionnalismus), da estrutura sistmica, isto , possibilita a compreenso da constituio como sistema aberto de regras e princpios. Um modelo ou sistema constitudo exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurdico de limitada racionalidade prtica. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa legalismo do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurdicas. Conseguir-se-ia um , mas no haveria qualquer espao livre para a complementao e o desenvolvimento de um

    14 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. So Paulo: Malheiros, 2009,

    p. 882-883. 15

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. So Paulo: Atlas, 2009, p. 62. 16

    NIEBUHR, Joel de Menezes. Princpio da isonomia na licitao pblica. 1. ed. Santa Catarina: Obra Jurdica, 2000, p. 44.

  • 18

    sistema, como o constitucional, que necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras no permitiria a introduo dos conflitos, das concordncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organizao poltica monodimensional (Zagrebelsky). O modelo ou o sistema baseado exclusivamente em princpios (Alexy: prinzipien Modell des Rechtssystems) levar-nos-ia a uma consequncia tambm inaceitveis. A indeterminao, a inexistncia de regras precisas, a coexistncia de princpios conflituantes, a dependncia do ftico e jurdico, s poderiam conduzir a um sistema falho de segurana jurdica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do prprio sistema. Da a proposta aqui sugerida. Qualquer sistema jurdico carece de regras jurdicas... Contudo, o sistema jurdico necessita de princpios (ou os valores que eles exprimem) [...]17.

    Misabel Derzi trata assim o enquadramento dos princpios no sistema constitucional brasileiro:

    Hoje, o Constitucionalismo v a Constituio como um sistema de normas que aspira a uma unidade de sentido e de compreenso, unidade essa que somente pode ser dada por meio de princpios, continuamente revistos, recompreendidos e reexpressos pelos intrpretes e aplicadores do Texto Magno. Ou seja, a anlise estruturadora sistmica necessariamente aberta, visto que, no raramente, normas e princpios esto em tenso e aparentam conflito. Chamamos tais conflitos e tenses de "aparentes", porque a compreenso profunda da Constituio sempre buscada, sempre descoberta, de forma contnua18.

    Diante do exposto, mostra-se imperiosa a concluso de que o constitucionalismo brasileiro um sistema regido por princpios que compreendem tanto regras quanto valores.

    Os princpios so instrumentos essenciais na hermenutica jurdica, conforme ensina Carlos Ari Sundfeld:

    Na aplicao do Direito, os princpios cumprem duas funes: determinam a adequada interpretao das normas e permitem a colmatao de suas lacunas. Quanto primeira, pode-se dizer que: a) incorreta a interpretao da regra, quando dela deriva contradio, explcita ou velada, com os princpios; b) quando a regra admite logicamente mais de uma interpretao, prevalece a que melhor se afinar com os princpios; c) quando a regra tiver sido redigida de modo tal que resulte interpretao mais extensa ou mais restritiva que o princpio, justifica-se a interpretao extensiva ou restritiva, para calibrar o alcance da regra com o princpio19.

    Aliomar Baleeiro tambm destaca que:

    17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 3. ed. Lisboa: Almedina,

    1999, p. 1088-1089. 18

    BALEEIRO, Aliomar. Limitaes constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e atual. por Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 34. 19

    SUNDFELD, Carlos Ari. Licitao e contrato administrativo. 12. ed. So Paulo: Malheiros, 1999, p.19.

  • 19

    A imunidade recproca responde a dois princpios constitucionais igualmente intangveis, por meio de emenda constitucional: ao princpio federal e o princpio da igualdade (que, no Direito Tributrio, deve ser examinado predominantemente segundo o critrio da capacidade econmica). Quer se examine o tema sob um ngulo o da isonomia poltica dos entes da federao , quer sob outro o da inexistncia da capacidade econmica a imunidade intergovernamental obriga e no pode ser reduzida por modificao posterior que altere o Texto Constitucional originrio. Na Constituio brasileira, a imunidade recproca no se fundamenta em um ou outro, mas ao contrrio, no duplo princpio, no federal e na ausncia de capacidade econmica, ambos limitadores da faculdade de emendar ou de revisar a Carta, prpria do Poder Legislativo derivado20.

    Assim, o sistema legislativo ptrio baseou-se nos referidos princpios, que fundamentam a imunidade recproca. Para a grande maioria dos estudiosos, a maior relevncia direcionada opo pela forma federal de Estado e pela autonomia das pessoas estatais21.

    2.4.2 Princpio federativo

    O federalismo, como forma de Estado, nasceu da constituio norte-americana de 1787. Tal forma de Estado caracteriza-se pela unio de coletividades pblicas dotadas de autonomia poltico-constitucional e autonomia federativa22.

    O pacto federativo, direito fundamental expressamente representado na CF de 1988, em seu art. 1, caput, traz a garantia de que a Repblica Federativa do Brasil ser formada, indissoluvelmente, da unio de seus Estados, Municpios e Distrito Federal (DF).

    A igualdade entre os entes federados deve ser um dos alicerces Estado brasileiro, na medida em que assegura, a todos os Estados, condies iguais, visando garantir a autonomia destes.

    Csar Augusto Mimoso Ruiz Abreu enfatiza a importncia do princpio federativo para o ordenamento jurdico ptrio:

    O Federalismo deve ser erigido categoria de princpio jurdico fundamental de nosso constitucionalismo moderno, tendo em vista que so considerados como tais os princpios historicamente objetivados e progressivamente

    20 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributrio brasileiro. 11. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de

    Janeiro: Forense, 2003, p. 126. 21

    PTSICA, Diogo Nicolau. Imunidade tributria recproca. Aspectos legais e estratgicos a uma gesto oramentria. 1. ed. Santa Catarina: Conceito Editorial, 2009, p. 93. 22

    SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 99.

  • 20

    introduzidos na conscincia jurdica e que encontram uma recepo expressa ou implcita no texto constitucional23.

    Para que o princpio federativo se concretize em sua plenitude, necessrio que se garanta no somente uma autonomia poltica, mas tambm uma autonomia financeira, permitindo que cada Estado-membro goze de verbas prprias para melhor aplicar aos seus interesses locais. Tal autonomia seria inconcebvel com um sistema jurdico-tributrio que permitisse uma tributao recproca dos entes polticos integrantes da Federao, uma vez que, pragmaticamente, os Estados ficariam sob grande controle econmico da Unio.

    Corroborando entendimento, tem-se o exposto por Roque Antonio Carrazza: A Constituio absolutamente no tolera, tanto que inscreveu nas clusulas ptreas que no ser sequer objeto de deliberao a proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado (art. 60, 4, I). Ora, na medida em que nem emenda constitucional pode tender a abolir a forma federativa de Estado, muito menos o poder fazer a lei tributria, exigindo imposto de pessoa poltica24.

    Assim, conclui-se que se no fosse para garantir o princpio federativo, o constituinte no teria impedido a tributao entre os entes polticos e garantido tal princpio como clusula ptrea do ordenamento.

    2.4.3 Princpio da capacidade econmica

    A CF, ao mesmo tempo em que define o federalismo como um dos pilares da Repblica, traz o princpio da capacidade econmica como principal fundamento constituinte da imunidade tributria recproca.

    O Estado, ao intervir na atividade econmica, age com a finalidade de dispor de recursos financeiros suficientes ao cumprimento de suas funes. Ou seja, no h uma busca por lucratividade, mas, apenas, visa um equilbrio econmico entre suas receitas e despesas.

    23 ABREU, Csar Augusto Mimoso Ruiz. Sistema federativo brasileiro: degenerao e reestruturao.

    Florianpolis: Obra Jurdica, 2004, p. 28. 24

    CARRAZA, Roque Antonio. A imunidade tributria das empresas estatais delegatrias de servios pblicos. 1. ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 27.

  • 21

    Com base na referida no lucratividade que o professor Diogo Ptsica fundamenta a extenso de tal imunidade a todas as pessoas de direito pblico, como se segue:

    A ausncia de capacidade econmica o que se constitui no pilar-mestre da imunidade tributria recproca. A se integram, por consequncia, as autarquias pblicas e as empresas de economia missa que igualmente no objetivam lucratividade, embora de sua atividade at possa advir certa lucratividade. Mas esse no o desiderato. Neste ponto do estudo merece destaque o princpio tributrio da igualdade ou da isonomia tributria. Dito princpio, conforme anlise, indiretamente, serve de base imunidade recproca, ao menos, no que diz respeito a sua extenso para todas as pessoas jurdicas de direito pblico. Em rigor, seria uma imensa contradio conceber a descentralizao e a ausncia de capacidade econmica para, simultaneamente, imaginar exerccio de competncias impositivas sobre fatos jurdicos capazes de legitimar imposio tributria de um ente para com o outro. A regulao das relaes financeiras recprocas entre os estados-membros deve ensejar que estes possam livremente executar suas funes. A Unio, de modo algum relega a um segundo plano a sua soberania, haja vista que apenas se cinge dos aspectos administrativo-financeiros25.

    De tais ensinamentos, aufere-se que a extenso da imunidade tributria recproca condio fundamental assegurao da isonomia e da capacidade econmica dos entes federados. A tributao de empresas estatais que no visem lucro o mesmo que tributar-se a prpria prestao do servio pblico.

    Terminada esta primeira anlise sobre o conceito e os princpios aplicveis s imunidades tributrias, passar-se- a uma anlise sobre a natureza jurdica das empresas pblicas e a extenso da imunidade recproca a tais entes.

    2.4.4 Princpio da Legalidade

    A lei, ao mesmo tempo em que define os direitos e garantias individuais, estabelece tambm os limites da atuao administrativa que tenha por objeto a restrio ao exerccio de tais direitos em beneficio da coletividade.

    O principio da legalidade est insculpido nos artigos 5, inciso II, e 37, caput, de nossa Carta Magna.

    Nas relaes privadas, tal princpio caracterizado pela mxima de que "ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de

    25 PTSICA, Diogo Nicolau. Imunidade tributria recproca. Aspectos legais e estratgicos a uma gesto

    oramentria. 1. ed., Santa Catarina: Conceito Editorial, 2009, p. 98.

  • 22

    lei". Contudo, ao estudarmos tal princpio aplico s relaes de Direito Pblico, o princpio da legalidade deve ser interpretado de forma mais restritiva. Podendo tambm ser desenhada por outra mxima presente na doutrina que se exterioriza como: "somente poder ser feito ou deixado de fazer alguma coisa se previsto em lei".

    Quando se aplica o princpio em comento s Empresas Pblicas, este adquire uma importncia ainda maior, tendo em vista que tais pessoas jurdicas tem sua criao vinculada promulgao de uma lei que determinara os motivos e finalidades pelos quais a referida empresa esta sendo criada, bem como dispor, taxativamente, sobre as atividades que devero ser exercidas por tal empresa para melhor atender aos seus princpios criadores.

    Tais atividades devem ser processadas em estrita obedincia ao princpio da legalidade, uma vez que os agentes administrativos so compelidos a agir nos termos das normas que lhes so apresentadas, procedendo conforme a lei e exigindo apenas o que nela for admitido. Impede-se que haja interveno ou a criao de procedimentos estranhos quele anteriormente definido pelo legislador.

    O princpio da legalidade estatui que os sujeitos envolvidos na prestao de servios ditos pblicos devem se vincular aos mandamentos da lei, no podendo destes se desviarem ou se afastarem, observado, tambm, o poder discricionrio eventualmente utilizado pela Administrao Pblica.

    Para o presente estudo, tal princpio tambm deve ser observado sobre a tica tributria, tendo em vista que a concesso de imunidade e a cobrana de determinado tributo tambm esto sempre vinculadas existncia de lei garantidora de tais atos.

    O Sistema Tributrio Nacional, desenhado nos artigos 145 e seguintes da Constituio Federal, estabelece uma extenso ainda maior aplicao do princpio da legalidade quando tratamos de normas tributrias.

    Nos dizeres do professor Diego Pitsica, podemos observar a plenitude que tal principio alcana dentro do Sistema Tributrio:

    Uma simples leitura do texto constitucional basta para verificar que aos Estados e Municpios a estrita legalidade restou absoluta tanto aos impostos quanto a taxas e contribuies de melhoria, enquanto

  • 23

    Unio quatro dos seis impostos vigentes possveis so suas alteraes mediante atos infralegais26.

    Dessa forma, podemos concluir que a aplicao da legalidade a nica forma pela qual a Administrao Pblica pode exigir qualquer ao ou impor sanes a seus administrados.

    2.4.5. Princpio da Supremacia do Interesse Pblico

    Princpio basilar do Direito Administrativo, a supremacia do interesse pblico, como o prprio nome j diz, estabelece que os atos da administrao devam, em todas as suas decises, observar a supremacia do interesse pblico sobre os interesses individuais. Cabendo ao administrador velar pelos interesses da coletividade mesmo que em detrimento de direitos particulares.

    Tal prncipe ir nortear, de igual sorte, a concesso das imunidades tributrias a este ou aquele ente da federao na medida que levar em considerao a atividade desempenhada por tal empresa e o fato de que tal servio, quando adotar as caractersticas de Servio Pblico, deva possuir uma importncia superior aos interesses tributantes do demais entes.

    Di Pietro ao tratar do tema se baseia em Celso Antnio Bandeira de Mello quando escreve:

    Ligado a esse princpio de supremacia do interesse pblico tambm chamado de princpio da finalidade pblica est o da indisponibilidade do interesse pblico que, segundo Celso Antnio Bandeira de Mello (2004:69), significa que sendo interesses qualificados como prprios da coletividade internos ao setor pblico no se encontram livre disposio de quem quer que seja, por inapropriveis. O prprio rgo administrativo que os representa no tem disponibilidade sobre ele, no sentido de que lhe incumbe apenas cur-los o que tambm um dever na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis. Mais alm, diz que as pessoas administrativas no tm portanto disponibilidade sobre os interesses pblicos confiados sua guarda e realizao. Esta disponibilidade est permanentemente retida nas mos do Estado (e de outras pessoas polticas, cada qual na prpria esfera) em sua manifestao legislativa. Por isso, a Administrao e a pessoa administrativa, autarquia tm carter instrumental.27

    26 PTSICA, Diogo Nicolau. Imunidade tributria recproca. Aspectos legais e estratgicos a uma gesto

    oramentria. 1. ed., Santa Catarina: Conceito Editorial, 2009, p. 56. 27

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22. ed. So Paulo: Atlas, 2009, p. 66;

  • 24

    As atividades da administrao so desenvolvidas buscando o interesse e benefcio da coletividade. Mesmo quando o interesse parea ser imediato, o fim deve ser sempre buscando o interesse pblico, sob pena de ferir outros princpios, como o da finalidade.

    Dessa forma, leia-se aqui o principio da Supremacia do Interesse Pblico como a supremacia da continuidade e da prestao de um servio pblico sobre os interesses particulares dos administradores dos demais entes e sobre sua nsia por arrecadar mais recursos.

    Posto isto, deve-se levar em considerao tal principio quando estudamos a possibilidade, ou no, de se tributar Empresas Estatais que nada mais so que entes pertencentes, de forma total ou parcial, ao prprio Estado e exerce atividades como se este fosse.

    2.4.6. Princpio da Segurana Jurdica

    A segurana juridical elemento basilar de todo o ordenamento jurdico. Ele quem garante a certeza de que as relaes jurdicas iro se perpetuar no tempo, dando segurana tanto administrao quanto aos administrados.

    Tal princpio possui seu fundamento no art. 5, XXXVI, da Constituio Federal, e est intimamente ligado confiana que os participantes de relaes jurdicas podem possuir face a alta mutabilidade legislative de nosso ordenamento.

    O professor Paulo de Barros Carvalho enxerga na segurana juridical um valor de fundamental importancia para o Sistema Tributrio Nacional ao definir que o objeto do subsistema constitucional tributrio o de [] atingir o valor supremo da certeza, pela segurana das relaes jurdicas que se estabelecem entre a administrao e os administratados.28

    A importncia atribuda pelo professor tamanha que ele elenca tal princpio ao patamar de sobreprincpio que segundo o professor seria um valor presente no altiplano do ordenamento jurdico que daria embasamento e alicerce para a realizao prtica dos outros princpios.

    28 CARVALHO, Paulo de Barros. Enunciados, Normas e Valores Jurdicos Tributrios, Revista de Direito

    Tributrio n. 69. So Paulo, 2005, p. 89;

  • 25

    Sobre tal princpio e sua aplicao no Direito Administrativo brasileiro, o professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes nos ensina que a Segurana Jridica

    representa garantia para os administrados, em especial, contras mazelas eternas, que situam a administrao em descompaso com o tempo, no que tange ao cumprimento de obrigaes e na prtica de atos que lhe competem". Ainda, para o ministro, este dispositivo "a consagrao, no plano legislativo, do princpio da segurana das relaes jurdicas, h muito reclamado no plano doutrinrio administrativo.29

    Em matria tributria, tal princpio ganha ainda mais destaque. Sendo norte para a aplicao dos outros princpios aplicados a tal disciplina, como: Anterioridade; Legalidade e Anualidade.

    a segurana jurdica que fornece ao contribuinte, quer seja ele pessoa privada, quer seja pessoa pblica, a certeza das obrigaes, direitos e deveres decorrentes das relaes jurdicas por ele praticados.

    2.4.7. Princpio da Impessoalidade

    A impessoalidade estabelece que, a Administrao Pblica, no exerccio de sua atividade, no pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que sempre o interesse pblico que deve nortear seu comportamento. O ato administrativo deve ser elaborado destinando- se ao benefcio de qualquer pessoa, ao atendimento ou ordenao de todos os administrados.

    Este princpio um princpio geral da Administrao Pblica, expressamente previsto no art. 37, caput, da CF/88. Trata-se de um princpio intimamente ligado ao principio da isonomia. Estabelece que o administrador no pode se valer de interesses pessoais para ajudar ou prejudicar qualquer interessado ou at mesmo a sua prpria administrao.

    Citando Jos dos Santos Carvalho Filho: O princpio objetiva a igualdade de tratamento que a Administrao deve dispensar aos administrados que se encontrem em idntica situao jurdica. Nesse ponto, representa uma faceta do principio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade,

    29 JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Tribunais de Contas do Brasil, 2. ed. Belo Horizonte: Frum, 2005,

    p. 579;

  • 26

    deve a Administrao voltar-se exclusivamente para o interesse pblico, e no para o privado, vedando-se, em conseqncia, sejam favorecidos alguns indivduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicao do conhecido principio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matria, segundo o qual o alvo a ser alcanado pela Administrao somente o interesse pblico, e no se alcana o interesse pblico se for perseguido o interesse particular, porquanto haver nesse caso sempre uma atuao discriminatria.30

    De tal forma, pode-se concluir que a interpretao sobre a aplicao da imunidade tributria deve sempre primar por tal princpio, no atribuindo nenhum favorecimento ao ente tributante, de forma que possa vir a prejudicar determinada empresa ou at mesmo a prestao de servio que reflita necessidade de interesse pblico.

    2.4.8. Princpio da Continuidade do servio pblico

    A prestao de servios pblicos dever estatal e direito da populao de maior importncia dentro de nosso ordenamento. De tal sorte foi alavancado categoria de principio constitucional implcito.

    Este princpio entende que o a prestao dos servios pblicos a forma pela qual o Estado desempenha funes essenciais ou necessrias coletividade, no podendo parar. 31

    Tal princpio encontra guarida constitucional em no art. 175 que define que incumbe ao Poder Pblico, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concesso ou permisso, sempre atravs de licitao, a prestao de servios pblicos.

    O professor Jos dos Santos Carvalho Filho nos ensina que: A continuidade dos servios pblicos est intimamente ligada ao princpio da eficincia, hoje expressamente mencionado no art. 37, caput, da CF, por fora de alterao introduzida pela Emenda Constitucional n 19/98, relativa reforma do Estado. Logicamente, um dos aspectos da qualidade dos servios que no sofram soluo de continuidade, prejudicando os usurios.

    30 CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2010, p. 22,23. 31

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22. ed. So Paulo: Atlas, 2009, p. 74;

  • 27

    [...] Na verdade, o princpio em foco guarda estreita pertinncia com o principio da supremacia do interesse pblico. Em ambos se pretende que a coletividade no sofra prejuzos em razo de eventual realce a interesses particulares32

    Dessa forma, tal princpio ter relevncia direta quando abordado o tema da extenso da imunidade tributria recproca s Empresas Pblicas e Sociedades de Economia Mista.

    Uma vez que a atividade prestada por essas pode ser considerada servio pblico, a tributao de tal atividade pode vir a acarretar nus que ensejariam em uma maior dificuldade na prestao dos servios e at mesmo na sua paralisao.

    32 CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2010, p. 37,38.

  • 28

    3. EMPRESAS PBLICAS E SERVIO PBLICO

    3.1 As Empresas Estatais Empresas Pblicas e Sociedades de Economia Mista

    Para uma anlise sobre a extenso da imunidade tributria, faz-se importante fixar as premissas sobre as quais se enquadram o conceito de empresa pblica e de sociedade de economia mista, bem como conhecer a forma como estas funcionam.

    As empresas pblicas, assim como as sociedades de economia mista, so espcies do gnero empresas estatais, ou seja, so empresas componentes da Administrao Indireta, nas quais o controle acionrio pertence ao Estado.

    A natureza jurdica das empresas pblicas de pessoa jurdica de Direito Privado; contudo, esta constituda por capital exclusivamente pblico, enquanto as sociedades de economia mista tem capital majoritariamente pblico, possuindo como scios minoritrios pessoas de direito privado.

    Tais assertivas tem fundamento positivo no diploma normativo que trata do conceito legal de empresa pblica: o Decreto-Lei n. 200/1967. Este traz em seu art. 5 a seguinte definio, in verbis:

    Art. 5 Para os fins desta lei, considera-se: [...] II - Empresa Pblica - a entidade dotada de personalidade jurdica de direito privado, com patrimnio prprio e capital exclusivo da Unio, criado por lei para a explorao de atividade econmica que o Governo seja levado a exercer por fra de contingncia ou de convenincia administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

    Conforme o exposto, tal definio legal no se apresenta como condio suficiente para a conceituao e diferenciao de empresas pblicas e sociedades de economia mista. Para tanto, fundamental a contribuio da cincia do Direito por meio da doutrina para um maior exaurimento do tema.

    Neste sentido, Hely Lopes Meirelles assim define empresa pblica: [...] o que caracteriza a empresa pblica seu capital exclusivamente pblico, de uma ou de vrias entidades, mas sempre capital pblico. Sua personalidade de Direito Privado e suas atividades se regem pelos preceitos comerciais. uma empresa, mas uma empresa estatal por excelncia, constituda, organizada e controlada pelo poder pblico33.

    33 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 34. ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 364.

  • 29

    O professor Jos dos Santos Carvalho Filho conceitua as empresas pblicas da seguinte forma:

    Empresas pblicas so pessoas jurdicas de direito privado, integrantes da Administrao Indireta do Estado, criadas por autorizao legal, sob qualquer forma jurdica adequada a sua natureza, para que o Governo exera atividades gerais de carter econmico ou, em certas situaes, execute a prestao de servios pblicos34.

    J as Sociedades de Economia Mista so assim definidas por aquele autor: Sociedade de economia mista so pessoas jurdicas de direito privado, integrantes da Administrao Indireta do Estado, criadas por autorizao legal, sob a forma de sociedades de annimas, cujo controle acionrio pertena ao Poder Pblico, tendo por objetivo, como regra, a explorao de atividades gerais de carter econmico e, em algumas ocasies, a prestao de servios pblicos35.

    Mostra-se imperativo destacar que tais empresas devem, por determinao constitucional, ser criadas por autorizao legal, bem como ter sua rea de atuao bem definida por meio de Lei Complementar, conforme se segue:

    Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: [...] XIX - somente por lei especfica poder ser criada autarquia e autorizada a instituio de empresa pblica, de sociedade de economia mista e de fundao, cabendo lei complementar, neste ltimo caso, definir as reas de sua atuao; [...].

    Com efeito, h de se destacar que ambos os tipos de empresas estatais, apesar do nome, possuem personalidade jurdica e esto sujeitos ao regime jurdico das pessoas de direito privado; tem ainda por finalidade a prestao de servio pblico, adotando, assim, um carter jurdico publicista, ou a explorao de atividade econmica nos casos expressamente previstos na lei maior, ou seja, relevante interesse coletivo ou imperativo de segurana nacional.

    Como decorrncia do tipo de atividade que exercem, as empresas pblicas, quando da ao de atividade econmica, no podero gozar de privilgios fiscais

    34 CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2010, p. 537. 35

    Idem.

  • 30

    no extensivos s empresas do setor privado, nos termos do art. 173, 2, da Constituio Federal (CF) de 1988, ficando, assim, incuo tratar aqui da imunidade tributria recproca aplicada a tais empresas.

    A polmica nasce no que tange outra categoria: a das empresas prestadoras de servios pblicos, tendo em vista que fazem um papel de longa manus do Estado ao exercerem atividades que a este competem.

    3.2 Conceituando Servio Pblico

    At o presente momento, o trabalho vem encaminhando ao encontro da premissa de que o carter subjetivo da Empresa Pblica no basta, por si s, concesso da imunidade recproca, bem como ao direito no tributao de tal pessoas por outros entes do Estado.

    Para tal beness, seria necessrio tambm a presena de um elemento subjetivo, qual seja o exerccio de uma atividade que justifique o gozo de tal imunidade e de forma a se coadunar com os princpios acima esposados, em especial o Princpio Federativo.

    Tal elemento objetivo seria exatamente o da prestao de servio pblico. Dessa forma, abrimos o presente tpico para tentar expor o conceito que

    adotaremos sobre tema to controverso e debatido em nossa doutrina e jurisprudncia.

    A fim de auferir se a atividade desempenhada realmente caracterizada como servio pblico, faz-se mister um aprofundamento sobre a semntica de tais vocbulos e quais servios so por ela englobados.

    Algumas atividades so to importantes e indispensveis sociedade que o constituinte atribuiu ao Estado, sobre uma disciplina de Direito Pblico, o dever de prest-las ou garantir sua efetiva prestao por meio de delegatrios. Entende-se, ento, tais atividades como sendo o servio pblico36.

    O professor Celso Antonio Bandeira de Mello define o servio pblico da seguinte forma:

    36 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. So Paulo: Malheiros

    Editores, 2001, p. 599.

  • 31

    Servio pblico a atividade consistente na oferta de utilidade ou comodidade material fruvel singularmente pelos administrados que o Estado assume como pertinente a seus deveres em face da coletividade e cujo desempenho entende que deva se efetuar sob o regime jurdico de direito pblico, isto , outorgador de prerrogativas capazes de assegurar a preponderncia do interesse residente no servio e de imposies necessrias para proteg-lo contra condutas comissivas ou omissivas de terceiros ou dele prprio gravosas a direitos ou interesses dos administrados em geral e dos usurios do servio em particular37.

    Maria Sylvia Zanella di Pietro define servio publico como [...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exera diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob-regime jurdico total ou parcialmente publico38.

    Alexandre Santos de Arago, por sua vez, destaca o seguinte conceito constitucional de servio pblico:

    [...] servios pblicos so as atividades de prestao de utilidades econmicas a indivduos determinados, colocados pela Constituio ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatrios, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade39.

    Diante do exposto, destaca-se aqui o carter positivista de tais conceitos. Como a definio de servio pblico muito vaga e varia consideravelmente com o tempo, os autores supracitados atribuem Lei e CF a definio das atividades que se enquadrariam ou no em tal conceito.

    Com efeito, para o presente estudo, adotou-se o conceito de servio pblico como a atividade prestada pelo Estado, ou por quem lhe faa as vezes, sob regime jurdico de direito pblico, visando suprir as necessidades essenciais da sociedade.

    37 Ibid. Servio pblico: conceito e caractersticas. In: Biblioteca Juridica Virtual del Instituto de

    Investigaciones Juridicas de la UNAM. Disponvel em: . Acesso em: 10 fev. 2013. 38

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. So Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 90. 39

    ARAGO, Alexandre Santos de. Direito dos servios pblicos. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 157.

  • 32

    4 A IMUNIDADE RECPROCA APLICADA S EMPRESAS PBLICAS

    4.1 As empresas pblicas delegatrias de servio pblico

    At o presente ponto, construiu-se o posicionamento no qual para que as empresas estatais gozem do benefcio da imunidade tributria no basta o carter subjetivo de tal instituto, ou seja, ser pessoa pblica ou ter sua titularidade atrelada a um ente pblico, mas tambm necessrio a presena de um elemento subjetivo a prestao de Servio Pblico.

    O professor Roque Antonio Carraza assim preconiza sobre o referido tema: As empresas estatais, quando delegatrias de servios pblicos e que, portanto, no exploram atividades econmicas -, no se sujeitam tributao por meio de impostos justamente porque so a longa manus das pessoas polticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos pblicos a alcanar. A circunstncia de serem revestidas da natureza de empresa pblica ou de sociedade de economia mista no lhes retira a condio de pessoas administrativas, que agem em nome do Estado, para a consecuo do bem comum40.

    Neste sentido, quando uma empresa pblica encontra-se no exerccio de sua funo tpica, no deve ser tributada, uma vez que sua atividade exatamente a prestao de um servio pblico que, por causa de uma discricionariedade administrativa, lhe foi delegada.

    Faz-se importante destacar que a criao de uma empresa pblica, bem como as atividades que estas exercero, so definidas por Lei, de forma vinculada. Assim, uma vez que do instrumento legal extrai-se uma norma que determina a prestao de um servio pblico, tal estatal se ver obrigada a cumpri-la.

    certo que para auferir se as empresas pblicas tero ou no acesso imunidade recproca, no se pode apenas observar seu carter subjetivo. No basta ser uma estatal para gozar da aludida imunidade.

    Conforme preceitua o art. 173, 2, da CF de 1988, quando o Estado, por meio de empresas pblicas ou de sociedades de economia mista, intervm no

    40 CARRAZA, Roque Antonio. A imunidade tributria das empresas estatais delegatrias de servios

    pblicos. 1. ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 38.

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    campo reservado livre iniciativa, dever sujeitar-se ao regime jurdico-tributrio aplicvel s empresas privadas, de forma a garantir a livre concorrncia.

    Entretanto, tal norma constitucional no deve ser aplicada quando o servio prestado tenha natureza de servio pblico. Neste sentido, o princpio protegido pelo art. 173 no estar sendo atingido, uma vez que cabe ao prprio Estado, sem concorrncia com o setor privado, prest-lo de maneira privativa e eficaz.

    Estender a tributao aos casos de servios pblicos seria criar bices que apenas onerariam em maior grau os entes federados.

    Neste sentido, continuamos a citar o professor Roque Antonio Carraza: Sendo, porm, delegatrias de servios pblicos, as empresas pblicas ou sociedades de economia mista, por no concorrerem com as empresas privadas, no se submetem aos ditames do precitado art. 173. De fato, de nossa convico que as sociedades de economia mista e as empresas pblicas, enquanto delegatrias de servios pblicos, so instrumentos do Estado e, neste sentido, a ele se equiparam. Por fora de lei, atuam em setor prprio do Estado, desempenhando atividades que as empresas privadas jamais assumiriam, a no ser que por ele contratadas, sob a forma de concesso ou permisso. Podemos proclamar, pois, que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas pblicas, pelas atribuies delegadas de Poder Pblico que exercitam, so, to s quanto forma, pessoas de Direito Privado. Quanto ao fundo, so instrumentos do Estado, para a prestao de servios pblicos. Na medida em que criadas pela lei, com a especfica finalidade de lev-los adiante, acabam fazendo as vezes das autarquias, embora damo-nos pressa em proclamar com elas no se confundam41.

    Dessa forma, vai ganhando contorno a diferenciao existente entre s empresas pblicas e sociedades de economia prestadoras de servio pblico e s que atuam na explorao direta de qualquer atividade econmica por motivos de imperativo de segurana nacional ou relevante interesse coletivo.

    4.2 A extenso da imunidade tributria recproca s empresas pblicas e sociedades de economia mista

    Firmadas as premissas tributrias e administrativas que aliceram a construo do problema objeto do presente estudo, passa-se, a seguir, anlise final do problema: pode a imunidade tributria recproca ser estendida s empresas estatais?

    41 CARRAZA, Roque Antonio. A imunidade tributria das empresas estatais delegatrias de servios

    pblicos. 1. ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 40,41.

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    O art. 150, 2 da Constituio Federal determina que a imunidade tributria recproca extensiva s autarquias e s fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, no que se refere ao patrimnio, renda e aos servios, vinculados a suas finalidades essenciais ou s delas decorrentes.

    Partindo de uma interpretao mais literal, pode-se entender que a constituio foi taxativa quanto s hipteses de exteno de tal imunidade. Entretando, se faz necessria uma abordagem mais sistmica para auferir a hermenutica mais correta.

    A imunidade recproca um instituto de carter subjetivo, ou seja, basta ser pessoa pblica de direito interno para gozar de tal benefcio. Contudo, ao tratar-se da possibilidade de beneficiar pessoas de direito privado, mesmo que de propriedade exclusiva ou majoritria de entes da Federao, no possvel ater-se apenas a tal aspecto.

    Uma anlise sobre tal extenso, necessariamente, tem que passar por uma breve anlise sobre o papel do Estado na prestao dos servios pblicos.

    Nesse sentido, citamos o professor Ives Gandra da Silva Martins, citado no livro do professor Diogo Pitsica:

    Tentar estudar a entidade jurdica do tributo, apenas sob o aspecto formal, sem o exame de toda a problemtica e de todos os componentes que determinaram a sua necessidade exigencial, procurar construir um avio sem ter necessidade de estudar elementos exteriores engenharia e prprios da natureza como o vento, a atmosfera, a lei da gravidade, a fora dos combustveis, as leis da velocidade, as intempries, os materiais das pistas e todo um complexo de elementos pertinentes informao necessria para sua construo42.

    Sem nos aprofundarmos na teoria poltica sobre o papel do Estado na sociedade e se o Brasil seria um estado liberal, de bem estar social ou outro modelo cientfico, nos limitamos a destacar que a Constituio Federal, bem como definiu a competncia de cada ente da federao para executar servios pblicos (art. 22 da CRFB/88), tambm definiu as competncias tributrias de cada ente para poderem arrecadar receita para custear tais servios.

    42 PTSICA, Diogo Nicolau. Imunidade tributria recproca. Aspectos legais e estratgicos a uma gesto

    oramentria. 1. ed., Santa Catarina: Conceito Editorial, 2009, p. 193.

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    O sistema constitucional ptrio prev que as empresas estatais podero ser criadas para exercer duas finalidades, a saber: a prestao de servios pblicos de forma descentralizada ou a atividade econmica em setores tidos por estratgicos para o Estado.

    A precisa definio da atividade exercida pela empresa estatal se mostra essencial na definio sobre a extenso ou no da imunidade recproca quela pessoa jurdica.

    O constituinte trouxe em seus arts. 1, inc. IV, e 170, o princpio da livre iniciativa com princpio fundamental da ordem econmica, de forma que os entes federados apenas podem criar pessoas jurdicas de direito privado para atuar em atividades que se caracterizem por terem relao com a segurana nacional ou com um relevante interesse coletivo, conforme se pode extrair do art. 173 da Carta Magna.

    Visando garantir a livre iniciativa, o constituinte foi atento ao estabelecer no art. 173, 2, que as empresas pblicas e sociedades de economia mista no podero gozar de privilgios fiscais no extensivos s do setor privado. Assim, por meio de uma interpretao sistmica, extrai-se que se tais empresas no gozam de imunidades ao explorarem algum tipo de atividade econmica, de forma a garantir a livre concorrncia.

    Significa dizer que quando as empresas estatais estiverem exercendo outra atividade, como a prestao de servios pblicos, gozaro de privilgios fiscais, em razo da prpria atividade que est sendo executada.

    Demonstra-se desproporcional e irrazovel exigir-se tributos de todas as empresas pblicas e sociedades de economia mista, independentemente do tipo de atividade que exeram.

    A criao de uma empresa estatal, bem como as atividades as quais exercer, definida por ditames prprios, de forma vinculada, e, uma vez definida sua atividade como a prestao de um servio pblico, tal empresa se ver obrigada a cumpri-la.

    Quando uma empresa estatal realiza um servio pblico, faz o papel de longa manus do Estado, ao exercer qualquer tipo de atividade que a este compete

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    atividade esta que lhe foi delegada por causa de uma discricionariedade administrativa sobre sua prestao.

    Ou seja, uma vez que a Empresa Estatal, seja ela pblica ou sociedade de economia mista, est desempenhando uma atividade que primordialmente seria desempenhada pelo prprio ente da administrao direta que a criou, por motivos de descentralizao, ela nada mais faz do que as vezes de tal ente, quer seja Municpio, Estado ou a prpria Unio.

    Se um servio pblico, compete ao Estado prest-lo, podendo custe-lo de duas maneiras: (i) com dinheiro existente nos prprios cofres pblicos, proveniente da arrecadao no vinculada, como no caso dos impostos; (ii) com dinheiro do prprio usurio daquele servio, que o custear por meio de taxa ou tarifa, individualizada, referende ao servio gozado.

    No se demonstra razovel que o prprio Estado que deveria estar arcando integralmente ou subsidiando aquele servio torne-o ainda mais oneroso populao por meio da tributao da pessoa intermediria que o est prestando.

    Dispensado um conhecimento financeiro mais aprofundado para se saber que, ao se tributar o prestador de servio pblico, quem estar arcando com o nus desta tributao ser novamente o consumidor final. Ou seja, aquele que j arcou por tal servio por meio genrico, imposto ou especfico, taxa ou tarifa.

    Demos por exemplo o caso emblemtico da prestao do servio de transporte pblico.

    Partimos da premissa de que inquestionvel que o transporte intramunicipal servio pblico de competncia do municpio.

    Este, por sua vez, poder prestar tal servio de trs maneiras distintas: (i) de forma direta, criando rgo responsvel por tal servio; (ii) de forma indireta por meio da criao de uma Empresa Estatal responsvel por sua execuo, quer seja empresa pblica quer seja sociedade de economia mista; (iii) por meio de concesso passando a obrigao a empresa particular que ser remunerada por meio das tarifas arrecadas com as passagens.

    No momento que o prprio municpio passa a cobrar o Imposto sobre Servios de Qualquer Natureza ISS sobre o custo da passagem e que o estado

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    passe a cobrar ICMS sobre o combustvel est na verdade tributando a prestao de um servio pblico que deveria estar sendo arcado pelo prprio municpio.

    Fica claro que a imunidade tributria deva ser estendida para as empresas pblicas e para as sociedades de economia mista que porventura venham a ser criadas exclusivamente para desempenhar tal atividade.

    Destaca-se que embora a atividade possa at vir a ser rentvel, o lucro no sua finalidade. A Empresa nada mais faz do que as vezes do municpio ao prestar tal servio.

    Entendimento que justifica, tambm a possibilidade da tributao quando a prestao se d por meio de concessionrio.

    Este empresrio no foi criado por lei, com atividades e motivaes vinculadas para a prestao do servio pblico. Ele est sim visando um ramo de negcio rentvel e que poder lhe trazer lucros, devendo ser tributado como qualquer atividade.

    A extenso da imunidade tributria recproca, portanto pressupe a existncia de dois elementos: (i) Elemento subjetivo, ser Empresa Pblica, logo com capital exclusivamente pblico, ou ser Sociedade de Economia Mista, possuindo capital e controle societrio majoritariamente pblico; (ii) Elemento objetivo, desempenhar atividade no lugar da administrao direta. Atividade esta que se enquadre no conceito de Servio Pblico supra estudado.

    Dessa forma, podemos auferir que a nica forma de garantir a isonomia entre os entes federados e a efetiva prestao dos servios pblicos aplicas a Imunidade Tributria Recproca s Empresas Estatais

    4.3 Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal

    A seguir, tem-se uma anlise do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando defrontado com o tema imunidade tributria recproca das empresas pblicas e sociedades de economia mista.

    de suma importncia ressaltar que o presente estudo no ir e nem tem a pretenso de esgotar todos os julgados e pontos de vista adotados pelo STF ao

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    longo dos ltimos anos, mas sim, tentar delinear o posicionamento majoritrio que vem sendo seguido para soluo das lides ali apresentadas.

    Durante muitos anos, o Supremo Tribunal Federal foi acionado para dar a correta interpretao constitucional extenso da imunidade recproca s empresas pblicas, em especial, Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos (EBCT), principal parte dos processos.

    O primeiro julgado emblemtico sobre o tema ocorreu em junho de 2004, quando a EBCT buscou o benefcio da imunidade recproca, sob o argumento de que seria empresa prestadora de servios pblicos, e no exerceria atividade econmica, razo pela qual se enquadrava em tal benesse posicionamento ento acolhido pela corte, como se segue:

    EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONMICA E EMPRESA PBLICA PRESTADORA DE SERVIO PBLICO: DISTINO. I. - As empresas pblicas prestadoras de servio pblico distinguem-se das que exercem atividade econmica. A Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos prestadora de servio pblico de prestao obrigatria e exclusiva do Estado, motivo por que est abrangida pela imunidade tributria recproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido (RE 407.099/RS, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, J. em 22/06/2004).

    Em tal julgado, o Ministro Carlos Velloso acolheu a tese que leva em conta a atividade prioritria praticada pela empresa pblica, concedendo a imunidade tributria EBCT no caso concreto.

    Aqui foi o incio da corrente que passa a considerar a existncia de dois critrios necessrios interpretao extensiva do princpio das imunidades tributrias recprocas s empresas estatais.

    Por se considerada prestadora de servio pblico de prestao obrigatria e exclusiva do Estado, o relator entendeu que a Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos goza de tal imunidade.

    No ano seguinte, em 2005, a egrgia corte adotou o entendimento de que a EBCT exercia servio pblico, vez que sua atividade estaria expressamente prevista no art. 21, X, da CF de 1988, de forma que a imunidade tributria recproca se impunha como forma de preservao do princpio federativo, in verbis:

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    EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETNCIA. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AO CVEL ORIGINRIA. ART. 102, I, "F", DA CONSTITUIO DO BRASIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELGRAFOS - EBCT. EMPRESA PBLICA. PRESTAO DE SERVIO POSTAL E CORREIO AREO NACIONAL. SERVIO PBLICO. ART. 21, X, DA CONSTITUIO DO BRASIL. 1. A prestao do servio postal consubstancia servio pblico [art. 175 da CB/88]. A Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos uma empresa pblica, entidade da Administrao Indireta da Unio, como tal tendo sido criada pelo decreto-lei n 509, de 10 de maro de 1969. 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou, quando do julgamento do RE 220.906, Relator o Ministro MAURCIO CORRA, DJ 14.11.2002, vista do disposto no artigo 6o do decreto-lei n 509/69, que a Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos "pessoa jurdica equiparada Fazenda Pblica, que explora servio de competncia da Unio (CF, artigo 21, X)". 3. Impossibilidade de tributao de bens pblicos federais por Estado-membro, em razo da garantia constitucional de imunidade recproca. 4. O fato jurdico que deu ensejo causa a tributao de bem pblico federal. A imunidade recproca, por sua vez, assenta-se basicamente no princpio da Federao. Configurado conflito federativo entre empresa pblica que presta servio pblico de competncia da Unio e Estado-membro, competente o Supremo Tribunal Federal para o julgamento da ao cvel originria, nos termos do disposto no artigo 102, I, "f", da Constituio. 5. Questo de ordem que se resolve pelo reconhecimento da competncia do Supremo Tribunal Federal para julgamento da ao (ACO 765 QO, rel. min. Marco Aurlio, Pleno, J. em 01/06/2005).

    Firmando seu entendimento no art. 150, VI, alnea a e pargrafos 2 e 3, da CF de 198843, o STF teve a oportunidade de consolidar definitivamente a aplicao da imunidade recproca, adotando a imunidade tributria tanto em carter subjetivo, ser pessoa pblica de direito interno, quanto em carter objetivo, em relao s empresas pblicas, de prestarem servio exclusivamente pblico sem concorrncia com a livre iniciativa.

    Em julgado recente, proposto pela Companhia Docas do Estado de So Paulo (CODESP), o Ministro Marco Aurlio estabeleceu os critrios que devem ser preenchidos para o benefcio da imunidade recproca pelas empresas estatais, estendendo tal benesse tambm s sociedades de economia mista, como se segue:

    EMENTA: TRIBUTRIO. IMUNIDADE RECPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIES PARA APLICABILIDADE DA PROTEO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAO PORTURIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE

    43 Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao

    Distrito Federal e aos Municpios: VI - instituir impostos sobre: a) patrimnio, renda ou servios, uns dos outros; 2 - A vedao do inciso VI, a, extensiva s autarquias e s fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, no que se refere ao patrimnio, renda e aos servios, vinculados a suas finalidades essenciais ou s delas decorrentes; 3 - As vedaes do inciso VI, a, e do pargrafo anterior no se aplicam ao patrimnio, renda e aos servios, relacionados com explorao de atividades econmicas regidas pelas normas aplicveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestao ou pagamento de preos ou tarifas pelo usurio, nem exonera o promitente comprador da obrigao de pagar imposto relativamente ao bem imvel.

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    SO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980. 1. IMUNIDADE RECPROCA. CARACTERIZAO. Segundo teste proposto pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributria recproca (art. 150, VI, a da Constituio) deve passar por trs estgios, sem prejuzo do atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade tributria recproca se aplica propriedade, bens e servios utilizados na satisfao dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributao poderia colocar em risco a respectiva autonomia poltica. Em consequncia, incorreto ler a clusula de imunizao de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condies de contratar em circunstncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Atividades de explorao econmica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimnio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas tributao, por apresentarem-se como manifestaes de riqueza e deixarem a salvo a autonomia poltica. 1.3. A desonerao no deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princpios da livre-concorrncia e do exerccio de atividade profissional ou econmica lcita. Em princpio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vcios prprios do mercado e da administrao, sem que a interveno do Estado seja favor preponderante. 2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAO DE SERVIOS DE ADMINISTRAO PORTURIA. CONTROLE ACIONRIO MAJORITRIO DA UNIO. AUSNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILBRIO CONCORRENCIAL E LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende dos autos, a Codesp instrumentalidade estatal, pois: 2.1. Em uma srie de precedentes, esta Corte reconheceu que a explorao dos portos martimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como servio pblico. 2.2. O controle acionrio da Codesp pertence em sua quase totalidade Unio (99,97%). Falta da indicao de que a atividade da pessoa jurdica satisfaa primordialmente interesse de acmulo patrimonial pblico ou privado. 2.3. No h indicao de risco de quebra do equilbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovao de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuao. 3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que cabe autoridade fiscal indicar com preciso se a destinao concreta dada ao imvel atende ao interesse pblico primrio ou gerao de receita de interesse particular ou privado. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se d parcial provimento (RE 253.472 - SP, rel. min. Marco Aurlio, Tribunal Pleno, j. em 25/08/2010).

    Neste julgado o Ministro Marco Aurlio firmou o entendimento de que a extenso da imunidade tributria recproca para as Empresas Pblicas e Sociedades de Economia Mista deve passar por trs estgios de interpretao do caso concreto, de forma a garantir a real funo do instituto.

    Primeiramente, dispe que a imunidade tributria aplica-se propriedade do ente federado de forma a ser utilizada para a satisfao dos objetivos institucionais a ele iminentes, de forma a garantir sua autonomia poltica.

    Passada a anlise de tal estgio, deve-se passar para a observncia da atividade que est sendo executada. Se seriam servios pblicos, como j mencionado, ou se atividade de explorao econmica destinada ao acrscimo

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    patrimonial. Neste caso, devendo submeter-se tributao tendo em vista no ter relao com sua autonomia poltica.

    Por fim, o Ministro destaca a observncia dos princpios da livre-concorrncia e do livre exerccio de atividade econmica e profissional. Casos em que no se vislumbraria a atividade de servio pblico devendo-se submeter-se a igual condio que os particulares que prestarem atividade semelhante.

    Neste sentido, extrai-se que o STF tem adotado premissas similares s expostas no presente estudo para definir se uma empresa pblica ou sociedade de economia mista devem ou no, no caso concreto, gozar do benefcio da imunidade tributria recproca quando da realizao de suas atividades predominantemente pblicas.

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    5 CONCLUSO

    A presente pesquisa tentou tratar, de forma mais detalhada, do conceito de imunidade tributria recproca, a forma como esta aplicada, quais os critrios necessrios para sua utilizao e quais as pessoas que dela se beneficiam.

    Para tal, iniciou-se o presente trabalho buscando firmar as premissas jurdicas nas quais as concluses se aliceraram.

    No primeiro captulo do desenvolvimento buscamos trabalhar da noo de competncia tributria e a forma que esta deve ser aplicada em nosso ordenamento, passando, posteriormente para a conceituao de imunidade tributria, que serviram de fundao para tais concluses.

    Inicialmente, adotamos como conceito de competncia tributria, aquele nos passado pelo professor Roque Antonio Carraza de que competncia tributria seria a aptido jurdica para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipteses de incidncia, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de clculo e suas alquotas.

    Destacamos que quando falamos em competncia tributria para legislar sobre limitaes constitucionais ao poder de tributar, devemos ressaltar que tal competncia foi expressamente delegada Lei Complementar, conforme preceituado no art. 146, II da CF.

    Tal modalidade legislativa foi escolhida justamente pelo conhecimento que o constituinte tem da fria fiscal dos entes polticos em buscar cada vez mais formas de aumentar sua arrecadao.

    Definida competncia, passamos a trabalhar o conceito de imunidade em nosso sistema constitucional.

    As imunidades so o resultado de regras positivas e negativas que a delineiam e demarcam. Ou seja, as imunidades nascem juntamente com as regras de competncia a concluso lgica da interpretao do mbito de competncias legislativas.

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    Outra caracterstica intrnseca das imunidades de que estas representam uma garantia fundamental do contribuinte de sofrer tributao sobre determinada pessoa, fato ou objeto.

    A imunidade tributria um dos principais valores lanados na ordem constitucional valor este que tem o poder de conferir segurana e certeza s relaes jurdicas e aos contribuintes.

    Conclumos, portanto, que a imunidade tributria uma limitao constitucional ao poder de tributar. o valor lanado na Carta Magna que tem o poder de conferir segurana e certeza s relaes jurdicas e aos contribuintes; ou seja, a referida imunidade um obstculo criado pelo constituinte para proteger certas pessoas, fatos e situaes do poder legiferante das pessoas polticas de direito constitucional interno.

    Fixadas tais premissas, passamos a trabalhar mais especificamente a espcie de imunidade objeto do presente trabalho: Imunidade Tributria Recproca.

    A imunidade tributria recproca consiste na no possibilidade de tributao entre as pessoas de direito pblico interno, em razo da forma federativa de Estado adotada pela Constituio Federal (CF) de 1988. Tem por finalidade a proteo do patrimnio, a renda e os servios da Unio, dos Estados e dos Municpios.

    Tal imunidade tem como principal fundamento a proteo e manuteno da forma de Estado federal, na medida em que assegura, a todos os Estados, condies iguais, visando garantir a autonomia destes.

    Para que o princpio federativo se concretize em sua plenitude, faz-se necessrio que se garanta no s uma autonomia poltica, mas tambm financeira permitindo que cada Estado-membro goze de verbas prprias para melhor aplicar aos seus interesses locais. Tal autonomia seria inconcebvel por meio de um sistema jurdico-tributrio que permitisse uma tributao recproca dos entes polticos integrantes da Federao, uma vez que pragmaticamente os Estados ficariam sob grande controle econmico da Unio.

    Por tal razo, a imunidade recproca foi alada condio de clusula ptrea, nos termos do art. 60, 4, IV, da CF de 1988.

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    Por conseguinte, a sua no aplicao, de forma injustificada, acaba por acarretar a violao tanto dos princpios apresentados no primeiro captulo da presente pesquisa como da prpria CF.

    Aps a devida discusso sobre os conceitos de imunidade tributria, imunidade tributria recproca e sobre os princpios aplicveis a tais institutos jurdicos, encerramos o primeiro captulo do presente trabalho e demos continuidade, no captulo seguinte, mudando o foco de forma a melhor alicerarmos as concluses obtidas ao final.

    Durante o terceiro captulo, o trabalho ganha um cunho mais administrativista e menos tributarista. Por se tratar de tema comum a ambas as matrias, passamos a conceituar e diferenciar os institutos das empresas pblicas e das sociedades de economia mista.

    De forma direta, seguimos a doutrina majoritria, conceituando empresas pblicas como pessoas jurdicas de direito privado, integrantes da Administrao Indireta e criadas por meio de autorizao legislativa, podendo exercer tanto o papel de instrumento do Estado no exerccio de atividades econmicas de relevante interesse pblico ou que tratem de imperativos de segurana nacional como exercerem a prestao de servios pblicos.

    Por sua vez, as Sociedades de Economia Mista foram definidas como pessoas jurdicas de direito privado, tambm integrantes da Administrao Indireta, criadas por autorizao judicial, devendo ter regime de sociedade annima e que seu controle acionrio seja majoritariamente pertencente ao Poder Pblico. Tais sociedades, via de regra teriam o papel de exercer atividades econmicas, em iguais condies com os particulares, mas, tambm, poderiam ser criadas para a prestao de servios pblicos.

    Destacadas as duas formas de atuao das Empresas Estatais, exerccio de atividade econmica e prestao de servio pblico, continuamos o terceiro captulo tentando fixar o conceito de servio pblico que seria adotado para o presente trabalho.

    Fixadas tais premissas, podemos passar s concluses finais do trabalho, abordando a possibilidade da extenso da imunidade tributria recproca s

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    Empresas Pblicas e Sociedades de Economia Mista e quais os pressupostos necessrios para tal extenso.

    O constituinte adotou a imunidade tributria recproca como regra geral para no tributao entre os entes federados, razo pela qual as hipteses em que esta pode ser afastada devem ser interpretadas de forma restritiva e taxativa, de modo a no ferir a finalidade da norma constitucional, bem como todos os princpios que a norma encerra.

    No que tange ampliao de tal imunidade s empresas pblicas e sociedade de economia mista, observou-se que a utilizao de um critrio subjetivo para a definio dos casos de imunidade recproca, por si s, no suficiente para garantir a correta aplicao dos preceitos constitucionais. O critrio objetivo da prestao de servio pblico fundamental para determinar se as tais estatais tm ou no direito a gozar de tal benesse.

    Conforme demonstrado no decorrer do ltimo captulo, seria desproporcional e irrazovel exigir-se tributos de todas as empresas pblicas e sociedades de economia mista, independentemente do tipo de atividade que exeram.

    A criao de uma empresa estatal, bem como as atividades as quais exercer, so definidas por ditame prprio, de forma vinculada, e, uma vez definida sua atividade como a prestao de um servio pblico, t