monografia - umbanda preto velho

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  • 7/21/2019 Monografia - Umbanda Preto Velho

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    CURSO DE PS-GRADUAO EM

    CINCIAS DA RELIGIO

    UMBANDA DE PRETOS-VELHOS:

    A tradio popular de uma religio

    ETIENE SALES DE OLIVEIRA

    Niteri, Julho de 2005

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    ETIENE SALES DE OLIVEIRA

    UMBANDA DE PRETOS-VELHOS:

    TRADIO POPULAR DE UMA RELIGIO

    Dissertao apresentada Coordenao de ps-

    graduao e pesquisa em Cincias da Religio,

    do curso de ps-graduao em Cincias da

    Religio da UNILASALLE-RJ.

    Orientador: Prof. Dr. Marcos Caldas

    Certificado de registro na Biblioteca Nacional sob o

    nmero 349.406, Livro: 644, Folha: 66.

    Esta obra tem todos os direitos reservados ao seu autor.

    Niteri

    2005

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    ETIENE SALES DE OLIVEIRA

    UMBANDA DE PRETOS-VELHOS:

    A tradio popular de uma religio

    Dissertao defendida em

    BANCA EXAMINADORA:

    __________________________________________

    Profa. Dra. Beatriz Dias

    __________________________________________

    Prof. Dr. Marcelo Timotheo

    __________________________________________

    Prof. Dr. Marcos Caldas

    UNILASALLE-RJ

    2005

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    DEDICATRIA

    minha esposa Vernica que tanto me

    incentivou e estimulou.

    minha me de Santo, Sra. Maria tala,

    Me Nenm, pelos seus conselhos e

    orientaes; pela sua coragem em me dar

    um pouco de seus conhecimentos e por

    ser a grande figura humana que ela .

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    AGRADECIMENTOS

    A Pai Cipriano, por suas orientaes e

    pacincia.

    Ao Sr. Marab, por seu incentivo e ajuda.

    Vov Maria Conga, pela sua confiana e

    seu carinho.

    Aos meus Pais, pelo sacrifcio de me

    educarem e por seu amor.

    Me Edite e Me Regina e a todos osmeus irmos de Santo do CESJB, por sua

    amizade e carinho.

    Ao meu orientador, o Prof. Dr. Marcos

    Caldas, pelo seu apoio, tranqilidade e

    confiana.

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    RESUMO

    Este trabalho foi uma tentativa de mostrar um pouco da ramificao da religio de

    Umbanda chamada Umbanda de pretos-velhos, praticada no Centro Esprita So

    Joo Batista. Uma casa de Umbanda com suas razes no Candombl de Caboclo e

    no Culto Omolok (das antigas casas de Macumba do Rio de Janeiro), mas que

    tambm recebeu influncias do Catolicismo Popular e do Espiritismo Popular

    brasileiro.

    Tambm mostramos com a Umbanda se desenvolveu de maneira heterognea

    dentro e fora do culto afro-brasileiro no sincretismo, e o quanto importante

    conhecer suas ramificaes e o que praticado dentro delas. Cada casa, cada

    ramificao da Umbanda um pequeno universo religioso com seus ritos, sua

    doutrina, seus fundamentos e prticas e tudo isso tem um grande valor cultural, uma

    cultura religiosa, muito grande.

    PALAVRAS CHAVEReligio, Umbanda, pretos-velhos, catolicismo popular, espiritismo popular,

    sincretismo.

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    ABSTRACT

    This work was an attempt to show a little of the ramification of the religion of

    Umbanda called Umbanda de pretos-velhos, practised in the Centro Esprita So

    Joo Batista. One house of Umbanda with his roots in the Candombl of Caboclo

    and the Omolok Cult (of the old houses of Macumba of Rio de Janeiro), but that

    also received influences from the Popular Catholicism and the Brazilian Popular

    Spiritualism. Also we show with the Umbanda developed of heterogeneous way

    inside and outside of the afro-brasilian worship in the syncretism, and the as much as

    one is important know its ramifications and what is practiced inside them. Each

    house, each ramification of the Umbanda is a small religious universe with his rites,

    its doctrine, his foundations and practical and everything that has a big cultural value,

    a big a lot, religious culture.

    KEY WORDS

    Religion, Umbanda, pretos-velhos, popular Catholicism, popular Spiritualism,syncretism.

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    Lista de figuras

    Figura 01 Estrutura das dependncias do CESJB -------------------------------

    Figura 02 Pontos Riscados de pretos-velhos -------------------------------------

    Figura 03 Pontos Riscados de Caboclos -------------------------------------------

    Figura 04 Pontos Riscados de Exus ------------------------------------------------

    Figura 05 Roupa feminina --------------------------------------------------------------

    Figura 06 Roupa masculina -----------------------------------------------------------

    Figura 07 Colar de Xang --------------------------------------------------------------

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    SUMRIO

    INTRODUO ------------------------------------------------------------------------------

    O CIENTISTA E O RELIGIOSO ------------------------------------------------------

    O OBJETO E O MTODO -------------------------------------------------------------

    CAPTULO 1 - O INCIO DA FORMAO DOS CULTOS AFRO-

    BRASILEIROS: DO CANDOMBL PR-UMBANDA ---------------------------

    1.1 DA FRICA PARA O BRASIL --------------------------------------------------------

    1.2 A PRESERVAO DE UMA CULTURA RELIGIOSA: O CANDOMBL --

    1.3 O SINCRETISMO AFRO-CATLICO: SOBREVIVNCIA DE UMA

    HERANA ANCESTRAL? ------------------------------------------------------------------

    1.4 A CABULA ---------------------------------------------------------------------------------

    1.5 AS MACUMBAS CARIOCAS ---------------------------------------------------------

    1.6 O CANDOMBL DE CABOCLO -----------------------------------------------------

    1.7 E OS BABALORIXS VIERAM PARA O RIO DE JANEIRO -----------------

    CAPTULO 2 ZLIO FERNANDINO DE MORAES: A

    INSTITUCIONALIZAO DO NOME UMBANDA COMO FORMA DE

    CULTO RELIGIOSO -------------------------------------------------------------------------

    2.1 HISTRICO -------------------------------------------------------------------------------

    CAPTULO 3 O AFRO E O BRASILEIRO -------------------------------------------

    3.1 JOOZINHO DA GOMIA ------------------------------------------------------------

    3.2 O OMOLOK: HARMONIA ENTRE GUIAS E ORIXS -----------------------

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    CAPTULO 4 A UMBANDA: UM CONJUNTO RELIGIOSO ---------------------

    4.1 PRINCIPAIS INGREDIENTES -------------------------------------------------------

    4.2 UM NOME, VRIAS DENOMINAES -------------------------------------------

    4.3 AS INFLUNCIAS DO CATOLICISMO POPULAR -----------------------------

    4.4 AS INFLUNCIAS DO ESPIRITISMO POPULAR ------------------------------

    CAPTULO 5 O CESJB (CENTRO ESPRITA SO JOO BATISTA): UMA

    CASA DE UMBANDA DE PRETOS-VELHOS ----------------------------------------

    5.1 O BABALORIX NILTON VIANNA E PAI DANGOLA -------------------------

    5.2 DONA NENM E VOV MARIA CONGA -----------------------------------------

    5.3 DONA EDITE E DONA REGINA -----------------------------------------------------

    CAPTULO 6 A MORTE E A TRADIO --------------------------------------------

    6.1 O FIM DE UM CICLO E UM NOVO INCIO ---------------------------------------

    CAPTULO 7 - A ESTRUTURA DA UMBANDA DE PRETOS-VELHOS -------

    7.1 ARQUITETURA DO CESJB ----------------------------------------------------------

    7.2 AS CARACTERSTICAS ---------------------------------------------------------------

    7.3 OS ORIXS E OS GUIAS -------------------------------------------------------------

    7.3.1 OS ORIXS -----------------------------------------------------------------------------

    7.3.2 OS GUIAS -------------------------------------------------------------------------------

    7.3.2.1 OS TIPOS -----------------------------------------------------------------------------

    7.4 LINHAS E FALANGES -----------------------------------------------------------------

    7.5 HIERARQUIA DO CULTO -------------------------------------------------------------

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    7.6 OS ELEMENTOS LITRGICOS E RITUAIS -------------------------------------

    7.6.1 O INCIO DAS SESSES: O PRINCPIO DO MOVIMENTO ------------

    7.6.1.1 VELAS NO CRUZEIRO -----------------------------------------------------------

    7.6.1.2 A DEFUMAO E CRUZAMENTO DO TERREIRO: SAUDAO

    AO GONG, AOS SACERDOTES E A TODOS OS MDIUNS ------------------

    7.6.1.3 SAUDAO AO LDER ESPIRITUAL DO TERREIRO -------------------

    7.6.1.4 O ZELAMENTO ---------------------------------------------------------------------

    7.6.1.5 LOUVOR AO ORIX PATRONO DA CASA ---------------------------------

    7.6.1.6 PRECE E LOUVAO A OXAL ----------------------------------------------

    7.6.1.7 RETIRADA DAS DEMANDAS DO TERREIRO -----------------------------

    7.6.1.8 SAUDAO AO EXU DONO DA TRONQUEIRA --------------------------

    7.6.1.9 SAUDAO AOS ORIXS, OXOSSI, OGUM E XANG ----------------

    7.6.1.10 LOUVAO E DESCIDA DE SAUDAO DOS PRETOS-VELHOS

    AO TERREIRO --------------------------------------------------------------------------------

    7.6.1.11 AS GIRAS ---------------------------------------------------------------------------

    7.6.2 O FIM DAS SESSES: O RITO DE ENCERRAMENTO -------------------

    7.6.2.1 OS PRETOS-VELHOS DESCARREGAM O TERREIRO ----------------

    7.6.2.2 RITUAL DE ENCERRAMENTO DOS TRABALHOS ----------------------

    7.6.3 ELEMENTOS ACESSRIOS ------------------------------------------------------

    7.6.3.1 AS SAUDAES -------------------------------------------------------------------

    7.6.3.2 ATABAQUES ------------------------------------------------------------------------

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    7.6.3.3 PONTOS CANTADOS ------------------------------------------------------------

    7.6.3.4 PONTOS RISCADOS -------------------------------------------------------------

    7.6.3.5 AS ROUPAS -------------------------------------------------------------------------

    7.6.3.6 AS GUIAS (COLARES) -----------------------------------------------------------

    7.6.4 COMEMORAES/FESTAS ------------------------------------------------------

    7.6.5 OS RITOS DE RESPONSABILIDADE -------------------------------------------

    7.6.5.1 BATISMO -----------------------------------------------------------------------------

    7.6.5.2 A INICIAO -------------------------------------------------------------------------

    7.6.5.3 OFERENDAS E OBRIGAES ------------------------------------------------

    7.6.5.4 CAMARINHA: A FEITURA DE UM NOVO SACERDOTE --------------

    CAPTULO 8 PERPETUAR A TRADIO ------------------------------------------

    8.1 DESAFIOS DE UM NOVO TEMPO: TRADIO E MODERNIDADE ------

    CAPTULO 9 CONCLUSO -------------------------------------------------------------

    BIBLIOGRAFIA --------------------------------------------------------------------------------

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    INTRODUO

    O CIENTISTA E O RELIGIOSO

    Quando comecei meus estudos sobre religies me debrucei, inicialmente, sobre as

    religies Afro-brasileiras. Isto aconteceu por vrios motivos e, um desses motivos,

    foi o de eu ser um Umbandista praticante que procurava entender mais

    profundamente minha religio. Foram mais de 10 anos de estudo sem vnculos

    acadmicos at que em 2004, decidi fazer o curso ps-graduao de Cincias da

    Religio da Unilasalle-RJ.

    O curso me permitiu comparar e ampliar meus conhecimentos, visto que muito do

    que eu j havia pesquisado de forma leiga e independente serviu de pano de

    fundo para me ajudar no curso.

    Quando decidi pelo tema da monografia do final do curso de Cincias da Religio,

    que foi o de falar de minha vivncia dentro do Centro Esprita So Joo Batista e de

    sua forma doutrinria de umbanda que a Umbanda de Pretos-velhos, muitas

    dvidas eu tive, pois no queria externalizar meus sentimentos religiosos, mas sim,

    ser objetivo e analtico, unindo minha experincia como mdium de um terreiro de

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    Umbanda e o conhecimento que havia adquirido no Curso de Cincias da Religio.

    Para isso muito me serviram os clssicos da Sociologia como Durkheim e Max

    Weber e a utilizao de uma espcie de atesmo metodolgico que permitiu

    distinguir claramente as abordagens filosficas e cientficas, de um lado, e as

    religiosas e teolgicas, de outro. E esta foi, de alguma forma, a maneira que

    encontrei de presidir a separao entre sentimento e razo, e, por sua vez, fazer

    uma anlise objetiva do tema proposto para a monografia, luz das Cincias da

    Religio.

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    O OBJETO E O MTODO

    [...] as religies afro-brasileiras foram sempre vistas como umfenmeno de sincretismo religioso no qual se encontravam traosafricanos associados a traos catlicos. A esse sincretismo inicial foiacrescentada a mistura de traos do espiritismo kardecista comtraos indgenas. O prprio nome genrico que foi escolhido paradenomin-las expressa essa viso de uma religio sincretizada. Afro,pois tinham traos africanos. Brasileiras, pois apresentavam traoscatlicos, espritas e indgenas.

    [...] esses traos foram associados a um maior ou menor grau dedesenvolvimento ou de evoluo cultural. Assim, os traos de origemafricana foram colocados no vrtice mais baixo da evoluo cultural,seguidos dos traos indgenas e dos traos catlicos assimilados deforma primitiva. No vrtice mais elevado dessa evoluo culturalcolocavam-se os traos espritas.

    [...] por serem religies classificadas como primitivas, fetichistas emgicas, elas estariam, frente a outras religies, num estgio inferiorda evoluo cultural. Os primeiros autores que procuraram dar umaabordagem cientfica a esse tipo de estudo colocaram esseprimitivismo associado ao fato de serem religies de negros,transplantadas para o Brasil na poca da escravido. Sendo seusmembros negros, suas crenas deveriam ser condizentes com oestgio primitivo e por que no "inferior" dessa raa. Mais tarde,com o aprimoramento das abordagens cientficas, o primitivismo foiassociado s camadas baixas da populao brasileira que, com fortecontingente negro, adotavam essas religies por no terem aindaalcanado estgios mais altos da evoluo cultural, a civilizao:

    mais recentemente, um outro tipo de associao foi feito. Essestraos foram associados a uma maior ou menor adaptao ao meiode vida urbano. Aparece assim uma nova oposio rural-urbano, oplo rural associado a traos primitivos, emocionais, no-racionais eo plo urbano associado a traos mais civilizados, no-emocionais,racionais. Dessa forma, os traos africanos estariam no plo maisrural, primitivo, emocional, no-racional, enquanto os traos espritasseriam mais compatveis com um estilo de vida urbano, racional,civilizado, no-emocional.

    [...] dessa linha foi desenvolvida uma classificao desses cultos, aqual seguia o mesmo raciocnio evolucionista. Assim, teramos naBahia o candombl, com forte influncia africana. No Rio, So Pauloe estados do Sul, teramos a macumba, ainda prxima de suas

    origens africanas, e a umbanda, na qual predominam ascaractersticas espritas. A Bahia era vista como plo maistradicional, sendo uma sociedade menos urbanizada. Rio e SoPaulo, como plo mais moderno e urbanizado.

    [...] Os autores procuravam, de incio, os traos, depois verificavamsua origem e chegavam finalmente explicao do presente. Ouseja, se existisse maior nmero de traos africanos, o culto erasituado no plo mais primitivo, fetichista, limpo e aristocrtico: Africa est longe, os africanos so estrangeiros e isso lhes confereum outro status. Nesse sentido, na obra de dison Carneiro

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    (Carneiro, 1948 e 1964), embora contendo esses mesmospressupostos, mencionado o carter nacional dos cultos, a suanacionalizao, o que uma perspectiva menos comprometida.

    [...] esses autores buscavam a explicao dos traos na suaorigem, no conseguiram dar conta do prprio objeto que sepropunham a analisar, ou seja, o fenmeno do sincretismo. Numprimeiro momento, viam os rituais sendo compostos de traos,pedaos, smbolos. No entanto, buscavam na frica a explicaodesses pedaos. No perceberam que a relao entre essas partes que d sentido ao todo. Assim, no importava saber qual osignificado de exu* na frica. Importava verificar o significado que lheera dado pelas pessoas que praticavam esses rituais no Brasil e quala relao entre esse trao - exu - e os demais.

    [...] havia ainda uma outra problemtica que preocupava os autores,qual seja, o fato de essas religies terem surgido nos centrosurbanos e suas ramificaes no meio rural serem muito menos ricas.Por que no meio urbano uma religio fetichista? Alguns autores

    responderam que, por serem os membros desses cultos de origemrural, estariam tentando recriar no meio urbano os laos primriosnele perdidos. Mas, ainda assim, o problema no se resolvia e apodemos encontrar um dos tipos de contradio dessa perspectivaevolucionista e de busca de africanismos.

    (MAGGIE, 2001, p. 13 -16)

    No decorrer do texto da citao acima, a professora Maggie, em seu livro Guerra

    dos Orixs, continua dizendo que no est interessada no sincretismo, na origem,

    no primitivismo ou fetichismo das religies afro-descendentes. Eu tambm no

    estou, pois no me cabe interpretar a religio de Umbanda, ou interpretar a corrente

    doutrinria da Umbanda de Pretos-velhos que atua dentro do Centro Esprita So

    Joo Batista. Como cientista da religio, me cabe analisar, relatar, mostrar, traar

    analogias dentro das teorias da sociologia, da antropologia, da psicologia, da

    fenomenologia, da histria e da teologia, entre outras, que teceram estudos sobre as

    religies (sociologia, antropologia, psicologia, histria..., como ferramentas para as

    cincias da religio). Nenhuma delas conseguiu teorizar ou explicar o fenmeno

    religioso em seu todo ou em seus porqus sem olhar, inicialmente, para si mesma,

    assim a sociologia v a religio em aspectos sociais e das relaes sociais; a

    antropologia, pelas questes da cultura, dos ritos e smbolos; a psicologia, de um

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    lado como psicopatia, de outro, pelas formas arqutipas, o numinoso, o que d

    suporte s estruturas do ego...

    Parti por uma viso do fenmeno religioso de uma perspectiva que ora abrange a

    sociologia, ora abrange a antropologia, ora a psicologia..., ora a teologia (mtodo

    fenomenolgico, com proposta crtica, relacionando o fenmeno e a sua essncia).

    Sem focar mais em uma ou em outras destas cincias ferramentais, mas sim,

    medindo o fenmeno religioso e associando-o ao que mais seja adequado a cada

    uma delas, e dentro dele mesmo como um todo (que o todo foi o objeto pesquisado).

    A metodologia utilizada na monografia foi anlise bibliogrfica sobre os cultos afro-

    brasileiros, o mtodo fenomenolgico (j descrito acima) e o trabalho de campo com

    entrevistas e observando os mdiuns, guias espirituais e consulentes dentro das

    sesses de trabalho. Em termos quantitativos, fiz apenas uma enquete com os

    mdiuns da casa de maneira individual (um a um).

    O objeto de estudo foi a linha doutrinria de Umbanda praticada no Centro Esprita

    So Joo Batista - CESJB, denominada Umbanda de Pretos-velhos (visto aabrangncia e atuao marcante dessas entidades dentro dessa casa); fundado em

    1945, com sede prpria, que conta com um corpo sacerdotal de quatro pessoas

    (uma Me de Santo1- dirigente da casa -, a Sra. Maria tala, que tem 80 anos de

    idade; duas Mes-pequenas2, as Sras. Edite Santos, com 60 anos de idade, e

    Regina Lcia, com 50 anos de idade, e o Pai de Santo, Etiene Sales, com 38 anos

    de idade). A casa conta ainda com 45 mdiuns (filhos de santo), e uma assistncia3

    flutuante de cerca de 150 a 200 pessoas/ms. A anlise da Umbanda praticada no

    1Me de santo a dirigente espiritual, sacerdotisa, de um terreiro.2Me-pequena a segunda pessoa no comando de um terreiro, aps a Me de santo.3Assistncia Tanto designa um local de espera dentro do terreiro, como as pessoas que aguardam nesse local

    para serem consultadas pelos guias durante as giras.

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    CESJB foi feita abrangendo um perodo de tempo de 12 anos, desde agosto de

    1992 a dezembro de 2004.

    Cabe ressaltar que o tema maior da pesquisa que a religio de Umbanda

    vastssimo, um grande oceano ainda a ser desbravado, em que vimos apenas uma

    de suas ramificaes doutrinrias, a Umbanda de Pretos-velhos. Dentro desse

    grande oceano, eu apenas tracei uma pequena rota, sem pretenses de abranger na

    totalidade o assunto, mas de dar apenas uma pequena contribuio.

    Ao Centro Esprita So Joo Batista espero ter contribudo para melhor visualizar a

    sua forma doutrinria dentro da religio de Umbanda, mesmo sabendo que a leitura

    do trabalho acadmico s vezes prolixa e entediante.

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    CAPTULO 1 - O INCIO DA FORMAO DOS CULTOSAFRO-BRASILEIROS

    1.1 DA FRICA PARA O BRASIL

    Os primeiros escravos que chegaram ao Brasil vieram da regio da Guin

    Portuguesa e foram distribudos pelas reas dos canaviais da Bahia e de

    Pernambuco, alm de outros Estados. Os negros utilizados nessas culturas de cana

    de acar foram os de lngua Banto, originrios de Angola e do Congo. Para a rea

    da minerao foram os negros oriundos do litoral da Costa de Mina - os Nags, os

    Gges e outros.

    Os negros africanos trouxeram consigo uma grande bagagem mstica, diversificada

    em varias tendncias. Nina Rodrigues (1945) coloca, no entanto, que os cultos que

    aqui se estabeleceram e se organizaram tiveram como principal modelo a religio

    dos nags que originaram os Candombls Nag-Ketu-Gge. A inacessibilidade da

    mensagem catlica fez com que se apegassem as suas origens religiosas. O

    exclusivismo nag, asseverado por Nina Rodrigues (1945), sofre restries por parte

    de outros autores, devido constatao da relevncia, at hoje, de elementos

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    religiosos de outras razes, como, por exemplo, os oriundos do Congo e Angola

    (cultura Banta). Por outro lado, ocorreu desde o fim do trfico negreiro, um

    acentuado processo de nacionalizao dos cultos. A gradativa introduo de novos

    esteretipos contribui cada vez mais para a diversificao em varias seitas, e destas

    em vrios subtipos. Edson Carneiro (1981) tem uma colocao especfica sobre o

    tema. Para ele, a manuteno da diversificao das religies dos negros foi

    incentivada por certas autoridades do sculo XIX. J que o nico falar de desunio

    entre os negros era a diferena religiosa, un-los neste sentido seria fortalec-los.

    1.2 A PRESERVAO DE UMA CULTURA RELIGIOSA:

    O CANDOMBL

    A primitiva localizao dos escravos no territrio brasileiro sofreu modificaes por

    fora do desenvolvimento histrico, tanto econmico como poltico. Fatores como a

    guerra contra os holandeses, os quilombos, as insurreies dos negros e as

    revolues independncia provocaram enorme disperso dos negros e difuso de

    sua cultura. Os ciclos econmicos, principalmente, demandando mais braos para

    novas regies, possibilitaram o intercambio lingsticos, sexuais e religiosos entre

    escravos e os indgenas brasileiros. Mas, para Nina Rodrigues (1945), prevaleceu a

    religio dos nags (cultura Yorub), tomada como padro pelas demais religies

    afro-brasileiras. Estas podiam, ento, ser distinguidas segundo o maior ou menor

    grau de absoro de elementos nacionais (sincretismo cultural e religioso com os

    indgenas brasileiros). A proeminncia da contribuio Nag, segundo colocada

    por Nina Rodrigues (1945), advm de sua posio social originaria, na frica, e de

    sua constituio, aqui, numa espcie de elite que se impunha. Sua localizao

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    inicialmente na Bahia e Pernambuco fez com que estas regies se tornassem plos

    de irradiao do modelo nag para o Nordeste e Centro-Sul. Entretanto, as

    caractersticas sociais, geogrficas e econmicas de Minas, Rio e So Paulo

    colocaram impasses a imposio de tal modelo (estas regies receberam negros

    originrios de Angola, do Congo, de Moambique, de Cambinda, com cultura Banta

    e de lngua e dialetos Quimbundo, diferenciando-se da cultura Nag, tanto em

    relao s divindades, Inkices4- similares aos Orixs5Nags, quanto no culto aos

    antepassados - no utilizado dentro da cultura Nag). A massa escrava destes

    centros vinculava-se a formas de expresses religiosas vincadas na regio h mais

    de cem anos. importante notar o que diz Edson Carneiro (1981), que verificar

    que todos os cultos ou quase todos funcionaram no quadro urbano, com pequenas

    excees no quadro rural. Isto porque, no quadro rural o escravo no podia manter o

    culto organizado. Para isso ele precisava de dinheiro e liberdade, e isto ele s viria a

    ter nos centros urbanos. assim que eles fundaram na primeira metade do sculo

    XVIII as Irmandades do Rosrio e de So Benedito sob a orientao dos seussenhores. Foi enfrentando um perodo de represso que se estendeu at 1822,

    quando ocorre fundao do Candombl de Engenho Velho, na Bahia (1830) -

    inicio da fase do culto organizado.

    4Inkices so divindades africanas cultuadas pelos povos originrios de Angola, do Congo etc.5Orixs so divindades africanas cultuadas pelos povos originrios do que conhecemos hoje como Nigria,

    Benin etc.

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    1.3 O SINCRETISMO AFRO-CATLICO: SOBREVIVNCIA DE UMA

    HERANA ANCESTRAL?

    Diversos autores falaram sobre o sincretismo religioso afro-brasileiro ao longo do

    tempo. Cada um deles verificou o fenmeno do sincretismo por vrios ngulos,

    elaborando vrias teorias e conceitos a respeito desse tema.

    Vamos expor alguns autores e identific-los pelas suas caractersticas conceituais:

    Raimundo Nina Rodrigues(*1862 - +1906).

    Identificava o fenmeno do sincretismo religioso como fuso e dualidade de

    crenas, justaposio de exterioridades e de idias religiosas, associao,

    adaptao e equivalncia de divindades, iluso da catequese e outros.

    Ele aceitou, sem discutir, a perspectiva evolucionistae racista de sua poca,

    empregando conceitos e pontos de vistas hoje superados, como o de inferioridade

    cultural e racial. Dentro dessa perspectiva, via no negro a incapacidade fsica "das

    raas inferiores para as elevadas abstraes do monotesmo". Encarava a cultura

    afro, do negro e do mestio, como algo inferior, pois o negro e o mestio, para ele,

    eram raas inferiores e intelectualmente fracas. Alm disso, ou por isso, fez

    previses em relao aos cultos afros do tipo:

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    [...] dizia ser considervel o nmero de brancos, mulatos eindivduos de todas as cores que, em caso de necessidade, voconsultar os negros feiticeiros, mesmo quando em pblico zombamdeles, e por isso no ser para muito cedo a extino dos cultosafricanos na Bahia. Disse que no s o culto catlico, como tambm

    as prticas espritas e a cartomancia receberam na Bahia influnciasdo fetichismo negro (RODRIGUES apud FERRETTI, 1995, p. 43).

    interessante notar que, para um povo considerado to inferior ao branco, sua

    influncia na cultura brasileira tenha sido algo to marcante e importante. Se

    realmente o negro e o mestio fossem inferiores aos brancos, como Nina

    Rodrigues e seus contemporneos creditavam, sua influncia no teria sido to

    grande como foi.

    Arthur Ramos(*1903 - +1949)

    considerado divulgador e continuador da obra de Nina Rodrigues, mas tambm fez

    apreciao crtica de sua obra. Disse ele que:

    Nina Rodrigues foi o pioneiro no estudo do mecanismo que os modernos

    antroplogos passaram a denominar de aculturao, em captulo onde examina o

    essencial do que depois retomaramos com o nome de 'sincretismo religioso' entre

    os negros brasileiros (RAMOS apud FERRETTI, 1995, p. 44).

    Arthur Ramos foi o primeiro pesquisador no Brasil a analisar o fenmeno do

    sincretismo sob a tica da teoria culturalista. Sobre essa tica disse ele:

    0 que Nina Rodrigues julgou como sendo uma justaposio no negro e uma fuso

    no crioulo e mulato, no so mais do que etapas do processo de aculturao, graus

    de sincretismo, pela maior ou menor percentagem de aceitao, por um grupo

    religioso, dos traos culturais de outro grupo (RAMOS apud FERRETI, 1995, p. 44).

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    Ele chama de sincretismo o que Nina Rodrigues chamou de "iluso da catequese" e

    Fernando Ortiz de "aparente catolizao dos negros".

    Roger Bastide (*1898 - + 1974)

    Roger Bastide foi um dos autores que mais escreveu sobre o sincretismo afro-

    brasileiro. Considerava que no existe uma religio afro-brasileira, mas sim vrias.

    Em seu entendimento, no sincretismo dos orixs com os santos catlicos, h

    inicialmente uma interpretao sociolgica - o catolicismo um meio de disfarce -

    a iluso da catequese de que falou Nina Rodrigues.

    Sua segunda interpretao seria psicanaltica - trata-se da projeo de um complexo

    de inferioridade desenvolvido no negro pela escravido, pois a religio do branco faz

    parte de uma cultura considerada superior.

    Aproximou-se de Durkheim, Mauss e Lvy-Bruhl, passando a raciocinar sobre o que

    ir chamar de princpio de ciso para compreender o sincretismo afro-brasileiro.

    Como informa:"a prpria palavra sincretismo que me induzira ao erro. Eu procuravaum fenmeno de fuso ou pelo menos de penetrao de crenas, desimbiose cultural, uma espcie de qumica dos sentimentos msticos.Mas o pensamento do negro se move num outro plano, o dasparticipaes, das analogias, das correspondncias" (BASTIDE,apud FERRETTI, 1995, p. 55).

    Bastide v o sincretismo afro-brasileiro como um sistema de equivalncias

    funcionais, de analogias e de participaes.

    O pensamento primitivo para esse autor analgico, isto , vai do semelhante ao

    semelhante. O universo para o primitivo estaria dividido em certo nmero de

    compartimentos estanques e as participaes se fariam no interior dessas divises e

    no de uma diviso a outra. O sincretismo deixa transparecer resduos desta

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    maneira de pensar. No se trata de mistura ou identificaes, o que seria um

    verdadeiro sincretismo, mas de semelhanas, equivalncias e no identificaes

    (por exemplo, entre orixs e santos). Trata-se de um jogo de analogias.

    O princpio da ciso de Bastide pode ser exemplificado no seguinte:

    Quando um membro do candombl afirma seu catolicismo, nomente, pois ao mesmo tempo catlico e fetichista. As duas coisasno so opostas, mas separadas - a lei de analogias que age.Assim, o corte ou ciso constatado ao se verificar que nos templosde candombl h um altar catlico e um peji africano, que se podemcorresponder, mas no se identificam, pois desempenham papisdiferentes. Um informante lhe diz que rezando ladainhas no misturanada de africano e que em outros momentos celebra festas africanase no mistura nada de catlico (FERRETTI, 1995, p. 57).

    O princpio de ciso lhe parece como uma caracterstica dos fenmenos

    aculturativos, agindo sobre tudo nas famlias ligadas ao candombl, nas classes

    baixas da sociedade, onde a influncia da escola permanece confinada a alguns

    anos da primeira infncia e nas comunidades onde os preconceitos de cor so

    mnimos.

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    Renato Ortiz(*1947 - )

    Estudou o embranquecimento das tradies afro-brasileiras e o empretecimento do

    Espiritismo6kardecista, relacionados com transformaes na sociedade, pois,

    segundo ele o cosmos religioso umbandista reproduz as contradies da sociedade

    brasileira. Para Ortiz, na sociedade urbano-industrial, a umbanda mais funcional do

    que o candombl, cujo culto demasiadamente dispendioso, antevendo uma

    6Espiritismo O Espiritismo, segundo os Espritas, uma cincia que trata do mundo dos espritos e sua relao

    com o mundo corporal. Codificada na Frana, por Hippolyte Leon Denisard Rivail ou Allan Kardec, que nasceuem Lyon em 03/10/1804 e morreu em 1869.

    A codificao Esprita constituda por 5 livros: O Livro dos Espritos, 1857; O Livro dos Mdiuns, 1861; O

    Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864; O Cu e o Inferno, 1865; A Gnese, 1868.

    Segundo os Espritas, o Espiritismo uma cincia que tem por embasamento uma lgica filosfica. O que o

    diferencia das cincias comumente aceitas seu carter abrangente, utilizando-se de todos os princpios

    cientficos comprovados na explicao do universo e proporcionando uma finalidade moral.

    A Doutrina Esprita baseia-se em seis princpios fundamentais:

    I - Existncia de Deus: H um Deus, inteligncia suprema e causa primria de todas as coisas;

    II - Existncia e imortalidade da alma: Os espritos so constitudos de alma (ou princpio inteligente) mais

    perisprito (corpo feito de matria mais sutil, invisvel aos nossos olhos, que serve para identificao da alma e de

    intermedirio entre ela e o corpo humano, durante a encarnao). O esprito anima o corpo humano e sobrevive

    morte deste.

    III - Evoluo Infinita: Finalidade da reencarnao e objetivo dos espritos.

    IV - Pluralidade das existncias: O homem vive mais de uma vez, como encarnado (Reencarnao).

    V - Pluralidade dos mundos habitados: Existem outros planetas que abrigam seres vivos, alm da Terra.

    VI - Comunicabilidade e Mediunidade: a possibilidade de comunicao entre encarnados e desencarnados,

    atravs de mdiuns.

    Outros princpios correlatos aos primeiros seriam:

    Lei de causa e efeito; Livre-arbtrio; Cultivo das virtudes; Justia, amor e caridade; Moral evanglica ou crist,

    dentro de uma perspectiva Esprita; Amor ao prximo; Fraternidade e solidariedade; Fora da caridade no h

    salvao;F racional.O espiritismo no Brasil comeou em Salvador (BA) em 1873. A partir de 1877, foram fundadas as primeiras

    comunidades espritas, como a Congregao Anjo Ismael, o Grupo Esprita Caridade e o Grupo Esprita

    Fraternidade. Em 1883, surgiu O Reformador, a mais antiga publicao esprita do Brasil, e no ano seguinte

    Augusto Elias da Silva fundou a Federao Esprita Brasileira, que adquiriu grande projeo na gesto de Adolfo

    Bezerra de Meneses Cavalcante, a partir de 1895. A Livraria da Federao, criada em 1897, responsvel pela

    edio, distribuio e divulgao da vasta literatura esprita. Ao lado da difuso da doutrina, as organizaes

    espritas brasileiras realizam um amplo trabalho de assistncia social e fraternidade humana, com manuteno

    de asilos e outras instituies.

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    expanso da umbanda em detrimento do candombl e considerando suas prticas

    mais adequadas sociedade atual.

    Analisa ambigidades no sincretismo, parecendo-lhe que no se deve pensar a

    umbanda como sntese qumica, mas como sntese social, uma prtica sui generis,

    "um Macunama religioso (todos os caracteres, ou seja, nenhum deles) que procura

    se integrar a todo preo no seio da moderna sociedade brasileira" (ORTIZ, 1980, p.

    108).

    Como podemos notar, a questo do sincretismo afro-brasileiro no est esgotada e,

    pelo que vimos, diante do que os autores citados acima propuseram, ainda ser um

    campo de estudo muito rico.

    O que pudemos notar nesse pequeno compndio sobre sincretismo religioso, que

    qual seja o ngulo que se analise a questo, importante ressaltar que o negro (e o

    prprio mestio, que nem era negro, propriamente dito, nem ndio, nem branco) no

    permaneceu passivo ante este processo (seja qual for teoria que o tente explicar),

    apesar da imposio, da obrigatoriedade e do papel desempenhado pela religiocatlica no perodo colonial e posteriormente. Tudo leva a crer que a partir da

    realidade vivida naquela poca, considerando as dificuldades, o negro recriou e

    reinterpretou a cultura dominante, adequando-a a sua maneira de ser e de vivenciar

    a religio e sua religiosidade.

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    1.4 A CABULA

    Esse culto recebeu forte influncia das prticas Bantas. Segundo a descrio de

    Nery (Nery apud Silva, 2005, p. 85), a cabula era praticada, na regio do Esprito

    Santo, em fins do sculo XIX, por negros, mas com a presena de alguns brancos.

    Hoje em dia esse culto parece ter desaparecido, transformando-se em outras

    denominaes. A reunio dos cabulistas, que ocorria em determinada casa ou mais

    freqentemente nas florestas, chamava-se mesa (uma toalha estendida no cho,

    velas e pequenas imagens de santos catlicos), sendo as principais a de Santa

    Brbara e a da Santa Maria. O chefe de cada mesa tinha o nome de embanda e o

    seu ajudante recebia o nome de cambone. Os adeptos eram conhecidos por

    camans e a sua reunio religiosa, de culto, chamava-se engira.

    As engiras ou giras7eram secretas e realizadas noite. Os cabulistas, vestidos de

    branco, dirigiam-se a um determinado ponto da mata, a macaia, faziam uma fogueira

    e preparavam a mesa. O embanda entoava um canto preparatrio, pedindo licena

    aos espritos (Calungas, espritos do mar; Tats, espritos benficos), sendo

    acompanhado por palmas e por outras cantigas. Durante os ritos, era servido vinho

    e mastigava-se uma raiz enquanto se sorvia o fumo do incenso, que era queimado

    num vaso. As iniciaes eram feitas nesse momento quando o adepto passava trs

    vezes por baixo da perna do embanda, simbolizando sua obedincia ao seu novo

    pai. Um p sagrado, p de pemba, era soprado para afastar os espritos inferiores e

    preparar o ambiente para a tomada do Sant, que significava a incorporao do

    esprito protetor. Para se ter um Sant, era preciso que o iniciado enfrentasse

    7Engira ou gira o momento ritual onde os guias espirituais incorporam em seus mdiuns. Normalmente as

    giras so divididas por grupos de guias que ali vo se manifestar, como: gira de pretos-velhos, gira de caboclo,

    gira de marinheiro ... O grupamento das giras de um determinado dia chamado de sesso.

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    provas, por exemplo, entrar no mato com uma vela apagada e retomar com ela

    acesa, sem ter levado meios para acend-Ia, trazendo, ento, o nome do seu

    esprito protetor. Alguns desses espritos eram conhecidos como Tat Guerreiro,

    Tat Flor da Calunga, Tat Rompe-Serra e Tat Rompe-Ponte (Nery apud Silva,

    2005, p. 86).

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    1.5 AS MACUMBAS CARIOCAS

    Vrios fatores se interpuseram fixao do modelo nag (cultura Yorub) na regio

    que compreende Rio e So Paulo. Logo de inicio, esta regio recebeu maior nmero

    de africanos originrios de Angola e do Congo, os de lngua Quimbundo (cultura

    Banta). Os primeiros cultos comearam a se difundir por volta de 1763. Com a

    designao de Macumba e experimentaram certo perodo de resplendor que se

    apagou no inicio do sculo XX, parecido com o que aconteceu com a Cabula, dando

    lugar a outros cultos.

    Nas Macumbas eram comuns as danas semi-religiosas como o jongo e o caxaruin,

    e o culto aos mortos (pretos-velhos como antigos Babalorixs8e Iyalorixs9e

    caboclos10como os antepassados da nova Terra, o Brasil) e os cnticos

    invocatrios.

    As Macumbas se aproximavam muito das prticas da Cabula. O chefe do culto

    tambm era chamado de embanda, umbanda ou quimbanda, e seus ajudantes,

    cambono ou cambone. As iniciadas eram as filhas-de-santo, por influncia do rito

    gge-nag, ou mdiuns, por influncia do espiritismo. Na macumba as entidades

    como os orixs, inquices ou inkices, pretos-velhos, caboclos e os santos catlicos

    eram agrupadas por falanges ou linhas como a linha da Costa, de Umbanda, de

    Quimbanda, de Mina, de Cambinda, do Congo, do Mar, de Caboclo, linha Cruzada,

    etc (Ramos, 1940, p. 124). A abrangncia de cultos que, sob o termo Macumba

    eram conhecidos, parece ter sido um dos motivos de sua popularidade e de seu uso

    indiscriminado para se designar as religies afro-brasileiras em geral.

    8 o nome dado ao Sacerdote de sexo masculinos nos cultos de origem Afro.9 o nome dado ao Sacerdote de sexo feminino dentro dos cultos de origem Afro.10 a designao dada a um conjunto de Guias Espirituais que tm caractersticas indgenas.

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    No final do sculo XIX e incio do sculo XX, migraes de Sacerdotes Baianos

    vieram para o Rio de Janeiro e ali fixaram vrios Candombls, criando uma

    comunidade que ficou conhecida como a Pequena frica. Outros misturaram e

    fundiram a cultura religiosa do Candombl com as Macumbas j existentes na

    cidade. Montando a pr-formao daquilo que seria conhecida com a Religio de

    Umbanda que, aos poucos, foi substituindo as Macumbas como forma popular de

    manifestao religiosa.

    1.6 O CANDOMBL DE CABOCLO

    Originariamente o Candombl de Caboclo veio da Bahia e considerado como uma

    variao do Candombl de Angola, embora seja comum encontrar a entidade

    primordial desse culto, o Caboclo, sendo cultuado em terreiros de Candombl de

    origem Nag. Relatos encontrados em jornais datam sua manifestao por volta do

    ano 1865, na Bahia (Joclio dos Santos, 1995).

    No Candombl de Caboclo o elemento indgena, o Caboclo, assumiu o papel

    central, com o mesmo statusdos Inkices (semelhante aos Orixs Nags).

    Os caboclos so os espritos dos "donos da terra" e representam os ndios que aqui

    viviam antes da chegada dos brancos e dos negros. Quando baixam11 nos

    terreiros, vestem-se com cocar de pena, danam com arco e flecha, fumam charutos

    e bebem vinho ou marafo (aguardente de cana-de-acar). Geralmente falam um

    portugus antigo e quase incompreensvel ou dialetos indgena. Muitos deles so

    extremamente catlicos e suas preces e louvaes lembram os tempos coloniais de

    11Baixar o mesmo que incorporar. Quando o esprito do guia incorpora no mdium para trabalhar.

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    sua catequese. Por serem conhecedores da medicina das ervas e dos segredos da

    mata, so famosos como curandeiros e feiticeiros.

    Os caboclos so indgenas brasileiros e ressaltam essa caracterstica nas suas

    cantigas e nos nomes que carregam (de povos indgenas brasileiros como Tupi,

    Tupinamb, Aimor, Guarani), quando narram suas origens se apresentam como

    habitantes de uma "aldeia mtica" (como "Jurema", para os caboclos; e "Visala", para

    os boiadeiros), no-localizvel no tempo e no espao. Em alguns casos, seus nomes

    fazem referncias natureza cultuada pelos ndios, de junes desses elementos

    com a fauna e flora do Brasil, ou apenas utilizam nomes indgenas, como caboclo

    Sol, Lua Nova, Estrela, Mata Verde, Tomba-Serra, Pena Verde, Pena Branca,

    Sucuri, Jurema, Jandira, Ubirajara, Aymor, Tupiara etc.

    Os caboclos, alm de representarem os espritos de ndios que j morreram e que

    retomaram a terra como "guias ou encantados". Em muitos terreiros, os caboclos

    so classificados em dois tipos: os "caboclos de pena" (porque usam cocar), e os

    "boiadeiros".Os boiadeiros podem ser vistos como representantes da populao mestia,

    proveniente do cruzamento do branco com o ndio, ou do ndio com o negro. So

    antigos homens do serto, caipiras, roceiros, com seus hbitos rurais (Joclio dos

    Santos, 1992, p. 57). Em virtude de seu contato com a cultura dos brancos j

    descaracterizou seus hbitos originais da aldeia. Em vez do cocar de pena, o

    boiadeiro veste-se com chapu de couro, e dana segurando um lao com o qual

    imita os gestos de laar o gado.

    Um outro guia ou encantado que encontramos nos Candombls de Caboclos o

    Marinheiro.

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    O Marinheiro representa os homens e mulheres que tinham ligao com o cais do

    porto, com os navios, a lida com o mar.

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    1.7 E OS BABALORIXS VIERAM PARA O RIO DE JANEIRO

    O contingente negro baiano, que chegou ao Rio de Janeiro atravs da migrao

    Interna, no final do sculo XIX, atrado pelas condies da cidade, devido sua

    modernizao como capital da Repblica e a sua fama de tolerncia, vai modificar

    substancialmente a fisionomia da cidade, incrementando traos prprios de sua

    cultura (Pessoa de Barros, 1999, p. 31).

    Os migrantes vo se localizar perto do Cais do Porto, Sade e Gamboa, onde a

    moradia era mais barata, no s por j ser local de fixao de outros grupos negros,

    mas sobre tudo pela proximidade do Porto, onde podiam mais facilmente encontrar

    empregos na estiva. A formaram uma comunidade conhecida como a Pequena

    frica, onde suas manifestaes culturais puderam ser preservadas, legando

    cidade um valioso patrimnio cultural, destacando-se especialmente atravs da

    msica e da religio (Barros, 1999, p. 30).

    Trouxeram para o Rio de Janeiro, atravs da migrao, o culto dos Orixs. Com

    eles chegaram muitos lderes religiosos e grupos festeiros responsveis pelo

    desenvolvimento dos Candombls e por inmeras associaes carnavalescas.

    Agenor Miranda da Rocha (Miranda apud Barros, 1999, p. 31), conhecido Oluo

    (adivinho), escreve suas memrias, vivenciadas em mais de noventa anos,

    enumerando e localizando as primeiras casas-de-santo do Rio: Me Aninha de

    Xang funda sua Casa no bairro da Sade em 1886, depois transferida para So

    Cristvo, instalando-se definitivamente em Coelho da Rocha; Joo Alab (OmoJu),

    na rua Baro de So Felix, Sade; Cipriano Abed (Ogum), na rua Joo Caetano;

    Benzinho Bambox (Ogum), rua Marques de Sapuca.

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    O mais famoso Terreiro do incio do sculo era o de Tia Ciata (Hilria de

    Almeida), filha de Joo Alabe que possua a sua casa na rua Visconde de

    Itana. Seu prestgio facilitava a concesso de permisso policial para a realizaode cerimnias religiosas, assim como para os encontros de samba. No entanto, o

    relacionamento que ela mantinha com as importantes figuras polticas da antiga

    capital do Brasil no impediu o deslocamento de seu grupo e de outros Candombls.

    Tia Ciata foi um momento marcante para a incluso do negro no carnaval do Rio

    de Janeiro. Tia Ciata nasceu em Salvador em 1854 e aos 22 anos veio para o Rio de

    Janeiro em busca de uma vida melhor. Comeou a trabalhar como doceira na Rua

    Sete de Setembro, sempre vestida de baiana. Sua comida expressava suas

    convices religiosas. Ia para o ponto de venda com uma saia rodada, turbante e

    diversos colares e pulseiras, na colorao do Orix homenageado. Mais tarde, Tia

    Ciata casou-se com Joo Baptista da Silva, mdico negro bem sucedido na vida.

    Com ele teve 14 filhos, uma relao fundamental para a sua afirmaona Pequena

    frica, como era conhecida a rea da Praa Onze nesta poca. Recebia todos os

    finais de semana em casa, nos pagodes, que eram festas danantes, regadas a

    msica da melhor qualidade.

    Partideira reconhecida cantava com autoridade respondendo aos refres das festas

    que se desdobravam por dias. Ciata cuidava das panelas para que estivessem

    sempre quentes e para que o samba nunca morresse. Mulher de grande iniciativa e

    energia, Ciata fez da sua vida um trabalho constante, tornou-se, com outras tias

    baianas de sua gerao, a representante do tronco mais tradicional do candombl

    nag baiano. E por este motivo, transformou-se em uma lder de sua comunidade,

    ajudando na organizao das jornadas de trabalho, na educao das crianas da

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    regio. Existe hoje na Praa Onze, no Rio de Janeiro, uma escola em sua

    homenagem.

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    CAPTULO 2 ZLIO FERNANDINO DE MORAES: OPIONEIRO DA UMBANDA INSTITUCIONALIZADA

    2.1 HISTRICO

    A figura de Zlio Fernandino de Moraes por vezes misterioso e controversa. Os

    partidrios e membros das casas que ele fundou o elevam a fundador da Umbanda,

    e tm em suas palavras, poucos discursos e fragmentos, como a fonte da

    verdadeira Umbanda ou da Umbanda Pura, como muitos dizem.

    Zlio Fernandino de Moraes nasceu em nasceu no dia 10 de Abril de 1892, no

    distrito de Neves, municpio de So Gonalo - Rio de Janeiro. Filho de Joaquim

    Fernandino Costa (oficial da Marinha) e Leonor de Moraes.

    Segundo Jota Alves de Oliveira (GIUMBELLI, 2002) em 1908, aos 17 anos, Zlio

    havia concludo o curso propedutico (ensino mdio) e preparava-se para ingressar

    na escola Naval, a exemplo de seu pai. Estranhamente uma paralisia tomou conta

    de seu corpo e, como misteriosamente havia chegado, misteriosamente foi embora.

    Intrigados, os pais de Zlio o levaram a uma reunio da Federao Esprita de

    Niteri. Nessa reunio, acontece algo ainda mais misterioso e que acabou ficando

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    como um acontecimento mstico ou, como alguns seguidores da doutrina de Zlio

    colocam, como uma interveno do Astral Superior:

    [...] manifestaram-se espritos, que se diziam de pretos escravos ede ndios ou caboclos, em diversos mdiuns. Esses espritos foramconvidados a se retirar pelo presidente dos trabalhos, advertidos doseu atraso espiritual. Ento o jovem Zlio foi dominado por uma foraestranha, que fez com que ele falasse sem saber o que dizia. Zlioouvia apenas a sua prpria voz perguntar o motivo que levava osdirigentes dos trabalhos a no aceitarem a comunicao dessesespritos e por que eram considerados atrasados, se apenas peladiferena de cor ou de classe social que revelaram ter tido na sualtima encarnao. (GIUMBELLI, 2002, p. 184).

    Os dirigentes, segundo as orientaes da doutrina Esprita, tentaram ento

    "doutrinar e afastar o esprito desconhecido", recebendo a seguinte resposta de

    Zlio:

    [...] Se julgam atrasados esses espritos dos pretos e dos ndios,devo dizer que amanh estarei em casa deste aparelho para darincio a um culto em que esses pretos e esses ndios podero dar asua mensagem e, assim, cumprir a misso que o plano espiritual lhesconfiou. [...] E, se querem saber o meu nome, que seja este: Caboclodas Sete Encruzilhadas, porque no haver caminhos fechados para

    mim [...] s 20 horas do dia seguinte, manifestou-se o Caboclo dasSete Encruzilhadas. Declarou que se iniciava naquele momento umnovo culto em que os espritos de velhos africanos, que haviamservido como escravos e que, desencarnados, no encontravamcampo de ao nos remanescentes das seitas negras, j deturpadase dirigidas quase exclusivamente para trabalhos de feitiaria, e osndios nativos de nossa terra poderiam trabalhar em benefcio dosseus irmos encarnados, qualquer que fosse o credo e a condiosocial. A prtica da caridade, no sentido do amor fraterno, seria acaracterstica principal desse culto, que teria por base o Evangelhode Cristo e como mestre supremo Jesus [...] O Caboclo estabeleceuas normas em que se processaria o culto: sesses dirias das 20 s22 horas, os participantes estariam uniformizados de branco e oatendimento seria gratuito. Deu, tambm, o nome desse movimentoreligioso que se iniciava; disse primeiro allabanda (ou um dospresentes assim anotou), mas considerando que no soava bem asua vibratria, substituiu-o por aumbanda, palavra de origemsnscrita que se pode traduzir por Deus ao nosso lado, ou o ladode Deus". (GIUMBELLI, 2002, p. 185).

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    Zlio fundou o primeiro templo institucionalizado como templo de Umbanda, Tenda

    Esprita Nossa Senhora da Piedade, marcadamente um sincretismo entre o

    Espiritismo Kardecista e a Igreja Catlica.

    Anos mais tarde, 1918, Zlio diz ter recebido a misso de fundar mais 7 templos:

    Tenda Esprita Nossa Senhora da Guia;

    Tenda Esprita Nossa Senhora da Conceio;

    Tenda Esprita Santa Brbara;

    Tenda Esprita So Pedro;

    Tenda Esprita Oxal;

    Tenda Esprita So Jorge;

    e Tenda Esprita So Jernimo.

    Em 1939, o Caboclo das Sete Encruzilhadas determinou que se fundasse uma

    federao, para congregar templos umbandistas e que deveria ser o ncleo central

    desse culto. Coisa que nunca ocorreu.

    O relato narrado por Jota Alves de Oliveira sobre a manifestao de Zlio um entre

    vrios. As narrativas so divergentes, mas todas elas enfatizam a doena misteriosa

    de Zlio, a ida Federao Esprita, o confronto entre o que se achava evoludo e

    o que parecia atrasado ou o confronto de verdades doutrinrias, a revolta em

    decorrncia desse confronto e a criao de uma religio nova onde espritos

    considerados no evoludos pelo Espiritismo, poderiam manifestar sua ao (prtica)

    e sua orientao (doutrina) aos interessados.

    Embora as verses sejam diversas, mstica entorno de Zlio foi sendo criada e, os

    militantes da Umbanda que ele introduziu, tentam ratificar essa estria como sendo

    um fato e que dela foi criada a Umbanda. Porm, pesquisadores como Diana

    Brown (1974) e Renato Ortiz (1978), afirmam que no se pode ter certeza se Zlio

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    foi realmente o fundador da Umbanda. Existem evidncias que a prtica da religio

    de Umbanda, ou seja, a manifestao de entidades como pretos-velhos, caboclos,

    boiadeiros e outros, ocorreram bem antes de Zlio, seja nos Candombls de

    Caboclos, na Cabula, nas antigas Macumbas Cariocas ou nas manifestaes de

    cultos Afro no RS que deram origem ao Batuque.

    Independente se existe ou no uma tendncia que pode ser considerada como

    poltica, de se colocar Zlio como sendo o fundador da Umbanda, por parte dos

    militantes ou herdeiros de suas casas, o fato que diversas formas diferenciadas de

    Umbanda foram surgindo paralelamente estria de Zlio e bem antes dele. E isso

    no pode tirar o real brilho e a contribuio que Zlio deu a Umbanda, o que est

    realmente registrado na histria, que no a de fundador dessa religio, mas o de

    ser o pioneiro na sua institucionalizao, na abertura de casas com o propsito

    especfico de se manifestar essa forma de culto, e na criao de Federaes para

    sua defesa e orientao. Esses sim, so fatos inegveis e reconhecidos pela

    histria. Os outros deixamos para uma questo mais profunda e espiritual que a fde cada um, conforme suas crenas e sua forma de pensar.

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    CAPTULO 3 O AFRO E O BRASILEIRO

    3.1 JOOZINHO DA GOMIA

    Em 1946, Joo da Pedra Preta (Joozinho da Gomia) transferiu-se para o Rio de

    Janeiro, refazendo um caminho percorrido, pelo menos desde o final do sculo XIX,

    por religiosos baianos, como Tia Ciata, que ajudaram a consolidar nesta cidade as

    religies de origem africana. Sua vinda foi conseqncia da expanso de sua

    famlia-de-santo e de suas atividades religiosas para alm do circuito baiano, o que o

    obrigava a freqentes viagens para outros estados (Cossard apud Silva,2002, p.

    159).

    Ah! O negcio foi assim: fui convidado para dar "comida ao santo",numa tenda das minhas filhas residentes em Caxias [Duque deCaxias]. Depois de concludo o ritual, voltei para a Bahia mas, lchegando, no tive sossego: os amigos insistiam para que eu

    voltasse e no tive outro remdio seno pegar um Ita no Norte e ficarem Caxias. Cheguei, gostei e fui ficando. (Dirio da Noite, 20/8/1952,apud Silva, 2002, p. 159)

    Joozinho abriu seu terreiro em instalaes modestas em Duque de Caxias,

    municpio da Baixada Fluminense, famoso pela grande quantidade de templos afro-

    brasileiros designados pela literatura antropolgica de macumbas. Com o

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    crescimento de sua popularidade nos dois lados da Baa da Guanabara, da famlia

    de santo e da clientela, acabou fundando neste mesmo municpio uma ampla sede

    prpria da Casa de Angola de Joozinho da Gomia, na rua General Rondon, bairro

    de Copacabana (Cossard apud Silva,2002, p. 159).

    A vinda de Joozinho para o Rio de Janeiro no significou, entretanto, o fechamento

    de seu terreiro na Bahia, que continuou em atividade sob a superviso de me

    Samba ajudada por Alexandrina Santos, filha-de-santo de Joozinho. Os dois

    terreiros funcionavam com os seus calendrios de festas e atividades rituais.

    Joozinho trouxe da Bahia parte do corpo sacerdotal que havia formado l, como o

    pai-pequeno e a iamoro, e vrios filhos-de-santo (Cossard apud Silva, 2002, p. 159).

    Mas foi sobretudo atuando na Gomia do Rio, nome pelo qual tambm ficou

    conhecido este terreiro em homenagem a Gomia da Bahia, que Joozinho

    conseguiu consolidar seu prestgio de pai-de-santo.

    As prticas rituais de Joozinho se caracterizavam por uma nfase na tradio

    angola, ainda que fosse difcil estabelecer fronteiras muito ntidas entre os ritosassim denominados e os provenientes da tradio nag.

    Joozinho era filho de Oxosse e Ians, e a atribuio dessas entidades teve papel

    singular e potencializador no desenvolvimento de sua vida pessoal e carreira

    sacerdotal.

    Como filho de Ians - orix que comanda os espritos dos mortos (eguns), dona dos

    ventos e das tempestades, divindade gil associada sensualidade, volpia, alegria,

    aos prazeres do corpo -, Joozinho viveu plenamente os arqutipos e atributos

    dessa divindade. Oxosse, deus caador, rei das matas, era outra paixo de

    Joozinho, que o descrevia como um valente ndio.

    Segundo lenda narrada por Joozinho da Gomia e outrosbabalas, Oxosse era um valente ndio. Com grande qualidade de

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    liderana. Era chefe de aguerrida tribo. Certa vez, isto , h milhesou talvez bilhes de anos, recebeu a incumbncia de seus protetoresde enfrentar o demonaco drago. Com a sua lana e frente dosseus comandados, Oxosse liquidou o terrvel pesadelo daquelemisterioso e legendrio mundo que no ia alm dos limites da frica.

    Com essa espetacular vitria conquistou o direito de passar dacategoria humana para a posteridade. (Folha Carioca, 17/6/1949,apud Silva, 2002, p. 160).

    Oxosse, por ser identificado como um ndio, pois se veste com penas, suas insgnias

    so o arco e a flecha, reverncia a mata como seu domnio mtico, est tambm

    muito associado aos caboclos, entidades tidas como representaes dos espritos

    amerndios ou mesmo africanos. Joozinho desde a adolescncia incorporava o

    caboclo Pedra Preta, com o qual havia comeado a trabalhar na Bahia. Mas foi

    sobretudo no Rio de Janeiro que esta entidade veio a tornar-se seu mais famoso

    guia espiritual. Aproveitando as qualidades de Joozinho como exmio "p de dana"

    as perfomances do Caboclo Pedra Preta eram muito concorridas e esta entidade era

    muito procurada na resoluo de problemas dos filhos e clientes da casa. A fama do

    caboclo parece ter inspirado Baden Powell e Vincius de Moraes a comporem o

    samba Canto de Pedra-Preta gravado em 1966 no disco Afro-sambas.

    A atuao de Joozinho na formao do candombl angola e de caboclo no Rio de

    Janeiro e em outras cidades do Sudeste foi muito significativa. Na formao do

    candombl paulista, por exemplo, o rito angola foi um dos primeiros a se fixar e entre

    os nomes dos Sacerdotes mais lembrados pelo povo de santo encontra-se o de

    Joozinho que, por meio de freqentes visitas a So Paulo, sobretudo a partir dosanos 60, iniciou grande quantidade de filhos, raspando e/ou dando obrigaes a

    pessoas j iniciadas no candombl ou, principalmente, provenientes da umbanda.

    A maior visibilidade que o candombl de angola e de caboclo adquirem sob os

    efeitos da atuao de Joozinho no representou, entretanto, o predomnio de uma

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    forma hegemnica de rito perfeitamente identificvel. Isto , Joozinho toma-se

    representante e divulgador de uma sntese particular de certas modalidades de ritos,

    que encontram sob o epteto de "candombl de angola" ou "candombl de caboclo"

    um meio de serem (re) conhecidas em um contexto especfico de dilogo entre as

    inmeras tendncias do campo religioso afro-brasileiro.

    O perodo entre o final da dcada de 1940 e de 1960, no qual Joozinho consolidou

    seu prestgio a partir do Rio de Janeiro, foi marcado pela ascenso da Umbanda

    como culto organizado por meio do papel das federaes umbandistas na

    codificao do culto e na criao de mecanismos de legitimao social via alianas

    realizadas entre praticantes do culto e instncias de poder. O movimento de

    organizao e expanso da Umbanda no Sudeste do Pas, conforme tem sido

    mostrado por diversos autores, significou um complexo movimento de

    reinterpretaro (negao e re-apropriao) seja do legado africano presente em

    modalidades de cultos (como o candombl ainda fortemente discriminado), seja dos

    valores presentes no espiritismo kardecista. De qualquer modo, nesse movimento asfiguras do preto-velho e sobretudo do caboclo (como entidades que remetem s

    representaes mticas sobre a histria da formao do povo brasileiro) parecem ter

    sido fundamentais na constituio da identidade da Umbanda, em contraste com

    relao ao espiritismo e ao candombl visto como representante de urna religio

    associada ao "primitivismo" religioso africano. Entretanto, como o que chamamos

    genericamente de candombl abriga um nmero varivel de modelos de culto em

    constante frico e luta entre si por legitimidade, o dilogo a que se viram expostas

    essas modalidades de culto no Sudeste, sob o fluxo da ascenso umbandista,

    tambm parece ter tido conseqncias na valorizao externa do candombl de rito

    angola, e particularmente do caboclo que o caracteriza. Essa valorizao foi

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    acompanhada de urna crescente rejeio desse modelo por parte dos candombls de

    rito nag, sobretudo dos situados na regio Nordeste ou identificados com uma

    viso mais "purista". O papel do caboclo como entidade mediadora entre as

    fronteiras de modalidades de cultos parece ter sido, assim, fundamental tanto na

    codificao da Umbanda quanto no trnsito de umbandistas para o candombl em

    sua vertente angola. E nesse sentido, Joozinho, ao enfatizar o culto de entidades

    como os caboclos, teve um papel substancial no desenvolvimento desse processo.

    3.2 O OMOLOK: HARMONIA ENTRE GUIAS E ORIXS

    Trata-se da prtica do ritual dos negros escravizados, que subiram os morros e

    interiorizaram-se pelo antigo Distrito Federal e Estado do Rio de Janeiro, levados por

    grupos com suas famlias ao fim da escravido. Esta prtica era muito perseguida

    pela polcia dos anos 40 e 50.

    Em todas as regies em que o elemento Banto predominou, e principalmente no

    Sudeste, dois tipos de culto desenvolveram-se no sculo XIX, tomando vulto e

    ocupando toda parte religiosa dos negros escravizados e seus descendentes. O

    primeiro chamava-se Candombl de Angola/Congo. O Segundo, que recebeu

    tambm influncias do Nag, chamava-se Macumba.

    De uma certa maneira, as antigas Macumbas e o Candombl, principalmente o

    Candombl de Caboclo, se mesclaram e deram forma ao Omolok que se constituiu

    em uma fuso harmnica do culto aos Orixs (ou Inkices) e o trabalho dos guias

    espirituais como: pretos-velhos, caboclos, boiadeiros etc.

    Todo o ritual de culto aos Orixs do Candombl foi mantido e direcionado aos guias,

    como: oferendas, assentamentos (o guia tinha um local dentro do terreiro onde eram

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    colocados seus materiais magsticos, fetiches etc, nos mesmos moldes dos Orixs),

    cnticos etc.

    O filho de santo do Omolok passava por todo o ritual de iniciao, da mesma

    maneira que no Candombl, porm com variaes que incluam ritos para seus

    guias.

    As referncias que se tm em relao ao culto Omolok, em sua maioria, vm do

    Pai de Santo Tancredo da Silva Pinto (dcada de 50 do sculo XX) que foi a frica

    e, segundo ele, identificou os elementos j utilizados no Brasil como forma de culto,

    e trouxe o nome daquilo que j era praticado como Culto Omolok. Em alguns

    autores podemos encontrar at que foi Trancredo da Silva Pinto que trouxe o

    Omolok para o Brasil, mas, na realidade, ele trouxe uma identificao do que aqui

    era praticado com seu similar originrio ou ancestral em frica.

    Esta identificao que Trancredo notou foi, principalmente, que em frica, os

    espritos ancestrais eram cultuados e referenciados de maneira similar aos Orixs.

    Sendo o mdium receptculo tanto dos Orixs (ou Inkices), como dos espritosancestrais. Este tipo de prtica era negada nos Candombls mais tradicionais, em

    que apenas os Orixs eram cultuados, no permitindo que os guias ali penetrassem

    nos mdiuns.

    Vrias casas de Umbanda, consideradas de cunho africanista de culto, se

    originaram no Omolok (ou nas antigas Macumbas que, mais tarde, algumas, foram

    reconhecidas com Culto Omolok, principalmente depois de Tancredo da Silva

    Pinto) e mantiveram toda uma estrutura de culto aos Orixs em harmonia com os

    guias espirituais.

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    CAPTULO 4 UMBANDA: UM CONJUNTO RELIGIOSO

    4.1 PRINCIPAIS INGREDIENTES

    O processo de formao do conjunto religioso da Umbanda se desenvolveu em

    etapas histricas e na absoro, apropriao e transformao de elementos culturais

    e religiosos diversos:

    Africana ou de base Africanista - resultado da sedimentao de contribuies

    religiosas bsicas das naes africanas que forneceram escravos ao Brasil, como: o

    culto aos Orixs, Inkises e antepassados e sua possesso; os rituais, como: o corte

    ou sacrifcio cruento e a feitura; os elementos litrgicos, como: atabaques, colares,

    roupas especiais e adereos; os cnticos aos Orixs, Inkices e antepassados; a

    utilizao de ervas para banhos, defumaes, cura; entre outros.

    Indgena ou dos donos da Terra - os negros que se internavam nas matas,

    principalmente os de origem Banto identificam se com o que havia de semelhante

    nos cultos dos indgenas.

    Europia ou Catolicismo popular - os negros e ndios, incapazes de assimilar in

    toctum a religio catlica que lhes era imposta pelos padres, fizeram-no imperfeita

    ou parcialmente no que havia de correspondncia com suas divindades tradicionais

    (sincretismo afro-catlico ou a associao dos Orixs africanos aos santos da igreja,

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    culto aos Santos de origem popular). Dessa forma, o sincretismo afro-catlico

    permitiu a introduo da moral crist (mais popular do que eclesistica) nos cultos

    Umbandistas.

    Espiritismo popular ou Kardecismo popular, culto Espiritista que se difundia entre

    as classes mais altas da populao brasileiras (elite) desde 1873, foi sendo

    assimilado pelas camadas mais humildes, classes mais pobres da populao. Esse

    O Espiritismo Francs (ou Ortodoxo) foi sendo sincretizado, re-elaborado e

    transformado ao longo do tempo, em um Espiritismo mais popular, menos formal e

    complexo, e entrou em contato com cultos de matriz africana e indgena.

    Orientalismo ou Indianismo - introduo de conceitos e identificao com o Oriente,

    na busca de uma tradio mais antiga. Como uma forma de legitimar ou consagrar a

    religio por uma associao de formas e ritos semelhantes, mas com cunho culturais

    divergentes.

    Esotrica, Ocultista ou Mstica Na primeira metade do sc. XX autores

    umbandistas mesclam as formas tradicionais de magia africana com prticas doesoterismo teosfico, iniciado com Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891) mais

    conhecida como Madame Blavatsky, uma das co-fundadoras da Sociedade

    Teosfica em Nova Iorque em 1875. A tradio teosfica esotrica de Blavatsky

    bebeu das vrias tradies filosficas e religiosas da antiguidade, como:

    Zoroastrismo, Hinduismo, Gnosticismo, Maniquesmo, a Cabala, entre outras.

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    4.2 UM NOME, VRIAS DENOMINAES

    Da mistura dos ingredientes comea, ento, a se formar um novo culto, que se

    distancia dos candombls de caboclos da Bahia e das macumbas cariocas.

    Podemos utilizar o que Artur Ramos (1934) chamou de novo produto de "gge-nago-

    mussulmi-banto-caboclo-espirita-catolico" e onde cada um contribuiu com uma parte.

    Mantendo certas caractersticas e construindo outras, bem diversas de sua fonte

    primitiva; uma transformao religiosa.

    A nova religio12que se derivou deste processo sincrtico (mais uma soma de

    fatores e sua transformao em algo novo, na realidade) obteve varias

    denominaes. Em Angola, dava-se o nome de Mbanda ao Sacerdote, e ao

    invocador de espritos, Ki-Mbanda. Desta forma, em principio, Umbanda queria dizer

    Sacerdote; depois, por extenso, passou a designar "local de culto", e, finalmente,

    para ns, brasileiros, a religio chamada Umbanda. Em 1894, atravs das palavras

    de Hely Chanterlain encontramos o registro do termo da palavra Umbanda com os

    seus significados e derivaes.

    Para Edson Carneiro (1981) existe uma diferena bsica entre a Umbanda e a

    Macumba, e ambas sobreviveram lado a lado: as confrarias, chamadas a principio

    de macumbas, compreendiam a linguagem mgica dos tambores e a possesso da

    divindade de acordo com o modelo original. Por isso se viram expulsas do permetro

    urbano carioca; as sucessoras, ou aquelas que se adaptaram as novas exigncias

    12Religio O conceito de religio que temos dentro do senso comum derivado do termo religare, ou seja, a

    religio teria como finalidade ligar o homem a Deus. Mas diversas culturas, inclusive as africanas, assim como

    as indianas, tm a religio como algo inerente as suas prprias culturas, no havendo uma separao entre o

    culto as divindades e o dia-a-dia, no se religa o homem a Deus ou as Deuses, pois ele, homem, j nasce ligado

    pelos laos culturais a suas divindades. Sendo assim, o que se tem como Umbanda como o trabalho de

    diversas entidades em prol de sua comunidade, de seu grupo de relaes ou familiar.

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    policiais, passaram a chamar-se Umbanda, suprimindo os tambores e moderando a

    possesso.

    Apesar da tradio africana, a Umbanda pode ser considerada essencialmente

    brasileira. Os santos se adaptam ao ambiente (atravs do Catolicismo popular). Usa-

    se uma linguagem direta e compreensvel. Os cultos africanos podem servir de

    modelo no que se refere comunicao: guia > consulente; consulente > guia.

    Tal adaptao explica, em parte, o sucesso do crescimento da Umbanda. Um

    crescimento que pode ser visto no ltimo censo de 2000, principalmente no Rio

    Grande do Sul, em que cerca de 112.133 pessoas se declararam como Umbandistas

    (http://www.ibge.gov.br).

    Hoje podemos destacar que existem diversas formas de Umbanda, assim como

    existem diversas formas de cristianismo. Existem as Umbandas que se voltaram

    mais para o culto africano, aquelas que mais se deixaram levar pela doutrina

    esprita, outras que tm vnculos com o esoterismo, e ainda aquelas que mesclam

    diversas vertentes dentro de um sincretismo plural harmnico. Assim destacamos asseguintes denominaes, como:

    Umbanda Popular- Que era praticada antes de Zlio e conhecida como Macumbas

    ou Candombls de Caboclos; onde podemos encontrar um forte sincretismo (Santos

    Catlicos associados aos Orixs Africanos), utilizao de magia negra, feitiaria etc;

    tambm foi conhecida como Baixo Espiritismo;

    Umbanda tradicional- Oriunda de Zlio Fernandino de Moraes;

    Umbanda Branca e/ou de Mesa- Tem um cunho esprita - "kardecista" - muito

    expressivo. Nesse tipo de Umbanda, em grande parte, no encontramos a cultura

    africana do culto aos Orixs, nem o trabalho dos Exus e Pombogiras, ou a utilizao

    de elementos rituais como atabaques, fumo, imagens e bebidas. Essa linha

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    doutrinria se prende mais ao trabalho de guias como caboclos, pretos-velhos e

    crianas. Tambm podemos encontrar a utilizao de livros espritas como fonte

    doutrinria; De uma certa forma, seria uma reinterpretao da doutrina Esprita,

    adequando-a a uma forma mais popular de religiosidade (reducionismo13);

    Umbanda Omolok O nome Omolok, foi trazido da frica pelo Sacerdote

    Trancredo da Silva Pinto. Porm, a sua prtica ritual, oriunda das antigas

    Macumbas cariocas, onde os negros de origem Angolana desenvolveram um misto

    entre o culto aos Orixs e o trabalho direcionado aos Guias Espirituais;

    Umbanda Traado ou Umbandombl- Onde existe uma diferenciao entre

    Umbanda e Candombl, mas o mesmo Sacerdote ora trabalha com Umbanda, ora

    trabalha com o candombl, porm em dias e sesses diferenciadas. No feito tudo

    ao mesmo tempo. As sesses so feitas em dias e horrios diferentes;

    Umbanda Esotrica- diferenciada entre alguns autores, como: de Oliveira

    Magno, Emanuel Zespo e o W. W. da Matta (Mestre Yapacany), em que intitulam a

    Umbanda como a Aumbhandan: "conjunto de leis divinas"; ainda existem outros,como o Sacerdote Paulo Newton, que trabalha dentro da corrente esotrica

    adaptando-a a forma de trabalho da Umbanda;

    Umbanda Inicitica- derivada da Umbanda Esotrica e foi fundamentada pelo

    Mestre Rivas Neto (Escola de Sntese conduzida por Yamunisiddha Arhapiagha),

    onde h a busca de uma convergncia doutrinria (sete ritos), e o alcance do

    Ombhandhum, o Ponto de Convergncia e Sntese. Existe uma grande influncia

    Oriental, principalmente em termos de mantras indianos e utilizao do snscrito;

    13Reducionismo - Ato ou prtica de analisar ou descrever um fenmeno, desenvolver a soluo de um problema,

    etc., supondo ou procurando mostrar que certos elementos ou conceitos complexos no devem ser

    compreendidos ou explicados em si mesmos, mas referidos a, ou substitudos por outros, situados em um nvel

    de explicao ou descrio considerado mais bsico.

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    Umbanda de Caboclo- influncia da cultura indgena brasileira com seu foco

    principal nos guias conhecidos como "Caboclos";

    Umbanda de pretos-velhos- influncia da cultura Africana em seus ritos e prticas,

    mas podemos encontrar elementos sincrticos catlicos (influncia do Catolicismo

    popular). O comando espiritual do terreiro est nas mos dos pretos-velhos;

    Atualmente a Umbanda surge como um fenmeno social de maior importncia, dado

    seu mysteriu 14. Ningum sabe quantos so os umbandistas na realidade. No censo

    de 2000 foram levantados que existem (declarados) 397.431 umbandistas no pas.

    Porm, em contato com o Sr. Pedro Miranda, presidente da Unio Espiritualista deUmbanda do Brasil UEUB (uma das Federaes de Umbanda da Cidade do Rio de

    Janeiro) nos foi informado que existem associados a essa federao cerca de 5500

    terreiros. Se formos fazer uma especulao e multiplicarmos por 30, levando em

    considerao que trinta poderia ser a mdia de mdiuns de cada terreiro de

    Umbanda, teramos um nmero em torno de 165.000 pessoas s em uma federao

    da cidade do Rio de Janeiro (existem cerca de 5 Federaes, s na Cidade do Riode Janeiro). Ento, a concluso que poderamos chegar, que existem muito mais

    umbandistas do que foi declarado no censo de 2000. Mas onde eles esto?

    Em 2001 auxiliei15os pesquisadores que estavam fazendo a compilao dos dados

    do censo de 2000 para o IBGE, no item religio.

    Ao indagar "Qual a sua religio", o IBGE recebeu cerca de 35 milrespostas diferentes que, buriladas, resultaram em 5.000...

    Frei Betto, Mapa da f, artigo publicado para o sitewww.adital.com.br.

    14Mysteriu o dogma religioso, objeto de f impenetrvel razo humana, que s pode ser sentido,

    vivenciado, expresso em sentimentos e atos de f, mas que no se pode explicar racionalmente.15Em 2001 fui procurado pela pesquisadora do ISER, professora Clara Mafra, que estava trabalhando na

    compilao dos dados do censo de 2000 do IBGE para o item religio. Ajudei como consultor para as religies

    de Umbanda e Espiritismo.

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    Os pesquisadores estavam um pouco confusos, pois estavam encontrando

    respostas estranhas no item destinado a declarao de religio, principalmente em

    relao a Umbanda, ao Espiritismo e a outras religies. Foram encontradas

    respostas para Qual sua religio?, como:

    Esprita Umbandista;

    Esprita Cristo; Umbandista Cristo;

    Umbandista Esprita; Catlico Umbandista;

    Catlico Esprita;

    Como tudo na vida, mesmo na pesquisa, se acha uma maneira de resolver os

    problemas, foi o que aconteceu em relao ao censo de 2000. Porm, as

    declaraes encontradas revelaram mais do que o tradicional sincretismo, muito

    badalado pelos socilogos e antroplogos ao longo do tempo. Revelam que muitas

    pessoas se consideram membros, ou parte, de mais de uma religio ao mesmo

    tempo, evidenciando um fenmeno em que o sincretismo s uma vertente, oumesmo um sintoma. Podemos dizer que um fenmeno de dupla religiosidade, pois

    as pessoas que se declaram como membros de duas religies, por exemplo, como

    Esprita Umbandista, vivendo ao mesmo tempo duas realidades religiosas diferentes

    (com alguns pontos doutrinrios em comuns, mas muitos outros totalmente

    divergentes), porm, em sua manifestao de espiritualidade, em sua prtica

    religiosa, se transformam em uma s manifestao de f.

    Em uma pesquisa realizada pelo CERIS - Centro de EstatsticaReligiosa e Investigaes Sociais - nas seis maiores regiesmetropolitanas brasileiras, cerca de 25% dos entrevistados disseramfreqentar mais de uma religio e cerca de metade deles (12,5% dototal) o fazem sempre. O Censo no considera esses fenmenos dedupla (ou mais...) religies, de mistura de vrias religies.

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    Dificilmente um socilogo ou um antroplogo reduzir os adeptos deUmbanda e Candombl, em todo o Brasil, a pouco mais de 570.000indivduos (0,33% da populao!), como faz o Censo 2000.Certamente h muitas pessoas freqentando estes cultos, ao menosocasionalmente, mas que no se declaram umbandistas.

    Pe. Alberto Antoniazzi, As religies do Brasil segundo o censo2000, In Rever, nmero 2 / 2003 / pp. 75-80, ISSN 1677-1222.

    Talvez a esteja a resposta pergunta que fizemos anteriormente: Onde esto os

    Umbandistas? Escondidos atrs de outras religies como o Catolicismo e o

    Espiritismo. Em que a pessoa por ignorncia, medo (do preconceito pessoal ou

    social), ou por se acharem mais Catlicas ou Espritas, do que Umbandistas,

    acabam se declarando como membros dessas religies (ou misturam essas religies

    com o ser Umbandista), mas que, no final das contas, tm suas vivncias religiosas

    dentro dos terreiros de Umbanda.

    De uma certa maneira, o que constatamos em uma pequena pesquisa realizada

    com os mdiuns do Centro Esprita So Joo Batista, no ano de 2002, em

    decorrncia do que notamos nas compilaes iniciais do censo de 2000.

    Embora o universo pesquisado fosse muito pequeno, 45 mdiuns do centro, o

    resultado foi muito interessante, mostrando um reflexo do que havia acontecido no

    censo de 2000.

    Ao perguntarmos aos mdiuns do Centro Esprita So Joo Batista qual era a sua

    religio, obtivemos as seguintes respostas:

    Esprita 12

    Catlico e Umbandista 10

    Catlica Esprita 1

    Esprita Umbandista 7

    Umbandista - 15

    Dos 45 mdiuns do Centro, apenas 15 mdiuns (33% do total) se declararam

    umbandistas, ou seja, 30 mdiuns (67% do total) no se acham Umbandistas ou

    colocaram a Umbanda como uma religio secundria em sua crena.

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    No nos cabe tentar esgotar ou aprofundar esse assunto em nosso trabalho, mas

    deixamos registrado que o mesmo merece ser pesquisado com em maior

    profundidade.

    4.3 AS INFLUNCIAS DO CATOLICISMO POPULAR

    [...] a possibilidade de todas as categorias de sujeitos possuremuma mesma religio, e ao mesmo tempo se diferenciarem em seuinterior, atravs dos diversos modos de se professar suareligiosidade, v-se que o ser catlico engloba o ser catlicopraticante, o no praticante ou o catlico do seu jeito. Essasvariaes no modo de ser catlico denotam a privatizao do

    catolicismo brasileiro, caracterizada no s pela subordinao dosleigos e pelo aspecto privativo da devoo aos santos, [...] mastambm pela continuidade da adorao s almas e santostradicionais, e pela possibilidade de adoo de outras prticasreligiosas (BRANDO,1998, p. 37-38).

    Historicamente a religio dominante no Brasil foi o Catolicismo Romano. Na verdade,

    o Catolicismo Popular uma parte que se desvia da Igreja Oficial, com crenas e

    prticas preponderantes nos santos mais do que em Jesus Cristo e com um corpo

    de regras e procedimentos informais, mas que seguem um padro que passado de

    boca em boca, de gerao em gerao. Inmeros adeptos voltam-se para os santos

    procurando ser ajudados em suas vidas. E com alguns deles para providenciarem

    assistncia e conforto mesmo aps morte. Por toda parte do Brasil e da Amrica

    Latina a adorao aos santos populares (reconhecidos ou no pela Igreja) uma

    prtica comum (MACKLIN, 1988). Destacando a importncia da enfermidade e dasade na vida contempornea, mais santos populares tm realizado cura como

    doutores. Invariavelmente curas milagrosas so atribudas a estes postumamente.

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    Uma outra caracterstica dos santos que acabou criando vnculos com seus fiis, e

    que cada santo tem sua "especialidade", ou seja, resolve um tipo de problema ou

    uma mazela da vida cotidiana, como::

    So lzaro - doenas de pele e lepra;

    So Joo Batista - Amizade;

    Santa Ana - protetora das mes de famlia em suas angstias rotineiras

    (problemas com filhos, marido etc);

    Santa Agripina - contra os maus espritos (fantasmas e outros que pertubam

    as pessoas);

    Santo Antnio - casamenteiro;

    So Expedito - causas Urgentes;

    So Longuinho - achar objetos perdidos.

    So Jorge ajuda nas demandas, nos desentendimentos entre as pessoas:

    conflitos.

    Outros santos foram eleitos como protetores de diversas profisses, como:

    So Francisco - protetor dos Animais;

    Santa Maria Madalena - protetora das prostitutas;

    So Joo Capistrano - juristas e juzes;

    So Lucas - mdicos;

    Santa Brbara - bombeiros;

    Santa Edwiges - endividados (embora no seja uma profisso...);

    So Cristvo - motoristas.

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    Esse catolicismo popular explica, em muito, a dualidade ou "o duplo religioso"

    encontrado dentro da Umbanda e no CESJB. Ele tem suas razes em nossa cultura,

    em nosso dia-a-dia, desde a infncia quando a me ensina o pai nosso a seu filho

    antes de dormir, ou no batismo do filho para que ele "no se torne pago".

    No CESJB, como em outras casas de Umbanda, encontramos esse culto aos

    santos. Isso feito de maneira impensada, inconsciente, nasceu em uma matriz

    cultural que vem da prpria formao religiosa do Brasil, e que foi construindo o

    imaginrio das pessoas com o passar do tempo.

    gente, que homem este vestidinho de metal,

    Na Igreja ele So Jorge,

    Na Umbanda Ogum General

    (Ponto Cantado de Ogum, sincretizado como So Jorge).

    O fiel Umbandista chama por So Jorge e Ogum ao mesmo tempo. Em seu

    universo imaginrio ambos coabitam na mesma imagem, mas quem vem assumir o

    corpo e a mente do mdium Ogum.

    "o catolicismo serviu de matriz formao das religiosidadespopulares no Brasil, com seu ethos festivo, sem nunca separar opblico do privado, o sagrado do profano, no obstante a violnciapara qual serviu de instrumento de legitimao, na ordem socialescravocrata, ou a constante perseguio a que submeteu a feitiariados negros, fora, apesar de tudo, capaz de permitir a incorporaoem um universo comum de sentido, de muitas crenas e prticas

    rituais (...)". (MONTES, 1998, p. 136-137).

    Ser Catlico e, ao mesmo tempo, Umbandista so coisas totalmente incompatveis,

    visto a divergncia doutrinria entre ambas s religies. S que, o catolicismo

    popular, no est restrito a uma viso de mundo regida pela bblia, mas sim por uma

    interpretao prpria desse mundo dentro de uma dimenso moral Catlica, em que

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    Jesus Deus, e os Santos poderosos: Igreja para casar, batizar as crianas, ir

    missa de stimo dia e, s vezes, na missa de domingo. A leitura da bblia algo

    que muitos poucos fazem e, quando fazem, so em trechos especficos, procurando

    palavras de consolo ou, como algumas pessoas me disseram: palavras bonitas de

    se ler.

    Assim, pela influncia do catolicismo popular, longe da viso ortodoxa da Igreja,

    muitos Umbandistas se dizem Catlicos. Outros, se dizem Umba