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INSTITUTO CUIABANO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA FRACASSO ESCOLAR

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Page 1: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

INSTITUTO CUIABANO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

PSICOPEDAGOGIA

FRACASSO ESCOLAR

MIRIELLY REGINA DATSCH

CUIABÁ - MT

Page 2: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

2012

MIRIELLY REGINA DATSCH

FRACASSO ESCOLAR: entendendo possíveis causas e soluções.

Monografia apresentada ao curso de Especialização do Instituto Cuiabano de Educação como um dos requisitos para obtenção do título de especialização em Psicopedagogia sob a orientação do Professor (a) Wilce Calazanas Birck.

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CUIABÁ - MT

2012

INSTITUTO CUIABANO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

PSICOPEDAGOGIA

TERMO DE APROVAÇAO

MIRIELLY REGINA DATSCH

NOTA/CONCEITO__________

_______________________________

WILCE CALAZANAS BIRCK

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Page 4: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

Dedico esta monografia a meus

familiares, aos colegas de curso, aos

professores e a todos aqueles que

direta ou indiretamente contribuíram

para esta conquista.

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RESUMO

Esta monografia teve por objetivo apresentar as causas do fracasso escolar como causa para o problema da repetência e da evasão acontecidas na escola. Com isso, falou-se sobre a escola e sua estrutura, sobre a evasão escolar, o fracasso dos alunos na escola e até da má formação do professor, decorrendo esses fatores. Contudo, o professor deve desempenhar a sua autoridade, estabelecendo limites e exalando responsabilidades, sem deixar de respeitá-las; designando recomendações escolares verdadeiramente participativos, representativos e influentes; escola que proporcione instalações adequadas, alinho, coordenação e segurança, por fim, que haja um ambiente favorável ao estudo e à aprendizagem, no qual o aluno se sinta entusiasmado a continuar e a aprender. No entanto, ao tratar da culpa enfrentada pelo aluno, pelo seu fracasso no desempenho escolar, crê-se que a verdadeira culpa não é somente do aluno, que se mostra como vítima, com o mito da “criança carente”, mas sim de toda uma sociedade, que a repreende, culpabilizando o governo e toda a nação pelo fracasso escolar, o que, de todo modo, é um sério caso a se pensar.

Palavras-chave: Fracasso Escolar, Evasão, Repetência, Ensino, Culpa.

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ABSTRACT

This monograph aimed to present the causes of school failure as the cause for the problem of repetition and dropout acontecidas in school. With that, spoke out about the school and its structure, the school dropout, the failure of pupils in school and to the poor training of teachers, these factors arise. However, the teacher must play its authority by setting limits and responsibilities exalando while obey them; recommendations designating school truly participatory, representative and influential; school providing appropriate facilities alinho, security coordination and, finally, there is a favourable environment for study and learning, in which the student feels excited to continue and learn. However, in dealing with the guilt faced by the student, for his failure in school performance, it is believed that the real fault is not only the student, who is shown as a victim, with the myth of "poor child", but of all a society that the show, blame the government and the whole nation by school failure, which, in any case, is a serious case to think.  

Key words: Failure School, Circumvention, Repetence, Education, Guilt.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................7

1. A ESCOLA: SUA ESTRUTURA ANTIGA E OS MOLDES MODERNOS...............9

2. FRACASSO ESCOLAR: ASPECTOS GERAIS...................................................15

2.1 Aprendizagem X Fracasso Escolar..................................................................17

2.2 Fracasso Escolar: Inquietações.......................................................................18

2.3 Fracasso escolar nas séries iniciais: perspectiva social, familiar e

educacional.......................................................................................................23

3. O FRACASSO ESCOLAR: DE QUEM É A CULPA?...........................................29

4. A MÁ FORMAÇÃO DO PROFESSOR COMO RECORRÊNCIA DO

FRACASSO ESCOLAR........................................................................................44

5. UTILIZANDO O BRINQUEDO E O LÚDICO COMO ALTERNATIVA PARA

O RENDIMENTO E SUCESSO ESCOLAR..........................................................49

5.1. A Criança no Mundo do Faz-De-Conta...........................................................51

5.2. A Utilização do Lúdico na Aprendizagem........................................................51

CONCLUSÃO............................................................................................................53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................56

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Page 8: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

INTRODUÇÃO

Ao analisarmos os dados da educação pública no Brasil é possível

verificar a persistência de altos índices de repetência, evasão e baixo rendimento

escolar de um enorme contingente de alunos, apesar das inúmeras tentativas

governamentais de sanar os problemas escolares.

Como exemplos dessas iniciativas governamentais, temos o sistema de

ciclos, as classes de aceleração, classes de apoio, classes de reforço, correção de

ciclo, o sistema de progressão continuada e um grande número de

encaminhamentos de alunos para serviços de saúde – psicologia, fonoaudiologia,

neurologia, entre outros. Apesar das muitas tentativas governamentais, de forma

geral, “os resultados do SAEB1 mostram que: a maioria dos alunos da escola pública

não atinge padrões mínimos. Separados por série e matéria, entre 60% e 80% não

os atingem” (OLIVEIRA, 2005 apud SCHWARTZAM & BROCK, 2005, p. 60).

Fenômeno muito comum nas décadas de 30 e 40 (que ainda hoje

preocupa as autoridades do ensino), a evasão escolar, assumia aspecto alarmante,

visto que poucos alunos alcançavam à última série do curso industrial, o mais

procurado desde a implantação da escola, sobretudo nos anos citados.

Contudo, para combater a causa dessa evasão, motivada pela

necessidade de ”‘ganhar a vida‘‘ e concorrer, de algum modo, para aliviar os

encargos da família, tratou-se de oferecer ao aluno carente, adequada assistência

médica e odontológica, além de alimentação barata, às vezes gratuita, e pagamento

de ”‘diárias‘‘ pelos produtos de seu trabalho, que alcançavam bom preço, nas

famosas exposições promovidas pela escola.

O preconceito contra o trabalho manual, reminiscência da escravidão

negra, era muito forte na época da implantação dos cursos profissionais, se não

bastasse para agravar esse quadro, a virtual confusão induzida pela denominação

da escola- “Instituto Profissional‘‘ e o com o reformatório destinado à correção de

1 Sistema de Avaliação da Educação Básica.

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Page 9: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

menores infratores, do Tatuapé, e do perfil do adolescente que procurava a escola

de artífices, idealizado no governo de Nilo Peçanha, que apresentava maior rejeição,

devido ao fato de o aluno proceder de camada muito humilde, aos qual esse modelo

de ensino era reservado por lei, desde 1937.

Hoje, o preconceito contra o trabalho manual, que se mostrava, então,

infamante e incompatível com a condição de pessoa “bem nascida”, está

praticamente superado, como prova a excelente qualificação ostentada pela imensa

maioria dos jovens, que buscam os cursos ministrados nas escolas públicas onde se

realizam, anualmente, exames vestibulares para o preenchimento das vagas

disponíveis.

A disposição do imigrante europeu para a prática de ofícios manuais

concorreu poderosamente para anular esse preconceito e a introdução gradativa de

disciplinas de cultura geral reforçaram o interesse por seus cursos, a par das aulas

de educação moral e cívica (enfatizada nos períodos autoritários) que teve o objetivo

indisfarçável de facilitar a aculturação dos filhos de imigrantes e despertar neles

amor à nova Pátria e às instituições brasileiras.

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1. A ESCOLA: SUA ESTRUTURA ANTIGA E OS MOLDES MODERNOS

A escola, quando de sua criação, oferecia cursos sumamente simples, de

acordo com as necessidades do mercado, em que a utilização do desenho técnico

era fundamental e matéria obrigatória.

As turmas de alunos, divididas em dois grupos de 20 elementos, recebiam

aulas teóricas, de conhecimentos gerais e tecnologia e aulas práticas, nas oficinas,

tendo por base, na primeira etapa, o aprendizado do curso vocacional, após o qual o

aluno se encaminhava para a área de sua preferência; no curso industrial, mediante

orientação psicológica a cargo de especialistas, dependendo do empenho do

aprendiz, poderia prosseguir no curso de aperfeiçoamento destinado à formação de

técnicos e professores.

Em 1934 aparece œ anexo ao Instituto Profissional Masculino e o Núcleo

de Ensino Ferroviário, sob a eficiente coordenação do engenheiro Roberto Mange, o

mesmo que iria inspirar mais tarde, no espírito do empresário Roberto Simonsen a

criação do SENAI em 1942, para atender a crescente demanda do mercado de

trabalho, quando a oferta de mão de obra qualificada, no período crítico da Segunda

Grande Guerra.

Até 1950, o caráter terminal dos cursos profissionais, constituía forte

obstáculo para a opção dos jovens na escolha desses estabelecimentos, mas a

partir das alterações introduzidas na legislação do ensino secundário na referida

década (reforma Antônio Balbino), que implantou a equivalência dos cursos de 2

grau, o interesse pela Escola Técnica Getúlio Vargas, e o G.V. intensificou-se, de

maneira a tornar-se um ”‘trampolim‘‘ para a escola superior, máxime depois que o

estabelecimento se viu transferido para sua atual sede, no bairro do Ipiranga (1964),

e a incorporação da escola no Centro de Educação Tecnológica ”‘Paula Souza‘‘

(1982), com novas e modernas habilitações para os formandos.

Finalmente, a crise temporária que afetou a ”‘G.V.‘‘ e outros

estabelecimentos de ensino congênere, por força da Lei 5.692/71, que instituiu o

estudo compulsório de algumas profissões nos estabelecimentos de 1 e 2 graus,

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com vistas ao ingresso do aluno no mercado de trabalho, já passou e não deixou

vestígios, em razão do fracasso desse ambicioso e utópico projeto

profissionalizante.

Citando Azevedo (1997), a Lei 5692/71 (da época da ditadura militar)

causou crise na escola técnica, porque as reformas de ensino promovidas no

período ditatorial corresponderam a um esforço dos grupos coligados no chamado

pacto político autoritário (militares e burguesia industrial), em alinhas o sistema

educacional pelo fio condutor da ideologia do desenvolvimento com segurança.

Ainda conforme Azevedo (1997), os intelectuais que estiverem a frente do

processo de elaboração dessa legislação começaram uma atuação organizada

antes mesmo do golpe, visando obter a direção moral, intelectual e ideológica da

sociedade, no sentido de preparar e legitimar o poder governativo.

Não ignoramos que a nação é uma realidade moral, mas se a educação

não pode, por isso mesmo, desconhecer nenhum dos aspectos morais, espirituais e

religiosos dessa realidade, rica de tradições e lembranças históricas, ela deve,

igualmente fazer apelo a todas as forças criadoras para pô-las a serviço dos

interesses coletivos do povo e da cultura nacional.

A educação vem sofrendo várias alterações no sentido se sua

reestruturação a fim de que possa contribuir efetivamente, como lhe compete, para o

progresso científico e técnico e também para o trabalho produtivo.

Este é o momento de propor à Secretaria Estadual de Educação de São

Paulo œ SED onde funciona o SOS Criança, vinculado à Secretaria do Menor, o

tombamento de sua sede primitiva, localizada à Rua Piratininga, 105, por ser um

monumento de inegável significado histórico e cultural e como homenagem insigne

aqueles que ajudaram a construí-la, ao som dos acordes do harmônio de fole do

inesquecível maestro Miguel Izzo, quando entoava, com plena força de seus

pulmões, o Hino ao Trabalho, do poeta Antônio Feliciano de Castilho.

De maneira geral, os estudos analisam o fracasso escolar, a partir de

duas diferentes abordagens: a primeira, que busca explicações a partir dos fatores

externos à escola, e a segunda, a partir de fatores internos. Dentre os fatores

externos relacionados à questão do fracasso escolar são apontados o trabalho, as

desigualdades sociais, a criança e a família.

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E dentre os fatores intra-escolares são apontados a própria escola, a

linguagem e o professor. Na abordagem que busca explicar o fracasso escolar a

partir de fatores externos, encontram-se os trabalhos realizados por Paulo

Maksenas, Arroyo, Gatti e outros citados por Brandão (1983). Nos estudos deste

autor, são apresentados os resultados de uma pesquisa desenvolvida pelo

Programa de estudos Conjuntos de Integração Econômica da América Latina

(ECIEL), o qual baseou-se em um uma amostra de cinco países latino-americanos, e

concluiu que “o fator mais importante para compreender os determinantes do

rendimento escolar é a família do aluno, sendo que, quanto mais elevado o nível da

escolaridade da mãe, mais tempo a criança permanece na escola e maior é o seu

rendimento” (BRANDÃO, 1983, p. 40). Assim, a família foi apontada como um dos

determinantes do fracasso escolar da criança, seja pelas suas condições de vida,

seja por não acompanhar o aluno em suas atividades escolares.

Essas desigualdades sociais também presentes na sociedade brasileira

são resultantes das “diferenças de classe”, e são elas que “marcam” o fracasso

escolar nas camadas populares, porque:

E essa escola das classes trabalhadoras que vem fracassando em todo lugar. Não são as diferenças de clima ou de região que marcam as grandes diferenças entre escola possível ou impossível, mas as diferenças de classe. As políticas oficiais tentam ocultar esse caráter de classe no fracasso escolar, apresentando os problemas e as soluções com políticas regionais e locais (BRANDÃO, 1983, p. 41).

Em ampla revisão de literatura nacional e internacional sobre evasão e

repetência no ensino de 1º grau, Brandão (1983, p. 42), explicita que “os alunos de

nível sócio-econômico mais baixo têm um menor índice de rendimento e, de acordo

com alguns autores, são mais propensos à evasão”. Em face disto, a má-

alimentação, ou seja, a desnutrição, é apontada como um dos fatores responsáveis

pelo fracasso de boa parte dos alunos:

A desnutrição pregressa, mesmo moderada, é uma das principais causas da alteração no desenvolvimento mental, e mau desempenho escolar. As crianças desnutridas se tornam apáticas, solicitam menos atenção daqueles que as cercam e, conseqüentemente, por não serem estimuladas têm seu

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desenvolvimento prejudicado (SILVA, 2000, p. 33).

O estudo desenvolvido por Meksenas sobre a evasão escolar dos alunos

dos cursos noturnos, aponta por sua vez, que a evasão escolar destes alunos se dá

em virtude de estes serem obrigados a trabalhar para sustento próprio e da família,

exausto da maratona diária e desmotivados pela baixa qualidade do ensino, muitos

adolescentes desistem dos estudos sem completar o curso secundário‘‘

(MEKSENAS, 1992, p. 98). Segundo o autor, essa realidade dos alunos das

camadas populares difere da realidade dos alunos da classe dominante porque, com

base nas pesquisas realizadas em escolas da França pelos críticos-reprodutivistas

Establet-Baudelot, enquanto os filhos da classe dominante têm o tempo para estudar

e dedicar-se a outras atividades como dança, músicas, línguas estrangeiras, e

outras, os filhos da classe dominante mal têm acesso aos cursos noturnos, “sem

possibilidade alguma de freqüentar cursos complementares e de aperfeiçoamento‘‘

(MEKSENAS, 2000, p. 99).

De modo, na literatura educacional brasileira, a criança pode ser

culpabilizada por seu próprio fracasso escolar seja pela “pobreza”, seja pela “má-

alimentação”, pela “falta de esforço”, ou pelo desinteresse.

Soares (1997) afirma que essa culpabilidade da criança é observável

naquelas teorias que explicam a ideologia do dom e a ideologia da deficiência

cultural. Segundo a autora, estas ideologias, na verdade, eximem a escola da

responsabilidade pelo fracasso escolar do aluno, de um lado por apresentar

ausência de condições básicas para a aprendizagem, e de outro, em virtude de sua

condição de vida, ou seja, por pertencer a uma classe socialmente desfavorecida, e,

portanto, por ser portador de desvantagens culturais ou de déficits sócio-culturais.

Em oposição aos defensores dos fatores externos como determinantes do

fracasso escolar das crianças, autores como Bourdieu, Cunha, Fukui e outros apud

Brandão (1983) apontam a escola como responsável pelo sucesso ou fracasso dos

alunos das escolas públicas, tomando como base explicações que variam desde o

seu caráter reprodutor até o papel e a prática pedagógica do professor.

Diferentemente dos autores que apontam a criança e a família como

responsável pelo fracasso escolar Fukui ressalta a responsabilidade da escola

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afirmando que “o fenômeno da evasão e a repetência longe está de ser fruto de

características individuais dos alunos e suas famílias. Ao contrário, refletem a forma

como a escola recebe e exerce ação sobre os membros destes diferentes

segmentos da sociedade” (FUKUI apud BRANDÃO, 1983, p. 47).

Segundo Abramawicz e Moll (1997) a responsabilidade da criança pelo

fracasso na escola tem como base o pensamento educacional da doutrina liberal, a

qual fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade de classe, e

também tenta fazer com que as pessoas acreditem que o único responsável pelo

sucesso ou fracasso social de cada um é o próprio indivíduo e não a organização

social.

Quanto ao fato de ser a escola das classes trabalhadoras que vem

fracassando, para Bourdieu, isso se dá em virtude de que a escola que aí temos,

serve de instrumento de dominação, reprodução e manutenção dos interesses da

classe burguesa. Para o autor, a escola não leva em consideração o capital cultural

de cada aluno, e que “os professores partem da hipótese de que existe, entre o

ensinante e o ensinado, uma comunidade lingüística e de cultura, uma cumplicidade

prévia nos valores, o que só ocorre quando o sistema escolar está lidando com seus

próprios herdeiros” (BOURDIEU apud FREITAG, 1980, p. 62).

E dentro da escola, o professor é apontado como produtor do fracasso

escolar. Para Rosenthal e Jacobson apud Gomes (1994) a responsabilidade do

professor pelo fracasso escolar do aluno, se deve às expectativas negativas que

este tem em relação aos seus alunos considerados como “deficientes”, os quais,

muitas vezes, apresentam comportamentos de acordo com o que o professor espera

deles. Estes teóricos mostram através de seus estudos, que as expectativas, em

geral, podem influenciar os fatos da vida cotidiana, e que geralmente, as pessoas

parecem ter a tendência a se comportar de acordo com o que se espera delas.

Assim, a expectativa que uma pessoa tem sobre o comportamento de outra, acaba

por se converter em realidade. A este fenômeno, os autores denominaram “profecia

auto-realizadora” ou “Pigmaleão Sala de Aula”.

Segundo Gatti apud Brandão (1983, p. 49), “o fenômeno da profecia auto-

realizadora é mais provável de ocorrer numa escola que abrange crianças de níveis

econômicos dispares, o que enseja comparações e preferência dos professores

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favoráveis às crianças que lhes são mais próximas em termos culturais”.

Como se pode ver, a literatura existente sobre o fracasso escolar aponta

que, se por um lado há aspectos externos à escola que interferem na vida escolar,

há por outro, aspectos internos da escola que também interferem nom processo

sócio-educacional da criança, e que direta ou indiretamente, acabam excluindo a

criança da escola, seja pela evasão escolar, seja pela repetência.

Em síntese, discutir a questão do fracasso escolar é muito mais do que

apontar um ou outro responsável. Como bem lembra Bernard Charlot, a

problemática remete para muitos debates que tratam:

[...] sobre o aprendizado, obviamente, mas também sobre a eficácia dos docentes, sobre o serviço público, sobre a igualdade das “chances”, sobre os recursos que os pais deve investir em seu sistema educativo, sobre a “crise”, sobre os modos de vida e o trabalho na sociedade de amanhã, sobre as formas de cidadania (CHARLOT, 2000, p.14).

Não existe, ainda segundo Charlot (2000) o fracasso escolar, mas sim

alunos que não conseguem aprender o que se quer que eles aprendam, que não

constroem certos conhecimentos ou competências, que naufragam e reagem com

condutas de retração, desordem e agressão, enfim, histórias escolares não bem

sucedidas, e são essas situações e essas histórias denominadas pelos educadores

e pela mídia de fracasso escolar que devem ser estudadas analisadas, e não algum

objeto misteriosos, ou algum vírus resistente, chamado “fracasso escolar”.

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2. FRACASSO ESCOLAR: ASPECTOS GERAIS

O fracasso escolar aparece hoje entre os problemas de nosso sistema

educacional mais estudados e discutidos. Porém, o que ocorre muitas vezes é a

busca pelos culpados de tal fracasso e, a partir daí, percebe-se um jogo onde ora se

culpa a criança, ora a família, ora uma determinada classe social, ora todo um

sistema econômico, político e social. Mas será que existe mesmo um culpado para a

não-aprendizagem? Se a aprendizagem acontece em um vínculo, se ela é um

processo que ocorre entre subjetividades, nunca uma única pessoa pode ser

culpada.

Alicia Fernández nos lembra que “a culpa, o considerar-se culpado, em

geral, está no nível imaginário” (FERNANDEZ, 1994, p.43) e coloca que o contrário

da culpa é a responsabilidade. Para ser responsável por seus atos, é necessário

poder sair do lugar da culpa.

Não pretendo aqui, portanto, expurgar a responsabilidade de um fracasso

escolar. O propósito é discuti-lo como um elemento resultante da integração de

várias “forças” que englobam o espaço institucional (a escola), o espaço das

relações (vínculos do ensinante e aprendente), a família e a sociedade em geral.

Quando se fala em fracasso, supõe-se algo que deveria ser atingido. Ele é

definido por um mau êxito, uma ruína. Porém mau êxito em quê? De acordo com

que parâmetro? O que a nossa sociedade atual define como sucesso? Daí a

necessidade de analisar o fracasso escolar de forma mais ampla, considerando-o

como peça resultante de muitas variáveis.

A sociedade busca cada vez mais o êxito profissional, a competência a

qualquer custo e a escola também segue esta concepção. Aqueles que não

conseguem responder às exigências da instituição podem sofrer com um problema

de aprendizagem. A busca incansável e imediata pela perfeição leva à rotulação

daqueles que não se encaixam nos parâmetros impostos.

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Page 17: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

Assim, torna-se comum o surgimento em todas instituições educativas de

“crianças problemas”, de “crianças fracassadas”, disléxicas, hiperativas, agressivas,

etc. Esses problemas tornam-se parte da identidade da criança. Perde-se o sujeito,

ele passa a ser sua dificuldade.

Desta forma, ao passar pelo portão da escola, a criança assume o papel

que lhe foi atribuído e tende a correspondê-lo. Porém, ao conceder este rótulo à

criança, não se observa em quais circunstâncias ela apresenta tais dificuldades (ele

está assim e não é assim). Isso não é apenas uma diferença terminológica, ela

revela uma possibilidade de mudança.

A sociedade do êxito educa e domestica. Seus valores, mitos relativos à

aprendizagem muitas vezes levam muitos ao fracasso. Em nosso sistema

educacional, o conhecimento é considerado conteúdo, uma informação a ser

transmitida.

As atividades visam a assimilação da realidade e não possibilitam o

processo de autoria do pensamento tão valorizada por Alicia Fernández. Ela define

como autoria “o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de

si mesmo como protagonista ou participante de tal produção” (FERNÁNDEZ, 2001,

p.90). Este caráter informativo da educação se manifesta até mesmo nos livros

didáticos, nos quais o aprendente é levado a memorizar conteúdos e não a pensá-

los; não ocorrendo de fato uma aprendizagem.

É preciso distinguir aquilo que é próprio da criança, em termos de

dificuldades, daquilo que ela reflete em termos do sistema em que se insere.

A família, por sua vez, também é responsável pela aprendizagem da

criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e as “atitudes destes frente às

emergências de autoria do aprendente, se repetidas constantemente, irão

determinar a modalidade de aprendizagem dos filhos” (FERNÁNDEZ, 2001, p.93).

Quando se fala em “famílias possibilitadoras de aprendizagem” tem-se

uma tendência a excluir as famílias de classes baixas já que estas não podem

fornecer uma qualidade de vida satisfatória, uma alimentação adequada, acesso a

diversas formas de cultura (cinema, teatro, cursos, computador, etc). Entretanto é

possível a existência de facilitadores de autoria de pensamento mesmo convivendo

com carências econômicas.

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Em seu livro, “O saber em jogo”, Alicia Fernández cita uma pesquisa com

famílias de classe baixa facilitadoras da aprendizagem. O que caracteriza estas

famílias é a criação de um espaço favorável para que cada membro possa escolher

e responsabilizar-se pelo escolhido, propiciando um espaço para a autoria de

pensamento. O perguntar é possível e favorecido, há facilidade de aceitar as

diferentes opiniões e idéias. Condições estas que não são comuns em famílias

produtoras de problemas de aprendizagem.

Além disso, segundo Maud Mannoni, um sintoma não deve ser

considerado de forma única, isolado, mas sim dentro de um contexto muito mais

amplo e repleto de significados. Assim acontece com o fracasso escolar, ele pode

assumir, dentro da família, uma função. Daí a necessidade de buscar o significado

do “não aprender”, analisando a história de vida do sujeito e buscando uma

significação das fantasias relacionadas ao ato de aprender.

Também contribuem para o fracasso escolar a própria instituição

educativa que muitas vezes não leva em consideração a visão de mundo do

aprendente. As discrepâncias entre o desempenho fora e dentro da escola são

significativas. Ou seja, muitas vezes os profissionais da educação não conseguem

transpor o conhecimento ensinando para a realidade do aprendente. Isso pode ser

exemplificado no livro: “Na vida dez, na escola zero” que trata do ensino da

matemática. Na escola os alunos vão mal, porém em situações naturais, cotidianas,

e que necessitam de um raciocínio matemático eles vão muito bem.

Outra questão referente à escola é que esta, ao valorizar a inteligência, se

esquece da interferência afetiva na não aprendizagem. O sujeito pode estar em

dificuldades de aprendizagem por ter ligado este fato a uma situação de desprazer.

Esta situação pode estar ligada a algum acontecimento escolar. Claparéde diz que a

escola pode provocar na criança conflitos que influenciarão seu gosto pelo aprender.

2.1 Aprendizagem X Fracasso Escolar

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Ao falarmos de fracasso escolar, além de tentarmos analisar os fatores

que contribuem para seu surgimento, é necessário conceituar aquilo que viria a ser

seu oposto: a aprendizagem.

Já mencionamos que a aprendizagem é um processo vincular, ou seja,

que se dá no vínculo entre ensinante e aprendente, ocorre portanto entre

subjetividades. Para aprender, o ser humano coloca em jogo seu organismo

herdado, seu corpo e sua inteligência construídos em interação e a dimensão

inconsciente. A aprendizagem tem um caráter subjetivo pois o aprender implica em

desejo que deve ser reconhecido pelo aprendente. “O desejar é o terreno onde se

nutre a aprendizagem” (FERNÁNDEZ, 2001, p.94).

Aprender passa pela observação do objeto, pela ação sobre ele, pelo

desejo. A aprendizagem é a articulação entre saber, conhecimento e informação.

Esta última é o conhecimento objetivado que pode ser transmitido, o conhecimento é

o resultado de uma construção do sujeito na interação com os objetos (PIAGET) e o

saber é a apropriação desses conhecimentos pelo sujeito de forma particular,

própria dele, pois implica no inconsciente.

A partir disso, podemos definir aprendizagem como uma construção

singular que o sujeito vai fazendo a partir de seu saber e assim ele vai

transformando as informações em conhecimento, deixando sua marca como autor e

vivenciando a alegria que acompanha a aprendizagem.

Este processo se difere bastante do fracasso escolar que pode evidenciar

uma falha nesta relação vincular ensinante-aprendente. Alicia Fernández diferencia

fracasso escolar, problema de aprendizagem e deficiência mental. Para ela no

fracasso escolar “a criança não tem um problema de aprendizagem, mas eu, como

docente, tenho um problema de ensinagem com ele” (FERNANDEZ, 1994, p.97).

O problema de aprendizagem pode ser um sintoma de outros conflitos ou

ainda uma inibição cognitiva, e a deficiência mental tem incidência pequena na

população.

2.2 Fracasso Escolar: Inquietações

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O verbo fracassar, de origem italiana (fracassare), foi utilizado pela

primeira vez no século XVIII, com o significado de arruinar, quebrar. Surgiu em uma

época em que paradigmas estavam em crise e que muitos conceitos e experimentos

para resolução de problemas fracassaram, fazendo emergir novos conceitos.

Mas que relação se pode estabelecer entre fracasso escolar e crise de

paradigmas?

Conforme Khun (2000, p. 105): o significado das crises consiste

exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os

instrumentos.

É chegada, então, a hora de renovar instrumentos, de reflexão e mais do

que isso de reflexão sobre a ação no processo de aprendizagem escolar. O tema

fracasso escolar já é bem disseminado na literatura, em seminários e em

congressos pelo país inteiro.

Muitos são os autores, que mesmo por vertentes diferentes, tratam o tema

com grande maestria: discutem a avaliação, relatam sobre os instrumentos de

avaliação, discorrem sobre teorias de aprendizagem, como também levantam a

bandeira das diferenças. Entretanto por que ainda permanecem índices elevados de

fracasso escolar, mais necessariamente de repetência, apesar de todas as teorias

modernas valorizando a atividade do sujeito?

Sem o propósito de comprovar causas de um tema tão polêmico, mas sim

mostrar indicadores, ou melhor, inquietações pessoais, esta discussão sobre o

fracasso escolar, à luz de algumas idéias de autores, é um grande desafio, posto as

incertezas e crises que se vive dentro do âmbito educacional. É um tema que deve

ser discutido freqüentemente por todos que estão de alguma forma envolvidos com

educação, pois nesta incessante busca e constante reflexão pode surgir novos

caminhos e conseqüentemente superar falsas concepções.

Estamos realmente em crise e há necessidade de reflexões consistentes e

que efetivamente nos levem a alternativas que rejeitem velhos modelos. Por mais

que dentro da educação valorizem teorias como de Jean Piaget e Vygotsky, bem

como as idéias mais atuais de Philippe Perronoud, ainda não se decidiu rejeitar ao

19

Page 21: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

velho paradigma da concepção tradicional. Na verdade, visto por muitas práticas de

sala de aula, beira-se a um ecletismo em que se utiliza tudo um pouco, sem uma

fundamentação coerente, sem um conhecimento consistente e reflexivo.

Pode-se relacionar presente fato, com a afirmação de Kuhn (2000)

quando diz que os cientistas embora possam começar a perder a fé e a considerar

alternativas, não renunciam ao paradigma que os conduziu a crise. Talvez muitos

dos profissionais envolvidos com educação pensem como o ditado popular “Seguro

morreu de velho”, comprovando-se que realmente não há compreensão efetiva das

teorias para fundamentação de suas práticas.

As estatísticas atuais demonstram que boa parcela de alunos chega à 4ª

série do Ensino Fundamental sem saber ler eescrever indicam também que parte da

população brasileira são de analfabetos funcionais, ou melhor, indivíduos que

independente de terem ou não passado pela escola, não fazem uso da escrita. Os

índices de repetência não diminuíram, apesar de tantos estudos sobre o

desenvolvimento infantil e as novas estruturas escolares, como é o caso dos ciclos

de aprendizagens que mal interpretados e sem o devido conhecimento das teorias

embasadoras, foram considerados os “salvadores da pátria”, mera ilusão. É

importante salientar que a preocupação com a repetência não surgiu apenas nesta

década, dedicada à educação, mas já são encontrados estudos nos anos de 60 e

70, enfim o problema permanece, apesar das novas teorias e leituras.

Perrenoud (2000, p.18) diz que “é a própria organização escolar do

trabalho pedagógico que produz o fracasso escolar”. E continua afirmando que:

[...] definir fracasso escolar como conseqüência de dificuldades de aprendizagem é uma visão naturalizadora, que separa os que têm êxito dos que não têm êxito e que o sentimento de fracasso experimentado por um aluno, muitas vezes é a interiorização do julgamento da instituição escolar expresso pelo professor no alto do seu saber.

Muitos educadores comprovam tal fato à medida que vêem a repetência

como um problema ocasionado por causas extra-escolares e ao mesmo tempo

quando a considera solução para a falta de aprendizagem, assim volta-se ao início,

à repetição de tudo, como se o aluno nada tivesse aprendido. Incluem como

20

Page 22: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

possíveis causas à estrutura familiar, carência econômica e afetiva do aluno e até

deficiências diagnosticadas de senso comum, entretanto sua própria prática não é

passível de questionamentos.

Para Dorneles (1999, p.25): “a causa do fracasso escolar não está

exclusivamente em um único dos fatores possíveis, nem só do professor, nem nos

métodos, nem nos recursos, nem na escola e nem no sistema”. Está no sistema e

nos métodos e nos recursos e na avaliação. A autora relata que há seis fragmentos

de concepções referentes a aspectos internos da escola que, aliadas a outras,

acabam promovendo o fracasso escolar:

A concepção de aprendizagem predominante entre alguns professores

permanece a de que o aluno aprende através da repetição.

Há uma preocupação central entre os professores em exercer controle e

contenção da conduta dos alunos.

A avaliação da aprendizagem é predominante realizada utilizando-se

provas escritas.

Há uma expectativa dos professores quanto ao aluno ideal a qual se

afasta completamente da realidade.

A relação entre a escola e a família é fragmentada e pouco cooperativa.

Os professores consideram o aluno como o principal responsável pelo seu

fracasso escolar.

O fracasso escolar então é um fenômeno multifacetado e com do vários

fatores que o influenciam e o determinam. Contudo, destro desta perspectiva, o mais

intrigante é em relação à expectativa quanto ao aluno ideal e assim retomamos a

discussão da relação do fracasso escolar com paradigma. Ainda verifica-se entre os

discursos e posturas de educadores ou mesmo dentro do contexto escolar, um

modelo de aluno, um ideal, o padrão, muito longe de aceitar e respeitar a

diversidade tão pregada atualmente, tornando-se difícil tal prática.

De onde surgiu este ideário, sendo que estamos vivendo um momento de

incertezas e de busca de coerência entre o dizer e o fazer? Será que a escola

continua com a nostalgia que existe um ideal perfeito, uma única forma, uma única

ideologia correta, diga-se sutilmente a dominante?

21

Page 23: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

É óbvio que se devem ter parâmetros bem estruturados para nortear o

ensino, mas quais são os parâmetros que estão vigorando para a construção desta

visão dicotômica de excelência em sala de aula e que conseqüentemente vem

disseminando a exclusão?

Mas um fato é certo e desnecessário esgotar, a reprovação é negativa,

tanto ao aluno como ao sistema que também perde com o desperdício de recursos.

Gera frustração tanto ao aluno como também ao professor e este, mesmo que

acredite ser a repetência a única solução, sente-se culpado e incompetente.

Visto o fracasso escolar como reflexo de vários fatores (o que pode gerar

a sensação de fracasso), como conseguir o mínimo plausível para iniciar uma

reflexão coerente rumo a uma educação com efetiva qualidade a todos e não

apenas aos que possuem melhores oportunidades? Sem culpar a escola, ou a

família ou o aluno, como encontrar soluções?

Não existem saídas imediatas, nem receitas miraculosas, muitos menos

conselhos absurdos de como trabalhar a diversidade ditos por pessoas que não

trabalham em sala de aula e não conhecem a realidade precária da educação, mas

três eixos devem ser reavaliados e levados em consideração: o currículo, a

formação dos professores e a família.

É muito fácil pontuar causas, o que normalmente lê-se na literatura, mas é

imprescindível centrar esforços tanto das instituições mantenedoras e especialistas

como também das escolas e professores rumo a um trabalho que leve em conta a

realidade, deixando de lado os discursos e oportunizando uma prática escolar

coerente. Como diz Alvarenga (1999, p. 10):

As antigas certezas dão lugar às inseguranças e, para vencê-las, é preciso quebrar paradigmas. Aprender que não há caminhos certos, mas que pode havê-los melhores; posturas adequadas ao novo e ao crescimento, mesmo em meio à complexidade, se faz necessário.

Assim, sem um só culpado, mas numa interconexão de fatores, fica ainda

o desafio de como transpor esta idéia de rede, de complexidade, de totalidade, para

que o cotidiano escolar seja mais justo, estruturado e minimize cada vez mais o

fracasso escolar.

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Page 24: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

Novos estudos, novas rupturas, novos debates dentro do contexto escolar

se fazem necessários para que os agentes e neste incluem-se alunos, professores e

pais, possam juntos encontrar soluções para que haja permanência dos alunos na

escola, haja a valorização da educação infantil, a sensibilização e apoio à família e

principalmente a formação reflexiva do professor, o que lhe possibilitará um novo

olhar, longe de reducionismos e compreensões simplistas, para assim analisar os

emaranhados que surgem com uma educação elitista.

Hoje, em nosso século, fracasso continua com a mesma conotação.

Continuamos na educação sendo muitas vezes mal sucedidos e falhando, mas

como é possível não falhar dentro de um contexto tão diversificado, com uma

educação que ainda faltam recursos, de professores que necessitam de uma

formação mais adequada e de uma família que precisa de apoio? O fracasso existe,

então resta-nos refletir sobre a falha e juntos, sem acusar culpados, procurar dentro

da escola propor ações que tornem o ensino acessível e efetivo a todos.

2.3 Fracasso escolar nas séries iniciais: perspectiva social, familiar e

educacional

Considera-se como fracasso escolar à resposta insuficiente do aluno as

exigências da escola. Esta questão pode ser analisada e estudada sob diferentes

pontos de vista.

O setor social, como primeiro olhar, é dentre outros o mais amplo e de

certo modo permeia os demais. Neste âmbito, inserem-se o tipo de cultura, as

condições e relações político-sociais e econômicas vigentes, as ideologias

dominantes e as relações explícitas ou implícitas destas circunstâncias com a

educação escolar. A escola, como o segundo olhar de análise, é considerada sob

diferentes níveis, como a maior contribuinte para o fracasso escolar de seus alunos.

Tal possibilidade de estudo não pode ser isolada da anterior, pois o sistema de

ensino, seja público seja particular, reflete sempre a sociedade na qual está inserido.

23

Page 25: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

A escola não existe desvinculada do sistema sócio-econômico, mas, pelo

contrário, é um reflexo dele. Portanto, a possibilidade de absorção de certos

conhecimentos pelo aluno dependerá, em parte, de como essas informações lhes

chegaram, lhes foram ensinadas, o que por sua vez dependerá, nessa cadeia, das

condições sociais que determinaram a qualidade do ensino.

Millot (1987) assinala que é na família que o processo de aprendizagem se

inicia. Num processo de transferência, o amor sentido pela criança por seus pais e

mais tarde, por seus professores, é o que vai continuar a ser o motor da

aprendizagem.

Assim, a família e a escola possuem um elemento comum: a criança. Os

problemas de adaptação escolar vão se refletir na família. Todavia, será que a

família desta criança reconhecerá esta problemática como sua? Existe uma grande

discrepância entre o que os pais identificam como sendo realmente "problema" e o

que a escola valoriza como tal. O sentimento de inadequação por parte do aluno

resulta em sua reprovação, interpretada erroneamente como fracasso escolar.

Essas reflexões apresentam uma problemática: Entre o espaço familiar e o

escolar, situa-se uma criança que não está de acordo com o que dela é esperado

pela escola. Essa criança não alcança o resultado esperado pela escola, sem saber

exatamente no quê e por quê está sendo reprovada. Na interpretação das

instituições educacionais, tal reprovação é considerada como fracasso escolar. Qual

seria então a concepção que a escola, a família e a sociedade possuem a respeito

de fracasso escolar? A partir da análise dessas concepções que sugestões podem

ser propostas para minorar o problema do fracasso escolar?

Com o objetivo maior de conhecer os aspectos legais e históricos do

ensino fundamental no Brasil, e para se compreender o processo geral do fracasso

escolar, é imprescindível analisar o papel do Estado na formação escolar, identificar

a importância da família no processo ensino-aprendizagem. Deve-se ainda: analisar

a escola nas diferentes maneiras de aquisição do conhecimento; além de identificar

os fatores do desenvolvimento da aprendizagem no aluno.

Desde os primeiros estudos sobre fracasso escolar, observou-se que as

crianças que ingressavam tardiamente, repetiam o ano, obtinham baixas

qualificações ou abandonavam os estudos, pertenciam majoritariamente aos

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Page 26: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

mesmos setores da população chamados então "populares", àqueles que não

haviam recebido educação sistemática até a criação da escola pública.

A família sempre passou por mudanças que correspondem às mudanças

da sociedade. Ela tem assumido ou renunciado as funções de proteção e

socialização de seus membros em resposta às próprias necessidades e as da

cultura. Neste sentido, as funções da família atendem a dois diferentes objetivos: um

interno - a proteção psicossocial de seus membros; outro externo - a acomodação a

uma cultura e a transmissão dessa cultura, aspectos do processo de socialização.

Em todas as culturas, a família dá a seus membros o cunho da

individualidade. A experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido

de pertencer e o outro sentido de ser separado de diferentes grupos, cuja matriz é

sempre a família.

Collares (1989) afirma que o fracasso escolar é um problema social e

politicamente produzido. Desse modo, é necessário desmistificar as famosas causas

externas do fracasso escolar, devido a sua articulação no próprio âmbito escolar o

que relativiza e até mesmo inverte as muitas formas de compreendê-lo, dentre as

quais a atual caracterização do fracasso escolar como "problemas de

aprendizagem", o que, a partir dessa perspectiva, poderia ser atendido como

"problemas do ato de ensinar", fatores que não são produzidos exclusivamente na

sala de aula.

O fracasso escolar, em uma primeira aproximação, responde a duas

ordens de causas: externas à estrutura familiar e individual daquele que fracassa em

aprender, ou internas à sua estrutura familiar e individual. Em geral, estas duas

causas acham-se sobrepostas na história de um indivíduo em particular.

Em textos recentes, já produzidos no bojo das rupturas temáticas, são encontradas

duas afirmações para o fracasso escolar:

1º) As dificuldades de aprendizagem escolar da criança pertencente à

camadas menos favorecidas da população decorrem de suas condições de vida.

Este pressuposto encontra-se em plena circulação no pensamento educacional, o

que demonstra ainda estarmos sob a influência da teoria da carência cultural.

2º) A escola pública não está adequada a crianças de classe baixa e o

professor, ao tomar decisões e agir, tem em mente um aluno ideal.

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Page 27: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

Arroyo (1977 apud ABRAMOWICZ, 1997) aborda o tema fracasso escolar

partindo da hipótese de que existe entre nós uma cultura do fracasso, que dele se

alimenta e se reproduz. Tal cultura legitima práticas, rotula fracassados, trabalha

com preconceitos de raça, gênero e classe, além de salientar que reprovar faz parte

da prática de ensinar-aprender-avaliar. Há uma indústria, uma cultura da exclusão.

Este autor ainda analisa o fracasso escolar sob a hipótese da cultura da exclusão

estar materializada na organização e na estrutura do sistema escolar. Ele está

estruturado para excluir.

Afinal de quem é a responsabilidade do fracasso escolar? Os professores

responderam que é do próprio aluno; outros afirmaram que é da família, e apenas

um respondeu que a responsabilidade do fracasso escolar é do sistema educacional.

Para Cecília (apud ABRAMOWICZ, 1997, p. 63), “no Brasil o conceito de

fracasso escolar atravessou muros acadêmicos para se situar no centro dos

debates”. Ainda assim os professores na escola pesquisada parecem não

compreender muito bem o conceito de fracasso escolar, tal afirmação se faz devido

aos comentários realizados pelos próprios professores ainda no início do

preenchimento do questionário, embora não tenha optado por nenhum tipo de

entrevista direta ou indireta, alguns comentários foram realizados pelos professores,

tais como: "[...] Não compreendo o porquê de estarem me questionando sobre isso.

É mais ou menos como se eu fosse a única culpada" (fala de uma das professoras,

minutos antes da aplicação dos questionários).

Os professores apresentam, em suas colocações verbais e escritas, como

se estivessem aguardando na escola o aluno ideal, o aluno que sabe tudo. A

metodologia utilizada pelo professor para trabalhar determinado tema é única, não

atende à diversidade e não considera aqueles que de um determinado modo não

conseguem aprender.

Sobre isso, Patto (1999, p.76), afirma:

[...] havia uma convergência das escolas brasileiras sobre fracasso escolar, fatores intra-escolares haviam se tornado o alvo mais freqüente das investigações, mas também das conclusões: a maioria delas apontavam a inadequação da escola, a realidade da clientela [...] ao invés da tendência a atribuir à clientela as causas do fracasso escolar ter sido superada, ela foi

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Page 28: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

apenas acrescida de considerações sobre a má qualidade do ensino que se oferece a essas crianças.

Em textos recentes já produzidos no cerne das rupturas temáticas, teórica

e política, constata-se três afirmações que se seguem, por serem freqüentemente

constatadas:

1) As dificuldades de aprendizagem escolar que podem conduzir ao

fracasso da criança pobre decorrem de suas condições de vida. Esta afirmação vem

seguida de outras justificativas que a autora Patto (1999, p.155), apresenta em sua

pesquisa:

[...] Os currículos escolares são planejados partindo do pressuposto de que a criança já domina certos conceitos elementares, que são pré-requisitos para aprendizagem. Isso pode ser verdadeiro para aquelas que, na família, aprenderam esses conceitos, mas não o é para as que vivem em ambientes culturalmente pobres quanto a conteúdos que são típicos das classes economicamente favorecidas, embora ricos em aspectos que a escola não costuma valorizar.

2) A escola pública é adequada às crianças de classe média e o professor

tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal. Essa afirmativa ainda

é tão verdadeira a ponto de Brandão e seus colaboradores terem verificado durante

1971 a 1981 que "pela distância cultural entre a escola e sua clientela majoritária, as

características do material didático, dos conteúdos e da linguagem que se

apresentam como estranhas à criança [...]" "o fracasso escolar não se deve tanto ao

método, mas muito mais ao fato de formas e conteúdos, na escola, estarem

distantes da criança concreta com a qual a professora se depara" (PATTO, 1999,

p.157).

3) Os professores não entendem ou descriminam seus alunos de classe

baixa por terem pouca sensibilidade e grande falta de conhecimento a respeito dos

padrões culturais dos alunos pobres. Por isso é necessário afirmar: o

desconhecimento a respeito dessas crianças é generalizado e está presente também

no corpo do conhecimento científico; portanto, mesmo que este professor tente suprir

suas lacunas de informação e corrigir seus vieses de classe, entrando em contato

com os textos que estão mais à mão, é provável que continuará a desconhecer seus

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Page 29: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

alunos pobres, julgando que os conhece. Cabe perguntar se muitos dos equívocos

dos professores a respeito da clientela não resultam do contato com textos que, a

título de formá-los ou de sanar suas deficiências de formação, podem estar

confundindo-os ainda mais (PATTO, 1999).

Quanto à responsabilidade do aluno pelo seu próprio fracasso escolar,

alguns professores ainda responderam que o aluno é culpado pelo seu próprio

fracasso. O que causa estranhamento é o professor não se responsabilizar pelo

fracasso do aluno, mas acreditar que o aluno é capaz, mesmo nas séries iniciais, de

aprender os conteúdos mais complexos, sem o auxílio de um orientador. Quanto a

isso, Perrenoud (1999, p.83) afirma:

A maioria dos métodos de ensino age como se todos os alunos reunidos em uma turma tivessem que realizar as mesmas aprendizagens. Na realidade, sobretudo no domínio da língua, isso é pura ficção. Uma parte dos alunos do primeiro ano primário já sabem ler e gastam inutilmente tempo, espaço, energia, que seriam melhor utilizados em favor dos alunos que precisam realmente aprender a ler [...] Se a escola dedicasse seus esforços aos alunos que realmente precisam dela, ela lutaria de modo mais eficaz contra o fracasso escolar.

Sobre as atividades que a escola tem realizado para diminuir o número de

alunos repetentes, é curiosa a quantidade de professores que informaram fazer

reuniões com pais e acompanhamento junto à família dos alunos. Estes mesmos

professores, quando questionado anteriormente, informaram que a família não

participa do processo e comentam que quando conseguem falar com os pais já é

tarde demais.

Werneck (1999, p.91) faz um alerta relacionado à função da escola e dos

professores:

Falta à escola uma atitude de olhar para frente, de buscar o futuro, de acreditar no novo, de promover aqueles que se lançam com ousadia na busca de suas transformações. É isto que falta à escola e aos professores. Portanto, ousem na vida para que vivam na maior amplitude possível e sejam elementos transformadores.

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Page 30: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

3. O FRACASSO ESCOLAR: DE QUEM É A CULPA?

Como vimos nos números apresentados na introdução, os dados oficiais

da educação pública do Brasil, especialmente os do Estado de São Paulo, têm

apontado para os altos índices de reprovação e evasão das crianças no período de

escolarização. Atingindo, principalmente os alunos das classes populares, que são

os usuários da rede pública (SAWAYA, 2002).

A incansável procura por soluções para o problema sobre o fracasso

escolar nas escolas públicas brasileiras nos leva a questionar de quem seria a culpa

ou responsabilidade para toda essa reverberação política e social que assola a

realidade da educação brasileira.

Em um primeiro momento, poderia se pensar que a culpa seria única e

exclusivamente do aluno, uma vez que, a falta de esforço e estudo do mesmo

casaria seu insucesso em sala de aula. Mas, repensando a causa de culpa do aluno,

na maioria das vezes, ele apenas poderia estar condenado ao que se poderia

chamar de “criança carente”, ou “o mito da culpa”, isto é, a culpa, na realidade, não

existe, não em se tratando da culpa exclusivamente do aluno, mas sim de toda uma

sociedade, do governo e de sua manipulação mais do que excessiva sobre

professores e educadores, sobre a própria educação.

A busca de explicações para o baixo desempenho escolar dos alunos de

camadas populares tem encontrado aporte em diferentes áreas de conhecimento em

suas contribuições à educação, como as ciências sociais e a psicologia. E tem

trazido versões sobre as causas do fracasso escolar a partir dos estudos sobre o

desenvolvimento psicológico e os processos de aprendizagem no ser humano, e que

centram o problema do fracasso escolar como decorrente de distúrbios de

desenvolvimento cognitivo e suas repercussões negativas sobre os processos de

aprendizagem da criança.

A influência de um ramo da psicologia voltada para explicações que se

centravam no aluno e em seus supostos distúrbios ou deficiências, já foi largamente

criticada pela própria psicologia, que revelou que ao invés de permitirem avanços

rumo a um melhor entendimento dos múltiplos e complexos aspectos envolvidos na

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Page 31: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

produção do fracasso escolar, teve como desdobramento um deslocamento da

atenção de alguns dos principais problemas da educação a serem enfrentados: a

construção de uma escola democrática e de qualidade.

Esses argumentos utilizados para justificar as causas do fracasso escolar

como sendo do aluno pobre e de sua família, que passaram a partir dos anos 60 a

ter acesso à escola pública, supostamente trazendo para dentro dela problemas

sociais atribuídos aos seus modos de vida, estão pautados em mitos e preconceitos

provenientes do senso comum e da maneira de perceber as camadas populares, e

estiveram desde então a serviço de interesses escusos, visto que concebemos na

psicologia escolar crítica que o fracasso escolar é um fenômeno que transcende os

aspectos psicológicos individuais dos usuários da escola, e é produzido na

complexidade das relações estabelecidas nesta instituição.

Com a constatação de que esse ideário permanece presente e fortalecido

nas escolas públicas e nas pesquisas acadêmicas, entendemos como necessário

mostrar a presença de uma literatura que permite conhecer os limites e avanços das

políticas educacionais e das metodologias de ensino em voga, revelando muitas das

razões pelas quais elas não têm conseguido obter o êxito almejado: democratização

e qualidade de ensino.

Por outro lado, também existem relatos de experiências que mostram a

presença nos meios educacionais de explicações e propostas de intervenção

institucional que superaram a visão reducionista e psicologizante que culpa alunos e

professores pelo fracasso do ensino no Brasil.

E que situam o problema do fracasso como um processo produzido nas

relações intra-escolares e que, portanto, permite apontar caminhos rumo à sua

superação. Nesse sentido, vamos analisar o projeto psicopedagógico à luz das

questões trazidas por esse aporte teórico que apresentaremos a seguir, tentando

compreender em que medida ele avança em direção a essa superação, ou

permanece na visão hegemônica.

Vejamos então, de forma resumida, que psicologia é essa que se faz

presente na escola até os dias de hoje e porque está a serviço da manutenção do

sistema educacional vigente. Para tal, iniciaremos nossa exposição trazendo

pesquisas acadêmicas sobre as concepções de fracasso escolar.

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Page 32: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

Patto et al. (2004), apresentam um estudo introdutório sobre o estado da

arte da pesquisa sobre o fracasso escolar na rede pública de ensino fundamental,

partindo de uma retrospectiva histórica de pesquisa educacional no Brasil.

Foram analisadas as teses e dissertações defendidas entre 1991 e 2002

na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São

Paulo. Foram encontradas e categorizadas 71 obras.

Nesta pesquisa revelaram-se vertentes que entendem, segundo as

autoras, o fracasso escolar das seguintes formas: como problema essencialmente

psíquico; como problema meramente técnico; como questão institucional; como

questão fundamentalmente política.

Os resultados também mostraram a existência de continuidades e

rupturas teórico-metodológicas em relação aos caminhos percorridos pela produção

de saber da área.

Segundo as autoras, há teses em que permanece o domínio de

concepções psicologizantes e tecnicistas de fracasso escolar; em outras, coexistem

concepções inconciliáveis que resultam em um discurso fraturado; há também teses

que dialogam e avançam a pesquisa crítica do fracasso escolar, inserindo-o nas

relações de poder existentes numa sociedade de classes (PATTO, 2004).

A presença de concepções psicologizantes e tecnicistas de fracasso

escolar na área da psicologia da educação, tanto nas bases teóricas quanto na

atuação do psicólogo escolar, já havia sido apontada por Patto (1984) no livro

Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar, na década de 80.

Neste trabalho a autora apresenta e analisa as principais bases teóricas

das práticas psicológicas que repercutiram na escola, os métodos que os psicólogos

utilizavam em sua prática, o fato das explicações sobre as dificuldades da

escolarização dos alunos estarem focadas nas crianças e em suas famílias e a

forma restrita como a Psicologia interpretava os fenômenos escolares. Patto (1984)

discute o comprometimento político da Psicologia, ou seja, a serviço de que e de

quem estaria essa Psicologia Escolar, bem como a prática psicológica ligada a ela,

concluindo que a intervenção do psicólogo escolar no campo da educação contribuía

pouco a serviço da melhoria da qualidade da escola e dos benefícios que esta

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Page 33: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

escola deveria estar propiciando a todas as crianças, especialmente às crianças das

classes populares.

Iniciava-se, portanto, na trajetória da Psicologia Escolar, um conjunto de questionamentos a respeito do seu papel social, dos pressupostos que a norteavam, suas finalidades em relação à escola e com vários trabalhos de pesquisa que passaram a se fazer presentes na década de 1980, questionando o papel do psicólogo, sua identidade profissional e o lugar da Psicologia enquanto ciência numa sociedade de classes (SOUZA, 2006, p. 229).

Em 1990, Patto publica seu trabalho A produção do fracasso escolar:

histórias de submissão e rebeldia, resultado de uma pesquisa de vários anos que

analisa os processos intra-escolares produtores de fracasso a partir de um estudo

de caso em uma escola da periferia de São Paulo.

Inseridas nessas questões intra-escolares, foram explicitadas, de forma

viva e pulsante, as repercussões devastadoras da atuação de uma certa psicologia

na vida de alguns alunos.

Atuação esta que atravessou toda a trajetória escolar das crianças,

estigmatizando-as através de preconceitos, avaliações inadequadas e a serviço da

exclusão dentro da escola dos alunos das classes populares.

Esta pesquisa trouxe resultados que foram responsáveis por avançar

consideravelmente a área de estudos da psicologia escolar no que diz respeito à

forma de conceber os problemas escolares, saindo da explicação que centrava as

dificuldades escolares no aluno e em sua família, para aquela que passa a entender

o fracasso escolar como uma produção da própria escola.

Na medida em que a pesquisa de Patto (1999) permitiu compreender os

processos intra-escolares produtores de fracasso e, dentre eles, a presença na

escola de um discurso educacional que orienta e estrutura as práticas pedagógicas

partindo de supostas dificuldades localizadas nos alunos, e que, tendo como

pressuposto alunos que não vão aprender, que possuem deficiências e atrasos de

desenvolvimento, criam estratégias como as classes de reforço, projetos de

aceleração de desenvolvimento cognitivo etc.

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Page 34: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

Nesse sentido, este trabalho serviu como referencial teórico para nossa

pesquisa na medida em que permitiu orientar nosso olhar para aspectos da prática

desenvolvida em uma escola pública por uma psicopedagoga, na intervenção nas

queixas escolares dos alunos apresentadas pelas professoras e coordenadoras.

Estes resultados foram resumidos por Patto (1999) em quatro pontos

fundamentais que serão apresentados a seguir.

A primeira consideração feita por Patto (1999, p. 407), foi de que “as

explicações do fracasso escolar baseadas nas teorias do déficit e da diferença

cultural precisam ser revistas a partir do conhecimento dos mecanismos escolares

produtores de dificuldades de aprendizagem”. Pois,

[...] tudo indica que a tese segundo a qual o professor da escola pública de primeiro grau, principalmente em suas duas primeiras séries, ensina segundo modelos adequados à aprendizagem de um aluno ideal, não encontra correspondência na realidade; da mesma forma, a afirmação de que o ensino que se oferece a estas crianças é inadequado porque parte da suposição de que elas possuem habilidades que na verdade não têm, também pede uma revisão (Id., Ibid, p.407). Segundo a autora, A inadequação da escola decorre muito mais de sua má qualidade, da suposição de que os alunos pobres não têm habilidades que na realidade muitas vezes possuem, da expectativa de que a clientela não aprenda ou que o faça em condições em vários sentidos adversas à aprendizagem, tudo isso a partir da desvalorização social dos usuários mais empobrecidos da escola pública elementar (p. 407)

E aponta que é importante que atentemos para as contradições desta

tese que culpabiliza o aluno pobre e a sua família como responsáveis pelo fracasso

da escola pública.

É no mínimo incoerente concluir, a partir do rendimento numa escola cujo funcionamento pode estar dificultando, de várias maneiras, sua aprendizagem escolar, que a chamada “criança carente” traz inevitavelmente para a escola dificuldades de aprendizagem. (...) a desvalorização social da clientela e o preconceito em relação a ela, certamente estão entre as principais idéias feitas e acriticamente incorporadas; longe de serem meras opiniões gratuitas, estas idéias ganham força ao serem confirmadas por um determinado modo de produzir conhecimentos, que alça opiniões do senso comum ao nível de verdades científicas inquestionáveis. Desvendar as maneiras através das quais este preconceito se faz presente na vida da escola mostrou-se um caminho produtivo no esclarecimento do processo de produção escolar. Como vimos, esse preconceito é estruturante de práticas e processos que constituem

33

Page 35: Monografia  -fracasso_escolar - cópia

desde as decisões referentes à política educacional até a relação diária da professora com seus alunos (PATTO, 1999, p. 407-408)

Patto (1999) explica que não há consenso na literatura educacional, sobre

até que ponto as crianças que não vivem em miséria absoluta, que sobrevivem até a

idade escolar (sete anos em média) e têm acesso à escola, têm seu

desenvolvimento físico e psíquico comprometidos.

O que não significa que algumas (a minoria) possam ser portadoras de

distúrbios evolutivos.

Esta comprovação pode ser vista em Collares e Moysés (1996), que

estudam o problema do fracasso escolar e da medicalização da saúde da criança

em idade escolar, evidenciando o equívoco tanto dos profissionais da saúde quanto

os educadores de julgarem de forma preconceituosa e reducionista a questão do

fracasso escolar como sendo a criança pobre e de sua família portadores dos mais

diversos déficits e deficiências.

Estas questões também foram discutidas entre as áreas de fisiologia,

medicina, nutrição e psicologia no “I Simpósio Escola, Nutrição e Saúde: desafios

contemporâneos” realizado em 2004 pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de

Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, evento que contou com a

Profª Drª. Maria Aparecida Moysés do Departamento de Ciências Médicas da

Universidade Estadual de Campinas, Profª Maria H. S. Patto do Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo, Profª Dra. Sandra Sawaya da Faculdade

de Educação da Universidade de São Paulo.

Foram apresentados resultados de pesquisas que comprovam que as

crianças que possuem seqüelas neurológicas importantes, cujas conseqüências não

é possível prever, decorrentes da desnutrição grave, está no hospital, confinadas

numa cama, grande parte do tempo dormindo para poupar energia e, portanto, não

interagem com nada, e provavelmente não sobrevivem.

E, portanto, não estão matriculadas nas escolas, porque não

sobreviveram aos primeiros anos de vida. E que, se existir um pequeno número com

outras necessidades especiais, esse percentual não equivale aos números elevados

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que apresentamos na introdução desta dissertação, ou seja, que aproximadamente

90% não tem um rendimento escolar considerado “adequado” pelo próprio governo.

Outro estudo é citado por Patto (1999), feito por pesquisadores do Grupo

de Estudos Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (GEEMPA), que

chegaram a conclusões que julgaram ser surpreendentes tomando por base as

pesquisas existentes sobre a cognição dos alunos pertencentes às classes

populares principalmente nos Estados Unidos, nas décadas de 60, 70 e 802.

Estes estudos concluíram que os alunos pobres tinham déficit cognitivo

por terem uma cultura diferente da classe média americana, e, portanto, dificuldades

de aprendizagem em relação aos alunos dessa classe, que possuíam uma cultura

mais ligada à escola.

Foi verificado pelo GEEMPA que o método de pesquisa utilizado nestas

pesquisas para o diagnóstico de atraso foi feito a partir do desempenho das crianças

nas provas piagetianas de conservação, seriação e classificação.

Lemos (1985 apud PATTO, 1999), critica os resultados dessas pesquisas,

pois nega, em termos absolutos, uma capacidade que só foi medida a partir dos

conteúdos escolares e não em outras circunstâncias da vida dessa criança.

E que “o diagnóstico da inadequação do ambiente cultural não passa de

uma suposição, já que não resulta da observação dos tipos de atividades que esse

ambiente propicia ou deixa de propiciar à criança” (PATTO, 1999, p. 409, grifo da

autora).

Patto (1999, p. 409) adverte:

[...] para o perigo de se negar, em decorrência dos resultados obtidos por crianças pobres em provas piagetianas, “a capacidade de conservação, seriação e classificação que a criança demonstra no cotidiano das mais variadas culturas, em atividades cuja eficácia é definida pela própria cultura, sobre objetos cujo valor – lúdico ou não-lúdico – também é sócio-cultural.

2 Essas pesquisas foram apresentadas e discutidas no livro “Introdução à Psicologia Escolar” de Patto (1997), onde foram compilados textos pertencentes ao que se denominou “Teoria da Carência Cultural”.

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E menciona uma pesquisa feita com crianças de quatro a seis anos, que,

[...] após terem, em sua maioria, fracassado em provas ‘standard’ de conservação de número e comprimento, tiveram o desempenho esperado quando a transformação foi apresentada como um subproduto ‘acidental’ de uma atividade dirigida à consecução de um determinado objetivo (LEMOS, 1985 apud PATTO, 1999, p. 409-410).

Patto (1999) traz então o relato de Grossi (1985), do GEEMPA, sobre as

pesquisas realizadas com crianças de classes populares:

[...] os resultados foram surpreendentes pois, contrariamente ao que esperávamos, não encontramos crianças subnutridas nem com problemas neurológicos. As provas cognitivas revelaram níveis comparáveis aos encontrados com as mesmas provas em crianças de classe alta e média, isto é, a mesma percentagem de sujeitos conservadores aos seis anos e meio, assim como a mesma incidência nos outros níveis. Outrossim, do ponto de vista perceptivo-motor, nossos alunos da Vila eram mais desenvolvidos do que os de classes sociais mais favorecidas (GROSSI, 1985 apud PATTO, 1999)

Patto (1999) chama-nos a atenção para que com esse tipo de

constatação em mãos, não cometamos o erro de “fazer apologia da pobreza”.

E que os educadores e pesquisadores que chegaram a essas conclusões,

cujos resultados contradizem as pesquisas hegemônicas, estão cientes da

exploração e da opressão sociais, sabem que a miséria é lesiva, mas sabem

também que:

[...] estamos num país cujas taxas de mortalidade infantil encontram-se entre as mais altas do mundo e que, portanto, as crianças mais severamente atingidas pela iniqüidade das relações de produção não chegam, em número significativo, aos bancos escolares (p. 410).

Conclui então que:

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Numa época em que as pesquisas desvelam cada vez mais a situação grave do ensino de primeiro grau, a precariedade das condições de trabalho do professor, sua insatisfação profissional e suas lacunas de formação, sua representação negativa da clientela, a inadequação dos processos de ensino e de avaliação da aprendizagem, a grande mobilidade dos educadores nas escolas que atendem às pessoas mais pobres, a pequena duração da jornada escolar e do ano letivo, a gratuidade apenas nominal da escola pública, é preciso urgentemente rever as afirmações científicas sobre estas pessoas que muito têm contribuído para manter e agravar este estado de coisas.

A segunda consideração feita por Patto (1999, p.407) em relação ao

fracasso escolar é que “o fracasso da escola pública elementar é o resultado

inevitável de um sistema educacional congenitamente gerador de obstáculos à

realização de seus objetivos”.

Segundo a autora as características específicas do sistema público de

educação como as relações hierárquicas de poder, a segmentação e a

burocratização do trabalho pedagógico “criam condições institucionais para a

adesão dos educadores à singularidade, a uma prática motivada acima de tudo por

interesses particulares, a um comportamento caracterizado pelo descompromisso

social” (p.411).

E resulta, segundo Patto (1999, p.411-412), numa situação em que existe

a priorização do administrativo ao pedagógico pelos educadores na escola.

Desta perspectiva, é um equívoco de graves repercussões tentar fazer crer que a causa da ineficiência da escola encontra-se num perfil do educador traçado a partir de considerações moralistas, comuns entre os tecnocratas: “são incompetentes”, “não querem saber de nada”. Os depoimentos das próprias educadoras ajudaram a mostrar que suas reações encontram sua razão na lógica do sistema que as leva a se apropriarem da legislação em benefício próprio, constituindo, assim, verdadeiras “estratégias de sobrevivência” em condições de trabalho adversas. [...] Não estamos, portanto, diante de falhas sanáveis num sistema formalmente perfeito mas diante de um sistema organizado segundo os princípios que o fazem essencialmente perverso.

Seguindo este raciocínio, a autora, baseada nas idéias de Agnes Heller,

afirma que quanto mais o trabalho pedagógico se transforma, movido pela força da

concepção tecnicista de ensino, “tanto mais adquire características de atividade

cotidiana alienada, embora não deixe de ser, nestas circunstâncias, ao mesmo

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tempo ocupação cotidiana e atividade imediatamente genérica” (PATTO, 1999, p.

412).

Patto (1999, p.412) entende que a alienação pode ser vista quando “a

função instrumental domina todas as relações humanas de uma pessoa”, ou seja,

quando os contatos pessoais cotidianos assumem uma forma na qual o outro é

predominantemente instrumento e não finalidade.

No caso da escola, a relação entre os educadores e os usuários poderia

ser tomada como exemplo, pois a instrumentalização do outro propiciaria as

relações de inferioridade/superioridade observadas no cotidiano escolar, tais como

professor-aluno, diretor-professor, professor-pais etc. E que essa relação pode

determinar a forma de olharmos para o problema do fracasso escolar:

Num contexto marcado por relações de superioridade/inferioridade, qualquer afirmação que pareça neutra e objetiva e que reforce a crença de que indivíduos situados nos níveis hierárquicos mais baixos são inferiores, resulta no aprofundamento da dominação e da arbitrariedade. Cabe perguntar, neste momento, se não é esta a principal conseqüência de um discurso educacional que põe em relevo a incompetência do aluno; [...] No plano das idéias, a vida na escola encontra-se imersa na cotidianidade, contrariando a própria definição de seus objetivos, segundo a qual o espaço escolar seria um lugar privilegiado de atividades humano-genéricas. Juízos provisórios e ultrageneralizações cristalizadas em preconceitos e esteriótipos orientam as práticas e processos que nela se dão; pensamento e ação manifestam-se e funcionam exclusivamente enquanto imprescindíveis à simples continuação da cotidianidade, característica do "economicismo" da vida cotidiana; "utilidade" e "verdade" são critérios que se sobrepõe, o que torna uma vida marcada pelo pragmatismo. Por isso, a ação que nela se desenvolve é prática e não práxis, é atividade cotidiana irreflexiva e não atividade não-cotidiana ou atividade humano-genérica consciente (PATTO, 1999, p. 413).

E ressalva que não necessariamente as relações de desigualdade na

escola são relações de superioridade-inferioridade.

Mas que são produzidas pela imersão na cotidianidade das relações de

ensino-aprendizagem, que tem como conseqüência a sua caracterização como o

poder exercido sobre o outro.

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A autora traz novamente as idéias de Agnes Heller para explicitar essas

afirmações:

Heller (1982b) insiste que a desigualdade pessoal não contém necessariamente o momento de superioridade-inferioridade; por exemplo, a relação adulto-criança, embora inevitavelmente desigual, não precisa ser de opressão. Neste sentido, ela diz: "Não será legítimo apor a etiqueta de 'poder' às relações que não derivam de desigualdades sociais mas de desigualdades pessoais. Tomemos o exemplo de um professor e seu aluno, que socialmente são iguais, mas que são pessoalmente desiguais, porque tem um grau diferente de conhecimento: a autoridade do professor diante do aluno não pode ser considerada uma função de poder. Se, ao contrário, a desigualdade se identifica com uma desigualdade social (por exemplo: o professor pode impor ao aluno essa ou aquela opinião, e, se o aluno não estiver de acordo, pode incorrer em sanções punitivas), então nesse caso, a autoridade deve ser considerada como função de poder." (p.32-33) Ao colocar a questão nestes termos, Heller contribui para a crítica das mistificações igualitárias, tão comuns entre educadores liberais, sem incorrer na apologia ou no elogio da dominação na relação pedagógica (p. 413).

Patto (1999) afirma que uma argumentação provável contra a

caracterização de que a ação que se desenvolve na escola “é prática e não práxis, é

atividade cotidiana irreflexiva”, seria que, é possível verificar entre os educadores, a

presença cada vez mais forte de discursos baseados em algum tipo de

conhecimento científico, o que, supostamente os distanciaria do senso comum.

Além disso, as explicações dominantes na literatura educacional sobre o

fracasso escolar das crianças pobres, estão presentes no discurso dos educadores

como questão importante a ser pensada. Mas nos alerta:

Resta indagar sobre a natureza do discurso científico em questão e sobre o seu papel na vida na escola. Os resultados a que chegamos permitem afirmar que além do modelo gerencial que administra as relações, as idéias em vigor a respeito da clientela são outra vertente estruturante poderosa da vida na escola, em geral, e dos contatos que nela se dão, em particular (PATTO, 1999, p.414).

A terceira consideração que Patto (1999, p.407) traz sobre o fracasso

escolar na escola pública brasileira, baseada nos resultados de sua pesquisa, é que

“o fracasso da escola elementar é administrado por um discurso científico que,

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escudado em sua competência, naturaliza esse fracasso aos olhos de todos os

envolvidos no processo”.

A autora fala-nos sobre a presença na escola e na sociedade capitalista

atual de um discurso científico que se confunde com o senso comum, o que contribui

com a naturalização do fracasso escolar e a individualização do fracasso como

sendo do aluno ou de sua família.

Sobre a existência de um discurso científico na escola como explicação

para o fracasso escolar de crianças oriundas das classes oprimidas, Patto (1999)

explica que é necessário que nos debrucemos sobre as bases teóricas e históricas

dessa ciência e que separemos o que é científico e o que advém do senso comum,

e que é, portanto, permeado por preconceitos, mitos e crenças, e inculcado como

científico.

Também explica que essa crença não é algo neutro e sem finalidades no

sistema educacional, mas que tem por trás um discurso competente, e ideológico,

que tem como intenção à manutenção da estrutura da sociedade dividida em

classes, e, portanto, a precarização cada vez maior da escola pública.

Esta visão preconceituosa, de profundas raízes sociais, encontra apoio nos resultados das pesquisas que fundamentam as afirmações de uma ciência que, tendo como álibi uma pretensa objetividade e neutralidade, eleva uma visão ideológica de mundo à categoria de saber. Este fato facilita sobremaneira a transformação do usuário no grande 'bode expiatório' do sistema porque embaça a percepção da natureza política do fracasso escolar ao transformá-lo numa questão de incapacidade pessoal ou grupal anterior à escola. A constatação desta íntima relação entre o discurso dos educadores e o discurso científico colocou como necessária à reflexão sobre o problema da escolarização das parcelas mais empobrecidas das classes subalternas à tarefa de examinar criticamente as versões sobre as causas do fracasso escolar presentes ao longo da história da educação no país. Sua realização pode não só ter resultado numa pequena contribuição ao estudo da formação do pensamento educacional no Brasil, como confirmou a natureza instrumental da ciência que, desde o final do século passado, subsidia a política educacional e as orientações pedagógicas voltadas para a escola pública elementar. [...] Quanto mais alienada for a vida cotidiana, mais sua estrutura expande-se e invade os domínios do pensamento e da ação não-cotidianos, como a ciência, a arte e a política, a ponto de não haver mais a linha divisória entre senso comum e ciência [...] (PATTO, 1999, p. 414-415)

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A autora afirma que esta "tendência regressiva, cronológica e

individualizante das explicações científicas do fracasso escolar, (...) opera uma

redução psicológica do problema e localiza na família a origem das dificuldades que

as crianças pobres terão na escola", justificando a inadequação das medidas do

sistema educacional voltadas para sanar estes problemas individuais, e também a

crueldade dessa relação de poder onde o mais oprimido pelo próprio sistema é

culpabilizado pelo fracasso dele mesmo.

Patto (1999) lança mão de uma analogia apresentada por Rocha (1984,

apud PATTO, 1999), sobre a relação entre a criminologia e criminalidade que se

aplica à relação entre a psicologia educacional e o fracasso escolar.

Segundo ele, “o desenvolvimento da criminalidade é operado por um processo institucional de criminalização do trabalhador pauperizado”; usando da mesma estrutura de frase, podemos dizer que 'o desenvolvimento do fracasso escolar é operado por um processo institucional de 'fracassalização' do aluno pauperizado'. Além disso Rocha conclui que 'a criminalidade é administrada por um processo de criminalização do trabalhador pobre a nível do saber criminológico oficial que informa 'cientificamente' o processo de criminalização institucional', da mesma forma, podemos afirmar que o fracasso escolar é administrado por um processo que transforma o aluno em fracassado no plano do saber psicopedagógico oficial, saber este que informa 'cientificamente' o mesmo processo de atribuição individual do fracasso no plano institucional. A abstração e a inversão ideológica operadas pela criminologia também estão presentes na psicologia educacional: nela, como no discurso criminológico, aparentemente tudo se passa como se o fracasso escolar se desenvolvesse por si próprio, a despeito de ser combatido por medidas técnico-administrativas tomadas pelo Estado através das secretarias de Educação; nela, características da porção mais pobre da população trabalhadora são tomadas como sinais de predisposição ao fracasso escolar; nela, características do aluno intimamente ligadas a um processo escolar que leva ao fracasso são tidas como parte da personalidade ou natureza da criança que fracassa: 'a criança malsucedida não se interessa pela aprendizagem', 'o multirrepetente é apático ou agressivo', 'a criança de classe baixa aprende num ritmo mais lento', são exemplos dessa inversão (PATTO, 1999, p. 416).

A quarta e última consideração que Patto (1999) traz sobre a pesquisa é

que “a convivência de mecanismos de neutralização dos conflitos com

manifestações de insatisfação e rebeldia faz da escola um lugar propício à

passagem ao compromisso humano-genérico” (p. 407).

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A autora explica que não há na vida cotidiana relação que seja totalmente

alienada ou totalmente humano-genérica. E que é exatamente essa característica

que abre espaço para as possibilidades de transformações nessas mesmas relações

sociais.

Se é verdade que “a conduta burocrática implica exagerada resistência à mudança”; que “a burocracia é uma estrutura na qual a direção de atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente organizado deve agir segundo os critérios impessoais e métodos racionais”; que “enquanto estruturas de dominação, as organizações burocráticas se valem de mecanismos de neutralização do conflito, manipulando todas as instâncias”, é verdade também que não existe total impessoalidade nem o total submetimento. Heller lembra que o contato cotidiano se dá entre as pessoas que ocupam determinado lugar na divisão do trabalho mas que estas também são pessoas únicas, não apenas portadoras de papéis (p.106).

E aponta que na pesquisa realizada ficou evidente que há contradição na

escola, ou seja, há movimentos de 'rebeldia' tanto por parte dos professores, quanto

dos alunos e pais. Existem vozes dizendo, mesmo ‘sufocadas’, que o fracasso

escolar não está localizado na criança pobre e a escola isenta desse processo. E

denunciando as condições precárias de trabalho dos educadores.

Essas contradições não são eliminadas totalmente nas relações

estabelecidas, e abrem caminho para que alguns ruídos sejam criados nessa

cristalização e naturalização do fracasso como advindos de crianças problemáticas e

portadoras de déficits cognitivos, emocionais, físicos e sociais.

Não foi difícil perceber o conflito latente e a insuficiência do controle na eliminação ou mesmo na contenção de comportamentos indesejados. Como dissemos, a rebeldia pulsa no corpo da escola e a contradição é uma constante no discurso de todos os envolvidos no processo educativo; mais que isto, sob uma aparente impessoalidade, pode-se captar a ação constante da subjetividade. A burocracia não tem o poder de eliminar o sujeito; pode, no máximo, amordaçá-lo. Palco simultâneo da subordinação e da insubordinação, da voz silenciada pelas mensagens ideológicas e da voz conscientes das arbitrariedades e injustiças, lugar de antagonismo, enfim, a escola existe como lugar de contradições que, longe de serem disfunções indesejáveis das relações humanas numa sociedade patrimonialista, são a matéria-prima da transformação possível do estado de coisas vigente em instituições como as escolas públicas de primeiro grau situadas nos bairros mais pobres (PATTO, 1999, p. 418).

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Diante desta contribuição fundamental que Patto (1999) trouxe para a

área de estudo que se denomina “fracasso escolar”, juntamente com os

conhecimentos produzidos pela Psicologia Escolar em sua vertente crítica3,

discutiremos a seguir o equívoco de entender esse fenômeno como uma questão

unicamente de má-formação de professores e como essas idéias ainda estão

presentes tanto nos cursos superiores de formação de professores quanto nos

cursos oficiais de formação em serviço promovidos pelos órgãos públicos de

educação.

3 Sawaya (1992, 1999, 2002), Machado (1994, 1997), Souza (2002), entre outros.

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4. A MÁ FORMAÇÃO DO PROFESSOR COMO RECORRÊNCIA DO FRACASSO

ESCOLAR

Percebe-se um movimento na escola, onde a culpa pelo fracasso escolar

passa a ser "dividida" com mais um indivíduo: o professor. Ou melhor, a má

formação do professor.

Souza (2002, p. 249) afirma que na última década houve uma tendência a

serem ofertados inúmeros cursos de formação contínua4 aos professores,

especialmente do ensino fundamental e médio.

Há um esforço das secretarias de Educação para que sejam criados

cursos de “capacitação”, “reciclagem” para melhorar a “competência” dos

professores, coordenadores e diretores. Não há novidades neste fato, “uma vez que

a idéia de que uma boa educação escolar é obtida com professores bem formados

está presente não só no imaginário social, mas também na história da educação no

Brasil”. Mas o argumento utilizado para justificar estes investimentos e os objetivos

precisam ser explicitados.

A literatura educacional também segue nesta direção. O conceito de

competência, mais especificamente, o de “competência técnica”, passou a ser

corrente tanto no meio acadêmico quanto no sistema educacional. Isso ocorreu,

segundo Souza (2002, p.250-251)

[...] à medida que as explicações do fracasso escolar das crianças das classes populares começaram a mudar de foco: dos chamados aspectos exógenos ao sistema escolar para os aspectos endógenos. Em outras

4 Também encontramos os termos formação em serviço, formação permanente ou formação continuada.

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palavras, à medida em que as explicações tradicionais baseadas na Teoria da Carência Cultural começaram a ser criticadas, o professor e sua prática entraram novamente em cena, ganhando maior visibilidade. Em diversas ocasiões análises simplistas identificam os professores como a “parte culpada” pelos sérios problemas observados nas escolas.

Segundo a autora, essas análises seguem a lógica de que os professores

não recebem uma formação boa inicial formal, e que quando iniciam o trabalho nas

escolas não sabem como lidar com a clientela escolar, majoritariamente pertencente

às classes oprimidas. Portanto, o fracasso escolar são o “atestado da incompetência

dos professores”.

A solução do problema, seguindo esta lógica, para melhoria da qualidade

da escola, seria capacitar os professores por meio de cursos de formação contínua,

nos quais poderão suprir as deficiências de sua formação inicial e entrarão em

contato com novas teorias, metodologias e técnicas de ensino-aprendizagem.

Souza (2002, p.267) faz uma análise crítica sobre esta questão trazendo

a fala dos professores que se submeteram a estes cursos de capacitação dizendo

que:

[...] os professores se queixam de que os cursos não tratam das questões que mais os preocupam, não expõem sobre a prática escolar; queixam-se da inexistência ou da pouca melhora no desempenho dos alunos em sala de aula, da imposição de cursos de cima para baixo, e assim por diante.

E conclui que “todas as tentativas recentes de formação em serviço

desenvolvidos pela SEE têm tomado os professores individualmente e isolados de

seu contexto, considerando-os profissionais incompetentes que precisam ser mais

bem treinados” (SOUZA, 2002, p. 267).

Com o surgimento e contribuições oferecidos pela Psicopedagogia, os

conceitos referentes ao processo de aprendizagem estão sendo reconsiderados. No

que diz respeito à aprendizagem, de acordo com Collares e Moysés (1992, p.24),

“qualquer sujeito, independente do seu comprometimento corporal, orgânico, cultural

ou psicológico se relaciona e elabora aprendizagem, pois é um ser social, que

estabelece relações vinculares durante toda a sua existência”.

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A prática psicopedagógica tem deixado clara a comprovação da premissa

de que, “mesmo na ignorância, a criança assim persiste certamente por elaborar

mecanismos inteligentes de defesa ou de manutenção de uma dinâmica grupal na

qual se encontra inserida” (COLLARES; MOYSÉS, 1992, p.25).

Atualmente, ressalta-se a necessidade de levar em consideração o aspecto orgânico para avaliar as dificuldades de aprendizagem associando-os aos aspectos cognitivos e afetivos na elaboração do diagnóstico e na indicação do tratamento.

A priorização desses fatores deve ser aliada à análise das condições

econômicas e culturais da criança, bem como a análise da escola.

A intervenção psicopedagógica tem contribuído e aliado-se ao enfoque

pedagógico.

Sendo assim, a Psicopedagogia transformou-se em um campo de amplos

conhecimentos, com o objetivo principal de analisar o processo de aprendizagem,

sua evolução normal e patológica, bem como as interferências da família, escola e

sociedade neste processo. As dificuldades de aprendizagem passaram ser

explicadas de acordo com a interação de diversos fatores escolares e familiares.

Nesse sentido, a Psicopedagogia colabora com a escola, haja vista que é

no âmbito desta instituição que a aprendizagem socialmente reconhecida acontece.

“O psicopedagogo atua no cotidiano pedagógico, mas, agora, já não procura por

causas e soluções em si mesma” (DORNELLES, 1990, p.22).

A atuação do psicopedagogo não engloba somente seu espaço físico de

atuação, mas também sua maneira de pensar a Psicopedagogia e seu

conhecimento a respeito da área.

O psicopedagogo que atua em âmbito educacional deve ter por objetivo,

conduzir professores, diretores e profissionais pedagógicos a repensar o papel da

escola frente à prevenção das dificuldades de aprendizagem da criança. No entanto,

ressalta-se que mesmo a escola priorizando os problemas de aprendizagem, esta

nunca conseguirá abrangê-los em sua totalidade, pois crianças mais comprometidas

necessitam de atendimento psicopedagógico mais especializado em clínicas. Por

isso, o psicopedagogo pode atuar de uma forma mais preventiva, objetivando reduzir

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ou evitar os problemas de aprendizagem em âmbito escolar ou de forma clínica,

onde dá atendimento às crianças com maiores comprometimentos, cujas

dificuldades não podem ser resolvidas na escola.

O Psicopedagogo que atua em âmbito escolar deve fazer com que a

escola acompanhe o desenvolvimento de seus alunos e seja um verdadeiro espaço

de construção de conhecimentos, oferecendo suporte para que todos os envolvidos

neste processo compreendam a necessidade de se realizar transformações efetivas.

Para que um psicopedagogo consiga ter um bom desempenho, é preciso

que ele conquiste seu espaço dentro da escola, o que ainda não é uma tarefa fácil,

pois a maior parte das escolas acreditam que o orientador educacional é capaz de

solucionar todos os problemas.

São muitas as formas de colaboração do Psicopedagogo na escola. De

acordo com Bossa (2000, p.135),

[...] o psicopedagogo pode auxiliar na elaboração do projeto pedagógico, ou seja, pode ajudar a escola a responder questões importantes, tais como: O que ensinar? Como ensinar? Para que ensinar? Pode realizar o diagnóstico institucional para detectar problemas pedagógicos que estejam prejudicando a qualidade do processo ensino-aprendizagem; pode ajudar o professor a perceber quando a sua maneira de ensinar não é apropriada à forma do aluno aprender; pode orientar professores no acompanhamento do aluno com dificuldades de aprendizagem; pode ainda, realizar encaminhamentos para fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas, psiquiatrias infantis, entre outros.

Também, o psicopedagogo pode atuar no sentido de avaliar como se dá o

relacionamento entre professor e aluno, pois muitas vezes, este relacionamento

pode estar acontecendo de forma negativa, pelo fato do professor não conhecer

bem o aluno, e, portanto, distanciar-se de suas necessidades. Muitas vezes,

também, o professor não consegue identificar a fase de desenvolvimento cognitivo

ou afetivo em que encontra-se o aluno, ou desconhece os problemas pelos quais a

criança está passando no ambiente familiar.

Por isso, é importante que o psicopedagogo escolar participe de reunião

de pais, a fim de que possa esclarecer o que se está acontecendo com a criança na

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escola, auxiliando os pais na identificação das reais necessidades de seus filhos e

ensinando-os a estimular seus filhos em tarefas escolares realizadas em casa.

Quando necessário o psicopedagogo encontrar-se separadamente com alguns pais,

para melhor orientá-los ou conhecer melhor o ambiente familiar da criança que está

apresentando problemas na escola.

De acordo com Oliveira e Bossa (1997, p.178):

Integra o trabalho psicopedagógico educacional a participação na avaliação dos processos didáticos metodológicos, onde poderá oferecer conhecimentos sobre métodos a ser aplicados para determinada classe ou para ajudar o professor na implantação de uma nova sistemática de ensino, oferecendo desta forma um suporte instrumental aos professores.

Este profissional, pode também oferecer um suporte emocional para professores que estão inseguros quanto a sua capacidade para aplicação de um método novo ou que estão com alunos com problemas de aprendizagem. Na medida em que o psicopedagogo ouve as dificuldades dos professores, esclarece sobre suas dúvidas, este se sentirá mais tranqüilo, ganhará mais confiança e proporcionará melhores condições para a aprendizagem.

O suporte instrumental oferecidos aos professores pode se dar também oferecendo ao professor sugestões de atividades para a sala de aula; outras vezes sua atuação será individual ou em grupo com os alunos.

Para tanto, é necessário que o psicopedagogo analise a programação da

escola a fim de que possa obter subsídios para sua atuação. A administração de

uma escola é representada pelo seu organograma, assim, o psicopedagogo pode

dar início a seu diagnóstico escolar através da análise do mesmo, estudando as

suas relações e estabelecendo conexões com as demais áreas programadas.

Analisando-se cada profissional da escola, o psicopedagogo identifica se um

determinado profissional está desempenhando sua função de forma adequada e

consegue sugerir mudanças.

Face ao exposto, conclui-se que a atuação do psicopedagogo escolar tem

início a partir da análise da organização como um todo. É muito importante o

trabalho em equipe, junto aos professores, alunos e pessoal administrativo, a fim de

que busque-se por melhorias no relacionamento entre si e entre os grupos, visando

prioritariamente o aperfeiçoamento das condições de aprendizagem tanto individual,

como do grupo.

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5. UTILIZANDO O BRINQUEDO E O LÚDICO COMO ALTERNATIVA PARA O

RENDIMENTO E SUCESSO ESCOLAR

O lúdico, a brincadeira se apresentam como uma solução ou mesmo

como uma alternativa para o rendimento escolar e, conseqüentemente, o sucesso

na escola.

Quando a criança está brincando, consegue propagar o que tem

dificuldades de demonstrar em palavras. As crianças não brincam espontaneamente

só para passar o tempo, mas sim possibilitam a aprendizagem de várias habilidades.

Vygotsky (1998, p. 35) cita que:

É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos fornecidos por objetos externos.

Através da utilização do brinquedo, a criança satisfaz certas curiosidades,

traduzindo o mundo dos adultos para a sua dimensão.

Conforme Oliveira (2000, p. 67):

O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. A aquisição do conhecimento se dá através de zonas de desenvolvimento: a real e a proximal. A zona de desenvolvimento real é a do conhecimento já adquirido, é o que a pessoa traz consigo, já a proximal, só é atingida, de início, com o auxílio de outras pessoas mais capazes, que já tenham adquirido esse conhecimento.

É função primordial o uso do brinquedo na vida das crianças, pois assim

poderão compreender o significado da vida real. Em cada tipo de brincadeira há a

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oportunidade de expressar e elaborar de forma simbólica os desejos, conflitos ou

mesmo as frustrações.

O brinquedo é a essência da infância e sua utilização permite um trabalho

pedagógico que viabiliza a formação do conhecimento.

Conforme Vygotsky (1998, p. 38):

É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva. A criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência de uma situação imaginária, quanto pela capacidade de subordinação às regras.

Qualquer brinquedo, mesmo aqueles que envolvem regras ou mesmo

uma atividade corporal, dá espaço à imaginação, à fantasia e também à organização

lógica.

Através da utilização dos jogos, a criança explora seu meio, as pessoas

ao seu redor e também os objetos.

De acordo com Vygotsky (1998, p. 101):

O jogo e a brincadeira criam uma zona de desenvolvimento próximo na criança, de maneira que durante o período que joga, está sempre além de sua idade real. O jogo contém em si mesmo uma série de condutas que representam diversas tendências evolutivas e, por isso, é uma fonte muito importante de desenvolvimento.

O brincar manifesta-se através de várias categorias de experiências, seja

através do uso de diferentes materiais, de movimentos diversos, da relação com

objetos e suas propriedades físicas, da combinação entre eles.

Além do mais, o brincar impõe o uso de conteúdos sociais, da linguagem

oral e gestual e o respeito aos limites provindo das regras. Jogos e brincadeiras

auxiliam na promoção da função cognitiva, além de envolverem emoções e

afetividade.

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5.1. A Criança no Mundo do Faz-De-Conta

O mundo da criança é diferente do adulto, nele há fantasia, faz-de-conta,

sonhos e descobertas. A brincadeira nos dias de hoje é levada a sério.

Com a inserção da criança no mundo faz-de-conta, destaca a capacidade

desta lidar com a realidade, com a simbologia e com as representações.

Conforme Kishimoto (1999, p. 45):

Independente de época, cultura e classe social, os jogos e os brinquedos fazem parte da vida da criança, pois elas vivem num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde realidade e faz-de-conta se confundem.

A utilização dos jogos ajuda a construir novas descobertas,

desenvolvendo e enriquecendo a personalidade da criança.

Para Negrine (1994, p. 20): “quando a criança chega à escola, traz

consigo toda uma pré-história, construída a partir de suas vivências, grande parte

delas através da atividade lúdica.”

5.2. A Utilização do Lúdico na Aprendizagem

O desenvolvimento do lúdico facilita não só a aprendizagem, mas sim o

desenvolvimento pessoal, social e cultural da criança.

A formação lúdica do professor é obtida através de propostas que

valorizam a criatividade, a sensibilidade, a afetividade. Quanto maior a vivência do

professor com a ludicidade, maiores serão as possibilidades do trabalho com a

criança.

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Segundo Piaget (1998, p. 40): “a atividade lúdica é o berço obrigatório das

atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática

educativa.”

Está se tornando cada vez mais comum, o uso de jogos em sala de aula

com a finalidade de transmitir e fixar o conteúdo de uma determinada disciplina, de

forma agradável e atraente para os alunos.

Desta forma, mais do que o jogo em si, o que vai gerar uma boa

aprendizagem é o ambiente propício para a discussão e troca de informações,

permitindo respostas divergentes, tolerando também os erros.

Além da característica primordial que é a obtenção do conhecimento, o

jogo ativa o poder de observar, identificar, comparar, classificar, conceituar e

relacionar.

Piaget (1976) afirma que a função lúdica é a origem das atividades

intelectuais da criança. Não se trata apenas de entretenimento, mas sim de meios

que contribuem para o desenvolvimento intelectual.

O jogo é portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil (PIAGET, 1976, p.160).

É importante destacar que se o jogo é tido como obrigação ou é apenas

usado com fins de instrução, deixa de ter caráter natural deixando de ser jogo

porque se esvazia na sua capacidade de exploração e inovação. Brincar é

essencial.

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CONCLUSÃO

Estudos que abordam o fracasso escolar tratam-no a partir de duas

vigentes diferentes; a partir dos fatores externos e de fatores internos. Dentre os

fatores externos, são apontadas as necessidades de o aluno trabalhar, as condições

básicas para a aprendizagem pela criança, incluindo-se a desnutrição e as

vantagens culturais, e as condições da família destacando-se o nível de

escolaridade dos pais e o não acompanhamento dos filhos em suas atividades

escolares. E dentre os fatores internos, ressalta-se a não valorização pela escola do

universo cultural da criança através do uso de uma linguagem diferenciada, as

precárias condições de trabalho e os elementos afetivos na relação professor-aluno.

No que tange à defasagem de aprendizagem, para os professores esta é

um dos empecilhos à permanência do aluno na escola, pois acreditam que, em

virtude desta defasagem, os alunos não conseguem acompanhar as atividades

escolares, e conseqüentemente acabam abandonando a escola. Em face disto, os

professores acreditam que a construção de uma política de integração entre escola

e família dos alunos seria um fator de suma importância tanto na prevenção da

evasão, quanto na reinclusão da criança na vida escolar.

Assim, ao identificar tais aspectos, entende-se que é preciso se desbruçar

sobre eles, para que a escola conheça e reflita sobre os diferentes aspectos que

permeiam o decorrer de suas atividades na tentativa de oferecer uma educação que

venha atender, de fato, às necessidades do indivíduo e da sociedade e,

principalmente superar o processo de evasão escolar que exclui sobretudo as

crianças desfavorecidas socialmente.

Ao buscar compreender o processo da evasão escolar e identificar os

possíveis fatores que a legitima seja na ótica dos adultos seja na das crianças, o

presente estudo, revelou que tanto a Escola quanto a Família, se perdem na

dimensão e na complexidade das relações sociais externas e internas que

interferem no processo sócio-educativo da criança.

Um outro exemplo desta complexidade pode ser encontrado na Família,

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isto é, num mesmo lar em que os pais se ausentam para trabalhar, há crianças que

evadem e crianças que permanecem até o término do ano letivo. Um outro aspecto

importante que também merece uma reflexão mais detalhada refere-se às

explicações sobre a evasão escolar fornecidas pelos familiares e pela instituição de

ensino, uma vez que crianças por motivos similares, são abandonadas na escola

pausadamente. Tal circunstância admitiu e exige que, ambos os envolvidos nesta

questão, desenvolvam uma estrutura que possibilitem a interagir e procurar saber os

motivos pelos qual o aluno está abandonando a instituição (escola).

A falta de um método para tentarmos repensar sobre a evasão escolar e a

reinclusão do aluno na escola tem fornecido em geral para a dispersão e a

legitimação de conceitos já restringido no cotidiano da escola, são elas: a de que a

evasão escolar é determinada por fatores extra-escolares, por condição

socioeconômica da família e pela desestruturação familiar.

É preciso enfatizar que mesmo que os professores e demais profissionais

da escola não foram procurar as famílias para saber o provável motivo da evasão

escolar dos alunos, isto não lhes impediu de fazer um pré-julgamento dos possíveis

causas que levaram os alunos a abandonar os estudos. É conveniente ressaltar que,

embora os docentes não tenham qualquer relação com a família, estes por um lado,

acreditam que a família decorra até eles se manterem informada sobre os

acontecimentos da escola, em particular, sobre a conduta e a atuação de seu filho.

Os professores esperaram também, que a família participasse mais e se a escola

aumentasse o intercâmbio com a família, talvez fosse plausível a diminuição da

evasão escolar de seus alunos.

Para terminar, falta citar que a batalha à evasão escolar principia com

uma educação de qualidade, com professores capacitados, valorizados e

estimulados a desempenharem sua missão. Missão está que é a mais bela de todas

à de educar, e não somente de ensinar, dando total atenção àqueles alunos que

demonstram ser os mais descomedidos e que apresentam dificuldades na hora de

aprender.

O professor deve desempenhar a sua autoridade, estabelecendo limites e

exalando responsabilidades, sem deixar de respeitá-las; designando

recomendações escolares verdadeiramente participativos, representativos e

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influentes; escola que proporcione instalações adequadas, alinho, coordenação e

segurança, por fim, que haja um ambiente favorável ao estudo e à aprendizagem, no

qual o aluno se sinta entusiasmado a continuar e a aprender.

Contudo, ao tratar da culpa enfrentada pelo aluno, pelo seu

fracasso no desempenho escolar, crê-se que a verdadeira culpa não é

somente do aluno, que se mostra como vítima, com o mito da “criança

carente”, mas sim de toda uma sociedade, que a repreende,

culpabilizando o governo e toda a nação pelo fracasso escolar, o que, de

todo modo, é um sério caso a se pensar.

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