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  FUNDAÇÃO DE A SSIS TÊNCIA E EDUCAÇÃO FACULDADES INTEGRADAS ESPÍRITO-SANTENSES CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO IZOLINA PASSOS SIQUEIRA  A FORÇA DO REL A CIONAMENTO ENTRE ARTESÃO E DESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS Vitória (ES) 2008 EDUCA ÇÃ O SUPERIOR

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FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA E EDUCAÇÃOFACULDADES INTEGRADAS ESPÍRITO-SANTENSES

CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO

IZOLINA PASSOS SIQUEIRA

A FORÇA DO RELACIONAMENTO ENTRE ARTESÃO EDESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS

Vitória (ES)2008

E D U C A Ç Ã O S U P E R I O R

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IZOLINA PASSOS SIQUEIRA 

A FORÇA DO RELACIONAMENTO ENTRE ARTESÃO EDESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS

Monografia apresentada ao Centro de Pós-Graduação da FAESA como requisito parcialpara a obtenção do certificado de conclusão docurso de Pós-graduação Lato Sensu em Designde Interiores sob a orientação da professoraJoelma De Riz.

Vitória (ES)2008

E D U C A Ç Ã O S U P E R I O R

 

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IZOLINA PASSOS SIQUEIRA

A FORÇA DO RELACIONAMENTO ENTRE ARTESÃO EDESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS

Monografia apresentada ao Centro de Pós-graduação da FAESA como requisito parcialpara a obtenção do certificado de conclusão docurso de Pós-graduação Lato Sensu em Designde Interiores sob a orientação da professoraJoelma De Riz.

Professora orientadora:Joelma De Riz

Nota de aprovação:

 _______________ 

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DEDICATÓRIA

Ao indígena brasileiro, pela beleza

plástica inigualável de seu artesanato epela força de suas tradições, cultura e

crenças, que possibilitam a criação de

objetos utilitários e decorativos. À beleza

da cerâmica, da cestaria, da tecelagem e

das peças feitas com madeiras,

sementes, fibras, palmas, palhas, cipós,

cocos, resinas, conchas, couros, ossos,

dentes e garras de animais. Os adornos

corporais feitos com as belas plumas das mais diversas aves, de um colorido

espetacular, são cobiçados para a decoração de lares contemporâneos e

reconhecidas internacionalmente pela impregnação e preservação de valores

culturais e etimológicos.

Às paneleiras de Goiabeiras, que são, sem dúvida,

a representação mor do artesanato tradicional e da

cultura popular do Espírito Santo. As panelas de

barro, feitas com a argila extraída do Vale do

Mulembá (próximo ao bairro Joana D’Arc), são

moldadas com as mãos, cuidadosamente

esculpidas com seixos rolados, casca de coco,

facas e estiletes e tingidas com o tanino (tintura

retirada da casca do mangue). Produzidas há mais

de 400 anos, as panelas de barro foram tomabadas

pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (Iphan), na categoria de bem imaterial, com a preservação dos saberes e

fazeres da comunidade de paneleiras de Goiabeiras, em Vitória.

Às instituições que apóiam o artesanato brasileiro: Serviço de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do Programa Sebrae de Artesanato,

 

Figura 1 - Feira Nacional de Artesanato Mãos de

Minas (Izolina Passos Siqueira)

Figura 2 - Mãos modelando o barro

(Mônica Zorzanelli)

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instituído nos 27 estados; ao Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio

(MDIC), que implementou o Programa do Artesanato Brasileiro; à Secretaria do

Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Espírito

Santo (Setades), criador e gestora do Programa do Artesanato Capixaba.

Aos artesãos dos Núcleos de Produção e Comercialização de Artesanato, que

abraçaram a cultura da cooperação e são os grandes atores desta pesquisa.

Aos diversos profissionais do design que atuaram comigo no Projeto Inovação e

Design no Artesanato Capixaba, do Sebrae-ES, o qual tive o privilégio de gerenciar

durante o ano de 2007, e tantos outros que têm atuado junto às comunidades

produtivas de artesanato, implementando ações que vêm resultando no belíssimoartesanato de referência cultural.

À minha grande amiga Maria Angélica Fonseca, analista do Sebrae-ES, que,

certamente, é o nome de referência no artesanato capixaba. Sua participação na

criação do Termo de Referência do Programa Sebrae de Artesanato, sua atuação

durante a implantação do Programa Sebrae de Artesanato no Espírito Santo e seu

apoio incondicional a esse programa são notoriamente reconhecidos como

imprescindíveis para o sucesso dos trabalhos realizados. Não tenho a menor dúvidaao afirmar que, sem ela, o Programa do Artesanato Capixaba não teria conquistado

visibilidade nacional. Realmente, tenho a honra de homenageá-la e de agradecer a

este ser humano ímpar que é a Angélica. E tenho certeza de que, se a conhecesse,

Rogers, pensador humanista no qual este trabalho buscou inspiração, a amaria!

Finalmente, quero homenagear a pessoa que foi a fonte de inspiração para minha

pesquisa; a pessoa que me despertou para a realização de um trabalho focado nas

atitudes facilitadoras de Rogers; a pessoa que gosta de ouvir e ouve com o coração,e, ao ser ouvida, aquiesce o ouvinte com um olhar morno e intenso e de uma

transparência encantadoramente verde; a pessoa que me apresentou Carl Rogers;

uma pessoa de um profissionalismo e comprometimento poucas vezes encontrados.

Quero agradecer a esta pessoa que me apoiou incondicionalmente durante a

realização deste trabalho: a minha querida professora orientadora. Obrigada,

Joelma!

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AGRADECIMENTOS

Esta é uma hora muito difícil. Homenagear pessoas ou grupos de pessoas sem se

esquecer de alguém especial, sem se esquecer de outros grupos, sem fazerinjustiças, sem se esquecer de pessoas que certamente foram importantes para

chegar aonde cheguei... Realmente não é nada fácil. Mas, também, não posso me

furtar do prazer de agradecer.

Agradecer a Deus e a minha família é uma atitude bastante óbvia, mas

indispensável. Obrigada, Deus, por ter guiado meus caminhos durante toda a minha

vida, por ter me dado tudo que um ser humano precisa para ser feliz, por ser o meu

Deus, a luz do meu viver.

Quero agradecer ainda a meu marido, José Francisco, e ao meu filho, Franco, meus

grandes amores, companheiros e a razão de minha existência. Obrigada pelo

incentivo e pela compreensão durante minhas ausências.

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“Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma minhoca

ou de um belo pássaro, de uma maçã ou uma pessoa, creio

que estaremos certos ao reconhecermos que a vida é um

processo ativo, e não passivo. Pouco importa que o estimulo

venha de dentro para fora, pouco importa que o ambiente sejafavorável ou desfavorável. Em qualquer destas condições, os

comportamentos de um organismo estarão voltados para a sua

manutenção, seu crescimento e sua reputação. Essa é a

própria natureza do processo a que chamamos de vida”.

Carl Rogers 

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RESUMO 

Esta pesquisa investigativa de caráter exploratório-descritivo visa a analisar o

relacionamento que ocorre entre artesãos e designers durante o processo deintervenção de design no artesanato.

De acordo com o Termo de Referência do Programa Sebrae de Artesanato (PSA),

as intervenções de design no artesanato visam à criação de produtos artesanais

com agregação de valores iconográficos e culturais e de acordo com tendências e

demandas do mercado. O resultado dessa produção, cujos atores sãos os artesãos

que detêm a técnica da produção artesanal e os designers que utilizam o design

como ferramenta inovadora, é a criação de uma coleção de peças classificadascomo “artesanato de referência cultural”.

Analisar esses encontros é analisar relacionamentos entre seres humanos. E essa

análise foi realizada à luz da filosofia humanística proposta por Carl Rogers.

Ressalto a importância da intervenção de design ser norteada pelo Termo de

Referência, que tem o objetivo de preservar e eternizar nossa memória cultural e

identidade regional e nacional, retratando no artesanato, uma das nossas maioresmanifestações culturais, a verdadeira “cara brasileira”.

Porém, segundo Rogers, em encontros nos quais as atitudes facilitadoras propostas

por ele na abordagem centrada na pessoa são a base do relacionamento, a

convivência entre artesãos e designers tende à afetividade, e onde há afeto, “o

universo conspira a favor” e os resultados, certamente, serão positivos.

Se a aceitação incondicional, a empatia e a transparência do designer nas relações

interpessoais estabelecidas com os artesãos forem os pontos de partida para as

intervenções de design no artesanato nos Núcleos de Produção e Comercialização

de Artesanato, a sustentabilidade dos mesmos estará fortemente preservada.

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Palavras-chave: Intervenção de design no artesanato, relacionamentos e

abordagem centrada na pessoa.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11

2 O CONTEXTO DO PROBLEMA ................................................................... 21

2.1 ARTESANATO ............................................................................................... 21

2.2 DIFERENCIANDO ARTE POPULAR, ARTESANATO E TRABALHO

MANUAL.................................................................................................................... 24

2.3 PROGRAMAS DE INCENTIVO AO ARTESANATO ..................................... 27

2.3.1 Programa do Artesanato Brasileiro ................................................................ 28

2.3.2 Programa do Artesanato Capixaba ............................................................... 30

2.3.3 Programa Sebrae de Artesanato ................................................................... 312.3.4 Programa Sebrae de Artesanato Capixaba ................................................... 33

2.4 CONFUSÕES TERMINOLÓGICAS, EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO

DESIGN .................................................................................................................... 34

2.5 O DESIGN NO BRASIL ................................................................................. 36

3  INTERVENÇÃO DE DESIGN NO ARTESANATO ........................................ 39

3.1 MINHA EXPERIÊNCIA COM PROCESSOS DE INTERVENÇÃO DE DESIGN

NO ARTESANATO ................................................................................................... 433.2 PROJETO INOVAÇÃO E DESIGN NO ARTESANATO CAPIXABA ............. 46

4 A FILOSOFIA DE ROGERS PARA AS RELAÇÕES HUMANAS ................ 53

4.1 FALANDO SOBRE ROGERS ........................................................................ 54

5 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS ............................................. 62

5.1 NPCA DE FIBRA DE BANANEIRA ................................................................ 63

5.2 NPCA DE MARCHETARIA EM MADEIRA .................................................... 67

5.3 NPCA DE FIBRAS NATURAIS E SEMENTES .............................................. 69

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................... 74

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 93

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8 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 96

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1 INTRODUÇÃO

Sou formada em Artes Plásticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),

porém sempre tive vontade de estudar Psicologia. Na ocasião, essa opção estavafora dos meus planos, pois não havia esse curso em Vitória, e morar longe da minha

família não me agradaria. Enfim, gosto de Artes e sinto que essa atividade está no

meu sangue. Ser artista é tão natural para mim como respirar, comer ou mesmo

viver. Ser artista é ser eu mesma.

Trabalhei com desenho arquitetônico, desenho estrutural, desenho topográfico e

desenho publicitário. Fiz artesanato produzindo bichinhos de pedra com Durepox ® ,

peças decorativas e utilitárias em cortiça, bijuterias e máscaras de carnaval e,depois disso tudo, fui ser lojista. Durante 21 anos, tive uma loja de presentes,

decoração e artesanato em sociedade com minhas duas irmãs. Laço de Fita era o

nome dessa linda loja, que não se preocupava apenas com as vendas. Tínhamos

como objetivo alegrar, enfeitar, surpreender e harmonizar lares. Chegamos a ter

duas lojas em shoppings distintos e, simultaneamente, tive mais uma loja de

calçados em Guarapari, com o nome de Bete-Birai.

Após o fechamento das lojas, intuitivamente ou não, comecei a desenvolverprodutos artesanais com a utilização de fibras naturais e agregação de elementos

urbanos. As formas e objetos iam surgindo naturalmente até que me vi focada na

produção de objetos litúrgicos. Terços, oratórios, chaveiros, colares, tudo sempre

remetendo a uma religiosidade e feitos com elementos descartados pela natureza.

Em dezembro de 2003, o Sebrae, por meio do Programa Via Design, e em parceria

com o Serviço Social da Indústria (Sesi), objetivando a formação de profissionais

para atuar junto a grupos de artesãos, mobilizou profissionais para participar do

curso de aperfeiçoamento em Gestão Estratégica do Artesanato.

Participei do treinamento, que durou praticamente um ano, com 208 horas de

capacitação e mais de 200 horas de intervenções junto a comunidades de artesãos,

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que, com o apoio do Sebrae e um parceiro local, desenvolvem artesanato a partir da

utilização de matérias-primas residuais ou abundantes na natureza.

A contrapartida dos participantes dessa capacitação era a prestação de serviços de

apoio aos artesãos e de consultoria, com o objetivo de implantar os Núcleos de

Produção e Comercialização de Artesanato, com ações de resgate cultural e

iconográfico, de marketing e formação de preços para o setor artesanal, de criação

de novos produtos e embalagens e com sugestões de melhorias no processo

produtivo e no acabamento das peças artesanais.

Durante dois anos, participei do Programa Sebrae de Artesanato como consultora

externa, com a implementação dessas ações, junto aos NPCAs, atuando comomultiplicadora da capacitação recebida. Atualmente, sou funcionária do Sebrae e,

durante o ano de 2007, fiz a gestão do Projeto Inovação e Design no Artesanato

Capixaba, que teve ações de consultoria, curadoria, promoção e acesso ao

mercado, informação e pesquisa e orientação por meio da realização de palestras.

Naturalmente, é naquilo que nos é familiar que fazemos as nossas escolhas. Assim

também foi comigo. Dessa forma, minha opção foi por realizar o Trabalho de

Conclusão do Curso de Pós-graduação em Design de Interiores no âmbito doPrograma Sebrae de Artesanato, especificamente.

Confesso que o processo de elaboração deste trabalho não foi fácil... No princípio,

precisava definir o tema... A Pós-graduação estava chegando ao fim e, desde o

início, o tema da minha monografia já estava definido na minha cabeça, e eu não

tinha a menor dúvida de que iria desenvolver minha pesquisa focada na utilização do

artesanato como elemento inovador do design de interiores. Mas, no decorrer do

curso, a cada nova disciplina, esse tema era freqüentemente questionado por mim,e, vez por outra, substituído por outro, sempre dentro do segmento de produtos

artesanais no design de interiores.

Na realidade, para mim, a realização de uma monografia era algo muito novo, pois,

conforme relatei, sou formada em Artes Plásticas pela Ufes e, na ocasião da

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conclusão do curso, em 1979, não havia a exigência da realização de um trabalho

dessa natureza.

E, só então, durante a disciplina “Metodologia da Pesquisa Científica”, ministrada

pela professora Joelma, é que fui entender que uma monografia é, conforme anotei

em meu caderno, “um novo olhar sobre determinado assunto, é também aprofundar-

se em determinada temática, realizando uma pesquisa científica. E essa pesquisa

deve ser em cima de um problema. Isso é, enfim, ‘fazer ciência’”.

Realmente achei que seria estimulante fazer esta pesquisa. Mas, nos meus temas

eu não conseguia ver “problemas”. Esses temas me levariam certamente a

exaustivas pesquisas, mas, conforme dizia a professora, não havia “problemas”,somente “temas”.

Pensei em desenvolver a pesquisa em torno de algum dos seguintes temas: “fibras

naturais e sua utilização no mobiliário contemporâneo”, “elementos arquitetônicos

religiosos”, “iconografia capixaba”, “produtos artesanais com ecodesign”, mas não

conseguia chegar à identificação de um “problema” dentro desses temas.

Foi somente quando a professora Joelma, de uma forma apaixonada e encantadora,falou sobre Rogers em sua pesquisa de mestrado, que eu pensei no relacionamento

dos artesãos com os designers. Naquele momento, parecia que ela estava falando

diretamente para mim, e ouvi falar da aprendizagem centrada na pessoa, que é o

mote da abordagem de Rogers. Eu nunca tinha ouvido falar nesse autor. Aliás,

talvez sim, pois me pareceu muito familiar quando a professora Joelma falou na

Psicologia de Rogers...

E meu sentimento com relação a Carl Rogers, enquanto ela falava, podia sertraduzido como: “Nunca te vi, sempre te amei!” – se não me engano, o título de um

filme. Lembro-me perfeitamente daquele momento e das palavras dela: “para fazer

uma monografia, temos que escolher um tema pelo qual somos apaixonados, pois o

processo é doloroso... e dura seis meses”. Acabou durando mais que isso...

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Sempre amei o artesanato, o design e a psicologia. Uma das atividades do

Programa Sebrae de Artesanato são as intervenções de design, que consistem na

aproximação entre um designer e um grupo de artesãos para a criação de uma

coleção de peças, utilizando o design como ferramenta para agregar valores

culturais e iconográficos dentro de tendências e demandas de mercado.

As intervenções de design devem partir do princípio de que o design não é apenas o

desenho ou o projeto, mas um macroprocesso, no qual se trata de melhorias no

acabamento, na embalagem, na qualidade e na viabilidade do produto, visando a

sua inserção dentro das tendências e demandas do mercado. 

A duração das intervenções varia de 60 a 100 horas e o processo é distribuído aolongo de aproximadamente dois meses. Geralmente, o designer vai até o Núcleo,

fica cerca de dois ou três dias e volta nas semanas posteriores, pelo mesmo

período. Essa distribuição é requerida, pois o grupo precisa amadurecer após

receber as informações que o designer traz. Esse processo é, essencialmente, uma

relação humana; uma relação entre o designer e os artesãos e destes entre si.

No Sebrae, meu primeiro trabalho foi na implantação dos Núcleos de Artesanato.

Uma das minhas atribuições foi atuar como designer, conduzindo um processo deintervenção junto a artesãos – nesse caso, junto aos artesãos dos núcleos de

escamas de peixe (Caratoíra, em Vitória), conchas (Piúma) e marchetaria (Colatina),

nessa ordem.

Contratada pelo Sebrae como consultora externa do PSA, passei a auxiliar na

definição de ações estratégicas do programa e, também, a acompanhar as

intervenções de design no artesanato nos Núcleos de Produção e Comercialização

de Artesanato criados pela instituição. Fazendo esse acompanhamento, percebi queo maior problema para se alcançar bons resultados estava na abordagem do

designer selecionado junto aos artesãos.

Fala-se muito em desenvolvimento sustentável e ecodesign. É muito importante que

a produção artesanal tenha esse foco, que, atualmente, não é apenas um diferencial

nem um provocador de demandas, mas sim uma exigência para estar no mercado.

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Mas e se consideramos a sustentabilidade nas intervenções de design? Elas são

sustentáveis? O que me questiono é o que ocorre após a saída do designer de um

núcleo. Os artesãos aceitam a criação de novos produtos, com nomes e

características de que eles nunca ouviram falar nem imaginam do que se trata?

Tenho feito essas perguntas a mim mesma... Acredito que isso esteja ligado ao

relacionamento entre os artesãos e os designers.

Acompanhando intervenções de design em alguns núcleos, percebi que

profissionais altamente capacitados do ponto de vista técnico e estético esbarravam

na abordagem inicial e no relacionamento com os artesãos durante o processo,

chegando ao final dele com trabalhos belíssimos, mas que não haviam sido bem

aceitos pelos artesãos. Ou seja, não se estabeleceu confiança entre as partes e,nesses casos, os designers que conduziam a intervenção saiam emocionalmente

desgastados, estressados e criticando o programa.

Observei, por diversas vezes, que produtos com agregação de valores culturais e

iconográficos, com inovação e alto padrão de acabamentos, projetados dentro de

tendências e demandas de mercado eram simplesmente desprezados pelos

artesãos quando o designer “virava as costas”, ao finalizar a intervenção, porque

simplesmente não havia sido estabelecido um vínculo emocionalmente saudávelentre as partes. Esses produtos nunca entraram na coleção de peças dessas

comunidades. O trabalho foi, conseqüentemente, perdido...

Verifiquei, também, que produtos que poderiam ser considerados comuns e sem

criatividade, mas que foram desenvolvidos por profissionais que agiram com empatia

e congruência, ouvindo e aceitando incondicionalmente os artesãos, passaram a

fazer parte de uma coleção de produtos artesanais com grande aceitação no

mercado.

Assim, como um processo permeado pela relação interpessoal e pelo encontro de

pessoas e idéias, é imprescindível que nos preocupemos com a qualidade dessas

relações, com as atitudes demonstradas nesses encontros, em especial, a dos

designers, que são vistos como condutores desse processo, ainda que seu poder,

no sentido de “eu posso”, esteja diluído e distribuído entre os artesãos. É preciso ter

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preocupação com a estética, mas, ela é secundária. O que vem antes é o capital

humano, pois é por meio dele que a beleza estética e a qualidade técnica são

alcançadas.

Diante disso, nesta pesquisa, meu objetivo não é questionar o profissionalismo,

muito menos a qualidade dos trabalhos. Na realidade, meu questionamento é quase

pessoal, é um questionamento muito íntimo: até que ponto a relação que se

estabelece entre artesãos e designers durante as intervenções de design no

artesanato caracterizam-se como relações que permitem o desenvolvimento positivo

dos artesãos, ou seja, que permitem seu crescimento, antes de tudo, pessoal?

Quando falo em relação que possibilita o desenvolvimento positivo, estou mereferindo a uma relação baseada nas atitudes facilitadoras apontadas por Rogers:

transparência ou congruência, empatia e aceitação incondicional do designer em

relação ao artesão. Assim, esta pesquisa está centrada em analisar o

relacionamento entre designers e artesãos durante o processo de intervenção de

design à luz do pensamento de Rogers.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas realizadas com os artesãos.

Busquei analisar se nos relatos deles havia algum indício da abordagem sugeridapor Rogers. Ou seja, o que procurava era saber se esses relatos mostravam que na

relação entre designer e artesão estiveram presentes as atitudes facilitadoras

propostas pelo autor.

No primeiro capítulo do livro “Tornar-se pessoa”, intitulado “Este sou eu”, Rogers

descreve como desenvolveu seu pensamento profissional e sua filosofia pessoal,

despindo-se inteiramente para o leitor. Para narrar o processo de execução deste

trabalho de pesquisa, tomarei dele alguns trechos.

Este é um livro sobre o sofrimento e a esperança, a angústia e a satisfaçãopresentes na sala de todos os terapeutas. É sobre o caráter único darelação que o terapeuta estabelece com cada cliente, e, igualmente sobreos elementos comuns que descobrimos em todas essas relações(ROGERS, 2001, p. 4).

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Assim como Rogers falou sobre o terapeuta e seus pacientes, esta pesquisa

abordou uma parcela do sofrimento e da esperança, da angústia e da satisfação

presentes nos momentos que antecedem à chegada de um designer em um núcleo

de artesanato... O sofrimento e a angústia se dão por ele não saber o que vai

encontrar. A esperança e a satisfação ocorrem ao constatar que o grupo, diante das

atitudes facilitadoras, é altamente receptivo. E esses são sentimentos bastante

comuns aos profissionais contratados para atuar nas comunidades produtivas de

artesanato.

Este livro é sobre as experiências profundamente pessoais de cada um denós. É sobre um cliente em meu consultório sentado perto da escrivaninha,lutando para ser ele mesmo e, no entanto, com um medo mortal de ser elemesmo – esforçando-se para ver a sua experiência tal como ela é,

querendo ser  esta experiência, e, no entanto cheio de medo diante daperspectiva (ROGERS, 2001, p. 4).

Ao realizar esta pesquisa, minha intenção era mostrar, com algum nível de

profundidade, o relacionamento dos artesãos entre si e com os designers, a

aceitação incondicional do outro e de si mesmo e o fato deles não terem vergonha

de falar de sua cultura e suas origens, o que relatam normalmente e com muita

simplicidade. Busquei a valorização da pessoa do artesão pelo designer,

considerando aquele integralmente, com todos os sentimentos e inseguranças que

apresenta. 

Esta pesquisa relata meu questionamento pessoal diante de fatos constatados,

observados e analisados durante mais de três anos em que atuei como profissional

e acompanhei a atuação de outros colegas nessas comunidades. Em relação à obra

“Tornar-se pessoa”, Rogers diz: “É um livro sobre mim, sentado diante do cliente,

olhando para ele, participando da luta com toda a profundidade e sensibilidade de

que sou capaz” (2001, p. 4). Posso dizer que este relato de pesquisa também é um

trabalho sobre mim, observando os artesãos e tentando narrar, da melhor forma que

posso, suas lutas, histórias, encontros e desencontros, dos quais decorrem frutos ou

frustrações.

Nesta pesquisa, a transparência, ou congruência, foi tomada como uma atitude

facilitadora imprescindível para ambas as partes, mas, principalmente, para o

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designer. Ainda que ambos precisem ser livres e confiantes em si próprios e nos

seus propósitos, é o designer, visto pelos artesãos como o condutor desse processo,

como estando “um degrau acima”, que deve valorizar essas atitudes e trabalhar por

um processo de mudança, objetivando incorporá-la ao seu comportamento. Será

bom se ambos forem livres para expressar suas fortalezas e fraquezas e se a troca

de experiências for incentivada sem repressão; será bom se ambos alcançarem a

liberdade de ser, pois o processo criativo se acentua com a liberdade!

É um livro sobre mim, tentando perceber a sua experiência e o significado, asensação, o sabor de que esta tem para ele. É sobre mim, lamentando aminha falibilidade humana para compreender o cliente e os ocasionaisfracassos em ver a vida tal como ela se mostra diante dele, fracassos quecaem como objetos pesados sobre a intrincada e delicada teia dodesenvolvimento que está ocorrendo (ROGERS, 2001, p. 5).

Esta pesquisa fala de mim. Fala do que fui e do que sou. Mas fala, principalmente,

de mim, profissional do design que adora ouvir e gosta de ser ouvida; fala também

de mim, profissional do design que vem tentando ser transparente e empática,

procurando aceitar-se e aceitar o outro incondicionalmente; fala de mim, convicta de

que as chamadas atitudes facilitadoras apontadas por Rogers podem nos inspirar e

propiciar o crescimento sustentável das comunidades que promovem o seu sustento

com o desenvolvimento do artesanato de referência cultural.

É um livro sobre mim, alegre com o privilegio de ser o responsável peloparto de uma nova personalidade – maravilhado diante do surgimento deum self , uma pessoa, de um processo de nascimento no qual tive um papelimportante e facilitador. É sobre mim e o cliente, que contemplamos comadmiração as forças ordenadas e vigorosas que se evidenciam em toda aexperiência, forças que parecem profundamente arraigadas no universocomo um todo (ROGERS, 2001, p. 5).

Este é um trabalho que sugere atitudes facilitadoras baseadas na abordagem

centrada na pessoa, proposta por Rogers, para os encontros que ocorrem durante

as intervenções de design no artesanato. Aqui, relato a importância e a

responsabilidade do profissional diante da criação, do parto de um novo produto

artesanal. Este trabalho fala da emoção, da alegria e do privilégio de vivenciar esses

processos que geram trabalho e renda para as comunidades, além de algo ainda

mais valoroso que isso: o resgate da auto-estima das pessoas envolvidas neles.

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Esta pesquisa procura evidenciar que, diante de atitudes facilitadoras, os encontros

de artesãos e designers durante as intervenções de design no artesanato tendem a

resultar em uma produção artesanal inovadora, que veicula parte da identidade e

dos valores do artesão, que veicula, portanto, uma parcela daquilo que ele está

sendo. Usando um termo técnico, resulta no “artesanato de referência cultural”, que

referencia a pessoa que o criou; resulta em uma produção equivalente às batatas

com brotos longos e viçosos, pois foi semeada em “solos férteis durante a primavera

ensolarada”. 

Resumir neste relatório dias intermináveis de pesquisas, horas exaustivas de

construção e reconstrução, momentos de muitas dúvidas e incertezas... Certezas

absolutas de que estava tudo errado, de que não era esse o foco... E horas deabsoluta tranqüilidade, de lágrimas nos olhos por constatar que não havia outro

caminho, que era exatamente isto o que eu queria falar, o que eu queria escrever,

que não me importava com a seriedade que esta pesquisa teria para outras

pessoas, mas que para mim era tudo o que eu sempre quis falar, escrever, tudo o

que eu sempre quis fazer! E isso tudo acontecia ora muito lentamente, ora com tanta

rapidez que eu não me dava conta de tantas informações que vinham em minha

cabeça e em meu coração quando eu conversava com Rogers. Aliás, quando eu

ouvia o que ele estava me dizendo.

O objeto desta pesquisa me incomodava, me futucava e me deixava insegura com

relação à efetividade das intervenções de design no artesanato realizadas nos

Núcleos de Produção e Comercialização de Artesanato. Meu objeto era o

relacionamento! E Rogers me falou tudo sobre relacionamento; falou sobre gostar de

ouvir e ser ouvido e de fazer isso não apenas com os ouvidos, mas também com os

olhos brilhantes e atentos e com o coração escancarado e receptivo.

Rogers falou sobre a transparência entre os seres humanos, entre as pessoas que

podem tirar suas máscaras, mostrando sua cara, sua alma, o que de mais íntimo

elas têm, mostrando suas mãos calejadas ou finas, pois não há motivo para se

envergonhar de qualquer coisa... Rogers falou sobre empatia, sobre colocar-se no

lugar do outro como se fosse uma outra pessoa, sobre sentir literalmente o que o

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outro sentiria naquele momento. Rogers falou sobre a aceitação incondicional do

indivíduo, independentemente de etnia, sexo, crenças e cultura.

Por fim, eu diria que ao me dedicar a uma pesquisa que busca compreender a força

do relacionamento entre artesão e designer à luz das idéias desse pensador

humanista, permiti-me aprender com ele coisas que tocaram o fundo do meu

coração e que tenho o prazer de compartilhar com profissionais que têm como

objetivo trabalhar em comunidades produtivas de artesanato.

No Capítulo 2 deste trabalho, apresento o histórico do artesanato e do design, as

definições para os termos e os diferentes tipos de artesanato. Além disso,

caracterizo os principais programas de incentivo ao artesanato no Brasil.

No Capítulo 3, descrevo o processo de intervenção de design no artesanato

realizado junto aos Núcleos de Produção e Comercialização de Artesanato (NPCAs)

no Espírito Santo e minha experiência nesse processo, discorrendo ainda sobre o

Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba.

O Capítulo 4, por sua vez, discorre sobre o pensamento de Rogers, caracterizando,

em especial, as condições facilitadoras das relações humanas.

No Capítulo 5, caracterizo os NPCAs que serviram como locus para este estudo e,

em seguida, analiso os depoimentos dos artesãos, levando em consideração as

atitudes facilitadoras propostas por Rogers, em seus livros, “Tornar-se pessoa” e

“Um jeito de ser”.

Por fim, no Capítulo 6, reafirmo que, durante os encontros que ocorrem entre

artesãos e designers durante o processo de intervenção de design no artesanato, aforça do relacionamento entre essas pessoas tão diferentes pode ser muito eficaz

com a convivência baseada nas atitudes facilitadoras propostas por Rogers na

aprendizagem centrada na pessoa.

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2 O CONTEXTO DO PROBLEMA

Neste capitulo, vamos tratar do artesanato de uma forma histórica. Apresentaremos

suas características básicas, desde o seu surgimento no mundo, sua evolução,definições, principais funções e seu desenvolvimento no Brasil. Falaremos também

dos tipos de artesanato como fonte geradora de emprego, renda e manifestação

cultural.

Além disso, caracterizaremos o Programa Sebrae de Artesanato em nível nacional e

estadual, com o Programa Sebrae de Artesanato Capixaba, suas diretrizes e focos

de atuação, ressaltando as mudanças que esse programa trouxe aos artesãos.

Descreveremos, ainda, o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), vinculado ao

Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, sucedido, em sua competência,

pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). No Espírito Santo,

o Programa do Artesanato Capixaba (PAC) é representado pela Secretaria de

Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades).

Abordaremos, também, os benefícios para os artesãos, que, por meio de uma

triagem feita na Setades, tornam-se possuidores da “carteira de “identidade doartesão”. 

2.1 ARTESANATO

Vivendo normalmente à margem da sociedade, os artesãos, na década de 1970,

eram estigmatizados como hippies  - ou talvez os chamados hippies é que eram os

artesãos da época. Eles eram vistos como consumidores de drogas, que viviam

para “curtir a vida”, sem os preconceitos impostos pela sociedade e tendo como

meio de sustento a produção e a comercialização de objetos feitos manualmente.

Vivendo em comunidades alternativas e socialmente discriminadas e com precários

hábitos de higiene, eram adeptos do amor livre e da máxima “paz e amor”. Para as

pessoas, eles não trabalhavam, só faziam artesanato. Como se fazer artesanato não

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fosse um trabalho... O artesanato era, para essas pessoas, produtos feitos por

drogados.

Ressalto, porém, que o artesanato existe no Brasil desde que os primeiros

portugueses aqui chegaram e encontraram os índios brasileiros fortemente armados

com arcos e flechas e adornados com cocares e outros enfeites e vestimentas de

penas. A beleza e a rara diversidade de nossos pássaros, com a plumagem de um

colorido esplêndido, possibilitavam uma produção de artefatos artesanais

consideradas até hoje como a mais pura representação do artesanato brasileiro.

E foi justamente o artesanato indígena a primeira moeda de troca brasileira, o

primeiro objeto de permuta do denominado escambo. Pero Vaz de Caminha, aoescrever sua primeira carta depois da chegada ao Brasil, relata, em tom poético, o

momento de encontro e comércio entre os portugueses e os índios que aqui

habitavam:

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziamarcos nas mãos, e suas setas [...] Viu um deles umas contas de rosário,brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as aopescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para aterra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como sedariam ouro por aquilo. [...] Eles davam desses arcos com suas setas porsombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam. [...].Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas, daquelas já ditas, eresgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavamdali para as naus muitos arcos, e setas e contas.

Outro artesanato quase tão antigo quanto o indígena é o artesanato genuinamente

capixaba representado pelas panelas de barro de Goiabeiras, que hoje têm um

notório reconhecimento nacional e internacional. As famosas panelas de barro foram

tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional como um “bem imaterial”,

pois são produzidas da mesma forma há mais de 400 anos, mantendo a tradiçãopassada de mãe para filha, perpetuando a arte dos “saberes e fazeres”. Há, ainda,

controvérsias se esse utensílio foi criado por índios ou, posteriormente, pelos

escravos africanos.

Além da panela de barro, é claro que existiam diversos outros tipos de artesanato,

desde a cerâmica marajoara, a cestaria, a renda do Nordeste, as carrancas do São

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Francisco... Certamente, o artesanato existe desde os primórdios. É verdade que o

fazer artesanal se diferencia do artesanato, mas essa diferença não é facilmente

identificada. A panela de barro era um utensílio produzido artesanalmente... Mas

quando virou uma manifestação do artesanato?

Eu nasci em Aimorés (MG) e quando minha família mudou para Vitória o peixe

continuou a ser preparado na panela de ferro ou de alumínio. O uso da panela de

barro, tão comum nos dias de hoje, estava fora das minhas tradições familiares.

Essa manifestação do artesanato capixaba estava distante do meu mundo, fora da

minha realidade naquela ocasião...

Então, os hippies eram os artesãos que eu e a maioria das pessoas de classe médiaurbana conhecíamos nos anos 70, época em que o artesanato era o meio de

subsistência dos jovens que abandonavam suas casas muito cedo, dos jovens que

contestavam a sociedade de consumo e que ficaram marcados como consumidores

de alucinógenos... Acho que, no fundo, todo jovem da minha época, em algum

momento de sua vida, quis ser hippie . Ser hippie , para alguns, significava liberdade

de expressão, que poderia ser expressa de várias formas, inclusive por meio das

artes.

Esses foram os primeiros artesãos que conheci. Fascinava-me ver os hippies  

sentados pelas calçadas, fazendo pulseiras, anéis, fazendo artesanato usando a

prata com abalone, lapislazule, madrepérola, coral, pedras, materiais que eu nunca

tinha visto. Até hoje tenho um colar de madrepérola com coral que comprei dos

hippies , provavelmente, em alguma calçada, durante um verão em Guarapari. 

Das calçadas surgiram as famosas “feiras hippies ”, na década de 1970. Era moda ir

à feira hippie de Ipanema e a de Belo Horizonte. Pessoas se deslocavam das maisdiversas partes do País para fazer compras nessas feirinhas. Surgiram os novos

artesãos, que, até então, faziam artesanato para consumo próprio, para suas

próprias casas e para os amigos, mas que passaram a expor e comercializar seus

produtos nesses locais. Estes artistas dotados de tanta destreza e habilidade

manual tinham o artesanato como hobby  ou passatempo, pois ninguém poderia

sobreviver da produção de artesanato naquela época...

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Mas um novo momento estava em fase de gestação. Uma das mais antigas

profissões, o artesanato, estava entrando na moda. E as feiras hippies  foram

crescendo rapidamente e se tornando grandes pontos de vendas, até para compras

no atacado. Comerciantes ávidos por produtos diferenciados freqüentavam essas

feiras em busca de novidades.

Porém, com o passar do tempo, essas mesmas feiras foram tomando novas

dimensões. Com a abertura de mercado na década de 1980, elas abriram caminho

para o “industrianato”, o “made   in...”. Produtos importados, industrializados e de

baixíssima qualidade começaram a disputar espaço com o artesanato

comercializado nesses espaços.

Durante algum tempo, o artesanato foi perdendo espaço para produtos de baixa

qualidade e baixos preços, o que obrigou o artesão, para se adequar ao mercado, a

também produzir produtos mal acabados e de baixo valor agregado, para disputar

um espaço nesse mercado, muitas vezes desleal.

2.2 DIFERENCIANDO ARTE POPULAR, ARTESANATO E TRABALHOMANUAL

Estabelecer diferenças entre artesanato, arte popular, trabalhos manuais e outras

manifestações humanas tem sido uma preocupação constante para profissionais

que atuam em programas desenvolvidos por instituições públicas e privadas. A

necessidade dessas definições e conceitos visa a nortear as diretrizes e ações que

podem ser realizadas em apoio ao artesanato.

O termo “artesanato” de acordo com as referências enciclopédicas, desde seu

aparecimento, em fins do século XIX, tem tido significações ambíguas, englobando o

conjunto de atividades manuais não agrícolas, nas quais as atividades do artesão e

do artista se confundem.

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Porém, durante o seminário “Design sem fronteiras”, realizado em 1996, em Bogotá

(Colômbia), do qual participaram todas a cúpula diretiva do Conselho Mundial de

Artesanato (WCC), Eduardo Barroso Neto1, do Brasil, propôs que “podemos

compreender como artesanato toda atividade produtiva de objetos e artefatos

realizados manualmente, ou com a utilização de meio tradicionais ou rudimentares,

com habilidade destreza, apuro técnico, engenho e arte” (PROGRAMA SEBRAE DE

ARTESANATO, 2004, p. 1-2).

Desse encontro, objetivando atender à expectativa de muitas pessoas envolvidas na

atividade artesanal, que ansiavam por uma definição, até para se posicionar no

mercado profissional, evidenciou-se definições e algumas outras características do

artesanato:

O artesanato é essencialmente um trabalho individual, embora a produção de alguns

objetos possa exigir a intervenção de várias pessoas durante sua confecção; deve

resultar em objeto ou artefato novo e fruto da transformação de matérias-primas e

em pequena escala (eliminando desta categoria as atividades agropecuárias e

pesqueiras, embora sejam, muitas vezes, denominados de agricultura artesanal e

pesca artesanal, em oposição à agricultura e pesca industrial, ou seja, em grande

escala). Do mesmo modo, esta atividade deve revelar uma destreza e habilidadeímpar de quem a produz, distanciando-se de uma simples atividade manual, assim

como uma engenhosidade nas formas, usos e funções que traduzem a criatividade

daqueles que, em seu cotidiano, descobrem soluções apropriadas para seus

problemas e necessidades de modo não convencional e inovador (PROGRAMA

SEBRAE DE ARTESANATO, 2004, p. 1-2). 

Algumas pessoas não conseguem diferenciar as atividades ditas “manuais” do

artesanato. A existência de uma linha tênue entre arte popular, artesanato e trabalhomanual tem gerado uma série de dúvidas. Uma forma considerada simplória de se

fazer essa diferenciação é dizer que o artesanato é a atividade principal de quem o

produz como meio de subsistência, enquanto o trabalho manual seria uma atividade

secundária.

1 Eduardo Barroso é consultor do Sebrae Nacional e participou da criação do Termo de Referência doPrograma Sebrae de Artesanato, publicado em março 2004.

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O Programa Sebrae de Artesanato, em seu Termo de Referência, diferencia e

classifica estsas atividades. Conforme esse documento (SEBRAE, 2004, p. 21), arte

popular é o conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas e expressivas, que

configurem o modo de ser e de viver do povo de um lugar. Suas características são

a produção de peças únicas, arquétipo, compromisso consigo mesmo, fruto da

criação individual.

Trabalho manual, por sua vez, é a atividade desenvolvida a partir de uma destreza,

não resultante de processo criativo, podendo ser um cópia, normalmente

desenvolvido em casa como atividade secundária ou um passatempo. Suas

características são a produção assistemática, reprodução ou cópia, ocupaçãosecundária, fruto da destreza.

Já o artesanato é “[...] toda atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos

acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou

rudimentares, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade” (SEBRAE, 2004, p.

21). Caracteriza-se pela produção em pequenas séries com regularidade; produtos

semelhantes, porém diferenciados entre si; compromisso com o mercado; fruto da

necessidade.

No que se refere ao artesanato, o documento do Sebrae (2004, p. 22-23) lista os

seguintes tipos:

  Artesanato indígena: objetos produzidos em comunidades indígenas;

  Artesanato tradicional: objetos produzidos com representação cultural e

tradicional, de origem familiar ou regional, transmitidos de geração em

geração;

  Artesanato de referência cultural: objetos com características e

incorporação de elementos culturais da região onde são produzidos.

Normalmente, são frutos do trabalho desenvolvido por artistas e designers em

parceria com artesãos;

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  Artesanato conceitual: objetos produzidos por pessoas com formação

artística, educacional e cultural, de origem urbana, com propostas de estilos

de vida e valores ligados a movimentos ecológicos e naturalistas.

O Artesanato pode ser categorizado, ainda, em função de suas finalidades e

aplicações (SEBRAE, 2004, p. 23):

  Utilitário: ferramentas e utensílios desenvolvidos para suprir necessidades

das populações de menor poder aquisitivo, substituindo produtos industriais

de valor mais elevado;

  Conceitual: objeto que tem como finalidade principal externar uma reflexão

ou conceito de quem os produz. Geralmente, são frutos da necessidade deauto-afirmação social e cultural e, por isso, muitas vezes são confundidos

com arte popular;

  Decorativo: artefatos cuja principal motivação é a busca da beleza, com a

finalidade de harmonizar os espaços de convívio;

  Litúrgico: produtos com finalidade ritualística e destinados às práticas

religiosas ou místicas;

  Lúdico: produtos destinados ao entretenimento de adultos e crianças,

intimamente relacionados com as práticas educativas, folclóricas e

tradicionais.

Apresentadas as definições para arte popular, artesanato e trabalho manual,

passamos, a seguir, a discorrer sobre os programas de incentivo ao artesanato

existentes no Brasil e no Espírito Santo.

2.3 PROGRAMAS DE INCENTIVO AO ARTESANATO

Atualmente, instituições públicas, privadas, organizações não-governamentais

(ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) criaram

programas de incentivos à produção de peças artesanais por comunidades carentes,

objetivando a geração de trabalho e renda para indivíduos que estavam à margem

da sociedade e, em muitos casos, em situações de risco social.

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Empresas do setor privado também têm incentivado a atividade artesanal como

alternativa ocupacional e gerador de renda extra para funcionários, familiares e

pessoas residentes em seu entorno, proporcionando a minimização dos impactos

negativos decorrentes da substituição do homem pela máquina e a prática da

política da boa vizinhança.

O resultado obtido por ações dessa natureza para as instituições públicas, privadas,

ONGs e OSCIPs gera resultados altamente positivos, pois esse tipo de incentivo

proporciona visibilidade nacional para as Instituições que apóiam esses programas,

uma vez que toda e qualquer ação com foco na responsabilidade social, além de

muito importante, é muito bem vista pela sociedade de forma geral.

São diversos os níveis de apoio que as instituições têm dado ao artesanato. A

emissão da carteira de artesão pelo Programa do Artesanato Brasileiro foi um

grande diferencial para os artesãos, pois com a criação da identidade profissional é

possível comercializar os produtos artesanais, devidamente documentados por meio

de notas fiscais, emitidas pela Secretaria da Fazenda. Isso serve também para

desmarginalizar o profissional, que, muitas vezes, era confundido com camelôs, que,

freqüentemente, dedicam-se à venda de produtos falsificados ou contrabandeados.

É preciso reconhecer que o artesanato brasileiro, de modo geral, deu um grande

salto depois da criação desses programas e que o Termo de Referência do

Programa Sebrae de Artesanato, elaborado ao longo de 2003 e publicado em 2004,

pode ser considerado um divisor de águas para o artesanato e para a vida do

artesão.

O apoio das instituições para a implantação dos núcleos de artesanato ocorre desdea contratação das parcerias, mobilização dos artesãos, repasse e melhoria da

técnica artesanal, intervenção de design, indo até a comercialização e escoamento

da produção artesanal, fechando-se, assim, o ciclo da geração de trabalho e renda.

A seguir, passamos a caracterizar os principais programas de incentivo ao

artesanato no Brasil e no Espírito Santo.

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2.3.1 Programa do Artesanato Brasileiro

O apoio ao segmento artesanal foi iniciado pelo Governo Federal em 1977, com a

criação, por meio de decreto, do Programa Nacional de Desenvolvimento do

Artesanato (PNDA), na época sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho.

No ano seguinte, foi editado o Decreto 83.290/1979, que regulava a classificação de

produtos artesanais e a identificação profissional do artesão. Em 1991, em outro

decreto, publicado no Diário Oficial, foram revogados os decretos anteriores einstituído o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB). 

O PAB tem por finalidade coordenar e desenvolver atividades que visem à

valorização dos artesãos, elevando seu nível cultural, profissional, social e

econômico, e ao desenvolvimento, promoção e divulgação do artesanato brasileiro.

Criado no âmbito do extinto Ministério da Ação Social, em 1995, passou a ser

vinculado ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, sucedido peloMinistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

O MDIC, em parceria com órgãos do Governo Federal, estados e municípios e

entidades privadas, estabeleceu políticas estratégicas para o segmento artesanal

brasileiro, voltadas para a organização e o fortalecimento dos núcleos de produção

(associações e cooperativas de artesãos), bem como para a promoção e incentivo à

comercialização de produtos artesanais, em consonância com as diretrizes definidas

para o segmento das micro e pequenas empresas, conforme segue:

Geração de emprego, ocupação e renda;

Estímulo à exportação;

Desenvolvimento e o aproveitamento das vocações regionais/locais;

Fortalecimento dos arranjos produtivos locais;

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Integração regional e internacional.

Estimulando o aproveitamento das vocações regionais, levando à preservação das

culturas locais e à formação de uma mentalidade empreendedora, o PAB vem

implementando ações em parceria com as coordenações estaduais de artesanato

dos 26 estados e do Distrito Federal no sentido de preparar os artesãos para o

mercado competitivo, organizar a produção artesanal e estimular a comercialização

e a promoção do artesanato como uma importante atividade econômica para o País.

Nesse sentido, o MDIC, por meio do PAB, doou, no Dia do Artesão, um caminhão

para cada um dos 27 estados com o objetivo de apoiar a comercialização da

produção em feiras e eventos nacionais e internacionais, mostrando, assim, que oartesanato brasileiro é importante na geração de divisas para o País e para a

divulgação da cultura brasileira no exterior.

O PAB é estendido aos estados por meio de programas específicos. No Espírito

Santo, o PAB é representado pelo Programa do Artesanato Capixaba (PAC), que

caracterizaremos a seguir.

2.3.2 Programa do Artesanato Capixaba

No Espírito Santo, a Secretaria Estadual do Trabalho, Assistência e

Desenvolvimento Social (Setades) é a responsável pelo apoio aos artesãos, por

meio do Programa do Artesanato Capixaba (PAC).

Com diretrizes estabelecidas de acordo com o PAB, essa secretaria tem investido

maciçamente na profissionalização dos artesãos que recebem capacitação paramelhoria na qualidade da produção artesanal, auxílio na busca de novos espaços

para a exposição e comercialização de seus produtos, orientação quanto à

legislação para o comércio de mercadorias artesanais, tanto para o mercado interno

quanto para exportação, e participação em feiras e eventos em um espaço

disponibilizado gratuitamente para a comercialização do artesanato.

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Entre as atividades realizadas pela Setades está a emissão da identidade do

artesão, obtida por meio de triagem previamente agendada, durante a qual o artesão

produz, na presença dos técnicos, uma peça artesanal e apresenta outras já

prontas, de modo a justificar a autenticidade de sua função. A identidade possibilita

ao artesão os seguintes benefícios:

Isenção de recolhimento de ICMS na venda de seus produtos, previsto no

Decreto Estadual 1090-R, de 25 de outubro de 2002;

Emissão de nota fiscal (sem recolhimento de ICMS);

Circulação de mercadorias para a participação em feiras e outros eventos;

Participação em feiras e eventos nacionais, que possibilitam a exposição,

divulgação e comercialização do artesanato capixaba.

2.3.3 Programa Sebrae de Artesanato

O artesanato brasileiro também tem sido apoiado pelo Sebrae. Nesta instituição, foi

concebido o Programa Sebrae de Artesanato (PSA), que tem dimensão nacional,

estendida para cada um dos estados brasileiros.

No final da década de 1990, foi criado o PSA, resultante de processos de mudanças

estratégicas na atuação do sistema, ampliando seu foco de ação e considerando o

empresário no ambiente e a empresa no território.

Como estratégia de atuação, esse programa foca a abordagem setorial, com o

fortalecimento das cadeias produtivas, e a abordagem local, centrada no

fortalecimento do capital social e humano como pré-condição para o

empreendedorismo.

Em 1999, quando o programa estava sendo criado, coordenadores do PSA

realizaram diversos encontros regionais, objetivando uma análise do tipo de

artesanato que cada estado produzia. Diante das realidades apresentadas em cada

estado, com níveis e graus de amadurecimento bem diferentes, e da busca por um

referencial em comum para atuação nesse setor, que até então era completamente

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atípico para o Sebrae, os coordenadores do PSA constataram que cada estado

deveria construir alternativas estratégicas que melhor atendessem ao setor artesanal

daquela região utilizando as diretrizes básicas do Programa Nacional, que serviria

como balizador para as ações territoriais.

A partir dessa constatação, foram definidos: o conceito e a missão do Programa, os

principais contornos da situação em vigor e da situação desejada e as ameaças e

oportunidades para a conquista da situação pretendida em cada estado. Foi

determinada, então, uma série de ações para a implementação do PSA: informação,

formação, produção, mercado, parcerias e políticas, bem como a sistematização de

um plano estratégico.

O Sebrae, tendo como missão “promover a competitividade e desenvolvimento

sustentável das micro e pequenas empresas” e com sua nova perspectiva

estratégica, define ao mesmo tempo os limites e a amplitude de sua atuação no

setor artesanal, que é uma as cadeias produtivas de vocação brasileira.

O programa tem criado novas possibilidades de consolidação do artesanato,

tornando-o economicamente viável, com novas estratégias de negociação,

ampliando o horizonte de atuação e o reconhecimento do artesanato brasileiro emnível internacional.

Incentivando a prática do cooperativismo, do associativismo e da sustentabilidade

dos grupos de artesãos, o Programa Sebrae de Artesanato promove a inserção da

mulher e do adolescente em atividades artesanais produtivas, fixando o artesão no

local de origem, onde a matéria-prima é utilizada para a produção artesanal,

propiciando, assim, baixos custos e evitando o crescimento desordenado dos

centros urbanos. A comercialização de produtos artesanais em pontos turísticos éum dos principais focos do PSA e o local onde ocorre a produção artesanal deve ser

um ponto de visita para o turista, que, a partir desse “novo olhar”, pode

contextualizar a nossa história.

O “fazer manual” está cada vez mais valorizado; o resgate cultural e a identidade

regional retratados nos produtos artesanais são uma contrapartida à massificação e

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à uniformização de produtos globalizados. O PSA tem como missão, conforme o

Termo de Referência do Artesanato, “contribuir para o desenvolvimento sustentável

do setor artesanal como estratégica de promoção cultural, econômica e social dos

territórios” (SEBRAE, 2004, p. 15).

2.3.4 Programa Sebrae de Artesanato Capixaba

Em 2000, o Sebrae-ES começou a apoiar o artesanato capixaba, por meio do

Programa Sebrae do Artesanato Capixaba. O apoio, inicialmente, esbarrou na falta

de informações sistematizadas sobre o artesão e sua produção artesanal, o que

dificultava estabelecer um norte para o programa.

Assim, nos seus primeiros anos de implementação, conforme explícito no seu Termo

de Referência (SEBRAE, 2004), o programa focou o desenvolvimento de ações

voltadas para:

  Informação: cadastro de artesãos, mestres de ofício, elaboração de estudos

e pesquisas das principais matérias-primas disponíveis por região;

  Formação: realização de oficinas para o desenvolvimento de técnicasartesanais;

  Mercado: viabilização da participação em feiras, rodadas de negócio e

exposições.

A estratégia do programa teve como foco uma abordagem coletiva, por meio de

apoio e incentivo à instalação de grupos de produção, denominados Núcleos de

Produção e Comercialização de Artesanato (NPCAs), que deveriam ter as seguintes

características:

Estarem próximos a locais que propiciam o aproveitamento de resíduos,

rejeitos e/ou sobras para peças artesanais;

Constituir-se em pólos que propiciam a transformação de matéria-prima in 

natura em peças artesanais;

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Terem proximidade com equipamentos turísticos que justifiquem como

complementaridade a geração de postos de trabalho e o escoamento da

produção.

Com um custo de investimento relativamente baixo, os núcleos instalados passaram

a utilizar, para a produção de peças artesanais, a matéria-prima natural, residual

e/ou abundante na natureza, promovendo a inserção de homens, mulheres e

adolescentes em atividades produtiva, estimulando a prática da cultura da

cooperação como forma de permanência do artesão no local de origem e

possibilitando uma produção artesanal, inicialmente com matéria-prima a custo zero

e focada no ecodesign

2.4 CONFUSÕES TERMINOLÓGICAS, EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO

DESIGN

Caracterizar o design tem sido uma constante em quase todos os trabalhos que

abordam algum tipo dessa atividade. Diversos autores sentem necessidade de

explicitar, a seu modo, conceitos sobre essa área de conhecimento tão ampla e de

contornos tênues. Ou, talvez, cada autor considere que, em virtude de ser o designuma atividade relativamente nova, seu conceito ainda não tenha sido

suficientemente entendido e formalizado.

O termo “design” originalmente deriva-se do latim designare . Houve uma série de

tentativas de tradução do termo, mas nomes como projética industrial acabaram em

desuso.

A palavra design é muito rica de significados. Segundo Gomes (1993), em inglês, otermo design ,

[...] além de significar ‘desenhar’ e ‘desenho’, denota também, uma grandeárea do conhecimento humano que se responsabiliza por arranjar,organizar, classificar, planejar, projetar e, especificamente desenharartefatos,mensagens, ambientes ou espaços para a produção industrial ouartesanal (GOMES, 1993, p. 6). 

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Observa-se que Gomes (1993, p. 6) conceituava o design falando em “desenhar

artefato [...] para a produção industrial ou artesanal”. Ainda conforme esse autor,

design é, em alguns casos, projeto. É uma atividade criativa diretamente relacionada

à concepção, elaboração e especificação de um objeto ou artefato. Essa atividade é

normalmente focada na inovação ou mesmo na solução de um problema.

O design estuda a relação entre o homem e o meio sob o ponto de vista do homem.

É mais que um avanço na estética ou no conforto, é um processo criativo, inovador e

provedor de soluções para problemas, de importância fundamental, não apenas para

as esferas produtivas, tecnológicas e econômicas, mas, também, social e cultural

(GOMES, 1993).

O design, no entanto, não aborda somente aspectos estéticos do produto. Na

verdade, o design é um macroprocesso que envolve ações de planejar, projetar e

desenvolver, tendo como resultado final o produto. O design é a ferramenta

propulsora da qualidade, competitividade e sustentabilidade nos mais diversos

seguimentos da economia.

Conforme o relatório “Design para a competitividade”, da Confederação Nacional

das Indústrias (apud BREFE, on-line), o desenvolvimento de um novo design deverápossibilitar os seguintes elementos:

[...] capacidade de resolução de problemas, criação de novos estilos,melhoria no processo produtivo; melhoria da qualidade, desempenho,funcionalidade, segurança e facilidade de uso do produto; diferenciação,maior atratividade estética e agregação de valor aos produtos; aumento daprodutividade, lucratividade e competitividade; melhoria da imagem dosbens e serviços; facilidade de uso dos produtos (BREFE, online).

A essa lista, podemos acrescentar, ainda, a função ergonômica.

Atualmente, a denominação “design” tem sido aplicada para as mais diversas

atividades, nem sempre relacionadas aos setores artísticos ou arquitetônicos. Fala-

se muito em design gráfico, design editorial, design institucional, design de

embalagem, design multimídia, webdesign, design de jogos, design de produto,

design automobilístico, design de mobiliário, design de moda, design de jóias, design

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de ambientes, design de interiores, design de iluminação (lightdesign ), dentre outros

que surgem a cada dia.

No Brasil, a nomenclatura “desenho industrial” mantém-se em uso atualmente,

principalmente nos cursos de design em instituições públicas e privadas de ensino

superior, contudo a utilização do termo desenhista industrial, para o profissional da

área, está em desuso, sendo substituído pelo termo em inglês designer.

Atualmente, os profissionais que utilizam o design com ferramenta inovadora para a

realização de suas atividades também intitulam-se “designers” e, erroneamente,

uma enorme variedade de profissionais passaram a utilizar a expressão "designer” ,

como se fosse um modismo – ser designer passou a ser cult. Dentre eles podemosdestacar alguns que estão em evidência, como o cake designer  (para confeiteiro),

hair designer (para cabeleireiro), body designer (para tatuador), banalizando, assim,

o uso do termo.

2.5 O DESIGN NO BRASIL

No Brasil, as primeiras iniciativas para o desenvolvimento do design ocorreram aindana década de 1960. Nesse período, ocorreram iniciativas de fomento ao design

industrial, sobretudo no campo educacional, buscando criar a base para o

desenvolvimento do design, paralelamente ao processo de industrialização.

A criação da Escola Superior de Desenho Industrial, a primeira escola de design

brasileira, em 1962, é um reflexo disso. Nessa época, surgiram os primeiros cursos

superiores de design, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, bem como a

Associação de Brasileira de Design, a primeira do gênero no País.

Na década de 1970, com a entrada do capital estrangeiro e o incentivo às

exportações, criou-se um terreno fértil para a expansão do design no Brasil. A

indústria começou a investir no design como um diferencial competitivo, aumentando

o número de escolas e escritórios de design e valorizando a profissão do designer.

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Na década de 1980, com a chegada do computador, ocorreu uma verdadeira

revolução em todos os setores, mas essa ferramenta tecnológica consolidou-se

como instrumento fundamental de trabalho para o design, facilitando

significativamente o processo produtivo dos designers.

Nos anos 90, houve profundas mudanças decorrentes da abertura econômica e uma

série de medidas agitou o setor industrial, com a entrada de capital e empresas

estrangeiras. O design recebeu, então, novo impulso, por meio de programas

setoriais, regionais e em nível nacional. O design gráfico consolidou-se nacional e

internacionalmente, enquanto o design de produto ainda tem participação tímida na

indústria.

Em 1995, por iniciativa do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, foi

criado o Programa Brasileiro do Design (PBD), com o objetivo de estabelecer um

conjunto de ações para a modernização industrial e tecnológica, por meio da

inserção do design no processo produtivo das empresas, visando a contribuir para o

incremento da qualidade e da competitividade dos bens e serviços produzidos no

País.

Na virada do milênio, a valorização da cultura do design se dissemina pelasociedade e vários setores industriais consolidam ações de promoção do design. Os

mais diversos setores de serviços demandam o design, como o hoteleiro, o

bancário, de aviação, o automobilístico, o arquitetônico, entre tantos outros. Cresce

também a preocupação do design com a ecologia e, dessa forma, o movimento do

ecodesign.

No mundo de hoje, novas estratégias empresariais, além da qualidade e da

produtividade, passaram a incluir a inovação tecnológica, com destaque para odesign, que assume importância decisiva como o diferencial para a manutenção e a

conquista de novos mercados, nos mais diversos nichos.

Neste capítulo, apresentamos conceitos para os diversos tipos de artesanato, bem

como para o design, um termo que, como vimos, evoca muitos significados. No

artesanato, resgatamos o indígena, as panelas de barro, as primeiras manifestações

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artesanais, os surgimentos dos primeiros artesãos urbanos e os famosos hippies ,

que quebraram paradigmas com relação ao artesanato. Além disso, discorremos,

ainda, sobre os programas de incentivo ao artesanato como fonte geradora de

emprego, renda e manifestação cultural. Por fim, descrevemos as etapas que

compõem o processo de intervenção de design no artesanato, tema principal desta

pesquisa.

Foi relatado também o curso de aperfeiçoamento em “Gestão Estratégica do

Artesanato”, que capacitou profissionais para atuar na implantação dos NPCAs, na

curadoria de artesanato e no Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba,

realizado em 2007.

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3 INTERVENÇÃO DE DESIGN NO ARTESANATO 

Apesar de o design ser utilizado por diversos setores da economia como estratégia

para alcançar a inovação junto aos mercados, observa-se que apenas no fim dosanos 90 começou-se a se falar em design no artesanato – até porque esse assunto

é relativamente novo. Assim, essa modalidade até hoje é muito pouco aceita por

algumas pessoas que encaram como um contra-senso falar em design no

artesanato, acredita-se que isso signifique um processo de interferência na cultura

local.

Teoricamente, design é tecnologia e artesanato é um fazer manual. As pessoas

pensam que artesanato não tem que ser feito a partir de uma demanda de mercado,das tendência, pois ele é a manifestação cultural e espontânea de um povo.

Realmente, para leigos, design no artesanato pode parecer bastante estranho, mas

quem está familiarizado com o processo de intervenção de design no artesanato

reconhece que essa união entre designer e artesão não somente pode ser possível,

como tem sido a estratégia utilizada para a geração de trabalho e renda por meio da

produção artesanal.

As intervenções de design no artesanato, quando bem conduzidas, podem gerar

bons frutos, pois essa intervenção é direcionada para a produção artesanal focada

em ações de identificação de demandas, tendências e ofertas, melhorias de

produtos e processos, agregação de valores culturais e iconográficos, divulgação e

acesso ao mercado.

Somente com esse conjunto de ações é que a produção artesanal terá demanda de

mercado capaz de gerar trabalho e renda para os artesãos, e, conforme relatado

anteriormente, uma das características do artesão é retirar seu sustento de seu

trabalho artesanal, e se este trabalho não gerar produtos que as pessoas queiram

comprar não vai haver geração de renda. Também seria um contra-senso estimular

a produção do artesanato apenas para manter a tradição cultural, pois o artesão vive

inteiramente dos frutos gerados por seu trabalho.

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Ressalto, com veemência, que o artesanato tradicional não deve nem pode ser

mexido em hipótese alguma. As intervenções de design no artesanato resultantes

dos trabalhos realizados por artesãos sob a orientação de um profissional do design

objetivam a criação do chamado “artesanato de referência cultural”, que

correspondem, como já relatado anteriormente, a:

produtos cuja característica é incorporação de elementos culturaistradicionais da região onde são produzidos. São em geral, resultantes deuma intervenção planejada de artistas e designers, em parceria com osartesãos com objetivo de diversificar os produtos, porem preservando seustraços culturais mais representativos (SEBRAE, 2004, p. 23).

Esse tipo de trabalho entre artistas, designers e artesãos já estava sendo

desenvolvido há algum tempo, pois há muito o mercado demandava produtos

diferenciados. Em eventos de arquitetura e design de interiores como a Casa Cor,

por exemplo, profissionais do design, objetivando compor ambientes com inovação,

criavam, para a ambientação dos seus espaços, belíssimos objetos produzidos por

artesãos muitas vezes desconhecidos. Foi assim que as primeiras intervenções de

design no artesanato surgiram, sem a pretensão de se tornar o movimento no qual

se transformou hoje.

Renato Imbroisi, notoriamente reconhecido como um dos maiores designers de

artesanato no Brasil, há mais de 15 anos coordena um grupo de tapeceiras no

interior de Minas Gerais que desenvolve produtos criados por ele e comercializados

em todo o Brasil.

Para repor meus estoques da Laço de Fita (loja de presentes da qual fui

proprietária), freqüentava eventos e feiras de design em São Paulo pelo menos

quatro vezes ao ano. Dessa forma, mantinha-me informada sobre lançamentos,novos produtos, tendências e demandas de mercado. Aliando esse conhecimento de

mercado à minha formação artística, eu mesma, durante o período em que estive à

frente da loja, desenvolvi parcerias com artesãos, orientando-os na criação de

diversos produtos para serem comercializados na loja.

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A utilização do design como ferramenta para a criação de produtos artesanais com

características próprias tem sido uma das principais ações dos programas de

artesanato junto às comunidades artesanais, sobre os quais já discorremos. Por

meio da contratação de consultores/designers para atuar junto a esses grupos de

artesãos nas intervenções de design nas peças artesanais, obtém-se uma produção

artesanal impregnada de inovação criativa, diversificada em desenhos e formas, na

combinação de materiais e cores, na abordagem iconográfica e no resgate da

cultura regional, compondo uma coleção de peças de acordo com tendências e

demandas de mercado com sustentabilidade e competitividade.

No que diz respeito ao Programa Sebrae de Artesanato, sua estratégia é apoiar o

“coletivo”, isto é, o grupos de artesãos. No Espírito Santo, esse coletivo formalizou-se principalmente com a criação dos Núcleos de Produção e Comercialização de

Artesanato. É junto a esses núcleos que as intervenções são realizadas.

A realização de uma série de ações seqüenciais entre o início e o término de uma

intervenção de design no artesanato parte da lógica que o processo se inicia e

termina também no mercado. Dessa forma, o processo de intervenção de design é

composto por várias etapas, conforme indicado no Termo de Referência do

Programa Sebrae de Artesanato (SEBRAE, 2004) e listadas a seguir.

1. Identificar a demanda

Pesquisar o mercado, de modo que possam ser identificados o público-alvo, os

potenciais compradores, bem como seus hábitos, gostos, exigências e

preferências.

Identificar as principais tendências do artesanato nacional (e também

internacional), matérias-primas, design e novos produtos nas áreas dedecorativos, utilitários, religiosos e souvenirs.

2. Identificar a oferta

A identificação da oferta começa pelo levantamento do artesanato e de outros

produtos similares ou concorrentes, avaliando qualidades e deficiências, tirando,

assim, proveito das oportunidades e neutralizando ou eliminando as ameaças.

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3. Melhorar produtos

Conquistar nichos de mercado com o desenvolvimento de novos produtos,

utilizando o design como ferramenta para a produção artesanal inovadora, dentro

das expectativas de um público insatisfeito.

Esta ação requer a participação de profissionais como designers, artistas

plásticos, arquitetos e antropólogos, que, além da capacidade criativa, tenham

atitudes de profundo respeito pela cultura do artesão.

4. Melhorar processos

Otimizar a produção, tornando-a mais ágil e competitiva, dentro das tendências edemandas de mercado, observando a sustentabilidade da matéria-prima, a

utilização de ferramentas mais modernas e a ergonomia, mas sem

descaracterizar os valores culturais e as história de vida dos artesãos.

Promover a produção artesanal com boa embalagem, padronização, economia,

durabilidade, acabamento e excelente qualidade.

5. Capacitar produtoresMudanças no processo produtivo implicam mudanças comportamentais.

Portanto, os artesãos, que são os atores deste processo, precisam de

capacitação desde a comercialização, formação de preços, marketing, gestão,

cultura da cooperação até o gerenciamento das relações interpessoais.

6. Agregar valor

A identidade da produção artesanal por meio do resgate iconográfico local gera

um grande desejo de consumo, pois quem compra artesanato está comprandocultura e história.

A produção artesanal com foco no ecodesign, com ações de preservação do

meio ambiente, tingimentos com pigmentos naturais, a utilização de resíduos e

rejeitos industriais como matéria-prima principal e a avaliação do ciclo de vida

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(ACV) são, atualmente, elementos de agregação de valores, que, em um futuro

muito próximo, serão exigências de mercado.

7. Divulgar e promover

Criação de logomarca, cartão de visita, folder , banner , catálogo e site para a

divulgação da produção artesanal, bem como a implementação do uso de

etiqueta com todas as informações sobre a produção, manuseio, limpeza,

acondicionamento, transporte, peso, medidas e origem do produto.

8. Comercializar

Promover ações que possibilitem a comercialização da produção artesanal por

meio da participação em feiras nacionais e internacionais, eventos do setor deturismo e negócios e rodadas e encontros de negócios.

3.1 MINHA EXPERIÊNCIA COM PROCESSOS DE INTERVENÇÃO DE DESIGN

NO ARTESANATO

Em 2003, fui convidada para fazer o curso de aperfeiçoamento em “Gestão

Estratégica do Artesanato”. Objetivando a implantação dos NPCAs, o Sebrae, empareceria com o Sesi, capacitou 30 profissionais do segmento artístico e artesanal,

com formações e níveis de atuação bastante heterogêneos, com uma série de

cursos visando à formação de agentes de desenvolvimento para o setor artesanal.

A capacitação, com duração de 208 horas, ocorreu entre dezembro de 2003 e

novembro de 2004. Durante esse período, foram ministrados os seguintes módulos:

Gestão Estratégica;

Ecodesign;

Harmonia e cor;

Materiais ecológicos;

Workshop para avaliação;

Marketing para o produto artesanal;

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Formação de preço;

Identidade cultural;

Práticas e procedimentos para o trabalho de consultoria;

Estrutura e forma no design de produtos; Apresentação/avaliação de projetos conclusivos.

A contrapartida dos profissionais pela capacitação recebida foi a atuação, durante 96

horas, em determinado grupo de artesãos identificados pelas instituições parceiras,

visando à implantação e formalização dos NPCAs. Essa ação foi realizada em

duplas e atuamos como multiplicadores da capacitação recebida. Nessa tarefa,

minha parceira foi Kátia Prota, que, assim como eu, tinha formação em Artes

Plásticas. Juntas atuamos no Núcleo de Produção de Artesanato de Escamas dePeixe, localizado em Caratoíra, um bairro da Grande Vitória.

Esse grupo familiar era liderado por Dona Leonília, que há 50 anos, pacientemente,

acompanhava o marido, que pescava às margens do Rio Doce, em Baixo Guandu,

fazendo flores de escamas dos peixes pescados para alimentar a família. Essa

atividade, que na época era para “passar o tempo”, foi resgatada há mais de dez

anos e passou a ser uma atividade artesanal para o sustento de sua família,

composta por filhos, netos e bisnetos, que viviam basicamente da produçãoartesanal de flores de escamas de peixe.

A intervenção com duração de 96 horas abordou iconografia local regional, resgate

cultural, cadastro de artesãos, design de produtos, ecodesign, marketing e formação

de preços com foco na responsabilidade social, melhoria da auto-estima e geração

de trabalho e renda para os membros do núcleo com a criação de 12 novos produtos

para o grupo.

Após o término da intervenção do Núcleo de Escamas de Peixe, fui convidada pelas

coordenadoras de PSA, na ocasião Angélica Fonseca e Célia Bigossi, para atuar

como multiplicadora do curso de formação de preços em alguns núcleos em fase de

implantação. Atuei no Núcleo de Conchas (Piúma), no de Fibra de Taboa (Serra), no

de Mármore e Granito (Venda Nova do Imigrante) e no Núcleo de Alumínio

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(Cariacica). A atuação ocorreu em agosto e setembro de 2004 e durou 25 horas em

cada núcleo. Eu preparava os artesãos para o cálculo de custos e formação de

preços.

Em dezembro de 2004, atuei no processo de implantação do Núcleo de Marchetaria

(Colatina). Esse trabalho se estendeu até março de 2005 e foi realizado em parceria

com Dona Didi. Dona Didi é formada em Enfermagem, morou oito anos em

comunidades indígenas da etnia dos ianomâmis e foi proprietária de uma fábrica de

objetos em cerâmica em Brasília. A experiência de vida dessa senhora, hoje uma

grande amiga, quase uma mãe, pôde ser compartilhada com os 11 membros do

grupo no qual atuávamos, que, sedentos de seus conhecimentos, mal piscavam os

olhos para não perderem nenhuma informação.

Sob o sol causticante do verão em Colatina, esse trabalho, também com duração de

96 horas, seguiu as diretrizes do PSA, abordando a iconografia regional, o resgate

cultural, o cadastro de artesãos, o design de produtos, o ecodesign, marketing e

formação de preços com foco na responsabilidade social, a melhoria da auto-estima

e no acabamento das peças produzidas e a sugestão de novos produtos com o

objetivo de gerar trabalho e renda para os membros do núcleo.

No início de 2005, fui convidada pelas coordenadoras do PSA para atuar como

curadora de artesanato do Sebrae-ES. Essa Curadoria era realizada uma vez por

semana no Espaço Empreendedor, no Sebrae-ES, em Vitória, e o atendimento era

direcionado à orientação do artesão quanto à exportação, viabilidade, mercado,

apresentação do produto, tendências, acabamento, design, agregação cultural,

embalagem, marketing e comercialização.

Esse trabalho me trouxe uma realização pessoal muito grande, pois o resultado dasações propostas era imediatamente constatado pelo feedback  dos artesãos

atendidos. Ao fim do dia, eu falava: “meu Deus, obrigada por me dar a oportunidade

de realizar este trabalho e ainda ser remunerada por isto”. Esse trabalho,

certamente, eu faria até de graça!

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Em abril de 2005, fui convidada para participar do Programa Sebrae de Artesanato,

como consultora externa, atuando na implementação das ações propostas no

programa, junto aos NPCAs, acompanhando-os na comercialização em feiras e

eventos, selecionando designers para realizarem intervenções de design nos

núcleos, monitorando os trabalhos que estavam sendo realizados, enfim, atuando

diretamente em todas as ações do Programa Sebrae de Artesanato, junto com sua

coordenação.

3.2 PROJETO INOVAÇÃO E DESIGN NO ARTESANATO CAPIXABA

Em abril de 2007, após ser aprovada no processo seletivo do Sebrae, passei a fazerparte do quadro de funcionários da instituição, fazendo a gestão do Projeto Inovação

e Design no Artesanato Capixaba. Criado em abril de 2007 pelo Sebrae-ES, esse

projeto estendeu-se até dezembro do mesmo ano e objetivava propiciar o

fortalecimento de 11 núcleos de produção e comercialização de artesanato

(NPCAs), a partir da realização de cinco ações:

1. Consultoria

2. Curadoria3. Realização de palestras

4. Criação de centro de informação e pesquisa

5. Promoção e acesso a mercado

Esse trabalho envolvia 11 núcleos, a saber:

NPCA de Fibra de Bananeira (Iconha)

NPCA de Produtos do Mar / Escamas de Peixe (Vitória)

NPCA de Fibra de Bananeira (Mimoso do Sul)

NPCA de Fibras Naturais / Coqueiro (Itapemirim, no distrito de Itaoca)

NPCA de Fibras Naturais / Semente (Itapemirim, no distrito de Gomes)

NPCA de Tecelagem (Cariacica, instalado no Instituto de Atendimento Sócio

Educativo do Espírito Santo - Iases)

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NPCA de Produtos do Mar / Conchas (Piúma)

NPCA de Fibra de Taboa (Anchieta)

NPCA de Rochas Ornamentais / Granito (Venda Nova do Imigrante)

NPCA de Marchetaria de Madeira (Colatina) NPCA de Bagaço de Cana (Conceição da Barra)

O Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba obteve os seguinte resultados:

Contratação de cinco consultores/designers, que atuaram nos 11 NPCAs,

realizando 752 horas de consultoria de inovação e design, capacitando 142

artesãos, processo que culminou na criação de 159 novos produtos

artesanais. Criação da “Coleção Espírito Capixaba”, com a contratação de um designer,

que atuou como curador e diretor de arte durante 82 horas, selecionando 135

produtos entre os que foram criados com foco no ecodesign.

Realização de duas palestras: “A importância do design no artesanato como

agregador de valor e renda” e “Tecidos sustentáveis: a experiência do tecido

a base de PET”.

Exposição dos produtos na III Feira Internacional de Artesanato, no II

Seminário Capixaba de Design e no Seminário de Economia Criativa e no hall  

da sede do Sebrae-ES.

Realização do registro fotográfico das 135 produtos da “Coleção Espírito

Capixaba”.

Criação do Centro de Pesquisa de Inovação e Design no Artesanato, em um

espaço com 15 m², no Espaço Empreendedor do Sebrae-ES, equipado com

computadores, internet, acervo de catálogos, livros, fotografias e revistas.

Entre as cinco ações propostas no projeto, a consultoria é a ação que propicia a

realização de intervenções de design. A consultoria era o enfoque de maior peso,

até pela extensão da carga horária.

Os consultores/designers contratados foram orientados a atuar a partir do princípio

de que o design não é apenas desenho ou projeto, mas um macroprocesso, no qual

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se tratam tendências, demandas, produtos e mercados. Portanto, realizamos visitas

à lojas do setor para a realização de análise dos produtos ofertados pelo mercado,

verificação de tendências de materiais, formas, demandas e preços dos produtos

comercializados.

O desenvolvimento de uma produção sustentável e

focada no ecodesign também foi outra estratégia

adotada para a produção artesanal, pois ações nesse

sentido, atualmente, não são apenas um diferencial nem

um provocador de demandas, mas sim uma exigência

para estar no mercado.

Em experiências anteriores, o profissional de design chegava aos núcleos

conhecendo pouco sobre eles. Não sabíamos o que iríamos encontrar...

Geralmente, os designers ligavam e avisavam: “estamos indo”. Sem informações

sobre as características do grupo e de sua produção, a relação entre as partes já

começava sem uma base relativamente sólida.

Figura 3 - Coleção EspiritoCapixaba (Mônica Zorzanelli)

Figura 4 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

Figura 5 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

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Para evitar isso, o primeiro passo dado com relação à

contratação dos designers que iriam atuar nos núcleos

foi a escolha de profissionais que estivessem dispostos

a seguir as diretrizes do Termo de Referência do

Programa Sebrae de Artesanato, mas que, acima de

tudo, “gostassem de gente”.

Os designers foram escolhidos para intervir nos núcleos de acordo com suas

expertises, mas antes da definição de qual profissional iria para determinado núcleo,

realizamos visitas a cada núcleo para que os designers conhecessem os artesãos e

os trabalhos que estavam sendo realizados. O objetivo era observar afinidades com

os produtos, mas, principalmente, entrosamento e aceitação de ambas as partes.

Nos momentos vividos nessas visitas, que duravam um dia inteiro, tivemos aoportunidade de analisar o clima que começava a se estabelecer entre os artesãos e

os designers e a forma como eles começavam a se relacionar.

Figura 6 - Coleção EspiritoCapixaba (Mônica Zorzanelli)

Figura 7 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

Figura 8 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

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Assim, durante as visitas, aplicamos um

questionário com uma serie de perguntas

sobre a capacidade produtiva, o número de

componentes, a data de fundação do núcleo,

as matérias-primas e insumos utilizados, o

que os artesãos gostariam que fosse

melhorado e/ou criado. Essas perguntas

foram realizadas com o objetivo de nortear as

intervenções e estabelecer níveis de atuação do designer, de modo a não gerar

expectativas que não poderiam ser atendidas.

A decisão foi assertiva, haja vista que, durante os três meses do Projeto Inovação e

Design no Artesanato Capixaba, foram criados 135 produtos classificados como

artesanato de referência cultural e batizados de “Coleção Espírito Capixaba”, nome

escolhido pelos próprios artesãos.

Figura 9 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

Figura 10 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

Figura 11 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

Figura 12 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

Figura 13 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)

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Creio que a realização desse “dia de entrosamento”, como costumamos chamar,

tenha sido uma estratégia que pode ser classificada como facilitadora, aos olhos de

Rogers. A primeira visita, além de nortear os trabalhos que seriam realizados e evitar

as expectativas que não pudessem ser atendidas, fazia com que a auto-estima dos

artesãos fosse valorizada. Eles perceberam que, para se alcançar bons resultados,

a convivência entre eles e o designer deveria ser o ponto de partida para a criação

de uma produção artesanal com a chamada intervenção de design no artesanato.

Ficou bastante claro para os designers que as experiências decorrentes desses

encontros nos mostram a importância dele permitir que o artesão seja ele mesmo,

em sua simplicidade cotidiana, e que essa transparência precisa ser respeitada por

qualquer profissional que se aproxime do grupo. O profissional deve ser um lídercarismático, um líder que dá a essas pessoas um poder simples: o de serem elas

mesmas, sem máscaras, sem fingimentos, simplesmente serem...

Conforme lembra Rogers,

o poder é compartilhado no relacionamento que estabelecemos com umgrupo e seus membros. Permitimo-nos “ser”; permitimos que os outros“sejam”. Quando estamos em nossa melhor forma, a vontade de julgar oumanipular as ações ou pensamentos dos outros é mínima. Quando as

pessoas são abordadas desta forma, quando são aceitas como são,revelam-se criativas e plenas de recursos para examinar e transformar suaspróprias vidas (ROGERS, 1983, p. 56).

Não há liderança preestabelecida, os produtos criados não têm “dono”. Ao falar das

ações propostas e do Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba, que se

iniciava, o espírito cooperativista foi enaltecido como prioridade do Programa Sebrae

de Artesanato. E todo o apoio que a instituição vem realizando durante esses anos

só está ocorrendo porque se trabalha dentro dessa cultura. Eu dizia sempre: “o

Sebrae está aqui hoje apoiando vocês, pois vocês estão organizados em um grupounido, coeso, em que não há patrão nem empregado e em que todos os produtos

que forem criados serão do grupo!”.

Uma citação de Rogers caminha na mesma linha da estratégia adotada pelo

Programa Sebrae de Artesanato, estimulada e implementada nos chamados núcleos

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de produção e comercialização de artesanato (NPCAs), que é a “cultura da

cooperação”. Esta citação bem que poderia ter sido proferida por um artesão:

Uma afirmação final sobre a maneira como funcionamos: somos uma

equipe totalmente aberta, sem lideres e sem nenhuma organizaçãohierárquica. A liderança ou responsabilidade são compartilhadas. Tornamo-nos uma equipe unida que viveu seu relacionamento da maneira a maiscentrada na pessoa que conhecemos. Em primeiro lugar, capacitou-me aassumir riscos que eu jamais ousaria assumir sozinho (ROGERS, 1983, p.57). 

Neste capítulo, apresentamos o processo de intervenção de design no artesanato

realizado junto aos núcleos de produção e comercialização de artesanato no Espírito

Santo que se inicia e termina no mercado. Isso porque seu principal objetivo é a

geração de renda para o artesão. Ressaltamos, porém, a qualidade das relaçõesque se estabelecem entre o designer responsável pela intervenção e os artesãos

  junto aos quais ele implementa esse processo é de fundamental importância para

que se alcance esse objetivo.

Este estudo se dedica justamente a investigar até que ponto as relações que se

estabelecem entre designers e artesãos promovem o desenvolvimento destes. Uma

vez que Carl Rogers foi adotado como referencial teórico deste trabalho, no capítulo

a seguir, passo a descrever as características que, conforme esse autor, precisamestar presentes nos relacionamentos para que o crescimento pessoal e em outros

âmbitos ocorra para as partes envolvidas.

A seguir, apresentaremos a filosofia de Carl Rogers e as atitudes facilitadoras

propostas por ele na Abordagem Centrada na Pessoa. 

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4 A FILOSOFIA DE ROGERS PARA AS RELAÇÕES HUMANAS

Eu nunca tinha ouvido falar de Rogers. Aliás, talvez eu até já tivesse sim, pois me

pareceu muito familiar quando ouvi a professora Joelma falar em psicologiarogeriana. A cada palavra, a cada frase proferida por ela, algo me soava como muito

familiar. A cada citação sobre Rogers feita por ela, meus olhos brilhavam e meu

coração batia mais forte do que de costume. Eu estava ouvindo uma série de coisas

que eu ansiava ouvir, achava que nunca tinha ouvido, mas pressentia que seriam

ouvidas. Eu estava ouvindo tudo que eu queria ouvir e sabia perfeitamente quais

eram as próximas palavras que seriam ditas por ela. Eu definiria como “premonição”

a capacidade de antecipar sensações, sentimentos, enfim, de vivenciar alguma

coisa que nunca tinha vivido. Foi um momento único e mágico!

Ao ingressar na Pós-graduação de Design de Interiores, minha intenção, na

realidade, era agregar conhecimentos, aumentar minha rede de relacionamentos,

voltar para os bancos acadêmicos e, principalmente, utilizar o artesanato no design

de interiores.

Durante meu período de trabalho como consultora externa do Sebrae-ES nos

NPCAs, pude perceber diversos níveis e formas de atuação dos mais diferentesdesigners. Meu objetivo não era questionar o profissionalismo, muito menos a

qualidade dos trabalhos que realizados. Mas mesmo se o tivesse, teceria, com

certeza, muitos elogios a tais trabalhos, haja vista a alta qualidade do artesanato

produzido atualmente por esses grupos de artesãos.

Na realidade, meu questionamento é quase pessoal, é um questionamento muito

íntimo, pois durante os três anos que estive em contato com artesãos e designers,

por diversas vezes, senti que alguma coisa a mais deveria acontecer além da

criação de uma bela peça.

Não bastava apenas seguir as diretrizes do Programa Sebrae de Artesanato (PSA),

que orienta que sejam criados produtos utilizando matéria-prima abundante, residual

ou rejeitos industriais, com apelo ecológico, que retrate valores culturais e

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iconográficos e que seja usada com a finalidade de gerar trabalho e renda para

essas pessoas. Na verdade, eu sentia que faltava algo mais do que era proposto

pelo PSA... Talvez um pouco mais de carinho, de atenção, de respeito, de amizade,

de afinidade, enfim, da valorização do artesão como pessoa. Quando ouvi a

professora falar que Carl Rogers adotava a abordagem na aprendizagem centrada

na pessoa, pensei: “é isto que está faltando”.

Diante dessa admiração desenfreada pela abordagem do Rogers, diversas vezes

me questionei sobre a capacidade de falar sobre um assunto que não domino e que

sei perfeitamente que é muito sério e profundo: o relacionamento humano... Até que

ponto um leigo como eu poderia estar defendendo idéias baseadas na psicologia

rogeriana e em como a relação que acontece entre terapeuta e cliente poderia seraplicada no relacionamento entre o artesão e o designer?

Foi lendo “Um jeito de ser” que minhas impressões tornaram-se concretas e que

percebi que eu estava no caminho certo, tal como Rogers, quando diz:

Acredito que, desde então, está presente em minha obra a compreensão deque aquilo que vale numa relação entre terapeuta e cliente vale tambémpara um casamento, uma família, uma escola, uma administração, umarelação entre culturas ou países (ROGERS, 1983, p. X). 

4.1 FALANDO SOBRE ROGERS

Carl Rogers, um psicoterapeuta nascido no início do século XX, foi considerado o

“pai a psicologia humanista”, surgida na década de 1940. Suas idéias foram

denominadas por ele como “abordagem centrada na pessoa” (ACP). Ele

considerava que o “homem é ser capaz de crescer e de se desenvolver de forma

positiva, sem que sobre ele seja necessário exercer controle algum” (Rogers, 2001).

Suas idéias, além da psicologia, foi aplicada nas relações humanas e na Educação,

caracterizando a educação centrada no aprendiz (ECA).

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A ECA considera que todas as pessoas são capazes de aprender e que todas as

vezes em que se manifesta o desejo de descobrir, de viver novas experiências e de

adquirir novos conhecimentos os seres humanos liberam um potencial muitas vezes

desconhecido que o levam ao aprendizado com naturalidade. O estudante, para

Rogers, não é apenas visto como alguém que precisa aprender conteúdos; o

estudante é visto como pessoa.

E é neste momento em que o estudante passa a se chamar artesão e o professor,

designer. Os relacionamentos interpessoais entre ambos, artesão e designer, aluno

e professor, são os mesmos. Ambos devem ser vistos como pessoas que estão

vivenciando o mesmo momento: o momento da aprendizagem para o crescimento

profissional das duas partes envolvidas.

O fato de o designer ter conhecimentos acadêmicos e ser contratado para criar

produtos em comunidades produtivas de artesanato não os imbui de uma atitude

autoritária na qual o aprendiz (leia-se artesão) é apenas um “receptáculo bocejante”

(ROGERS, 1985). O artesão deve ser o protagonista do processo criativo que ocorre

durante a atuação do designer junto aos grupos.

A abordagem do designer nessas comunidades deve ser voltada para a valorizaçãodas pessoas que ali se encontram e de seus modus vivendis , pois sãos esses os

verdadeiros atores de toda a história que será contada por meio das peças

produzidas a partir desse lindo encontro e que, além de tudo, são classificadas como

artesanato de referência cultural.

Para Rogers, o desenvolvimento da pessoa está intrinsecamente relacionado ao

meio em que ela vive e, mais especificamente, à qualidade das relações que ela

estabelece entre seus pares.Na tentativa de ilustrar essa tese, o autor relata umahistória de sua infância no rigoroso inverno de Chicago, cidade onde morava.

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Lembro-me de um episodio da minha meninice, que ilustra esta tendência.A caixa em que armazenávamos nosso suprimento de batatas para oinverno era guardada no porão, vários pés abaixo de uma pequena janela.As condições eram desfavoráveis, mas as batatas começavam a germinar –eram brotos pálidos e brancos, tão diferentes dos rebentos verdes e sadiosque as batatas produziam quando plantadas na terra, durante a primavera.

Mas estes brotos tristes e esguios cresceram dois ou três pés em busca daluz distante da janela. Em seu crescimento bizarro e vão, esses brotos eramuma expressão desesperada da tendência direcional de que estou falando.Nunca seriam plantas, nunca amadureceriam, nunca realizariam seuverdadeiro potencial. Mas sob as mais adversas circunstâncias, estavamtentando ser uma planta. A vida não entregaria os pontos, mesmo que nãopudesse florescer. Ao lidar com clientes cujas vidas foram terrivelmentedesvirtuadas, ao trabalhar com homens e mulheres nas salas de fundo doshospitais do Estado, sempre penso nesses brotos de batatas. As condiçõesem que se desenvolvem essas pessoas têm sido tão desfavoráveis, quesuas vidas quase sempre parecem anormais, distorcidas, pouco humanas.E, no entanto, pode-se confiar que a tendência realizadora está presentenestas pessoas. A chave para entender seu comportamento é a luta em quese empenham para crescer e ser, utilizando dos recursos que acreditam ser

disponíveis. Para as pessoas saudáveis, os resultados podem parecerbizarros e inúteis, mas são uma tentativa desesperada da vida existir. Estatendência construtiva e poderosa é o alicerce da abordagem centrada napessoa (ROGERS, 1983, p. 40).

A atitude do designer, então, pode assumir a condição de “primavera ensolarada”

para os artesãos e, assim, e só assim, surgirão brotos viçosos, isto é, bons produtos.

Mas, com sol ou sem sol, na primavera ou no inverno, em solo fértil ou sem terra

alguma, as batatas vão gerar brotos. Essa é a manutenção da vida, segundo

Rogers. Mas a vida florescerá melhor, dependendo de algumas características

presentes nos relacionamentos.

Lembro-me perfeitamente que determinada vez, durante o curso “Agente de

Desenvolvimento e Design no Artesanato”, realizado pelo Sebrae, um instrutor disse:

“O consultor (nesse caso, o designer) é o homem do terno cinza”. Nunca me esqueci

disso e concordo plenamente. O homem do terno cinza é o homem bem vestido, em

respeito ao seu cliente, mas o terno é cinza. E, nesse caso, o cinza é o “ser

discreto”, é não o querer aparecer; é não ser a figura principal. Um designer que

chega em um grupo de artesãos nunca pode ser uma “estrela”; o designer é um

profissional, que vai entrar na intimidade e no dia-a-dia dessas pessoas, que, na

maior parte das vezes, vivem em um universo muito diferente do “nosso”. O

designer, então, deve ser o “homem do terno cinza”, não no sentido de não aparecer

como pessoa, mas no de não assumir uma posição de “estrela”.

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Da abordagem centrada na pessoa que Roger propôs, podemos inferir que a

primeira lição para o designer é saber  ouvir . O designer tem que gostar de ouvir,

pois todos nós gostamos de ser ouvidos. E os artesãos têm muito que falar. Eles

têm uma historia de vida espetacular, que precisa ser contada, e contada em

detalhes. O designer deve conduzi-los e estimulá-los a buscar informações que,

muitas vezes, estavam em seus subconscientes. Ao ouvi-los, surgirão relatos

surpreendentes e importantes, pois eles darão subsídios para a criação, para que

essa história seja contada por meio do artesanato.

Rogers compartilha que a alegria de ouvir é um dos primeiros sentimentos básicos.

O simples fato de conseguir ouvir  alguém profunda e intensamente gera um

enriquecimento pessoal para sua própria vida. O designer deve ouvi rverdadeiramente. Esse ouvir  relatado por Rogers não é o escutar, mas sim o ouvir

em profundidade. É um ouvir  tão sublime que ele chega a dizer: “ouvir

verdadeiramente alguém resulta numa satisfação especial. É como ouvir uma

música das estrelas, pois por trás da mensagem imediata de uma pessoa, qualquer

que seja a mensagem, há o universal” (ROGERS, 1983, p. 5).

Ouvindo os artesãos, o designer passa a conhecê-los e aprende muito sobre eles,

sobre suas personalidades, famílias, afazeres cotidianos e, principalmente, sobresuas afinidades e habilidade. Mas, o mais importante é que o designer saiba ouvir .

A segunda lição de Rogers para o designer é gostar de  ser  ouvido. O designer deve

se despir de vaidades e falar sobre si mesmo com muita simplicidade. Ele deve, sim,

contar sua história de vida, para mostrar quem é, o que faz e o que faz um designer.

O designer deve desmistificar a sua posição de designer.

Mas o que é um designer? O que significa esse termo que não faz parte da culturalocal nem da linguagem dos artesãos? Realmente, a intervenção de design não é

uma abordagem simples. O próprio nome designer cria paradigmas que não são

fáceis de serem quebrados. Portanto é muito importante o designer se apresentar,

fazer-se ouvir e gostar de ser ouvido .

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Essa apresentação deve ser muito prazerosa para o designer, pois ele fica diante de

muitas pessoas simples, mas que em suas simplicidades carregam uma carga de

sentimentos tão profundos, que elas se tornam verdadeiramente ouvintes.

Quando o designer ouve  e gosta de ser ouvido , um momento mágico com a mais

pura sinergia começa a acontecer. Ao ouvi-los verdadeiramente, o designer torna-se

capaz de ouvir sentimentos, de ouvir até seus pensamentos, e o resultado desse

momento é uma enorme satisfação para ambas as partes.

Ao gostar de ser  ouvido , o designer externa um dos sentimentos mais nobres do ser

humano: o designer vivencia a harmonia dos relacionamentos. Essa é a hora em

que se abre o imenso portal que dará início ao mágico processo produtivo queocorre entre o profissional do design e as comunidades de artesãos. E são essas

histórias e relatos que importam nesse momento, pois detêm todas os subsídios

para a elaboração de bons produtos, uma vez que os produtos só são bons quando

contam uma história. E a história a ser contada é a história do povo que os produz, é

a história local, a história de vida de cada um dos membros da comunidade, que,

com suas crenças, hábitos e costumes, perpetuam a nossa cultura, preservando a

memória dos nossos povos.

Roger reafirma que, ao sermos ouvidos de forma sensível, empática e concentrada,

aspectos do cotidiano que nos causam dor e pareciam sem solução tornam-se

simples, gerando uma enorme segurança e satisfação por parte de quem é ouvido e

de quem está ouvindo.

[...] um ouvir criativo, ativo, sensível, acurado, empático, imparcial, é algoque se me afigura imensamente importante numa relação... Sinto quecresço quando ofereço; e tenho a certeza que cresço e me sinto aliviado evalorizado quando recebo este tipo de escuta (ROGERS, 1983, p. 9).

Assim, concluímos que tão importante quanto o designer saber ouvir  é também o

designer gostar de ser  ouvido. 

A abordagem centrada na pessoa é considerada por Rogers uma aprendizagem que

não pode ser ensinada, e sim vivenciada. Isso porque não se pode obrigar as

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pessoas a aprender determinados comportamentos; no máximo, pode-se vivenciá-

los, para que, quando elas presenciarem essa vivência, possam aprender com ela. É

pelo sentir que se aprende um comportamento.

Rogers considera que as pessoas são seres dignos de confiança e potencialmente

capazes de crescer e se desenvolver. Ele ainda lista um conjunto de atitudes

facilitadoras que compõem o solo fértil em um dia de primavera ensolarada. Essas

atitudes são listadas e descritas a seguir.

1. Transparência

A pessoa transparente ou congruente comunica seu interior sem distorções e

torna-se um ser livre e dotado de confiança em si e nos outros. É um ser semmáscaras, um ser verdadeiro, um ser como as crianças, que são transparentes e

congruentes em suas falas e atitudes.

A transparência é uma atitude contagiante para todos os seres. O encontro entre

artesãos e designers os torna livres. E pessoas livres em atitudes são

verdadeiramente livres para criar.

O primeiro elemento poderia ser chamado de autenticidade, sinceridade oucongruência. Quanto mais o terapeuta for ele mesmo na relação com ooutro, quanto mais puder mover as barreiras profissionais ou pessoais,maior a probabilidade de que o cliente mude e cresça de um modoconstrutivo (ROGERS, 1983, p. 38).

A transparência deve partir do designer quando se aproxima de um grupo, para,

então, permitir que seus integrantes tenham liberdade para ser transparentes.

Conforme o próprio Rogers reafirma, nossa maior tarefa é, sempre, sermos nós 

mesmos , é sermos plenamente abertos, é estarmos preparados para explorar

áreas novas e desconhecidas de nossas próprias vidas, é aceitarmosverdadeiramente nossas próprias diferenças e estarmos, finalmente, abertos

para novas aprendizagens.

2. Aceitação incondicional

Deve-se considerar a pessoa integralmente como ela é, sem restrições culturais

de etnia ou crença e com respeito aos sentimentos que ela traz consigo. Aceitá-

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la calorosamente como única, e aceitar-se como único, deve ser a segunda

atitude facilitadora do designer.

A segunda atitude importante na criação de um clima que facilite a mudança

é a aceitação, o interesse ou a consideração – aquilo que chamo deaceitação incondicional. Quando o terapeuta esta tendo uma atitudepositiva, aceitadora, em relação ao que quer que o cliente seja  naquelemomento, a probabilidade de ocorrer um movimento terapêutico ou umamudança aumenta (ROGERS, 1983, p. 39).

3. Empatia

A empatia está diretamente ligada a colocar-se no lugar da outra pessoa. Ser

empático é “captar o mundo particular do outro como se fosse o seu próprio

mundo” (Rogers, 1981 p. 262). O designer empático se coloca no lugar do

artesão, que, muitas vezes, questiona o que uma pessoa tão estudada e tãodiferente está fazendo naquele mundo que não a pertence. Na realidade, o

designer pode ser considerado um intruso pelo artesão e, ao ser empático,

consegue compreender porque é visto assim por eles.

Para usar as palavras de Rogers, o designer empático “capta com precisão os

sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo e comunica essa

compreensão ao cliente... Este tipo de escuta ativa e sensível é extremamente

raro em nossas vidas (ROGERS, 1983, p. 39).

Rogers conclui que o clima alcançado com essas atitudes facilitadoras possibilita

mudanças no comportamento, gerando ganhos bastante significativos nos

relacionamentos interpessoais.

Resumidamente, eu diria que se as pessoas são aceitas e consideradas,

elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relaçãosi mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhespossibilita ouvir mais cuidadosamente o f luxo de suas experiências internas.Mas à medida que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este setorna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-seentão mais verdadeira, mais genuína. Essas tendências, que são arecíproca das atitudes do terapeuta, permitem que a pessoa seja umapropiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Sente-se mais livrepara ser uma pessoa verdadeira e integral (ROGERS, 1983, p. 39). 

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Aplicando a abordagem centrada na pessoa ao processo de intervenção de design

no artesanato, podemos dizer que o designer precisa reunir estas características:

ser ele mesmo, ser transparente e congruente, despindo-se de idéias pré-

concebidas e, muitas vezes, enraizadas no seu ser;

saber ouvir, acolhendo o seu interlocutor, ou seja, o artesão, e colocando-se

no lugar dele;

aceitar o artesão da forma como ele se apresenta, sem exigências e senões,

deixando-o livre para que seja aquilo que realmente é, sem que, contudo, isso

venha significar prejuízos ao designer nessa relação.

Absolutamente encantada com as idéias de Rogers, concluo que sua abordagempoderá nortear as ações de intervenções de design em comunidades que têm como

objetivo viver com dignidade por meio da produção e comercialização do artesanato,

tendo-o como instrumento de perpetuação da cultura local.

Este capítulo centrou-se na apresentação das idéias de Carl Rogers, o teórico-

referência desta pesquisa. No capítulo seguinte, apresentaremos a descrição dos

núcleos de produção e comercialização de artesanato junto aos quais coletamos os

dados, procedendo, em seguida, à analise dessas informações à luz das idéias deRogers. Nosso objetivo, nesta análise, é verificar a existência das atitudes

facilitadoras nos designers que conduziram o processo de intervenção junto a essas

comunidades e aos artesãos participantes.

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5 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

No capítulo anterior, apresentei as idéias do psicólogo humanista Carl Rogers. Em

especial, discorri sobre as atitudes facilitadoras, que constituem a base da filosofiaque ele propõe para as relações humanas. É à luz dessas condições facilitadoras –

a congruência, a empatia e a aceitação incondicional – que me proponho a, neste

capítulo, analisar as relações que se estabelecem entre artesãos e designers

durante o processo de intervenção de design no artesanato.

Os dados desta pesquisa foram coletados junto a três núcleos de produção e

comercialização de artesanato apoiados pelo Programa Sebrae de Artesanato.

Assim, apresento, primeiramente, uma caracterização desses núcleos para, emseguida, destacar e analisar os depoimentos coletados.

Para fins desta pesquisa, optamos por restringir a coleta dos dados a três NPCAs:

Núcleo de Fibra de Bananeira de Iconha, o primeiro a ser implantado com o

apoio do Sebrae;

Núcleo de Marchetaria em Madeira, de Colatina;

Núcleo de Fibras Naturais/Sementes, no distrito de Gomes, em Itapemirim.

Esses três grupos têm idades cronológicas, maturidades, sistemas de gestão,

números de componentes, graus de amizade e parentesco completamente

diferentes. Apesar disso, há também diversos pontos em comum.

O primeiro ponto em comum entre esses três núcleos é o aproveitamento de

matérias-primas abundantes na natureza, de caráter residual. Porém, o maior motivo

que me leva a descrevê-los nesta pesquisa é o fato deles possuírem o maior legado

que um grupo pode ter, e que é essencial para sua existência: “gostar de ser

artesão”.

Normalmente, pessoas de diversos segmentos procuram o Sebrae acreditando que

a instituição vai lhes “dar dinheiro”, pois, de modo geral, essas pessoas pensam que

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o Sebrae é uma instituição financeira. E mesmo depois que fica muito claro que o

Sebrae investe na formação e na informação e está presente para possibilitar a

geração de trabalho e renda, por meio da produção artesanal, a expectativa é muito

grande com relação ao dinheiro que se vai ganhar. E, na realidade, esse dinheiro,

como em qualquer outra atividade produtiva, não chega do dia para a noite. Muitas

dessas pessoas são provedoras do próprio sustento e, portanto, não podem

aguardar muito tempo para o dinheiro chegar e, por isso, desistem no meio do

processo.

Nesses três núcleos, podemos perceber uma alegria muito grande de pertencer à

classe artesã. São pessoas que moram em vilarejos situados a longas distâncias do

local de funcionamento dos núcleos, mas que não medem esforços para chegar atélá para, em grupo, trabalhar na produção artesanal. São pessoas que

permaneceram nos núcleos não só por uma questão de sobrevivência, mas porque

amam o artesanato como atividade. Percebi isso pela forma como eles vivem, pela

auto-estima deles, pelo brilho nos olhos ao falar que são artesãos. Em seus

depoimentos, eles mencionam frases como “agora eu sou gente” e demonstram

imensa alegria quando, respondendo às pessoas que admiram o trabalho deles,

dizem: “fomos nós que fizemos, com as nossas mãos”.

Esses foram os fatores que influenciaram decisivamente para a inclusão desses

núcleos de artesanato neste estudo. A seguir, passo a caracterizá-los.

5.1 NPCA DE FIBRA DE BANANEIRA 

Em uma casa alugada com o apoio da Prefeitura Municipal de Iconha, no distrito de

Monte Belo, em uma linda região montanhosa a 12 quilômetros da sede domunicípio, no meio de um imenso bananal às margens de uma cachoeira de águas

cristalinas, um grupo composto, atualmente, por nove mulheres desenvolvem o

artesanato utilizando a fibra da bananeira como matéria-prima principal.

As fibras retiradas da parte central do tronco da bananeira, após serem picadas,

trituradas e espremidas, transformam-se em uma massa que é modelada em

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diversos tamanhos e formatos, resultando na produção de artesanato utilitário e

decorativo. Pelas mãos habilidosas dessas bravas mulheres, que quebraram

diversos paradigmas do universo feminino, nascem objetos de inusitada beleza e

notório reconhecimento nacional.

As fibras retiradas das partes externas do tronco da bananeira resultam em cinco

tipos de fios diferentes, que são utilizados para a produção de “trançados”, que dão

origem a bolsas, luminárias, caixas, cestas e balaios dos mais diversos formatos e

tamanhos, mas igualmente belos.

Conforme relatado pelas artesãs, tudo começou em 1999, quando algumas pessoas

da região, vislumbrando uma possibilidade de geração de renda extra, começaram afazer o doce de banana, pois o preço da fruta in natura estava em baixa e, naquela

região, a comunidade agrícola vivia exclusivamente desse cultivo.

Daí pensou-se também na possibilidade da produção de artesanato a partir da

utilização dos resíduos da bananeira. Na ocasião, essas pessoas souberam que no

Rio de Janeiro o artesanato com a fibra da bananeira já estava sendo desenvolvido.

A partir da parceria estabelecida entre o Sebrae e a prefeitura local, o grupo foi

incentivado a se organizar em forma de associação ou cooperativa, para, assim, tero apoio do Programa Sebrae de Artesanato, que tem como objetivo gerar trabalho e

renda. 

Com a realização de cursos de associativismo e cooperativismo, o Sebrae, junto

com a Prefeitura de Iconha, mobilizou a população, que formou um grupo criador da

Associação de Artesanato de Iconha (Assoarti), em 2001.

Elas ainda se lembram claramente desses primeiros momentos:

Éramos um grupo de mulheres, que quase não se conheciam. Morava cadauma em um lugar. Aí começou o pessoal da roça, migrar para a cidade, poisnão tinham mais vontade de trabalhar na roça, pois a banana tinha caídomuito de preço. Alguns faziam parte de um grupo organizado que sechamava Comunidade Ativa, que eram pessoas ligadas à prefeitura e àagricultura e pessoas das secretarias. Este grupo começou a pensar emdesenvolver alguma coisa com a banana (Informante 10). 

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A parceria entre o Sebrae e a Prefeitura Municipal consolidou-se com a contratação

de uma mestra-artesã para o repasse da técnica do artesanato com a fibra da

bananeira. A realização dessa oficina de artesanato teve início em outubro de 2001,

estendendo-se por dez meses, até agosto de 2002.

No início, eram 50 participantes, entre os quais estavam produtores rurais e pessoas

da região urbana de Iconha. Com o tempo, esse número foi se reduzindo, pois

algumas pessoas foram perdendo o interesse e desistindo, uma vez que, na maior

parte das vezes, as pessoas dessas comunidades precisavam de uma geração de

renda imediata (o que não ocorre), provocando essa evasão, que é, inclusive,

característica dos diversos grupos que se dedicam à produção artesanal.

Quando o curso terminou, as artesãs detinham a

técnica do artesanato em fibra de bananeira, mas

não sabiam o que fazer. O apoio da Prefeitura

Municipal de Iconha continuou com a cessão de

um espaço para elas se reunirem, em um antigo

depósito de banana chamado Estrela D’Alva.

Creio que aquele momento tenha sido providencial, pois, exatamente nele, nascia

um grupo que iria brilhar! Estava escrito: “este grupo irá brilhar, assim como uma

estrela, a Estrela D’alva!”.

Quando o grupo estava começando a produção das peças artesanais, o apoio do

Sebrae, em parceria com a prefeitura, consolidou-se com a contratação de uma

designer, para a criação de novos produtos, e de um consultor, para a execução do

curso “Formação de preços”.

Naquela ocasião, no interior de Minas Gerais, em Maria da Fé, um grupo de

mulheres já desenvolvia o artesanato com a fibra da bananeira. Esse grupo estava

alcançando visibilidade nacional em razão do diferencial e beleza das peças

Figura 14 – Mulheres desfiando a fibra da

bananeira (Izolina Passos Siqueira)

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produzidas por ele. Aquelas mulheres, sabiamente intituladas Mulheres de Fibra,

produziam travessas, fruteiras e cumbucas, feitas de fibra da bananeira misturada

com papelão residual de caixas usadas. Essas peças ainda são produzidas pelas

Mulheres de Fibra e comercializadas em feiras e eventos de design, bem com em

lojas conceituadas em nível nacional, em razão do design inovador, com detalhes

vazados, que são as características marcantes desse grupo.

O grupo de artesãs da fibra de bananeira de

Iconha também começou a produzir fruteiras,

cumbucas e pratos de parede, sendo que o

diferencial delas em relação às Mulheres de Fibra

é que a massa para a produção das peças é feitaapenas com a fibra triturada, retirada do tronco da

bananeira.

Mesmo com todas as informações recebidas sobre a técnica da produção artesanal,

o nosso povo é sábio no que diz respeito aos “saberes e fazeres”. Foi com muita

dedicação e experimentos que essas, mais uma vez repito, essas bravas artesãs

desenvolveram técnicas próprias para o tratamento contra fungos e pragas que

poderiam infestar os produtos naturais. Elas orgulhosamente descrevem essestratamentos como o “nosso segredo”.

No início ela (a mestra artesã) ensinou a fazer a massa com o tronco dabananeira e nós começamos a fazer o artesanato com esta massa. Masdava muito bichinho. Entre 2002 e 2004, fomos testando uma coisa e outra,até dar certo. Hoje em dia, não temos mais problemas. As peças podem atéficar empilhadas, que não dá bichinho. Ela também ensinou o trançado. Eramuito mal feito, mas não podemos desprezar o que ela ensinou, pois foi elaque deu o primeiro impulso. Era um trabalho sem acabamento, era tudoadoidado (Informante 11).

Essas peças artesanais tinham como característica iconográfica e cultural a

retratação de formas geométricas inspiradas na cerâmica hidráulica da Casa da

Cultura de Iconha, um prédio histórico do município onde o núcleo comercializava

seu artesanato. Para a pintura desses elementos, elas utilizam uma tinta orgânica,

feita de pigmentos retirados da terra e associados à tinta à base de água, o que

resulta em um colorido natural com características eminentemente ecológicas.

Figura 15 - Fruteira de fibra de bananeira(Izolina Passos Siqueira)

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A produção de bolsas femininas e de caixas de fibra de bananeira para acondicionar

doces e biscoitinhos da região também foi um nicho de mercado seguido pelas

artesãs.

Esse grupo, denominado Núcleo de Produção e

Comercialização de Artesanato de Fibra de

Bananeira de Iconha, continua com o apoio do

Sebrae e da prefeitura do município. Atualmente,

o grupo é composto por nove artesãs com

capacidade produtiva de 210 peças por mês.

Entre os itens produzidos estão bolsas, caixas, jogos americanos, luminárias,

mandalas, topiarias, pratos de parede e fruteiras.

5.2 NPCA DE MARCHETARIA EM MADEIRA

No bairro Maria das Graças, na descida das hortas, na casa de uma das artesãs, o

grupo Arte em Marchetaria reúne-se para a realização do ofício milenar da arte da

marchetaria. Como uma mãe carinhosamente resguarda os filhos, a artesã acolhe

as colegas às margens do Rio Doce, de onde se pode admirar as duas belas pontes

sobre o rio homônimo, com suas magníficas correntezas, suas pedras tão lisinhas e

águas que parecem feitas de “doce de leite condensado”. Dali, debaixo de uma

parreira de uvas tintas, tem-se o privilégio de se admirar o exuberante pôr-do-sol –

em dias nublados, podemos apostar que ele não irá dar o ar da graça, mas, ao fimda tarde, em meio às nuvens, lá está ele, num vermelho intenso misturado ao

laranja-amarelado. Desse lugar, pode-se, também, praticar a fé, por meio da bela

visão que se tem do Cristo Redentor, localizado em cima de um morro do outro lado

do Rio Doce, marca da cidade carinhosamente batizada de Princesa do Norte.

Figura 16 - Mulheres trabalhando a fibra dabananeira (Izolina Passos Siqueira) 

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É assim, sob a proteção de um universo divino, que esse grupo de mulheres,

atualmente reduzido a quatro integrantes, desenvolve produtos artesanais a partir da

utilização de resíduos de madeira provenientes do pólo moveleiro de Colatina.

Tudo começou após o levantamento da abundância da matéria-prima residual do

pólo moveleiro. O Sebrae, em parceria com a Prefeitura Municipal de Colatina,

vislumbrou a possibilidade de produzir objetos artesanais em marchetaria com a

utilização desse resíduo de madeira “nobre”. Na ocasião, foram mobilizados

artesãos da Associação Colatinense de Artesanato e Culinária (Acolartec), para

participarem da oficina de capacitação da técnica da marchetaria em madeira.

Essa madeira, que até então era incinerada, contribuindopara a emissão de gases tóxicos e o aquecimento global,

passou a ser utilizada para a produção de artefatos, com a

possibilidade de geração de trabalho e renda para as

pessoas envolvidas. A oficina teve 23 participantes e foi

ministrada por dois mestres-artesãos, sendo realizada no

período de julho a setembro de 2004, durante 40 dias,

totalizando 120 horas. Após o término da oficina, 14 dos

artesãos capacitados começaram a produção de peças emconjunto, com o objetivo de criarem um núcleo de produção

e comercialização de artesanato.

A comercialização dos produtos artesanais de marchetaria em madeira é feita em

feiras e eventos locais, estaduais, nacionais e internacionais que acontecem

periodicamente com o apoio do Sebrae; do Programa de Artesanato Brasileiro,

desenvolvido pelo Governo Federal, e da Prefeitura Municipal de Colatina, que

disponibilizam espaços em estandes, o transporte da mercadoria e a locomoção,

alimentação e hospedagem dos artesãos.

Figura 17 - Mulher fazendomarchetaria (Izolina Passos

Siqueira)

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As peças também são comercializadas em uma loja no

Shopping Praia da Costa, em Vila Velha, na Grande Vitória,

e na própria oficina, onde os compradores podem apreciar

o domínio e a destreza das artesãs.

As componentes desse núcleo afirmaram que o

desligamento dos artesãos não ocorreu por problemas de

relacionamento. Alguns não tiveram afinidade com o tipo de

artesanato, mas o fator de maior peso para essa evasão é

financeiro: “a maioria achou que ganharia dinheiro

rapidamente”, conforme explicou uma das artesãs.

O grupo de artesãs do Núcleo de Produção e

Comercialização de Artesanato de Marchetaria

em Madeira de Colatina, apesar de ser

atualmente bastante reduzido, é formado por

quatro mulheres lutadoras e de muita fibra, com

características empreendedoras e muito

comprometimento. Sua capacidade produtiva é

de 300 peças por mês, podendo chegar a 500,em casos de pedidos por parte de comerciantes.

5.3 NPCA DE FIBRAS NATURAIS E SEMENTES

Em região urbana e litorânea, localizada a dois quilômetros da praia, ao sul do

Espírito Santo, em Itapemirim, no distrito de Gomes, ao lado de uma reserva militar

da Marinha do Brasil, o grupo de artesãs de fibras naturais e sementes da restinga

Mulheres do Guanandy desenvolve sua produção artesanal. Guanandy é o nome de

uma grande árvore existente à margem de uma lagoa de mesmo nome. Segundo

conta um antigo morador da localidade, os índios se pintavam com as frutinhas

vermelhas dessas árvores.

Figura 18 - Artesanato emmarchetaria (Izolina Passos

Siqueira)

Figura 19 - Mulheres fazendo marchetaria(Izolina Passos Siqueira) 

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A sede do núcleo funciona em uma casa com quintal, situada no entorno da

esplêndida Lagoa do Guanandy e alugada com o apoio da prefeitura local. Essa

casa é utilizada pelas artesãs como oficina de artesanato e ponto de venda da

produção artesanal. A região é cercada pela vegetação de restinga (região de Mata

Atlântica com planícies litorâneas cobertas por deposição marinha, resultante do

recuo dos níveis de oceanos), com abundância em sementes.

A história desse grupo começou no início de 2000. Uma senhora, tia de algumas das

artesãs do núcleo, tinha a mania de catar sementes e, com elas, fazer colares, que

eram usados por ela e por algumas pessoas “do Gomes”, como elas se referem aos

moradores do lugarejo. Mas na região, um rapaz que tinha contato com

comerciantes de São Paulo intermediou a comercialização das peças, incentivandoa produção desses colares feitos apenas com as sementes furadas e enfiadas em

um fio de náilon.

Essa atividade tornou-se muito comum no distrito de Gomes. Na ocasião, por volta

de 2004, em quase todas as casas da localidade, as varandas eram os locais para a

reunião das mulheres que tinham como atividade produtiva e de lazer a confecção

desses colares, comercializados em dúzias para os grandes centros, que revendiam

as peças para produtores de bijuterias. Estima-se que uma centena de mulheresvivia dessa atividade, que rendia por volta de R$ 100,00 mensais para cada uma

delas.

A Prefeitura de Itapemirim tomou conhecimento disso e, vislumbrando uma melhoria

na geração de renda para essas mulheres e a produção artesanal com qualidade,

procurou o Sebrae, que realizou algumas palestras no município, entre elas a da

“Cultura da Cooperação”.

Posteriormente, uma designer foi contratada pelo Sebrae para a criação de produtos

diferenciados junto a esse grupo, que já detinha a técnica da produção artesanal,

mas necessitava da intervenção de um design para a criação das chamadas

“biojóias”.

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Foi em setembro de 2005, que, sob grande expectativa, a designer chegou até o

grupo de 18 mulheres, que se reuniam em espaço cedido no salão da Igreja Batista.

De acordo com as diretrizes pré-estabelecidas pelo Programa Sebrae de Artesanato,

a designer, com foco no resgate cultural e

iconográfico local, incentivou o grupo a

apresentar toda a matéria-prima residual e

abundante no entorno. Foram apresentadas as

diversas sementes já utilizadas por elas e

também a bucha vegetal, que, até  então, só

servia para tomar banho e lavar louça. E, assim,

foi criada a primeira coleção de peças para essegrupo.

Nessa intervenção de design foram criadas bolsas

de diversos tamanhos e modelos, com bucha

vegetal cortada em forma de quadrado e outras

formas geométricas, sempre com o acabamento

em crochê, unidas com as sementes. Foram

criados também colares com as sementes jáutilizadas pelas artesãs, afinal, a intervenção de

design está exatamente em um novo olhar para o

mesmo produto.

Com esse novo fazer, trançando, torcendo, tramando e tecendo, o resultado foi

muito bom, em razão da variedade e beleza das peças criadas, gerando uma grande

expectativa entre as artesãs.

Quando ela pediu que a gente trouxesse outras matérias-primas que tinha[sic ] no local, alguém apareceu com a bucha. Na época, não tinha muitabucha por aqui, agora é que tem. Todas as casas de Gomes têm pé debucha no quintal, para vender pra gente. Eu me lembro do primeiroquadradinho feito de bucha... Parecia um sonho ver a bucha se transformarnuma bolsa. Eu chorava quando via aquilo. Quem diria que a gente iachegar a este ponto?! De um simples colar, desenvolver tanta coisa bonita!Foi daí que começou o sonho! (Informante 12).

Figura 30 - Mulher trabalhando a buchavegetal (Izolina Passos Siqueira) 

Figura 21 - Colar de sementes e bolsa debucha (Izolina Passos Siqueira) 

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Ao finalizar a intervenção de design, quatro artesãs haviam se afastado, restando

14. E foi nesse momento que, segundo elas, “realmente aí começaram os sonhos”.

A partir daí, essas pessoas viveriam um grande momento, quando, enfim, esses

produtos seriam lançados no mercado. E foram lançados em nível nacional, com a

participação na Feira Nacional de Artesanato Mãos de Minas, em novembro  de

2005, no estande do Sebrae.

Participei desse momento muito ativamente, pois

eu era a responsável por coordenar o espaço. Foi

muito emocionante vê-las iniciando uma nova

vida, uma vida como artesãs... A insegurança da

primeira viagem sozinha para fora do Estado, semconhecer ninguém, pegando ônibus, táxi,

vendendo, enfim, vivenciando uma série de

experiências que, talvez, nunca tivesse pertencido

aos sonhos delas. Foi lindo!

Atualmente, o Núcleo de Produção e Comercialização de Artesanato de Fibras

Naturais/Sementes de Gomes, é composto por nove artesãs, todas com grau de

parentesco entre primeiro e terceiro grau. A capacidade produtiva desse núcleo é de110 peças por mês e sua realidade não foge à dos demais: o grande problema para

a permanência das artesãs também é o fator financeiro, conforme relato por uma

delas:

Eu acredito e tenho certeza... Foi por causa da renda. Se elas ganhassem,elas estariam aqui ainda. Aí, tudo acaba gerando desentendimento, mas oprincipal foi a falta de dinheiro. Porque se não fosse isto tenho certeza queelas estariam aqui. No início e durante muito tempo, os colares davam maisdinheiro. Chegou um tempo em que a gente queria voltar a fazer os

colares... Mas não tinha comprador. O colar era baratinho, mas dava maisque o artesanato. Até hoje ainda não dá muito. De uns seis meses para cá eque tá dando pra fazer acerto todo mês e tirar um dinheirinho. Graças aDeus! (Informante 8).

Neste capítulo, analisamos dados coletados nos três NPCAs e os depoimentos dos

diversos artesãos, identificando-os como informantes, mostrando a realidade, o dia-

a-dia e o modus vivendi dos personagens principais desta pesquisa: os artesãos.

Figura 22 - Mulher trabalhando bucha esemente (Izolina Passos Siqueira)

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É, de acordo com essas informações e relatos, com esses sentimentos, com essas

confissões, que, no próximo capítulo, discorreremos sobre a força do olhar de Carl

Rogers norteando o relacionamento entre artesãos e designers. 

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6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A partir deste momento, inicio a apresentação dos dados coletados sobre as

relações estabelecidas entre designers e artesãos durante as intervenções dedesign no artesanato, procedendo à análise dos depoimentos de integrantes dos

três núcleos já relacionados.

Para o levantamento dos dados sobre os NPCAs que forneceram subsídios para a

realização deste trabalho, foi elaborado um instrumento de pesquisa contendo os

seguintes itens:

Nome do grupo Matéria-prima utilizada na produção artesanal

Município e local onde funciona o núcleo

Data da implantação do núcleo e parceiros

Situação atual do núcleo: quantos artesãos possui e qual é a capacidade

produtiva?

Por que artesãos abandonaram o grupo?

Como ocorreram os “encontros” que acontecem durante as intervenções de

design realizadas no núcleo?

Quais as atitudes dos profissionais de design das quais vocês gostam e das

quais não gostam?

É preciso ressaltar que o objetivo da entrevista foi comunicado aos artesãos que

participaram da coleta de dados. Os relatos de suas experiências serão descritos na

íntegra, conforme por eles verbalizado. Os diversos artesãos entrevistados

concordaram plenamente em participar. Por uma decisão de caráter ético, suas

identidades foram preservadas, para evitar uma exposição desnecessária e que

poderia trazer mais respingos à relação que eles estabeleceram com o designer

responsável pela intervenção, no caso dos depoimentos de cunho negativo.

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As perguntas foram apresentadas aos artesãos nos seus respectivos NPCAs.

Porém, em vez de apresentá-las individualmente, optei por fazer isso em grupo, por

duas razões:

1. pelo fato de as atividades dos núcleos serem realizadas, fundamentalmente,

em grupo;

2. porque a minha intenção foi coletar a impressão do grupo sobre a relação

estabelecida com o designer, já que a intervenção foi feita quando eles

também estavam em grupo.

Assim, no momento da entrevista, os artesãos estavam reunidos, desenvolvendoseus ofícios, em seus locais de trabalho e positivamente participando de um

amistoso “bate papo”.

Os que mais responderam foram os artesãos mais “falantes” do grupo, isto é, pelos

menos tímidos, talvez. Mas foram respostas dadas sempre na presença de outros

artesãos que participaram ativamente com contribuições, que, no início, estavam um

pouco acanhados, mas, com o decorrer do tempo, bem soltos, chegando, por vezes,

a atropelar o interlocutor eleito pelo grupo.

Em Iconha e Itapemirim, a entrevista foi registrada por meio de gravações em um

aparelho MP3. Quando pensei em usar esse aparelho, achava que ele pudesse

inibir as entrevistadas, porém, elas ficaram fascinadas com o equipamento. A

conversa fluiu como se não estivesse sendo gravada e, depois que terminamos, até

passei a entrevista para que elas pudessem ouvir. Elas se divertiram bastante ao

ouvir e reconhecer suas próprias vozes.

Já no NPCA de Colatina, a entrevista não foi gravada. Isso porque no dia em que

apresentei a proposta do estudo ao grupo, na verdade, eu não fui à cidade

especificamente para esse fim. Eu estava indo para Baixo Guandu, uma cidade

próxima, e, aproveitando a viagem, decidi fazer contato com elas na tentativa de

conversarmos. Nesse dia, porém, saí sem o MP3.

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Assim sendo, eu as reuni, apresentei as perguntas em caráter mais informal e deixei

o formulário para que elas enviassem as respostas por e-mail. Uma das artesãs

ficou de reunir as respostas obtidas durante a entrevista oral em um texto escrito,

que foi enviado ao meu e-mail.

É importante registrar que, na mobilização dos grupos para participarem da

entrevista, contei com a ajuda de integrantes que funcionam como líderes. Além

disso, o ótimo relacionamento e a grande e afinidade que tenho com as pessoas

dessas comunidades de produção artesanal foram situações facilitadoras para o

levantamento e fidelidade das informações coletadas.

Ressalto, porém, que o caráter das perguntas apresentadas aos grupos teve comofoco principal o relacionamento entre artesãos e designers, o mote desta pesquisa.

O relacionamento interpessoal entre os artesãos também foi investigado, até porque

esse relacionamento é a base para a convivência entre pessoas que participam de

comunidades produtivas em regime de cooperativismo e associativismo e acaba se

estendendo para outras relações.

As perguntas sobre a situação atual do núcleo, sobre quantos artesãos ainda faziam

parte do núcleo e por que alguns abandonaram o grupo tiveram como objetivoinvestigar o relacionamento interpessoal das artesãs. Já as perguntas sobre os

“encontros e desencontros” durante as intervenções de design e sobre as atitudes

dos profissionais de design de que elas mais gostam ou de que não gostam

objetivaram identificar a ocorrência de alguma tensão no relacionamento entre

artesãos e designers.

Esse relacionamento começa no momento em que os designers chegam aos

núcleos para fazer a chamada intervenção de design. Nesse momento, se asatitudes facilitadoras (gostar de ouvir e de ser ouvido, agir com empatia, ser

transparente e aceitar-se e aceitar o outro incondicionalmente) não forem praticadas,

o resultado não será positivo. Ainda que durante a intervenção sejam criadas boas

peças, do ponto de vista estético, assim que o designer se afasta do grupo, corre-se

o risco de boa parte ou até da totalidade dos seus ensinamentos ser abandonada

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pelo grupo. Sem as atitudes facilitadoras, os artesãos tenderão a ficar como batatas

plantadas em solo impróprio. Nas palavras de Rogers,

quando num ambiente impregnado dessas atitudes, as pessoas

desenvolvem uma maior autocompreensão, uma maior autoconfiança, umamaior capacidade de escolher os comportamentos que terão. Aprendem demodo mais significativo, são mais livres para ser e transformar-se(ROGERS, 1983, p. 50).

Em um dos grupos entrevistados, ao perceber que o relacionamento interpessoal é

muito bom, perguntei se havia uma receita para tanta harmonia. Elas relataram o

segredo do sucesso:

Maior segredo para estar em harmonia é: se fiz algo errado, e alguém me

chama a atenção, fico chateada, mas depois penso, eu fiz errado mesmo.Isso é motivo para o meu crescimento e não para desavenças. Terhumildade de reconhecer, cada uma deve fazer sua parte... Tem gente quetem jeito para vender, a outra de se comunicar, a outra para fazer detalhe,cada uma deve fazer a sua parte. Se eu fizer detalhes, vai sair umaporcaria. Não adianta eu me meter a fazer uma coisa que eu não sei. Temque fazer uma coisa que sabe da melhor maneira possível. Cada uma temque descobrir seu potencial. Eu tenho que fazer o que eu sei. E aceitar quetenho capacidade para isto e não tenho para outra coisa (Informante 1).

Pude constatar, então, que as artesãs desse grupo praticam as atitudes facilitadoras

relatadas por Rogers, como transparência, empatia e aceitação incondicional do

outro e de si mesmas.

Aceitar que você não é capaz de fazer algo melhor do que o outro é aceitar-se

incondicionalmente, é ter a noção do limite de suas capacidades, o que, aliás, é algo

inerente a qualquer ser humano. E aceitar que o outro faz melhor que você é aceitá-

lo sem concorrência. Externar esses sentimentos com relação a essa aceitação é

ser transparente, é ter confiança em si e no outro, é ser verdadeiro e congruente.

Muito provavelmente, a pessoa que tem essa liberdade pôde, ao longo de sua

trajetória existencial, ser envolvida em relações que também tinham esse elemento.

A comunicação verbal entre o designer e o artesão foi diversas vezes relatada como

um dos grandes gargalos nas intervenções. Em diversos momentos, o profissional

que se aproxima de um grupo de artesãos esquece que a linguagem das pessoas

“urbanas” é muito diferente da linguagem de quem vive em comunidades rurais. A

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linguagem do designer pode e deve ser verbalizada, mas ela precisa ser traduzida,

quando assim se fizer necessário. As pessoas não são obrigadas a entender siglas,

termos em línguas estrangeiras, muito menos termos que pertencem a um

vocabulário que não faz parte do contexto delas. 

Lembro-me perfeitamente do depoimento de um instrutor do Sebrae-ES durante o

curso de “Capacitação para agente de desenvolvimento e design de artesanato”, do

qual participei em 2004. Ele relatou que após a finalização do curso por ele

ministrado junto a um grupo de produção artesanal, uma das artesãs do grupo disse:

“Ufa, que bom! Até que enfim mandaram alguém que fala a nossa língua!”. Imagine

o aperto pelo qual essas pessoas passaram, pensando na chegada de mais uma

pessoa para falar uma porção de coisas das quais elas não entenderiam... Odepoimento de uma artesã ilustra perfeitamente a importância de esclarecer o real

significado das palavras que o designer usa no contato que ele estabelece com os

artesãos.

A gente fica sempre preocupada de como vai ser. Eu nunca tinha ouvidofalar em jogo americano. Ninguém aqui sabia o que era isso. A gente nemimaginava o que era... Daquela época até hoje, nós ouvimos muitas coisasnovas. Eu não sabia o que era marketing. Eu ouvia falar: "a caixa tem umdesign...", mas não tinha a menor idéia do que era design. Agora já estamosmais acostumadas (Informante 4).

Após esse relato elas riram muito, lembrando aqueles tempos. Na ocasião, a

designer ensinou a fazer “jogos americanos” e depois de algum tempo já produzindo

os “jogos americanos”, elas ainda não sabiam que aquelas peças eram os famosos

“jogos americanos”. Imagine só uma designer chegando para um grupo de artesãos

e falando: "pessoal, hoje nos vamos fazer um sousplat !”. Realmente, nós sabemos

que não há outro nome para essa peça que fica embaixo do prato, tão em uso nos

dias de hoje. Mas temos que concordar que o nome de origem francesa, embora

"chique", é bem estranho para as pessoas que estão fora dos grandes centros, em

pequenas cidades – imagine, então, para pessoas que estão em comunidades

rurais. 

Saber falar e saber se comunicar é um dos grandes diferenciais da espécie humana.

Somos seres dotados com esta habilidade: a comunicação por meio da palavra. E a

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palavra deve ser exercitada com naturalidade, regida pela linguagem universal, a

linguagem do amor; não o amor melancólico, que une casais, mas o amor descrito

por Humberto Maturana (2002), ou seja, “a aceitação do outro como outro legítimo

na convivência”, um outro que, sendo outro, é diferente de mim e pode não entender

aquilo que é familiar ao meu universo.

No depoimento a seguir, nota-se claramente que essa comunicação pode

desmotivar o grupo.

Alguns [designers ] falam a nossa linguagem sim, mas alguns, não. É umasensação meio estranha. Tem hora que falam uma linguagem, e falam deuma maneira, mas nós entendemos de outra. E, como não entendemos,perdemos o interesse, porque a gente acha que não é do nosso mundo

aquilo que ela estava falando (Informante 1).

Percebe-se, portanto, que a diferença da comunicação provoca um distanciamento

entre as partes que integram o processo de intervenção de design no artesanato.

Outra barreira é que alguns profissionais de design apresentam-se ao grupo

considerando-se “sabe-tudo” e, portanto, detentores do poder de ditar regras.

Regras, obviamente, devem ser pré-estabelecidas em qualquer relacionamento;

para o bom andamento de qualquer atividade, as regras devem ser claras eexplícitas. Mas as regras não devem ser impostas por determinada pessoa pelo

simples fato dela se considerar intelectualmente superior. Regras devem ser

medidas comportamentais, acordadas entre as partes. O designer não pode achar

que conhece tudo, porque, felizmente, isso é impossível ao homem. Como dizia

Paulo Freire, “não há saber maior ou menor, há saberes diferentes”. 

Todas as pessoas são capazes de criar, e é importante que essa semente seja

plantada pelo designer. O ser humano precisa de estímulo para viver, para criar oudesenvolver qualquer atividade artística. O estímulo é a mola propulsora para que o

momento da criação aconteça.

A junção dos conhecimentos do designer e do artesão é que torna eficaz a

intervenção de design. Os artesãos detêm a técnica para a confecção do produto

artesanal e o designer sabe sobre estilos, tendências e mercados. Quando esses

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dois saberes se encontram, num clima em que o designer se apresenta de forma

empática e congruente, pode-se obter momentos magníficos, e em momentos

magníficos coisas de extrema beleza podem ser criadas facilmente.

Conforme Rogers,

um indivíduo que vive neste clima estimulante pode escolher livrementequalquer  direção, mas na verdade escolhe caminhos construtivos epositivos. A tendência à auto-realização é ativa no ser humano. Essatendência se confirma ainda mais quando descobrimos que ela não seencontra apenas nos sistemas vivos, mas faz parte de uma poderosatendência formativa do nosso universo, evidente em todos os seus níveis.Assim, quando criamos um clima psicológico que permite que as pessoassejam – sejam elas clientes, estudantes, trabalhadores ou membros de umgrupo – não estamos participando de um evento casual. Estamosdescobrindo uma tendência que permeia toda a vida orgânica – umatendência para se tornar toda a complexidade de que o organismo é capaz.Em uma escala ainda maior, creio que estamos sintonizando uma tendênciacriativa e poderosa, que deu origem ao nosso universo, desde o menor flocode neve ate a maior galáxia, da modesta ameba ate a mais sensível e bemdotada das pessoas. E talvez estejamos atingindo o ponto critico da nossacapacidade de nos transcendermos, de criar direções novas e maisespirituais na evolução humana (ROGERS, 1983, p. 50).

E é nessa junção de conhecimentos, habilidades e aptidões que se conta a história

dos povos e de suas regiões. É durante esses encontros que o designer deve se

aproximar da realidade daquela comunidade, por meio de pesquisas prévias ou no

próprio local, para levantar subsídios sobre os chamados ícones regionais, a fauna e

flora, as crenças e costumes. É provocando momentos de “regressão”, durante os

quais os artesãos devem estar envolvidos intimamente no processo de criação, que

as chamadas intervenções de design resultam em renda para os artesãos, com a

comercialização de objetos de raríssima beleza. É por meio do “artesanato de

referência cultural”, fruto das intervenções de design, que se perpetua a cultura de

uma comunidade. 

Cada intervenção que acontece é uma esperança de crescimento, demelhoria de aprendizado e aperfeiçoamento. A cada intervenção de design,a gente pensa assim: ‘vai criar uma coisa nova!’. A princípio, a gente pensa:‘será que a gente vai conseguir?’. A gente sempre tem esperança demelhorar. No ano seguinte, foram criadas peças que tinham a ver com aeconomia do Município, ou seja, foi criada uma coleção relacionada ao cafée ao pólo de confecções de Colatina, com peças mais bem elaboradas, comrecortes e em alto e baixo relevo. Este ano [2007 ], fez-se uma homenagemao nosso município, pois cada uma das peças criadas teve um nome dealgum ponto turístico ou de algo que lembre a cidade. Cada curso quetemos, a gente fica cada vez melhor! (Informante 2).

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O design deve ser a ferramenta utilizada pelos profissionais que atuam nesses

grupos para a produção artesanal com qualidade, com agregação de valores

culturais e iconográficos e demandados pelo mercado. As instituições que apóiam e

promovem esses momentos com o objetivo de geração de renda e, muitas vezes, na

tentativa de ressocialização dos indivíduos, estão agindo estrategicamente de forma

inovadora e sustentável. Ressalto, portanto, que a intervenção de design no

artesanato não pode, nem deve, ser vista como modismo. Ela veio para ficar. Daqui

adiante, essa junção entre design e artesanato será uma constante, pois a criação

de objetos sem características próprias e identidade não tem mais espaço.

O processo de intervenção de design no artesanato é uma proposta inovadora que

está sendo posta em prática pelas instituições. Como todo caminho novo, hápercalços. Os designers aprenderão a chegar melhor nas comunidades e os

artesãos aprenderão a se relacionar com eles, desarmados e sem se sentir "por

baixo". Esse fluxo que vivenciamos até que os processos inovadores se consolidem

me faz lembrar uma passagem narrada por Rogers:

Estou convencido de que a aprendizagem inovadora, humanística, vivencial,seja dentro ou fora da sala de aula, chegou para ficar e tem futuro. [...]Quando os primeiros exploradores e pioneiros puseram-se a caminho doOeste, seguiram rios e cursos d’água. Por um longo tempo, viajaram rio

acima, sempre contra a corrente, que se tornava cada vez mais rápida amedida que eles subiam colinas e montanhas. Então, chegou o momentoem que eles ultrapassaram o divisor hidrográfico. A caminhada ainda eramuito difícil, as correntes não eram mais que filetes d’água. Mas agora elesestavam deslocando-se com a corrente, que desaguava em rios mais fortese maiores. Havia, então, forças poderosas trabalhando para eles, não maiscontra eles (ROGERS, 1983, p. 92). 

Outro cuidado muito importante que o designer deve tomar ao se aproximar dos

grupos junto aos quais atua é evitar criar expectativas que não possam ser

atendidas.

Não sentimos insegurança, nem desconfiança, nem medo, pois sabemosque o conhecimento que eles trarão será de enorme valia para o grupo, sóficamos muito chateadas quando prometem coisas que não podem cumprir.Na primeira intervenção, foi feita uma apresentação das peças que jáestavam sendo produzidas pelo grupo, para serem melhoradas. Emseguida, o designer fez um apanhado geral do que se poderia conseguir amais do grupo. Logo em seguida foi lançada uma linha de idéias, para ondeseriam criadas as próximas peças, e que estas peças iam ser lançadas forado País! E isto não aconteceu (Informante 2).

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Gerar uma expectativa nesse nível em comunidades produtivas, sejam elas de

qualquer setor, pode gerar um impacto negativo de difícil recuperação. Um grupo

relatou que passou por um processo de endividamento, gerado pela expectativa de

uma exportação, e só foi recuperado após um ano de grandes economias. A

frustração pela expectativa não atendida é muito grande, podendo ser uma das

causas das grandes evasões dos artesãos.

As instituições, quando se aproximam dessas comunidades, promovem o

associativismo e o cooperativismo, em que os atores principais, os artesãos, não

são donos de nada individualmente, mas, ao mesmo tempo, todos são donos de

tudo. Essa é a chamada cultura da cooperação, que, na realidade, compactua com o

olhar de Rogers sobre a aprendizagem centrada na pessoa, na qual grupos têmcaracterísticas eminentemente autônomas e liderança compartilhada. Observa-se

isso na citação de Rogers sobre um grupo de camponeses muito pobres do nordeste

brasileiro:

Para enfrentar a devastação causada pela seca, eles começaram a formar oque se pode denominar uma comunidade centrada na pessoa. Formaramum grupo autônomo, no qual o poder era partilhado por todos: Ninguémcomanda, ninguém dita regras. Todos nos mandamos, todos legislamos.Tomavam decisões discutindo, discutindo sempre ate chegarmos a umacordo’. Desenvolveram a capacidade de ouvir, a fim de ajudar os quetivessem problemas. Sabiam o valor de um grupo de apoio: Quando se têmcompanheiros se tem mais coragem, não é?...Sabemos que não somosmais sós... mas muitos juntos (ROGERS, 1983, p.108).

E essa cultura da cooperação precisa estar presente no relacionamento entre os

artesãos e no relacionamento deles com o designer, pois essa cultura é uma atitude

facilitadora. Quando perguntei às artesãs sobre as atitudes de que elas mais

gostavam nos designers, elas relataram algumas passagens: “Eles [os designers ]

não falavam: 'faz isto'. Eles falavam: 'vamos fazer isto!'” (grifo da artesã). Com essa

simples frase, as artesãs se sentem parte integrante do processo de criação, e essemomento é mágico na vida dessas pessoas. Elas relataram mais uma atitude natural

na atuação de um designer que se propõe a estar junto a esses núcleos:

Uma delas saiu daqui com a calça e as mãos toda manchada, os braçossujos de tinta, toda suja. Ela mesma fazia os testes. Ela não mandava agente fazer ela enfiava a mão. A outra saiu daqui com as mãos sujas deverniz e de cola. Ela fazia e não ficava só olhando. Não que a gentedespreze os outros elas também foram importantes (Informante 4).

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Naturalmente, nem todos os profissionais que estiveram junto a esses núcleos

conseguiram demonstrar atitudes facilitadoras. Eles são humanos e, assim sendo,

fazem parte de uma imensa massa da qual poucos conseguiram vivenciar relações

em que essas atitudes estivessem presentes e, em conseqüência disso, ainda não

conseguiram incorporá-las as suas relações. Mas, ainda que não tenham estado por

inteiro, envolvidos até o “último fio de cabelo”, esses profissionais são lembrados

com carinho pelas artesãs. Elas ressaltaram que todos os que estiveram junto aos

grupos foram importantes.

Segundo Rogers, o trabalho em conjunto passa a fazer parte de exigência do

mercado:

Existe um consenso de que um dos elementos mais essenciais àsobrevivência é o desenvolvimento de um senso maior de cooperação decomunidade, de capacidade para o trabalho conjunto em beneficio do bemcomum e não apenas do engrandecimento pessoal (ROGERS, 1983, p.118).

E em se falando de cultura da cooperação, esse sentimento deverá estar latente nos

artesãos e nos designers. E é por meio dessa cultura que o designer, ouvindo e

gostando de ser ouvido, subtrai sentimentos e memórias adormecidas de elementos

que fizeram e ainda fazem parte do mundo dessas pessoas e de seu entorno.

Nesse processo, o designer empático consegue estimular o artesão a relatar coisas

do cotidiano que não são habitualmente percebidas; coisas do dia-a-dia que não são

vistas. E são exatamente esses elementos que poderão dar personalidade própria

ao artesanato daquela região e daquele grupo, conferindo-lhe características tão

pitorescas e particulares, a ponto de tornar o artesanato local reconhecido e

identificado em qualquer parte do mundo. Valorizar a cultura local e levar o artesão a

valorizá-la é uma atitude que aproxima o relacionamento e gera subsídio para aretratação dos ícones locais no artesanato.

Durante a entrevista, foi relatado pelas artesãs que o primeiro designer que chegou

ao núcleo, após analisar todas as peças feitas por elas, saiu com todas elas para

passear a pé e conhecer a região. Nesse passeio, aparentemente para descontrair,

o profissional foi conversando e recolhendo objetos que encontrava pelo caminho,

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pois, como relatei anteriormente, os núcleos apoiados pelo Sebrae utilizam como

matéria-prima principal o resíduo, os rejeitos industriais ou matérias-primas

abundantes da natureza. Ao fim do passeio, o olhar das artesãs passou a ser

certamente mais “curioso” e esse novo olhar proporcionou a descoberta de novas

matérias, que desde então são os principais resíduos utilizados pelas artesãs para a

produção de artesanato.

Esse fato é relatado pelas artesãs com muita graça, pois a transformação da

matéria-prima utilizada no dia-a-dia em bolsas usadas pela prefeita do município e

até por grandes executivas em Brasília, realmente, é visto por elas como um fato

inédito. Rindo muito, elas fizeram o seguinte relato:

Foi então que quando a gente foi para casa depois do primeiro dia detrabalho com o designer, ele pediu que no dia seguinte a gente trouxesse decasa tudo o que a gente tinha de diferente e que poderia servir para fazeralguma coisa. Então, não me lembro direito, mas alguém apareceu comuma bucha de tomar banho. Ele achou lindo! Aí ele falou: 'como vocêconseguiu isto? Tem muitas desta por aqui?'. E nos falamos que tinha. Aíele pediu para a gente pegar mais. Aí tudo começou. Ele fez os moldes pragente cortar tudo quadradinho e perguntou quem fazia crochê.... Foi aí quecomeçou nosso sonho. Ver a bucha de tomar banho, de lavar prato setransformar em uma bolsa. A gente nem acreditava no que estavaacontecendo! (Informante 6).

Acompanhar ativamente da criação de uma peça, seja ela artesanal ouindustrializada, é um momento de raro prazer. É um momento cercado de tanta

emoção, que, muitas vezes, é definido como: “Nasceu meu filho! Este saiu de dentro

de mim!”. E, como todo filho, deve ter pai e mãe, pois com eles ocorrem os

momentos de concepção, geração e nascimento. Porém, quando me refiro a pai,

mãe e filho, estou me referindo à formação básica de uma família, da família que

reúne o grupo de artesãos. Eles são uma família desde o momento da concepção,

passando pela geração e indo até a criação de um produto artesanal. E é somente

com espírito familiar, somente com esse ingrediente, que se alcança a tão falada

“harmonia de idéias”, o que resulta no futuro sustentável do grupo. Essa harmonia

não é conquistada sob a liderança de uma única pessoa, como lembra Rogers neste

trecho:

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Quando um grupo segue um líder carismático, um dogma teórico outeológico, ou qualquer formulação humana, está, a longo prazo, a caminhoda ilusão. A direção indicada por qualquer pessoa ou por qualquerformulação contém sempre algum equivoco. A medida que o tempo passa,o caminho torna-se cada vez mais errôneo e acaba por destruir seuspróprios objetivos. Mas quando um grupo luta arduamente por uma escolha,

depois de ouvir esta necessidade e aquele pedido, esta proposição e umaoutra que a contradiz, gradualmente todos os dados vão surgindo e adecisão alcançada é uma sólida harmonia de todas as idéias, necessidadese desejos de todos e de cada um. Alem disso, como a decisão foi deles,estão sempre abertos ao feedback , podendo corrigir o rumo a medida quesurgem novos dados. Provavelmente isto representa a modalidade maisperfeita do processo de tomada de decisão que conhecemos (ROGERS,1983, p. 119).

Essas características são a riqueza do artesanato de referência cultural, ou seja, o

produto artesanal resultante do encontro entre artesão, que é o profissional que tem

o domínio da técnica, e designer, que agrega valores culturais e iconográficos

focados em objetos demandados pelo mercado e de acordo como público-alvo

daquela comunidade produtiva. Desse encontro, quando cercado de atitudes

facilitadoras de ambas as partes, certamente surgirão peças tão fortes que serão

vistas por determinadas pessoas como únicas. Observe a empolgação de uma

artesã:

Dá alegria saber que podemos exportar. Ao conversar com um homem emBrasília, ele falou que não tem este produto em outro lugar do mundo. Oartesanato com a fibra da bananeira só vocês fazem. Vocês têm que

começar a pensar em exportar! (Informante 1).

O processo de intervenção de design no artesanato é um processo de

aprendizagem. Como o professor, não basta ao designer demonstrar apenas as

atitudes facilitadoras. Junto com elas, ele deve se apresentar ao grupo como uma

liderança carismática que possui conhecimentos, não apenas sobre a técnica e os

materiais que utiliza, mas, ainda, sobre tendências de mercado. Uma artesã disse:

“A principal atitude que gostamos, é que todos três nos passaram bastante

segurança, quanto ao mercado crescente de nossos produtos” (Informante 2).

Assim, ao participar de um processo de intervenção no artesanato, o designer deve

preocupar-se em pesquisar o mercado e as demandas, de modo que as peças

criadas estejam em consonância com eles. De nada adianta criar peças que não

tenham saída comercial. O compromisso do artesão é com o cliente, com o público

final, de quem, aliás, depende para sobreviver. Produzir peças sem observar o

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mercado e o comportamento do consumidor é contrariar uma das premissas básicas

do Programa Sebrae de Artesanato, que é a geração de renda para as pessoas nele

envolvidas.

A motivação do artesão durante o processo de intervenção de design sempre gera

bons frutos, pois pessoas motivadas são pessoas possuidoras de algo a mais além

do aspecto físico; são pessoas dotadas de uma força interior invisível, mas

perfeitamente perceptível, que redunda em uma produção artesanal completamente

palpável. E quando essa motivação ocorre, a produção artesanal passa a possuir,

além dos aspectos estéticos demandados pelo mercado, a qualidade que se espera

de algo que foi criado a partir de uma perfeita união entre artesãos e designers. Eis

o que diz uma artesã: “As experiências e encontros que nós artesãos tivemos comos designers foram de extrema importância, já que foi através destas intervenções

que o grupo passou a pensar em maior qualidade dos produtos" (Informante 5). 

Muitas vezes, os artesãos ficam um pouco incrédulos com relação à criação de

determinada peça pelo designer. Realmente, é difícil para eles, que vivem em

regiões rurais, entenderem de onde sai tanta coisa diferente, entenderem como na

cabeça de uma pessoa pode haver tanta criatividade, tantas idéias novas, nas quais

eles nunca haviam pensado. Mas o profissional do design, não apenas vive em ummundo globalizado, em que todas as informações circulam com muita facilidade, ele

sente mais o efeito dessa globalização. E isso aguça sua criatividade, tornando-a

ilimitada para encarar um processo de manipulação de matérias-primas e a

conseqüente produção de peças.

Ressalto, porém, que existe, de fato, uma situação em que profissionais que atuam

em territórios completamente distintos e geograficamente distantes criam peças

muito parecidas, sem nunca terem trocado uma única palavra. Isso é o queatualmente chamamos de “inconsciente coletivo”, conceito que surgiu com o

psicólogo analítico Carl Gustav Jung, que se refere à “camada mais profunda da

psique humana. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados da

humanidade. É nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais,

que seriam comuns a todos os seres humanos” (WIKIPÉDIA, online). Normalmente,

isso é atribuído ao fato do mundo caminhar em uma mesma direção e de que as

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tendências são fenômenos universais que ditam a moda nos dias de hoje. Mesmo,

às vezes, um pouco incrédulos, os artesãos não duvidam da capacidade criadora

desses profissionais e justificam isso complementando:

Você acha que isto saiu da cabeça da designer? Ela deve ter visto umabolsa parecida com essa, com esses quadradinhos, em outro material,aquilo ficou na cabeça dela... Mas fazer a bolsa de quadradinho com essamatéria-prima, de quadradinhos de bucha, isso nós sabemos que foi tiradoda cabeça dela (Informante 3).

Falar de artesanato bem feito há até pouco tempo, podia soar como algo improvável.

O artesanato, muitas vezes, é visto com uma coisa mal acabada, sem qualidade e

de pouca durabilidade. Algumas vezes, ouvi falar que os produtos artesanais tinham

apenas seis meses de durabilidade, prazo de validade ditado por não se sabe

quem... Nesse sentido, o Programa Sebrae de Artesanato, em seu Termo de

Referência, que é um conjunto de informações, conceitos e considerações que

normatizam a produção artesanal, propôs a quebra de três paradigmas, listados a

seguir.

1) Artesanato é mal feito

Este paradigma foi o primeiro a ser quebrado com as intervenções de design, pois

quando o designer atua em um núcleo de artesanato, sua primeira intervenção na

técnica artesanal é observar a forma de acabamento utilizada, propondo novas

técnicas e melhorias no processo produtivo, com o intuito de produzir objetos de

altíssima qualidade, acabamento impecável e durabilidade.

Essa preocupação com o bom produto, quando bem trabalhada, fica no sangue dos

artesãos, que se tornam cada dia mais exigentes com a qualidade dos seustrabalhos, inclusive criando técnicas muito próprias. Observe o relato desta artesã:

“Por isso que eu falo: essa técnica é nossa. Tivemos o curso, mas esse jeito de

fazer o acabamento é nosso. A gente que chegou a isso sozinha!” (Informante 1).

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E muitas dessas artesãs são, atualmente, multiplicadoras, isto é, estão repassando

para outras as técnicas aprendidas. E nesses cursos ministrados por elas a lição

sobre o “fazer certo” é disseminada:

Hoje, quando a gente vai ensinar, a gente ensina direitinho, a gente fala queé muito importante o acabamento e a embalagem e a qualidade do produto.A gente fala que as pessoas só compram se o artesanato estiver bem feito,bem acabado. A pessoa que está aprendendo só não faz certo se nãoquiser (Informante 7).

2) Artesanato é coisa de pobre para pobre

Considero este paradigma o pior de todos. É feio até para ser dito e, depois, definir

quem é pobre é uma coisa muito séria. Pobre em quê? Ou pobre de quê? Mas

vamos lá. Felizmente, esse tabu também foi quebrado, pois ser artesão,

definitivamente, não quer dizer ser pobre. E ser pobre também é muito relativo. Mas,

considerando-se que pobre é a pessoa que tem pouco dinheiro, também não

procede a afirmação, pois muitas pessoas de classe média e ditas “ricas” também

fazem artesanato.

No que diz respeito ao fato do pobre comprar artesanato, volto a dizer: ser pobre érelativo, pois, hoje em dia, o artesanato é consumido, principalmente, pela classe

média e pelos chamados “ricos”. O artesanato brasileiro está sendo valorizado

inclusive em outros países. No relato de uma das artesãs, esse sucesso fica

evidenciado:

Outro dia veio um rapaz aqui no núcleo fotografar nossas peças, pois elequer mandar levar pra fora do País. Ele perguntou muito sobre quantaspeças podemos fazer e nós falamos que se precisar aumentar a produçãopara exportar a gente trabalha mais dia por semana para poder atender aos

pedidos, e se precisar até vira a noite (Informante 9).

3) Artesanato é barato

Este paradigma também foi quebrado a partir da criação do artesanato de referência

cultural, ou seja, o designer faz a intervenção utilizando insumos produzidos com

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matérias de muita qualidade, inovadoras e com tecnologia como elemento

agregador de valores para os produtos artesanais. Um bom exemplo é a utilização

de ferragens de altíssima qualidade para o acabamento de caixas e de outros

objetos de madeira. A utilização de ferramentas apropriadas, bem como vernizes e

tintas não poluentes e de baixo impacto ambiental, também elevam o custo das

peças artesanais.

Ressalto, porém, que o fato do artesanato não ser barato não quer dizer que ele seja

caro. O artesanato não deve ser nem uma coisa nem outra; dever ter preço justo. E

é exatamente nesse sentido que surgiu uma modalidade para a comercialização do

artesanato, denominada “comércio ético e solidário” ou ”comércio justo”.

Hoje, depois de quase nove anos de criação do programa, percebe-se claramente

que esses paradigmas foram quebrados, haja vista a altíssima qualidade das peças

produzidas, o diferencial e a agregação de valores culturais e iconográficos, com a

beleza das embalagens, que, muitas vezes, são reutilizadas, tornando-se, assim, um

segundo produto artesanal. Além desses resultados, é preciso ressaltar que os

artesãos passaram a desfrutar de maior qualidade de vida.

Atualmente, os consumidores do artesanato não são apenas os turistas que gostamde levar “presentinhos” e souvenirs  “baratinhos” como lembrança para os amigos e

parentes. Os consumidores de artesanato, hoje em dia, são pessoas de classes

sociais A e B, profissionais da área de design, profissionais liberais e diversos tipos

de pessoas que reconhecem que, além da funcionalidade do artesanato utilitário, do

diferencial do decorativo, da criatividade do lúdico, da beleza do litúrgico e da

personalidade do artesanato conceitual, estão consumindo responsabilidade social,

cultural e ecológica todas as vezes que adquirem o artesanato de referência cultural

produzido por artesãos com o apoio e a intervenção de profissionais do design.

Para quebrar esse paradigma, o Programa Sebrae de Artesanato capacitou os

artesãos para definir os preços dos produtos de forma adequada.

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Ele [o Sebrae ] ensinou a gente a desenvolver as coisas... O marketing,preço, harmonia, palestras... Ninguém podia imaginar como era formar opreço de uma mercadoria. Eu pensava que, se custou R$ 10,00 paraproduzir, era só vender por R$ 11,00. Cada curso que temos, a gente ficacada vez melhor (Informante 1).

Com a oferta do curso “Formação de preços para o setor artesanal”, elas puderam

calcular o valor hora para o funcionamento do núcleo. Certamente que, ao terem

clareza desse custo, as artesãs estão muito mais bem preparadas para definirem o

valor daquilo que produzem.

Em alguns casos, as mudanças nas vidas das pessoas desses pequenos grupos de

artesãos ocorrem de maneira muita rápida. Tão rápida que elas não se dão conta do

que está acontecendo em suas vidas. Participei muito de perto de um momento

como esse, em que o Sebrae, em parceria com a Prefeitura Municipal de Itapemirim

“adotou” um grupo de artesãos que detinham a técnica do artesanato, mas não

tinham design. Esse grupo, decorridos três meses do início da intervenção de

design, já estava comercializando seus produtos, frutos da recente intervenção, na

Feira Nacional de Artesanato Mãos de Minas, a maior feira do setor em território

nacional. Uma mudança e tanto em tão pouco tempo...

As transformações nas vidas dessas pessoas são muito rápidas e sempreenaltecidas por elas com muita emoção e sinceridade. Normalmente, as

transformações de caráter pessoal superam qualquer tipo de expectativa das

artesãs. Com os olhos marejados, uma delas fez o seguinte relato: "Eu nunca pensei

que eu ia ter nem Carteira de Identidade, e agora você me diz que eu vou ter uma

Carteira de Artesã? Isto é demais pra mim... Eu nunca poderia imaginar, meu Deus!" 

(Informante 3).

As mudanças na vida das artesãs não se restringem à dimensão individual, mas seestendem a seus relacionamentos com suas respectivas famílias:

A vida da gente mudou muito, e a vida da nossa família também. Eu tavafalando com a minha filha pequena... Eu nunca tinha saído deste lugar. Eusó fui conhecer Guarapari com mais depois dos 30 anos, e ela com 4 anos já conhece vários lugares (Informante 8).

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Programas de incentivo à produção artesanal, tal como o desenvolvido pelo Sebrae,

têm como objetivo a geração de renda para comunidades, proporcionando muitos

benefícios para o artesão. Mas, entre todos os benefícios, há um que, a meu ver, é

intangível e um dos maiores que o ser humano pode ter, que é o beneficio do

resgate da auto-estima, um pré-requisito para a felicidade. Em uma feira de

artesanato, a artesã conta o que ouviu de um visitante:

[visitante diz: ] Nossa, mas vocês são artistas! De pensar que saiu da suamão... É fibra de bananeira? Você tem certeza disso? [artesã diz: ] Tenho,moço... A bananeira tá ali do lado da gente... [visitante pergunta: ] Mas abananeira dá isto? Vocês é que cortam o pé da bananeira? Eu não voucomprar, pois não tenho condições, mas esta peça, se eu tivesse lá emcasa, eu ia ficar encantada... Esta peça é maravilhosa e saber que eucomprei da pessoa que fez! (Informante 7).

A alegria de ser artesão, sentimento proporcionado pelo resgate da auto-estima, e a

emoção de ver seus trabalhos reconhecidos e admirados são experiências

inesquecíveis para as mulheres-artesãs.

É muito boa a troca de experiência, poder viajar, participar de feiras emoutros estados, conhecer gente nova e ainda poder dar curso! Uma vez,quando eu fui dar o curso em Santa Teresa, uma pessoa quis me beijar edisse que o sonho dela era conhecer uma de nós. Eu disse: meu Deus! Issonão é possível! Eu não podia acreditar numa coisa dessa! Isso é uma vidamuito nova para nós... Eu não sou mais aquela mulher lá na comunidade,

que vivia naquele mundinho. É como padre disse um dia para nós: Nãoadianta pensar que o mundo começa e termina aqui. O mundo é grande,temos muita coisa para ver. O mundo é enorme! (Informante 1).

Quando nós, seres humanos, temos nossa auto-estima elevada, passamos a

vivenciar uma condição de maior felicidade. E pessoas felizes criam um ambiente

leve e impregnado de atitudes facilitadoras; os relacionamentos são transparentes e

empáticos, as pessoas gostam de ouvir e de ser ouvidas, se aceitam e têm muito

mais possibilidades de aceitar o outro incondicionalmente.

Mas, na presença de uma atitude facilitadora criada pela equipe e pormuitos dos participantes, os indivíduos gradualmente começam a ouvir unsaos outros e, lentamente, a compreender e a respeitar. O ambiente torna-sepropicio ao trabalho , tanto nos grandes como nos pequenos grupos, amedida que as pessoas começam a pesquisar a si mesmas e a seusrelacionamentos (ROGERS, 1983, p. 60).

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Assim, ao finalizar este capítulo, podemos dizer que, quando o processo de

intervenção de design é marcado pela demonstração de atitudes facilitadoras por

parte do designer, ele possibilita toda uma ambiência para a criação do verdadeiro

artesanato de referência cultural, de forma sustentável.

E, finalmente, no próximo capítulo, faremos as considerações finais, ressaltando “a

força do relacionamento entre artesãos e designer no olhar de Carl Rogers”.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de tudo o que foi dito, depois de tudo o que foi investigado e depois de tudo

que defendi, reafirmo, com a mais absoluta convicção, que durante os encontrosocorridos entre artesãos e designers durante o processo de intervenção de design

no artesanato, o Termo de Referência do Artesanato, criado pelo Sebrae, apresenta-

se como um norte. Mas a força do relacionamento entre esses seres humanos, entre

essas pessoas de origens e modus vivendi tão diferentes, poderá ser eficaz com a

convivência baseada nas atitudes facilitadoras propostas por Rogers como

fundamentos da aprendizagem centrada na pessoa.

Carls Rogers, em seu livro “Um jeito de ser”, lista características básicas que podemser vivenciadas em relações humanísticas entre pessoas, tanto na área educacional,

psicológica ou em comunidades. A primeira das condições por ele mencionadas diz

respeito à figura do líder.

Os líderes, ou pessoas percebidas como representantes da autoridade nasituação, são suficientemente seguras interiormente e em seusrelacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade das outraspessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas. Quando esta pré-condição existe, os aspectos seguintes tornam-se possíveis e tendem a ser

efetivados (ROGERS, 1983, p. 96).

Assim, o líder não é a figura de poder absoluto. Isso quer dizer que, nos núcleos de

artesanato, a liderança deve, então, ser compartilhada: ora o designer é um líder,

ora um artesão lidera e ora outro artesão assume a liderança, de acordo com suas

afinidades, expertises e oportunidades. “As pessoas facilitadoras compartilham com

as outras [...] a responsabilidade pelo processo de aprendizagem” (ROGERS, 1983,

p. 96).

Além disso, os líderes, na condição de facilitadores, potencializam o crescimento

dos integrantes de um grupo quando são transparentes, congruentes e

compartilham responsabilidades.

Eles podem oferecer “recursos de aprendizagem – de dentro de si mesmos, de suas

próprias experiências, de livros ou de outros materiais ou de experiências da

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comunidade” (ROGERS, 1983, p. 96). Assim, transpondo isso para o campo de

atuação do designer em intervenções no artesanato, podemos considerar que eles

atuam como facilitadores quando proporcionam condições favoráveis para a

comunidade artesanal, ao oferecerem publicações, livros e revistas para que eles

possam conhecer novos produtos, matérias-primas e tendências de mercado.

Mais importante que isso, no entanto, é que o designer se ofereça, a si próprio,

como recurso para o grupo, dando aos artesãos o conhecimento e a informação que

possui. Diante desse conhecimento, uma artesã diz: “não sentimos insegurança,

nem desconfiança, nem medo, pois sabemos que o conhecimento que eles trarão

será de enorme valia para o grupo” (Informante 2).

Ao discorrer sobre a educação formal, Rogers frisa a importância dos próprios

estudantes desenvolverem seus programas de aprendizagem, sozinhos ou em

cooperação. No processo de intervenção, e ao longo de toda a vida, o artesão

também é um aprendiz. Ao prover um clima facilitador, o designer valoriza suas

experiências pessoais, individuais, familiares e da comunidade. Ao fazer isso, estará

sublinhando para os artesãos a importância que eles têm para seu trabalho. Essas

experiências poderão dar subsídios para a criação de uma coleção riquíssima de

valores culturais, iconográficos e com características únicas. Do contrário, comodisse uma das artesãs participantes desta pesquisa, “fica uma sensação meio

estranha [...] não entendemos, perdemos o interesse, porque a gente acha que não

é do nosso mundo aquilo que ela estava falando” (Informante 8).

Outro aspecto das relações ditas humanas, conforme Rogers, é que os atores nelas

envolvidos são estimulados a aprender continuamente. Todo organismo vivo,

segundo Rogers, tem tendência à auto-realização. Talvez seja por causa disso a

ansiedade sentida antes do início das intervenções, conforme relatou uma artesã,venha acompanhada de

uma esperança de crescimento, de melhoria de aprendizado eaperfeiçoamento. Cada intervenção de design que tem, a gente pensaassim... Vai criar uma coisa nova! A princípio a gente pensa: Será que agente vai conseguir? A gente sempre tem esperança de melhorar(Informante 4).

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Nesse sentido, ao finalizarem os trabalhos nos núcleos, é de fundamental

importância que os designers deixem os artesãos preparados para dar continuidade

à produção artesanal que foi proposta e criada para ser desenvolvida por eles. O

contato com novos fornecedores de insumos e matérias-primas e os projetos com

especificações e medidas dos produtos devem ficar documentados para a

continuidade de produção artesanal.

A aceitação incondicional e a empatia são atitudes facilitadoras que, quando

adotadas e estimuladas pelos designers, geram metas e objetivos claros e

específicos para os artesãos, que criam um senso de comprometimento e

responsabilidade – a autodisciplina a que se refere Rogers (1983). Essas

características são fundamentais para o artesão, porque o artesanato de referênciacultural é produzido em escala, ainda que em nível reduzido e, dessa forma, exige

comprometimento. Do contrário, continuaremos a ouvir profissionais dizendo que

não fazem encomendas a artesãos porque eles demonstram pouca capacidade de

cumprir prazos.

Assim, podemos observar que as atitudes facilitadoras propostas por Rogers,

quando presentes no relacionamento entre designers e artesãos envolvidos em

processo de intervenção de design no artesanato, têm extensão inimaginável.

Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser maisprofunda, processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida eno comportamento dos alunos do que a aprendizagem realizada na sala deaula tradicional (ROGERS, 1983, p. 97).

Com a presença desse clima acolhedor, designers e artesãos têm liberdade de ser

aquilo que realmente são, e os programas de artesanato atingem seus objetivos

genuínos, contribuindo para, em maior ou menor nível, valorizar o potencial criativo

sem colocar em risco a principal fonte de renda dos artesãos, a produção artesanal.

Assim sendo, podemos concluir que processos de intervenção de design marcados

por esse clima de que fala Rogers é o caminho para promover a sustentabilidade

das comunidades, possibilitando a geração de renda por meio da produção e

comercialização do artesanato de referência cultural.

5/14/2018 Monografia Design e to - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/monografia-design-e-to 97/97

 

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8 REFERÊNCIAS

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