monografia de thiago veloso na puc mg

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7 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Instituto de Ciências Humanas Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma resistência armada ao regime militar brasileiro no Estado de Minas Gerais (1967-1969). Thiago Veloso Vitral Belo Horizonte 2008

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  • 1. 7 Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Instituto de Cincias HumanasCorrente Revolucionria de Minas Gerais: uma resistncia armada ao regime militar brasileiro no Estado de Minas Gerais (1967-1969). Thiago Veloso Vitral Belo Horizonte 2008
  • 2. 8 Thiago Veloso VitralCorrente Revolucionria de Minas Gerais: uma resistncia armada ao regime militar brasileiro no Estado de Minas Gerais (1967-1969). Trabalho apresentado disciplina Monografia II, do Curso de Histria do Instituto de Cincias Humanas da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Orientadora: Carla Ferretti Santiago. Belo Horizonte 2008
  • 3. 9Dedico este trabalho vida e memria do meu av Zeuxis Veloso.
  • 4. 10AGRADECIMENTOS Sou grato a todos os professores que fizeram parte de minha formaoacadmica, principalmente a minha orientadora Carla Ferretti Santiago, por sua orientaotranqila e segura. Suas leituras e intervenes, sempre pertinentes, foram fundamentaispara a concluso deste trabalho. Obrigado tambm pela compreenso e tolerncia nosmomentos em que no consegui cumprir com as datas, devidos a fatores pessoais. Deixoregistrados minha admirao e respeito intelectual e pessoal. banca examinadora,professor Carlos Evangelista Veriano e professora Andra Casa Nova Maia, agradeo pelascrticas e observaes to precisas. Agradeo ao historiador Otvio Luiz Machado, por sua preocupao em preservar amemria da esquerda mineira que se ops ao regime militar, fato fundamental para aconcretizao deste trabalho. Com grande intensidade, agradeo aos amigos e companheiros, principais riquezasde um perodo acadmico. Que tempo bom, e isso devo a vocs. Em destaque agradeo avoc Joca, amigo que perpassa qualquer poca. Ao amigo Marco agradeo pelo incentivoa comear este curso to maravilhoso. Obrigado tambm aos colegas do Arquivo PblicoMineiro, companheiros de tantas tardes inesquecveis. Talvez no caiba, mas seria uma injustia no lembrar de todos os compositores eintrpretes que durante esses quatro anos e meio de curso, suavizaram tantos momentos deestresse. Obrigado. A minha namorada Dani, agradeo pela sua pacincia e sabedoria. Obrigado Danisua fora foi fundamental. E por fim agradeo a minha famlia pelo apoio e confiana: minha tia Vale(pessoa extraordinria), minha querida av Fina, Daniela e Bruno, Robson, e o meusobrinho Lucas. Este ltimo carrega o peso de representar todas as crianas do Brasil,grande incentivo de um estudante de Histria. Em especial agradeo ao meu av ZeuxisVeloso, pessoa que me ensinou a viver, respeitando a tudo e a todos. Obrigado v, fao doseu comportamento minha teoria de vida.
  • 5. 11LISTA DE ABREVIATURASALN Ao Libertadora NacionalAP - Ao PopularAPM Arquivo Pblico MineiroAPML Ao Popular Marxista LeninistaBNM Brasil Nunca MaisBOC Bloco Operrio e CamponsCOLINA Comando de Libertao NacionalCORRENTE Corrente Revolucionria de Minas GeraisDOP Delegacia de Ordem PblicaDOPSMG Departamento de Ordem Poltica e Social Minas GeraisFNL Frente de Libertao NacionalIC Internacional ComunistaIPEG Instituto de Previdncia do Estado da GuanabaraIPM Inqurito Policial MilitarMAR Movimento de Ao RevolucionriaMNR Movimento Nacionalista RevolucionrioMOLIPO Movimento de Libertao PopularMR8 Movimento Revolucionrio 08 de outubroMR21 Movimento Revolucionrio 21 de AbrilMR26 Movimento revolucionrio 26 de maroMRM Movimento Revolucionrio MarxistaMRT Movimento Revolucionrio TiradentesOBAN Operao BandeirantesOLAS Organizao Latino-americana de SolidariedadeORM-POLOP Organizao Revolucionria Marxista Poltica OperriaJUC Juventude Universitria CatlicaPCB Partido Comunista do Brasil / Partido Comunista BrasileiroPCCH Partido Comunista ChinsPC do B Partido Comunista do BrasilPCR Partido Comunista RevolucionrioPCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio
  • 6. 12PCUS Partido Comunista da Unio das Repblicas Socialistas e Soviticas.PE - PernambucoPOC Partido Operrio ComunistaPRT Partido Revolucionrio dos TrabalhadoresPT Partido dos TrabalhadoresRN - Rio Grande do NorteTL Tendncia LeninistaUFMG - Universidade Federal de Minas GeraisUFOP Universidade Federal de Ouro PretoUNE Unio Nacional dos EstudantesURSS Unio das Repblicas Socialistas SoviticasUSAID United States Aid of Development (Servio de Informaes e Propaganda dosEstados Unidos)VAR PALMARES Vanguarda Armada Revolucionria PalmaresVPR Vanguarda Popular Revolucionria
  • 7. 13 SUMRIOINTRODUO................................................................................................................. 071 ESQUERDA BRASILEIRA, O PERCURSSO PARA A LUTA ARMADA............ 091.1 Partido Comunista do Brasil (PCB): origem, representatividade e cises............ 091.2 A opo pela luta armada e a nova esquerda brasileira.......................................... 141.2.1 ORM POLOP.......................................................................................................... 161.2.2 AP Ao Popular.................................................................................................... 171.2.3 Os movimentos nacionalistas................................................................................. 181.2.4 PCB As dissidncias armadas................................................................................ 192 A CORRENTE POR ELA MESMA .......................................................................... 242.1 A formao................................................................................................................... 242.2 O movimento de massas.............................................................................................. 262.3 A luta armada.............................................................................................................. 303 A CORRENTE SOB O OLHAR DO DOPS/MG ....................................................... 343.1 O imaginrio anticomunista em ao........................................................................ 343.2 O Monitoramento da CORRENTE pelo DOPS/MG............................................... 37CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................... 41REFERNCIAS................................................................................................................ 43ANEXOS............................................................................................................................ 48
  • 8. 14INTRODUO Aps o golpe 1964, medidas antidemocrticas e uma forte represso tomaram contado pas, ocasionando uma incansvel caa queles que impunham resistncia ao governo.Dentre essas resistncias, os grupos clandestinos de esquerda foram os que mais sofreramcom o aparato repressor. No entanto, preciso ressaltar que neste momento boa parteesquerda brasileira se encontrava em pleno processo de transformao. A forma deresistncia pacfica da esquerda, at ento predominante, aos poucos ia cedendo espaopara uma ao mais enrgica e radical. Um exemplo claro o Partido Comunista do Brasil (PCB), granderepresentatividade da esquerda na poca, adepto a forma de resistncia pacfica, quegradativamente foi se fragmentando em vrias clulas de esquerda armada por todo o pas,inclusive em Minas Gerais. Nesse sentido, esta pesquisa tem como premissa maiorrecuperar historicamente a memria do grupo Corrente Revolucionria de Minas Gerais(CORRENTE), uma dissidncia do PCB que se portou como resistncia armada ao regimemilitar no Estado de Minas Gerais. O marco temporal da pesquisa ser de 1967 a 1969, momento de atuao daCORRENTE no cenrio mineiro. Porm, ser preciso retornar a marcos anteriores, como osurgimento do PCB em 1922, e fatores, de mbito nacional e internacional, queinfluenciaram a sua criao. Portanto, esses assuntos sero abordados no primeiro captulo, quando tentodemonstrar, atravs da referncia bibliogrfica citada ao longo do texto, o percurso daesquerda brasileira para a luta armada em oposio ao regime militar ps-1964. No segundo captulo a Corrente Revolucionria de Minas analisada a partir damemria de seus principais membros. Para tanto utilizo como fonte de pesquisa,entrevistas e depoimentos oriundos dos Projetos A Corrente Revolucionria de MinasGerais, Reconstruo Histrica das Republicas Estudantis da UFOP, e, A Atuao doDiretrio Acadmico da Escola de Minas de Ouro Preto: entre o desenvolvimentismo e oradicalismo (1956 e 1969) ambos realizados pelo Laboratrio de Pesquisa Histrica doInstituto de Cincias Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto. 11 Os projetos A Corrente Revolucionria de Minas Gerais, Reconstruo Histrica das RepublicasEstudantis da UFOP, e, A Atuao do Diretrio Acadmico da Escola de Minas de Ouro Preto: entre odesenvolvimentismo e o radicalismo (1956 e 1969) foram organizados e coordenados pelo historiadorOtvio Luiz Machado.
  • 9. 15 No terceiro captulo tambm procuro demonstrar caractersticas que evidenciam aCorrente Revolucionria de Minas Gerais como uma resistncia armada ao regime militarno Estado de Minas Gerais. Porm neste momento trabalho com uma tica inversa, ou seja,a tica da represso. Sendo assim, utilizo como fontes, a documentao produzida peloDepartamento de Ordem Poltica e Social de Minas Gerais (DOPS/MG) 2, referente organizao mineira (CORRENTE). Neste mesmo captulo, analiso ainda a forte presenado imaginrio anticomunista como justificativa utilizada pela poltica investigativa erepressiva dos governos militares. A possibilidade de trabalhar com as fontes orais e escritas, nos direciona para umahistria contraposta. Acredito que o cruzamento das fontes permitir uma melhorabordagem do tema, j que trabalho com a posio da resistncia (fonte oral) e com aposio do governo (fonte escrita), embate que instiga a interpretao histrica, artifcio detodo historiador. Por ltimo ressalto que esta pesquisa se insere na linha de interpretao da histriapoltica. No a histria poltica tida como metdica e tradicional, mas a histria polticavista por Ren Remond como uma histoire renouvele, onde o fenmeno poltico entendido como campo de representao do social, considerando a sociedade civil comoobjeto de estudo. Para Remond, a histria poltica ao se ocupar de estudos sobre processoeleitoral, partidos polticos, grupo de presso, opinio pblica, mdia, entre outros, integratodos os atores, mesmo os mais modestos, no jogo poltico, perdendo assim seu carterelitista e individualista e elegendo as massas como objeto central (FERREIRA, 1992,p.267). Sendo assim, trata-se, portanto, de estabelecer sobre nosso objeto de estudo(Corrente Revolucionria de Minas Gerais), pontos de contatos entre a esfera poltica esocial.2 No ano de 1998, aps a instalao de uma comisso parlamentar, o Arquivo Pblico Mineiro (APM)recebeu os documentos do extinto DOPS/MG, colocando em disponibilidade para consulta em 2005, aps aorganizao e confeco do arranjo disponvel em meio digital. Seu acesso feito por meio de sistemainformatizado de pesquisa, que permite a busca por assuntos, tipos documentais, datas e nomes.
  • 10. 161 ESQUERDA BRASILEIRA, O PERCURSSO PARA A LUTA ARMADA Em 1964, a derrota ou a vitria das esquerdas contra os golpistas no era dada. Mas a inao que tornou a derrota inevitvel. Denise Rollemberg.3 O presente captulo ser dividido em duas partes. Na primeira realizo uma brevereconstituio da histria do Partido Comunista do Brasil (PCB) desde sua origem nomovimento operrio brasileiro at a dcada de 1960, momento das dissidncias armadasque opuseram ao regime militar brasileiro e contriburam para o fim da hegemoniapecebista como representatividade da esquerda brasileira. O estudo do PCB se d,principalmente, pelo fato do partido ser o principal tronco dos grupos armados emresistncia ao regime militar, tal como a Corrente Revolucionria de Minas Gerais(CORRENTE), objeto cerne deste trabalho. A anlise do PCB tambm ser fundamentalpara a caracterizao desta nova esquerda que surge com um comportamento (pensamentoe postura revolucionria) crtico ao do partido. Na segunda parte do captulo, trato daopo da nova esquerda pela luta armada como postura revolucionria em resistncia aosgovernos militares. Analiso o que levou a adoo das armas e os principais grupos armadosque agiram violentamente em oposio ao regime. Para tanto, utilizo da reviso bibliogrfica citada ao longo do captulo e dareferncia em anexo.1.1 Partido Comunista do Brasil (PCB): origem, representatividade e cises O Partido Comunista do Brasil (PCB) nasce no ano de 1922 como uma forma decentralizao do movimento operrio, motivo pelo qual seu estudo perpassa a histria dapoltica operria brasileira. Na segunda metade do sculo XIX, o Brasil substitui gradativamente a mo de obraescrava pelo trabalho assalariado. As lavouras de caf e as indstrias recm criadasrecebem imigrantes, em sua maioria, italianos, portugueses e espanhis. Acompanhando o3 ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionrias e luta armada. In: DELGADO, Luclia de AlmeidaNeves; FERREIRA, Jorge (Orgs.) O Brasil republicano 4 O tempo da ditadura. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 2003. P. 41-91.
  • 11. 17acelerado crescimento industrial4 do perodo, surgem novas categorias e classes sociais,onde podemos destacar a burguesia e a classe operria. Neste mesmo contexto os trabalhadores comearam a se organizar para resistir sduras condies de vida e de trabalho a que eram subordinados: longa jornada; ausncia dedescanso semanal remunerado e de frias anuais; admisso e demisso sem contrato; entreoutras. As primeiras organizaes que apoiaram a classe operria contra tais condiesforam as Associaes de Socorro Mtuo. O mutualismo consiste em oferecer aos seusassociados, proteo e assistncia na ausncia de polticas pblicas de amparo social:penses, indenizaes, remdios, enterros, hospitais, entre outras. Tais associaes foramalm do carter assistencialista quando, ao lado dos sindicatos, atuaram de forma poltica,como reivindicadoras de melhores condies trabalhistas e na organizao da classeoperria5. Logo em seguida o anarcossindicalismo e o socialismo iro tomar a frente eorientar o movimento operrio no final do sculo XIX e comeo do sculo XX. Para ossocialistas, o movimento operrio devia ser dirigido por um partido institucional. J osanarcossindicalistas - tendncia libertria - privilegiavam a educao da conscientizaopoltica de classe, e valorizavam a organizao independente dos trabalhadores atravs deligas, associaes operrias e sindicatos. Suas manifestaes foram marcadas por greves econscientizao de classe atravs da imprensa operria, fatos que caracterizaram oanarcossindicalismo como uma das principais tendncias do movimento operrio dapoca6. Nos anseios das militncias anarcossindicalistas e socialista formaram osprimeiros grupos comunistas no Brasil. Uma ciso do movimento anarcossindicalista quesimpatizava com a Revoluo Russa de 1917, caracterizando-a como um movimentolibertrio, viria o lado dos socialistas, criar pequenos partidos comunistas em vrias regies4 De acordo com Jos Antonio Segatto na obra intitulada Breve Histria do PCB, entre 1880 a 1889 foramcriadas aproximadamente 400 indstrias, chegando a um nmero de 636 estabelecimentos industriais, com54.169 operrios; no ano de 1907 este nmero sobe para 3.410 estabelecimentos com 156.250 operrios e,em 1920 para 13. 336 indstrias com 275.512 operrios.5 Sobre o assunto ver tambm: JESUS, Ronaldo Pereira de; Viscardi, Claudia Maria Ribeiro. A experinciamutualista e a formao da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aaro(Orgs.). A formao das tradies (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007. P. 21- 51.(Coleo as esquerdas no Brasil).6 O anarcossindicalismo se diferencia do anarquismo (outra tendncia libertria) quanto proposta de aopoltica contra o capitalismo. Enquanto o anarcossindicalismo orienta e direciona os trabalhadores a caminhoda revoluo, os anarquistas se negam a trabalhar na organizao do operariado, acreditando na revoluoespontnea e independente do proletariado, aps a educao poltica. Sobre o assunto ver: SFERRA,Giuseppina. Anarquismo e anarcossindicalismo. So Paulo: tica, 1987. 93 p.
  • 12. 18do pas. Partidos esses, que no ano de 1922 realizaram um congresso e formaram o PartidoComunista do Brasil. Portanto, o PCB nascia do ativismo sindical do movimento operriobrasileiro e se formava sob influncia decisiva da Revoluo Socialista de Outubro naURSS. No ano de 1924 o partido se condicionava III Internacional Comunista no IVCongresso da organizao. Ao decorrer de sua trajetria o PCB teve sua histria atrelada histria do Brasil. Aperiodizao utilizada por Moiss Vinhas, demonstra bem a riqueza da histria do partido: (...)1922-1930 correspondem ao perodo de formao, os anos de 1930-1945 assinalam o surgimento da Aliana Nacional Libertadora, a quartelada de 1935 e a sombria poca do Estado Novo. 1945-1947 assinala o tempo ureo da vida do partido, os anos da legalidade, quando se converteu na primeira experincia brasileira de partido de massas. J 1948-1958 so anos negros, em que a dedicao e o herosmo cotidianos dos militantes no conseguiam vencer o sectarismo, o golpismo e o mandonismo da linha. Os dois ltimos perodos (1958-1964 e 1964-1974) so marcados pela desestalinizao e retomada de uma poltica ampla e pelo golpe de estado e represso, que sangraram e dividiram o PCB, sem conseguirem, contudo, aniquil-lo nem empurr-lo para o desvario e os becos sem sada da histria. (VINHAS, 1982, p.02). Destaca-se no partido, sua predominncia na ilegalidade e suas inmeras crisesinternas. No entanto, nas primeiras dcadas de sua existncia o PCB teve sua histriamarcada por importantes acontecimentos: os congressos, onde foi definida e redefinida apoltica do partido, e discutida a situao do pas; criao de veculos de comunicaoimportantes nas propagaes de suas idias, como os jornais A Classe Operria e A Naoe a revista Autocrtica; participao em eleies quando na legalidade e atravs da legendaBOC (Bloco Operrio e Campons); busca por polticas de alianas (tenentes); entreoutros. Como a proposta deste captulo no exclusivamente fazer uma reconstruo dahistria do PCB, mas sim tratar do caminho percorrido pela esquerda brasileira at oregime militar, avano na histria do partido at a crise do stalinismo (dcada de 1950),acontecimento que ir nortear uma nova poltica para o partido, acarretando vrias cisesno PCB na dcada de 60. No congresso de criao do partido realizado nos dias 25, 26 e 27 de maro de1922, alm da escolha do secretrio geral e da comisso geral executiva, e da aprovao doestatuto baseado no Partido Comunista Argentino, so averiguadas as 21 condies deadmisso do partido Internacional Comunista (IC). Sendo assim, no ano de 1924, apsuma tentativa frustrada no final de 1922, o Partido Comunista do Brasil legitimado como
  • 13. 19membro da III Internacional Comunista criada por Lnin na URSS, pressuposto quecaracteriza a linha leninista do PCB no perodo. Com a morte de Lnin em maro de 1924 e a partir do VI Congresso da IC, ostalinismo comea a se consolidar no movimento comunista internacional. Como uma das21 condies de admisso na IC era seguir sua linha poltica, o PCB tambm se redefiniude acordo com a situao em questo, o que significou uma interferncia direta na estruturacriada pelo partido at aquele momento. Um exemplo de reestruturao, em decorrncia danova orientao poltica stalinista, foi a reformulao no rgo maior do partido, o ComitCentral. Astrogildo Pereira (ex-anarquista e um dos fundadores do PCB), Secretrio Geraldo partido no momento, exonerado do cargo ao adotar a poltica de proletarizao soborientao da IC. Na Conferncia dos partidos comunistas da Amrica Latina, realizado emmaio de 1930, na cidade de Buenos Aires, Astrogildo Pereira foi duramente criticado pelasua postura, sendo forado pelo PCB a escrever uma autocrtica, ato que o garantiu nopartido no momento, mas no o poupou da destituio do cargo. A proletarizao consistiaem substituir os intelectuais dos partidos comunistas associados IC por operrios. A orientao stalinista do PCB durou at o ano de 1956, quando no XX Congressodo Partido Comunista da URSS (PCUS) Nikita Kruschev l o relatrio denunciando oculto personalidade e realizando severas acusaes a Stalin. Tais dennciasocasionaram fortes crises no movimento comunista mundial, e conseqentemente no PCB. Durante os primeiros meses o PCB se omitiu em relao s acusaes de Kruschev,achando que poderia ser um compl estadunidense sobre o lder sovitico. S com averacidade legitimada com o retorno da delegao do partido do XX Congresso na URSSque o PCB se manifestou. Junto a uma autocrtica que reconhecia os erros das deformaesprovocadas pelo stalinismo, o PCB reviu uma srie de fatores degradantes: falta dedemocracia interna; excesso de centralismo e mandonismo por parte da direo do partido;e principalmente, o dogmatismo exacerbado. O dogmatismo consistia em tentar enquadrara realidade brasileira s formas e teorias elaboradas nos PUCS, ou seja, a utilizao e acpia, sem nenhum esprito crtico, das idias de comunistas e partidos comunistas deoutros pases. Em meio crise do stalinismo surgem no PCB duas posies diferentes: os quevem o partido deformado pelo stalinismo, e os que se mantinham comprometidos com opassado e fiis s orientaes stalinistas. Entre essas duas posies extremas, prevaleceramaqueles que realizaram uma releitura do partido a favor de uma nova poltica.
  • 14. 20 Sendo assim, em maro de 1958, o comit central aprova uma nova poltica quetem como premissa a luta contra o imperialismo estadunidense e o monoplio da terra,atravs da poltica da frente ampla, nica, nacionalista e pacfica. Todos (operrios,camponeses e burguesia) unidos contra o imperialismo, dentro da legalidade constitucionale da organizao de massas. Como meta para essa nova poltica foram traadas: polticaexterior independente; progresso e independncia da economia nacional; reforma agrriaem favor dos camponeses; elevao de vida do nvel do povo; e, consolidao e ampliaoda legalidade democrtica7. No ano de 1960 realizado o V Congresso do PCB, onde so confirmadas emantidas as teses da declarao de maro de 1958. Como o partido j vivia uma enormecrise interna, o V Congresso intensifica as divergncias, o que acarretaria em 1962 namaior ciso do PCB. Os oposicionistas a esta nova linha Digenes Arruda, Pedro Pomar,Joo Amazonas, ngelo Arroio, Maurcio Grabois, entre outros que no ano de 1954, noIV Congresso tinham adquirido notoriedade e fora dentro da direo do partido, reforamsuas crticas direo do PCB, e so expulsos por serem responsabilizados pelodogmatismo e sectarismo que acompanhou o partido principalmente nas duas dcadasanteriores. Logo, a oposio expulsa realiza uma conferencia extraordinria e cria umanova legenda. Como no ano de 1961, o PCB em uma conferncia nacional troca o nomede Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro objetivando alegalidade, a dissidncia mantm o nome de Partido Comunista do Brasil com a sigla dePC do B. O PC do B nasceu em 1962 como uma manuteno do iderio stalinista que foiabandonado pelo PCB aps o XX Congresso da PUCS, e com forte influncia terica eideolgica do Partido Comunista Chins (PCCH) liderado pela figura de Mao Tse Tung.Tal grupo liderado por Digenes Arruda, Pedro Pomar Joo Amazonas, Maurcio Grabois,entre outros, considera ineficaz a revoluo pacfica pretendida pelo PCB, e privilegia aluta revolucionria na rea rural brasileira por meio de uma guerra sustentvel, e com forteapoio das massas, principalmente camponesas. Porm, preciso salientar que a experinciada poltica da Guerrilha popular prolongada s ser planejada no final da dcada de 60,aps o lanamento do documento Guerra Popular: caminho da luta armada no Brasil8.7 SEGATTO, Jos Antonio. Breve histria do PCB. 2. ed. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989. 136p.8 O maior exemplo dessa luta revolucionaria foi Guerrilha do Araguaia (1972/1974). Tal guerrilha foiplanejada no sul do Par, na regio do Rio Araguaia. Uma rea estratgica para a implantao do exrcitopopular que faria a revoluo objetivada pelo partido. O foco guerrilheiro foi descoberto e aniquilado pelafora governamental em 1974.
  • 15. 21At ento, a poltica do PC do B no ultrapassou o debate ideolgico atravs de meios decomunicao, como o refundado jornal A Classe Operria, um dos principais veculos decomunicao do PCB, criado em 1 de maio de 1925. Quanto a sua estratgia poltica, o partido (PC do B) no alterou o carteretapista de revoluo adotado pelo PCB. Primeiramente se faria a revoluo burguesa,para em seguida, realizar a revoluo socialista. Com a formao do PC do B em 1962, iniciou-se uma disputa em torno de quemseria a continuidade do Partido Comunista do Brasil criado em 1922. Ambos (PCB e PC doB) se autodenominam herana do I Congresso do movimento comunista que formou oPartido Comunista do Brasil na dcada de 20. No site oficial do PC do B, o partido caracterizado como o verdadeiro partido comunista fundado em 1922, segundo JeanRodrigues Sales, os partidos polticos do uma ateno especial escrita de sua histria eao uso de seu passado para justificar a atuao poltica no presente (SALES, 2007, p.170). Assim como o PCB, o PC do B tambm enfrentou crises internas e cises. Uma dasprincipais crises ocorreu em torno do debate da guerrilha urbana. Tal debate dividiu opartido entre os favorveis e os desfavorveis ao no permetro urbano, contribuindopara os dois maiores rachas no partido entre os anos de 1966 e 1967: a Ala Vermelha, emSo Paulo e no Centro-Sul, e o Partido Comunista Revolucionrio (PCR) no nordeste.Ambos os grupos aderiram guerrilha na cidade. A Ala Vermelha deu origem ainda a doisgrupos clandestinos ligados a guerrilha urbana em So Paulo: o MovimentoRevolucionrio Tiradentes (MRT), e o Movimento Revolucionrio Marxista (MRM). O PC do B, ao lado de organizaes como a ORM-POLOP, AP, os movimentosnacionalistas, e as dissidncias armadas do PCB ps 649, contribuiu no processo que punhafim hegemonia pecebista como representatividade da esquerda brasileira, trazendo a tonauma nova esquerda em resistncia ao regime militar.1.2 A opo pela luta armada e a nova esquerda brasileira A falta de eficcia do caminho pacfico principalmente em resistir ao Golpe de1964 - juntamente com a forte represso da ditadura, a presso de pases socialistas, o9 A Organizao Revolucionria Marxista Poltica Operria (ORM-POLOP), a Ao Popular (AP), osmovimentos nacionalistas, e as dissidncias armadas do PCB, sero tratadas no decorrer do captulo.
  • 16. 22exemplo de lutas de libertao nacional (Arglia e Vietn), a influncia tericainternacional, e o exemplo de revolues anteriores (Russa, Chinesa, e principalmente,Cubana), explicam a adeso de boa parte da esquerda brasileira luta armada no Brasil emresistncia ao regime militar. Sob forte influncia da Revoluo Cubana, referncia de toda esquerda latino-americana, a esquerda brasileira tambm pensou a revoluo socialista pelo vis da lutaarmada de guerrilha. A experincia de Che Guevara e Fidel Castro em Sierra Maestra,teorizada por Regis Debray na obra Revoluo na Revoluo, caracteriza o modelorevolucionrio de Cuba como foquismo. Essa teoria consiste num foco militar ruralque atravs de sua posio estratgica pudesse iniciar a vanguarda da luta revolucionria ea tomada do poder pelas massas. Porm, como veremos mais frente, poucos foram osgrupos brasileiros que seguiram tal mtodo a risca. Sendo assim, o exemplo a ser seguidofoi a possibilidade de vencer uma revoluo antiimperialista, que visava a derrubada doregime atravs da luta armada, no necessariamente na via dos focos guerrilheiros. H fortes indcios que os primeiros esboos da guerra de guerrilha no Brasilocorreram no incio da dcada de 60, com forte respaldo das Ligas Camponesas e j sobforte influncia da Revoluo Cubana. O movimento logo foi abortado pelo governo deJoo Goulart na regio de Gois. A verdade que s aps o Golpe de 64 ocorreu a criao de inmeras siglas degrupos de esquerda armada, j que parte expressiva da esquerda brasileira s aderiu lutaarmada de fato, em decorrncia da crise na esquerda brasileira ps-64, e pela forterepresso do governo ditatorial. Daniel Aaro Reis Filho utiliza a expresso nova esquerda para caracterizar eabranger as organizaes e partidos polticos clandestinos que surgiram no pas emoposio e/ou alternativa ao Partido Comunista do Brasil. Segundo o historiador, amultiplicidade das organizaes de esquerda pe fim ao monoplio representativopretendido pelo PCB desde o ano de 1922, e traz uma nova postura e comportamento daesquerda brasileira. A teoria sendo substituda pela prtica que traria efeitos imediatos: aluta armada no campo; o fator militar e o exrcito revolucionrio; a guerra prolongada emlugares estratgicos; a poltica independente em relao burguesia; entre outras10.10 S, Jair Ferreira de (Orgs.). Imagens da Revoluo: documentos polticos das organizaes clandestinasde esquerda dos anos 1961 a 1971. 2 ed. Rio de Janeiro: Expresso Popular, 2006. 464p. (Coleo assimlutam os povos).
  • 17. 23 O projeto Brasil: Nunca Mais contabilizou aproximadamente 40 organizaesclandestinas de esquerda que se dividiam sobre trs fatores: (...) o carter da revoluo brasileira (nacional-democrtica ou socialista), as formas de luta revolucionria (maior ou menor pesos das massas urbanas ou rurais na luta armada, desenvolvida em moldes que se aproximava mais do modelo sovitico, chins ou cubano), e o tipo de organizao necessria ao processo revolucionrio (no modelo partidrio marxista-leninista clssico ou com flexibilidade organizacional inspirada no exemplo da guerrilha cubana). (RIDENTI, 2007, p.29). Levando em considerao o grande nmero de organizaes clandestinas deesquerdas do perodo, exponho a seguir esses grupos divididos a partir de suas matrizesoriginrias: Organizao Revolucionria Marxista-Poltica Operria (ORM-POLOP), AoPopular (AP), Movimentos Nacionalistas, e principalmente o PCB. 111.2.1 ORM POLOP A Organizao Revolucionria Marxista - Poltica Operria (ORM POLOP) foicriada no ano de 1961, como resultado da fuso da juventude do Partido Socialista dassees da Guanabara e So Paulo - estes ltimos adeptos ao pensamento de RosaLuxemburgo -, de estudantes da Mocidade Trabalhista de Minas Gerais e de dissidentesdo PCB. A POLOP foi o primeiro agrupamento a se organizar como opo partidria aoPCB e tambm ao PTB, considerando suas atitudes conciliadoras e reformistas. Sendoassim, a POLOP elaborou um Programa Socialista para o Brasil, onde afirmava que ograu de evolues do capitalismo no pas comportava e exigia transformaes socialistasimediatas, sem qualquer etapa nacional-democrtica (BNM, 1985, p.103). S aps a deposio de Joo Goulart que a POLOP ensaiou a estratgia guerrilheiracontra o novo regime; at ento, a organizao se manteve nos debates tericos edoutrinrios dentro da esquerda marxista. No ano de 1967, na onda da luta guerrilheira que se espalhava pela Amrica Latinasob influncia da Revoluo Cubana, a POLOP deu origem a importantes grupos em11 Uma outra tendncia existente no Brasil desde o ano de 1929 foi a Trotskista, um agrupamento polticoadepto as idias de Leon Trotsky, um dos lderes da revoluo Russa de 1917, que acabou sendo expulso daURSS pelo governo de Stalin. Porm, por sua forte crtica a luta armada - a meu ver, a caractersticafundamental da nova esquerda brasileira - no insiro o grupo nova esquerda atuante no regime militar.
  • 18. 24decorrncia de cises em seu interior: Comando de Libertao Nacional (COLINA),Vanguarda Popular Revolucionria (VPR) Partido Operrio Comunista (POC), etc. O COLINA teve seu raio da ao principalmente no Estado de Minas Gerais, comalgumas ramificaes no Rio de Janeiro. De acordo com as idias defendidas pelaOrganizao Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), o grupo passou a executar em1968, aes armadas que viabilizariam a guerrilha no campo. Aps forte represso doregime o grupo se desmantelou e se aliou a VPR, dando origem em seguida ao VAR Palmares. Como veremos no segundo captulo, o COLINA realizou aes conjunta com aCorrente Revolucionaria de Minas Gerais (CORRENTE). A VPR foi fundada a partir da fuso de dissidentes da POLOP, como j foi dito, e 12do Movimento Nacional Revolucionrio (MNR) . Suas aes consideradasespetaculares a caracterizaram como um dos principais grupos que atravs das armasenfrentaram a ditadura no Brasil: ataque a bomba ao servio de informaes e propagandasdos Estados Unidos (USIS) e ao Quartel-General do II exrcito em So Paulo;justiamento do Major norte-americano Charles Chandler (em parceria com a ALN);captura de fuzis e armas no Hospital de Cambuci e no quartel do exrcito em So Caetanodo Sul; seqestro dos embaixadores japons, alemo e suo como moeda de troca (aesconjuntas com outros grupos); etc. Vale ressaltar que o Grupo teve como figura lendria oex-capito do exrcito Carlos Lamarca. Depois de forte represso do regime, a VPR foidesmantelada no ano de 1972. O POC tambm se constituiria das cises da POLOP com a dissidncia leninista doPCB no Rio Grande do Sul. Tal grupo foi bastante expressivo no meio estudantil,estabelecendo tambm presena no meio operrio. A organizao seguiu a linha poltica daPOLOP, tendo adeptos e crticos luta armada, motivo de racha e cises posteriormente.1.2.2 AP Ao Popular A Ao Popular foi fundada em julho de 1962 em um congresso realizado em BeloHorizonte. Composta de cristos progressistas ligados Ao Catlica, em particular aJuventude Universitria Catlica (JUC), o grupo se autodenominou um movimento12 Trato do MNR mais adiante, ao abordar os movimentos nacionalistas.
  • 19. 25poltico inspirado em idias humanista de Jacques Maritain, Teilhard de Chardin,Mounier, e do padre Lebret. Suas maiores atuaes ocorreram no meio estudantil, ondecontrolava as sucessivas diretorias da Unio Nacional do Estudante (UNE). J compropostas de acordo com o pensamento marxista desde sua fundao, foi entre 1965 e 1967que a organizao adotou de fato o marxismo como guia terico em suas atividades. Apartir de 1968 a AP assume variantes tipicamente maostas. No ano de 1971, defende aunio de todas as correntes marxista-leninistas o que propiciaria mais tarde a integrao departes de seus militantes ao PC do B. Aps ciso interna ocorrida em 1968, a AP originaria uma nova sigla, PRT, oPartido Revolucionrio dos Trabalhadores. Seus fundadores discordavam do maosmoortodoxo seguido pela direo da AP. Diferente da AP, o PRT se envolveu em aesarmadas, sendo dissolvido no ano de 1971 aps ser atingido pela represso. Vale ressaltar que na dcada de 1980, j com a sigla APML Ao PopularMarxista Leninista a organizao (AP) se fundiu ao recm criado Partido dosTrabalhadores (PT).1.2.4 Os movimentos nacionalistas Houve no Brasil varias organizaes armadas ligadas ao nacionalismorevolucionrio: MNR, MR-26, MR-21, MAR, FNL, RAN, etc. Os movimentosnacionalistas giravam em torno do ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul LeonelBrizola (Brizolismo), e tinha como objetivo, as conquistas democrticas, as reformas debase, e a libertao nacional. O principal grupo surgido do nacionalismo revolucionrio foi o MovimentoNacionalista Revolucionrio (MNR), originado aps o golpe de 1964, da unio demilitantes polticos exilados no Uruguai e militares cassados pelo exrcito (em especiaismarinheiros, cabos e sargentos). O MNR foi uma das primeiras articulaes guerrilheirasno Brasil, e comandadas do exlio no Uruguai. Brizola a princpio resistia teoria do focoguerrilheiro. Este achava que levantes populares eram mais eficazes do que uma luta deguerrilha prolongada. Entretanto medida que seus planos foram se esvaindo, o ex-governador no teve outra sada seno apostar todas as suas fichas na implantao deguerrilhas. Sendo assim, foi implantado no Estado de Minas Gerais, na proximidade do
  • 20. 26Pico da Bandeira, a Guerrilha do Capara (1966/1967), tentativa de foco guerrilheiro queno passou de um perodo de treinamento sem a realizao de nenhuma ao. Tanto aGuerrilha do Capara como a Guerrilha do Araguaia, mostraram a inviabilidade de adoodo modelo foquista de revoluo no Brasil. Esta inviabilidade se d por alguns fatores:extenso do territrio; falta de apoio da populao, e isto foi claro nas duas guerrilhascitadas acima; inexistncia de uma campanha nacional precisa contra o governo, entreoutros. Atravs da poltica de exportao da Revoluo Cubana, o MNR teve um apoioconsidervel de Cuba.1.2.4 PCB As dissidncias armadas Pelos motivos j esclarecidos em pginas anteriores, o PCB foi o tronco principaldos grupos clandestinos de esquerda atuantes no regime militar. No ano de 1967, aps o VICongresso13 do PCB, aumentaram as divergncias internas no partido, o que determinouuma srie de dissidncias. Dentre essas dissidncias destacamos: MR-8, PCBR, ALN,Corrente Revolucionria de Minas Gerais, entre outras. Como mostra o organograma quecriei.13 No VI congresso do PCB (1967), foram reiteradas, a forma de resistncia pacfica adotada no VCongresso, e a confiana no apoio da burguesia, principais fatores que originou a corrente oposicionistadentro do partido.
  • 21. 27 PCB Criado em 1922 PC do B Criado em 1962 Dissidncias armadas do PCB ps 1964, em resistncia ao regime militar brasileiro. Corrente DI/GB DI/RJ DI/SP Revolucionria DI-RS DI-DF PCBR de Minas em em em Gerais em em Criado em 1966 1966 1967 Criada em 1967 1967 1968 1967 Agrupamento MR-8 Comunista de Incorporada Criada em So Paulo a ALN em 1969 1969 ALN Criada em 1967 O Movimento Revolucionrio 8 de Outubro consiste na nova denominao da DIda Guanabara, a Dissidncia da Guanabara do PCB. Seu nome faz aluso morte de CheGuevara, que ocorreu na Bolvia no dia 8 de Outubro de 1967, e foi adotado aps o famososeqestro do embaixador estadunidense, Charles Burke Elbrick, ao realizada em 14conjunto com a ALN. Alm de suas estratgias de aes serem semelhantes as da ALN,o MR-8, difere desta, defendendo a idia de um novo partido marxista, crtico ao programado PCB. Mais tarde, o MR-8 contar com um ncleo de militantes vindos da VPR, dentre14 Vale ressaltar que a Dissidncia do Rio de Janeiro (DI/RJ) tambm adotou o nome de MR-8, porm estadissidncia logo foi abortada pela fora governamental.
  • 22. 28esses, Carlos Lamarca, que assassinado no serto da Bahia no dia 17 de setembro de1972, em misso pelo grupo. No ano de 1972 o MR-8 desestruturado, ressurgindo no anoseguinte com uma orientao poltica bastante diferente da anterior, inclusive com crtica aluta armada. O Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio (PCBR), tambm defendia a idiade um partido marxista que reformulasse a linha tradicional do PCB em relao sua alianacom a burguesia e seu caminho para se chegar ao socialismo. O grupo surgiu da correnteoposicionista do PCB depois de 1964. Articulado pela figura de Mrio Alves, jornalista eintelectual de forte prestgio, que foi expulso do PCB aps divergncias com o ComitCentral e com seu principal lder no momento, Luiz Carlos Prestes, o PCBR se consolidouformalmente no ano de 1968. O grupo tambm adotou a guerrilha rural e urbana comoestratgia. No incio da dcada de 70, a forte represso atingiu a organizao, prendendoparte de sua direo (Apolnio de Carvalho, Miguel Batista, Jacob Gorender, etc.) ematando outros, entre esses, Mrio Alves. No segundo captulo, tambm veremos a ligaoe contatos do PCBR atravs de seus principais dirigentes com a CorrenteRevolucionria de Minas Gerais. Sem dvida, o grupo guerrilheiro mais expressivo do Brasil durante o perodomilitar foi a Ao Libertadora Nacional (ALN), formado com base na dissidncia de SoPaulo e comandado por Carlos Marighella, e, mais tarde, Joaquim Cmara Ferreira.Devido a sua forte ligao e contribuio Corrente Revolucionria de Minas Gerais, talgrupo merece uma ateno especial. Antes de se tornar o famoso guerrilheiro da ALN, Carlos Marighella j dotava deuma incrvel condio terica. Seus textos e livros no foram s referncia para a esquerdabrasileira, mas tambm para toda esquerda latino-americana. Tambm inconformado com apredominncia do discurso e com a aliana com a burguesia, Carlos Marighella participada conferncia da Organizao Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) realizada em1967 em Cuba. A OLAS atendia o chamado da Revoluo Cubana para um plano de aorevolucionaria continental. Ao regressar de Cuba, Carlos Marighella expulso do PCB porter participado da conferncia sem a autorizao do Comit Central. neste momento quesurge a ALN com as seguintes propostas: (...) luta de libertao nacional, a montagem de uma organizao revolucionria nacional, patritica, de carter amplo e ampla autonomia ttica, e, principalmente, o desencadeamento de aes revolucionrias como base para afirmao da organizao, e para a formao do exrcito popular de libertao nacional. (REIS, 1985, p. 206).
  • 23. 29 Como evidencia o nome, a Ao Libertadora Nacional tem como primeiro objetivoa libertao nacional, para depois realizar a revoluo socialista, condizendo com a teoriade duas etapas para a revoluo. Porm, enquanto o PCB admitia uma aliana com aburguesia, a ALN condicionava a primeira fase da revoluo a operrios e camponeses. Logo em sua formao a ALN se distancia das outras dissidncias do PCB, aorejeitar a idia de partido. Marighella negava a estrutura centralizada de partido,considerando prejudicial ao revolucionria. Apesar de sua forte autonomia dentro dogrupo, Marighella dava total liberdade ttica aos militantes da organizao. Um exemplodisso seria a ao que deu no seqestro do embaixador dos Estados Unidos. Junto do MR-8, alguns militantes da ALN realizaram a operao sem consultar Carlos Marighella. A ALN foi uma das organizaes mais prxima de Cuba. A partir da OLAS,Marighella tem a Revoluo Cubana como uma vanguarda para a revoluo latino-americana. Um dos ensinamentos que mais empolga Marighella foi possibilidade devencer uma revoluo a partir do zero e com um grupo mnimo de combatentes. Apesar detoda influncia da Revoluo Cubana, a ALN substitui a teoria do foco guerrilheiro pelascolunas guerrilheiras mveis, que se deslocariam contando com pontos de apoio deantemo assentado (GORENDER, 1998, p.107), devido principalmente dimenso fsicado pas. A ALN teve seu raio de ao principalmente na cidade, com o intuito de obterrecursos e poder organizar a guerrilha rural e o exrcito de libertao nacional. O Guerrilheiro urbano no teme em desmantelar ou destruir o presente sistema econmico, poltico e social brasileiro, j que sua meta ajudar ao guerrilheiro rural e colaborar para a criao de um sistema totalmente novo e uma estrutura revolucionria, social e poltica, com as massas armadas no poder. (Marighella, 1969, p.2) 15. Suas principais aes foram: expropriao do trem pagador em So Paulo, e docarro pagador do IPEG, no Rio de Janeiro; a tomada da Radio Nacional, em So Paulo; ojustiamento do major natural do Estados Unidos Charles Chandler (em parceria da VPR)e do empresrio Bulissem da Supergasbrs, que coordenava o financiamento da OBAN;tomada de sindicatos txteis, etc.15 MARIGHELLA, Carlos. Minimanual do guerrilheiro urbano. 1969. Disponvel em:. Acesso em: 24 Ago. 2008.
  • 24. 30 Vale ressaltar que no ano de 1971 surgem duas dissidncias da ALN: o Movimentode Libertao Popular (MOLIPO) e a Tendncia Leninista (TL). No ano de 1969, mais precisamente no dia 4 de novembro, Carlos Marighella assassinado em uma Rua de So Paulo, no conturbado caso da Alameda Casa Branca. Apartir da, sucessivas prises e mortes dentre essas a do substituto de Marighella, CmaraFerreira tomam conta do dia-a-dia da organizao, at culminar em sua desestruturaono ano de 1974. A ao faz a vanguarda lema da Ao Libertadora Nacional (ALN), reflete bem oanseio revolucionrio da nova esquerda armada esboada neste captulo. Agora queapresentada, de forma ampla e geral, caio nas particularidades do grupo mineiro CorrenteRevolucionria de Minas Gerais (CORRENTE), objeto de estudo dos captulos seguintes.
  • 25. 312 A CORRENTE POR ELA MESMA A gente usava armas porque invadiu a nossa e tomou a nossa vida e falou o que pode e o que no pode. Estabeleceu regras e cortou a nossa liberdade. um direito. Eu acho que o direito a revolta a tirania um direito do cidado. Marco Antnio Victoria Barros16 Neste captulo apresento a Corrente Revolucionria de Minas Gerais a partir damemria de alguns de seus integrantes. Para tanto, utilizo como fontes de pesquisas,entrevistas e depoimentos de ex - militantes do grupo mineiro, oriundos dos projetos ACorrente Revolucionria de Minas Gerais, Reconstruo Histrica das RepblicasEstudantis da UFOP, e, A Atuao do Diretrio Acadmico da Escola de Minas de OuroPreto: entre o desenvolvimentismo e o radicalismo (1956 e 1969) ambos realizados peloLaboratrio de Pesquisa Histrica do Instituto de Cincias Humanas e Sociais daUniversidade Federal de Ouro Preto. Sendo assim o presente captulo ser dividido emtrs partes. Na primeira parte abordo a Formao da Corrente Revolucionria de MinasGerais (CORRENTE) a partir de sua dissidncia com o PCB. Logo em seguida, na segundaparte do Captulo, analiso a 1 fase do grupo, no qual o movimento de massa ainda seencontrava consistente. E finalmente no 3 subttulo trago a investida da CORRENTE naluta armada, at sua fuso na Ao Libertadora Nacional (ALN).2.1 A formao Como analisado no captulo anterior a Corrente Revolucionria de Minas Gerais fruto das discusses que precederam o VI Congresso do PCB ocorrido no ano de 1967.Nas discusses do Congresso, polarizaram-se duas vertentes. A vertente oficial, que optava16 Depoimento de Marco Antnio Victoria Barros (militante da CORRENTE) a Otvio Luiz Machado. OuroPreto, Projeto Reconstruo Histrica das Repblicas Estudantis da UFOP, 2003. Disponvel em:Acesso em: 20 de maio de 2008.
  • 26. 32pela resistncia pacfica ditadura, e a vertente que defendia a adoo da luta armadacomo resistncia aos governos militares. A corrente oposicionista era liderada, entre outros, por Mrio Alves, Apolnio deCarvalho, Jacob Gorender, Miguel Batista do Santos, Cmara Ferreira, Carlos Marighella,e aos poucos, foi recebendo apoio de integrantes de comits estaduais do PCB, dentreesses, do Comit Estadual de Minas Gerais. Vale ressaltar que os comits estaduaispreenchiam boa parte de seu quadro com militantes representantes do movimentoestudantil. Logo em seguida, em 1967, com o desfecho do VI Congresso, a correnteoposicionista do partido foi expulsa, o que acarretou em varias cises armada por todo opas. Foi neste processo que a ciso mineira do PCB originou o Grupo CorrenteRevolucionria de Minas Gerais (CORRENTE). Segundo Ricardo Apgaua, um dosmembros do grupo na poca, antes mesmo da efetiva ciso com o partido, a extensomineira do PCB j se definia de forma particular em relao ao Comit Central,principalmente no que diz respeito ao mtodo revolucionrio: Nesta poca comeamos a nos antecipar ao rompimento com o PCB e montamos o que chamamos de Comit Estadual Paralelo. Dele fazamos parte o Mrio Alves, Mrio Roberto Galhardo Zanconato (Xuxu), que pertencia sesso estudantil estadual e era o lder do partido no movimento estudantil universitrio, o Gilney Amorim Vianna, que nesse momento assume o contato com o pessoal do movimento operrio, o Jos Jlio (Arajo) e eu, que dirigia o partido no movimento estudantil secundarista e detinha, pelo trabalho que tinha feito, o contato com os grupos do interior do estado. A partir da, a gente comea a montar, no movimento estudantil, uma estrutura voltada para a luta armada e a planej-la. Quando os membros da Corrente Revolucionria do PCB, em Minas, fomos expulsos do partido, j contvamos com uma estrutura partidria funcionando. Passamos a atuar como a Corrente Revolucionria de Minas Gerais17. Com ncleos originrios nas Cidades de Ouro Preto e Belo Horizonte, aCORRENTE se constituiu basicamente por estudantes secundaristas e universitrios18,servidores pblicos19, e operrios. Fato que evidencia sua atuao no movimento estudantile operrio, como veremos a seguir.17 Depoimento de Ricardo Apgaua a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Laboratrio de Pesquisa Histrica daUFOP/Projeto A Corrente Revolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em:21 de maio de 2008.18 Ver no anexo E a relao nominal de estudantes indiciados nos inquritos policiais militares referentes Corrente Revolucionria de Minas Gerais.19 Ver no anexo F a relao nominal dos funcionrios pblicos indiciados nos inquritos policiais militaresreferentes Corrente Revolucionria de Minas Gerais.
  • 27. 33 Em Ouro Preto a CORRENTE foi organizada por Hlcio Pereira Fortes 20, aluno daEscola Tcnica, e ex - integrante do Comit Estadual do PCB em Minas Gerais. J em BeloHorizonte a organizao mineira foi orientada pela figura de Mrio Alves21, at osurgimento de posies contrrias. Enquanto Mrio Alves defendia a reorganizaopartidria, a CORRENTE se colocava na posio de uma organizao livre dacentralizao de um partido. Logo, Mrio Alves, junto com Apolnio de Carvalho e JacobGorender, fundaria o Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio (PCBR), e o grupomineiro se aproximaria de Carlos Marighella e sua Organizao, ALN. Marighelladefendia que as cises do PCB no deviam se organizar em torno de uma nicarepresentao, mas sim, em grupos menores que pudessem se dividir em distintas frentesde resistncia. No decorrer do captulo veremos a forte ligao da organizao mineira coma ALN, at o seu desmembramento no ano de 1969. No entanto, apesar de sua estreitarelao com o grupo de Marighella, a CORRENTE mantinha-se como uma organizaoautnoma e independente, com direo e estrutura prpria. Segundo Gilney AmorimViana, um dos lideres do grupo, Marighella tinha uma opinio de que os grupos tinhamliberdade ttica, e s seguiriam uma orientao estratgica (VIANA, 2004).222.2 O movimento de massas J antes da ciso com o PCB, o grupo que formaria a Corrente Revolucionaria deMinas Gerais dividia sua atuao em setores de massas. Essa estrutura se estendeu ao20 Hlcio Pereira Fortes, ativista poltico desde cedo, atuou na Unio Colegial Ouropretense, e na EscolaTcnica Federal. Ingressou na Escola de Metalurgia, mas no chegou a concluir o curso. Em 1963, passou afazer parte do PCB, vindo atuar na ilegalidade logo aps o golpe de 64. No grupo Corrente Revolucionaria deMinas Gerais, como um dos principais membros, teve importante participao tanto no meio estudantil eoperrio, quanto na luta armada. Em 1969, com o desmantelamento do grupo mineiro, Hlcio se ingressou naALN, vindo a ser um dos principais militantes da organizao. No ano de 1972, Hlcio foi morto com apenas24 anos de idade, sob forte tortura no DOI-CODI/SP.21 Em 1945, o jornalista Mrio Alves passou a integrar o Comit Estadual do PCB na Bahia, e em 1957, foieleito para o Comit Central. Aps o golpe de 64, Mrio Alves tornou-se um dos principais lderesoposicionista dentro do partido. Por sua oposio a orientao predominante na direo do PCB, Mrio Alvesfoi afastado da comisso executiva do partido, e foi atuar em Belo Horizonte, onde permaneceu at 1967. EmBelo Horizonte Mrio Alves contactou e orientou o grupo mineiro do PCB que formaria a CorrenteRevolucionria de Minas Gerais.22 Depoimento de Gilney Amorin Viana a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto A CorrenteRevolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em: 14 de abril de 2008.
  • 28. 34grupo revolucionrio, mesmo com a adoo da luta armada. Num primeiro momento aCORRENTE procurou manter sua atuao no meio operrio e no meio estudantiljuntamente com a luta armada. Porm, com o aumento das atividades armadas, os setoressociais, que continham os melhores quadros da organizao, tiveram que ceder seusprincipais militantes para a guerrilha urbana; fato que era comum nas organizaesclandestinas de esquerda. O movimento estudantil, base da CORRENTE em sua formao, era composto, emsua maioria, de militantes oriundos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dasEscolas de Minas e Farmcia de Ouro Preto, e da Escola Tcnica tambm em Ouro Preto.O lder do setor universitrio era o Mrio Roberto Galhardo Zanconato, da Escola deMedicina, mais conhecido como Xuxu. Da Escola de Minas de Ouro Preto listamoscomo militantes, o Lincoln Ramos Viana, Pedro Carlos Garcia Costa, AbelardoMagalhes, Athauaupa Valena Padilha, e o Csar Epitcio Maia. Este ltimo foi preso no30 Congresso da UNE em Ibina, representando a organizao mineira. Da Escola deFarmcia referenciada a Yone Lima (Marcinha). No Movimento EstudantilSecundarista temos o Antonio Carlos Bicalho Lana (Cauzinho), o Marco AntnioVictoria Barros (Play), o Antnio Mendes Barros (Toninho) a Marlia Anglica doAmaral, o Antnio de Pdua Rodrigues, e o Ricardo Apgaua23. O ncleo estudantilcompunha suas atividades com discusso e orientao poltica entre os estudantes,reivindicaes estudantis, pichaes com expresses de protesto contra a ditadura, epanfletagem em torno das universidades e nas portas das fbricas, com o destaque parafbrica da Alcan, no bairro de Saramenha, em Ouro Preto. O movimento estudantil constitui-se aps o golpe de 64, em um dos maisimportantes setores de combate ao regime, motivo de atrao dos grupos clandestinos deesquerda. Seu enfraquecimento se deu pela migrao de boa parte de sua militncia para aprofissionalizao revolucionaria, com a luta armada, e por medidas governamentais afavor de seu desmantelamento, como o Decreto Lei n. 477, de 26 de fevereiro de 1969.Tal decreto demonstra claramente a preocupao do governo com o movimento estudantile com as instituies de ensino. 2423 Depoimento de Ricardo Apgaua a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Laboratrio de Pesquisa Histricada UFOP/ Projeto: A Corrente Revolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em:21 de maio de 2008.24 Brasil. Decreto-Lei 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infraes disciplinares praticadas porprofessores, alunos, funcionrios ou empregados de estabelecimentos de ensino pblico ou particulares, e d
  • 29. 35 Vale ressaltar que Lincoln Ramos Viana e Pedro Carlos Garcia Costa, militantes daCORRENTE, foram expulsos da Escola de Minas de Ouro Preto, com respaldo no Decreto477, como comenta o prprio Lincoln: Quando o movimento estudantil a nvel nacional adquiriu uma fora muito grande com as passeatas do Rio de Janeiro, o governo militar para tentar diminuir esta fora baixou um decreto-lei dizendo que todo aluno de uma universidade que fosse tido como subversivo, ou seja, que tivesse participao em atividades polticas poderiam ser enquadrados neste decreto e ser impedido de estudar em qualquer universidade durante trs anos. Ento, l em Ouro Preto eu e o Pedro fomos enquadrados neste decreto. Foi simplesmente uma conversa de uma meia-hora com algumas perguntas com o secretrio da Escola. Fechou-se o processo e o Ministro da Educao da poca (Tarso Dutra) assinou uma portaria nos enquadrando. E fomos expulsos da Escola de Minas de Ouro Preto. Eu estava passando do 4o para o 5o ano de Geologia, faltava apenas fazer as provas finais. Nem isto foi permitido e perdi todo o 4 ano. Era 17 de Novembro de 1969. 25 Como j foi ressaltado, a Corrente Revolucionria de Minas Gerais teve ativaparticipao no meio operrio, que se encontrava mobilizado contra o arrocho salarialimplementado pelo regime, e contra as medidas para o enfraquecimento do movimento,adotadas pelo governo, como demonstra Jacob Gorender: De 1964 a 1970, o Ministrio do Trabalho destituiu as diretorias de 563 sindicatos, a metade de trabalhadores da indstria. Das seis confederaes de empregados, quatro sofreram interveno. Nos anos 64-65, concentraram-se 70% das intervenes ministerialistas. Ao mesmo tempo, o Governo Castello Branco ps em vigncia legislao quase proibitiva do direito de greve (somente as greves contra atrasos de pagamento tero alguma tolerncia) e revogou conquistas importantes de categorias profissionais como os ferrovirios, porturios e estivadores, martimos e petroleiros. 26 A CORRENTE possua tambm, uma ativa base operria, operada primeiramentepor Gilney Amorim Viana, e posteriormente, por Hlcio Pereira Fortes, que foi um grandeinterlocutor entre o movimento estudantil e o movimento operrio, organizador do jornal1 de Maio, rgo de propaganda da organizao, voltada para sua base operria. J emOuro Preto, Hlcio vinha desenvolvendo um bom trabalho na fbrica de AlumnioALCAN, quando foi deslocado para a Cidade Industrial (Contagem), onde aconteceria aprimeira greve de expresso no Brasil, aps o golpe de 64.outras providncias. Disponvel em: Acesso em: 27 deAgo. de 2008.25 Depoimento de Lincoln Ramos Viana a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto A Atuao doDiretrio Acadmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e1969, 2003. Disponvel em: Acesso em 21 de maio de 2008.26 GORENDER, Jacob. O combate nas trevas: das iluses perdidas a luta armada. Op. cit. P.153.
  • 30. 36 J com movimentao desde maro de 1968, a grande greve de Contagem eclodiude fato no dia 16 de abril na Belgo-Mineira. Com adeso de fabricas vizinhas, estima-seaproximadamente um total de 16 mil trabalhadores parados. Alm da CORRENTE, outrasorganizaes clandestinas tambm participaram do movimento, como foi o caso da AoPopular (AP) e do Comando de Libertao Nacional (COLINA). Com forte influncia no Movimento Sindical, tal como no Sindicato dosMetalrgicos, onde se destaca a direo da militante Conceio Imaculada de Oliveira27, aCORRENTE foi um dos principais quadros da greve. Ningum melhor que Gilney AmorinViana para comentar a participao da organizao mineira na greve de Contagem: Olha, na greve de Contagem a Corrente teve um papel fundamental. Primeiro na eleio do Sindicato dos Metalrgicos de Belo Horizonte e Contagem. (...) Ento, tudo comea com a nossa vitria na direo do sindicato e com um trabalho clandestino que ns fazamos desde a retomada do movimento aps o golpe. Particularmente 65, 66 e 67 teve o processo de reorganizao. E ento, ns fizemos todo o movimento. Nessa poca ns tnhamos gente do Partido e da AP (Ao Popular). A liderana maior era da AP, que ns colocamos na presidncia. (...) Todas as lideranas deles tinham quadros bons. Mas o que aconteceu? Eles foram cassados. E os nossos quadros meio Partido e meio Corrente no eram conhecidos. Ento, eles no foram cassados. Ento, foi a que ns colocamos um quadro que era ligado a gente na presidncia e na secretaria, que era um cargo estratgico. Colocamos a Conceio Imaculada. Ento, ali ns tnhamos uma influncia muito grande no sindicato. E ns fizemos umas comisses de fbricas. Vrias comisses de fbricas na Belgo e na Mannesmam. Ento, esse um processo aonde a gente disputava tambm com a POLOP (Organizao Poltica Marxista Poltica Operria), mas no tanto com a POLOP, mas com a diviso da POLOP, inicialmente com o POC (Partido Operrio Comunista) e outros comeamos a fazer um trabalho l. Mas ns ramos uma fora hegemnica. 28 Gilney tambm comenta que a Greve foi articulada de dentro para fora, ou seja,pela prpria comisso da Belgo-Mineira: E na verdade a primeira greve se deu de dentro pra fora. Ela no se deu do sindicato para l. Embora ns tivssemos uma influncia no sindicato, porque no tinha ambiente poltico para fazer uma greve no sindicato. E a greve foi27 A mineira Conceio Imaculada de Oliveira foi operria metalrgica e entrou para militncia do PCB noano de 1963. Aps as discusses do VI Congresso do partido, Conceio Imaculada de Oliveira acompanhoua dissidncia mineira do PCB, e passou a integrar a Corrente Revolucionria de Minas Gerais. Em 1967 setornou a primeira mulher a interar a direo do Sindicato dos Metalrgicos de Belo Horizonte e Contagem,tendo fundamental participao na greve de Contagem.28 Depoimento de Gilney Amorin Viana a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto A CorrenteRevolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em: 14 de abril de 2008.
  • 31. 37 dirigida pela comisso de fbrica da Belgo-Mineira. E nisso a o Hlcio Pereira Fortes teve um papel estratgico, porque ns deslocamos o Hlcio de Ouro Preto para ser quadro da Corrente profissionalizado l em Contagem na cidade industrial. Ento, ele foi uma pea de articulao, de concepo. (...). E foi uma coisa belssima, porque ns inovamos muito antes de Osasco de como uma comisso de fbrica fez uma greve de dentro da fbrica e em plena fbrica. E inovou. E ns tivemos um papel fundamental. 29 A Greve durou at o dia 2 de maio, e foi tida como vitoriosa, tanto em termos derepercusso poltica, quanto numa remunerao salarial, que no era a pretendida, massuficiente para cessar a greve. O ento Ministro do Trabalho Jarbas Passarinhos veio atBelo Horizonte, e aps debate com manifestantes, concedeu um aumento de 10% aostrabalhadores. Em outubro do mesmo ano, outra greve foi articulada em Contagem, pormcom menos sucesso, j que nesta poca a represso estava mais alerta. Assim como o movimento estudantil, o setor operrio da Corrente Revolucionriade Minas Gerais tambm teve que ceder militantes para a luta armada, forma de resistnciaque ir prevalecer na 2 fase do grupo.2.3 A luta armada No final da dcada de 1960, com os movimentos de massas j bem desarticulados,em virtude da intensificao da represso e da perda de militantes, as aes armadas setornaram a realidade da maioria dos grupos clandestinos de esquerda em oposio ditadura militar. Com a Corrente Revolucionria de Minas Gerais no foi diferente. Apartir de 1968, o grupo intensifica a preparao de seus militantes para a luta armada, quese realizaria ainda no mesmo ano. Ainda em 1968, o grupo divulga o documentoOrientao bsica para atuao: 20 pontos, como uma carta de estratgia para lutaarmada revolucionria. 30 O grande orientador estratgico militar da CORRENTE foi Carlos Marighella. Oguerrilheiro, ao regressar da Conferncia da OLAS (Organizao Latino-Americana deSolidariedade) adota uma postura revolucionria, no qual ser adotada pela organizaomineira. Segundo Gilney Amorin Viana, Marighella29 Depoimento de Gilney Amorin Viana a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto A CorrenteRevolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em: 14 de abril de 2008.30 No captulo seguinte, veremos supostos trechos deste documento, apreendidos pelo DOPS-MG.
  • 32. 38 (...) inverte a clssica teoria foquista, que vem de um conceito chins maosta, e de que a guerra comea no campo e o campo cerca a cidade. Marighela falou: No Brasil ns no temos uma base camponesa como tem na China e tudo. Ento aqui a cidade estratgica. A guerra comea na cidade, vai ao campo e volta cidade. Isto uma inverso estratgica que o Marighela fez do pensamento de Mao e que Fidel (Castro) e (Ernesto) Che encamparam. Tambm em relao viso foquista de montar um foco e ficar ali resistindo, o Marighela achava que, no Brasil como no tinha uma base camponesa muito forte, ento tinha que se fazer um foco e uma coluna estratgica. Este um conceito bsico da guerra revolucionria que o Marighela criou. 31 Sendo assim, a estratgia da Corrente Revolucionria de Minas Gerais foi realizaraes armadas no permetro urbano, principalmente, com o intuito de arrecadar verba parauma futura guerrilha no campo, que seria iniciada em regies estratgicas, como explicaRicardo Apgaua alm de citar alguns integrantes do grupo: Quando comeamos a estruturar a Corrente, definimos o que chamvamos eixos estratgicos para a luta contra a ditadura no estado de Minas Gerais. Eram, principalmente, cidades com unidades militares de peso e confluncias de estradas importantes, capazes de dividir o pas e criar problemas de abastecimento em caso de bloqueio. Entre as cidades que definimos como estratgicas, no estado, me lembro de Belo Horizonte, Governador Valadares, Montes Claros e Juiz de Fora. Nesta ltima ficava o comando da IV Regio Militar. Em Juiz de Fora tnhamos um grupo muito bem organizado. Deles, me recordo do Marco Antnio, do Rogrio de Campos Teixeira e dos irmos Roberto e Antnio Guedes. Penso que todos eles foram presos. Em Montes Claros, tambm nos apoiamos na estrutura existente, dirigida pelo Porfrio e por um marceneiro que chamvamos Nego e de cujo nome j no me lembro. Em Valadares, at ento tnhamos o Jos Ado coordenando as nossas atividades. Trouxemos o Jos Ado para Belo Horizonte e enviamos para l o Joo Domingos Fassarella, ento estudante de filosofia. 32 Alm do levantamento de verbas, as aes armadas na cidade tambm tinham oobjetivo de treinar guerrilheiros, servir de propaganda armada da revoluo, e servir como 33meio de sustento da organizao. Tais aes constituam de expropriaes a casascomerciais, bancos, e lojas de armamentos. Das aes realizadas pela CORRENTE,31 Depoimento de Gilney Amorin Viana a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto A CorrenteRevolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em: 14 de abril de 2008.32 Depoimento de Ricardo Apgaua a Otvio Luiz Machado. Ouro Preto: Laboratrio de Pesquisa Histrica daUFOP/Projeto A Corrente Revolucionria de Minas Gerais, 2004. Disponvel em: Acesso em:21 de maio de 2008.33 O termo expropriao utilizado geralmente por militantes e ex-militantes para designar assaltos com ajustificativa de expropriar a riqueza de um determinado estabelecimento, para a realizao da guerrilharevolucionria.
  • 33. 39citamos algumas referenciadas por seus integrantes: assalto a agncias bancria na regiode Ibirit e Belo Horizonte; tentativa de assalto loja de armas; assalto em uma pedreirapara obteno de explosivos; assalto a uma casa comercial (Farmcia) na regio central deBelo Horizonte, assalto casa noturna na zona sul de Belo Horizonte; e, assalto aautomveis que facilitariam as aes. Devido ao seu estreitamento com a ALN, a CORRENTE contou com militantesrealizando treinamento guerrilheiro em Cuba. Dentro do programa de implementao dosocialismo na Amrica Latina, defendida pela OLAS, Carlos Marighella firmou um acordode treinamento de guerrilheiros brasileiros com o governo cubano. Da organizao mineiraque estiveram em fase de treinamento em Cuba temos o Ricardo Apgau, o Antnio CarlosBicalho Lana, o Jos Jlio, e o Jos Silva Tavares, que por l ficaram aproximadamentedois anos. Para Ricardo Apgau o treinamento guerrilheiro em Cuba seria uma forma desanar a falta de experincia dos jovens guerrilheiros armados no Brasil. Outra contribuiode Marighella a Corrente Revolucionria de Minas Gerais foi o envio de instrutores paradar treinamento de guerrilhas a seus militantes em Minas Gerais. Segundo Mrio RobertoGalhardo Zanconato34 entre a CORRENTE e a ALN, a contribuio foi recproca,principalmente no que diz respeito s trocas de militantes. No entanto, a onda de ataques armados realizados pela CORRENTE durou ataproximadamente os meses de maro e abril de 1969, quando boa parte de sua militnciacaiu 35 , ocasionando o desmantelamento do grupo. A partir da a organizao se fundiu Ao Libertadora Nacional. Vale ressaltar que alguns integrantes da CORRENTE que setransferiram para a ALN, chegaram a se destacar nesta organizao, como foi o caso deAntnio Carlo Bicalho Lana, Mrio Roberto Galhardo Zanconato, Jos Jlio, ArnaldoRocha, e o Hlcio Pereira Fortes. Este ltimo se tornou o principal lder da ALN aps amorte de Joaquim Cmara Ferreira, substituto de Carlos Marighella. Assim como AntnioCarlos Bicalho Lana, Hlcio Pereira Fortes foi morto pela represso enquanto militante daALN. Agora que analisei a CORRENTE na perspectiva de seus integrantes, chamandoateno para fatores que a caracterizam como uma resistncia ao regime militar, proponhocompreender, a partir de agora, como a fora repressora, para uns, ou a manuteno daordem, para outros, legitima essa caracterizao, atravs de medidas para conter a34 Mrio Zanconato foi um dos 15 presos polticos trocado pelo resgate do Embaixador do Estados UnidosCharles Burke Ellbrick seqestrado por um comando em conjunto da ALN e do MR 8. A lista dos presosliberados constitui-se de integrantes das principais organizaes clandestinas do pas.35 Expresso utilizada pelos militantes em geral, para designar a priso ou captura pela polcia poltica.
  • 34. 40organizao mineira. Sendo assim, no prximo captulo enfoco o tratamento da polciapoltica da poca em relao Corrente Revolucionria de Minas Gerais.
  • 35. 413 A CORRENTE SOB O OLHAR DO DOPS/MG (...) Organizao Clandestina subversiva, denominada Corrente, que tinha como objetivo, a tomada do poder pela luta armada (...). 36 DOPS/MG. Como j foi salientado, neste captulo abordo a Corrente Revolucionria de MinasGerais a partir das fontes do DOPS/MG. Logo, o captulo ser dividido em duas partes. Naprimeira parte analiso o surgimento do imaginrio anticomunista no Brasil,especificamente em Minas Gerais, e como esse imaginrio se deu como fator norteador dapolcia poltica brasileira e principalmente mineira. Para esta discusso utilizo tambm dareferncia bibliogrfica citada ao longo do texto. J na segunda parte do captulo, tentodemonstrar, atravs das fontes pesquisadas no acervo do DOPS/MG, como a CorrenteRevolucionria da Minas Gerais foi tratada e repreendida pela polcia poltica. Portanto,desde j alerto para o imaginrio anticomunista presente nos discursos policiais, seja deforma explicita ou velada, considerando que as fontes analisadas estaro semprerelacionadas imagem da subverso comunista.3.1 O imaginrio anticomunista em ao. Utilizado como justificativa maior para o golpe de 1964, o anticomunismo otermo que expressa claramente a opinio e o sentimento oposto e adverso ao comunismo. Aps a Revoluo Russa de 1917, com a ameaa da proliferao das idiascomunistas, aumentaram proporcionalmente as medidas para cont-las. No Brasil, asprimeiras grandes ondas de aes anticomunistas ocorreram entre o perodo de 1935 e1937, em decorrncia do Levante Comunista. Tal movimento de insurreio que ocorreuem Natal (RN), Recife (PE) e Rio de Janeiro, foi liderado por tendncias comunistas emilitares nacionalistas da Aliana Nacional Libertadora (ANL), organizao quecongregava vrias tendncias polticas antifascistas (socialistas, comunistas, liberaisprogressistas). O Levante Comunista foi logo repreendido pelo Governo Vargas.36 APM - Fundo DOPS/MG, Rolo 003, Pasta 0032 (3), Imagem 2160.
  • 36. 42 A partir da constituiu-se o mito Intentona Comunista, onde a imagem docomunismo passou a ser propagandeada de forma marginal e delinqente, que colocariasrio perigo ordem em vigncia. Ou seja, o comunismo foi relacionado imagem domal, atravs de adjetivos que denotam significados negativos, como: piratas,dementes, brbaros, selvagens, degenerados, pecadores, demonacos, entreoutros. Logo, ao longo dos anos a recusa comunista e a propaganda anticomunista foramconstituindo-se como ncleo essencial da cultura poltica nacional. O autor Rodrigo PattoS Motta (2002), em sua obra intitulada Em guarda contra o perigo vermelho: oanticomunismo no Brasil (1917-1964), analisa como o sentimento do comunismo emnome da defesa da democracia esteve presente nos contextos de 1935/37, na Guerra Fria,e na conjuntura de 1964: No que se refere s fases do anticomunismo agudo, trs momentos se destacam: primeiro, o perodo entre 1935-1937, j mencionado; depois, o incio da Guerra Fria, principalmente nos anos de 1946 a 1950, quando aps breve interregno legal o PCB foi proscrito e voltou a ser perseguido; por fim, a crise de 1964, que levou ao golpe militar. Nos trs perodos referidos, as atividades anticomunistas foram intensificadas, sendo que em 1937 e 1964 a ameaa comunista foi argumento poltico decisivo para justificar os respectivos golpes polticos, bem como para convencer a sociedade (ao menos parte dela) da necessidade das medidas repressivas contra a esquerda 37. Aps o golpe de 64, o imaginrio anticomunista, seguido de suas prticas, aparececomo uma forma de proteo ao regime em vigncia. Eram considerados comunistas, econsequentemente, terroristas, ladres, e subversivos, qualquer pessoa ou organizaocoletiva que discordava ou ameaava os governos militares. Sendo assim, os maisperseguidos foram os estudantes e operrios organizados, sindicalistas, artistas eintelectuais em protestos contra o governo, partidrios de esquerda (principalmente doPCB), e militantes de organizaes clandestinas de esquerda, como a CorrenteRevolucionria de Minas Gerais. Dentre os articuladores do anticomunismo, podemos destacar elementos sociais quevo desde empresrios, polticos, intelectuais, religiosos, e principalmente militares, que aprincpio suspeitavam de tudo e de todos. A polcia poltica era a principal encarregada dainvestigao e repreenso desses tidos como suspeitos. Na parte da investigao, a polciatrabalhava em conjunto com o servio de informao, e recebia considervel ajuda da37 MOTTA, Rodrigo Patto S. Em guarda contra o perigo vermelho. So Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2002,p. 22.
  • 37. 43figura dos informantes38, que carregados do imaginrio anticomunista, colaboravamespontaneamente com a polcia poltica no Brasil. Num trabalho sobre o imaginrio anticomunista e o policiamento poltico39,Rosngela Assuno realiza um preciso estudo sobre a definio de polcia poltica. Aautora conclui que todas as fontes consultadas convergem para a mesma explicao. Ouseja, um polcia com a premissa de vigiar, controlar e reprimir aqueles que continham umprojeto poltico contrrio ao estabelecido, tal como os anarquistas e os comunistas. Comodefine Luiz Apolnio, autor do Manual de Polcia Poltica e Social, adotado pela Escola dePolcia de So Paulo em 1954, e citado por Rosngela Assuno: A polcia poltica exerce sua misso em um largo raio de ao. Dentro do pas zela pela manuteno da ordem poltico-social, pela segurana das instituies, da forma de governo e da segurana da autoridade, prevenindo e reprimindo as greves, atentados, agitaes, conspiraes, conjuraes, revolues, a propaganda e a disseminao das ideologias subversivas e dissolventes. Utiliza, em larga escala, agentes secretos em todos os setores onde eles se fizerem necessrios 40. No Brasil a polcia poltica comeou a se constituir a partir da dcada de 1920,quando o imaginrio anticomunista j estava apurado em decorrncia de fatos como aRevoluo Russa de 1917, e com a ameaa de ideologias contrrias, sobretudo no meiooperrio, que neste momento recebia fortes influncias de imigrantes anarquistas ecomunistas. Vale ressaltar que na primeira metade do sculo XX os principais centrosurbanos do pas assistiram profundas mudanas econmicas, polticas e sociais. Dentreessas destacamos o crescimento do setor industrial e conseqentemente a contingncia detrabalhadores oriundos do interior do pas e do exterior. Em Minas Gerais no foi diferente, a polcia poltica mineira tambm foi criadacom o intuito de combater s desordens sociais decorrente das influencias negativas dasideologias subversivas. Sendo assim tal policiamento teve como marco inicial a criaoda Delegacia de Segurana Pessoal e Ordem Poltica e Social em 1927, que possua as38 A respeito da figura do informante contribuinte ao Regime Militar ver: MAGALHES, Marionilde DiasBrepohl de. A lgica da suspeio: sobre os aparelhos repressivos poca da ditadura militar no Brasil.Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 17, n 34, p.203-220, 1997.39 ASSUNO, Rosngela Pereira de Abreu. DOPS/MG: imaginrio anticomunista e policiamento poltico(1935-1964). 2006. 177f. Dissertao (mestrado em Histria) - Universidade Federal de Minas Gerais, BeloHorizonte.40 ASSUNO, Rosngela Pereira de Abreu. DOPS/MG: imaginrio anticomunista e policiamento poltico(1935-1964). 2006. 177f. Dissertao (mestrado em Histria) - Universidade Federal de Minas Gerais, BeloHorizonte. P.22.
  • 38. 44seguintes atribuies: zelar pela existncia poltica e segurana interna da Repblica;garantir, por meios preventivos, a manuteno da ordem; vigiar quaisquer manifestaespblicas e as aes de indivduos perturbadores da ordem; manter vigilncia sobre a aode indivduos filiados s modalidades de anarquismo e do comunismo; diligenciar aexpulso de estrangeiros que se tornarem perigosos; garantir o exerccio dos direitosindividuais e a liberdade do trabalho; investigar os fatos referentes violao das leisprotetoras da vida e da integridade fsica das pessoas, e do estado civil; entre outros. Apsa extino desta secretaria em 1931, suas funes e atribuies foram transferidas para aDelegacia de Ordem Pblica (DOP). No ano de 1956, a antiga delegacia deu origem aoDepartamento de Ordem Poltica e Social de Minas Gerais (DOPS/MG41). Portanto ser o DOPS/MG um dos principais encarregados pelo policiamentopoltico, durante o regime militar no Estado de Minas Gerais; assim como a investigao,monitoramento e represso dos grupos clandestinos de resistncia armada ao Regime, talcomo aconteceu com a Corrente Revolucionria de Minas Gerais.3.2 O Monitoramento da CORRENTE pelo DOPS/MG Atravs da documentao produzida pelo DOPS/MG veremos como a CorrenteRevolucionria de Minas Gerais foi caracterizada com total presena do imaginrioanticomunista j analisado. Tomarei como principal base de anlise, os Inquritos Policiais 42Militares (IPMs) referentes organizao mineira e suas aes. Tais inquritos eramconstitudos pelos termos de perguntas aos indiciados, termos de inquirio dastestemunhas e ofendidos, autos de reconhecimentos, e o relatrio final e conclusivo doinqurito43. Esse relatrio se constitua de introduo; fatos delituosos ocorridos; anlisesucinta do movimento comunista internacional e suas influncias na estruturao de grupossubversivos no Brasil; estruturao do movimento clandestino em questo; anlise jurdicadas ocorrncias; aes criminosas que motivaram o inqurito; indiciados; pedidos de prisopreventiva; e concluso.41 Guia de fundos e colees do Arquivo Pblico Mineiro. Secretaria de Estado de Minas Gerais, ArquivoPblico Mineiro. Belo Horizonte, 2006.42 Ver a relao dos Inquritos Policiais Militares referentes CORRENTE, no anexo B.43 Tanto os termos de perguntas aos indiciados quanto os termos de inquirio das testemunhas e os autos dereconhecimentos, consistem nos depoimentos dos entrevistados (indiciados, testemunhas e ofendidos) aoDOPS/MG, e transcritos pelo prprio DOPS/MG.
  • 39. 45 Sendo assim, abordo os aspectos questionados nos depoimentos e resumidos norelatrio final, nunca esquecendo da subjetividade do discurso policial. Vale ressaltarainda, que os depoimentos e interrogatrios, na maioria das vezes, eram realizados sobtortura fsica e ou psicolgica, fato que levanta dvidas a respeito das informaes obtidasnos interrogatrios, j que a forte coero fsica pode levar um interrogado a declararaquilo que o interrogador deseja ouvir, a fim de cessar com os castigos fsicos. O Primeiro ponto a ressaltar a denominao que a CORRENTE recebia da polciapoltica: (...) entidade ilegal que se propunha a obter a derrubada do governo por intermdio da luta armada, com a finalidade de implantar um Estado Socialista chefiado por uma Ditadura do Proletariado, nos moldes ditados pela doutrina comunista (...) 44. Em outra ocasio, o DOPS/MG definia a CORRENTE como uma organizaoclandestina de origem marxista leninista partidria de uma ao mais violenta adepta dattica adotada na Revoluo Cubana (APM Fundo DOPS/MG, Rolo 003, Pasta 0029-1,Imagem 1424). No entanto a respeito desta segunda definio, cabe aqui fazer umaressalva e alertar para um equvoco cometido pelo DOPS/MG em relao ao grupomineiro. A Corrente Revolucionria de Minas Gerais, talvez por influncias de CarlosMarighella, negava a estrutura partidria marxista-leninista adotada por outrasorganizaes, como o Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio (PCBR), e se portavacomo uma organizao autnoma da centralidade de um partido. Equvocos como este,evidenciam a preocupao da represso em rotular o grupo com chaves consagrados, sema mnima preocupao efetiva em compreender sua orientao poltica. Nos documentos pesquisados, a Corrente Revolucionria de Minas Gerais tambm vista como fruto das cises do PCB em decorrncia de seu VI Congresso no ano de 1967.Uma dissidncia do PCB em Minas, resultante basicamente do Comit Estadual de MinasGerais. Sua estrutura apontada nos IPMs da seguinte forma: num primeiro momento(1967) a articulao era feita nos setores de massas (operrio, servidores e estudantil), e apartir de 1968, selecionaram os militantes que na qualidade de profissionais, realizariamas aes armadas. Sobre os setores de massas destacado nos relatrios dos DOPS, a imprensaclandestina, como o Jornal 1 de Maio, j citado no captulo anterior, e o jornal Fasca,44 APM - Fundo DOPS/MG, Rolo 003, Pasta 0029-1, Imagens 1430 e 1431.