monografia cristiana ferreira dos santos
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAO CAMPUS I
PEDAGOGIA
CRISTIANA FERREIRA DOS SANTOS
LITERATURA INFANTIL E A IDENTIDADE DA CRIANA NEGRA:
CONSTRUO OU NEGAO?
SALVADOR
2010
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CRISTIANA FERREIRA DOS SANTOS
LITERATURA INFANTIL E A IDENTIDADE DA CRIANA NEGRA:
CONSTRUO OU NEGAO?
Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia UNEB, Departamento de Educao, Campus I, como pr-requisito para a concluso do curso de Pedagogia.
Orientador (a): Prof.dr. M de Ftima Nolleto
SALVADOR
2010
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CRISTIANA FERREIRA DOS SANTOS
LITERATURA INFANTIL E A IDENTIDADE DA CRIANA NEGRA:
CONSTRUO OU NEGAO?
Monografia submetida aprovao do corpo docente da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Educao, Campus l, como pr-requisito para a concluso do curso de Pedagogia, Habilitao em Educao Infantil.
Aprovada em: ....../...../........
Banca Examinadora:
__________________________________
Prof.Dr. M de Ftima Nolleto - Orientadora
Universidade do Estado da Bahia
____________________________________
Prof. Msc. Adelaide Badar
Universidade do Estado da Bahia
_____________________________________
Prof. Msc. Cladia
Universidade do Estado da Bahia
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FICHA CATALOGRFICA: Sistema de Bibliotecas da UNEB
Santos, Cristiana Ferreira dos Literatura infantil e a identidade da criana negra: construo ou negao? / Cristiana Ferreira dos Santos . Salvador, 2010. 73f. Orientadora: Prof. Dr. Maria de Ftima Nolleto. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educao. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010.
Contm referncias.
1. Literatura infanto-juvenil. 2. Educao de crianas. 3. Negros - Educao. 4. Identidade racial. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educao. CDD: 808.899282
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Dedico este trabalho primeiramente, a Deus, a minha
me, um ser humano exemplo de me, mulher, filha,
irm, amiga e av, me fez trafegar pelo caminho do bem
e da honestidade, que tanto comemorou o meu ingresso
na Universidade e me apoiou nos momentos mais
difceis de minha vida.
Dedico este trabalho tambm a toda minha famlia, meu
irmo Cristiano (em memria), minha irm Eliana que na
sua bondade, sensibilidade e dedicao sempre me
serviu de suporte, a meu irmo Elircio e ao pequeno
Ian Robert, a minha estrelinha que veio abrilhantar a
minha vida. E, dedico especialmente, ao meu grande
amor Roberth dos Santos que tanto me serviu de
sustentculo ao longo destes anos de convivncia e de
aprendizado.
A todos que de alguma forma colaboraram para a
efetivao deste trabalho, que acreditaram e acreditam
em mim.
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a Professora Adelaide Badar pela generosidade e
compreenso com que me tratou, no momento em que mais precisei. A toda a minha
famlia pelo exemplo de amor, dedicao e dignidade.
A minha querida sogra, Maria Aparecida dos Santos, av de meu filho, pelo
apoio presente e firme no momento mais difcil desta caminhada, rumo concluso
do curso de Pedagogia.
Agradeo a Escola Municipal Sociedade Fraternal, em especial a Professora
Magda e sua turma de Educao Infantil. Cumpre salientar que Magda uma das
melhores professoras que conheci at ento, na sala dela negros so heris, so
prncipes e princesas; a coordenadora pedaggica. Principalmente, pela forma
acolhedora com que me receberam e acolheram e por me mostrarem que uma
Educao Pblica de qualidade possvel.
Gostaria de agradecer ao meu querido mestre, o Professor Jaime Sodr, o
qual tive o prazer de conhecer e com ele construir aprendizados sobre a cultura
negra, fundamentais para a elaborao deste trabalho. Foi com ele que pude
descobrir inquietar-me, construir, desconstruir, reconhecer e discutir minhas
angstias acerca do tema referido neste trabalho. E mediante essa convivncia,
posso dizer que num cenrio de preconceito e discriminao em que est debruada
a sociedade brasileira, fundamental que existam pessoas como o Professor Jaime.
Gostaria de agradecer a minha orientadora, professora Ftima Nolleto, uma
profissional admirvel e competente.
Aos meus queridos amigos Michele, Daniele, Andra, Fabola e Allan por
dividirem comigo momentos distintos e especiais principalmente, no espao
acadmico.
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Para a criana, as aventuras do heri ainda so legveis
no torvelinho das letras como figura e mensagem na agitao
dos flocos. Sua respirao paira sobre a atmosfera dos
acontecimentos e todas as figuras bafejam-na. A criana
mistura-se com as personagens de maneira muito mais ntima
do que o adulto. atingida pelo acontecimento e pelas
palavras trocadas de maneira indizvel, e quando a criana se
levanta est inteiramente envolta pela neve que soprava da
leitura.
(BENJAMIN, 1984, p. 104-105)
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RESUMO
Esta monografia estuda a importncia da Literatura infantil para a construo de
identidade tnico-racial da criana negra, trazendo um breve histrico sobre este jovem
gnero literrio, fazendo uma discusso acerca dos caminhos possveis para uma
construo identitria: trata-se da Literatura afro-brasileira, a tradio oral africana e
o papel da linguagem iconogrfica no tocante ao processo de interao da criana com a
literatura e com o sentimento de pertencimento desta em relao ao seu grupo tnico-
racial. Num segundo momento a pesquisa trata dos personagens negros na literatura
infantil enfatizando que preciso ir alm dos esteretipos de forma que a criana negra
tenha na literatura a possibilidade de encontrar a si mesma. Apresenta tambm os
resultados de um estudo de caso com alunos negros da Educao Infantil da Rede
Pblica Municipal de Salvador. O foco principal foi levantar as representaes e reaes
diante de histrias que trazem narrativas e ilustraes positivas do negro especialmente,
sobre a identidade tnico-racial. Para tanto foi desenvolvido um estudo de caso na Escola
Municipal Sociedade Fraternal, onde foram usadas tcnicas de coletas de dados como
observao, entrevista e oficina de contao de histrias. O referido estudo corrobora
para um processo de construo de identidade de alunos negros onde impera a falta de
informaes, no apenas por parte do ensino formal, do aluno negro quando o assunto
a sua histria, o que colabora para a no-aceitao de si mesmo e em decorrncia disso,
compromete a sua relao com o outro e com o mundo que o rodeia.
Palavras-chaves: Literatura infanto-juvenil. Identidade tnico-racial. Criana
negra. Educao.
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ABSTRACT
This work studies the importance of children's literature for the construction of identity
tnico-racial of black children, bringing a brief history of this young literary genre,
making a discussion of possible ways to construct an identity: it's read less literature,
oral tradition Africa and the role of iconic language for the process of interaction
between children with literature and with the feeling of belonging in relation to their
ethnic-racial group. In a second stage of the research is about black characters in
children's literature emphasizing that we must go beyond the stereotypes so that the
black child in literature has the possibility of finding itself. It also presents the results
of a case study of black students in Early Childhood Education Network Public
Municipal Salvador. The main focus was to raise the representations and reactions to
stories that bring stories and pictures of black people especially positive about the
identity tnico-racial. For this purpose we developed a case study in the School Hall
Fraternal Society, where they used techniques of data collection such as observation,
interview and workshop of storytelling. The study corroborates to a process of identity
construction of black students dominated the lack of information, not only for formal
education, the black student when it comes to their history, which contributes to the
non-acceptance of self same and as a result, compromises its relationship with the
other and the world around them.
Keywords: Juvenile literature. Ethnic-racial identity. Black child education.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 01 Chegada de Luana a Palmares..................................................40
Figura 02 Bintou passeia na Vila africana.................................................41
Figura 03 Mapa de povos africanos .........................................................42
Figura 04 - Luana e famlia ...........................................................................43
Figura 05 Bintou e sua querida av..........................................................43
Figura 06 Bintou e sua irm .......................................................................45
Figura 07 A comunidade agradece a Bintou.............................................48
Figura 08 J, 5 anos de idade, Jardim II.......................................................60
Figura 09 G, 5 anos .....................................................................................63
Figura 10 M, 6 anos.....................................................................................65
Figura 11 G, 5 anos .....................................................................................67
Figura 12 G, 5 anos .....................................................................................67
Figura 13 G, 5 anos. ....................................................................................68
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................... 11
1 LITERATURA INFANTIL:CAMINHOS POSSVEIS PARA UMA
CONSTRUO IDENTITRIA .......................................................................... 17
1.1 A CONSTRUO DE IDENTIDADE NEGRA .............................................. 17
1.2 O SURGIMENTO DA LITERATURA INFANTIL: BREVE HISTRICO ........ 19
1.3 LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: UMA POLMICA EM PAUTA ............. 24
1.4 A TRADIO ORAL AFRICANA .................................................................. 29
1.5 A LINGUAGEM ICONOGRFICA ................................................................ 29
2 A REPRESENTAO DOS PERSONAGENS NEGROS NA LITERATURA
INFANTIL: ALM DOS ESTERETIPOS ......................................................... 33
2.1 REPRESENTAES SOCIAIS..................................................................... 33
2.2 A LITERATURA INFANTIL PARA ALM DOS ESTERETIPOS ................ 35
2.2.1 Resgate da ancestralidade e reflexo da escravido ................................ 38
2.2.2 frica(s): Pas ou continente?................................................................. 40
2.2.3 Origens bem delineadas dos personagens .......................................... 42
2.2.4 Figura feminina em evidncia e valorizao da esttica negra .......... 44
2.2.5 Apreo s relaes comunitrias .......................................................... 46
2.2.6 Imagem positiva dos personagens ........................................................ 47
3 LITERATURA INFANTIL E A IDENTIDADE DA CRIANA NEGRA:
CONSTRUO OU NEGAO? ...................................................................... 50
3.1 CONHECENDO A ESCOLA SOCIEDADE FRATERNAL ............................ 50
3.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA ..................................................................... 53
3.3 INSTRUMENTOS DA PESQUISA ................................................................ 54
3.4 ENTREVISTA COM A PROFESSORA ........................................................ 54
3.5 AS OFICINAS DE CONTAO DE HISTRIAS ......................................... 58
3.6 ANLISE DOS DADOS ................................................................................ 59
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 71
REFERNCIAS ............................................................................................................. 74
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INTRODUO
O objetivo desse trabalho analisar e discutir a importncia da Literatura
Infantil na construo de identidade tnico-racial da criana negra no contexto da
Educao Infantil, etapa fundamental para o desenvolvimento da criana. A
preocupao com esta temtica surgiu a partir do momento em que comecei a
compreender algumas situaes que vivenciei quando criana. Esta compreenso
se deu principalmente, durante as discusses proporcionadas pela professora
Narcimria Luz, no stimo semestre do curso de Pedagogia, pela Universidade do
Estado da Bahia - UNEB, no ano de 2009.
Vale salientar que h onze anos atrs, numa roda de orao, uma amiga,
pedagoga, graduada pela universidade citada anteriormente, pediu a Deus pelo seu
filho negro, naquele momento no consegui entender tal pedido. Hoje possvel
perceber que a sociedade brasileira, apesar da diversidade que constituda, vive
num cenrio de preconceito e discriminao.
Nessa direo vrios estudos apontam para o no-respeito diversidade
racial, um exemplo a pesquisa realizada por Eliane Cavalleiro (2003) em escolas
da rede pblica de ensino, num bairro de classe mdia de So Paulo.
Outras questes me motivaram a tratar desta temtica, desde criana gostava
muito de ler historinhas, cheguei a ler um livro que contava a histria de uma
princesa, vrias vezes, viajava naqueles escritos, quando no podia compr-los,
admirava-os com olhos brilhantes, pela beleza e formosura disposta nas capas.
Atualmente, leio romances literrios e no dispenso a leitura de um belo poema.
Vale frisar que h um nmero bastante reduzido de pesquisas que analisam
as questes tnico-raciais na educao infantil, no Brasil, o que me instiga a estudar
tal temtica. Geralmente, as pesquisas tratam do ensino a partir do Ensino
Fundamental. Acredito que tal fato se deva dificuldade que se tem em obter
informaes com crianas muito pequenas.
Outro fato que me impulsionou para a temtica em tela foi o seguinte: realizei
o meu estgio referente ao Componente Curricular Estgio Supervisionado I, numa
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escola pblica do bairro da Liberdade (Salvador-Bahia), numa sala de educao
infantil, o fato que aps realizar uma interveno atravs da contao de um conto
africano, perguntei a turma (grande maioria negra): se eles eram descendentes de
africanos e, todos foram unnimes em dizer que no. Naquele momento, no
consegui esboar nenhuma reao, acredito que fiquei atnita diante da situao
devido ao que chamo de imaturidade pedaggica.
O fato que aqueles alunos precisavam de um trabalho construdo
sistematicamente e embasado no reconhecimento da diversidade tnico-racial; no
poderia mudar aquele cenrio com apenas uma interveno. Acredito que a
resposta negativa daquelas crianas se deu principalmente, pelo fato de eles no se
verem como pertencentes nao negra ou por no conhecerem as contribuies
culturais do povo africano para ns brasileiros.
Gostaria de ressaltar que o momento decisivo para a escolha dessa temtica
se deu no stimo semestre do curso de Pedagogia, ainda no ano de 2009, quando
fiz o componente curricular Processo Civilizatrio e Pluralidade Cultural com a
professora Narcimria Luz. Foi quando, tive a oportunidade de perceber que as
questes raciais so muito mais srias e contundentes no mbito da sociedade
brasileira, descobri que nesta sociedade existe a ideologia do embranquecimento e
o mito da democracia racial (nada mais que uma tentativa de camuflar, disfarar o
racismo existente no Brasil); que existe uma ausncia de discusses sobre a
temtica racial na famlia, na comunidade, na escola; que existe uma no visibilidade
dos negros nos meios de comunicao, etc.
Diante destas inquietaes pretendo estudar as seguintes questes: Qual a
importncia da literatura infantil no processo de construo de identidade tnico-
racial da criana negra? Quais as representaes e reaes das crianas diante de
histrias que tratam da temtica racial? Qual a influncia que a postura do professor
pode exercer no processo de construo de identidade tnico-racial da criana
negra?
fundamental nesta pesquisa, compreender a formao da literatura infantil,
enquanto gnero literrio em construo. A literatura exerce um papel mobilizador de
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transformaes na vida de uma criana j que trs em suas histrias uma variedade
de temticas, discusses e representaes especialmente, atravs das imagens ali
apresentadas. Para tanto, utilizarei os estudos de Marisa Lajolo e Regina Zilberman,
Nelly Coelho (2005), Fanny Abramovich (1991) e Ana Clia da Silva.
O contexto da educao formal um espao propcio para a interao da
criana negra com a Literatura Infantil e, muitas vezes na escola que esta criana
ser desvalorizada, estereotipada e em conseqncia disso, passa a rejeitar os
signos e caractersticas vinculadas a sua origem. Desta forma, a criana negra tem
sua autoconfiana afetada e seu auto-conceito tambm.
Dentro desse processo de desvalorizao do negro, tem-se o desejo de
pertencimento ao grupo tnico branco. Nesta direo, verifica-se que os estudos de
Eliane Cavalleiro (2000) so atualmente, uma fonte esclarecedora e questionadora
do lugar que a escola brasileira tem destinado criana negra.
Diante de tudo isso, possvel perceber que a literatura se torna um
instrumento que pode ser utilizado como via de desconstruo desse processo e
favorvel a um processo de mudana e, de reconhecimento do negro no panorama
social brasileiro. A literatura (no aquela que insiste em estereotipar o negro, mas
aquela que tem surgido evidentemente, com o objetivo de mudar esse contexto de
preconceito e discriminao) uma das possibilidades que temos de manter viva a
histria, os conhecimentos e o legado deixado pelo povo africano para a sociedade
brasileira. Desta forma, irei me apoiar nos estudos de Florentina Souza, Maria
Nazar Lima (2006), Eliane Cavalleiro (2001), Helosa Pires Lima (2006), entre
outros.
Nesse sentido, espera-se uma obra infantil desprovida de esteretipos
veiculados representao social, cultural e construo de identidade tnica, esta
ltima tanto para os que se apiam nela para uma auto-afirmao de sua condio
tnico-racial quanto para aqueles que nela encontram uma base para construir
valores referenciais no tocante cultura do outro.
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nessa perspectiva de recriao do negro no panorama da literatura que
vem trabalhando vrios autores na contemporaneidade. Temos como exemplo: Diouf
(2004), Lima (1999), Chamberlim (2005) e, nessa direo que pretendo conduzir o
tema aqui proposto, pois preciso recriar uma nova percepo do negro no contexto
da literatura infantil e preciso valorizar as histrias que j respeitam tal dinmica,
apesar de que existem, mas no so muito divulgadas.
Sendo assim, um dos caminhos que podem ser seguidos pelo professor com
o objetivo de contribuir para a construo de identidade da criana negra, da qual
nos fala Ferreira (2000), a literatura, esta nos possibilita descobrir o mundo imenso
dos conflitos, dos impasses, das solues que todos vivemos e atravessamos como
nos diz Abramovay 2002).
Em suma, enquanto houver crianas e adultos com vergonha de sua
identidade tnico-racial, falseando esta como se de outra raa fosse, ser
necessrio que esta discusso persista como forma de resistncia opresso e
excluso, como uma possibilidade de mudana e de atenuao do racismo que
tanto tem ultrajado o indivduo negro, reafirmando que a diferena no pode servir
como motivo de inferioridade, mas como construo da valorizao do sujeito, do ser
humano.
Para a realizao desta pesquisa foi coletado dados em uma escola municipal
da rede pblica, no bairro de Pau da Lima, na cidade de Salvador durante os
meses de julho e agosto de 2010. A pesquisa foi realizada mediante observao
dos alunos e da professora em sala de aula, entrevista com a professora e, atravs
de oficinas de contao de historinhas que retratam a temtica tnico-racial. Desta
forma, a pesquisa tem uma abordagem qualitativa ao debruar-se na anlise das
obras literrias e das reaes e representaes das crianas com estas.
Organiza-se esse trabalho em trs itens. O primeiro trata da literatura infantil
na condio de gnero em construo, sua formao; os caminhos possveis para
uma construo identitria, trazendo inicialmente, uma discusso sobre a construo
de identidade negra, a e, dentro deste primeiro item ser feito um parmetro com a
literatura afro-brasileira que na contramo da literatura legitimada vem ao longo dos
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tempos, assumindo pressupostos e idias da populao negra em sua luta contra a
ideologia do embranquecimento e a chama da democracia racial.
Este trabalho apresenta tambm a tradio oral africana como uma referncia
marcante do povo africano e a comunicao oral como elementar para a formao
da literatura infantil brasileira e por fim, ressalta a linguagem iconogrfica e sua
importncia no tocante ao processo de interao da criana com a literatura,
especialmente.
O segundo item trata da representao dos personagens negros na literatura,
a origem dos personagens negros na literatura, fazendo ainda neste item, uma
anlise de algumas obras que trazem o negro na posio de protagonistas onde
feito uma reflexo sobre a ancestralidade africana e uma releitura da escravizao (a
criana precisa perceber que a histria do negro no se resume e nem se finda na
escravido). Ainda neste item ser apresentada a importncia da figura feminina na
tradio africana (da o fato de tantas personagens femininas nas historinhas que
tratam da temtica) e valorizao da esttica negra; a importncia dada s relaes
comunitrias e, a imagem positiva em que os negros so apresentados nas obras
analisadas.
O ltimo item vem trazendo a pesquisa feita na escola, anlise dos dados, o
perfil das pessoas pesquisadas e a partir das historinhas analisadas e dos
pressupostos tericos bem como das representaes literrias, ser verificado como
elas afetam diretamente na construo do imaginrio e da identidade da criana
negra.
Vale ressaltar que utilizo o termo negro na mesma acepo dos Movimentos
Negros contemporneos, os quais reconhecem a necessidade de ressignificar este
termo, de modo desconstruir a carga negativa a ele atribuda ao longo do tempo.
Afinal, conforme afirma Ana Clia Silva (1995, p. 44), o (...) termo negro carregado
de conceitos e preconceitos. carregado tambm de lembranas, de lutas na
construo da identidade. O termo negro nos remete a sujeitos sociais, histricos, a
diversidades raciais e culturais.
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salutar esclarecer, ainda que utilizo o termo negro por uma questo de
perspectiva poltica, indo ao encontro do que preconiza a posio crtica dos
Movimentos Negros contemporneos, na medida em que objetivam a ressignificao
do negro no mbito social. E ressignificar aqui significa inovar, mudar, recriar uma
nova forma de delinear os personagens negros no contexto das histrias infantis.
com tal percepo que fao uso do aludido termo no estudo aqui proposto. Sendo
assim, no caso dos alunos pesquisados, atribuo como negro os pardos e os de pele
mais escura.
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1. LITERATURA INFANTIL: CAMINHOS POSSVEIS PARA UMA CONSTRUO IDENTITRIA. 1.1 A CONSTRUO DE IDENTIDADE NEGRA
No estudo de Nilma Gomes (2008) a autora afirma que entende a identidade
negra como um movimento que no se d apenas a comear do olhar de dentro, do
prprio negro sobre si mesmo e seu corpo, mas tambm na relao com o olhar do
outro, do que est fora, esta relao ela descreve como tensa, conflituosa e complexa
(...).
A construo de identidade tnico-racial se d na interao com o outro, seja
na escola, na famlia, em qualquer espao social. Por isso que efetuei a minha
pesquisa de campo num espao onde as interaes so evidentes, que a sala de
aula, utilizando a literatura infantil enquanto instrumento de representao e
interao.
Ao visitar uma grande livraria em um Shoping Center de elevada circulao, na
cidade de Salvador, no dia 13 de julho de 2010 percebi que as obras de literatura
infanto-juvenil que tratam da temtica tnico-racial, dos indgenas e da cultura afro
encontravam-se dispostas na penltima prateleira de baixo para cima, ou seja,
distante dos olhos das crianas que freqentam aquele espao. Naquela visita
permaneci em torno de duas horas, pude constatar durante este perodo que todas as
crianas eram de origem branca e aparentavam condio financeira beirando classe
mdia a alta.
Dentro de um universo de obras literrias que se destinam ao pblico infanto-
juvenil, na mencionada livraria havia uma quantidade nfima de obras que evidenciam
a temtica tnico-racial, procurei por quatro obras que tratam da supracitada
temtica, mas encontrei apenas uma, trata-se de As tranas de Bintou. Segundo a
aludida funcionria, os da Barbie, por exemplo. 2) As crianas ao abord-la para
pedir-lhe livros de literatura infantil, quais os que elas mais procuram? A supracitada
funcionria respondeu que a obra Alice no pas das maravilhas que segundo ela
est na moda em seguida est Chapeuzinho Vermelho e Dora Aventureira,
respectivamente.
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Fiz junto funcionria daquela seo da mencionada livraria uma inferncia
sobre a disposio inacessvel de obras consideradas importantes para a to
almejada interdisciplinaridade, obtendo a resposta seguinte: que elas estavam ali
porque era uma determinao da central da livraria, situada na cidade de So Paulo;
efetuei mais duas perguntas, trata-se de: 1) Quais os livros mais vendidos de
literatura infantil? A mesma respondeu que os de Monteiro Lobato, Rute Rocha e
clssicos,
O fato que se a construo de identidade se d mediante a forma como se
visto pelo outro e atravs da interao com o outro, se este outro tambm a criana
branca, e esta muitas vezes no incentivada ou no tem acesso a obras que
valorizem o negro, como ser possvel esta construo?
Gomes ao tratar da construo de identidade negra se apia em Jacques d
Adesky (2001, p.76) destacando que a identidade, para se constituir como realidade,
pressupe uma interao. A idia que um indivduo faz de si mesmo, de seu eu,
intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros em decorrncia de sua ao.
Nenhuma identidade construda no isolamento. Ao contrrio, negociada durante a
vida toda por meio do dilogo, parcialmente exterior, parcialmente interior, com os
outros.
Conforma assinala a autora, no Brasil, a construo da(s) identidades negra(s)
passa por processos complexos e tensos. Essas identidades foram (e tem sido)
ressignificadas, historicamente, desde o processo da escravido at as formas sutis e
explcitas de racismo, construo da miscigenao racial e cultural e s muitas
formas de resistncia negra num processo no menos tenso de continuidade e
recriao de referncias identitrias africanas (...).
Nesse sentido, possvel constatar no tocante literatura infantil e a
construo de identidade tnico-racial da criana negra que a presena positiva do
negro no livro muito importante, mas muito importante tambm que este livro seja
acessado pelas crianas negras e no-negras, nos diversos espaos sociais,
possibilitando assim uma interao do leitor negro e no-negro com questes e
ilustraes que envolvem temtica tnico-racial, o que contribui para o
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desenvolvimento de aes e relaes baseadas na tolerncia e no respeito
diversidade.
1.2 O SURGIMENTO DA LITERATURA INFANTIL: BREVE HISTRICO
Para maior compreenso da literatura infantil e as questes tnico-raciais
preciso que se faa uma sntese do surgimento desse incipiente gnero. A literatura
infantil se constitui como gnero literrio durante o sculo XVII, poca em que as
mudanas na estrutura da sociedade resultaram em repercusses no cenrio
artstico. O advento da idade moderna, o surgimento da burguesia, a estruturao do
capitalismo no qual se evidencia a livre iniciativa e a concorrncia e, tambm a
Revoluo Industrial implicaram um novo tipo de sociedade e de famlia que
passaram a se preocupar mais com a educao e formao de suas crianas
anteriormente, vistas apenas como adultos pequenos, a ponto de Cunha destacar
que:
A literatura infantil tem relativamente poucos captulos, comea a delinear-se no incio do sculo XVIII, quando a criana passa a ser um ser diferente do adulto, com necessidades e caractersticas prprias, pelo que deveria se distanciar da vida dos mais velhos e receber uma educao especial que a preparasse para a vida adulta. (CUNHA, 2002, p.22)
Observa-se que no incio do sculo XVIII, a criana ganha da sociedade um
novo status e, este a distancia cada vez mais do modelo do adulto, a criana passa a
ter demandas que a difere. Partindo desse pressuposto e, da lgica do capitalismo, o
lucro, nasce tambm um consumidor que precisa ser atendido. Aqueles que
dispunham de recursos financeiros usufruam a mais variada produo literria
infanto-juvenil.
No estudo de Cunha possvel perceber que as transformaes vividas pela
sociedade da poca causaram mudanas na estrutura familiar, baseada at ento na
diviso do trabalho entre seus membros que passam de meros cumpridores de
obrigaes a indivduos compostos por objetivos, dotados de uma funo existencial.
Dessa forma, a criana passa a ter um prestgio social nunca visto e isto torna
possvel o surgimento de obras literrias destinadas ao pblico infantil.
Dentro desse contexto de mudanas na vida social, escola no fica de fora,
tambm passa por mudana no tocante sua estruturao. E nessa perspectiva de
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estruturao que a escola vai ter maiores vnculos com a literatura. Neste momento
de estruturao, conforme afirma Lajolo e Zilberman (2002) a escola vai estreitar seus
laos com a literatura.
Nos anos 1970 o Instituto Nacional do Livro (fundado em 1937) comea a co-
editar, atravs de convnios, expressivo nmero de obras infanto-juvenis. Muitos
autores, inclusive consagrados, no desprezaram a oportunidade de inserir-se nesse
promissor mercado de livros.
Conforme assinala Oliveira (2003) esse interesse do mercado editorial se deve
proposta de erradicao do analfabetismo no final dos anos 60 e durante os anos
70, quando a alfabetizao de jovens e adultos torna-se o centro das atenes.
Oliveira ainda destaca em sua obra que neste momento que os personagens so
meios de criticar, de denunciar a pobreza, a misria social, a injustia, a
marginalizao, o autoritarismo e os preconceitos.
Vale salientar que no contexto histrico, o pas vive uma situao de muita
instabilidade por conta do regime militar; um cenrio social de muitas reivindicaes
por melhorias de vida, manifestaes contra o regime e alguns desses escritores
tentam situar suas obras dentro de tais perspectivas (denunciando as mazelas
sociais, etc.) ainda que, muitos destes tenham deixado prevalecer as estereotipias
vigentes no imaginrio da sociedade e na muitas vezes, na vida diria.
Para Oliveira (2003) a literatura infanto-juvenil surge como um elemento
puramente comercial, no h uma preocupao com a temtica abordada e a maioria
das obras publicadas so adaptaes de obras destinadas ao pblico adulto. desta
forma que ela chega ao Brasil. Aqui no Brasil as produes destinadas s crianas e
jovens iniciam-se no sculo XIX, embora na poca tenham sido constitudas
principalmente, de obras estrangeiras. Na verdade s depois de Lobato que
comea de fato o apogeu de tais produes.
Oliveira se apia em Brookshaw para afirmar que dentro da perspectiva
maniquesta (trao marcante das histrias infantis): bondade versus maldade,
Brookshaw (1083) ressalta que a associao da cor preta com a maldade e feira, e
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da cor branca com a bondade e beleza remonta tradio bblica, permanecendo em
seu folclore e em seu patrimnio literrio e artstico. O autor aponta que o modo como
o branco v o negro foi moldado desde a infncia pelas histrias em que a negritude
era associada ao mal e os que faziam mal eram negros. A reiterao feita pela autora
pertinente, pois basta lembrar de algumas cantigas e estrias que o adulto utiliza ou
utilizava para assustar as crianas (ou at como forma de ninar). O exemplo: Boi da
cara preta, O homem da pasta preta, entre outras.
A (auto) percepo inferiorizada dos personagens negros (vista em vrias
obras, inclusive nas de Lobato) tambm uma maneira de compreender as
consequncias do racismo a brasileira, quando se leva o outro (discriminado) a
rejeitar a si mesmo e a desejar ter uma aparncia considerada condizente com o
padro ideal de beleza, normal: o branco no caso.
Segundo Coelho (1985) a Monteiro Lobato coube a fortuna de ser, o divisor de
guas que separa o Brasil de ontem e o Brasil de hoje. Tal afirmao justifica-se por
conta da ruptura do autor com a influncia europia, quanto valorizao da cultura
brasileira, por resgatar o folclore nacional. Ao aludido escritor, deveu-se o
investimento nas primeiras editoras voltadas para as produes infantis e juvenis.
indiscutvel que ele diverte e educa o leitor (que no est vinculado a uma anlise
crtica) por meio de sua obra, apresenta um universo mergulhado em fantasia,
ludicidade, criatividade e aventura no Stio do Pica Pau Amarelo.
Em contrapartida, h crticas quanto estereotipia atribuda ao negro na obra
de Lobato. Em especial nas Histrias da Tia Nastcia e em Reinaes de Narizinho.
Por outro lado existe Dona Benta (branca) que simboliza a sabedoria livresca, o seu
conhecimento superior ao de sua empregada, a qual (...) representa o lado ingnuo
e crdulo do povo, pois os demais habitantes do stio pensam que tia Nastcia fala
errado, e que apresenta idias simplistas.
Sendo assim, Dona Benta o nico adulto no texto, ela smbolo de
inteligncia, conforme os padres brancos.
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Chamou-me a ateno um trecho de um texto de Lobato (1936) considerado
por muitos o Pai da literatura infanto-juvenil, genuinamente brasileira, o texto
intitulado Memrias da Emlia que traz um relato desta ao Anjinho cado do cu onde
a personagem afirma que a vaca era um animal precioso para o homem e que, no
entanto, o termo vaca era usado de forma depreciativa, na linguagem cotidiana:
Pois muito bem. A vaca tudo isso que acabo de dizer e muito mais. No entanto, se voc comparar a mais suja negra de rua com uma vaca dizendo: voc uma vaca, a negra rompe num escndalo medonho e se estiver armada de revlver, d tiros.(LOBATO, 1936)
No estudo de Khde (1990) possvel perceber que nos contos de fadas
tradicionais os personagens so tipos, isto , marcados por um nico trao ou
caricatura, quando este trao muito reforado. da que emergem os esteretipos:
a bruxa malvada, a fada bondosa, a princesa virtuosa, o prncipe jovem, belo e forte,
conforme o padro de beleza europeu.
Vale frizar que naquele tempo, a sociedade mantinha certa conexo com
teorias racistas que vigoravam com muita fora no imaginrio das pessoas. Acredito
que estas teorias (como as de Nina Rodrigues, Silvio Romero, Oliveira Viana e
Gilberto Freyre) contriburam para propagar no pas ideologias racistas, a exemplo da
ideologia do branqueamento e mitos como o da democracia racial.
Sobre o mito da democracia racial Ana Clia da Silva afirma:
O mito da democracia racial visa camuflar o racismo e bloquear a organizao negra, uma vez que internaliza nos membros da sociedade o engodo da igualdade de oportunidades, refora o sentimento de inferioridade do negro por no ter capacidade de aproveitar tais oportunidades, transferindo mais uma vez para a vtima a culpa da sua situao se misria e marginalizao. (SILVA, 1995, p.34)
A autora retrata em sua obra, Discriminao no Livro Didtico, os fundamentos
da democracia racial e da ideologia do branqueamento:
A ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial parecem ter como causa fundamental o medo que a minoria branca tem da maioria negra e mestia, e do possvel antagonismo a ser gerado a partir da exigncia de direitos de cidadania e de respeito s diferenas tnico-culturais. Isso porque a aceitao democrtica das diferenas pressupe igualdade de
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oportunidades para os seguimentos que apresentam padres estticos e valores scio-culturais diferentes. Ento, o respeito s diferenas implica numa reciprocidade de direitos em um sistema baseado na explorao do outro, desenvolve-se toda uma ideologia justificadora da opresso e interiorizao, objetivando a destruio da identidade, da auto-estima e potencialidades do oprimido. (SILVA, 1995, p.25).
mister ainda, salientar que conforme assinala Silva(1989), a ideologia do
branqueamento objetiva equalizar as diferenas culturais, transformando os
segmentos diferentes, como o negro e o ndio, em um s povo, o povo brasileiro,
vivendo de forma harmnica e consensual, sob a hegemonia da classe minoritria
dominante, pretensamente ariana e europia. Alm desta proposta de equalizao
como forma de evitar o conflito e estabelecer o consenso scio-cultural, a ideologia
do branqueamento tem a proposta de produzir uma nao branca num futuro no
muito distante, a partir do processo de miscigenao, como uma das formas de
eliminao do povo negro na constituio da nao brasileira.
Dentro desta lgica, a literatura legitimada seria um dos instrumentos eficazes
para a manuteno desta configurao social, no imaginrio da sociedade, onde a
maioria negra tem sua identidade destituda e vinculada a elementos depreciativos.
Desta forma, h um favorecimento para a manuteno das referidas ideologias.
recorrente a apresentao de personagens negros em funes de pouco
destaque na sociedade, reiterando o favorecimento destruio da identidade do
negro conforme preconiza Silva. Abramovich afirma que:
O preto? Ora somente ocupa funes de servial (setor domstico ou industrial e a pode ter uniforme profissional que o define enquanto tal e que o limite nessa, seja mordomo ou operrio...) Normalmente desempregado, subalterno tornando claro que coadjuvante na ao e, por conseqncia, coadjuvante na vida... (sic)(ABRAMOVICH, 1991, p.39)
O fator que considero um problema no est na ocupao de espaos
socialmente desvalorizados, mas em ocuparem somente esses espaos, como se
ao negro s fosse possvel a ocupao de papis de baixo prestgio social.
possvel perceber que mesmo quando a obra possui a inteno de trazer
inovaes, de construir personagens no-caricaturados, vinculados a uma
representao mais prxima do real, estas ideologias esto to fixas no imaginrio
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desta populao, ao qual o autor tambm faz parte, que acabam por cair em muitas
estereotipias j verificadas em outras obras.
Diante de tudo isso, com as estereotipias que se evidencia nas obras de
literatura infantil, desde o surgimento aos dias atuais (com algumas excees) torna-
se muito difcil a ocorrncia de um sentimento (por parte da criana negra) de
aceitao ao grupo tnico ao qual esta pertence, que vai desde a sua (auto) rejeio
como a rejeio de qualquer aspecto que venha a relacionar-se a da sua identidade
originria do povo negro. (CAVALEIRO, 2001, p.145).
Ser que no est na hora de se pensar sobre os autores e obras que devem
ser lidos na escola? Ao me dirigir escola a qual realizei a pesquisa de campo (ser
relatada posteriormente neste trabalho), e indagar a professora da turma onde realizei
a referida pesquisa, sobre a utilizao de obras com a temtica tnico-racial,
educadora foi clara ao dizer que a escola no dispunha de nenhuma obra escrita que
tratasse de tal temtica.
1.3 LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: UMA POLMICA EM PAUTA
No estudo de Fonseca (2006) possvel perceber que h uma polmica
discusso veiculada no cenrio literrio brasileiro acerca das expresses literatura
negra, literatura afro-brasileira, apesar de bastante utilizadas no meio acadmico,
nem sempre so suficientes para responder s questes propostas por pessoas cujas
atividades esto relacionadas com a literatura, a crtica, a educao. Para uma
melhor compreenso a autora reporta-se a alguns acontecimentos relevantes. Por
isso ela afirma que:
A expresso literatura negra, presente em antologias literrias publicadas em vrios pases est ligada a discusses no interior de movimentos que surgiram nos Estados Unidos e no Caribe, espalharam-se por outros espaos e incentivaram um tipo de literatura que assumia as questes relativas identidade e s culturas dos povos africanos e afro-descendentes. Atravs do reconhecimento e revalorizao da herana cultural africana e da cultura popular, a escrita literria assumida e utilizada para expressar um novo modo de se conceber o mundo. (FONSECA, 2006, pp. 11 e 12)
A autora traz questionamentos que considero muito pertinente j que este
captulo trata da literatura infantil e os caminhos possveis para uma construo
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identitria e, acredito que a literatura afro-brasileira um desses caminhos, pois um
dos temas prioritrios desta a identidade negra e a cultura africana:
Qual a expresso adequada para designar as forma literrias produzidas por
autores negros ou afro-descendentes? Por que grande parte dos escritores negros ou
afro-descendentes no conhecida dos leitores e os seus textos no fazem parte da
rotina escolar? Eis ai uma polmica discusso, porm necessria para um melhor
entendimento dos sentidos que carregam as expresses literatura negra e literatura
afro-brasileira e tambm acerca das produes literrias relegadas a dcimo ou
nenhum plano. O fato que quando se utiliza tais termos em referncia produo
artstica literria no Brasil, vrias questes so suscitadas (FONSECA, 2006, p.11).
Muitos tericos e escritores do Brasil, das Antilhas, do Caribe e dos Estados
Unidos, a utilizao do prefixo afro no consegue evitar os mesmos problemas j
verificados no uso da expresso afro-brasileiro (a) so utilizados para caracterizar
uma particularidade artstica e literria ou mesmo uma cultura em especial. Com base
nesse raciocnio, ambos os textos so vistos por tais autores como excludente,
porque particularizam questes que deveriam ser discutidas levando-se em
considerao a cultura do povo de um modo geral e no apenas suas
particularidades, ou seja, no caso do Brasil, se deveria levar em conta a cultura
brasileira e no apenas a cultura afro. Muitos estudiosos tm uma opinio contrria,
veiculando a necessidade de utilizao de tal termo por acreditar que o uso deste
necessrio. Conforme afirma a autora:
Numa opinio contrria, outros tericos reconhecem que a particularizao necessria, pois quando se adota o uso de termos abrangentes, os complexos conflitos de uma dada cultura ficam aparentemente nivelados e acabam sendo minimizados. Nessa lgica o uso da expresso literatura brasileira para designar todas as formas literrias produzidas no Brasil no conseguiria responder questo: por que grande parte dos escritores negros ou afro-descendentes no conhecida dos leitores e os seus textos no fazem parte da rotina escolar?(FONSECA, 2006, p.12)
Dessa forma, acredito veementemente na necessidade de particularizao e
na viabilidade da utilizao do termo literatura afro-brasileira por compreender que o
aludido termo pode funcionar enquanto elemento propiciador de discusso das
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temticas que envolvem o grupo tnico negro e tambm, como destaque das
produes destinadas ao negro ou escritas por este.
Nessa direo, importante salientar que o poder de escolha (no tocante
veiculao das produes literrias) est nas mos de grupos sociais privilegiados
e/ou especialistas os chamados crticos. So eles que decidem quais autores
devem ser lidos e os textos que devem fazer parte dos programas de literatura na
escola. Por isso, necessria uma discusso e uma reflexo mais aprofundada sobre
a dificuldade ou a no nomeao da literatura produzida por autores que no so
escolhidos pela crtica.
Para tanto, preciso compreender os instrumentos de excluso legitimados
pela sociedade. Por exemplo, quando se faz referncia literatura brasileira, no
necessrio usar a expresso literatura branca, porm ao fazer um levantamento dos
textos e obras consagrados os ditos clssicos literrios, no contexto da literatura
brasileira, possvel perceber que o autor e autora negra aparecem muito pouco, ou
seja, os escritores que optam pelo trato s tradies africanas em suas obras, so
quase sempre minoria na tradio literria do pas.
Quando se comea a discutir de forma mais intensa a questo da identidade
cultural na nossa sociedade, as expresses literatura negra, poesia negra, cultura
negra tambm passam a circular com mais intensidade. Nesse processo, comea a
se perceber de forma mais acentuada, a existncia do mito da democracia racial de
forma que os preconceitos contra os descendentes de africanos tornam-se mais
evidentes embora, tais preconceito quase nunca sejam realmente contestados
(principalmente, por conta do silenciamento por parte da vtima conforme tem
discutido em sua obra Do silncio do lar ao silncio escolar, a autora Eliane
Cavalleiro), sendo at considerados como no ofensivos.
Dentro desta discusso, recordo-me quando foi divulgado com mais afinco o
racismo como crime inafianvel e imprescritvel (previsto na Constituio Federal de
1988, Artigo 5, inciso XLII), diante de tal afirmativa questiona-se o seguinte: qual o
negro que aps ser discriminado nunca ouviu algum opinar dizendo: deixa pra l,
isso besteira!
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As obras trazidas por escritores onde a questo tnico-racial constante
constituem um material de pesquisa muito importante, pois apresentam textos que
circulam pouco no meio acadmico e nos programas de literatura das escolas do
ensino fundamental e mdio. Elas tambm assumem uma importncia porque
discutem questes vinculadas excluso vivida por grande parte da populao
brasileira, busca desconstruir uma tradio literria que ao longo dos tempos, vem
excluindo a produo dos afro-descendentes e produes de cunho poltico.
Desse modo, incentivada uma nova forma de se ver os preconceitos
evidenciados na sociedade e so apontadas s possibilidades de apresentar o
escritor negro ou aquele que se prope temtica, como criativo, inventivo, crtico e
consciente de seu papel enquanto transformador de uma realidade opressora e
estereotipada. Os objetivos destes trabalhos so considerados como estratgia de
reverso da imagem do negro visto como mquina de trabalho, como coisa ruim
ou como objeto sexual. (FONSECA, 2006, p.16)
Dentro desse contexto, surge a partir de 1978 os Cadernos Negros, uma
coletnea publicada anualmente com o objetivo de refletir sobre o lugar ocupado pela
literatura produzida pelos afro-descendentes no cenrio literrio brasileiro. possvel
perceber na afirmao de Fonseca quando a autora menciona que:
Os autores dos Cadernos Negros buscaram dar visibilidade sua produo e ampliaram a reflexo sobre a condio de trabalho dos escritores negros, sobre a circulao de seus textos, a marginalidade dessa produo e a linguagem com que se expressam. Numa criao literria mais preocupada com a funo social do texto, interessa-lhes, sobretudo, a vida dos excludos por razes de natureza tnico-racial. A relao entre cor e excluso passa a ser recorrente na produo literria denominada pela crtica como negra ou afro-brasileira.(FONSECA, 2006, p.17)
O fato que a literatura negra tem como um dos temas mais importantes a
questo identitria e tambm aludem ao enfrentamento das ordens sociais,
seguramente mais severas para os brasileiros de cor negra. (FONSECA, 2006,
p.21). A autora cita um trecho de um poema intitulado Diariamente (p.15) de Jos
Carlos Limeira que evidencia tal proposio:
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Me basta mesmo Essa coragem quase suicida
De erguer a cabea E ser um negro
Vinte e quatro horas por dia.
A autora faz referncia ao poema do escritor Luiz Silva, Negro pronto
publicado na Antologia de poesia negra brasileira, organizada por Zil Bernd (1992)
em que possvel observar o eu potico declarando-se na condio de negro,
reconhece-se negro:
Negro pronto Negro e pronto Negro sou!
mister ainda, ressaltar que um objetivo importante da poesia negra tratar
da busca de identidade afro-descendente e da reverso das imagens negativas
vinculadas ao negro, ao longo dos anos.
Diante de tudo isso, possvel inferir que o termo literatura negra vem
carregado de sentido principalmente, por relacionar-se com as lutas pela
conscientizao do povo negro (a exemplo das lutas empreendidas pelo Movimento
Negro). Entretanto, o termo negro assumiu uma carga negativa, pejorativa.
Desta forma, acredito na viabilidade da expresso literatura afro-brasileira,
enquanto termo abrangente, amplo, pois traz em seu bojo o termo literatura que
indica arte; criao vinculada com a frica, que nos deixou um legado cultural vasto e
primoroso. Tambm acredito que atravs do conhecimento deste legado que a
criana negra ser capaz de identificar-se enquanto pessoa pertencente ao grupo
negro.
1.4 A TRADIO ORAL AFRICANA
A oralidade uma forte referncia para os povos africanos, a palavra entre
esses povos tem sinnimo de verdade absoluta. Por isso falar de oralidade reportar-
se frica.
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Conforme assinala Machado (2006) a tradio oral africana a grande escola
da maioria dos povos africanos e a cultura africana no isolada da vida, to
importante quanto a tradio escrita. De acordo com a autora:
Embora os antigos africanos das mais diversas etnias que foram trazidos para o Brasil no mais existam, o universo cultural que veio com eles permaneceu como memria. A comunicao das chamadas culturas orais ou tradio viva mantm um processo interdinmico, pessoal, integral to importante quanto a tradio escrita. (MACHADO, 2006, p.84).
A tradio oral vinculada a esse processo interdinmico tornou possvel para
muitas sociedades existentes na frica, a garantia de um aprofundamento dos
ensinamentos recebidos e/ou transmitidos, funcionando como um processo contnuo
de saber, de educao. J para boa parte do povo Ocidental, a palavra escrita a
base para o reconhecimento de sua histria e cultura. Para Coelho (2005) a literatura
uma linguagem especfica que como toda linguagem, expressa uma determinada
experincia humana e dificilmente pode ser definida com exatido.
Diante de tais pressupostos e com base na formao da sociedade brasileira,
composta por povos de origem africana, europia (esta como nao dominante e de
certa forma, responsvel pela qualificao da escrita enquanto pilar da comunicao
no Ocidente), alm dos indgenas. Irei considerar as duas formas, oral e escrita, por
serem elementares na formao da literatura infantil brasileira.
1.5 A LINGUAGEM ICONOGRFICA
No estudo de Coelho (2005) possvel perceber quo importante fazer com
que a criana mantenha contato com livros vinculados linguagem iconogrfica, ou
seja, livros que contam histrias atravs da linguagem visual, de imagens que falam
(desenhos, pinturas, ilustraes, fotos, modelagem ou colagem fotografada, etc.).
Sem o apoio de texto narrativo (ou com brevssimas falas) esse tipo de livro de
histria sem palavras apresenta excelentes estratgias para as crianas
reconhecerem seres e coisas que se misturam no mundo que as rodeia e
aprenderam a nome-las oralmente. Processo ldico de leitura que, na mente infantil,
une os dois mundos que ela precisa aprender a viver: o mundo real-concreto sua
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volta e o mundo da linguagem, no qual o real-concreto precisa ser nomeado para
existir definitivamente e reconhecido por todos.
Sendo assim, a imagem exerce um papel muito importante no tocante ao
processo de interao da criana com a literatura bem como com o sentimento de
pertencimento da criana negra em seu grupo tnico-racial (se ela no se vir nas
imagens como pode reconhecer-se ou autovalorizar-se? Identificar-se?). O fato que
as ilustraes dispostas num livro de literatura infantil so capazes de contar a
histria tanto quanto ou at mais (dependendo da idade da criana) que a linguagem
oral ou escrita.
Na minha experincia com crianas, no Estgio Supervisionado, no ano de
2009, vivenciei de perto o quanto a imagem seduz a criana, estimulando e
desenvolvendo o imaginrio desta.
Havia uma aluna que ao entregar-lhe um livro para que ela nos contasse a
histria ali disposta por via das imagens, a aludida aluna utilizava-se de muita
criatividade, conseguia relacionar o objeto ali ilustrado com outros objetos que fazem
parte do seu cotidiano; era possvel perceber que aquele ato mexia profundamente
com os esquemas cognitivos e psicolgicos, desenvolvendo e propiciando novos
conhecimentos e sensaes.
Ainda com base nas vivncias que tive com a Educao Infantil, enquanto
estagiria da Universidade do Estado da Bahia, foi possvel perceber que a leitura
imagstica dentre outras possibilidades, permite que a criana seja de certa forma,
protagonista do seu processo de leitura j que ela dialoga com a obra sem precisar
de um interlocutor, a criana passa a estabelecer uma ntima ligao com a obra.
Conforme afirma Coelho (2005), as imagens permitem preencher lacunas
provenientes do pouco repertrio de vivncias reais das crianas e, se a linguagem
oral e escrita possibilita criana construir um mundo particular repleto de
significaes muito singulares a cada indivduo. A linguagem iconogrfica permite
criana conhecer as estruturas de maneira mais prxima do que se pode chamar de
real.
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Entretanto, nem sempre as representaes iconogrficas so fceis de serem
lidas e/ou compreendidas pelas crianas.
Vale ressaltar que no pretendo fazer uma crtica aos livros de literatura
infantil, mas, um dos objetivos desta pesquisa analisar a forma com que os
personagens negros so retratados nas ilustraes de tais obras e perceber, os
esteretipos e preconceitos existentes nestas, fazendo um paralelo com obras que
tratam da temtica tnico-racial.
As imagens bem como a linguagem verbal se articulam e, ao praticarem tal
articulao transmitem conceitos, preconceitos, esteretipos. Sobre a significao da
ilustrao nas obras de literatura infantil Abramovich (1991) afirma que:
No se trata, aqui e agora, de analisar a qualidade dos desenhos ou nossos livros infantis. Mesmo porque temos indiscutivelmente ilustradores de primeirrrima qualidade! Muito menos de lutar por desenhos do tipo realistas (alis, em geral feios e duros enquanto trao) ou retirar a magia e o encantamento da pgina. Mas ficar atento aos esteretipos, estruturadores da viso das pessoas e de sua forma de agir e de ser... E ajudar a criana leitora a perceber isso. O resultado visual at pode ser bonito (e muitas e muitas vezes, mas onde vamos parar em termos de preconceitos transmitidos?). Afinal, preconceitos no se passam apenas atravs de palavras, mas tambm e muito! atravs de imagens. (ABRAMOVICH, 1991, p.34)
Nessa direo, fundamental que se tenha um olhar crtico ao analisar
qualquer obra literria como um todo, dando uma ateno especial s imagens
principalmente, se esta obra for destinada para crianas (no caso da Educao
Infantil) j que ser por meio destas que a criana ir de forma autnoma, adentrar ao
mundo da escrita.
Assim, necessrio compreender que o uso das imagens apresentadas nas
obras literrias, pode se for destituda de preconceitos, proporcionar ao aluno,
especialmente o negro, olhar a si prprio e ao outro como sujeito produtores e
reprodutores de cultura, dotados de valores e saberes.
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2 A REPRESENTAO DOS PERSONAGENS NEGROS NA LITERATURA
INFANTIL: ALM DOS ESTERETIPOS
2.1 REPRESENTAES SOCIAIS
Para Arruda (1998) a Teoria das representaes sociais, inaugurada por Serge
Moscovici* e apropriada por Denise Jodelet*, vem nos ltimos anos expandindo sua
produo e seu campo de aplicao em diversos pases. No Brasil, sua entrada vem
se fazendo a partir do incio dos anos 80.
A autora assinala ainda que a Teoria das representaes possibilita explorar a
alteridade sob novos ngulos. Ao lado da perspectiva que tende a ver o outro na sua
exclusiva alteridade, problematiza seu lugar ao encarar o outro enquanto constitutivo
do sujeito e da vida social, a ponto de a autora afirmar que a construo do outro e
do mesmo so indissociveis, j diz a antropologia. Ela acontece como na dana, em
que um parceiro precisa conjugar seus movimentos aos de seu par para poder seguir
a msica.
Arruda* (1998) se apia em Jodelet que compartilha da proposio citada
anteriormente, quando diz que nessa contradana, aquilo que comea tambm o
que assegura, ou que serve de garantia, ou seja, mesmo diferente, atravs do outro
que ao longo da vida, construmos a nossa alteridade que no obrigatoriamente
uma construo definitiva.
Concomitante s idias de Arruda e Jodelet est Sandra Jovchelovitch*
quando afirma que somente atravs da mediao de outros o eu pode refletir sobre si
mesmo e tornar-se um objeto do saber para o sujeito do saber. necessrio,
entretanto, qualificar a maneira como o outro se apresenta para o saber e para a
ontologia do sujeito. O outro no est simplesmente l, esperando para ser
reconhecido pelo sujeito do saber. Ao contrrio, o outro est l, ele prprio, enquanto
eu, com projetos que lhe so prprios. Ele no redutvel ao que o eu pensa ou sabe
sobre ele, mas precisamente outro, irredutvel na sua alteridade.
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Dentro de tal perspectiva, imprescindvel reportar-me situao vivida pelos
negros escravizados aqui no Brasil, fazendo um paralelo com as proposies de
Arruda onde possvel perceber o quanto estes tiveram seus sonhos, projetos e
desejos inobservados e desprezados pelo sujeito do saber que dentro deste
contexto, o opressor, o explorador. O fato que esta situao de escravido
marcou e continua marcando a imagem do negro na sociedade, esta ainda no
consegue se desvincular do preconceito e da discriminao racial contra estes
sujeitos.
Ainda sobre a alteridade, Guareshi* mostra com total clareza como o outro, por
vezes, reduzido a coisa sobre a qual os interesses do eu se projetam. Quando isso
ocorre h dominao, usura, explorao, entre tantas outras relaes de abuso. Foi
exatamente o que aconteceu durante o regime de trabalho escravista, os negros
eram tidos como coisa, como objeto rentvel.
Em contrapartida a esta configurao social onde impera o racismo e o
preconceito contra o povo negro, possvel notar que o negro vem reconstruindo a
sua histria ao longo dos tempos, um exemplo disto o grupo baiano Il Aiy que
segundo Souza (2001) vem fundindo afirmao identitria e protesto, inscreve-se em
uma linha de tradio criativa da dispora que, de um lado, evidencia o desejo de
promover a reconfigurao da auto-estima e criao de outro sistema de
representao dos afro-descendentes; e prope ainda, o redesenho afirmativo de
laos culturais com a frica e a reconstruo da memria do afro-brasileiro,
ressaltando sua participao na histria do pas.
Com certeza o trabalho de grupos como o Movimento Negro e o Il funciona
como mecanismo de luta por uma reconfigurao social do negro no Brasil de modo a
promover uma reverso de significados.
___________________________
* Compuseram atravs de artigos a obra Representando a alteridade.
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Assim, o projeto de reconfigurao da auto-estima defendido pelo Il conforme
preconiza Souza (2001), delineia-se com a insero do corpo negro como diferena,
revestindo-o de positividade tanto no campo esttico como comportamental. Aquele
corpo que a tradio ocidental desenhou como apropriado apenas para o trabalho, o
corpo convencionalmente representado como depositrio de qualidades e sentidos
negativos e desprestigiados, reinscreve a diferena com dignidade e altivez, impondo-
se como signo da individualidade.
preciso calar discursos representacionais que to somente so produzidos
com o intuito de legitimar, eternizar, controlar e tornar justificvel a perpetuao de
lugares e funes para grupos pr-determinados, por um sistema opressor de
representao social.
2.2 A LITERATURA INFANTIL PARA ALM DOS ESTERETIPOS DOS
PERSONAGENS NEGROS
Com base nos estudos feitos, no Brasil, at a dcada de 1920 praticamente
no existiam personagens negros na literatura infanto-juvenil e os poucos exemplos
eram vinculados escravido.
Segundo Rosemberg (1985), entre 1955 e 1975 possvel perceber uma sub-
representao de personagens negros em textos e ilustraes; estereotipia na
ilustrao de personagens negros; associao de personagens negros com
profisses socialmente desvalorizadas; menor elaborao textual de personagens
negros; associao da cor negra com a maldade, tragdia, sujeira; associao do ser
negro com castigo, feira; associao com personagens antropomorfizados (no
humanos).
Dijk (2008) ao tratar das estereotipias presentes em obras literrias se apia
em Rosemberg (1985) para explicar que a associao da cor negra com sujeira,
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maldade e tragdia, trazem a cor negra como simblica. O texto abaixo, escrito por
Rosemberg demonstra tal afirmao:
O pobre casal de velhos que o criava, com tanto amor, com tanto trabalho, j no sabia o que fazer. No valiam conselhos, pedidos, reprimendas, castigos, surras... Parecia incorrigvel.
_ Que pretinho ruim o Agapito! Exclamava nh Fidlis. Eu nunca soube de outro assim. _ Adiante apareceu um edifcio negro, arredondado, parecendo um forno gigante. _ ali! Disse Beto, apontando para o edifcio que tinha vrias chamins de onde saam nuvens de fumaas negras.
Com relao ao perodo que vai de 1975 a 1995, o autor cita os estudos de
Bazilli (1999) e Lima (1999) que apontam mudanas significativas, mas tambm
apontam a invisibilizao de personagens negros e o tratamento estereotipado. A
ponto de Bazilli (1999) afirmar que: Verificou-se menor proporo de personagens
no-brancos antropomorfizados e um ligeiro aumento de personagens pretos
exercendo profisso de tipo superior. (Bazilli, 1999, apud, Dijk).
Felizmente, possvel perceber que a veiculao negativa do negro na
literatura infantil aponta para uma possvel mudana. Pode-se notar alguns avanos
j em meados da dcada de 1980, ganhando maior espao nas livrarias, com outras
obras j conhecidas do pblico infantil. Vale ressaltar que no acredito que esta
demanda do mercado editorial tenha relao com uma conscincia acerca da
necessidade de incluso dos personagens negros nas narrativas infantis, mas com a
obrigatoriedade de insero da cultura africana em sala de aula estabelecida pela Lei
10.639/03.
Conforme afirma Lima (2005) a literatura um espao no apenas de
representao neutra, mas de enredos e lgicas, onde ao me representar eu me
recrio e ao me recriar eu me represento.
nessa perspectiva de recriar-se que os autores contemporneos de literatura
infantil, destacados no presente estudo, entre eles Lima (1999), Diouf (2004)
Chamberlim (2005) trazem nas suas obras, onde possvel verificar que os
personagens negros vm delineando uma nova histria, a passos lentos mas ainda
assim preciso exaltar as narrativas j existentes, que propem uma inovao e que
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representam hoje uma possibilidade nova no tocante representao dos
personagens negros na literatura infantil.
O fato que nenhuma criana se identificaria com algo julgado como feio,
mau, animalizado, etc. A forma com que os personagens negros foram e ainda so
retratados violenta o imaginrio e a realidade vivida por seus leitores, medida que
destri toda e qualquer referncia que os mesmos tm de si e de seus pares. Da a
necessidade de repensar uma literatura infantil embasada na diversidade, que pense
as questes tnico-raciais de forma valorativa e humana.
Algumas pesquisadoras, Souza (2001), Oliveira (2003) e Lima (2005) entre
outras, j se debruam sobre a anlise de algumas dessas obras que vem dedicando
ao negro uma posio digna, de destaque.
A partir da observao dessas mudanas selecionei trs obras literrias,
destinadas ao pblico infanto-juvenil que apontam de forma contundente aspectos
que abarcam uma postura inovadora, trata-se de: Luana e as sementes de Zumbi
(2000) de Aroldo Macedo e Oswaldo Faustino; As tranas de Bintou (2004) de
Sylviane Diouf e As panquecas de mama Panya (2005) de Mary Chamberlim e
Richard Chamberlim.
O fato que nas narrativas, os personagens, sendo ou no os protagonistas
da histria, so apresentados e caracterizados de maneira inovadora, rompendo com
os esteretipos e indo alm destes que tanto os inferiorizava a exemplo da sujeira,
pobreza, feira, passividade, entre outros adjetivos atribudos a eles.
As narrativas e ilustraes sero objetos de uma breve anlise acerca das
possveis inovaes que essas obras trazem no contexto da literatura infanto/juvenil e
para os estudos de representao do grupo tnico negro nas aludidas histrias.
Posteriormente, utilizarei as supracitadas obras, com exceo do livro As Panquecas
de Mama Panya (e outras que no sero aqui analisadas) como instrumento de
pesquisa com os educandos da Educao infantil da Escola Municipal Sociedade
Fraternal (a aludida pesquisa ser relatada no quarto captulo do presente estudo).
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Selecionei algumas categorias para a partir destas trazer uma anlise acerca
dos contedos trazidos tanto nas narrativas quanto nas imagens das obras
mencionadas acima. Considero tais obras uma vitria de seus autores em virtude
destes conseguirem dar um novo lugar para o negro no contexto da literatura infantil,
lugar to negado nas diversas obras ditas de cunho clssico.
2.2.1 Resgate da ancestralidade e reflexo sobre a escravizao
Reconhecer suas origens um caminho que oportuniza a libertao das
imposies eurocntricas que ao longo dos anos vividos faz parte do imaginrio da
sociedade deste pas; permitir que se construa um presente afro-brasileiro a partir
do conhecimento do passado africano.
As obras aqui analisadas so dotadas de elementos que colaboram para essa
construo. Dessa forma, fundamental explicitar a trajetria histrica do povo
africano. Convm tambm compreender como as relaes sociais africanas se
estabeleciam para compreender os motivos da sua escravizao; vale compreender o
prprio processo de escravizao que de suma importncia na construo de uma
identidade negra.
Entretanto, h uma relao recorrente do personagem negro com a
escravizao nas obras de modo geral; o personagem descrito e ilustrado
geralmente como um sujeito resultante deste processo, como se ele tivesse fadado
condio de escravo. Em Luana e as sementes de Zumbi (FAUSTINO; MACEDO,
2004, p.17) possvel notar tal afirmativa: Vem, menina, sobe aqui no carroo que
te escondo debaixo da cana. T indo pra moenda. Tu no deves ser escrava de
lavoura, no. Tens mos e ps finos, pele bonita. Deves ser escrava de trato.
Na supracitada obra, a personagem conta a sua trajetria at chegar a
Palmares, considerado o maior quilombo que j existiu no Brasil, ele ficava localizado
em Alagoas, na antiga capitania de Pernambuco, durante essa aventura Luana
encontra um homem negro, debaixo de um chapelo de palha, o homem ao v-la
assusta-se, ainda assim os dois conseguem estabelecer um dilogo:
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Desculpe se eu assustei o senhor (sic). S ento ele percebe que apenas uma garotinha inofensiva: O que tu ests fazendo aqui? Se capito-do-mato te descobre, te leva de volta pra senzala, te prende no pelourinho, chibata como teu coro, te bota cangalha e no vai ter mucama que consiga te manter na casa-grande (...) (FAUSTINO E MACEDO, 2004, p.16).
Particularmente no compartilho com a forma em que os autores costumam
utilizar para mostrar a escravizao no Brasil. Dentro dessa perspectiva, Helosa Lima
em seu artigo Personagens negros: um breve perfil na literatura infanto-juvenil afirma
que:
Geralmente, quando personagens negros entram nas histrias aparecem vinculados escravido. As abordagens naturalizam o sofrimento e reforam a associao com a dor. As histrias tristes so mantenedoras da marca da condio de inferiorizados pela qual a humanidade negra passou. Cristalizar a imagem do estado de escravo torna-se uma das formas mais eficazes de violncia simblica. Reproduzi-la intensamente marca, numa nica referncia, toda a populao negra, naturalizando-se assim, uma uma inferiorizao datada. A eficcia dessa mensagem, especialmente na formatao brasileira, parece auxiliar no prolongamento de uma dominao social real. O modelo repetido marca a populao como produtora e atrapalha uma ampliao dos papis sociais pela proximidade com essa caracterizao, que embrulha noes de atraso.(LIMA, 2005, p.103)
Desta forma, vale salientar que mesmo as obras que objetivam mostrar
inovaes, acabam por no se distanciar de construes presentes no nosso
imaginrio. Em contrapartida, me chama a ateno na obra de Faustino e Macedo,
Luana e as sementes de Zumbi, a forma como os mesmos trazem o quilombo, a sua
configurao social, distante da realidade que era bem mais complexa, acredito que
para conseguir fazer com que as crianas entendam a dinmica de tal espao social
que est vinculada luta de um povo por liberdade e condies dignas de vida,
conforme visto anteriormente quando citei as falas de alguns personagens.
A obra em tela traz ainda a representao que os autores atribuem ao
quilombo que de smbolo de resistncia do povo escravizado naquele tempo, o que
pode contribuir para desconstruir a imagem do negro passivo e acomodado com a
sua condio de explorao, pois sabemos que tal fato no condiz com a real face do
negro.
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Nas narrativas v-se que muitos negros que fugiam das casas dos senhores
encontravam em Palmares e em outros quilombos a possibilidade de construir uma
nova histria. Os autores deixam claro tanto nas narrativas, quanto nas imagens um
espao onde possvel a construo de relaes onde basilar a cooperao, a
liberdade e a esperana numa vida melhor.
Figura 1 Chegada de Luana a Palmares
Luana e as Sementes de Zumbi (FAUSTINO E MACEDO, 2004, p. 23).
2.2.2 frica(s): Pas ou continente?
Em se tratando de histrias sobre a frica, poucas histrias me foram contadas
sobre tal continente, quando era criana ou adolescente. At certa idade pensava que
a frica fosse um pas.
De modo geral percebo nas falas das pessoas com quem convivo, colegas de
trabalho, estudantes de Pedagogia, que poucas tiveram na sua infncia ou
adolescncia a oportunidade de ouvir histrias que contassem ou mostrassem
imagens de pases africanos.
O fato que quando tal contato era possvel, ocorria muitas vezes, de forma
estereotipada e pejorativa, ou seja, vinculando-se o negro escravizao e a frica,
com a fome, misria social.
Das obras aqui analisadas apenas Luana no apresenta ilustraes da frica.
Diferentemente das obras As tranas de Bintou e As panquecas de mama Panya que
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evidenciam imagens da frica que so capazes de nos fazer transportar frica nos
dando a visibilidade de como ela se encontra hoje.
Figura 2 Bintou passeia pela vila africana
As tranas de Bintou (DIOUF, 2004, p.30).
Vale destacar, que no podemos e nem devemos esquecer do sofrimento
vivido pelo povo africano trazido para o Brasil, mas em nenhum momento podemos
deixar de reconhecer as contribuies herdadas pelos povos africanos aqui trazidos.
Sendo assim, a construo da imagem de um povo to sofrido preciso reportar-se
s origens a fim de colocar em evidncia este projeto de reconstruo histrica. A
estratgia utilizada por alguns autores que fazem questo de desatacar: a
grandiosidade, a diversidade dos povos africanos, as belezas predominante nas
histrias. Conforme se pode perceber na narrativa abaixo:
Em todos os cantos do mundo h belezas. (...) Acho que quando penso nos povos orientais minha lembrana esta: Como so livres!(Menos quando lembro das lutas de sumo). Mas a frica uma lembrana em que vibram vrias cores eletrizantes: parece somar um calor como o do sol com uma fora que vem de dentro da terra. Tive e tenho uma amiga _ Lia _ que adora ler. Lia sempre lia de tudo, e eu prestava ateno quando ela me contava sobre o que os africanos faziam, pintavam e bordavam. Fui crescendo com Lia, que me ensinou a escutar e a sonhar e s vezes a ter pesadelos com essas histrias. s vezes lamos juntas. Depois comecei a ler de tudo, at que virei uma Lia. E Lia agora escreve livros. Foi assim que aprendi que so muitos os povos que preenchem aquele continente, e todos ricos em histrias. Vou contar algumas que conheo. Mas primeiro quero mostrar que a frica tem muitas etnias, isto , muitos jeitos diferentes de ser num mundo aparentemente igual. Olhe a no mapa: So centenas de etnias distribudas entre dezenas de pases. (LIMA, 1999, p.12)
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Figura 3 - Mapa de povos africanos
Livro: Histrias da Preta (LIMA, 1999, p.15).
Alm de trazer tona a discusso da diversidade tnica do continente africano,
atravs da narrativa descrita, essa ilustrao mostra um recorte diferente do que se
costuma ver nas escolas. Por isso que optei por fazer essa citao da obra Histrias
da Preta apesar de esta no fazer parte da anlise de obras relacionadas para esse
estudo. Vale lembrar que a obra As Panquecas de Mama Panya no ser utilizada
para aplicao na oficina de literatura em virtude da limitao de tempo que ser
dedicado aplicao desta.
2.2.3 Origens bem delineadas dos personagens
Diferentemente do que tem sido destacado na maioria das histrias em que a
origem dos personagens negros sempre foi desconhecida, nas trs histrias
analisadas foi possvel perceber os personagens negros na posio de possuidores
de famlia.
Sobre essa falta de referncia familiar, a pesquisadora Maria Anria Oliveira
em sua dissertao de mestrado nos mostra que:
Alguns personagens negros so caracterizados desamparados, por no contarem com uma famlia normal, tendo como nica referncia a me, j que para outros o pai ausente, como se alm da carncia financeira, eles no tivessem nem referncia familiar. (OLIVEIRA, 2003, p.126)
Nas histrias analisadas constatei esse tipo de referncia e pude detectar que
todos os personagens possuem famlia, diferentemente do que se costuma ver nas
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obras literrias que no abordam a temtica, embora a predominncia da figura
feminina (a me) seja mais evidente. H tambm a presena dos pais, irmos, avs,
parentes _ ainda que no sejam determinados os graus de parentesco:
Figura 4 - Luana e famlia
Luana e as Sementes de Zumbi (FAUSTINO E MACEDO, 2004, p.15).
A narrativa que corresponde esta imagem a seguinte:
Esta Luana. Voc a conhece? No? Apesar de ter apenas 8 anos, ela uma verdadeira guerreira. Joga capoeira como ela s. Vive em Cafind, com papai, mame e o irmozinho. Sempre que olha no espelho abre um sorriso: sabe que uma menina linda. Isso ela aprendeu com seus familiares, principalmente com a vov, que lhe conta histrias da origem de seu povo. So histrias que a fazem ter orgulho de ser uma criana negra, como a maioria desse remanescente de quilombo. (FAUSTINO E MACEDO, 2004, p.10).
Figura 5 - Bintou e sua querida av
As tranas de Bintou (DIOUF, 2004, p.9).
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2.2.4 Figura feminina em evidncia e valorizao da esttica negra
Uma caracterstica comum nessas histrias que so raros os personagens
masculinos na posio de protagonistas. Foi possvel perceber isso mediante a leitura
de outras obras, que no foram contempladas nesta pesquisa, pelo menos no no
caso da anlise. A esttica negra em tais obras ganha destaque, seja nas ilustraes
ou nas narrativas construdas pelos autores.
Conforme assinala Oliveira (2003), a esttica negra sempre foi um dos
principais alvos da imagem destes povos. A cor da pele e os cabelos sempre foram
alvos preferidos, a exemplo: mulata, cor de fusca, marrom, cabelos ruos/duros e
etc.; so recorrentes nas narrativas da literatura infanto-juvenil.
Em contrapartida, vale ressaltar a obra As tranas de Bintou que de maneira
primorosa evidencia a esttica africana e afro-brasileira, tanto na sua narrativa quanto
na sua ilustrao, a riqueza de detalhe espetacular. Meu nome Bintou e meu
sonho ter tranas. Meu cabelo curto e crespo. (DIOUF, 2004, p. 3).
Tudo que essa bela e sonhadora menina africana deseja possuir tranas
iguais a de sua irm em seus cabelos crespos, desejo este, rarssimo quando se trata
de personagens da literatura infantil dita clssica que faz parte do repertrio oferecido
pela escola e que consequentemente, so lidos pelas crianas negras ou contados
para as mesmas no espao escolar.
O desejo que a menina tem de possuir tranas decorre da admirao que a
mesma sente pelo ornamento que a irm e outras mulheres ostentam, ornamento
este que a menina tambm deseja ostentar, no se conformando com os seus
birotes, outro elemento que marca a esttica negra assim como as tranas.
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Figura 6 - Bintou e sua irm
As tranas de Bintou (DIOUF, 2004, p.).
Sobre a questo da esttica negra (vinculada construo de identidade negra)
Nilma Lino Gomes em seu livro, Sem perder a raiz: corpo e cabelo como smbolo da
identidade negra, nos coloca diante de uma reflexo que ultrapassa os limites da
esttica, enfatiza que a beleza negra atrelada construo identitria como algo que
perpassa o complexo, afirmando que:
O destaque dado beleza negra para pensar a construo de identidade um tema um tanto quanto complexo. Par entender esse processo somos convidados a abrir mo de radicalismos poltico-ideolgicos que tendem a ver a nfase na beleza como um desvio da luta anti-racista, como uma despolitizao. Para avanarmos nessa discusso, importante ponderar que, para o negro, o esttico indissocivel do poltico. A eficcia poltica desse debate no naquilo que ele aparenta ser, mas ao que ele nos remete. A beleza negra nos leva ao enraizamento dos negros no seu grupo social e racial. Ela coloca o negro e a negra no mesmo territrio do branco e da branca, a saber, o da existncia humana. A pr