mono bachiana 4

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Mono Bachiana 4

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  • GABRIEL FERRO MOREIRA

    BACHIANAS BRASILEIRAS N4 DE HEITOR VILLA-LOBOS

    ANLISE DO PRIMEIRO E TERCEIRO MOVIMENTOS

    FLORIANPOLIS-SC

    2008

  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA- UDESC

    CENTRO DE ARTES - CEART

    DEPARTAMENTO DE MSICA

    GABRIEL FERRO MOREIRA

    BACHIANAS BRASILEIRAS N4 DE HEITOR VILLA-LOBOS

    ANLISE DO PRIMEIRO E TERCEIRO MOVIMENTOS

    Trabalho de concluso de curso apresentado Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a obteno do ttulo de Licenciado em Msica

    Orientador:Prof. Dr. Accio Tadeu de Camargo Piedade

    FLORIANPOLIS-SC 2008

  • GABRIEL FERRO MOREIRA

    BACHIANAS BRASILEIRAS N4 DE HEITOR VILLA-LOBOS

    ANLISE DO PRIMEIRO E TERCEIRO MOVIMENTOS

    Trabalho de concluso de curso apresentado Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Licenciado em Msica.

    Banca Examinadora:

    Orientador: ______________________________________________ Prof. Dr. Accio Tadeu de Camargo Piedade Universidade do Estado de Santa Catarina

    Membro: ______________________________________________ Prof. Dr. Guilherme Sauer Bronn de Barros Universidade do Estado de Santa Catarina

    Membro: ______________________________________________ Prof. Dra. Lourdes Josli da Rocha Saraiva Universidade do Estado de Santa Catarina

    Florianpolis, 01/12/2008

  • RESUMO

    O presente Trabalho de Concluso de Curso consiste em uma anlise musical do primeiro e terceiro movimentos (Preldio ou Introduo e ria ou Cantiga) das Bachianas Brasileiras n4 de Heitor Villa-Lobos. Atravs de redues grficas que desvelam os diversos nveis estruturais do texto musical e de anlises motvico-temticas, procura-se entender a coerncia estrutural da obra e a ocorrncia dos atributos bachianos e brasileiros sugeridos pelo ttulo da mesma. No dilogo com o contexto scio-cultural e histrico que envolve a composio e o compositor, a anlise musical trouxe superfcie as diferentes maneiras pelas quais o compositor concebeu esses dois movimentos dentro da agenda nacionalista e neoclssica no Brasil da primeira metade do sculo XX.

    PALAVRAS-CHAVE:Musicologia-Etnomusicologia; Teoria musical; Msica no contexto scio-cultural e histrico.

  • SUMRIO

    INTRODUO.....................................................................................................................5

    1 O COMPOSITOR .............................................................................................................6

    1.2 VILLA-LOBOS E A BRASILIDADE DE SUA OBRA..................................................8 1.3 VILLA-LOBOS E BACH................................................................................................10

    2 O CONTEXTO...................................................................................................................13

    3 A COMPOSIO..............................................................................................................18 3.1 CONCEPO DE ESTILO BACHIANO........................................................................18 3.2 AS BACHIANAS BRASILEIRAS....................................................................................21

    4 ANLISE DO PRIMEIRO MOVIMENTO DAS BACHIANAS BRASILEIRAS N4: PRELDIO OU INTRODUO.................24 Consideraes sobre a anlise atravs de redues g'rficas................................24

    4.1 ASPECTOS GERAIS DA MSICA................................................................................25 4.2 ANLISE APOIADA EM REDUES GRFICAS.....................................................33 4.2.1 Exposio.................................................................................................................................... 33 4.2.2 Desenvolvimento...........................................................................................................................39 4.2.3 Re-exposio............................................................................................................................... 42

    5 ANLISE DO TERCEIRO MOVIMENTO DAS BACHIANAS BRASILEIRAS N4: RIA OU CANTIGA.....................................44

    5.1 ASPECTOS GERAIS DA MSICA.................................................................................44 5.2 ANLISE MOTVICA E ESTRUTURAL DAS SEES...............................................52 5.2.1 Exposio......................................................................................................................................52 5.2.2 Variao e Desenvolvimento........................................................................................................66 5.2.3 Re-exposio..................................................................................................................................81 5.2.4 Coda.............................................................................................................................................. 83

    6 DISCUSSO DAS ANLISES E CONSIDERAES FINAIS....................................85 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................................92

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    INTRODUO

    aproximadamente 180 anos depois da morte de Bach.

    esses elementos diversos?

    dados, as dvidas acima expostas.

    fundamentadas para as questes lanadas.

    A escolha do III movimento como adio a esse TCC demonstra um pequenode um estudo mais extenso da estrutura dessa obra de Villa-Lobos. no ano de 2008, onde utilizamos o Preldio das Bachianas Brasileiras n4 como "preldio"

    "Musicologia, teoria e anlise " que sob a orientao do Prof. Dr. Accio Piedade desenvolvi A escolha dessa obra e de seus I e III movimentos , em particular, devida a pesquisa

    passo na direo do estudo da obra inteira, o que pretendo fazer futuramente.

    Questionar a influncia de J.S. Bach sobre a composio de Villa-Lobos, no seria uma posio salubre para qualquer um que desejasse estudar seriamente a obra de Villa-Lobos. O prprio compositor em diversas ocasies demonstrou, em atitudes e palavras, sua admirao e reverncia ao mestre de Leizpig (SILVA, 2003, p. 42; LISBOA, 2005a, p.37).

    O nome da obra prestes a ser perscrutada uma destacada expresso da admirao de Villa-Lobos Bach, bem como um reconhecimento do compositor da sua prpria grandeza, uma vez que poderia compor msica utilizando-se de recursos do estilo de J.S Bach "misturando-os" com a msica de seu prprio povo, noutro continente,

    O ttulo da obra tambm uma diretriz certeira que indica por onde se deve comear uma anlise nesta obra. Onde est o brasileiro e o bachiano no primeiro e terceiro movimentos da Bachiana Brasileira n4? Como se articulam esses elementos? Como essa articulao revela o estilo de composio de Villa-Lobos? Como a obra se desenvolve sobre

    O intento desse trabalho esclarecer, atravs da anlise musical e interpretao dos

    A anlise musical ser efetuada a partir de redues grficas e anlises motivo-harmnicas, onde os parmetros que nos interessam para o entendimento da msica - estrutura harmnica, fraseolgica e formal, bem como motivos derivados do folclore brasileiro ou compostos no estilo de Bach - sero verificados.

    Atravs de uma anlise musical que leva em conta o contexto scio-cultural e histrico do pas na poca do autor, assim como a biografia do prprio, busca-se respostas

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    1 O COMPOSITOR

    Heitor Villa-Lobos nasceu no Rio de Janeiro no dia 5 de maro de 1887. Seu pai, Raul Villa-Lobos era um homem culto, funcionrio da Biblioteca nacional, e um msico que incentivava de vrias formas o ingresso do filho na msica. Sua me, Dona Nomia, contudo, esperava que o filho se dedicasse medicina (MARIZ, 1983, p.111).

    Raul Villa-Lobos exigia que seu filho, Heitor, discernisse alturas das notas emitidas por instrumentos, ou por rudos. Tambm exigia que ele soubesse o gnero das obras musicais ao ouvi-las e o castigava caso fosse incapaz de faz-lo (op.cit).

    Raul Villa-Lobos, forte opositor do Marechal Floriano Peixoto, mudou-se provisoriamente para o interior do estado do Rio de Janeiro quando aquele assumiu o governo da Repblica. Mais tarde, a famlia Villa-Lobos mudou-se para o interior de Minas Gerais. Desta poca datam as primeiras fortes impresses musicais de Heitor em relao msica do serto, e rural. Ele ficou encantado por esses gneros musicais e tal musicalidade ficou impressa em seu inconsciente (op.cit,1983, p. 112). "O pequeno Tuhu [apelido de infncia de Villa-Lobos] deliciava-se com as modas caipiras, sofria as penas do tocador de pinho, enfim, embebia-se , sem o saber, do folclore que universalizaria mais tarde (op.cit, 1983, p.112)".

    Por outro lado, aos oito anos de idade Villa-Lobos demonstra o seu grande interesse por Bach, Sua tia Zininha era grande entusiasta das fugas e preldios do Cravo Bem Temperado.

    O interesse de Villa-Lobos pela msica sertaneja e pela composio de Bach, deriva da mesma fonte: a insatisfao de Villa-Lobos com a msica corriqueira que ouvia e se via obrigado a tocar no violoncelo, primeiro instrumento que seu pai lhe ensinou (op.cit, 1983, p. 112).

    Aos onze anos, Villa-Lobos aprendeu a tocar clarinete, instrudo por seu pai. Tambm nessa poca entrou em contato com a msica nordestina - em visitas casa de Alberto Brando onde se reuniam cantadores e seresteiros (op.cit, 1983, p.112) - e com chores. Esta ltima influncia no era bem vista pelos pais de Heitor que o manteram longe das rodas de choro at morte do seu pai, Raul, em 1899.

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    Aos dezesseis anos, Villa-Lobos decidiu abandonar sua casa e morar com sua tia Fifina, com a finalidade de ter mais liberdade para freqentar as rodas de choro e tocar em pequenas orquestras, atividade que no era apreciada por sua me. Da em diante iniciou sua carreira de msica prtica em diversos locais como teatros, cinemas e cabars executando um variado repertrio que inclua peras e operetas. Tambm tocava composies suas que consistiam em valsinhas, xotes, dobrados e outros estilos de "msica popular, [criada] sem quaisquer pretenses (op.cit, p.114)".

    Em 1905, com dezoito anos de idade Villa-Lobos empreende sua primeira viagem ao nordeste, onde pesquisa a msica folclrica da regio. No ano seguinte vai ao sul do Brasil tambm a procura de msica regional e folclrica (op.cit, p. 114).

    Em 1907 voltou ao Rio e iniciou seus estudos de Harmonia no Instituto Nacional de Msica.

    Tambm nessa poca leu o Cours de Composition Musicale de Vicent D Indy que muito influenciou algumas de suas obras como suas duas primeiras Sinfonias.

    Em 1915, Villa-Lobos inicia uma srie de concertos no Rio de Janeiro, com obras suas. Suas composies utilizam um tratamento harmnico audacioso e original. Nesse perodo inicia a forte crtica reacionria composio de Villa-Lobos, materializada em crticas musicais em jornais e revistas.

    Villa-Lobos sobrevivia tocando violoncelo em orquestras dos cinemas e teatros cariocas. Mesmo quando foi incentivado a representar o modernismo brasileiro na Europa - aps sua apresentao na semana de arte moderna 1922 evento que deu grande projeo ao compositor e impactou sua carreira (TRAVASSOS, 2000 p.19), em So Paulo - necessitou de auxlio financeiro da Cmara dos Deputados para financiar sua viagem.

    Gradativamente Villa-Lobos conquistou o cenrio internacional de msica moderna, sendo suas composies, nessa poca, executadas principalmente em Paris. Quando retornou ao Brasil da sua segunda viagem Paris, em 1930, Villa-Lobos apresentou ao candidato presidncia da repblica, Jlio Prestes, um projeto de educao musical para o pas. Com a vitria dos revolucionrios correligionrios de Getlio Vargas, o plano de educao musical de Villa-Lobos entrou em vigor no governo do militar, atravs da Superintendncia de Educao Musical e Artstica, da qual Villa-Lobos era fundador e

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    presidente (LISBOA, 2005b, p.417). Nessa poca, Villa-Lobos comea a escrever as Bachianas Brasileiras.

    Em 1948 Villa-Lobos retorna a Frana como um cone do moderno na msica, agora aplaudido na mesma Sala Gauveau onde foi vaiado anos antes.

    Durante o governo de Getlio Vargas, a popularidade de Villa-Lobos ascendeu grandemente dentro do pas - fruto de um reconhecimento de sua produo como compositor e educador (LISBOA, 2005a, p.82) - e no exterior, pelo reconhecimento de sua genialidade nos Estados Unidos da Amrica, onde recebeu diversos ttulos honorrios como o de Doutor em Msica pela Universidade de Miami, em 1954 (MARIZ,1983, p.126).

    No ano de 1948 sofreu a primeira crise que abalaria sua sade. Viajou aos Estados Unidos para uma cirurgia bem-sucedida.

    No ano seguinte, realizou diversas turns na Europa, EUA e Israel. Na nao recm formada comps um poema sinfnico em homenagem formao do novo Estado.

    Depois de outras grandes conquistas que o consagraram como grande gnio da msica - seu amigo, o pianista polons Arthur Rubinstein o titulo de "O compositor mais notvel de toda a Amrica (op.cit, p.118)" - Villa-Lobos faleceu no dia 17 de novembro de 1959 no Rio de Janeiro.

    Cercaremos agora aspectos do pensamento de Villa-Lobos em relao composio e msica que influenciaram diretamente a composio da obra a ser analisada nesse trabalho: o papel da brasilidade e a influncia de Bach na obra de Villa-Lobos.

    1.2 VILLA-LOBOS E A BRASILIDADE DE SUA OBRA

    No incio da sua carreira como compositor, Villa-Lobos decidiu aliar-se ao pensamento musical da vanguarda europia da poca, que era o dominante no cenrio da msica erudita carioca. Tal postura lhe traria mais prestgio dentro do grupo de compositores da capital.

    Segundo Gerios (2003), baseando-se em depoimento do compositor a um bigrafo (MARIZ, 1949:39), as primeiras sinfonias de Villa-Lobos, foram feitas seguindo as regras composicionais do francs Vicent DIndy, cuja esttica estava ligada diretamente a Richard

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    Wagner. "[Suas primeiras sinfonias] foram feitas de acordo com as regras postuladas por Vincent D'Indy em seu Cours de Composition Musicale; a esttica proposta por D'Indy, adotada pelos professores do Instituto Nacional de Msica, era ligada diretamente de Wagner. Tambm ligado a estticas defendidas pelos professores do Instituto estava seu Naufrgio de Kleonicos, poema sinfnico cuja linguagem musical uma clara emulao dos princpios do ps-romantismo francs de Saint-Sans. Dessa forma, a aplicao das idias estticas de Wagner, D'Indy e Saint-Sans serviriam como prova da capacidade de Villa-Lobos enquanto compositor em face do establishment musical carioca." (GERIOS, 2003, p.88)

    Entretanto, ao retornar de sua viagem Paris, em 1923, Villa-Lobos "se direcionar a uma composio que salientar a brasilidade de melodias e ritmos em suas obras" (MOREIRA, PIEDADE, 2008, p.4) Gerios (op.cit.) tambm nos explica o porqu de uma mudana to profunda na mente, e conseqentemente na obra do compositor. Villa-Lobos, bem como a vanguarda da msica carioca, espelhava-se na msica de Debussy para construir a vanguarda musical do Rio de Janeiro. Contudo, ao visitar Paris, Villa-Lobos encontrou uma outra msica de vanguarda predominante, aquela de Erik Satie e compilada por Milhaud, conduzida pelo pensamento de Jean Cocteau. Villa-Lobos, junto com outros compositores brasileiros, foi criticado por Milhaud, em 1920, por essa sua atitude frente musica de vanguarda .

    lamentvel que todas as composies de compositores brasileiros, desde as obras sinfnicas ou de msica de cmara dos srs. [Alberto] Nepomuceno e [Henrique] Oswald at as sonatas impressionistas do sr. [Oswaldo] Guerra ou as obras orquestrais do sr. Villa-Lobos (um jovem de temperamento robusto, cheio de ousadias), sejam um reflexo das diferentes fases que se sucederam na Europa de Brahms a Debussy e que o elemento nacional no seja expresso de uma maneira mais viva e mais original. A influncia do folclore brasileiro, to rico em ritmos e de uma linha meldica to particular, se faz sentir raramente nas obras dos compositores cariocas. Quando um tema popular ou o ritmo de uma dana utilizado em uma obra musical, esse elemento indgena deformado porque o autor o v atravs das lentes de Wagner ou de Saint-Sans, se ele tem sessenta anos, ou atravs das de Debussy, se ele tem apenas trinta (MILHAUD apud GURIOS, 2003, p. 95)

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    Tal recepo spera da vanguarda artstica francesa em relao msica de Villa- Lobos fez o compositor direcionar sua composio para a construo de msica com carter nacional: "ele deixaria de tentar compor de acordo com as regras estticas de compositores franceses, to valorizadas no Brasil, para tentar retratar sua nao musicalmente, um projeto especialmente valorizado na Frana" (GERIOS, 2003, p. 97).

    1.2 VILLA-LOBOS E BACH

    Em livros e artigos sobre Villa-Lobos (MARIZ, 1983; BARROS,1950; AMATO,2008) notria e indubitvel a influncia da msica de Bach na vida do compositor. Em sua infncia, os saraus promovidos por Raul Villa-Lobos, seu pai, em sua casa com membros da Sociedade de Concertos Sinfnicos do Rio de Janeiro (fundada por Raul) eram ocasies nas quais Heitor se deleitava, ouvindo msica. Silva (2003) afirma que "nas noites de msica que o professor Raul promovia em sua casa, Villa-Lobos conseguia escapulir do leito, sem ser notado pela me e aproximar-se da sala onde o pai e os amigos tocavam" (op.cit, p.41).

    A msica de Bach era tocada nas "noitadas musicais" que o sr. Raul Villa-Lobos, promovia em sua casa (SILVA, 2003). Silva (2003) apresenta um dilogo do futuro compositor com sua me em uma destas ocasies:

    -Me, que msica era aquela que parecia encantada? -Bach. -Quem Bach? -Foi um grande compositor que viveu h muitos anos. -J morreu? Ento ele est no cu? [...] Pois um dia, no cu da msica vou me encontrar com Bach." (SILVA, 2003, p.42)

    Silva (2003) tambm afirma que, quando Raul Villa-Lobos construiu um prottipo de violoncelo para seu filho e perguntou-lhe se estava contente com o instrumento, Heitor respondeu: "Pai, quando eu crescer eu vou fazer uma msica como a daquele que se chama [...] Bach." (op. cit, p. 42).

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    Segundo C. Paula Barros (1950), bigrafo e amigo do compositor, Villa-Lobos afirmou, em uma entrevista, ter encontrado na msica do serto nordestino melodias semelhantes a algumas encontradas na msica de Bach, fato que tambm o projetou para a criao de composies que remetiam a Bach (como segundo movimento das Bachianas Brasileiras n 4 - feito sobre um tema do nordeste -, que analisaremos neste trabalho).

    Nessa prodigiosa polifonia que a [Bachiana Brasileira] n1, conseguida apenas com oito violoncelos, est ntido o panorama das caatingas, sob o galope dos touros bravos e dos vaqueiros. Julgamos que nessa obra mestra do artista, vive o mistrio que povoa a alma do sertanejo. S depois que Villa-Lobos nos contou como havia encontrado esses elementos meldicos maneira de Bach, em plenos sertes, em meio de vaqueiros e cantadores, foi que compreendemos bem como est adequado esse ttulo de 'Bachianas Brasileiras' (BARROS,1950, p.36-37)

    Ao compor as Bachianas, Villa-Lobos adentrava a fase "neoclssica" (NEVES,1981), e em alguns momentos - e sees - de suas composies, ele havia tornado a procedimentos de composio da msica da tradio tonal, se identificando, tambm nisso, com Bach. Perceberemos esses pontos mais claramente nas anlises que sero feitas.

    De fato, esse idioma pode ser visto nas Bachianas, de uma forma geral, em diversos elementos das composies como contraponto, harmonia e forma.

    Villa-Lobos sintetizou trs vocabulrios musicais nessas composies, o folclrico brasileiro, o brasileiro do incio do sculo XX e o de Bach. Contudo, no faz citaes literais de melodias de Bach, e utiliza as citaes da msica popular apenas como matria-prima das suas elaboraes composicionais.

    A Superintendncia de Educao Musical e Artstica (SEMA), organizao fundada e presidida por Villa-Lobos no governo de Getlio Vargas tambm mostra o grande apreo do compositor pela obra de Bach. A msica de Bach estava presente em muitos setores da SEMA, como concertos pblicos e em audies da prpria obra do compositor alemo. Os concertos culturais -ou pblicos- eram

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    concertos realizados em sries anuais nos quais eram apresentadas obras nacionais e estrangeiras para grande pblico, que inclua desde personalidades da poltica at classes operrias, para as quais tambm foram especificamente dedicados muitos desses concertos. Alguns eram realizados em associao com o Exrcito e com a Associao Orquestral do Rio de Janeiro, podendo-se destacar a apresentao de obras como Missa Papae Marcelli de Palestrina e a Missa Solemnis de Beethoven, em 1933, Oratrio Vidapura de Villa-Lobos, em 1934 e a Missa em Si menor de Bach, em 1935; (LISBOA,2005a, p.37)

    Nesses concertos obras internacionais da msica erudita eram tocadas, e como se pode ver, a msica de Bach estava presente nesta seleo. J as audies da obra de J.S Bach representam melhor o pensamento de Villa-Lobos acerca da especialidade da msica de Bach.Segundo ele a msica de Bach seria "incontestavelmente a mais sagrada ddiva do mundo artstico" e por ser to imensa e to profunda, torna-se perigosa a sua divulgao nos meios sociais que no estejam devidamente iniciados para senti-la" (VILLA LOBOS,1946, p. 524).

    Focaremos agora o contexto histrico-social e cultural que cercou Villa-Lobos durante a composio das Bachianas Brasileiras.

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    2 O CONTEXTO

    As nove Bachianas Brasileiras foram compostas entre 1930 e 1945. A Bachiana Brasileira n 4 foi composta durante os anos de 1930-41.

    interessante entendermos a situao do pas nos anos que envolvem a composio dessa obra e tambm a situao de Villa-Lobos no Brasil dessa poca para que possamos proceder para a anlise atentos ao contexto onde se insere a obra (e que, de certa forma, tambm a constri). Salientar alguns episdios e eventos, em especial, importante para a formao do panorama do Brasil dessa poca, inclusive para que o elemento "brasileiro" encontrado na msica a ser analisada possa ser entendido como , muito mais do que uma escolha composicional aleatria, um fruto de um pensamento vigente de valorao da arte, cultura nacional, nao e governo. Tais eventos so o movimento nacionalista brasileiro, a Revoluo de 30, a concepo de educao e msica do Ministrio de Educao e Sade getulista, a ascenso poltica de Villa-Lobos nesse contexto poltico-educacional e a fase neoclssica do compositor. O governo de Getlio Vargas era um governo populista (FERREIRA, 2001). Diferente dos governos oligrquicos, ligados a aristocracia cafeeira da Repblica Velha, Getlio direcionava os seus discursos pblicos para a populao trabalhadora. Algumas de suas reformas foram direcionadas a classe trabalhadora com o salrio-mnimo e a criao da CLT. Segundo Calabre:

    Desde os primeiros tempos no poder, Getlio Vargas demonstrou preocupao especial com as atividades culturais, principalmente com aquelas ligadas s classes populares ou ao grande pblico. Podemos citar como exemplo desse interesse a oficializao dos desfiles das escolas de samba, com a qual o governo incentivava, apoiava e tambm controlava as manifestaes carnavalescas populares (CALABRE,2003, p.6)

    Getlio, como medida de sua estratgia populista de governo, se esforava em construir um conceito de nao brasileira que abarcasse todo o territrio brasileiro. A educao e a radiodifuso foram meios pelos quais essa doutrina pde ser

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    divulgada. Um exemplo interessante de smbolos encontrados para a construo dessa brasilidade a transformao do samba (musica da capital do pas na poca) msica de toda nao (VIANNA, 1995) e o programa de rdio "A hora do Brasil" (1935) transmitia Getlio falando nao como um pai e divulgava sambas que enalteciam o presidente. De fato, em todos os aspectos acima escritos, pode-se perceber a inteno de Getlio de suscitar o "brasileiro", congregando dessa forma os quatro cantos do pas sob essa titulao.

    O movimento nacionalista musical brasileiro surgiu efetivamente em 1928, quando o intelectual Mrio de Andrade props a criao de um programa musical no qual a integrao da msica erudita, popular e folclrica - fomentadas pela inteno nacionalista - seria o critrio maior de valorao de uma arte que deveria permanecer como obra representativa da msica erudita brasileira. Nas palavras de Amato(2008):

    O escritor e musiclogo modernista Mrio de Andrade props o desenvolvimento de um projeto nacional-erudito- popular para o pas, colocando a inteno nacionalista e o uso sistemtico da msica folclrica como condio indispensvel para o ingresso e a permanncia do artista na repblica musical. (AMATO, 2008, p.2)

    Contudo, antes dessa formalizao da cartilha nacionalista da msica em 1928, a Semana de Arte Moderna de 1922, j havia mostrado ao pblico obras de Villa-Lobos e o projetado como compositor moderno e tal engajamento da sua parte - associado fama que j possui no crculo musical do Rio de Janeiro permite que ele seja o nico msico presente na Semana que passou posteridade como representante do modernismo (TRAVASSSOS,2000, p.26).

    Mario de Andrade era amigo de Gustavo Capanema (op.cit, 2008, p.3), o ministro de Educao e Sade do governo recm instaurado por Getlio Vargas. Juntamente com Capanema, Mrio de Andrade trabalhou intensamente - entre 1934-1945 - pela cultura do pas e na criao de diversos projetos. De fato, o Ministrio de Educao e Cultura, no intuito de medidas que alcanassem todo o territrio brasileiro se interessava na agregao do folclore e arte na educao; a presena de Mrio de Andrade na elaborao de projetos no era gratuita: "enquanto Capanema buscava valores estticos, os nacionalistas

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    procuravam difundir suas idias por meio do governo" (op.cit, 2008, p.3). Contudo, o modernismo musical no foi excludo desse programa nacionalista. Pelo

    contrrio, era visto por Mrio de Andrade como "uma retomada das razes da nacionalidade brasileira, que permitisse uma superao dos artificialismos e formalismos da cultura erudita superficial e empostada" (SCHWARTZMAN, BOMENY E COSTA, 1984:80). Essa reao pr-nacionalista do modernismo tambm pode ser percebida em pases europeus. Nas regies perifricas Europa ocidental [...] o modernismo tingiu-se de uma nostalgia das tradies que derivou em movimentos artsticos nacionalistas (TRAVASSOS, 2000, p.24)

    Isso no significava que o nacionalismo brasileiro era a favor das ltimas e mais radicais criaes da vanguarda europia de ento, considerava-as "feia expresso" e promotoras dos "maus costumes", segundo o ideal de msica platnico msica em relao sua funo na constituio da alma humana e seus afetos (AMATO, 2008, p.3)

    Nesse contexto, onde educao nacional e propaganda nacionalista estavam fludas dentro do programa de educao do ministrio de Educao e Sade, era difcil reconhecer a linha divisria entre cultura e propaganda. Nesse momento de indefinio, a presena de Villa-Lobos foi de grande importncia (SCHWARTZMAN, BOMENY E COSTA, 1984).

    Aps uma visita Paris, para mostrar suas composies e uma spera recepo da vanguarda francesa, Villa-Lobos descobre-se "brasileiro" e retorna para o Brasil com a inteno de valorizar o elemento nacional em suas obras.

    Como dito anteriormente (MOREIRA & PIEDADE, 2008, p.4), a partir desse encontro o compositor decide fazer msica que retrate sua nao, visando ser um compositor reconhecido nos crculos intelectuais e musicais da Frana (CASTAGNA,2008) Villa-Lobos conjugou esses ideais do movimento nacionalista construo de uma msica brasileira superior na acepo de Mrio de Andrade - por meio da educao musical que promoveu no governo Vargas.

    Em 1932, Villa-Lobos foi encarregado de criar e dirigir Superintendncia de Educao Musical e Artstica (SEMA), "a qual objetivava a realizao da orientao, do planejamento e do desenvolvimento do estudo da msica nas escolas, em todos os nveis, conjugando disciplina, civismo e educao artstica" (AMATO, 2008, p.6). A principal realizao de Villa-Lobos enquanto diretor do SEMA foi a instituio do canto orfenico

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    como disciplina obrigatria nas escolas. Nessa disciplina trabalhava, conforme o programa do governo, a musicalidade dos alunos no aspecto esttico (educao no que belo) e no aspecto da virtude (moral, civismo) como pode ser extrado da descrio da disciplina "msica e canto orfenico" (LISBOA,2005a, p.24). Tambm d valor ao folclore e suas caractersticas regionais na execuo do canto orfenico. O texto do prprio Villa-Lobos:

    O ensino do canto orfenico destina-se a desenvolver no aluno a capacidade aproveitar a msica como meio de renovao e de formao moral, intelectual e cvica. [...] No se deve omitir a caracterizao tpica, quando o exigir a natureza da cano, como por exemplo nas canes regionais baseadas em motivos de folclore (VILLA-LOBOS, 1951, p.3)

    No mesmo documento atesta que esse processo de educao tem como objetivo completar a educao artstica do povo brasileiro, baseando-se na educao de pases do mundo desenvolvido.

    O decreto em questo, conjuntamente com o regulamento em vigor nas escolas da Prefeitura, baseado nos decretos ns. 3.281 de 23 de Janeiro de 1928 e 2.940 de 22 de novembro de 1928, iro completar a obra de educao artstica do povo, a exemplo das grandes naes como a Itlia,Frana, Alemanha, Inglaterra, Blgica, Espanha, Rssia, Estados Unidos da Amrica do Norte, etc. (VILLA-LOBOS, 1951, p.3)

    Percebe-se, atravs dos fatos simultneos composio das Bachianas Brasileiras n 4, que, Mrio de Andrade e sua oportuna ligao com o ministro da Educao e Sade do governo de Getlio oportunizam um espao onde esse compositor brasileiro ter todo apoio e recepo para seus projetos educacionais e para a criao de sua msica, nacionalista e que remetia ao passado tradicional da msica ocidental.

    Esses fatores conjugados podem explicar, ao menos em parte, o sucesso da recepo

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    de Villa-Lobos como compositor genuinamente brasileiro por parte da nao brasileira. Vejamos o comentrio da pianista Magdalena Tagliaferro, amiga de Villa-Lobos, acerca das suas impresses acerca da autenticidade de Villa-Lobos como compositor de msica brasileira.

    Villa-Lobos era, efetivamente, to representativo de tudo o que essencialmente brasileiro, do autntico folclore, bem como do esprito e dos anseios do nosso povo, que bastava me aproximar dele quando tinha o corao cheio de saudades, para encontrar, seja em New York ou em Paris, a genuna atmosfera da terra brasileira que ele, sozinho, conseguia recriar. (...) o genial talento do compositor e a mestria do regente, mas tambm o dinamismo e o vigor do homem que soube, no decorrer dos ltimos anos de sua fecunda existncia, vencer tantos obstculos que pareciam intransponveis e afirmar sua esplndida vitria no cume da mais milagrosa carreira jamais alcanada por um msico brasileiro. (TAGLIAFERRO apud LEITE, 1999, p.104)

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    3 A COMPOSIO

    3.1 CONCEPO DE ESTILO BACHIANO importante entender, para as seguintes anlises, o que representa o estilo bachiano em termos musicais para que possam se estabelecer paralelos entre esse estilo e as composies a serem analisadas. Antes de tudo se deve perceber que as peas a serem analisadas so compostas dentro de uma proposta neoclssica. Apesar do termo neoclassicismo parecer referir-se a uma retomada da esttica do perodo clssico da msica ocidental (segunda metade do sculo XVIII), esse termo muito mais abrangente. Neoclassicismo se caracteriza pela retomada de alguns pressupostos estticos-formais dos perodos tradicionais da msica ocidental anteriores ao Romantismo tardio renascimento, barroco, classicismo, e romantismo do incio do sculo XIX (lidos pelos seus defensores como perodos clssicos) sendo, portanto, uma reao ao exagero da liberdade formal e da expresso emotiva caractersticas do fim do sculo XIX. Trata-se de um retorno a padres composicionais onde o desenvolvimento do contedo motvico e a forma (narrativa da msica) so mais perceptveis e equilibrados.

    As a generic term for specific stylistic principles, neo-classical is notably imprecise and has never been understood to refer solely to a revival of the techniques and forms of Haydn, Mozart and Beethoven. Insofar as the movement had a slogan, it was back to Bach; yet it was less significant for its revival of traditional procedures than for the strength of its reaction against the more extreme indulgences of the recent past (WHITTALL,2008, p.1)

    chamado de neoclassicismo porque apesar dos procedimentos composicionais e de sintaxe musical serem baseados nos da renascena, barroco, classicismo e incio do romantismo, o contedo musical que construa as sinfonias, sonatas, seus temas, e desenvolvimentos, etc. - enfim, as formas clssicas eram de um vocabulrio modernista compatvel com a vanguarda do sculo XX, numa nova leitura. Nas anlises perceberemos claramente esse aspecto neoclssico.

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    Since a neo-classicist is more likely to employ some kind of extended tonality, modality or even atonality than to reproduce the hierarchically structured tonal system of true (Viennese) Classicism, the prefix neo- often carries the implication of parody, or distortion, of truly Classical traits (op.cit,p.1)

    O neoclassicismo foi a opo dos compositores brasileiros nacionalistas do incio do sc. XX para expressarem seus ideais modernistas na msica (CASTAGNA,2008). Tal escolha representava a necessidade de auto-afirmao da msica erudita brasileira na tradio europia, alegoria para o prprio entendimento do pas enquanto nao desenvolvida - a Belle poque no Rio deJaneiro ilustra muito bem essa mentalidade da elite burguesa brasileira do incio do sculo XX. A opo de Villa-Lobos por representar uma comunicao entre valores do barroco personificados em Bach e sua espontaneidade modernista pode ser explicada pela sua admirao por J.S. Bach - assunto pelo qual j discorremos nesse trabalho e pela representatividade de Bach a tudo que era clssico o slogan do movimento neoclssico, como vimos, era de volta a Bach. Entretanto, Bach representava muito bem o perodo barroco. Segundo Wolff (2008,p.1) Bachs output, unparalleled in its encyclopedic character, embraces practically every musical form of his time except opera. Portanto, muito do que comentarmos aqui, como estilo bachiano pode referir-se a composies de outros msicos de seu tempo. Contudo, Bach conduziu muitas das idias musicais tradicionais do perodo barroco a novos patamares de formato, qualidade e densidade musical.

    []he opened up new dimensions in virtually every department of creative work to which he turned, in format, density and musical quality, and also in technical demands (works such as the St Matthew Passion and the B minor Mass were to remain unique in the history of music for a long time to come) (op.cit, p.1).

    Ao comentar as influncias musicais de J.S. Bach, Carl Philipp Emanuel Bach tambm demonstra que o estilo de seu pai foi construdo tambm atravs de esforos prprios e reflexo e estudos particulares.

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    As composers who influenced the young Bach, C.P.E. Bach cited (in 1775, in letters to Forkel) Froberger, Kerll, Pachelbel, Frescobaldi, Fischer, Strungk, certain French composers, Bruhns,Buxtehude, Reincken and Bhm almost exclusively keyboard composers; C.P.E. Bach also said that Bach formed his style through his own efforts and developed his fugal technique basically through private study and reflection []As later influences, C.P.E. Bach named Fux, Caldara,Handel, Keiser, Hasse, the two Grauns, Telemann, Zelenka and Benda. (op.cit, p.1)

    Portanto, obedecendo prescrio de Villa-Lobos ao referir-se a essa composio como bachiana, creio que o barroco que aqui se encontrar dever ser mais bem localizado e entendido no dilogo com a msica barroca produzida por Bach, ainda que se encontrem semelhanas naturais com outros compositores de seu perodo. Sobre os atributos musicais do estilo de Bach, o texto de Wolff comenta:

    Bach drew from Vivaldi the clear melodic contours, the sharp outlines of his outer parts, his motoric and rhythmic conciseness, his unified motivic treatment and his clearly articulated modulation schemes [...]his musical language acquired its enduring quality and unmistakable identity through his coupling of italianisms with complex counterpoint, marked by busy interweavings of the inner voices as well as harmonic refinement (op.cit, p.1)

    Assim como Villa-Lobos Bach tambm procurou convergir diversos estilos musicais na construo de seu prprio estilo. Segundo Wolff,

    His adaptation and integration of various contemporary and retrospective styles represent his systematic attempt at shaping and perfecting his personal musical language (unlike that of any other composer, according to C.P.E. Bach) and expanding its structural possibilities and its expressive powers (op.cit, p.1)

    Sabendo que o neoclassicismo abrange outras pocas alm do barroco que o ttulo da composio de Villa-Lobos sugere, procederei a anlise atento a outros procedimentos neoclssicos que no remetem a Bach. Tudo isso ser discutido mais tarde nas anlises e consideraes finais.

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    3.2 AS BACHIANAS BRASILEIRAS

    "Bachianas Brasileiras" uma srie de nove sutes compostas para diversos grupos instrumentais e vocais, escritas de 1930 a 1945, pondo incio a sua fase neoclssica.

    uma das Bachianas Brasileiras ular brasileira (especialmente a msica

    Bachianas brasileiras n 1 para oito violoncelos (1932) Introduo (Embolada) - Animato Preldio (Modinha) - Andante Fuga (Conversa) - Un poco animato Bachianas brasileiras n 2 para orquestra de cmara (1933) Preldio (O Canto do Capadocio) - Adagio - Andantino ria (O Canto da Nossa Terra) - Largo Dana (Lembrana do Serto) - Andantino moderato Tocata (O Trenzinho do Caipira) - Un poco moderato

    Bachianas brasileiras n 3 para piano e orquestra (1934): Preldio (Ponteio) - Adagio Fantasia (Devaneio) - Allegro moderato ria (Modinha) - Largo Toccata (Picapau) - Allegro

    Bachianas brasileiras n 4 para piano (1930-1941, tendo sido orquestrada em 1942) Preldio (Introduo) - Lento Coral (Canto do Serto) - Largo ria (Cantiga) - Moderato Dana (Miudinho) - Muito animado

    Cada demonstra uma fuso entre a msica folclrica e pop (AMATO, 2007, p.211).

    Vejamos a lista das nove sutes, nomes dos movimentos e suas instrumentaes.

    que expressa o thos sertanejo) bachiano e o estilo

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    Bachianas brasileiras n 5 para soprano e oito violoncelos (1938-1945) Aria (Cantilena) - Adagio Dana (Martelo) - Allegretto

    Bachianas brasileiras n 6 para flauta e fagote (1938) ria (Chro) - Largo Fantasia - Allegro

    Bachianas brasileiras n 7 para orquestra (1942) Preldio (Ponteio) - Adagio Giga (Quadrilha Caipira) - Allegretto scherzando Toccata (Desafio) - Andantino quasi allegretto Fuga (Conversa) - Andante Bachianas brasileiras n 8 para orquestra (1944) Preldio - Adagio ria (Modinha) - Largo Toccata (Catira Batida) - Vivace (Scherzando) Fuga - Poco moderato

    Bachianas brasileiras n 9 para coro ou orquestra de cordas (1945) Preldio Fuga

    Chateaubriand (2006), comentando sobre a origem das Bachianas Brasileiras e o pensamento musical de Villa-Lobos, afirma que:

    A srie de nove obras escritas entre 1930 e 1945, intitulada 'Bachianas Brasileiras', outro exemplo da experincia musical folclorista vivida por Heitor Villa-Lobos. O compositor brasileiro buscou uma sntese entre matrizes musicais brasileiras e a esttica de Johann Sebastian Bach (1685-1750), que ele considerava imaginativamente 'um fundo folclrico de todas as naes'. Segundo a pesquisadora Ermelinda Paz, referindo-se ao nome dado a esta srie musical, o compositor acha analogias entre a inveno musical de Bach e a msica popular brasileira, e disso derivou o seu ttulo enigmtico para as Bachianas. (CHATEAUBRIAND, 2006, p.134)

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    Percebemos essa sntese entre o bachiano e o brasileiro tambm nos nomes dos movimentos das obras. Todos os movimentos das sutes possuem dois nomes, um "clssico" (preldio, fuga, allegro, etc.) e um brasileiro (P. ex. "O Trenzinho do Caipira" e "O Canto da Nossa Terra", "Cantiga"). Na Bachianas Brasileiras n4, sute cujo 1 e 3 movimentos analisaremos, os movimentos recebem a seguinte denominao: Preldio (Introduo), Coral (Canto do Serto), ria (Cantiga), Dana (Miudinho).

    Como j pudemos ver, as Bachianas Brasileiras so as obras que iniciam a fase Neoclssica de Villa-Lobos, e (pelas datas demonstradas) de sua fase nacionalista. A obra se enquadrou muito bem no projeto nacionalista de Mrio de Andrade.

    O projeto explcito foi o de fazer a composio erudita beber nas fontes populares, estilizando seus temas, imitando suas formas, em suma, incorporando a sua tcnica. (AMATO, 2008, p.3)

    As Bachianas Brasileiras so uma alegoria dessa tentativa de fuso proposta por esse grande projeto.

    Percebemos, ento, que Villa-Lobos ao hibridizar a composio brasileira (JARDIM, 2005) - msica popular e folclrica - com a tradio europia da msica erudita - incorporada em J.S.Bach - estava pondo em prtica a proposio de Mrio de Andrade na construo de uma msica genuinamente nacional. Tal construo se baseava na originalidade seminal da msica folclrica e na admirao da grande estrutura formal e instrumental da msica erudita europia dentro dos meios intelectuais brasileiros. Dentro desse contexto, entende-se o porqu do sucesso das Bachianas.

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    4 ANLISE DO PRIMEIRO MOVIMENTO DAS BACHIANAS BRASILEIRAS N4: PRELDIO OU INTRODUO.

    Consideraes sobre o mtodo analtico atravs de redues grficas

    Muito embora a anlise atravs de redues grficas remeta ao seu criador, Heinrich Schenker (SCHENKER,1979) o uso das redues grficas feito de maneira mais livre, mais aproximado abordagem de Felix Salzer, aluno de Schenker (SALZER & SCHACHTER,1969; SALZER 1962). Essa abordagem livre facilita a anlise de um repertrio mais distante dos padres da tradio tonal para a qual Schenker desenvolveu sua teoria. Tal abordagem grfica para anlises de repertrio neoclssico considerada por Wittall (2008) bastante adequada na tarefa de distinguir vocabulrios diversos existentes nas composies dessa linha.

    Attempts have been made to use various foregroundbackground techniques to separate elements belonging directly to a historical model from modern modifications: Austin has offered a hypothetical Classical version of the Gavotte from Prokofievs Classical Symphony; Cone has contrasted the first movement of Stravinskys Symphony in C (193840) with Classical models; Vanden Toorn and Taruskin have focussed on Stravinskys use of octatonic scales. Yet the dangers of unproductive over-simplification are probably greater than for any other style or period, and the mostvaluable approach so far has been that of such analysts as Salzer, whose often very substantial modifications of Schenkerian principles can at least indicate the extent to which certain works may properly be defined as tonal at all (WHITALL, 2008, p.1)

    Apesar de no seguir estritamente nenhuma corrente dentro do escopo das anlises grficas (usando s para propsitos adequados para essa composio em particular), dada muita importncia, como de costume em tais anlises, s relaes hierrquicas entre as vozes dentro das passagens analisadas, onde procuro entender como o comportamento das diversas vozes constitui prolongamento de acordes estruturais (constituindo o discurso harmnico da msica) e o contraponto das obras em particular. As consideraes acerca de motivos e temas de igual modo importantes para o nosso trabalho sero destacadas na partitura da msica.

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    4.1 ASPECTOS GERAIS DA MSICA

    Segundo Caldas (2007): Existem duas verses desta obra, sendo a primeira para piano e a segunda para orquestra. A verso para piano foi composta de 1930 a 1941, estreada em 1939 por Jos Vieira Brando. A verso orquestral de 1941, tendo sua estria no dia 5 de julho de 1942, pela Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (CALDAS,2007,p.58)

    Este Preldio estabelecido totalmente na tonalidade de Si menor, com frases, cadncias e modulaes que operam na estabilizao desse tom.

    A obra construda atravs de um extenso desenvolvimento de um pequeno motivo, apresentado logo no primeiro compasso da msica.

    Figura 1: motivo principal do Preldio das Bachianas Brasileira Brasileiras n4

    Digno de nota - e deveras importante para nossa anlise - a homologia presente entre esse motivo acima citado com um fragmento do Tema Real1 da Oferenda Musical de Bach, composta em 1747. No fim do motivo temtico do Preldio de Villa-Lobos, pode ser vista a 7 menor descendente (sol5 na 1 voz e l4 na 2) presente tambm no tema real (Lb5 si4).

    1 Essa anlise baseada no artigo escrito conjuntamente por mim e o prof. Accio Piedade, como resultado de

    pesquisa de iniciao cientfica (Estudos em Anlise Musical) desenvolvida de ago/2007 a jul/2008 sobre a mesma pea (MOREIRA,PIEDADE. 2008)

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    Figura 2:Fragmento do Tema Real, da Oferenda Musical (c.1-3)

    Tambm o uso de um pequeno motivo como clula bsica para se compor uma obra inteira foi um procedimento usado magistralmente por Bach, no Preldio para a Fuga em D maior, do Cravo Bem Temperado.

    Figura 3: Motivo principal do Preldio da Fga em D Maior de Bach

    No Preldio de Villa-Lobos, o motivo inicial conduzido em diferentes alturas sobre diferentes acordes mantendo sua construo original. O motivo tambm transformado no decorrer da msica, sem, contudo, perder sua identidade.

    Em ambos os preldios, arpejos ascendentes desvelam a harmonia implcita e suas vozes constituintes. Essas vozes so conduzidas por graus conjuntos e seus retardos resolvidos por grau conjunto descendente, conforme a ensino tradicional do contraponto (FUX, 1965).

    Ainda no motivo principal do Preldio de Villa-Lobos, o arpejo atinge seu pice em um retardo que ser resolvido no acorde subseqente. Na maioria das vezes so stimas resolvendo em sextas ou nonas resolvendo em oitavas, como veremos mais profundamente na reduo para anlise (dissonncias em vermelho e resolues em verde).

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    Figura 4: Compassos 3-4 do Preldio

    O discurso meldico da obra conduzido pelo direcionamento da citao do motivo principal em diversas alturas diferentes. A msica pode ser ouvida, no nvel das frases, como sees que direcionam o motivo principal ascendentemente ou descendentemente, ou ento que o repetem enquanto os acordes sob a melodia mudam pela conduo das outras vozes. O preldio demonstra a inteno de Villa-Lobos em trabalhar os parmetros contraponto e conduo das vozes externas em um estilo tradicional, tpico do barroco. Uma preocupao que remete o ouvinte e analista, mais uma vez, ao estilo de Bach, delimitando e estruturando a obra como um todo.

    A partir desse raciocnio, a estrutura formal do preldio pode ser exposta da seguinte maneira:

    Exposio -Frase a (c. 1-5) - ascendente -Frase b (c. 6-9) - repetio do motivo -Frase b (c. 10-13) - semelhante seo anterior -Frase a (c.14-18) - com modulao para o incio do Desenvolvimento

    Desenvolvimento -seco modulatria (c.19-32) - O motivo original modificado e centrfugo - modulaes que fogem do centro tonal - e seu retorno tnica

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    Re-Exposio Frase a (c. 33-36) - Melodia exposta no baixo Coda (c.37-41) - Seo final

    De fato, essa estrutura formal poderia ser pensada como uma espcie de leitura livre da forma sonata (primeiro movimento da sonata). H muitas influncias do romantismo presentes nessa msica, particularmente na dinmica e na escrita pianstica: sbitos forte, sforzando, piano, uso de oitavas no baixo e explorao dos diversos registros do piano, fazendo com que muito da expresso de intensidade dessa obra seja trazida pelo esprito dramtico do romantismo.

    Figura 5: Compassos finais do desenvolvimento (c.28-30) - utilizao de motes do vocabulrio do romantismo; cromatismos e grande constraste de tessituras

    H ainda, para finalizar essa anlise descritiva do plano superficial da msica (antes de perscrutarmos aspectos como harmonia e contraponto mais profundamente) , alguns pontos a serem salientados, como o uso discriminado de oitavas e sua remisso msica para piano do romantismo.

    Para melhor compreenso do grfico que mostrar os prolongamentos e conduo de vozes de cada seo do Preldio de Villa-Lobos, uma partitura da msica completa ser fornecida, e logo aps, ento, um grfico do plano superficial da pea.

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    4.2 ANLISE APOIADA EM REDUES GRFICAS

    Como pode ser visto, atravs da reduo, as frases A e B que so citadas na exposio so prolongaes de Bm, cada uma sua maneira, usando condues de vozes diferenciadas e progresses lineares tambm exclusivas. Vamos agora olhar com mais ateno essas estruturas musicais.

    4.2.1 Exposio

    -Frase a (c. 1-5)

    Figura 6

    A figura mostra que a msica inicia com uma ascenso inicial at a primeira nota da linha superior da melodia, f#, um arpejo que o prprio motivo principal de toda a msica. Aps o arpejo, sol suspende a melodia numa dissonncia com o l da voz interior (stima menor). Essa dissonncia resolvida retornando ao f sustenido, produzindo um intervalo de nona maior entre as vozes externas (mi e f#).

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    Um arpejo de A7 entrega a nota mi ao acorde D. Essa nona resolvida por grau conjunto descendente na nota r.

    A ascenso por arpejo a uma nota da melodia superior, e a suspenso da mesma numa dissonncia seguida da sua resoluo no prximo acorde - ser o esprito (geist) condutor da frase A em toda a msica, inclusive quando essa frase for usada no desenvolvimento (c.19-31). As notas sol-si-d#-mi, so apresentadas em 3 arpejos cada um iniciando em uma nota diferente e sempre conduzindo dissonncias (introduzidas como retardos) dos acordes estruturais da msica na frase A. Os acordes produzidos por esses arpejos so de um vocabulrio harmnico romntico (A7(9), Em6 e F#7/4(b9), entretanto, o que Villa-Lobos trata insere consonncias romnticas (especialmente no caso do Em6 na primeira inverso, que antecede o Bm) como retardo e as resolve por grau conjunto, nos remete maneira de Bach trabalhar as dissonncias em suas obras.

    Na voz superior, uma progresso linear de quinta descendente construda pelas notas alcanadas por esses arpejos e suas resolues. Essa progresso iniciada em f# e desce at si, prolongando, dessa forma, o acorde de Bm no decorrer de todo esse trecho. A voz interna, durante o mesmo trecho, prolonga o acorde de Bm atravs de uma progresso linear de oitava descendente, do si4 ao si3. Essas duas progresses possuem um padro intervalar linear como veremos na prxima reduo.

    A voz inferior prolonga o acorde de Bm, atravs das diferentes oitavas que o si alcana, e seu retorno oitava original no fim. notvel o arpejo de Bm construdo pelos baixos das notas estruturais , si - r si- f# - si.

    A frase A muito semelhante, estruturalmente, linha superior da melodia da pea. Na voz superior h uma progresso linear de quinta descendente, e na voz inferior uma prolongao do I, passando pelas notas de seu arpejo (I -V - I). Em relao ao contraponto das vozes nessa seco, ser til observar a reduo do plano intermedirio da mesma, como a figura 7 demonstra.

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    Figura 7

    As vozes externas so conduzidas por movimento contrrio, e vrias vezes - como j comentamos - as dissonncias surgem e so resolvidas por grau conjunto descendente. So nonas dos acordes de D e Bm, resolvendo em suas oitavas, e a quarta suspensa de F#, resolvendo em sua tera. Essa resoluo da quarta suspensa de F# -si-, e o retorno dessa mesma nota no ltimo acorde da passagem, proporciona uma conduo de vozes oblqua entre as vozes externas, revelando mais uma vez o cuidadoso trabalho de condues de vozes dessa passagem. Quando todas as vozes constroem o Bm novamente, inicia a nova prolongao que ocorre na frase B.

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    - Frase b (c. 6-9)

    O motivo do arpejo ascendente constitui essa frase, entretanto, a estrutura das vozes dessa parte muito diferente da parte A.

    O arpejo possui as notas de Bm, mais a sensvel de si - l#. repetido, ento, com as mesmas notas e ritmo diferente por toda a frase B. E, substituindo a resoluo da dissonncia por grau conjunto, a clula meldica descendente desse motivo o salto de quarta justa inferior de si para f#, tambm repetido diversas vezes nessa seo.

    O arpejo analisado acima prolonga a nota si, trocando-a de oitava durante toda a seo. A voz inferior prolonga a nota si atravs de uma progresso linear de oitava descendente. Em cada arpejo de Bm na voz superior, a voz inferior soa outra nota no baixo, o que produz novos acordes para o mesmo conjunto de notas da voz superior.

    O baixo dos acordes estruturais continua a configurar um acorde de Bm, como arpejo do baixo.

    As vozes superiores mantm si e f# durante toda frase. J o baixo conduzido descendentemente, desenhando o movimento oblquo entre as vozes externas. Esse movimento a estrutura do contraponto da frase B.

    Quando a voz inferior alcana, ao descer, a nota mi, o arpejo de Bm soa nas vozes superiores. Quando as vozes se harmonizam construindo o acorde I6, uma das vozes

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    internas se sobrepe melodia principal, com a nota r, numa suspenso do acorde de Bm. Logo aps isso o si na melodia principal volta evidncia. Entretanto, o r inicia uma progresso linear de tera descendente do r5 ao si4, cadenciando a frase B.

    O movimento oblquo das vozes nessa seo ocasiona diversos intervalos harmnicos, sem um padro recorrente, como aconteceu na seo A.

    Figura 8

    -Repetio da frase b (c. 10-13)

    A nica diferena entre essa repetio de B e a primeira citao da frase o movimento do baixo que continua descendente , e prolonga o si uma oitava abaixo. Dessa forma prepara essa voz para a altura que dever soar quando a prxima citao de A aparecer, no fim da exposio. A dinmica crescente dessa seco - notada na partitura por acentos nas notas do baixo e pelo crescendo escrito na pauta - a diferencia muito da primeira apario de B.

    Pelo forte som que proposto nessa seo entende-se o prximo A como uma culminncia, onde o fraco som piano resultado da grande presso que as oitavas graves e a dinmica forte dessa seo B fizeram sobre a msica.

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    V-se dessa forma a presena inegvel do romantismo dentro dessa composio de Villa-Lobos. A nfase em dinmicas e sua expressividade caracterstica marcante do romantismo europeu, e essa caracterstica pode ser encontrada nessa obra. A explorao de diversos registros tambm est presente nessa seco. Tais elementos so to importantes nessa msica que uma seco inteira da msica foi repetida para ser "alterada" pela dinmica e explorao de registros extremamente graves do piano.

    Entretanto, a conduo de vozes na estrutura da obra demonstra o trabalho com consonncias, dissonncias, progresses lineares e intervalares aplicado por Villa-Lobos, lugar onde se encontra muito do idioma "bachiano" dessa pea.

    -Repetio da frase a (c. 14-18)

    Figura 9

    Semelhante primeira apario dessa frase, difere da anterior apenas pela dinmica piano e pela conduo ao desenvolvimento da pea com o acorde piv, B7(b9).

    Apesar de a voz superior conduzir novamente ao f# no seu ultimo arpejo, e a voz inferior continuar a prolongar o si, semelhana da primeira frase A, as vozes internas configuram no mais o acorde de Bm, mas o acorde de B7(b9), ligando o fim dessa seo ao incio do desenvolvimento, o acorde IV, Em.

    O baixo continua a arpejar na cadncia da frase A. No obstante, como era de se esperar, o arpejo no de Bm, e sim, de B.

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    4.2.2 DESENVOLVIMENTO

    Figura 10

    Como pode ser observado na figura acima, o motivo inicial da msica - o arpejo ascendente - aqui levado mais longe. No incio dessa seo o d introduzido pelo arpejo de B7(b9) transferido para a melodia, assim como o r, como mostra o grfico.

    Ao alcanar nota f# no baixo, inicia-se uma progresso linear que prolongar o V de Bm - F#. Duas progresses lineares prolongam o acorde de F#7: a progresso de stima descendente de f# at a nota mi na voz inferior e uma progresso linear de quarta na voz superior de f# at a nota d#. As duas progresses terminam formando um acorde de F#7 na terceira inverso, que resolve no Bm na primeira inverso.

    A ocorrncia simultnea dessas progresses, a sua localizao no contexto da msica (dentro do desenvolvimento), a resoluo das suas notas no acorde estrutural de Bm e a mudana na direo do movimento das vozes aps seu fim atestam o prolongamento do V de Bm; a ocorrncia de uma breve modulao para a regio de F Sustenido. H tambm, confirmando essa afirmao, uma progresso linear de tera descendente nas vozes inferiores de l# (enarmonia de sib) at f# (enarmonia de solb), enfatizando

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    importncia dessas duas notas (tera e fundamental de F#) no contexto da passagem. Com a liberdade caracterstica da seo do desenvolvimento, uma seqncia de

    dominantes estendidas conduz a msica de Eb7 na segunda inverso (c.23) at D7 na primeira inverso (c.26). As dominantes estendidas comeam com Eb7 resolvendo em Ab7(c.23), que conduz a Db7 que resolve em Gb7(c.24), que conduz a B7 que resolve em E7(c.25). E7 resolvido em A7 (c.26) e esse termina a seqncia das dominantes estendiads em D7.

    O dialogo entre as vozes intermedirias e a melodia principal foi muito semelhante ao que ocorreu na frase A da exposio.

    O arpejo do acorde dominante conduz a nota do incio do arpejo uma oitava acima. Quando essa nota alcanada, o acorde sob ela muda (para o prximo dominante) tornando essa nota, antes consoante, uma nota vizinha a ser resolvida por grau conjunto descendente.

    Aps o D7, o acorde F#7 com baixo em mi soa, resolvendo no acorde de Bm na primeira inverso, iniciando um novo movimento das vozes e uma seo pr-cadencial do desenvolvimento.

    Essa seo pr-cadencial (c. 28) progride em intensidade expressiva, do ponto de vista rtmico e meldico. As clulas rtmicas que constituem a melodia vo sendo encurtadas, enquanto as frases maiores construdas por elas vo crescendo e alcanando o registro mais agudo at o pice da seo, o acorde G7M(9) produzindo uma cadncia de engano. Enquanto isso, o baixo que desce desenha o movimento contrrio em relao a voz superior. Esse procedimento cheio de energia acumula uma urgncia de relaxamento que ser obtido na cadncia da seo do desenvolvimento, em um arpejo de tercinas descendente sobre G7M(9).

    Aps essa parte da cadncia com sotaque debussyano, o acorde de Em6 e F#7 conduzem, em andamento decrescente, a msica sua re-exposio.

    No fechamento do desenvolvimento, atravs do arpejo, o compositor levou a msica a outro registro meldico, mais grave, onde se dar a re-exposio. Atravs do arpejo descendente, o f# da linha meldica superior desce uma oitava e nele inicia uma progresso linear de quinta descendente at a nota si, onde acordes se situam no registro

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    que era da melodia, que agora se ouvir na re-exposio, na clave de f. Por ocorrerem progresses lineares paralelas entre as vozes, o padro intervalar

    linear 7-6 entre as vozes foi comum nessa seo.

    Figura 11: Nvel estrutural intermedirio do Desenvolvimento (c.18-33)

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    4.2.3 RE-EXPOSIO

    - Frase a (c.32-35) e coda (c.36-40)

    Figura 12

    Uma nova textura da msica apresentada na re-exposio da frase A. A melodia, os arpejos e a linha meldica superior soam mais graves, na clave de f,

    sobre a voz mais grave que desce, da mesma maneira que a frase B da exposio, duas oitavas atravs de duas progresses lineares de oitava descendente. Continuando a semelhana com a frase B, a dinmica inicial dessa seo um sbito fortissimo logo aps o fim do desenvolvimento, em pianissimo.

    Os prolongamentos de Bm na re-exposio so construdos por progresses lineares de oitava descendente nas duas vozes externas.

    Na primeira metade desse trecho, as vozes externas desenham progresses lineares de oitava em movimento contrrio, a voz superior ascendentemente e a inferior descendentemente.

    J na segunda metade, as progresses lineares de oitava so paralelas, - muito embora tendo ritmos diferentes - ambas so descendentes, fato que ocasionaria um problema de conduo de vozes. Entretanto, a voz superior constri progresses lineares ascendentes que propiciam esse paralelismo entre as progresses de oitava descendente.

    A linha meldica superior, agora escrita na clave de f, na repetio da frase A, desce pela ltima vez encontrando o primeiro grau da tonalidade de Si Menor. O arpejo principal do baixo encontra seu V, alterado com sexta aumentada F# com 7 diminuta com 5 diminuta no baixo. Essa sonoridade foi inserida pela primeira no compasso 32 da obra,

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    quando o acorde F# conduzia ao incio da re-exposio. Nessa ocasio, pela dinmica na interpretao e pela localizao do acorde num ponto chave da msica o referido acorde antecede o Bm final considerado o V estrutural da anlise. O ltimo acorde, Bm, tocado como grand finale, em molto fortissimo, mostrando o grande acorde da msica, resumo da mesma.

    As discusses e interpretaes mais profundas acerca dos dados obtidos nas anlises sero feitas no ltimo captulo do trabalho, onde o material extrado da anlise ser discutido tendo em vista assuntos mais globais acerca do estilo de composio e a proposta de Villa-Lobos para essas msicas. Prossigamos agora para a anlise da ria.

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    5 ANLISE DO TERCEIRO MOVIMENTO DAS BACHIANAS BRASILEIRAS N4: RIA OU CANTIGA

    5.1 ASPECTOS GERAIS DA MSICA

    O terceiro movimento das Bachianas Brasileiras n 4, intitulado pelo compositor de ria (pseudnimo neoclssico) e Cantiga. Na partitura h uma anotao indicando que o material temtico da obra baseado em um tema nordestino. Tal comentrio muito til para direcionar nossa investigao e nos ajudar a identificar elementos musicais do vocabulrio nordestino nessa msica.

    Sugerimos que o leitor acompanhe a audio da msica com a partitura abaixo, seguiremos aps ela com as consideraes analticas.

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    Devemos, antes de uma anlise pormenorizada da msica , localizar a influncia neoclssica de Villa-Lobos na grande forma dessa obra.

    A Cantiga composta de trs sees estruturais: uma idia principal (A), seu contraste e (B) e sua recapitulao com poucas modificaes(A'). Vejamos a diviso das trs sees formais da obra, mais a introduo e coda.

    -Introduo: c.1-6 -A (Exposio): c.7-37 -B (Variao e Desenvolvimento): c.38-80 -A (Re-exposio): c.81-116 -Coda: c.116-122

    V-se , portanto, que se trata de uma forma ternria. Schoenberg ilustra os exemplos de forma ternria citando obras como as diversas sonatas para piano de Beethoven (SCHOENBERG, 1991, p. 152), a Sonata para Piano n 35, de Haydn (op. Cit, p. 154), o segundo movimento da Sonata para Violino e Piano, K.V 377, de Mozart e o segundo movimento do Quarteto de Cordas Op.29 de Schubert (op. Cit. p.155).

    Baseando tal raciocnio nos escritos de Schoenberg sobre forma musical, a forma ternria uma forma clssica em vrios sentidos. Clssica, por ser muito usada no repertrio ocidental, e tambm por que muitos (se no todos) compositores do classicismo a usaram.

    Aps esses vrios exemplos percebe-se o porqu da consagrao dessa forma. Dentro da forma sonata o segundo movimento (andante) geralmente constitui uma forma ternria. As pequenas formas ternrias, tambm muito conhecidas na msica popular europia - e tambm na brasileira- so chamadas de forma-cano ternria, ou apenas forma cano.

    Percebe-se ento - em nvel de grande forma - o pilar onde Villa-Lobos estabeleceu o seu neoclassicismo: a forma ternria.Contudo, no nvel de construo das sees formais e das prprias frases musicais tambm temos o emprego padres clssicos tradicionais, como veremos no decorrer dessa anlise.

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    Iniciaremos a anlise nas sees com material temtico, procurando nessas a relao com as demais sees, como a introduo.

    5.2 ANLISE MOTVICA E ESTRUTURAL DAS SEES

    5.2.1 EXPOSIO (C.7-37)

    A primeira parte da seo A (c.7-21) da msica construda sobre uma forma modificada do perodo clssico - onde h reiterao do perodo inteiro - somada a uma sentena que contem na sua cadncia material do perodo (tambm repetida). -Estrutura da seo A

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    Figura 13: Exposio dos temas 'a' e 'b'

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    Apesar de o perodo (c.7-14) ter oito compassos - conforme o esperado - ele repetido duas vezes (c.15-22). Outra caracterstica interessante que apesar da repetio idntica da melodia nos antecedente e nos conseqentes dos perodos, a mudana de figura rtmica e meldica -ou seja, contrapontstica - no conseqente gerando uma grande variao harmnica no mesmo. Rti (1961) considera esse procedimento um dos principais recursos para se construir temas (troca de harmonia2).

    Figura 14: Harmonia do c.7-14

    Tal concepo da estrutura do A dessa obra como um perodo adicionado a uma sentena - nesse caso, o perodo do c. 7 a 22 e a sentena do c. 23 a 38 - no estranha aos cnones da msica clssica. Segundo Schoenberg (1991,p.48) "Estas estruturas [Perodo e Sentena] normalmente aparecem na msica clssica como partes de grandes formas (por exemplo, o A, na forma ABA')".

    Pode se, ento, perceber elementos tratados de maneira diversa dos padres estabelecidos pela regra da composio clssica dentro dessa seo que acabamos de ver. Isso no de nos surpreender uma vez que sabemos que a inteno do compositor no era basear sua obra inteiramente em padres de composio classicista, mas sim estabelecer uma relao entre ela e seus ideais modernistas, na criao de uma msica nacional (LISBOA, 2005a, p.80).

    Com relao introduo de variedade, interessante notar que a variao do

    2 Change of Harmony.Termo de Rti (1961). Traduo do autor. Isso se aplica a todos os termos de Rti

    utilizados nesse trabalho.

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    conseqente (c.11-14) introduzida na primeira metade do mesmo (c.11-12), atravs da mudana do ritmo harmnico e da conduo do baixo, enquanto na segunda metade do conseqente (c.13-14) a cadncia idntica do antecedente (c.9-10). Essa introduo de variedade num lugar incomum (na medida que a variedade que mais se destaca no conseqente) de certa forma evita a monotonia que poderia ser causada pelas duas cadncias idnticas em I (onde era esperada a variedade).

    Contudo, olhando mais diretamente para os quatro compassos de uma nica citao do motivo do tema, percebemos aspectos interessantes da constituio motvica e formal do mesmo.

    Figura 15: Estrutura de perodo do tema (c.6-10). Antecedente, conseqente e suas cadncias

    Dentro dessa citao percebe-se uma organizao meldica que remete ao perodo. Do c.7 para o 8, temos um motivo de tera menor descendente (muito importante na pea - veremos mais tarde por que). No c. 8 uma nova frase surge e conduz para uma repetio do motivo de tera menor descendente (c.9) que finaliza descendo para f, em uma cadncia descendente.

    Apesar da semelhana dessa parte acima comentada com o formato do perodo, a estrutura da harmonia - onde a primeira apario do motivo no I e a segunda na V - constitui a apario temtica de uma sentena, no formato I-V-V-I. Schoenberg falando sobre a constituio motvico-harmnica diz que "na repetio, o ritmo e o perfil meldico so conservados; um elemento de contraste produzido com a variao da harmonia e com a necessria adaptao da melodia" (SCHOENBERG,1991, p.49).

    interessante perceber a noo de repetio e contrastes encontradas nos compassos 7 e 8 da msica. Aps trs notas repetidas h um movimento descendente no

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    compasso 7 e ascendente no 8, mostrando a filiao das duas melodias. A segunda apresentao do tema geralmente a inverso da primeira. De fato que acontece dos compassos 7 14.

    Figura 16: Estrutura de sentena do tema (c.6-10)

    Contudo, diferente do que sugere Schoenberg, a repetio do motivo temtico no V (c.9), no adaptada para o acorde em que se sobrepe, ao contrrio permanece idntica a sua primeira apario em I (c.7), conferindo ao acorde C7 uma sexta menor. O contralto em r natural adiciona ao D maior um acorde com alteraes provenientes da escala de F Menor ascendente (nona maior no acorde de d). Tanto o lb quanto o r natural podem tambm ser entendidos com uma apojatura para as "reais" notas da trade de D Maior (formando uma dupla apojatura), no segundo tempo do compasso 9, mi natural e sol.

    O caminho que o contralto faz no compasso 9 em direo ao f do compasso 10, o conhecido caminho da neutralizao de notas alteradas na escala menor -configurando a escala menor meldica (SCHOENBERG,2004, p. 36).

    A segunda parte da seo A (c.24-38) constituda por uma quase-sequncia (Schoenberg, 2004, p. 150) e uma reiterao do material a, como cadncia da seqncia. Toda essa estrutura duplicada da mesma forma que a primeira parte da seo A, equilibrando, assim a ocorrncia do tema (a), do seu contraste (b) e recapitulao (a).

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    Chama-se quase-seqncia o que ocorre dos compassos 24-27 e suas repeties (c.32-35) pelo fato de que, segundo Schoenberg (2004,p.148), as verdadeiras seqncias so transposies exatas de uma melodia para o um outro grau. O que acontece aqui uma seqncia tonal, onde as notas diatnicas so usadas na transposio do modelo. Vejamos a harmonia do trecho, e percebamos tambm a mudana de regio para a subdominante menor de F menor - Si bemol menor.

    Figura 17: harmonia da segunda parte da seo A (c.23-38)

    A citao de a (c.28-30) no fim dessa parte seqencial interessante se entendida do ponto de vista motvico tambm, mais do que apenas o formal.

    Vejamos as clulas motvicas do modelo e sua seqncia:

    Figura 18: Clulas motvicas bsicas do contraste da seo A

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    Configurado por trs clulas motvicas e suas transformaes (RTI, 1961), o contraste da seo A logo mostra como conserva a unidade do tema na diversidade proposta pelo seu aparecimento.

    Nova tessitura, diversa harmonia , mudana de regio harmnica e mesmo o desenho do baixo em semnimas- bem como a constituio de uma seqncia - no disfaram a semelhana motvica dessa parte com o primeiro aparecimento do tema a (c.7-14). O arpejo de F menor (c.23) - que conduz ao incio do contraste - ser o propulsor que levar a melodia a uma nova tessitura. Esse arpejo tambm ser utilizado como elemento constituinte do motivo do contraste.

    Ento, ao alcanar o F5 (c.24), a repetio da mesma nota 4 vezes mostra parte da identidade do tema, o ritmo marcado de uma mesma nota. Inclusive essa idia frisada na prpria introduo da msica, na finalizao da mesma.

    Figura 19: Repetio marcada da nota f na introduo

    O nmero de vezes que a nota parada ser repetida varia em diversas partes da msica como os exemplos mostraro. Rti (1961) denomina esse procedimento temtico de 'Reduo ou aumentao de desenhos temticos', ou seja , o acrscimo ou decrscimo de notas dentro de um desenho meldico.

    O tema, na sua exposio tambm apresenta esse motivo com freqncia:

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    Figura 20: Repetio denotas paradas no tema a (c.7-11)

    De fato a constituio do motivo dessa seqncia muito semelhante ao tema principal da seo A: uma nota parada repetida seguida de um motivo de tera menor descendente (em azul e vermelho no grfico, respectivamente).

    Figura 21:Comparao da constituio do tema 'b' (c.23-30) e 'a' (c.7-11)

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    Tal semelhana estrutural entre esses dois motivos possibilita de maneira especial a reapario do tema a no contraste (c.28-30), que parece ao mesmo tempo parte integrante da seqncia do motivo b, por tal semelhana.

    Figura 22: A semelhana da construo de 'a' e 'b' permite uma ligao suave dos dois temas (c.23-30)

    O arpejo do compasso 23 trabalha de diversas formas a estrutura do tema b. Conferindo na ilustrao 5 e usando a terminologia usada por Rti (1961) podemos classificar as variaes do arpejo como 'corte de partes temticas' onde a nota d omitida (c.25) , 'reverso' com 'troca de acidentes' (c.27).

    primeira vista, o arpejo que inicia a seo de contraste (c.23) parece no remeter a nenhum motivo encontrado no tema a, contudo se olharmos tambm pela tica de Rti, percebemos que o motivo do arpejo mais do que um simples recurso de ampliao de tessitura, mas parte integrante da idia da unidade da msica.

    Para chegar a tal concluso, voltaremos rapidamente primeira citao do tema a (c.7-11). Anteriormente discutimos a apario do acorde de D maior na 1 inverso com 9 e 6 menor na cadncia do tema a (c.9). Qual seria a importncia de se enfatizar o l bemol do acorde - apojatura -de maneira to enftica, a ponto de trat-lo com consonncia (pela durao de dois tempos e repetio de nota parada), mesmo resolvendo-o no acorde de D maior?

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    Figura 23:Arpejo de Fm na melodia, gerando dissonncias no nvel harmnico do trecho(c.8-10)

    A importncia a prevalncia da melodia sobre a harmonia, nesse contexto. A identidade meldica no poderia ser contestada, sua personalidade deveria ser mantida. Como resultado disso, temos um arpejo de F menor na melodia, montado pelas trs notas mais salientes do trecho analisado: a mais aguda, a que repetida insistidamente e a tnica.

    No trecho abaixo onde o tema a finalizado e inicia-se o tema b, pode-se ver bem a reverso do arpejo em b, como uma resposta daquele arpejo em a -da mesma forma que o movimento do baixo no compasso entre os dois arpejos (c.22) antecipa a movimentao e direo meldica do baixo no tema b.

    Figura 24: Presena de arpejos de Fm nos temas 'a' e 'b' (c.20-23)

    Finalizando a anlise motvico-harmnica da seo de exposio A, notemos que o ltimo compasso da seo (c.38) uma eliso para a seo do desenvolvimento, onde o andamento acelera (de moderato para vivace) e a repetio da nota parada (em f) se

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    torna novamente presente, agora fortificada por ser oitavada (f4 e f5). Esses dois atributos sero muito importantes anlise da prxima seo.

    Figura 25: Mudana de andamento de 88 para 132 bpm, a nota f parada e atacada rapidamente com a nota f grave no pedal - carter da seo de desenvolvimento (c.37-39)

    Anlise do contraponto e harmonia da Seo A

    Figura 26: Duas citaes de a na exposio

    Tema 'a' (c.7-14): A melodia inicia com um salto ascendente de tera, de f para lb, ambos pertencentes ao acorde de F Menor que est construdo pelas outras notas. O acorde Fm prolongado por uma progresso linear de tera descendente que retorna do lb ao f. No compasso 8 o sib forma uma tera com o sol que tocado com a mo esquerda. O intervalo inicial do compasso 7 tambm uma tera, indicando a repetio de um padro harmnico

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    nesses compassos. No compasso 9, o acorde que soa D dominante com sexta menor (lb na melodia), soando mi natural no baixo. Finalizando a primeira apario desse tema, h uma progresso linear descendente de tera, de lb para f. Junto com essa progresso se percebe outra, em movimento contrrio - r natural, mi natural e f; sexto e stimo graus da menor meldica ascendente- finalizando em um unssono em f. A primeira prolongao de f est completa. Para a introduo da segunda citao de 'a', a voz inferior desce atravs de notas de passagem cromticas. Na segunda apario do tema 'a' (c.10-14), a movimentao das vozes ocorre de maneira diferente, e novos intervalos se estabelecem entre as vozes externas. Pela diferente movimentao rtmica da voz inferior - ela se move mais rapidamente que a superior, em semnimas - o movimento oblquo predomina em diversas partes dessa seo. Uma nova textura se desvela nessa repetio de 'a'.

    Figura 27:Segunda apario de 'a' na exposio

    No compasso 10, onde a melodia repousa do fim da primeira apario de 'a', a voz inferior desce cromaticamente a partir de f e chega no compasso 11 em rb. A melodia de 'a' continua igual, contudo novas relaes harmnicas se estabelecem no compasso 11. Para cada nota h uma outra nota que demonstra o tratamento do contraponto que Villa-Lobos teceu, respeitando nessa seo as regras tradicionais de conduo dessas duas

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    vozes. Do intervalo de quinta justa forma por rb e lb ele conduz, por movimento oblquo a voz inferior a d, para um intervalo de sexta. Desce ento, com as duas vozes para sib e sol, formando outra sexta e descendo mais uma vez para lb e f (movimento de sextas paralelas).

    No compasso 12, de maneira semelhante ao compasso 8, sol e sib nas vozes extremas constroem uma tera menor que conduz o restante do tema 'a' da mesma forma que a primeira citao, com exceo da finalizao do perodo no f1 reforado pela oitava em f2. Haver, depois dessas duas citaes de a, uma repetio literal desse trecho, do compasso 15 ao 22. importante salientar a presena da nota f em quase todos os compassos das citaes de 'a', salvo em acordes onde seria invivel (como C7, no compasso 8 e 9).

    No compasso 23, inicia o tema 'b' da seo A. De carter bastante diferente do tema 'a' possui bastantes semelhanas no que diz respeito constituio dos prolongamentos dos acordes. Sua melodia superior alcana f5 por arpejo de Fm, e descende, por grau conjunto at f4, configurando uma progresso linear de oitava descendente.

    Figura 28: Citao de 'b' na exposio

    Com uma movimentao na clave de f no compasso 22 que lembra o incio da segunda citao de 'a' (c.10), a melodia descendente repousa em d no compasso 23, onde a melodia superior ascende do f4 a f5 atravs um arpejo de F menor. No mesmo

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    compasso, a melodia inferior continua o movimento descendente iniciado um compasso anterior. Contudo, agora desce por graus diatnicos, em movimento contrrio ao arpejo. No compasso 24, apesar das semnimas em f4, o que se percebe que se estabelece um movimento oblquo da voz inferior em relao a essa nota parada. Nesse compasso vemos um contraponto tambm regido pela tradio da composio clssica. H uma sexta (lb-f) que pelo movimento da voz inferior conduz a uma oitava (f-f).

    O compasso 27 inicia com uma sexta (f-rb) resolvendo por movimento oblquo da voz superior numa quinta (f-d) ambos sobre o acorde de Si bemol menor. Na melodia o d (vizinho incompleto de rb) salta para l natural, suportado pelo acorde de F dominante. De l natural h um salto consonantal para f. Quando o l chega melodia do compasso 27, ele forma com o f da voz inferior uma dissonncia imperfeita, a tera, chegada atravs de um movimento contrrio de uma quinta (f-d). Essa tera formada por f-l natural conduz a uma nona, que introduzida na voz inferior por movimento de grau conjunto descendente e na voz superior por salto para nota do acorde F.

    Essa nona resolvida pelo movimento descendente de grau conjunto do baixo, que alcana rb no compasso 28, enquanto a voz superior salta para sib - tnica do acorde em questo, Si bemol menor - para citar os ltimos compassos do tema 'a' (c.8).

    interessante salientar o comportamento das vozes do contraponto do compasso 8. Aps o j citado intervalo de sexta rb-sib, a melodia continua sobre sib por mais duas notas. O movimento descendente e conjunto do baixo configura uma dissonncia de stima (d-sib) que resolve - atravs do movimento oblquo do baixo- em uma oitava (sib-sib). Essa oitava, movendo suas vozes em direes opostas - uma tima maneira de se sair de uma dissonncia perfeita - forma uma tera (lb-d). Nos ltimos compassos da apresentao do tema 'b' (c.29-30) a progresso linear de tera descendente continua aparece como citao do tema 'a'. Nesse momento as vozes inferiores do o baixo dos acordes cadencias, Gm7(b5), C7 e Fm. A repetio literal do tema 'b' se dar nos prximos compassos da seo A (c.31-37). bom salientar a presena da nota f nas vozes intermedirias durante todo o tema 'b', com exceo do acorde de C, onde a voz que sustenta f oscila pra d, para retornar na

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    resoluo em F menor. Esse comentrio serve para sustentar o argumento da absoluta predominncia da nota f durante toda msica.

    5.2.2 VARIAO E DESENVOLVIMENTO(c.38-80)

    A seo B da msica construda sobre o padro rtmico do Baio, fazendo claras remisses a esse gnero musical, tanto no nvel rtmico-meldico quanto no harmnico. Dentre dessa seo h diversas seces onde diferentes aspectos de toda obra podem ser detectados. Vejamos essas sees:

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    Aqui delimitamos as diversas partes dessa seo:

    -Baio (c.40-45) - Harmonia V-I; forte elemento rtmico do baio. -Verso da exposio (c.46-57) - Citaes do tema 'a' e tema 'b'. Duas repeties de cada. Introduo de elementos cromticos (nova sensao espacial do som e textura das vozes internas) -Baio (c.58-63) - Repetio da seco do c.40-45. -Verso do tema 'a' da exposio (c.64-68) -Verso do tema 'a' da exposio, no baixo (c.69-74) -Seco de tercinas com melodia cromtica - inspirada na introduo (c.75- 80)

    O padro rtmico da seo baio, da variao, claramente exposto pela segunda melodia na clave de sol do meio, na partitura:

    Figura 29: O padro rtmico do baio (c.41-44)

    Observemos a harmonia dessa parte:

    Figura 30: Harmonia da seo 'baio' (c.41-45)

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    Apesar das sonoridades estranhas ao acordes perfeitos estruturais que sustentam essa harmonia - dissonncias como mib em C7 e rb em Fm (c.40-45) e o pedal em f que acompanha toda a seo de variao esse encadeamento I-V tipicamente uma harmonia de dana, circular. O fato de que a melodia do acompanhamento rtmico padronizada (com um contorno meldico semelhante, como seqncia) fortalece o aspecto circular e danante do baio.

    De fato, essa seco da msica de extrema importncia para a construo da identidade brasileira da msica. Como foi falado ao incio dessa anlise (e pode ser visto na primeira folha da msica), a Cantiga foi composta baseada em um tema nordestino.

    Tanto o tema da exposio - lrico - quanto essa seco da variao, mais rtmica e enrgica,demonstram uma variedade de aspectos da msica regional que Villa-Lobos capturou nessa sua obra. Na verso da exposio da variao (c.46-57), alm da prpria mudana do andamento, os temas da exposio aparecem escritos em colcheias , diferente da exposio, onde foi apresentado em andamento lento e em semnimas. Tambm pelo carter de contraste pretendido pela variao, as sonoridades agudas tambm conduzem os temas a oitavas mais altas.

    Figura 31: Comparao entre apario de temas na exposio e na variao

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    Outra diferena muito ntida entre a apario dos temas na exposio e na variao o tratamento harmnico que a melodia recebe nessas duas partes. Na exposio, acordes da tonalidade de F menor constroem as progresses que conduzem a harmonia sob os temas. J na variao, entidades harmnicas individuais soam independentes dos temas, abrindo outra dimenso sonora e textura para a msica nessas situaes.

    Por exemplo, no compasso 46 - onde o tema 'a' aparece pela primeira vez na variao - a voz interna (na clave de sol central) desenha um movimento cromtico ascendente e descendente independente do tema, estando no mesmo ritmo que ele. Um contracanto variado, s vezes oblquo, que por carter to diverso do tema assume uma outra identidade, obtendo o objetivo do contraponto: a nitidez de vozes diferentes, que trilham caminhos diferentes.

    Cabe aqui um breve comentrio sobre o uso do contraponto nessa obra (investigaremos esse aspecto na reduo adiante).

    Apesar de essa idealizao do contraponto ser um conceito imediatamente relacionado a Bach e sua obra - e todas suas regras de consonncias e dissonncias - Villa-Lobos consegue trabalh-lo de maneira conveniente a suas pretenses modernista. Com dissonncias ousadas entre as vozes que se movimentam, e um pedal na tera menor f-lb (fortalecendo o tom) constri uma passagem com um rico contraponto no s entre notas, mas de identidades sonoras cromticas e diatnicas, uma expanso da tonalidade. Mostra Bach incorporao do neoclassicismo nessa obra- e o brasileiro proposto por Mrio de Andrade e seus correligionrios, conjuntamente. Na verso do tema 'b', as sonoridades cromticas reaparecem, contudo, o ritmo da mo esquerda volta-se conduo do baio.

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    Figura 32: Verso do tema 'b' no desenvolvimento (c.54-56)

    Aps a apario dos dois temas da exposio, remodelados ao esprito da variao, a seo rtmica do baio retorna mais uma vez, com sua melodia e harmonias circulares, e o grande pedal no f grave (c. 58-63), caracterizando uma seo de transio de tenso at o compasso 64, onde reaparece a verso do tema 'a' da exposio, finalizando as aparies melodicamente iguais dos temas da exposio. Na re-exposio, o tema 'a' tambm ser citado novamente depois das aparies ordinrias dos temas (a a , b a', b a',a). Essa reiterao final, saindo do padro, dentro do contexto da obra serve para pontuar a seo, finalizando, levando o ouvinte quilo que certamente ser o fim da seo, de outra forma - com mais repeties -, a mesma poderia entrar na monotonia - literalmente.

    Tanto verdade isso que, continuando a variao aps a citao de 'a', Villa-Lobos desenvolve o motivo rtmico de 'a', segundo o que Rti chama de "concepo do contorno temtico", procedimento composicional onde o contorno meldico do tema mantido enquanto as alturas absolutas so mudadas . Atravs de um desenho meldico e rtmico muito similar ao do 'a' da exposio, Villa-Lobos o inicia uma oitava acima. Em cada repetio desse tema, ele tocado uma oitava mais grave. Na mo direita, sons agudos e clusters de segunda e sexta executam padres rtmicos diverso de to o resto o resto da msica. Esse acompanhamento tambm desce uma oitava a cada repetio do tema - tudo isso feito em dinmica forte.

    Esses so os diversos recursos que Villa-Lobos utilizou para reapresentar e desenvolver ainda mais o tema 'a' evitando a monotonia e ainda conduzindo a