moesch, marutschka - para além das disciplinas

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  • 8/18/2019 Moesch, Marutschka - Para Além Das Disciplinas

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    PARA ALÉM DAS DISCIPLINAS, O DESAFIO DO PRÓXIMO SÉCULO

    Marutschka Moesch

    As implicações epistemológicas para a construção de uma teoria do Turismo, sob uma

    concepção interdisciplinar, requer a superação de paradigmas fossilizados em muitos

    discursos acadêmicos, institucionais e profissionais. Revisitar as teorias do Turismo a partir

    das novas práticas sociais deste fenômeno não é compromisso exclusivo dos pesquisadores

    e educadores nos mais de trezentos cursos da área, no Brasil: esta preocupação

    epistemológica deve recair, também, sobre consultores e políticos que atuam no setor, no

    país e no exterior, cujos discursos eufemísticos apontam números grandiosos, sem se ater ao

    papel dos   SUJEITOS consumidores   e   produtores   envolvidos. Uma epistemologia do

    Turismo envolve cuidados teóricos, advindos de um entendimento complexo sobre uma

    prática social que se dissemina de formas diferenciadas, a partir de subjetividades

    infinitamente diversas e de vivências múltiplas dos SUJEITOs que as praticam, em um

    mundo que se globaliza.

    Os conceitos até agora registrados na literatura dita sobre uma teoria do Turismo, não

    avançam na derrubada das barreiras impostas pelas primeiras análises, datadas no início

    do século 20. O tráfego de pessoas e o movimento econômico, componentes de base

    determinista, reproduzem-se diante dos índices exponenciais de crescimento do fenômeno

    turístico mundial que, segundo dados da OMT (2000), girariam ao redor de 3,4% ao ano.

    As análises com a definição e/ou categorização do que viria a ser o  turismo de negócios  e

    de eventos , por exemplo, é um tema periférico no debate, apesar de serem estas a motivação,

    cada vez mais crescente na última década, das viagens.

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    A sociedade pós-moderna, plugada em redes, convive com formas de uso do TEMPO

    liberado, das férias familiares - garantidas pelas leis trabalhistas aos cidadãos ainda

    empregados - às novas experiências permitidas pela TECNOLOGIA, onde deslocamentos

    no ESPAÇO e no TEMPO podem ser reais, mas também virtuais. A conjugação dos

    TEMPOS vivenciais diferenciados, a espaços cada vez mais unos, favorecendo a

    convivência física entre as pessoas e a vivência com intensidade das inter-relações, em

    praias massificadas ou em bucólicos recantos rurais, requer novas reflexões e teorias

    explicativas, para uma melhor atuação dos bacharéis em Turismo, no processo de

    planejamento. As novas práticas turísticas requerem uma nova praxis  turísticas.

    A sociologia compreensiva auxilia no desvelamento deste caminho epistemológico. Autores

    como Maffesoli, Lyotard, Baudrillard, Castells, Urry, Krippendorf e Molina contribuem, de

    forma tangencial ou direta, para a compreensão da complexidade do Turismo: um

    fenômeno marcadamente multisetorial em sua produção e interdisciplinar em sua teoria.

    O PENSAMENTO CARTESIANO E O TURISMO

    Construir um novo campo teórico para o Turismo requer um método que avance na

    concepção do que seria conhecimento, ciência e teoria. O tratamento disciplinar que vem

    sendo dado ao estudo do Turismo - e daí a dificuldade em sua superação - faz parte do

    contexto da produção do conhecimento científico moderno. A disciplinaridade é

    conseqüência do uso do paradigma analítico na construção dos saberes; até bem pouco

    tempo, este paradigma era tido como único e incontestável.

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    Este método divide problemas grandes ou complexos em partes, acreditando, assim,

    diminuir sua complexidade ao diminuir a intensidade das informações e relações. O

    problema maior é dividido em questões menores; repartindo-o em partes independentes,

    acredita-se alcançar uma maior compreensão. Por quê? Porque resolver problemas, nesta

    lógica, seria separar, solucionar os problemas de cada uma das parte ou setores e, assim,

    capacitar o aluno a enfrentar um problema maior.

    Não podemos negar que a ciência permitiu grandes avanços ao pensamento humano, devido

    a essa abordagem analítica, chamada de   cartesiana , por ter em Descartes um dos seus

    principais teóricos. Hoje, o cartesianismo não dá conta, quanto se trata de uma maior

    aproximação dos problemas sociais contemporâneos. Como afirma Edgar Morin (1998), a

    racionalização originada na trindade técnica, ciência e razão - as quais já forneceram a luz

    para esclarecer os caminhos do futuro - está equivocada, mutilada, por conter rupturas

    internas. Hoje sabemos que a ciência produziu coisas boas e fecundas, mas também

    permitiu que, pela primeira vez, a humanidade vislumbrasse a possibilidade da destruição

    total do planeta, com a bomba atômica. Quer dizer, há problemas dentro da razão, como

    afirma Morin (1998).

    Os currículos universitários, na sua maioria, tratam o conhecimento numa abordagem

    analítico cartesiana. Os alunos dos cursos de Turismo, por exemplo, têm disciplinas de

    língua estrangeira, de Geografia, de Sociologia, de Fundamentos do Turismo e, em média,

    trezentas horas de estágio "para ver como é a dinâmica do real", o chamado mercado de

    trabalho. Quando muito, há o esforço de reunir estes conhecimentos, respeitando a

    fronteira de cada disciplina, num Projeto Experimental, que buscaria relacionar teoria e

    prática.

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    O Turismo assim construído na cabeça do estudante é ora uma indústria, ora uma atividade

    econômica do setor de serviços, ora uma empresa que precisa ser administrada (hotel,

    agência, eventos), ou um campo para consultores em planejamento, que requereria um

    perfil de empreendedorismo. Tamanha interdisciplinaridade, em geral, não leva a uma

    compreensão que vá além de um rol de informações isoladas, formatadas nas diferentes

    disciplinas, e que permita intervir num fenômeno que capitaliza insumos da natureza, da

    cultura urbana e rural, transformando-os em bens sociais. O conhecimento turístico

    compartimentado, acaba entregue a uma série de especialistas, técnicos treinados para

    enfrentar problemas dividindo-os por regiões, segmentos, atividades, etc.

    Sinto que está aqui o grande desafio do ensino e da pesquisa em Turismo. Como avançar

    na sua compreensão relacionando as diferentes partes de sua constituição em um todo

    orgânico? A realidade deste fenômeno, sua prática social, exige uma nova  praxis , um novo

    saber-fazer, com uma nova referência, conjugando objeto, teoria, método e a prática. Não se

    trata de jogar fora o paradigma cartesiano, mas refletir sobre outras contribuições em nossas

    práticas de conhecimento.

    Seria injusto, se esta análise deixasse de citar os esforços de autores como Beni (1998), que

    dá aos seus estudos uma abordagem sistêmica, na qual as partes são estudadas

    profundamente em suas interações. O problema turístico é estudado em sistemas. Para

    solucionar um problema no subsistema ecológico, por exemplo, procura-se equacioná-lo

    nas suas muitas interações com os subsistemas econômico, social e cultural, demonstrando

    sua complexidade. Há uma preocupação em resolver problemas maiores, através do estudo

    das interações entre as partes.

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    Segundo Arguello (1994), todas as partes do sistema interagem, sendo possível

    desenvolver teorias a partir das suas interações. A interação seria mais do que buscar as

    ciências isoladamente. Tratar-se-ia de estudar o fenômeno turístico segundo os sistemas em

    que ele se insere e se constitui, numa complexa trama de elementos e interações. O sistema

    turístico, assim entendido, é um sistema aberto, complexo, contrapondo-se a concepção

    histórica sobre sistemas fechados, utilizados pelos físicos e biólogos. Para os físicos, tudo

    iniciou muito certinho, simplificado, em um mundo que caminha para a desordem (máxima

    entropia). Já para a Biologia, os organismos se formam organizadamente, dando a

    impressão de caminham rumo a uma crescente organização. Tanto na concepção física

    como a biologia dos sistemas abertos há necessidade de muita energia: eles interagem, eles

    consomem energia, até atingir um certo equilíbrio, uma finalidade, uma complexidade

    estável.

    Morin (2000) discorre sobre o conceito organizador de caráter sistêmico, que permitiu

    articular conhecimentos diversos (geográficos, geológicos, botânicos ), formando a ciência

    ecológica, por exemplo, que pôde, a partir deste paradigma, não somente utilizar os serviços

    das diferentes disciplinas, mas também criar cientistas policompetentes, com competência

    nos problemas fundamentais desse tipo de organização. Entendo que processo análogo

    deverá ocorrer com a produção do saber turístico, quando este fenômeno se globaliza e se

    torna interesse de vários grupos sociais.

    A INTERDISCIPLINARIDADE: UM CAMINHO A TRILHAR

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    O conhecimento pertinente é aquele capaz de situar qualquer informação em seu contexto e,

    se possível, no conjunto em que estiver inscrita, contextualizando e englobando. Criar uma

    ciência do Turismo significa buscar dar conta da complexa multiplicidade do que é humano.

    Segundo Morin (2000:115) "é preciso ecologizar as disciplinas, isso é, levar em conta o

    que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio

    nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se". Quanto mais é

    desenvolvida a inteligência geral, maior é a sua capacidade de tratar os problemas especiais.

    Se já avançamos na construção de análises sistêmicas do Turismo, através da obra de Beni

    (1998), por que não avançamos no caminho da construção de concepções teóricas que são

    comuns ao sistema em geral, considerando todas as suas interações? Essas incertezas

    avaliativas sobre a epistemologia a ser construída no campo turístico, faz lembrar uma

    caricatura grega, citada por Arguello (1994), a qual adapto para esse estudo. Esta caricatura

    dizia que Procusto, um SUJEITO que viveu na Grécia Antiga, tinha um critério para medir

    as pessoas. Quando passava um viajante por sua região, ele o agarrava e o colocava sobre

    seu leito. Depois de fixar ali o viajante, tratava de verificar se o fulano era maior ou menor

    do que o leito. Se fosse menor, ele esticava, esticava até que os dois coincidissem. Quando

    o viajante era maior do que o leito, ele cortava um pedaço das pernas, para, também nesse

    caso, fazer coincidir os tamanhos. Isso era um critério, sem dúvida. Procusto estabelecia

    padrões, mostrando um tipo de paradigma em que os fundamentos são impostos de fora

    da essência do objeto.

    Eu diria que, de certa forma, é isto que estamos fazendo no ensino e na pesquisa do

    Turismo, quando adaptamos teorias e categorias existentes, conforme o interesse disciplinar

    de cada área do conhecimento já preestabelecidas na academia. Analisamos a Geografia do

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    Turismo, a Economia do Turismo, a Sociologia do Turismo, a Antropologia do Turismo, a

    Administração do Turismo, etc., ao acúmulo de inúmeras informações para os alunos ou

    conhecimentos estanques aos pesquisadores. Quando precisamos investigar o turismo rural,

    ecológico, cultural, etc., cortamos analiticamente o corpo do viajante, conforme a caricatura

    grega, ou o encompridamos para atender aos nossos limites e dúvidas teóricas, ou aos

    esquemas explicativos e conceituais existentes.

    "Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada

    vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos

    outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma

    qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada"

    (Morin,2000:16).

    O turismo é um fenômeno dinâmico, real, postulado no cotidiano de milhões de SUJEITOS

    consumidores e produtores. O pós-turismo (Molina, 1998) requer novos esquemas

    explicativos. Não será no isolamento disciplinar cartesiano que constituiremos um sistema

    teórico comum. Nenhum esquema cognitivo, utilizado a partir das diferentes ciências que

    compõe o conhecimento humano, é evidentemente redutível à outro. Entretanto, não estão,

    apenas, nas ciências físicas e econômicas o pilar da edificação do conhecimento turístico,

    pois este fenômeno surge em uma história da sociedade humana, como prática social.

    "O grande problema, pois, é encontrar a difícil via de interlocução entre as ciências, que

    têm, cada uma delas, não apenas sua linguagem própria, mas também conceitos

    fundamentais que não podem ser transferidos de uma linguagem à outra" (Morin,2000:114).

    Neste campo de debates epistemológicos, coloco a pesquisa realizada por ocasião da

    dissertação de mestrado, publicada sob o título   A produção do saber turístico , na qual

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    procuro, na sua própria relativização e provisoriedade, romper com o isolamento disciplinar

    na categorização do fenômeno turístico, a partir da análise dialética histórico estrutural. A

    reflexão crítica proposta visa a determinação de um quadro teórico e, por isso, é mais

    exigente na definição precisa dos níveis de análise, utilizando para tanto o recurso de

    categorias e da construção de variáveis suscetíveis de observação rigorosa. Esse tipo de

    estudo pressupõe a separação entre o acidental e o essencial. O paradigma cognitivo,

    possibilitador desta separação, deve avançar à disciplinaridade cartesiana.

    Assim, partilho as concepções de Morin (2000), quando define que   interdisciplinaridade 

    pode significar também a troca e cooperação, o que faz com que possa vir ser alguma coisa

    orgânica. Já a  multidisciplinaridade   constitui uma associação de disciplinas, por conta de

    um projeto ou de um objeto que lhes sejam comum; as disciplinas são convocadas como

    técnicos especializados para resolver tal ou qual problema. Na  transdisciplinaridade  tratam-

    se, freqüentemente, de esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas, às vezes

    com tal virulência, que as deixam em transe. De fato, são os complexos de inter-multi-trans-

    disciplinaridade que realizam e desempenham um fecundo papel na história das ciências.

    A emergência de novas hipóteses explicativas me levaram a reconstruir o objeto do

    Turismo através da articulação de diferentes domínios disciplinares, na busca da elaboração

    de uma síntese teórica comum. No dizer de Morin (2000:113), "não é possível criar uma

    ciência do homem que anule por si só a complexa multiplicidade do que é humano". O

    exercício proposto não é o de reduzir uma ciência a outra, mas o de criar novos vasos

    comunicantes entre ciências e disciplinas que se apropriam do fenômeno turístico, como

    exemplos do real, simplificado-o, quando não "cortando ou espichando pernas", conforme o

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    ensinamento grego. A exemplo disto temos definições caricaturais de turistas, Turismo,

    segmento turístico, que pouco contribuem no entendimento da complexidade do real.

    O real do Turismo é uma amálgama na qual   TEMPO, ESPAÇO, DIVERSÃO, ECONOMIA,

    TECNOLOGIA, IMAGINÁRIO, COMUNICAÇÃO, DIVERSÃO e   IDEOLOGIA  são partes de um

    fenômeno   PÓS-MODERNO, em que o protagonista é o SUJEITO, seja como produtor ou

    consumidor da prática social turística. Não nego a contingência material do Turismo em sua

    expressão econômica, mas ela ocorre historicamente, em ESPAÇOS e TEMPOs

    diferenciados, cultural e tecnologicamente construídos, a serem irrigados com o desejo um

    SUJEITO biológico. SUJEITO objetivado, fundamental para a compreensão do fenômeno

    turístico como prática social, e subjetivado em IDEOLOGIAS, IMAGINÁRIOS e

    necessidade de diversão, na busca do elo perdido entre prosa e poesia.

    Avançar na construção de novas categorias para a análise do fenômeno turístico é o objetivo

    perseguido num processo de investigação interdisciplinar. Mas, não bastaria aproximar as

    diferentes áreas de experiência, se as mesmas não forem pertinentes entre si e em relação ao

    objeto escolhido. Por isso, para análise, escolhi a perspectiva radical da dialética histórico-

    estrutural (DHE), em que objetividade e subjetividade não estão separadas, complexizando

    a reflexão teórica proposta. A realidade é entendida como uma criação dos SUJEITOS que,

    com seus pensamentos, sentimentos e ações, transformam o mundo natural em cultura,

    dando-lhe sentido.

    Essa realidade sócio-cultural é entendida como uma totalidade: um todo integrado, em que

    as partes - o ECONÔMICO, o ESPAÇO, o TEMPO, o TECNOLÓGICO, o SUJEITO, a

    IDEOLOGIA, a DIVERSÃO, a COMUNICAÇÃO, o IMAGINÁRIO e a PÓS-

    MODERNIDADE - não podem ser entendidos isoladamente, senão em sua relação com o

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    conjunto. É uma totalidade vista não como soma aritmética das partes, mas como a

    articulação interna de todas as múltiplas relações do fenômeno turístico. A possibilidade de

    ressignificação destas categorias, bem como o desenvolvimento de nova concepção do

    fenômeno turístico requer, por parte do pesquisador, uma postura interdisciplinar: "A

    necessidade de interdisciplinaridade não provém apenas das deficiências do conhecimento

    científico ou de organização histórica de seu fomento, mas sobretudo da realidade como tal"

    (Demo, 1997:10).

    Não caberia apenas justapor conhecimentos, mas de integrá-los num sentido único, na

    complexidade do fenômeno estudado. Reconstruir uma compreensão do real. O real é uma

    totalidades transdisciplinar, e só é apreendido em retotalizações.

    CATEGORIZAÇÃO DIALÉTICA HISTÓRICO-ESTRUTURAL DO FENÔMENO TURÍSTICO:

    UMA POSSIBILIDADE ALÉM DAS DISCIPLINAS

    A exigência de um tratamento interdisciplinar do Turismo origina-se na realidade de sua

    prática histórica e da sociedade PÓS-MODERNA, onde o ECONÔMICO e

    TECNOLÓGICO, de forma simbiótica, são resultantes das necessidades subjetivas do

    IMAGINÁRIO, da DIVERSÃO, da COMUNICAÇÃO e da IDEOLOGIA, criados pelos

    SUJEITOS e por eles consumidos, no afã de   re-ligar   o mundo objetivo e subjetivo,

    perpetuado, ao consumo de bens.   Re-ligar   significa a recuperação do poder mítico da

    religião, daquilo que re-liga , liga, num sentido amplo.

    O esfacelamento e o mosaico das práticas turísticas - turismo de negócios, eventos, lazer,

    ecológico, rural, etc. - faz um apelo à apresentação que "reforma laboriosamente à própria

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    coisa" (Maffesoli, 1996), à necessidade de contemplação, permitindo apreender a

    multiplicidade dos sentidos de um mesmo objeto, seus ritmos variados, numa palavra, toda

    a sua concretude. O Turismo de aventura, por exemplo, aproxima as pessoas da beleza

    indomada e da força do mundo animal - real, IMAGINÁRIO ou extinto. Expressa-se na

    publicidade um conjunto de elementos, objetivos/subjetivos, diversos, que estabelecem

    entre si interações constantes, feitas de agressividade ou/e de amabilidade, mas que não

    deixam de ser uma totalidade específica que é preciso levar em conta. Para Maffesoli

    (1996), esta seria categoria da PÓS-MODERNIDADE. É uma "colcha de retalhos".

    O turista, ao experimentar a sensação de um safari, onde os animais que passeiam pela

    savana são tão próximos que quase podem ser tocados, vivencia uma DIVERSÃO. Mas,

    lado a lado dessa DIVERSÃO, subjetiva, afetiva, lúdica, tecnológica, há um processo de

    desqualificação, numa cooperação ofensiva/defensiva sempre eficaz (Morin, 1996). Um

    descompromissado e divertido safari realizado no parque temático Animal Kingdom, da

    Disneylandia, por exemplo, mascara um processo de desterritorialização, não só do

    ESPAÇO e da cultura originária da África, mas do âmago do SUJEITO, o seu próprio medo

    da vida selvagem. Há uma superioridade hegeliana, da idéia absoluta nesta IDEOLOGIA

    transportada por esta experiência lúdica(MARU: ISTO AQUI ME PARECE

    COMPLICADO PARA NOSSO PUBLICO MEDIO, TANTO DE ALUNOS COMO

    PROFESSORES) : a natureza, encarnada nas formações materiais e nas coisas, refletindo a

    forma física que lhe é estranha, sem espiritualidade, regressando, definitivamente, para si,

    transformando-se em espírito absoluto.

    A COMUNICAÇÃO, na forma promocional, comercial ou de marketing turístico, jorra

    concepções superiores sobre a própria criação, intitulando-as como obras artísticas. As

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    formações materiais, criadas e recriadas pelos homens, repletas de IMAGINÁRIO,

    construindo uma espiritualidade - daí a sensação de onipresença do "criador", da origem,

     junto aos complexos turísticos criados, a recriação do paraíso bíblico.

    A TECNOLOGIA, utilizada no entretenimento e no setor de serviços (transporte, hotéis,

    eventos), aplicada ao IMAGINÁRIO, gera no SUJEITO consumidor (turistas) e reprodutor

    (agentes, hoteleiros, organizadores de eventos, turismólogos) toda a DIVERSÃO possível

    de existir, ou, pressupostamente, possível de ser criada pelo homem. Todos sentem-se

    repletos de criação; mesmo que o consumo seja ao máximo interativo, esta vivência já

    permite substituir o processo de criação. O "Eu", moderno, torna-se a tribo Pós-moderna.

    A categoria ECONOMIA, como apresentada por Castells (1997), na análise do fenômeno

    turístico, não se aplica apenas ao macro, mas na esfera do micro, dos SUJEITOs

    consumidores. O consumo possibilitado pelo Turismo torna-se simbólico, há a fascinação

    pelos bens de consumo produzidos nos parques,   resort  ou em singelos  souvenirs . As coisas

    - produtos e serviços - adquirem poderes sobre os seres humanos, que não têm a ver com

    sua necessidade palpável, mas nas projeções entre o humano e o produto. Este possui uma

    série de atributos e características que queremos ter, nele inserem-se valores, afetos, crenças

    que, ao serem consumidos, agregam-se ao SUJEITO.

    A dimensão efetiva do fenômeno turístico, ECONÔMICA E TECNOLÓGICA, não pode

    ser analisada isoladamente; as dimensões reais e as idéias são constituintes, relacionais, da

    forma do objeto em questão. Assim, devemos trazer à luz da interpretação a relação do

    ECONÔMICO-TECNOLÓGICO, com o IMAGINÁRIO, tão presente na representação

    turística.

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    O Turismo deixa de ser um ato de hospitalidade e de integração, passando a englobar o

    movimento da indústria cultural globalizada, enquanto ato de consumo e absorção de um

    entretenimento. A IDEOLOGIA presente estabelece um desejo universal de bem estar e

    prazer, tão bem reproduzido através do marketing turístico, aliado ao processo de

    globalização econômico, tendo como berço os Estados Unidos e a sua hegemonia neoliberal,

    como instrumento de reprodução capitalística e modelo homogeinizador de padrões de

    qualidade de serviços e produtos.

    Condensações instantâneas, tão frágeis, disseminadas pela multimídia de forma global, são

    objetos de forte envolvimento emocional, permitindo ultrapassar o princípio da

    individuação. Elas requerem, simultaneamente, reproduzir ESPAÇOS e TEMPOS

    diferenciados, de uma forma redundante, em que realidades históricas conhecidas desvelam

    -se em (re)nascimentos. É no seio dos destinos turísticos que podem ocorrer essas

    condensações instantâneas , tão frágeis, mas que, no momento, são objeto de forte

    envolvimento emocional. É este aspecto seqüencial que permite falar da ultrapassagem do

    princípio da individuação diante do testemunho coletivo.

    A lógica da identificação substitui a lógica da identidade, que prevaleceu durante toda a

    Modernidade, desmanchada pela concepção de TEMPO, ESPAÇO, IMAGINÁRIO e

    TECNOLOGIA. Enquanto a identidade repousa sobre a existência de indivíduos autônomos

    e senhores de sua ação, a globalização econômica e a mundialização cultural estabelecem

    uma lógica de identificação ao por em cena pessoas de máscaras variáveis, tributárias do

    "eu" dos sistemas emblemáticos. O objeto tem pouca importância, o essencial é o ambiente

    mágico que agrega, a adesão que suscita.

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    O Turismo representa, na reconstituição da prosa e da poesia, o aparato da geração de mais

    conhecimento e processamento da informação/comunicação, em um círculo

    retroalimentativo e cumulativo entre a inovação e seus usos (Castells, 1997). O ESPAÇO,

    reinventado, é um produto material, aí incluídas as pessoas que o demarcam. É o suporte

    material de práticas que dividem o TEMPO. O convite ao turista, para viajar no TEMPO,

    faz parte de práticas simultâneas de noção de contiguidade/proximidade, não se baseando,

    necessariamente, na contiguidade física.

    Tanto o ESPAÇO como o TEMPO têm sido transformados sob o efeito combinado do

    paradigma da TECNOLOGIA da informação e das formas e processos sociais induzidos

    pelo processo histórico. Uma nova lógica espacial substitui a história da experiência

    comum e da cultura: o ESPAÇO de múltiplos lugares, uma integração de cada região numa

    conexão interdependente da globalização.

    Castells (1997) corrobora essa análise quando suas hipóteses permitem entender a

    complexidade da reprodução realizada nos parques temáticos, por exemplo. Uma

    descompromissada reprodução se faz, o estético sobrepondo-se ao ético. Cientes disso, seus

    produtores tentam dar moralidade a posição utilizando - ou alegando utilizar - práticas de

    conservadorismo ecológico ou cultural nos projetos dos parques. A historicidade, de forma

    estática e tipificada, é capturada tecnologicamente e reproduzida nos mundos

    IMAGINÁRIOS e perfeitos de possibilidades ilimitadas pela multimídia.

    O sistema de COMUNICAÇÃO gera a virtualidade real, na qual a existência concreta,

    material e simbólica das gentes, é submersa em um cenário de imagens virtuais, em mundos

    de fantasia, nos quais as aparências não estão somente nas telas, mas se transformam na

    experiência em si, a ser "vivida". O que caracteriza este sistema, baseado na integração

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    multimídia e interconectado de múltiplos modos de COMUNICAÇÃO, é a sua capacidade

    de incluir e abarcar todas as expressões culturais, onde toda a classe de mensagem funciona

    de um modo binário: presença/ausência no sistema de COMUNICAÇÃO multimídia. A

    invariante ESPAÇO permanece dentro do âmago do Turismo, mas não enquanto

    descontinuidade. O novo ESPAÇO de visitação, de testemunho, não incorre em necessidade

    de translado físico e temporal real.

    O desenraizar da experiência da história e da cultura como transferência de significado está

    levando à generalização de uma arquitetura ahistórica e acultural. Ao mesmo TEMPO, a

    arquitetura significativa, que trata de apresentar uma mensagem muito definida ou

    expressar de forma direta os códigos de uma cultura determinada, é demasiado primitiva

    para ser capaz de penetrar no saturado IMAGINÁRIO contemporâneo. O significado de sua

    mensagem se perderá na cultura do mosaico que caracteriza nossa conduta simbólica.

    Um lugar enquanto localidade cuja forma, função e significado estão constituídos dentro

    das fronteiras de uma continuidade física, é subvertido na relação entre o Espaço dos fluxos

    e o Espaço dos fixos. Essa esquizofrenia estrutural entre as duas lógicas espaciais, ameaça

    romper a COMUNICAÇÃO social, pois o Espaço de fluxos é interconectado e ahistórico,

    pretendendo impor sua lógica sobre lugares dispersos e segmentados, cada vez menos

    relacionados entre si e incapazes de compartilhar códigos culturais diferenciados. Os

    parques temáticos parecem estar reproduzindo esta esquizofrenia.

    As coisas andam em ESPAÇOS paralelos em diferentes dimensões e não confluindo. Este

    ESPAÇO, reconstruído, é a expressão social, é a sociedade mesma, é o suporte material de

    práticas sociais que dividem o TEMPO.

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    Nessa perspectiva, as várias modulações da aparência (moda, espetáculo, teatralidade,

    publicidade, mídia) formam um conjunto significativo. Aqui, se substância a necessidade de

    reflexão sobre a forma do fenômeno turístico, não para tipificá-la nem absolutizá-la, mas

    para, através da Dialética, desvelar sua essência, sua invariante. A forma é uma matriz que

    preside o nascimento, o desenvolvimento e a morte dos diversos elementos constitutivos do

    objeto. "A forma é formadora" (Maffesoli, 1996:126). As novas práticas expressam uma

    nova forma do Turismo, tanto na forma espacial como temporal, ressignificando as

    categorias de TEMPO e de ESPAÇO, até então utilizadas em seu entendimento.

    O novo ESPAÇO representa os fluxos e os cruzamentos entre a TECNOLOGIA e a

    ECONOMIA globalizada, na qual o SUJEITO - o turista - através da COMUNICAÇÃO,

    transfigurada numa nova prática social, transpira novas necessidades, o desenvolvimento do

    IMAGINÁRIO e o gosto pela DIVERSÃO. TEMPO de fruição não mais linear, dependente

    de relógio mecânica ou eletronicamente administrados. A prosaica divisão moderna entre o

    TEMPO, necessário e produtivo, e o TEMPO livre, de lazer, se devanesse diante do

    TEMPO da fruição atemporal.

    A cultura do sentimento é conseqüência da atração, esta motivada pela similitude, que está

    contida na ecologia da ação. O SUJEITO não só é   homo sapiens , mas também   homo 

    demens . Esta re-ligação, na análise complexa dos SUJEITOS, permite avançar na

    perspectiva do pensar em conjunto e em interação, e não mais em exclusão, determinismo e

    autonomia.

    Os seres auto-organizadores - seres vivos, segundo Morin (1995) - são sistemas fechados

    (protegem a integridade e identidade) e abertos sobre seu meio ambiente, de onde tiram

    matéria, energia, informação e organização. São seres auto-eco-organizadores, cuja auto-

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    eco-organização se realiza por computação e comunicação da informação. A sua autonomia

    depende não só de seu meio, mas, também, de seu patrimônio genético. A base do

    desenvolvimento da liberdade humana é a autonomia de decisão e de escolha, só emergível

    da auto-eco-organização antroposocial. Esse SUJEITO, produtor e reprodutor de

    IMAGINÁRIO, é um ser auto-eco-organizador, capaz de analisar situações concretas para

    estabelecer projetos de comportamento, e de decidir, entre eles, os qual atingirá o SUJEITO

    consumidor-turista.

    Quem são esses SUJEITOS, produtores e consumidores do Turismo? SUJEITOs históricos

    ou atomizados? SUJEITOS submetidos a uma obediência interior, moderna/racional, que

    agem motivado por um interesse comum, comunitário? Ou SUJEITOS que têm

    predominância aos interesses individuais, onde a aproximação é calculada por interesses

    distintos, presos a ilusões?

    A escolha do destino turístico, por parte do SUJEITO consumidor, é uma opção pela

    diversidade existente, mas não sobre sua criação. Esta criação faz parte do modelo, forjado,

    interdisciplinarmente, desvelador de mais uma complexidade do fenômeno turístico. O

    lúdico, presente nos modelos forjados, estiliza a existência ao fazer ressaltar as

    características essenciais desta. O estar-junto é fundamental, espontaneidade vital que

    assegura as culturas a sua força e solidez específicas; com o tempo, esta espontaneidade

    pode até se artificializar, apropriada em obras como os parques temáticos.

    Para apreciar as novas orientações (ou re-orientações), devemos retornar à forma pura que é

    o  estar-juntos à toa , um elemento revelador para os novos modos de Turismo pois, o que

    propicia este estar juntos à toa, é a perspectiva orgânica dos grupos, trazendo à luz a lógica

    da atração social   . Constrói-se uma rede que liga o SUJEITO produtor ao grupo produtor e

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    reprodutor, e ao SUJEITO consumidor. Essa ligação não tem a rigidez dos modos de

    organização que conhecemos. Remete antes a uma ambiência, a um estado de espírito ou a

    um estilos de vida que privilegia a aparência e a  forma , ou seja, a cultura turística.

    Urry (1996) denomina TEMPO glacial a uma noção em que a relação entre seres e natureza

    é longa e evolutiva. A diferenciação conflitiva do TEMPO, entendida como um impacto dos

    interesses sociais opostos sobre a seqüência dos fenômenos, retrocede da história humana

    imediata e avança para um futuro, completamente inespecificado. Os visitantes, ao

    participam de fictícias construções de túneis do TEMPO, em espaços culturais de base

    histórica, convivem com uma imagem de eternidade, na possibilidade de animar a vida

    passada , de negar a morte.

    O presenteísmo (Maffesoli:1996), característica da pós-modernidade, permite a

    revalorização do senso comum: o sensível é a condição. Daí a tônica atual sobre a

    experiência a estética, o tribalismo, hedonismo, culto dos objetos e o narcisismo coletivo. O

    senso comum dos 657 milhões de turistas que, segundo a OMT (2000), viajaram pelo

    mundo em 1999, optaram por uma transfiguração, também poética do Turismo. Parques

    temáticos,  resorts, clusters  espalharam-se por lugares paradisíacos do planeta, atendendo a

    diferenciados segmentos de SUJEITOS consumidores.

    A revolução tecnológica da informação mudou as organizações e incentivou o seu

    crescimento; a sua produtividade passa pela competência global na busca de consumidores.

    Abrir novos mercados, vinculando-se a uma rede global com segmentos em cada país, só é

    possível pela espetacular capacidade de Comunicação, hoje, exercida pelas empresas.

    (Castells, 1997). O consumo, por sua vez, se desdobra para além do real, no consumo

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    simbólico, realimentado pelas lojas de souveniers, estrategicamente, situada no final de

    cada atrativo, onde ao produto vendido agrega-se o sonhado.

    O sentimento tribal, outra característica da pós-modernidade (Maffesoli, 1998), é

    desenvolvido pelas organizações turísticas, desde a escolha do destino, quando o turista já

    se sente parte desse mundo mágico, através da rede de Comunicação montada via Internet

    (sites   hotéis, agências de viagens e de localidades) ou via programas de televisão,

    reportagens de jornais e revistas, vídeos promocionais, folheterias e relatos de outros

    turistas. A informação corre o mundo globalizado. A Comunicação realizada pelas

    companhias de turismo carrega microvalores éticos, religiosos, culturais, sexuais,

    produtivos, que se entrecruzam com os desejos de cada SUJEITO consumidor - turista.

    Na COMUNICAÇÃO turística é importante confirmar o sentimento de participar de um

    grupo mais amplo, do sair de si e participar de um espaço multicultural, cujo objetivo, antes

    de tudo, é o de realimentar a própria COMUNICAÇÃO e uma atitude crítica ligada a uma

    orientação instrumental, mecanicista e operacional de sociedade.

    A conceituação do turista, o seu entendimento, a sua segmentação visa atender aos seus

    mais recônditos sonhos e ilusões. Do universo particular, busca-se a total publicação. Pólos

    de atração do IMAGINÁRIO coletivo, tanto do ponto de vista existencial, quanto

    econômico são disponibilizados, de forma democrática ao consumidor. O que dá sentido ao

    mosaico, existente na estética dos destinos turísticos.

    Viajar passou a ser um signo. Diversão garantida e presença do novo. A emoção coletiva é

    alcançada num movimento de ações/retroações, em que reconhecer o signo permite

    reconhecer os outros, e assim reconhecer o que me une aos outros que ali estão em seu

    TEMPO de férias. Num processo de massificação constante, operam-se condensações

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    barrocas, através de sucessivas sedimentações, constituímos a ambiência estética das

    condensações instantâneas tão frágeis, são objeto de forte envolvimento emocional,

    organizam-se tribos mais ou menos efêmeras que comungam valores minúsculos, e que, em

    um balé sem fim, entrechocam-se, atraem-se, repelem-se numa constelação de contornos

    difusos e perfeitamente fluidos. Essa fusão determina uma nova forma de solidariedade nas

    sociedades complexas, este princípio seqüencial que permite falar da ultrapassagem do

    princípio de individuação. Compulsão coletiva é o único valor da Pós-modernidade.

    (Maffesoli, 1998:107)

    O marketing turístico não basta para justificar as loucuras das multidões estivais (TEMPO

    de fortalecer), nem reduzi-los a chavões de uma escala de irracionalismo; segundo

    Maffesoli (1996), em cada destino turísticos massivos, parece confrontar-se um verdadeiro

    impulso instintivo, que incita a reunião por toda e qualquer razão, importando apenas, afinal,

    o ambiente afetivo no qual cada um está imerso. A ética que agrega o grupo, torna-se

    estética, emoção comum e vice-versa. O espetáculo generaliza-se e o espectador pede  bis :

    eis, aí, definida a área do lúdico, a repetição como totem em torno do qual nos agregamos.

    Induz-se uma cultura, ou seja, uma maneira de ser específica, que permite integrar o uso dos 

     prazeres  na compreensão da vida social. O TEMPO de Turismo é um dos TEMPOs desta

    fruição. E ela só é total, quando realizada num grande espetáculo estético, de forma

    presenteísta.

    Os sonhos de humanidade perderam o realismo das grandes utopias sociais; o

    desengajamento político, a saturação das grandes idéias longínquas, a fraqueza de uma

    moral universal indicam o nascimento de uma nova cultura em que pressupostos não-

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    racionais são incorporados a vida corrente diária. No Turismo, a nova concretização de

    sonhos e Imaginários, e destes novos pressupostos.

    As formas de Turismo (aventura, ecológico, rural, cultural, etc...) representam esta nova

    estética pós-moderna, em que o turista não é reduzido a espectador alienado e passivo, mas

    figurante ativo a desfrutar da magia produzida, reconhecendo-se em outrem, a partir de

    outrem. Pode haver, neste processo, uma Comunicação que tenha por objetivo apenas

    tomar o outro, entrar em contato, o participar junto como uma forma de gregarismo.

    O Turismo de grupos, de massa como é chamado comumente, é criticado por representar

    esse gregarismo, visto sob os olhos da teoria crítica, como um movimento de alienação e

    consumismo cultural. Esse paradigma não atende à complexidade do fenômeno turístico da

    atualidade, ao reduzir 657 milhões de turistas a uma massa alienada de consumidores.

    A Comunicação tátil (Maffesoli, 1996) como categoria de análise nos permite avançar

    diante da limitação da teoria crítica. Se a Comunicação ocorre num ambiente abrangente,

    que tende a uniformização da maneira de pensar, gesticular e vestir, há «algo mais que se 

    reencontra nesses deslocamentos dementes que são as viagens de férias, que se reencontra 

    nessas promiscuidades obscenas, que são as praias estivais, os pontos turísticos, as 

    diversões, reuniões, festivais, carnavais. Cada uma dessas reuniões pode ser concebida 

    como um momento de um sacrifício: vai-se "matar o TEMPO", ou seja, vai-se vencer o 

    tédio, a produção e o TEMPO, racionalmente, organizado não são mais aquilo a partir do 

    que tudo se determina, mas, antes, essa necessidade, o "amark é", trágico, que se vai,

     pontual e ritualmente, sacrificar nos bacanais que se conhecem » (Maffesoli, 1996:65).

    Na pós-modernidade abandona-se uma lógica da representação, para entrar na da percepção.

    Trata-se de um estilo que não é mais egocêntrico, mas que se situa em um contexto

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    interlocutivo comum. "Comunicar é servir-se daquilo que se tem em comum" (Maffesoli,

    1996:82). E esse sentimento comum é reproduzido pelos mecanismos de reprodução do

    Turismo.

    O estado prosaico do fenômeno turístico, que responde à situação utilitária e funcional do

    agente de viagem, se mistura ao poético, forjado pela motivação de viagem do turista, que

    só se manifesta, como tal, em relação ao estado prosaico. O costume é uma das modulações

    particulares da Comunicação, o mundo expresso tal qual é, o dado social com que cada

    visitante, estruturalmente, se envolverá. O envolvimento orgânico de uns com os outros, é

    estabelecido no próprio processo de venda do produto turístico.

     A civilização ocidental moderna separou a prosa e poesia. Rarefez, em parte, e esvaziou as 

      festas em proveito do lazer, noção-sacola que cada um preenche como puder. A vida de 

    trabalho e a vida econômica foram invadidas pela prosa (lógica do ganho da rentabilidade, e 

    etc.); a poesia refugiou-se na vida privada, de lazer e de férias, e teve seus 

    desenvolvimentos próprios com os amores, os jogos, os esportes, os filmes e,

    evidentemente, a literatura e a poesia propriamente ditas. (Morin, 1995:178)

    A Comunicação, predominante no fenômeno turístico, visa   tocar o outro , favorecer o

    contato com o outro, seja direta ou indiretamente. Comunicação relativista que, junto a sua

    desconceptualização, favorece a relação entre os SUJEITOS produtor, reprodutor e

    consumidor. O que era estranho, diferenciado, pertencente a outra cultura, a outro Espaço e

    TEMPO, passa a ser compreendido em seus dois aspectos, natural e cultural, pela

    Comunicação tátil estabelecida.

    O prazer vivenciado nas férias pode ser vivido como um modo de apropriar-se do mundo,

    em oposição às doutrinas ascéticas, para as quais ele só pode ser medido pela produção. O

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    que corresponde a ultrapassar a distinção estrita entre o prazer e a ação, ou entre a estética e

    a moral, distinção que engendrou os diversos imperativos axiológicos que se conhecem. O

    Turismo carrega, enquanto processo humano, a possibilidade de liberação deste imperativo

    capitalista-calvinista, que coloca o não-trabalho e o ócio como vergonhas do   homo 

    economicus .

    A vivência lúdica realiza uma utopia atemporal, ao colocar todos os acontecimentos,

    passados ou futuros, sob palcos simultâneos, onde o espetáculo da variedade é muito mais

    importante do que o discurso da personalidade científico-política, misturando,

    inexoravelmente, todas as seqüências.

    O apelo da unicidade, nas atividades turísticas propostas para as férias em família, a

    exemplo dos os parques temáticos Disney's, é uma constante pois crianças e adultos

    poderão vivenciar os mesmos sentimentos. Todo o complexo é vendido como Espaço

    atemporal de Diversão, informação, educação, congrassamento. Formatos de valorização do

    sensível, da Comunicação tátil, da emoção coletiva, tornando-se uma ética, um desejo de

    estar junto, de fazer parte da tribo Disney (Maffesoli, 1996).

    Vivência turística, que expressa uma emoção coletiva, constituindo uma verdadeira

    "neutralidade subterrânea", um imprevisível querer viver. "A partir do momento em que o

    progresso não é mais considerado um imperativo categórico, a existência social é devolvida

    a si própria" (Maffesoli, 1996:27). Quando o mundo é devolvido a si mesmo, pois a

    divindade não é mais una, se acentua o que nos liga aos outros: a re-ligação.

    Os grandes precursores dos empreendimentos turísticos atuais, pretendiam ir além do

    IMAGINÁRIO. A realidade virtual do IMAGINÁRIO está em via de se apoderar de todo o

    universo real, para integrá-lo em seu universo de síntese sob a forma de um imenso show de

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    realidades, em que a própria realidade é o espetáculo - o próprio real se torna um grande

    parque de diversões.

    A episteme moderna, que tanto postulou a separação da natureza e cultura, é colocada em

    suspensão. Contemporaneamente, a partir da fragilidade dos meta-discursos científicos,

    convivemos com a ultrapassagem desta restrita separação. Em resumo, a relação como o

    ambiente social está, indissoluvelmente, ligada ao que nos remete aos ambientes naturais.

    "Inúmeras são os domínios onde uma tal "ecologização" do mundo é evidente seja na

    maneira (e na matéria) de vestir, de se alimentar, no que diz à qualidade de vida, sem

    esquecer as filosofias e outros modos de produzir, a natureza não é mais apenas objeto a

    explorar, mas torna-se parceira obrigatória (Maffesoli, 1996). Poderíamos incluir na citação

    do autor o domínio do lazer e do Turismo ecológico, tão apreciado pelos turistas da

    atualidade.

    O Turismo de massa, ao contrário, favorece a metonímia, os detalhes espaciais, flagrados na

    pose fotográfica, com sua visibilidade demonstrativa aparentemente, autêntica ou nos

    cartões postais que destacam a referência do detalhe arquitetônico, o monumento, a praça, o

    "áxis mundi   ". Para o produtor de Turismo de massa, a parte vale pelo todo e é suficiente

    para despertar sonhos, lembranças, nostalgias e, sobretudo, o grande fator do mercado, a

    necessidade de repetir a experiência. Este é o círculo do deslocamento espacial, produzido,

    simbolicamente, pelo Turismo de massa.

    Ao participar, no sentido místico do termo, deste ou daquele "tipo" de Turismo - ecoturismo,

    cultural, lazer -, permite que o turista seja tipificado em alocêntrico, messocêntrico,

    psicocêntrico, nômade, explorador, peregrino, existencial, recreacionista, de elite, entre

    outros, escolhendo-se aquele que melhor represente esse "tipo". Cada um, entretanto, se

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    integra em um conjunto que lhe permite, ao mesmo TEMPO, viver seu TEMPO livre e

    entrar em correspondência com os outros.

    A tentativa aqui proposta foi de iniciar um processo de desvelamento epistemológico do

    objeto turístico. Na proposição de novas categorias de análise visei fundamentar um corpo

    de conhecimentos com entidade particular, mas resguardando a complexidade das relações

    práticas que o Turismo constitui, transpondo o objeto até então percebido. A análise das

    múltiplas dimensões do fenômeno turístico (econômica, social, subjetiva, tecnológica,

    temporal, espacial, etc.) é um caso fecundo de hibridização disciplinar, pois permite o

    encontro de novas hipóteses e esquemas cognitivos, levando a articulações, organizadoras

    ou estruturais, entre categorias isoladas, possibilitando conceber a unidade do que pareceia

    fragmentado.

    O olhar interdisciplinar, que possibilita a troca e cooperação, possibilita a organicidade,

    estabelecendo pontos entre ciências e disciplinas não comunicantes que, através do

    fenômeno turístico, são ultrapassadas e conservadas, apontando a permanente incompletude

    do processo de investigação teórico, desafio posto para os SUJEITOs implicados numa

    concepção de sustentabilidade prática e teórica para o turismo do próximo milênio.

    BIBLIOGRAFIA:

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    para a ciência, para a educação, para o trabalho sindical, Petrópolis, RJ, Vozes,1994BENI, Mário C. Análise Estrutural do Turismo. São Paulo, SENAC,1998

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    MOLINA