módulo i - história do ceará

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O DESCOBRIMENTO DO CEARÁ Dois meses antes que Cabral partisse de Lisboa, Vicente Pinzon, navegador espanhol, aportava ao litoral cearense, seguindo daqui para o norte sem todavia, tomar posse da terra para a Coroa espanhola, em conseqüência das determinações do famoso Tratado de Tordesilhas. Vicente Pinzon, antigo companheiro de Colombo, comandante do navio Nina, vinha agora chefiando uma flotilha de 4 caravelas acompanhado de muitos marinheiros, alguns dos quais haviam tomado parte na histórica e ousada viagem de 1492. Velejando pela costa cearense, o explorador castelhano batizou certo acidente geográfico com o nome de Santa Maria de la Consolación. Mais tarde, outra expedição, comandada por Diogo de Lepe, deu com o local visitado por Pinzon. Era um pequeno cabo, onde o navegante cristão deixara erguida nas areias brancas da praia uma grande cruz de madeira. Cronistas e historiadores não estão de pleno acordo quanto à data exata em que Pinzon desembarcou no Ceará. O Barão do Rio Branco, examinando meticulosamente a matéria, chegou à conclusão de que o fato ocorreu nos primeiros dias de fevereiro de 1500. Trata-se de uma opinião sensata e criteriosa, considerando-se que no dia 2 de fevereiro a Igreja Católica celebra a festa da Purificação de Nossa Senhora (Nossa Senhora das Candeias). A data citada explica a razão do nome (Santa Maria de La Consolación), que está em plena consonância com os costumes daquele tempo, quando um espiritual desejo levava o navegador agradecido a relacionar o seu feliz descobrimento com o santo do dia que lhe teria, de certo, propiciado a venturosa ocorrência. O historiador Tomás Pompeu Sobrinho depois de profundas investigações baseadas em segura documentação histórica, identifica o Cabo de Santa Maria de La Consolación como Ponta grossa, no município de Aracati. Ponta Grossa ou Mucuripe (como opinam outros historiadores), o certo é que não há hoje mais nenhuma dúvida: o solo cearense foi pisado pelos espanhóis antes de ser descortinado o monte Pascoal pelos marinheiros portugueses. Fato este que pode ser citado como sendo apenas uma efeméride histórica, uma vez que não havia no Ceará nenhum fator que pudesse ser apontado como atraente para a efetiva ocupação do território. A CAPITANIA DO SIARÁ-GRANDE Quando D. João III, em 1534, dividiu o Brasil em Capitanias Hereditárias, coube a do Siará-Grande (grafia da época para Ceará) a Antônio Cardoso de Barros, que nenhuma tentativa fez no sentido de colonizá-la, embora anos mais tarde tivesse vindo para o Brasil e servido ao governo de Tomé de Sousa, no cargo de provedor-mor. Barros, inclusive, faleceu em 1556, ao lado do Bispo do Brasil D. Pero Fernandes Sardinha, devorado pelos índios caetés, após naufrágio na costa de Alagoas. No decorrer de todo o século XVI, esta capitania permaneceu em completo abandono, posto que as atividades de portugueses em sentido exploratório no Brasil resumiram-se, de início, à extração de pau-brasil e, posteriormente, ao cultivo de cana-de-açúcar. Uma vez que o pau-brasil não é parte da flora nativa cearense e o solo massapê (favorável ao plantio de cana-de-açúcar) não é encontrado em nosso território, os portugueses praticamente não se fizeram presentes por estas paragens. Desta feita, o contato dos nativos cearenses com os europeus nas visitas que lhe faziam aventureiros europeus. Corsários e comerciantes clandestinos aqui entravam freqüentemente, em busca de negócios com as tribos selvagens que dominavam o litoral e a vasta região da Ibiapaba. O produto mais importante: o âmbar- gris, utilizado na indústria de perfumaria. Em troca de quinquilharias, os indígenas entregavam aos estrangeiros as madeiras, com o pau-branco, que podiam ser usadas na fabricação de moveis. Em 1637, houve a primeira tentativa de exploração de minérios, realizada pelos holandeses, que fracassaram no intento.

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Page 1: Módulo I - História do Ceará

O DESCOBRIMENTO DO CEARÁ

Dois meses antes que Cabral partisse de Lisboa, já Vicente Pinzon, navegador espanhol, aportava ao litoral cearense, seguindo daqui para o norte sem todavia, tomar posse da terra para a Coroa espanhola, em conseqüência das determinações do famoso Tratado de Tordesilhas. Vicente Pinzon, antigo companheiro de Colombo, comandante do navio Nina, vinha agora chefiando uma flotilha de 4 caravelas acompanhado de muitos marinheiros, alguns dos quais haviam tomado parte na histórica e ousada viagem de 1492. Velejando pela costa cearense, o explorador castelhano batizou certo acidente geográfico com o nome de Santa Maria de la Consolación.

Mais tarde, outra expedição, comandada por Diogo de Lepe, deu com o local visitado por Pinzon. Era um pequeno cabo, onde o navegante cristão deixara erguida nas areias brancas da praia uma grande cruz de madeira. Cronistas e historiadores não estão de pleno acordo quanto à data exata em que Pinzon desembarcou no Ceará.

O Barão do Rio Branco, examinando meticulosamente a matéria, chegou à conclusão de que o fato ocorreu nos primeiros dias de fevereiro de 1500. Trata-se de uma opinião sensata e criteriosa, considerando-se que no dia 2 de fevereiro a Igreja Católica celebra a festa da Purificação de Nossa Senhora (Nossa Senhora das Candeias). A data citada explica a razão do nome (Santa Maria de La Consolación), que está em plena consonância com os costumes daquele tempo, quando um espiritual desejo levava o navegador agradecido a relacionar o seu feliz descobrimento com o santo do dia que lhe teria, de certo, propiciado a venturosa ocorrência.

O historiador Tomás Pompeu Sobrinho depois de profundas investigações baseadas em segura documentação histórica, identifica o Cabo de Santa Maria de La Consolación como Ponta grossa, no município de Aracati.

Ponta Grossa ou Mucuripe (como opinam outros historiadores), o certo é que não há hoje mais nenhuma dúvida: o solo cearense foi pisado pelos espanhóis antes de ser descortinado o monte Pascoal pelos marinheiros portugueses. Fato este que pode ser citado como sendo apenas uma efeméride histórica, uma vez que não havia no Ceará nenhum fator que pudesse ser apontado como atraente para a efetiva ocupação do território.

A CAPITANIA DO SIARÁ-GRANDE

Quando D. João III, em 1534, dividiu o Brasil em Capitanias Hereditárias, coube a do Siará-Grande (grafia da época para Ceará) a Antônio Cardoso de

Barros, que nenhuma tentativa fez no sentido de colonizá-la, embora anos mais tarde tivesse vindo para o Brasil e servido ao governo de Tomé de Sousa, no cargo de provedor-mor. Barros, inclusive, faleceu em 1556, ao lado do Bispo do Brasil D. Pero Fernandes Sardinha, devorado pelos índios caetés, após naufrágio na costa de Alagoas.

No decorrer de todo o século XVI, esta capitania permaneceu em completo abandono, posto que as atividades de portugueses em sentido exploratório no Brasil resumiram-se, de início, à extração de pau-brasil e, posteriormente, ao cultivo de cana-de-açúcar. Uma vez que o pau-brasil não é parte da flora nativa cearense e o solo massapê (favorável ao plantio de cana-de-açúcar) não é encontrado em nosso território, os portugueses praticamente não se fizeram presentes por estas paragens. Desta feita, o contato dos nativos cearenses com os europeus nas visitas que lhe faziam aventureiros europeus. Corsários e comerciantes clandestinos aqui entravam freqüentemente, em busca de negócios com as tribos selvagens que dominavam o litoral e a vasta região da Ibiapaba. O produto mais importante: o âmbar-gris, utilizado na indústria de perfumaria. Em troca de quinquilharias, os indígenas entregavam aos estrangeiros as madeiras, com o pau-branco, que podiam ser usadas na fabricação de moveis. Em 1637, houve a primeira tentativa de exploração de minérios, realizada pelos holandeses, que fracassaram no intento.

A “OCUPAÇÃO” DO CEARÁ

EXPEDIÇÃO DE PERO COELHO DE SOUSA

1603, Pero Coelho de Sousa, desbravador de origem açoriana, requereu e obteve da Corte portuguesa por intermédio de Diogo de Botelho, 8º Governador Geral do Brasil, o título de capitão-mor e os indispensáveis privilégios para desbravar e colonizar a Capitania do Siará-Grande.

Pero Coelho partiu da Paraíba comandando um destacamento de 200 índios e 65 soldados de origem européia e chegou ao Ceará pela região jaguaribana. Após uma série de lutas, Pero Coelho conquista a região da Ibiapaba vencendo os inimigos (franceses e silvícolas). Retorna ao litoral e se estabelece na Barra do Ceará, onde ergue o Forte São Tiago em 1604.

Em 1605, resolveu deixar o reduto de São Tiago, após seguidos ataques de índios da tribo tocariju, para estabelecer outra fortificação na foz do rio Jaguaribe. Sem recursos, completamente arruinado, Pero Coelho insiste em desbravar a terra conquistada. Mas sobreveio a pavorosa seca de 1605

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-1606, a primeira que a história cearense registra. Forçado pelo terrível flagelo, o infortunado desbravador iniciou uma retirada tristíssima em demanda do Forte dos Reis Magos, no Rio Grande do Norte. Foi uma trágica epopéia que lhe custou a fortuna, a saúde e a vida dos próprios filhos, mortos de sede e inanição. O soldado desbravador, na miséria, caluniado e cheio de desgostos, morreu 3 meses depois do regresso de sua mal sucedida expedição.

A MISSÃO DOS JESUÍTAS

Os missionários da Companhia de Jesus, chamados de jesuítas, vieram ao Brasil no contexto da contra-reforma, medidas tomadas pela Igreja Católica para deter o avanço da Reforma Protestante na Europa. A estratégia estabelecida pelo fundador da ordem, o nobre espanhol Inácio de Loyola era simples: converter nativos da Ásia, África e América para contrabalançar as baixas na quantidade de fiéis europeus. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil no inicio do Governo Geral e eram dirigidos por Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Construíram as primeira escolas, edificaram as primeiras igrejas e buscavam a c atequese de índios para a fé católica.

Os jesuítas Francisco Pinto e Luís Figueira iniciaram a obra de catequese no Ceará (1607) na Ibiapaba. Após alguns meses já haviam conseguido formar uma aldeia para a conversão de nativos. No dia 11 de janeiro de 1608, pela manhã, a pequena aldeia foi surpreendida com um ataque dos índios tocarijus. Do assalto resultou incêndio, depredação e grande número de mortos e feridos. O Padre Francisco Pinto foi trucidado no momento em que celebrava a Missa. O Padre Luís Figueira escapou ao morticínio, por não estar presente na hora do ataque. Luís Figueira abandonou o Ceará e morreu em 1643, vítima de um naufrágio nas imediações da ilha Marajó, no Pará.

MARTIM SOARES MORENO – O “FUNDADOR DO CEARÁ”.

Frustradas as tentativas de colonização, levadas a efeito por Pero Coelho e pelos missionários Francisco Pinto e Luís Figueira, estavam as aldeias aqui fundadas em via de completa dissolução e toda a costa cearense totalmente desprotegida, entregue à mais absoluta traficância e pirataria. Tal situação perdurou até o ano de 1612, época em que Diogo de Mendonça Furtado, 9º Governador Geral do Brasil, resolveu realizar, definitivamente, a colonização do Ceará.

Essa missão foi confiada a Martim Soares Moreno que já conhecia estas terras porque , em plena adolescência, acompanhara a expedição de Pero Coelho (1603-1606) com a patente de soldado

No dia 20 de janeiro de 1612, Soares Moreno desembarcou na Barra do Ceará, trazendo em sua companhia apenas um padre e seis soldados. Logo construiu um fortim de madeira a que deu o nome de São Sebastião, numa homenagem ao santo do dia do seu desembarque.

O forte edificado por Soares Moreno foi mais bem sucedido que o de Pero Coelho por vários fatores. Inicialmente, Moreno falava com perfeição a língua dos índios e sabia, também, da necessidade de dar combate sem tréguas aos que lhe resistiam. Para isso, Moreno praticou o chamado “descimento”. Tal prática consistia na transferência de uma aldeia inteira de índios submissos aos interesses do conquistador para uma outra região. No caso, Moreno trouxe a tribo de índios potis do chefe Jacaúna, anteriormente fixados na região de Açu no Rio Grande do Norte, com o objetivo de combater os tocarijus. Provando a sua experiência na lida com indígenas, Soares Moreno trouxe representantes do tronco lingüístico tupi para combater índios do povo tapuia, inimigos tradicionais desde antes da chegada dos portugueses ao litoral brasileiro. Outra prática feita por Martim Soares Moreno foi o cunhadismo, ou seja, o estabelecimento de relações de parentesco com as tribos aliadas, através do matrimônio. José de Alencar narra um episódio deste tipo em sua obra-prima regionalista “Iracema”, na qual Martim Soares Moreno é imortalizado com o epíteto de “Guerreiro Branco” e ganha a fama de fundador do Ceará após se envolver com a personagem título do romance.

Em 1613, Soares Moreno recebeu a incumbência de expulsar os franceses que se haviam radicado no Maranhão. Entregou o governo de capitania a Estevão de Campos e partiu para a terra "Timbira", com Jerônimo de Albuquerque que foi famoso cabo de guerra nas conquistas do Rio Grande do Norte.

Somente em 1621, conseguiu retornar ao Ceará, fazendo reflorescer sua feitoria, que se achava em situação precária. Tentou desenvolver a economia local, incentivando a pecuária e o cultivo de cana-de-açúcar. Apesar de diversas tentativa, acabou fracassando e abandonou definitivamente o Ceará em 1631, para combater holandeses em Pernambuco.

PRESENÇA HOLANDESA NO CEARÁ

Os holandeses, tendo já a posse de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, ocuparam finalmente o Ceará, em 26 de outubro de 1637. A expedição invasora vinha comandada por

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Jorge Gartsman e Hendrick Huss. Nessa época, o forte de Soares Moreno achava-se sob o comando de Bartolomeu de Brito Freire, que foi levado prisioneiro para Recife, juntamente com vários companheiros de infortúnio, entre os quais alguns feridos.

Em 1644, houve uma insurreição geral dos índios contra os holandeses. O Forte foi atacado e destruído pelos indígenas. Seus defensores foram quase todos massacrados. O comandante Gedion Morris pereceu no combate.

Apesar de mal sucedidos na primeira invasão, os flamengos retornaram ao Ceará em 1649, sob as ordens de Matias Beck, que trazia novos planos de conquista. No dia 3 de abril, os invasores desembarcaram na enseada do Mucuripe e foram se estabelecer à margem esquerda do riacho Marajaitiba, mais tarde denominado Telha e afinal Pajeú (Rio do Feiticeiro). No dia 10 de abril, foi iniciada a construção de um forte que tomou o nome de Schoonemborch em homenagem ao então governador de Pernambuco. Matias Beck e seus comandados aqui permaneceram até 1654, ano em que se verificou a expulsão dos holandeses no Brasil. Com a sua saída, o forte passou a chamar-se Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, porque voltou ao controle português e foi o núcleo originador da cidade de Fortaleza.

Tentaram os flamengos nesta última invasão explorar a prata que, segundo os índios, existia no monte Itarema, na serra de Maranguape. Também se empenharam na extração de âmbar, como objetivo de utilizá-lo na perfumaria. Porém, todas as tentativas foram frustradas com o passar dos anos.

ECONOMIA DO CEARÁ COLONIAL - PECUÁRIA

Até agora se percebe que as tentativas de ocupar o Ceará estavam concentradas no litoral e não foram nenhuma delas bem-sucedidas, posto que o único núcleo populacional estabelecido no território cearense era o Forte de Nossa Senhora da Assunção que tinha alguma importância militar, porém era uma nulidade do ponto de vista econômico. Os mais simplistas poderiam dizer que tal realidade era fruto da ferocidade dos nativos cearenses que não permitiram a implantação de uma atividade econômica ligada ao pacto colonial. Contudo, é necessário que se diga também que em outras regiões brasileiras a resistência indígena se fez bravamente, porém foi dizimada ao surgir uma atividade econômica que justificasse o investimento. Sendo assim,o que faltava era uma atividade econômica que compensasse o investimento capitalista. O atraso do comércio impedia também a maior interiorização do Ceará.

Somente em 1678 começa a se pensar na ocupação de terras, com o surgimento do ciclo da

pecuária. O gado estava presente na realidade nordestina desde a gênese da atividade açucareira, como meio de transporte, força motriz e alimentícia. Porém, após a expulsão dos holandeses, em 1654, a crise proveniente da concorrência antilhana obrigou os produtores a aumentar a produção para baixar o preço do produto e conseqüentemente aumentar as vendas. Diante disso, o gado foi obrigado a se deslocar dos engenhos e para tanto acabou ganhando o sertão semiárido da caatinga nordestina. A Carta Régia de D. Pedro II, Rei de Portugal, que em 1701 proibia a criação bovina a sessenta léguas do litoral foi determinante neste processo de interiorização da pecuária.

Inicialmente, os rebanhos se deslocavam acompanhando o curso do Rio São Francisco, mas com o tempo a atividade se disseminou por praticamente todo o Sertão Nordestino, chegando inclusive ao Ceará, através dos Rios Jaguaribe (Leste) e Acaraú (Oeste) que serviam de vetores para o deslocamento das reses.

A pecuária implantada no sertão cearense era do tipo extensivo, na qual o gado é criado solto no pasto, necessitando, portanto, de grande extensões de terra para ser implementada. O gado cearense ocupava fazendas situadas nas sesmarias, poções de terra de 36 km de frente por 36 km de fundo. Para cuidar do gado, surgia a figura do vaqueiro, trabalhador livre de origem mestiça (branco com índio) que recebia como pagamento a quarta (um de cada quatro reses que nasciam do rebanho pertencia ao vaqueiro). Nesta realidade de agruras, surgiu o que foi chamado por Capistrano de Abreu de “Civilização do Couro”. Pois do couro se fabricava tudo: corda, as portas das cabanas, alforges para comida, mochilas, a roupa para o vaqueiro entrar no mato, cadeiras de encosto e uma infinidade de objetos domésticos.

Como conseqüência, cresceu o número de fazendas, cuja vida girava em torno do gado. A posse da terra, nesta época, gerou conflitos entre famílias ansiosas pelo lucro e enriquecimento rápido, tais como os Monte e os Feitosa, na região dos Inhamuns.

Expansão da pecuária facilitou o surgimento de muitas cidades, tais como a Vila de São José do Ribamar do Aquiraz (1701), a primeira vila do Ceará. Devido à necessidade de se levar o gado para ser vendido em outros Estados, abriam-se estradas pelo interior. Os locais de parada, onde os vaqueiros descansavam, foram transformados em povoações, exemplo disso é a Vila de Nossa Senhora da Expectação do Icó de 1734 (terceira vila do Ceará). O boi era vendido principalmente nos mercados de Pernambuco, Minas Gerais e Bahia. Porém, os Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, que ficavam mais próximos dos centros de troca e compra levavam vantagem. Além disso, as longas travessias causavam muitos prejuízos aos fazendeiros.

Decidiu-se pela venda da carne já industrialmente preparada. Surgia assim, em grande escala, a carne conservada pelo sal, capaz de resistir às longas viagens, sendo levada pelos barcos da capitania. Nos pontos, foram instaladas as

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"salgadeiras", ou "charqueadas" ou "oficinas", para facilitar o trabalho de transporte. Era o tempo das charqueadas. E a "carne do Ceará", como assim ficou conhecida, constituiu-se no principal e exclusivo comércio cearense.

As "charqueadas" começaram um pouco antes de 1740. Primeiramente em Aracati (Vila de Nossa Senhora do Rosário do Aracati, de 1748 (a quarta vila do Ceará), que se tornou no mais rico e importante centro de comércio do Ceará, localizada próxima a foz do Rio Jaguaribe. Posteriormente, Sobral, no Rio Acara também ganharia envergadura no beneficiamento da carne. Tudo levava a crer que a tendência inevitável era o crescimento, nada podendo interferir na redenção econômica de uma província abalada secularmente pela miséria.

Mas o pior aconteceu. Nos anos de 1777-1781, 1790-1793, ocorreram grandes secas que aniquilaram quase todos os rebanhos cearenses, acabando praticamente com o comércio da carne. Apesar de a pecuária ter se recuperado depois, não continuou sendo um dos principais exportadores. Perdeu este posto para uma nova atividade econômica: o algodão.

A GUERRA DOS BÁRBAROS

A cultura indígena passou a ser ameaçada seriamente com o avanço das fazendas de gado do branco colonizador que não tinha escrúpulos em assassinar o nativo, agredi-lo, violentá-lo e usurpar as suas terras. Além disso, outra ameaça para o índio cearense era a presença dos missionários jesuítas, que no afã de convertê-los a fé católica faziam uma verdadeira lavagem cerebral e acabaram por destruir-lhe a cultura e o modo de viver.

O índio foi vítima de extrema violência, perdeu as terras ancestrais, que considerava sagradas, mas não o fez sem resistir. O melhor exemplo desta resistência foi o episódio chamado “Guerra dos Bárbaros”, na qual os nativos lutaram por quase trinta anos lutaram pelo seu direito de viver em seus domínios. Para combater a fúria nativa foram contratados até mesmo bandeirantes paulistas, experiente na captura de silvícolas para escravização. Porém, nem mesmo a sua presença foi capaz de deter o momento mais espetacular desta luta, o ataque movido pelos índios Jenipapo-Kanindés à Vila de Aquiraz em 1713, quando cerca de duzentas pessoas morreram defendendo a vila e muitos outros fugiram para buscar proteção no Forte de Nossa Senhora da Assunção. Foi por esta razão que Fortaleza foi elevada à condição de vila em 1726, tornando-se assim a segunda vila da capitania.

No entanto, mesmo diante da valentia dos guerreiros indígenas cearenses, a vitória final coube aos invasores restando aos nativos uma das três

opções seguintes: a exterminação, a fuga ou a rendição, que culminava com a catequese nas inúmeras missões jesuíticas localizadas no interior cearense. Um exemplo de extermínio total foi o acontecido com a tribo chamada “paiacus”, de onde se originou o nome Pacajus. Tais índios foram dizimados pelo combate do bandeirante paulista Matias Cardoso, que escravizou os demais, revendendo-os para várias regiões brasileiras. A catequese foi o destino da maior parte dos índios cearenses. Prova disso é a existência de grande quantidade de aldeamentos criados para a conversão dos rendidos. A Região da Ibiapaba, por exemplo, é um dos maiores núcleos de presença jesuíta no Ceará, a partir da fundação da missão de Nossa Senhora da Ibiapaba, atual Viçosa do Ceará, ainda em 1695 e elevada à Vila em 1759. Outra prova do fato mencionado foi a criação de três aldeias jesuíticas no entorno da Vila de Fortaleza, com o intuito de prover mão de obra para os colonos da região, oriunda de silvícolas vencidos em batalha: Arronches (Parangaba, elevada a Vila em 1759), Paupina (Messejana, elevada à Vila também em 1759) e Soure (Caucaia, elevada à Vila em 1760).

EXERCÍCIOS DE SALA

1. (UFC 1988) Sobre o processo de ocupação do território do atual Estado do Ceará, no período colonial brasileiro, podemos afirmar corretamente, que:a) As áreas centrais foram ocupadas

economicamente antes do litoral.b) Os rios Jaguaribe e Acaraú foram os principais

caminhos naturais de penetração.c) A pecuária desenvolveu-se sobretudo nas

regiões serranas.d) Os colonizadores, no Ceará, respeitaram as

terras indígenas, evitando exterminá-los.e) Os historiadores do Ceará, sem exceção,

afirmam que a ocupação do Cariri deu-se como resultado da expansão da Casa da Torre.

2. (UFC 1991/2) Sobre a economia cearense entre períodos colonial e imperial, marque a opção certa: a) O trabalho do vaqueiro, no Ceará colonial era

exercido por homens livres que percebiam salários.

b) A cultura algodoeira foi responsável pelo povoamento da terra cearense a partir do Século XVI.

c) As oficinas de charque e a comercialização de carne seca fizeram do Cariri a principal região econômica do Ceará Colonial.

d) A predominância da exportação do algodão pelo porto de Fortaleza contribuiu para consolidar a capital como principal centro urbano do Ceará no Século XIX.

e) O café, no Ceará, só foi cultivado nas regiões de Sobral e Camocim, e não teve nenhuma expressividade na economia exportadora cearense do século passado.

3. (UECE 2004/1) “A incorporação do Ceará no Projeto Colonial Português deu-se de modo tardio,

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quando comparado à conquista do litoral pernambucano, iniciada ainda na primeira metade do século XVI. As primeiras tentativas de conquista do Ceará só ocorreram no início do século XVII com Pero Coelho de Souza, em 1603. Depois com Martim Soares Moreno e por fim, com holandeses, a mais duradoura. No entanto, as tentativas de conquista ocorridas entre 1603 e 1654 não deixaram marcas importantes”. (PINHEIRO, Francisco José. Os povos nativos do Ceará (uma síntese possível) in Ceará de corpo e alma – um olhar contemporâneo de 53 autores sobre a terra da luz. Rio de Janeiro: Relume/Dumará – Fortaleza – Instituto do Ceará, 2002, p 21,22) No que concerne ao processo de ocupação do território cearense é correto afirmar : I. O processo de anexação e ocupação efetiva

da Capitania do Ceará ao Projeto Colonial Português só se efetuou no final do Século XVII e início do século XVIII.

II. A Capitania do Ceará despertou imediato interesse dos colonizadores portugueses.

III. A resistência armada dos povos nativos do território cearense aos colonizadores estendeu-se até o final do Século XIX.

Marque a opção verdadeiraa) I e II são verdadeiras.b) II e III são verdadeiras.c) II e III são falsas.d) I e III são falsas.

4. (UECE 2004/1) As três vilas mais importantes do Ceará no Período da Pecuária (1720-1790) eram: a) Aracati, Sobral e Icó.b) Sobral, Icó e Foraleza. c) Aquiraz, Fortaleza e Aracati.d) Icó, Aracati e Fortaleza.

5. (UECE 1997/2) Sobre o processo de ocupação da Costa cearense durante o século XVII, pode-se afirmar corretamente que:a) Os portugueses aliaram-se aos indígenas que

habitavam essas terras e construíram fortes apenas para defender os centros de pau-brasil;

b) A presença portuguesa no Ceará tem a ver com a ocupação de Pernambuco pelos franceses e do Maranhão pelos holandeses;

c) O litoral foi intensamente disputado por índios e forças militares de várias potências européias, e várias fortificações foram construídas por portugueses e holandeses;

d) A conquista do litoral cearense foi efetuada por motivos econômicos, já que o cultivo da cana-de-açúcar estava bastante desenvolvido e o açúcar necessitava ser transportado diretamente para Portugal.

EXERCÍCIOS DE CASA

1. (UFC 2002) O texto abaixo foi extraído do documento “Representação da Câmara de Aquiraz ao Rei de Portugal”: “(...) para a conservação desta capitania será vossa majestade servido destruir estes bárbaros para

que fiquemos livres de tão cruel jugo; em duas aldeias deste gentio assistem padres da Companhia que foram já expulsos de outras aldeias do sertão (...) estes religiosos são testemunhas das crueldades que estes tapuias tem feito nos vassalos de vossa majestade. (...) só representamos a vossa majestade que missões com estes bárbaros são escusadas, por que de humano só tem a forma a quem disser outra coisa é engano conhecido.” (Citado em PINHEIRO, Francisco José. “Mundos em confronto: povos nativos e europeus na disputa pelo território.” In SOUSA, Simone de (Org.) Uma Nova História do Ceará. Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2000, p.39) A partir da leitura do documento acima, é correto afirmar: a) A acirrada reação indígena constituiu uma

forma de resistência à destruição do seu modo de vida;

b) O projeto português de colonizar, civilizar e catequizar contribuiu para manter a organização tribal;

c) A ocupação do interior cearense, em virtude da reação indígena, foi iniciada na segunda metade do século XVIII;

d) O domínio do interior cearense pelo colonizador e a catequese jesuítica foram realizadas de modo a preservar a cultura indígena;

e) A Câmara de Aquiraz expressava a preocupação com a catequese indígena como forma de apaziguar o conflito entre os colonizadores e os índios.

2. (CEFET 2002/1) Sobre o Ceará colonial, é correta a afirmativa:a) Por apresentar atrativos econômicos, além

das condições geográficas favoráveis, o Ceará foi logo colonizado com a criação da Capitania do Siará Grande, sob o comando de Antônio Cardoso de Barros.

b) A obra de José de Alencar, que exalta as ações de Martim Afonso de Sousa, é Ubirajara.

c) As comunidades indígenas cearenses foram vítimas do processo de colonização, em que o território para eles constituía-se em valor simbólico, através do qual se definia a própria identidade. Para os colonos a terra era sobretudo um meio de produção, não im-portando o extermínio de milhares de nativos, para que o lucro fosse atingido.

d) Diferentemente de Pernambuco e Bahia, que promoveram a atividade da pecuária, o trabalho indígena não se fez presente, de forma relevante, no Ceará, haja vista que a exploração do território logo se definiu no sentido da empresa açucareira, para cujas necessidades o escravo africano era mais conveniente.

e) Além da atividade açucareira, a cotonicultura também foi de extrema importância para a ocupação do litoral e do interior cearenses, sem destacar o fato de ter sido o sustentáculo da economia cearense em toda a fase inicial da colonização, superando até a pecuária pernambucana.

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3. (CEFET 2003/1) Em relação à expansão da pecuária e ao povoamento do território cearense, é coerente afirmar que:

a) A ocupação dos sertões ocorreu devido à forte migração de colonos do sul conduzidos pelos bandeirantes, na intenção de encontrar as famosas pedras preciosas

b) A fazenda de criar gado era a unidade econômico-social dos sertões, dominada pelo poderoso fazendeiro, que tinha sua autoridade muito respaldada pela força do patriarcalismo

c) As sesmarias, vendidas pelo governo português só a burgueses, deram origem aos latifúndios cearenses, e nestes a atividade econômica de maior produção era a do cacau

d) As charqueadas fracassaram devido à concorrência interna com a produção açucareira da região do Cariri, que atraía a mão-de-obra das oficinas

e) A cotonicultura se definiu como uma atividade meramente local, ou seja, apenas para o uso doméstico nas fazendas durante todo o século XVIII. Adquiriu relevância internacional com a oligarquia aciolina no início da República.

4. (UECE 2005/2) Leia o fragmento abaixo com atenção:“Em cada fazenda destas, não se ocupam mais que dez ou doze escravos e na falta deles os mulatos, mestiços e pretos forros, raça que abundam os sertões da Bahia, Pernambuco e Ceará, principalmente pelas vizinhanças do Rio São Francisco.” (FONTE: Documento atribuído a João Caldas. Governador do Piauí, depois do Pará e depois do Rio Negro e Mato Grosso, falecido em 1794. In DEL PRIORI, Mary. Revisão do Paraíso: os brasileiros e o estado em 500 anos de História. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p 52 a 55.) O documento acima citado refere-se à atividade econômica, predominante no Ceará e no Piauí no período colonial. Tal atividade ligava-se à:a) Produção Algodoeirab) Pecuáriac) Produção Açucareirad) Mineração

5. (UECE 2001/1) “A ocupação da Capitania do Ceará estava consolidada na década de 1720 e a violência contra os povos nativos possibilitou a transformação do território livre para esses povos em área para a pecuária.” (PINHEIRO, Francisco J. Mundo em confronto: povos nativos e europeus na disputa pelo território. In SOUSA, Simone de (Org.) Uma Nova História do Ceará. Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2000, p.37) Com base no trecho citado, marque a alternativa que indica corretamente as relações entre colonizadores e nativos no Ceará do século XVIII:a) os colonos escravizaram os nativos para o

trabalho nas grandes plantações de algodão e na pecuária.

b) a expulsão dos nativos era necessária para abrir caminho para a ampla introdução de trabalhos africanos.

c) as guerras de antivos eram travadas para reuni-los em aldeamentos, onde os jesuítas pretendiam catequizá-los.

d) Os colonos precisavam de pouca mão de obra para o gado e procuraram expulsar ou aldear os nativos.

6. (UNIFOR 1989) "A expressão nasceu do fato inconstante de ser a pecuária até o século XIX a base econômico-social do Ceará, assim como a de todo o sertão nordestino." O autor da expressão a que o texto se refere é:a) Caio Prado Júniorb) Capistrano de Abreuc) Nelson Werneck Sodréd) Hélio Vianae) Varnhagen

7. (UNIFOR 2000/1) Colonos portugueses, apoiados por expedições militares, começaram a ocupar o Ceará por volta de 1610. O objetivo era proteger a capitania criada em 1534, dos ataques de:

a) Franceses, poloneses e árabes.b) Franceses, holandeses e ingleses.c) Alemães, belgas e franceses.d) Espanhóis, italianos e franceses.e) Alemães, russos e noruegueses.