módulo 1: a segurança - coordenação do curso de nutrição · de alimentos, sem nenhum impacto...

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Módulo 1: A Segurança Alimentar e nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)1

Art. I da DECLARAÇÃO UnIVERSAL DOS DIREITOS HUMAnOS:

“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência

e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

ÍndiceAula 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional ................................................................................... 4

Aula 2 – A Soberania Alimentar ....................................................................................................... 12

Aula 3 – O conceito de DHAA ........................................................................................................... 22

Aula 4 – Conceitos e considerações importantes sobre o DHAA ..................................................... 28

Aula 5 – A interligação e a convergência entre SAN, Soberania Alimentar e o DHAA ...................... 34

Aula 6 – Resumo .............................................................................................................................. 44

Análise Crítica de Estudos de Caso .................................................................................................. 46

Ao final deste módulo, você será capaz de:

• ConhecerosconceitosdeSegurançaAlimentareNutricional–SAN,SoberaniaAlimentar–SA,

Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA);

• IntegrarosconceitosdeSAN,SoberaniaAlimentareDHAA;

• Analisarcriticamentesituaçõesrelacionadasaostemasapresentadosnasaulas.

1Asaulasdestemódulo,comexceçãodaaulaSoberaniaAlimentar,deautoriadeNayaraCôrtesRocha,foramelaboradasapartirdo texto original Segurança Alimentar e Nutricional – SAN e o Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA, de autoria de ValériaBurity,ThaísFranceschinieFlávioValentepublicadosemDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequadanocontextodasegurançaalimentar e nutricional. Brasília, DF: ABRANDH, 2010. 204p. Esta versãomantémos autores originais e incluem como autorasresponsáveispelaadaptaçãoeatualizaçãoNayaraCôrtesRochaeMaríliaLeão.

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Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Aula 1 – A segurança alimentar e nutricional

Objetivo de aprendizagem: Conhecer o conceito de Segurança Alimentar e nutricional – SAn

Evolução histórica do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional – SAN em âmbito internacional e no Brasil2

O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional – SAN é um conceito em permanente construção.

Aquestãoalimentarenutricionalestárelacionadacomosmaisdiferentestiposdeinteresseseessa

concepção, na realidade, ainda é assunto em debate por diversos segmentos da sociedade no Brasil

enomundo.Alémdisso,oconceitoevoluinamedidaemqueavançaahistóriadahumanidadee

alteram-se a organização social e as relações de poder em uma sociedade.

DuranteaPrimeiraGuerraMundial(1914-1918),otermosegurançaalimentarpassouaserutilizado

naEuropa.Nessaépoca,oseuconceitotinhaestreitaligaçãocomoconceitodesegurançanacional

ecomacapacidadedecadapaísproduzirsuaprópriaalimentação,deformaanãoficarvulnerável

apossíveisembargos,cercosouboicotesdevidoarazõespolíticasoumilitares.

Esse conceito, no entanto, ganha força a partir da Segunda GuerraMundial (1939-1945) e, em

especial,apartirdaconstituiçãodaOrganizaçãodasNaçõesUnidas–ONU,em1945.Noseiodas

recém-criadas organizações intergovernamentais já se podia observar a tensão política entre os

organismosqueentendiamoacessoaoalimentodequalidadecomoumdireitohumano (FAOe

outros), e alguns que entendiamque a segurança alimentar seria garantidapormecanismosde

mercado(InstituiçõesdeBrettonWoods)3, taiscomooFundoMonetárioInternacional–FMIeo

BancoMundial,dentreoutros).Essatensãoeraumreflexodadisputapolíticaentreosprincipais

blocosembuscadahegemonia(LEHMAN,1996).

Após a Segunda Guerra, a segurança alimentar foi hegemonicamente tratada como uma questão

de insuficiente disponibilidade de alimentos.Emresposta,foraminstituídasiniciativasdepromoção

deassistênciaalimentar,queeram feitas,emespecial, apartirdosexcedentesdeproduçãodos

países ricos.

2DocombateàfomeàSegurançaAlimentareNutricional:odireitoàalimentaçãoadequada.In:VALENTE,F.L.S.Direito humano à alimentação: desafios e conquistas.CortezEditora,SãoPaulo,2002,p.40-43.

3AConferênciadeBrettonWoodsfoiconvocadaem1944,comoobjetivodediscutiraconstruçãodeumanovaordemeconômicamundial,visandoasseguraraestabilidademonetáriainternacional.Comoresultadoforamcriados:oFundoMonetárioInternacional–FMIeoBancoMundial,ambosem22dejulhode1944.Essasinstituiçõesforamcriadaspor45países(Brasil,entreeles)jánofinaldaSegundaGuerraMundial,osquaissereuniram,emjulhode1944,nacidadezinhadeBrettonWoods,estadodeNewHampshire,EstadosUnidos.Disponívelem:http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Bretton_Woods

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Havia o entendimento de que a insegurança alimentar decorria, principalmente, da produção

insuficiente de alimentos nos países pobres. Neste contexto, foi lançada uma experiência para

aumentar a produtividade de alguns alimentos chamada de Revolução Verde4, que tem como

fundamentoousodesementesdealtorendimento,fertilizantes,pesticidas,irrigação,mecanização,

tudo issoassociadoaousodenovasvariedadesgenéticas, fortementedependentesde insumos

químicos. A Índia foi o palco das primeiras experiências, com um enorme aumento da produção

de alimentos, sem nenhum impacto real sobre a redução da fome no país.Mais tarde, seriam

identificadas as terríveis consequências ambientais, econômicas e sociais dessa estratégia, tais

como: redução da biodiversidade, menor resistência a pragas, êxodo rural e contaminação do solo e

dos alimentos com agrotóxicos.

Ofatoéquedesdeofinalda2ªGuerraMundialoaumentodaproduçãodealimentosdoplaneta

cresceumuitoalémdoaumentodaprópriapopulaçãomundial.Entretanto,aelevaçãodaofertade

comidaquesedeveàRevoluçãoVerdenãofoiacompanhadapelodeclíniodafomemundialcomose

prometia.Averdadeéqueafomequepersisteeassoladiversasregiõesdoplanetaédeterminada

pela falta de acesso a terra para produção ou renda para comprar alimentos, ou seja, é resultado da

enormeinjustiçasocialvigente,nãodafaltadeproduçãodealimentos.Atualmente,asestatísticas

daONUinformamquetemosmaisde1bilhãodepessoascomfomenoplaneta(FAO).

Ainda que se considere o aumento da produção de alimentos, diversos fatos comprovam que a

RevoluçãoVerdeéinsustentávelemlongoprazo.Erosãoecompactaçãodosolo,poluiçãodoare

dosolo,reduçãodosrecursoshídricos(aagriculturaéresponsávelpor70%doconsumohumano

deágua),perdadematériaorgânicadosolo,inundaçãoesalinizaçãodeterrasirrigadas,exploração

excessiva dos recursos pesqueiros e poluição dos mares têm contribuído para a desaceleração da

taxa de crescimento da produção alimentar.

Noiníciodadécadade70,acrisemundialdeproduçãodealimentoslevouaConferênciaMundialde

Alimentação,de1974,aidentificarqueagarantia da segurança alimentar teria que passar por uma

política de armazenamento estratégico e de oferta de alimentos, associada à proposta de aumento

daproduçãodealimentos.Ouseja,nãoerasuficientesóproduziralimentos,mastambémgarantir

a regularidade do abastecimento. O enfoque nesta época ainda estava preponderantemente no

4“Revoluçãoverderefere-seàinvençãoedisseminaçãodenovassementesepráticasagrícolasquepermitiramumvastoaumentonaproduçãoagrícolaempaísesmenosdesenvolvidosduranteasdécadasde60e70.Omodelosebaseianaintensivautilizaçãode sementesmelhoradas (particularmente sementes híbridas), insumos industriais (fertilizantes e agrotóxicos), mecanização ediminuiçãodocustodemanejo.Tambémsãocreditadosàrevoluçãoverdeousoextensivodetecnologianoplantio,nairrigaçãoenacolheita,assimcomonogerenciamentodeprodução.Deumaformacrítica,arevoluçãoverdeproporcionoupormeiodestes‘pacotes’agroquímicosadegradaçãoambientaleculturaldosagricultorestradicionais.Esseciclode inovaçõesse inicioucomosavançostecnológicosdopós-guerra,emboraotermorevoluçãoverdesótenhasurgidonadécadade70.Desdeessaépoca,pesquisadoresdepaísesindustrializadosprometiam,porintermédiodeumconjuntodetécnicas,aumentarestrondosamenteasprodutividadesagrícolaseresolveroproblemadafomenospaísesemdesenvolvimento.Mas,contraditoriamente,alémdenãoresolveroproblemadafome,aumentouaconcentraçãofundiária,adependênciadesementesmodificadasealterousignificativamenteaculturadospequenosproprietários.”Disponívelem:http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_verde

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Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

produto,enãonoserhumano,ficandoadimensãododireitohumanoemsegundoplano.Foineste

contexto que a Revolução verdefoiintensificada,inclusivenoBrasil,comumenormeimpulsona

produçãodesoja.Essaestratégiaaumentouaproduçãodealimentos,mas,paradoxalmente, fez

crescer o número de famintos e de excluídos, pois o aumento da produção não implicou aumento

dagarantiadeacessoaosalimentos.

vale ressaltar que a partir dos anos 80 os ganhos contínuos de produtividade na agricultura

continuaramgerandoexcedentesdeproduçãoeaumentodeestoques,resultandonaquedados

preços dos alimentos. Esses excedentes alimentares passaram a ser colocados nomercado sob

a forma de alimentos industrializados, semque houvesse a eliminação da fome.Nessa década,

reconhece-se que uma das principais causas da insegurança alimentar da população era a falta

degarantiadeacessofísicoeeconômicoaosalimentosemdecorrênciadapobrezaedafaltade

acessoaosrecursosnecessáriosparaaaquisiçãodealimentos,principalmenteacessoàrendaeà

terra/território.Assim,oconceitodesegurança alimentar passou a ser relacionado com a garantia

de acesso físico e econômico de todos – e de forma permanente – a quantidades suficientes de

alimentos.

Nofinaldadécadade80e iníciodadécadade90,oconceitodesegurançaalimentarpassoua

incorporar também a noção de acesso a alimentos seguros (não contaminados biológica ou

quimicamente),dequalidade(nutricional,biológica,sanitáriaetecnológica),produzidosdeforma

sustentável, equilibrada, culturalmente aceitáveis e também incorporando a ideia de acesso à

informação.EssavisãofoiconsolidadanasdeclaraçõesdaConferênciaInternacionaldeNutrição,

realizadaemRoma,em1992,pela FAOepelaOrganizaçãoMundial da Saúde–OMS.Agrega-se

definitivamente o aspecto nutricional e sanitário ao conceito, que passa a ser denominado

Segurança Alimentar e nutricional(VALENTE,2002).

Apartirdoiníciodadécadade90,consolida-seumfortemovimentoemdireçãoàreafirmaçãodo

DireitoHumanoàAlimentaçãoAdequada,conformeprevistonaDeclaraçãoUniversaldosDireitos

Humanos (1948) e no Pacto Internacional dosDireitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC

(1966),queserãoexplicadosnopróximomódulo.Umpassoespecialparaistofoiarealizaçãoda

Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, que reafirmou a

indivisibilidade dos direitos humanos. Também a CúpulaMundial da Alimentação, realizada em

Roma,em1996,eorganizadapelaFAO,associoudefinitivamenteopapelfundamentaldoDireito

HumanoàAlimentaçãoAdequadaàgarantiadaSegurançaAlimentareNutricional.Apartirdeentão,

de forma progressiva,aSANcomeçaaserentendidacomoumapossívelestratégiaparagarantira

todos o Direito Humano à Alimentação Adequada.

A evolução conceitual ocorre em nível internacional e nacional e caracteriza-se como um processo

contínuoqueacompanhaasdiferentesnecessidadesdecadapovoedecadaépoca.

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No Brasil,oconceitovemsendodebatidohápelomenos20anose,damesmaforma,sofrealterações

emfunçãodaprópriahistóriadohomemedassociedades.

Oentendimentodesegurançaalimentarcomosendo“agarantia,atodos,decondiçõesdeacessoa

alimentosbásicosdequalidade,emquantidadesuficiente,demodopermanenteesemcomprometer

oacessoaoutrasnecessidadesbásicas,combaseempráticasalimentaresquepossibilitemasaudável

reproduçãodoorganismohumano,contribuindo,assim,paraumaexistênciadigna” foiproposto

em1986,na1aConferênciaNacionaldeAlimentaçãoeNutriçãoeconsolidadona1ªConferência

NacionaldeSegurançaAlimentar,em1994.Éimportanteperceberqueesseentendimentoarticula

duasdimensõesbemdefinidas:aalimentar e a nutricional. A primeira se refere aos processos de

disponibilidade (produção, comercialização e acesso ao alimento) e a segunda diz respeito mais

diretamenteàescolha,aopreparoeconsumoalimentaresuarelaçãocomasaúdeeautilização

biológica do alimento. É importante ressaltar, no entanto, que o termo Segurança Alimentar e

Nutricional somente passou a ser divulgado com mais força no Brasil após o processo preparatório

paraaCúpulaMundialdeAlimentação,de1996,ecomacriaçãodoFórumBrasileirodeSegurança

AlimentareNutricional(FBSAN)5,em1998.

Recentemente, outras dimensões vêm sendo associadas ao termo. Considera-se que os países

devamsersoberanosparagarantiraSegurançaAlimentareNutricionaldeseuspovos(soberania

alimentar),respeitandosuasmúltiplascaracterísticasculturais,manifestadasnoatodesealimentar.

O conceito de soberania alimentar defende que cada nação tem o direito de definir políticas que

garantam a Segurança Alimentar e Nutricional de seus povos, incluindo aí o direito à preservação

de práticas de produção e alimentares tradicionais de cada cultura.Alémdisso,reconhece-seque

esteprocessodevasedarembasessustentáveisdopontodevistaambiental,econômicoesocial.

Essasdimensões são incorporadasporocasiãoda2a Conferência Nacional de SAN, realizada em

Olinda/PE,emmarçode2004.HojeoseguinteconceitoéadotadoemnossoPaís:“aSegurança

Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a

alimentosdequalidade,emquantidadesuficiente,semcomprometeroacessoaoutrasnecessidades

essenciais,tendocomobasepráticasalimentarespromotorasdesaúdequerespeitemadiversidade

culturalequesejamambiental,cultural,econômicaesocialmentesustentáveis”.

EsteentendimentofoireafirmadonaLei Orgânica de Segurança Alimentar e nutricional, aprovada

peloCongressoNacionalesancionadapeloPresidentedaRepúblicaem15desetembrode2006,

instrumentojurídicoqueconstituiumavançoporconsiderarapromoçãoegarantiadoDHAAcomo

objetivoemetadaPolíticadeSAN.

5Criadoem1998,oFórumBrasileirodeSegurançaAlimentareNutricionaléhojeumaarticulaçãodeentidades,movimentossociaisdasociedadecivilorganizada,indivíduoseinstituiçõesqueseocupamdaquestãodasegurançaalimentarenutricionaledoDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequada.ExistemfórunsestaduaisdeSANnamaioriadosestadosdoPaís.Versite:http://www.fbsan.org.br/

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Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Elementos conceituais da SAn

No conceito de SAN, consideram-se dois elementos distintos e complementares:

A dimensão alimentar refere-se à produção e disponibilidade de alimentos que seja:

a) Suficienteeadequadaparaatenderademandadapopulaçãoem termosdequantidadee

qualidade;

b)Estávelecontinuadaparagarantiraofertapermanente,neutralizandoasflutuaçõessazonais;

c)Autônomaparaquesealcanceaautossuficiêncianacionalnosalimentosbásicos;

d)Equitativaparagarantiroacessouniversalàsnecessidadesnutricionaisadequadasparamanter

ou recuperar a saúde nas etapas do curso da vida e nos diferentes grupos da população;

e)Sustentáveldopontodevistaagroecológico,social,econômicoeculturalcomvistasaassegurar

a SAN das próximas gerações.

A dimensão nutricional–incorporaasrelaçõesentreoserhumanoeoalimento,implicando:

a) Disponibilidadedealimentossaudáveis;

b)Preparodosalimentoscomtécnicasquepreservemoseuvalornutricionalesanitário;

c) Consumoalimentaradequadoesaudávelparacadafasedociclodavida;

d)Condiçõesdepromoçãodasaúde,dahigieneedeumavidasaudávelparamelhoraregarantir

aadequadautilizaçãobiológicadosalimentosconsumidos;

e) Condições de promoção dos cuidados com sua própria saúde, de sua família e comunidade;

f) Direito à saúde com o acesso aos serviços de saúde garantido de forma oportuna e com

resolutividadedasaçõesprestadas;

g) Prevenção e controle dos determinantes que interferem na saúde e nutrição como as condições

psicossociais, econômicas, culturais e ambientais;

h)Boasoportunidadesparaodesenvolvimentopessoalesocialnolocalemqueviveetrabalha.

A segurança alimentaréumimportantemecanismoparaagarantiadasegurança nutricional, mas

não é capaz de dar conta por si só de toda a sua dimensão.

A evolução do conceito de SAN no Brasil e no mundo aproxima-se cada vez mais da abordagem

deDHAA.ParaqueumaPolíticadeSANsejacoerentecomaabordagemdedireitoshumanos,

deve incorporarprincípioseaçõesessenciaisparaagarantiadapromoçãodarealizaçãodo

DHAA,bemcomoosmecanismosparaaexigibilidadedestedireito.Naspróximasaulas,será

expostamaisdetalhadamentearelaçãoentreSANeDHAA.

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A intersetorialidade da Segurança Alimentar e nutricional

Considerando as diferentes dimensões da Segurança Alimentar e Nutricional, as iniciativas e

políticasparasuagarantiadevemconteraçõesquecontemplemtantoseucomponentealimentar

(disponibilidade, produção, comercialização e acesso aos alimentos) como nutricional (relacionado

àspráticasalimentareseutilizaçãobiológicadosalimentos).Paratanto,énecessáriaamobilização

de diferentes setores da sociedade (agricultura, abastecimento, educação, saúde, desenvolvimento

eassistênciasocial,trabalhoetc.)paraapromoçãodaSegurançaAlimentareNutricional.

Os fatoresquedeterminamnossaalimentaçãoehábitosalimentaressãomuitosedediferentes

naturezas (econômica, psicossocial, ética, política, cultural etc.). Escolhemosoque comemosde

acordo com nosso gosto individual, a cultura em que estamos inseridos(as), a qualidade e o preço

dosalimentos, comquemcompartilhamosnossas refeições (emgrupo,em famíliaou sozinhos),

otempoquetemosdisponível,convicçõeséticasepolíticas(comoalgumaspessoasvegetarianas

defensoras dos animais e do meio ambiente), dentre outros. Cada um desses fatores pode promover

asegurançaalimentarenutricionaloudificultaroseualcancepordeterminadapopulação.

Por exemplo, se o preço dos alimentos (ou de grupos de alimentos) aumenta muito e a renda da

populaçãonãoacompanhaesseaumento,possivelmenteas famílias,principalmenteasdebaixa

renda,diminuirãoaquantidadee/ouaqualidadedealimentosadquiridos.Nocasodessasfamílias,

queusampartesignificativadeseuorçamentoparacompradealimentos,taisvariaçõesdepreços

podem gerar insegurança alimentar entre seus membros.

Demaneirasemelhante,seosalimentosricosemaçúcar,gorduraesalforemmuitomaisbaratos

e acessíveis do que alimentos integrais, frutas e verduras, a tendência é que seu consumo cresça,

provocandooaumentodoexcessodepesoedoençasassociadasaelenapopulação.Estasituação

podeseagravarseessadiferençadepreçoforacompanhadaporpropagandasepublicidadeexcessiva

dealimentosindustrializados,seasopçõesdealimentaçãosaudávelforadecasaforemescassaseas

pessoasnãotiveremtemposuficienteparasealimentardemaneiraadequada.Todosessesfatores

podem ser observados em nossa realidade atual, o que, com o sedentarismo de parcela expressiva

da população, explica em grande parte o aumento do excesso de peso e das doenças consideradas

crônicas no Brasil, face da insegurança alimentar em nosso País.

Essesexemplosdemonstramquenossaalimentaçãoémultideterminada,eque,portanto,asaçõese

políticasparapromoverumaalimentaçãoadequadaesaudávelatodos(as),queincluaasdimensões

eprincípiosdaSegurançaAlimentareNutricional,devemincidirsobrediversasáreasesetoresda

sociedade.

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Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Vamosagoraconsiderarfatoresanterioresàquelesqueinfluenciamnossoconsumoalimentar.Por

exemplo, o que determina os preços dos alimentos?

Podemos pensar em muitas questões como a economia e o mercado internacional, alterações

climáticas,custosdeprodução,processamentoetc.Parasimplificar,usaremoscomoexemploopreço

defrutasehortaliçaseconsideraremosapenasseucustodeprodução,transporteecomercialização.

Pensandonestesaspectos,temoscomofatoresinfluenciadoresascondiçõesdosagricultorespara

produção,asdistânciaspercorridaspelosalimentoseporquantos“atravessadores”eledevepassar

atéchegaràsprateleirasdemercados,feirasehortifrútis.Quantomaiorocustoparasuaprodução,

adistânciapercorridaeonúmerodepessoasqueocomercializaatéoconsumidorfinal,maiorserá

opreçodoalimento.Assimcomomaiorseráodesperdício,aperdadaqualidadeeapoluiçãogerada

nesse processo.

Desta forma,açõesepolíticasde incentivoàproduçãode frutasehortaliças regionaisemáreas

urbanas, periurbanas ou em áreas rurais próximas às cidades em diferentes regiões podem

melhoraropreçoeaqualidadedessesalimentos,eassimincentivarseumaiorconsumoporparte

dapopulaçãolocal.Estratégiasnessesentidopodemaindareduzirodesperdíciodealimentosea

poluiçãocausadospeloseutransporteporlongasdistâncias.Secombinadasàspolíticasdecompra

pública destes alimentos, emqueo Estadoos compradireto dos produtores para utilizaçãoem

escolas, hospitais, creches, abrigos, asilos, tais estratégias podem promover também condições

dignasdetrabalhoevidanomeioruraleaumentaroconsumodefrutasehortaliçaspelopúblico

atendidoportaisinstituiçõespúblicas.

Aindacomoformadeincentivoaoconsumodefrutasehortaliças,podemospensaremprogramase

campanhascomestefim,alémdeaçõesdeeducaçãoalimentarenutricionalemdiversasinstituições

públicas, regulamentação da publicidade excessiva de alimentos industrializados, dentre outras

iniciativas.Esteconjuntodeaçõesintegradas–desdeoincentivoàproduçãoatéoconsumodestes

alimentos–poderiapromovernãoapenasumaalimentaçãomaissaudável,mastambémasaúde

da população, como processos de produção e comercialização de alimentos mais justos social e

economicamente,maissustentáveisequevalorizassemaculturaeosalimentoslocais.

EsteéapenasumexemplodecomoasaçõesemSegurançaAlimentareNutricionalsãoamplase

devem contemplar diversos setores (agricultura, abastecimento, saúde, educação, desenvolvimento,

assistênciasocialetc.)deformaarticulada.Aestacaracterísticachamamosintersetorialidade6.

6 Para saber mais sobre a intersetorialidade em Segurança Alimentar e Nutricional, leia o texto complementar “Segurança Alimentar e Nutricional:aintersetorialidadeeasaçõesdenutrição”,deLucieneBurlandy(2004).Disponívelem:http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/saude13art01.pdf

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ASegurançaAlimentareNutricionaléumatemáticaeumobjetivoessencialmenteintersetorial.Isso

significadizerquecadasetorligadoaeladevedesenvolveraçõesparasuapromoção,equeestes

diferentessetoresdevemtrabalhardemaneirainterligadaearticuladae,destaforma,potencializar

suasações.Alémdisso,éimportantequealgumaspolíticasestratégicassejamconstruídasegeridas

porváriossetoresemconjunto.

Hipoteticamente,seaSecretariadeAgriculturadedeterminadomunicípiodesenvolveumprograma

deincentivoàagriculturaurbanaeperiurbanasempactuaçãoentreosdiversossetoresquepossam

garantirorçamentoparaaproduçãoeapoioaosagricultores,áreaspúblicas,ferramentaseinsumos

paraoplantio,equipamentosparaescoamentodestaprodução,comofeirasemercadospopulares,

comprapúblicadiretadoprodutore incentivoaomaior consumodestesalimentos,oprograma

podesermenosefetivotantonapromoçãodemelhorescondiçõesdevidaàsfamíliasprodutoras

comonapromoçãodeumaalimentaçãomaisadequadaesaudávelàpopulaçãodemaneirageral.

Assim, ainda que não seja um princípio de simples execução, a intersetorialidade deve ser um

objetivo conjunto de diversos setores, tanto de governo comoda sociedade civil e um valor de

fundamentalimportânciaparaoêxitodepolíticasdeSegurançaAlimentareNutricional.

Anotações

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Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Aula 2 – A soberania alimentar

Objetivos de aprendizagem: conhecer o conceito de soberania alimentar

Asoberaniaalimentaréumconceitodeimportânciafundamentalparaagarantiadodireitohumano

à alimentação adequada e da segurança alimentar e nutricional. Relaciona-se ao direito dos povos de

decidir sobre o que se produz e consome. Desta forma, importa à soberania alimentar a autonomia

eas condiçõesdevidae trabalhodosagricultores familiarese camponeses,oque se refletena

produção de alimentos de qualidade, seguros, diversos e adequados à cultura local, assim como

emestratégiassocial,econômicaeambientalmentesustentáveisdeproduçãodealimentos.Este

conceitoé tambémrelevantenoquediz respeitoà soberaniadasnaçõese suaautossuficiência

com relação aos alimentos para consumo interno. Remete-se ainda à preservação de sementes

tradicionais(crioulas)ebiodiversidadeagrícola,alémdavalorizaçãodeculturaehábitosalimentares

dediversaspopulações.Cadaumdestesaspectosserámelhorexplicitadonodecorrerdestaaula.

Oconceitodesoberaniaalimentarsurgiuduranteadécadade1990comorespostadosmovimentos

sociais camponeses às políticas agrícolas neoliberais desenvolvidas em todo o mundo. Mais

especificamente,oconceitofoicriadoem1996emreaçãoàCúpulaMundialdaAlimentação.No

entendimentodessesmovimentos,oconceitodeSegurançaAlimentarutilizadopelaFAO7, assim

comoaspolíticaspropostas,sãolimitadosàgarantiadoalimento,semseimportarondeecomo

são produzidos, o que favorece o agronegócio8 enquanto inviabiliza a agricultura camponesa, uma

vezquesobestaperspectivaaofertadealimentospodeseratendidapormeiodaimportaçãoouda

produçãoemlargaescaladealgunsprodutosemformademonocultura(CAMPOS,2007).

Emcontraposiçãoaessa formadegarantiroacessoàalimentação,essesmovimentos, liderados

pela via Campesina9, propõem o conceito de Soberania Alimentar como:

“Odireitodospovosdedefinirsuasprópriaspolíticaseestratégiassustentáveis

de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à

alimentação para toda a população com base na pequena e média produção, 7OConceitodeSegurançaAlimentardaFAOé:garantiratodosacessoaalimentosbásicosdequalidadeeemquantidadesuficiente,semcomprometerasoutrasnecessidadesessenciais.Éimportantedestacarque,conformevistonaaula1destemódulo,oconceitobrasileirodeSegurançaAlimentareNutricionaldifere-sedoconceitodaFAOecontemplatantoasdimensõesdaqualidadedosalimentos e sua segurança biológica como de uma cadeia produtiva de alimentosmais justa, solidária, sustentável, e ainda avalorizaçãodasculturasalimentaredecultivodospovos,aproximando-sefortementedaperspectivadesoberaniaalimentar.

8 Agronegócio: neste curso, a expressão “agronegócio” é utilizada para definir o modelo de produção agrícola com base emmonocultivos,emgrandesextensõesdeterra,apartirdemecanizaçãointensiva,utilizaçãodevenenoagrícola(osagrotóxicos)epouca mão de obra e visto como uma categoria econômica com fortes laços com o comércio exterior.

9 A via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadoresagrícolas,mulheresruraisecomunidadesindígenasenegrasdaÁsia,África,AméricaeEuropa.Umadasprincipaispolíticas da Via Campesina é a defesa da soberania alimentar. Disponível em: http://www.social.org.br/cartilhas/cartilha003/cartilha012.htm

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respeitando suas próprias culturas e a diversidade de modos camponeses,

pesqueiroseindígenasdeproduçãoagropecuária,decomercializaçãoedegestão

dos espaços rurais, nos quais amulher desempenha um papel fundamental. A

soberaniaalimentarfavoreceasoberaniaeconômica,políticaeculturaldospovos.

Defenderasoberaniaalimentaréreconhecerumaagriculturacomcamponeses,

indígenas e comunidades pesqueiras, vinculadas ao território; prioritariamente

orientada à satisfação das necessidades dos mercados locais e nacionais [...]”

(Declaração final do FórumMundial de Soberania Alimentar, assinada pela Via

Campesina,Havana,Cuba/2001,citadaporCampos,2007)

Em2007,duranteoFórumMundialdeSoberaniaAlimentar,emMali,esteconceitofoireafirmado:

“A soberania alimentar é o direito dos povos de decidir seu próprio sistema

alimentar e produtivo, pautado em alimentos saudáveis e culturalmente

adequados, produzidos de forma sustentável e ecológica, o que coloca aqueles

que produzem, distribuem e consomem alimentos no coração dos sistemas e

políticasalimentares,acimadasexigênciasdosmercadosedasempresas,além

dedefenderosinteresseseincluirasfuturasgerações.”(FÓRUMMUNDIALPELA

SOBERANIAALIMENTAR,2007).

Segundo esta percepção, a soberania alimentar inclui:

• Priorizaraproduçãoagrícolalocalparaalimentaçãodapopulaçãoeoacessodoscampesinos

àterra,água,sementeseaocréditoparaprodução.Daíanecessidadedereformasagráriase

dalutacontraosorganismosgeneticamentemodificados(OGM)paragarantirolivreacessoàs

sementesepreservaçãodaáguadequalidadecomobempúblico;

• Odireitodoscampesinosdeproduziremalimentoseodireitodosconsumidoresdedecidirem

sobre o que consumir, como e quem deve produzir esses alimentos;

• Odireitodospaísesdeseprotegeremdasimportaçõesagrícolasealimentaresmuitobaratas,

compreçosagrícolasligadosaoscustosdeprodução.Ospaísesdevemterodireitodefixar

impostos para importações demasiado baratas, comprometendo-se com uma produção

campesina sustentável, e controlar aproduçãodomercado internoparaevitarexcedentes

agrícolas;

• Aparticipaçãodospovosnadefiniçãodapolíticaagrária;

• Oreconhecimentodasmulherescamponesasquedesempenhampapelessencialnaprodução

agrícolaenaalimentação(VIACAMPESINA,2003).

14

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Uma das principais críticas da Via Campesina é que, da forma como se organiza, o comércio

internacional não prioriza a alimentação das populações e não contribui para a erradicação da

fomenomundo.Pelocontrário,aumentaadependênciadospovosàimportaçãoagrícola,reforçaa

industrializaçãoagrícola,colocandoemriscoopatrimôniogenético,culturaleambientaldoplaneta,

assim como a saúde das pessoas.Temexpulsadomilharesdecampesinosdocampo,obrigando-osà

migraçãoeabandonodesuaspráticasagrícolastradicionais(VIACAMPESINA,2003).

Assim, a soberania alimentar deve incluir um comércio internacional justo, que priorize a segurança

alimentar dos povos por meio de trocas comerciais entre regiões de produtos específicos que

constituemadiversidadedenossoplaneta(VIACAMPESINA,2003).

Os modelos de desenvolvimento rural

Como se podenotar, a temáticada soberania alimentar relaciona-se fortemente à produçãode

alimentos (o que se produz, como e para quê), e não é compatível comomodelo hegemônico

voltado às necessidades do mercado internacional. A soberania alimentar pressupõe modelos que

priorizem condições adequadas de vida no campo, sustentabilidade econômica, social e ambiental e

segurança alimentar e nutricional a todas as pessoas.

Demaneirasuperficial,podemosdefinirbasicamentedoisprincipaismodelosdedesenvolvimento

ruralqueapontamparaconcepçõesdistintasdeocupaçãodoespaçoagrário,deorganizaçãosocial

ederelaçãocomanatureza(CONSEA,2010),sendoeles:

• Modeloagroexportadorfundamentadoemgrandespropriedadesmonocultoras,naprodução

em larga escala, que poupa mão de obra e usa intensamente mecanização, irrigação e insumos

industriaiscomoagrotóxicos,sementestransgênicaserações(CONSEA,2007apudCONSEA,

2010).

• Modelodeagriculturafamiliarbaseadaempequenaspropriedadescomproduçãodiversificada

e voltada prioritariamente ao mercado interno.

Omodeloagroexportador,conduzidopeloagronegócioempresarial–produtohistóricodaarticulação

entre capital financeiro, capital industrial e a grandepropriedade territorial – produz de acordo

com as necessidades dos mercados internacionais, que nem sempre condizem com alimentos para

consumodapopulação.Ouseja,seemdeterminadomomentoas“mercadorias”maislucrativassão

sojaecana-de-açúcar,estesserãooscultivosprioritários,aindaquenãosejamabasedaalimentação

local. Produzir alimentos para o mercado interno não é prioridade neste modelo, nele:

“Quemproduzofazparaquempagamais,nãoimportaondeeleestejanaface

doplaneta. Logo, a volúpiadosque seguemoagronegócio vaideixandoopaís

15

vulnerávelnoqueserefereàsoberaniaalimentar.Comoascommodities garantem

saldo na balança comercial, o Estado financia mais as ditas cujas. Então, mais

agricultorescapitalistasvãotentarproduzi-las.”(OLIVEIRA,2003,P.7)

Ou seja, a produção de commodities para exportação gera mais lucro aos grandes produtores (a

quemoautorchama“agricultorescapitalistas”)eaindaporcimaoEstadoofereceincentivosaesta

produção.Logo,atendênciaéqueestescultivossejammaioresdoqueodealimentos,oquepode

servistonasestatísticasdaproduçãoagráriabrasileira.

ResultadosdaPesquisaAgrícolaMunicipal–PAM/IBGEdemonstramque,noperíodoentre1990até

2008,aproduçãodecana-de-açúcarcresceu145%eadesoja,200%,enquantoocrescimentoda

produçãodefeijãofoide54,9%edearroz,62,5%(PAM/IBGE).

DadosdoCensoAgropecuáriorealizadoem2006evidenciamadesproporcionaldistribuiçãodeterra

edeinvestimentoentreagronegócioeagriculturafamiliareascaracterísticasdaproduçãoagrícola

no Brasil:

• Em2006,havia5,17milhõesdeestabelecimentosagropecuáriosnoPaís.Destes,84,4%eramde

agriculturafamiliare15,6%deagriculturanãofamiliaroupatronal(quesegundoosparâmetros

desteestudocompreendiammaisde4módulosfiscais).Noentanto,osestabelecimentosde

agriculturafamiliarocupavamapenas1/4daáreatotaldosestabelecimentosagropecuários

doPaís,ouseja,osestabelecimentospatronaisdominavam3/4destaárea;

• Segundoessamesmapesquisa,osestabelecimentosdeagriculturafamiliarrespondempor

75%detodaapopulaçãoocupadaemestabelecimentosagropecuáriosdoPaís.Apontaainda

quehavia emmédia cincopessoasocupadas a cada 100hade área emestabelecimentos

agropecuários,sendoquenosestabelecimentosfamiliaresessamédiasubiapara15,4pessoas,

enquantonosestabelecimentosnãofamiliarescaíapara1,7pessoas.Alémdisso,daspessoas

queocupavamestabelecimentosdeagriculturafamiliar,90%tinhalaçosdeparentescocomo

produtore81%residianoprópriolocal.Ouseja,aagriculturafamiliargeramaistrabalhono

campoeseorganizacomoumempreendimentocoletivo.

As políticas de crédito reproduzem na alocação de recursos a acentuada desigualdade que se

observanaestruturafundiária(distribuiçãodeterras).Ovalordestinadoàagriculturafamiliargirou

sempreemtornode1/5doqueéprogramadoparaaagriculturapatronal,excetoentre2009e

2010,quandoessaproporçãoficaabaixode1/6.Issosignificaquemaisde80%dosgastosprevistos

nosplanos-safrasparaosetoragropecuáriosãodirigidosacercade15%dosprodutores,aopasso

queaosdemais85%cabem20%dosrecursos.

-Porfim,oCensoAgropecuáriodemonstraque,apesardedeter1/4totaldasterrasdoBrasil,1/5

dosinvestimentosdestinadosàagriculturapatronal,aagriculturafamiliarrespondeporboaparte

16

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

daproduçãodealimentosdoPaís.Estesagricultoresfamiliaresforneciam87%daproduçãonacional

demandioca,70%daproduçãodefeijão,46%domilho,38%docafé,34%doarroz,21%dotrigo,

58%doleiteepossuíam59%doplanteldesuínos,50%dodeavese30%dodebovinos.Alémdisso,

aagriculturafamiliareraaindaresponsávelpor63%dovalorproduzidoemhorticultura.

A partir desses dados, é possível afirmar que a produção agrícola familiar contribui demaneira

significativaparaaofertainternadealimentosnoPaís,sendogranderesponsávelpelagarantiada

segurançaalimentarenutricionaldosbrasileiros, apesardapequenaárea comque contaedos

poucosincentivos,principalmentesecomparadosaosoferecidosaoagronegócio.

Osdadosapontamtambémparaofatodequenãohásoberaniaalimentaremnossopaísvistoque

quem dita as regras de produção de alimentos e para onde vão é o mercado internacional e não

seupovoque,nocampo,éexpulsopelaindustrializaçãodaagricultura,enascidades,ficarefémda

oscilação dos preços de alimentos.

Estaéalógicaqueatingenãoapenasaprodução,mastodaacadeiaprodutivadealimentos,centrada

essencialmente no lucro, capaz de gerar o paradoxo de fazer com que alimentos, transformados em

commodities, gerem fome e insegurança alimentar em diversos países. Isso tem acontecido nos

últimosanoscomachamadacrisemundialdealimentos.SegundodadosdaFAO,entreosanosde

2007e2008,acrisealimentaraumentouonúmerodefamintosnomundoem80milhões.Dadosde

2010apontamparaumtotalde1bilhãodefamintosaoredordomundo.

NoBrasil,aindaqueimportantesavançosnareduçãodafomeedesnutriçãotenhamacontecidonos

últimosanos,estasmazelassociaisnãoforamcompletamenteextintas.Enocampoenasperiferias

dosgrandescentrosurbanos,ainsegurançaalimentaraindaalcançaasparcelasmaisvulneráveisda

população10.

Também com relação ao incentivo à agricultura familiar (principal responsável pela produção

dealimentosbásicos), avanços vêmsendoalcançadosnosúltimosanos comprogramas comoo

ProgramadeFortalecimentodaAgriculturaFamiliar–Pronaf,oProgramadeAquisiçãodeAlimentos–

PAAeoProgramaNacionaldeAlimentaçãoEscolar–PNAE.Aindaquedemaneiraincipiente,esses

programas têmpromovidoo fortalecimentodestaagricultura.Noentanto,háaindamuitoa ser

feito.Umapolíticadereformaagráriaefetiva,quegaranta,alémdoacessoàterra,condiçõespara

delaviverearegularizaçãofundiáriadeterrasindígenasequilombolas,paracitaralgunsexemplos,

sãocondiçõesprimordiaisparaagarantiadasoberaniaesegurançaalimentar.

10 Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (2009), cerca de 30% dos domicílios investigadosapresentavam alguma forma de insegurança alimentar (aproximadamente 65 milhões de pessoas), sendo que 5,8% dessesdomicílios(2,9milhões)foramclassificadoscomoinsegurançaalimentargrave,ouseja,restriçãoalimentarnaqual,parapelomenosumapessoa,foireportadaalgumaexperiênciadefomenoperíodoinvestigado.Dentreosdomicílioscominsegurançaalimentarmoderadaougrave,cercade55%estavamnaclassederendimentomensaldomiciliarper capitadeaté½saláriomínimo.Fonte:IBGE.Disponívelem:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/seguranca_alimentar_2004_2009/pnadalimentar.pdf

17

Afaltadepolíticasadequadasnestasáreas,alémdascitadasacima,quetambémincluamestímulo

para produção para autoconsumo11, faz com que tais populações – rural, povos indígenas e quilombola

(eoutrospovosecomunidadestradicionais),porexemplo–enfrentemaindamaisdificuldadesem

garantirsuasegurançaalimentarenutricional,apresentandomaioresíndicesnãosódeinsegurança

alimentarcomodedesnutrição.Logo,essesgrupos,historicamentedetentoresdeconhecimentos

ancestrais de cultivodealimentos,massemterraerecursos(financeirose/ounaturais),têmsérias

limitaçõesparatanto.Maisumaironiadajáreferidalógicadolucroacimadoserhumano.

Soberania alimentar, cultura e saúde

Afaltadesoberaniaalimentarcausaefeitosnegativosparaalémdomeiorural.Também(masnão

só)nascidades,amassificaçãodoshábitosalimentaresvemafastandocadavezmaisaspopulações

desuaculturaalimentar,oque,alémdeperdadaidentidadeediversidadeculturais,acarretadanos

à saúde.

O oligopólio da cadeia de produção, transformação e distribuição de alimentos determina não

apenasoquepodeserproduzido,comoemúltimainstânciaoqueseráconsumido.Nasgôndolas

dossupermercadosnossãoapresentadasdiferentesmarcaseprodutosalimentíciosquecadavezse

parecemmenoscomaquiloquenossosavóschamavamdealimento.

Apesardosanúnciosdeinfinitosprodutosalimentícios,abasedanossaalimentaçãoéatualmente

limitada aos mesmos ingredientes presentes em quase todos os produtos, que pouco ou nada

refletemnossoshábitosalimentarestradicionais.Amaiorpartedelesapresentaquantidadesmuito

maiores de açúcar, gordura e sal do que os alimentos in natura ou mesmo preparados em casa.

Neste contexto, nossas culturas são transformadas em “peças de museu” e folclore, cada vez mais

distantesdonossocotidiano.

Estas mudanças em nossa alimentação ao longo dos anos são evidenciadas nas Pesquisas de

Orçamentos Familiares (POF 2002/2003 e 2008/2009), que investigam, dentre outros, dados de

aquisição de alimentos nos domicílios brasileiros. Elas demonstram que a compra de alimentos

básicos e tradicionais brasileiros como arroz, feijão e farinha demandioca perdem importância

nasdespesasdasfamílias,enquantoaumentaaparticipaçãorelativadealimentosprocessadose

produtosprontosparaconsumo,comopães,embutidos,biscoitos,refrigeranteserefeiçõesprontas

(IBGE,2010).

11 Aproduçãopara autoconsumo tambémébastante comprometidapelomodelodemodernizaçãodaagricultura. Emgeral, oscréditosefinanciamentosoferecidospelaspolíticaseprogramaspúblicossãovoltadosparaaproduçãoparaomercado.Destaforma, os povos e comunidades que produzem para autoconsumo têm sua segurança alimentar e nutricional seriamente comprometidas.

18

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Alémdaperdadadiversidadeeidentidadecultural,estesnovoshábitostêmcausadodanosàsaúde

dos brasileiros. O reduzido consumo de alimentos in natura fundamentais à saúde, como frutas

ehortaliças,associadoaoexcessivoecrescenteconsumodealimentos industrializados,ricosem

gordura,açúcar, salepobresemfibrasevitaminas,eaindaaosedentarismodapopulação, tem

gerado números alarmantes de sobrepeso, obesidade e doenças crônicas a eles associados.

Assim, as populações urbanas necessitam também ser despertadas para a noção de soberania

alimentarqueasafetadiretamente,mesmoquenãopercebamesigamconsumindocotidianamente

alimentossemrefletirsobresuaspráticasalimentaresouorigem.“Numcontextoemqueaterra,

asaúde,ocorpoeoalimentoconfiguram-seemmercadorias,perfisdenecessidadessãocriadose

recriadosemtornodacomercializaçãoedoconsumo,algumasdelasimpostaspeloatualcotidiano

davida” (p.42).Ouseja,oshábitosalimentares,assimcomodevida,demaneirageral, sãoem

grande parte formatados pelo mercado, sua publicidade e o modo de viver por ele criado. Acontece,

porém,queoprocessodá-seemduasdireções,assimcomoaproduçãodealimentosafeta seu

consumo,étambéminfluenciadapelasdemandassociais,istoé,produz-seoqueseconsome.Daí

vemaimportânciade,tambémnascidades,asoberaniaalimentarserpensadaedefendida.Nãohá

comopensarsoberaniaalimentartratandoosistemaprodutivodissociadodadimensãonutricional

edoscondicionantesdaspráticasalimentarescontemporâneas.Comrelaçãoaestadimensão,cabe

tambémaoEstadoaregulaçãodosmeiosdecomunicaçãoepublicidadedealimentos,docomércio

e da indústria, além, é claro, dos espaços públicos de oferta de refeições, bem como do comércio

internacional(BURLANDY;MALUF,2010).

A agroecologia

Outropilardesustentaçãodasoberaniaalimentarésuaperspectivadesustentabilidadeambiental,

preservação da biodiversidade e compromisso com as futuras gerações.

O modelo convencional de agricultura, pautado pela Revolução verde, demanda o uso intensivo

deinsumosquímicos,dentreelesosagrotóxicos,quevêmacarretandodanosàsaúdehumanae

aoambiente.Diversosestudostêmreveladoosproblemasdesaúdecausadospelautilizaçãodos

agroquímicos,sobretudoparaosagricultores(NAVOLARetal.,2010).

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Dados do Sistema Nacional de Informações

Tóxico-farmacológicasde2002daFundaçãoOswaldoCruzapontamque10,42%dasnotificaçõesde

intoxicaçãohumanasãocausadasporagrotóxicos,cercade7.838casos.Emtermosdeletalidade,as

mortesporagrotóxicoschegama2,34%,omaiorvalordastaxaslevantadas(Anvisa,2005)12.

12 Valedestacarqueoscasosdeintoxicaçãohumanasãosubnotificados.SegundoaOrganizaçãoMundialdaSaúde–OMS,cadacasoregistrado corresponde a aproximadamente cinquenta casos ocorridos.

19

Existe ainda o risco de intoxicações crônicas relacionadas ao consumo frequente de alimentos

contaminados por resíduos químicos de agrotóxicos, conforme dados divulgados pela Anvisa.

Outros estudos registram também a contaminação do leite materno por resíduos de agrotóxicos

(MESQUITA;MOREIRA,2001).

Em2011,foidivulgadaumapesquisarealizadaemLucasdoRioVerde/MT,emqueresultadosde

análisesdo leitematernodemulheresdomunicípioapontaramacontaminaçãoporresíduosde

agrotóxicosem100%daamostracoletada,ouseja,oleitedetodasasmulheresqueparticiparam

do estudo apresentava resíduos de agrotóxicos.

Alémdosimpactosdanososàsaúdehumana,ousodeagroquímicosprejudicaomeioambientee

contaminasistemashídricossuperficiaisesubterrâneos.

Como resposta aos danos econômicos, sociais e ambientais causados pelo modelo agroexportador,

surgiunosanos70e80ummovimentoemfavordeumaagriculturasemousodeinsumosquímicos

edemaistecnologiasutilizadasporele.Estemovimento,queatualmenteétambémumaciência,

temsefortalecidonosúltimosanosesechamaagroecologia.

Omodeloagroecológicodeproduçãobaseia-senodesenvolvimentodeumaagriculturasustentável,

sem insumos químicos13, pautada nos saberes e métodos tradicionais de manejo e gestão

ambientais produzidos ao longo de muitas gerações. Propõe a produção de alimentos seguros,

saudáveis,culturalmenteadequadoscomoformadecultivaradiversidadeambientaleculturale

dereafirmaroslaçosentreserhumanoenatureza.Aagroecologiaprimaaindaporprincípioséticos

desolidariedadeesustentabilidadeparaaconstruçãodepráticaseestratégiasquegarantamuma

alimentaçãoadequadaesaudávelatodos(as)(ANA,2010;NAVOLARetal.,2010;PACHECO,2010).

Outras características importantes construídas na realidade dos espaços da agroecologia são: a

ressignificaçãodasrelaçõessociaisdegênero,principalmentenoqueserefereàconstruçãopolítica

davisibilidadedotrabalhodasmulhereseosprocessosorganizativosdasestratégiasdesegurança

alimentar. Para conhecer estas experiências, acesse o material desenvolvido pela Articulação

Nacional de Agroecologia, a ANA: Soberania e Segurança Alimentar na Construção da Agroecologia,

SistematizaçãodeExperiências.

A diversidade é um conceito central para a agroecologia e também para a Segurança Alimentar e

Nutricional. Ambas consideram que compõem esta dimensão tanto a conservação, manejo e uso

da agrobiodiversidade (diversidade de espécies, variedades genéticas e diversidade de sistemas

agrícolas ou cultivados) como a diversidade alimentar e cultural, que vem se perdendo com a

13 Éimportanteesclarecerqueotermo“agriculturaorgânica”temsidolargamenteutilizadoporempresasemfunçãodeinteressescomerciais. Contudo, esta produção se restringe ao não uso de agroquímicos ou transgenia, e não incluem os demais princípios éticosdaagroecologia.

20

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

massificação dos hábitos alimentares e a diminuição da diversidade de alimentos causada pelo

avançodasmonoculturas(ANA,2010).

“Culturasvêmseperdendodesdeseushábitosalimentaresatésuamaterialidade

representadaporumaagrobiodiversidade incomensurável, frutodemilharesde

anosdesaberesdesenvolvidoseacumulados,hoje,quandoaindavigentes,postos

ao serviço do mercado tal qual peça de museu ou curiosidade folclórica.” (ANA,

2010,p.5)

Tal apropriação do mercado das diferentes culturas e formas de resistência dos povos, tal como a

agroecologia, transforma-os em produtos ou em “peças de museu”, distanciando-os da realidade

concretadaspessoas.Aideologiahegemônicaincutidaemnossasmentespelomercadoeagrande

mídia nos faz pensar que a única realidade possível é a criada por eles mesmos. Deste modo,

achamosqueo“normal”éousodeagrotóxicoseaalimentaçãomassificada,baseadaemalimentos

industrializados,eo“alternativo”éaagroecologiaeumaalimentaçãosaudável.Masnemsempre

foi assim e nem é preciso que seja. Diversas experiências bem-sucedidas na agroecologia têm

acontecido,apesardopoucoincentivoe“invisibilidade”destasiniciativas.

O avanço da produção de alimentos transgênicos também tem causado preocupação a organizações

nãogovernamentais,movimentossociaisecomunidadescientíficas.Existemduasquestõescentrais

que geram tal preocupação:

• Nãoforamrealizadosestudosqueindicamquaissãoosimpactosambientaiscausadospelo

usodostransgênicos.Existempossibilidadesdecontaminaçãodeculturasnãotransgênicas,

perdadabiodiversidade,surgimentodeervasdaninhasresistentesaherbicidaseaumentodo

uso do solo;

• Nãoexistemestudosoupesquisasdemédioelongoprazosquegarantamqueosalimentos

transgênicossãoinofensivosàsaúdeevidahumana.Nãosesabeaindaqueefeitos,doenças

oudanosàsaúdeaingestãodealimentosgeneticamentemodificadospodecausaramédio

e longo prazos, ou seja, a liberação de produtos transgênicos, sem a realização de estudos

prévios de impacto ambiental e dos riscos à saúde e à Segurança Alimentar e Nutricional da

população brasileira, fere o princípio da precaução14.

Paraagravarasituação,produtoscontendoorganismosgeneticamentemodificadossãovendidos

sem rotulagemespecífica que indique sua presença, ferindomais umdireito do consumidor de

sabereescolheroqueconsome.ÉimportantedestacarquenoBrasilestãoliberadasasplantações

14 O princípio da precaução estabelece a necessidade de prevenção de riscos potenciais e de efeitos irreversíveis antes mesmo daexistênciadeprovasirrefutáveisdenocividadedeumanovatecnologia.Esseprincípio,incorporadonaLeino11.105,de24demarçode2005,queestabelecenormasdesegurançaemecanismosdefiscalizaçãodeatividadesqueenvolvamorganismosgeneticamentemodificados,encontratambémexpressãoconcretaemváriosartigosdaConstituiçãoFederalde1988

21

dealgodão,milho, sojae feijão transgênicos, sendoomilhoea soja ingredientespresentesem

grande parte de alimentos industrializados e o feijão a base da nossa alimentação.

Amesmaideologiahegemônica,quefezdaRevoluçãoVerde“aúnicasoluçãopossívelparaacabar

com a fome no mundo” (conforme explicitado na aula anterior, nunca resolveu a questão e criou

outras),pretendeagoraconvenceratodosqueaproduçãodealimentostransgênicosdaráconta

dessa “missão”, e esta é uma das mais graves ameaças à Soberania Alimentar na atualidade.

Apesardetodasessasdificuldades,osagricultoresfamiliaresedaagroecologiaseguemconstruindo

alternativasparaumaagriculturamaissustentável,justa,solidáriaequeproduzaalimentosseguros,

saudáveis,diversoseculturalmenteadequadosatodasaspessoaseparaasnovasgerações.

Ébomreforçarqueumpaísésoberanoquandodefineoqueproduzir,oquecomereoquevender,

equandorespeitaaspráticasculturaisepriorizaavidaesaúdedeseupovo.

Agradecemosa JulianPerez,MaicondeAndradee SilviaRigonpelas contribuiçõesdadasaeste

texto.

Anotações

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Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Aula 3 – O conceito de DHAA

Objetivo de aprendizagem: conhecer o que são os direitos humanos e o DHAA

O que são direitos humanos?

Direitoshumanossãoaquelesqueossereshumanospossuem,únicaeexclusivamente,porterem

nascidoeserempartedaespéciehumana.Sãodireitosinalienáveis,oquesignificaquenãopodem

sertiradosporoutros,nempodemser cedidosvoluntariamenteporninguéme independemde

legislaçãonacional,estadualoumunicipalespecífica.Devemasseguraràspessoascondiçõesbásicas

quelhepermitamlevarumavidadigna.Istoé,comacessoàliberdade,àigualdade,aotrabalho,

àterra,àsaúde,àmoradia,àeducação,àáguaealimentosdequalidade,entreoutrosrequisitos

essenciaisparaqueumserhumanopossaacreditarqueavidavaleapenaservivida(DHnet,2008;

LEÃO;RECINE,2011).

No entanto, vale também ressaltar que a definição de direitos humanos está em constante

construção,pois essesdireitos foramconquistados apartirde lutashistóricase, poressa razão,

correspondemavaloresquemudamcomotempo.Elesavançamàmedidaqueavançaahumanidade,

osconhecimentosconstruídoseaorganizaçãodasociedadeedoEstado.

Osdireitoshumanos forampactuados comodireitos inerentes a todapessoahumanapormeio

deumlongoprocessode lutaseconflitosentregrupos,especialmenteentreaquelesdetentores

do poder e as maiorias sem poder algum. Portanto, tudo o que se refere à promoção de direitos

humanosestárelacionadoaoestabelecimentodelimitesederegrasparaoexercíciodopoder,seja

essepúblico,sejaprivado,econômico,políticoemesmoreligioso(VALENTE,2002;TRINDADE,2000;

BOBBIO,1992).

Osinstrumentosdedireitoshumanos,normas,acordosoudeclaraçõesquepreveemestesdireitos

por terem sido firmados emmomentos de grandemobilização e indignação popular contra os

abusosdepoderporpartedosEstadosedegruposhegemônicos,oudepoisdegrandescatástrofes

provocadasporguerrasoudisputasqueproduziramamortedemilharesoudemilhõesdepessoas

em condições desumanas, são uma conquista da luta dos povos contra a opressão, a discriminação,

ousoarbitráriodopoderouomissõesporpartedosdetentoresdopoder.

Exemplos disso são a Declaração de Direitos dos Homens e dos Cidadãos, firmada logo após a

RevoluçãoFrancesa,em1789;aConstituiçãodosEstadosUnidosdaAmérica,promulgadaem1787,

11anosapósavitóriadopovoamericanocontraoImpérioBritânico;aDeclaraçãoUniversaldos

Direitos Humanos, de 1948,eosPactosInternacionaisdeDireitosHumanos,queserãoexplicados

adiante.

23

Os direitos humanos à vida, à liberdade, à alimentação adequada, à saúde, à terra, à água, ao

trabalho,àeducação,àmoradia,àinformação,àparticipação,àliberdadeeàigualdadepodemser

citadoscomoalgunsexemplosdedireitoshumanos.

Conforme já mencionado, os direitos humanos são influenciados pelos costumes e valores de

determinadotempohistóricoe,portanto,podemmudardeacordocomasregrasenecessidades

dos povos em determinadomomento. Por esta razão, o conceito de direitos humanos está em

permanenteevoluçãoporqueacompanhaasnovasdemandasdasociedadeedasvisõesdoqueseja

umavidajustaedigna(LEÃO;RECINE,2011).Porexemplo,atualmentediscute-sesobreodireito

à inclusão digital, que é de fato uma demanda importante na atualidade, mas que não poderia ser

prevista em outras épocas. Contudo:

“Oimportanteéentenderqueosdireitoshumanosexistemparaprotegeroserhumanodatirania

e da injustiça e garantir a dignidade e a igualdade de direitos entre homens emulheres com a

finalidadeúltimadepromover o progresso da sociedade, o bem comum, a paz, em um estado de

amplaliberdade”(LEÃO;RECINE,2011).

Princípios que regem os direitos humanos

Osdireitoshumanossãouniversais,indivisíveis,inalienáveis,interdependenteseinter-relacionados

em sua realização. Desta forma, um direito não pode ser realizado sem a existência dos demais.

Osdireitoshumanos:

• Sãouniversaisporqueseaplicamatodosossereshumanosindependentementedosexoe

daorientaçãosexual,idade,origemétnica,cordapele,religião,opçãopolítica,ideologiaou

qualqueroutracaracterísticapessoalousocial.

• São indivisíveisporqueosdireitoscivis,políticos,econômicos,sociaiseculturaissãotodos

igualmentenecessáriosparaumavidadigna.Alémdisso,a satisfaçãodeumnãopodeser

usadacomojustificativaparaanãorealizaçãodeoutros.

• Sãointerdependentes e inter-relacionadosporquearealizaçãodeumrequeragarantiado

exercíciodosdemais.Porexemplo:nãoháliberdadesemalimentação;nãoexerceplenamente

odireitoaovotoaquelesquenãotêmdireitoaotrabalhoeàeducação;nãohásaúdesem

alimentaçãoadequadaeassimpordiante.Nessesentido,apromoçãodarealizaçãodequalquer

direitohumanotemqueserdesenvolvidadeformainterdependenteeinter-relacionadacom

apromoçãodetodososdireitoshumanos.

• São inalienáveis, ou seja, são direitos intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis, o que

significaquenãopodemsertiradosporoutros,nãopodemsercedidosvoluntariamentepor

ninguém, nem podem ter a sua realização sujeita a condições.

24

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

O Direito Humano à Alimentação Adequada

O Direito Humano à Alimentação Adequada é indispensável para a sobrevivência. As normas

internacionaisreconhecemodireitodetodosàalimentaçãoadequadaeodireitofundamentalde

todapessoaaestarlivredafomecomorequisitosparaarealizaçãodeoutrosdireitoshumanos.No

Brasil,estedireitoestáasseguradoentreosdireitossociaisdaConstituiçãoFederaldesde2010pela

EmendaConstitucionalno64de2010.

Entretanto,odireitoàalimentaçãoadequadaeodireitodeestarlivredafomeestãodistantesda

realidade de muitas pessoas em todo o mundo.

AincorporaçãodoconceitodeDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequadanasváriasestratégiasde

desenvolvimentosocialedeSegurançaAlimentareNutricionaléumcaminhoeficazparareverter

essa situação.

Um quadro global da pobreza e da desnutrição

Em2005,segundodadosdaFAO,852milhõesdepessoassofriamdefomecrônica(90%crônica

e10%gravementedesnutridas)nospaísesemdesenvolvimento.Em2008,aFAOdivulgounovos

dadosinformandoqueessecontingenteatingiu923milhõesdepessoas,ouseja,71milhõesamais

doqueem2005.SegundoaFAO,acrisedosalimentos15 temsidoresponsávelpeloaumentodo

número de pessoas afetadas pela fome16eseurelatóriode2011sobreafomenomundoaponta

para925milhõesde famintoseparaperspectivasaindadifíceisparaosanosseguintesdevidoà

previsão de que os preços devem seguir em alta, afetando gravemente agricultores e consumidores

dos países pobres.

Assim, aMeta deDesenvolvimento doMilênio no 1 de reduzir àmetade, entre 1990 e 2015, a

proporçãodapopulaçãoquesofrecomafomeestágravementeameaçadae,comoapontaopróprio

relatóriode2011,aindaqueessametasejaatingida,600milhõesdepessoasaindasofrerãopor

causa da fome, o que é inadmissível.

15 Recentemente, amídia internacional tem dadomuito espaço ao que vem sendo chamado de crisemundial dos alimentos.Descreve-sea“crise”peloaumentoexpressivodopreçodeprodutosalimentícios(i.e,trigo,milho,arroz,leite,carne,sojaetc.).Deacordocom informaçõesdaFAO,datadasdeabrilde2008,37paísesestãoàbeiradeumacrisealimentargrave.AONUfoiapúblicoalertarque,senadaforfeito,faltarãoalimentosparamilhõesdepobresnomundo.Parecequeoproblemaédeescassezdaofertaquando,narealidade,trata-sedaexpressãomaisperversadainjustiçadistributivaglobal.Amaiorprovadissoé que são somente os mais pobres os afetados pela crise. A alta dos preços dos alimentos é a face mais visível de um conjunto defatoresquevemhistoricamentepromovendoexclusãosocialeasistemáticaviolaçãodoDHAAdeexpressivoscontingentespopulacionais.Éimportanteressaltarqueaspolíticasdedesenvolvimentotêmsepautadoeminteressesdemercadoenãoemgarantiadedireitosedignidadehumana.Emumdocumentoelaboradoem2008,chamadoACriseMundialdeAlimentosviolaoDireito Humano à Alimentação, a ABRANDH apresenta alguns elementos que devem ser levados em conta na construção de uma agendaglobaldedesenvolvimentopautadaemdireitoshumanos.Paramaiores informações,verhttp://www.abrandh.org.br/download/20100911221251.pdf

16 Sobreacrisedosalimentos,veroposicionamentodoRelatorEspecialdaONUparaodireitoàalimentação,OlivierdeSchutter:Nosolutionsforfoodcrisiswithouthumanrights(siteeminglês):http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/NoSolutionsFoodCrisis.aspx

25

Além disso, estima-se que 2 bilhões de pessoas sofrem de fome oculta (deficiências de

micronutrientes),principalmentemulherescomanemiaedeficiênciadeferro,bemcomoas250

milhõesdecriançasafetadaspordeficiênciadeiodo,acausamaiscomumderetardamentomental,

ouos250milhõesdecriançasquesofremdedeficiênciasubclínicadevitaminaA,oquereduza

capacidade de combater doenças e pode levar à cegueira.

Ademais,umanovaepidemiadeobesidadeestáseespalhandopelomundo,com500milhõesde

adultosobesosempaísestantopobrescomoricos,gerandoconsequênciasprejudiciaissignificativas

tanto para a saúde desses indivíduos como para o orçamento na área de saúde dos países. A

globalizaçãodocomércioedosmercadosearápidaurbanizaçãosubstituempadrõesdietéticose

hábitosalimentarestradicionais.

Essa situação demonstra a necessidade de se garantir a realização do DHAA como estratégia

fundamental para lidar com os extremos acima mencionados.

O que é o Direito Humano à Alimentação Adequada?

A expressão Direito Humano à Alimentação Adequada tem sua origem no Pacto Internacional dos

DireitosEconômicos,SociaiseCulturais–PIDESC.

Em 2002, o Relator Especial da ONU para o direito à alimentação definiu o Direito Humano à

Alimentação Adequada da seguinte forma:

Odireitoàalimentaçãoadequadaéumdireitohumanoinerenteatodasaspessoasdeteracesso

regular,permanenteeirrestrito,querdiretamenteoupormeiodeaquisiçõesfinanceiras,aalimentos

seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às

tradições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões

físicaemental,individualecoletiva.

Essadefinição incorpora todosos elementosnormativos explicados emdetalhesnoComentário

Geral12sobreoart.11doPIDESC,segundooqual:

“Odireitoàalimentaçãoadequadaserealizaquandotodohomem,mulherecriança,sozinhoouem

comunidade com outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, a uma alimentação

adequadaouaosmeiosnecessáriosparasuaobtenção”.

26

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Comentário sobre a terminologia

OPIDESCreconheceodireitoaumpadrãodevidaadequado,inclusiveàalimentação adequada,

bem como o direito fundamental de estar livre da fome.

Conformeostratadosinternacionaisdedireitoshumanos,existemduasdimensõesindivisíveisdo

DHAA:

• Odireitodeestarlivredafomeedamánutrição;

• Odireitoàalimentaçãoadequada17.

O DHAAcomeçapelalutacontraafome,mascasoselimiteaisso,essedireitonãoestarásendo

plenamenterealizado.Ossereshumanosnecessitamdemuitomaisdoqueatendersuasnecessidades

de energia ou de ter uma alimentação nutricionalmente equilibrada. Na realidade, o DHAA não

deveenãopodeserinterpretadoemumsentidoestritoourestritivo,ouseja,queocondicionaou

o considera como “recomendações mínimas de energia ou nutrientes”. A alimentação para o ser

humanodeve serentendida comoprocessode transformaçãodanaturezaemgente saudávele

cidadã.

Assim, o DHAA diz respeito a todas as pessoas de todas as sociedades e não apenas àquelas que não

têmacessoaosalimentos.Otermo“adequada”envolvediversosaspectos,comomostraaFigura

1,eapromoçãoeplenarealizaçãodoDHAAenvolvemelementosdejustiçasocialeeconômicade

um país.

Asformascomocadaumdestesfatoressãoatendidos,noentanto,dependedarealidadeespecífica

de cada grupo ou povo. Por exemplo, a plena realização do DHAA para uma comunidade indígena

não é igual à dos moradores de uma cidade. As comunidades indígenas necessitam de terra para

plantar,coletarecaçar.Osmoradoresdeumbairronecessitamdetrabalho,rendaeacessoàágua.As

pessoas portadoras de necessidades alimentares especiais carecem de acesso e informação sobre os

alimentos adequados para sua necessidade. Aqueles que têm recursos para comprar seus alimentos

precisamde informaçãoadequadaparafazerescolhassaudáveiseseguras(porexemplo,rótulos

confiáveisedefácilcompreensão).Ouseja,aindaquetodosessesgrupostenhamcaracterísticas

em comum, em determinadasocasiõesrequeremaçõesespecíficasparagarantirseudireito(LEÃO;

RECINE,2011).

17Em2007,oCONSEA,pormeiodoGrupodeTrabalhoAlimentaçãoAdequadaeSaudável,propôsumadefiniçãoampliadaparaesteconceito:aalimentaçãoadequadaesaudáveléarealizaçãodeumdireitohumanobásico,comagarantiaaoacessopermanenteeregular,deformasocialmentejusta,aumapráticaalimentaradequadaaosaspectosbiológicosesociaisdosindivíduos,deacordocom o ciclo da vida e as necessidades alimentares especiais, pautada no referencial tradicional local. Deve atender aos princípios da variedade, equilíbrio, moderação, prazer (sabor), às dimensões de gênero e etnia, e às formas de produção ambientalmente sustentáveis, livresdecontaminantesfísicos,químicos,biológicosedeorganismosgeneticamentemodificados(CONSEA,2007, p.9).Estadefiniçãoconsideraqueomodocomoseproduzemosbensnecessáriose comose reproduzavidahumananumadadasociedadetemreflexosnoscorposeperfildesaúdedesteseque,destamaneira,asmudançasnaformadesealimentarnosúltimos200anostêmserefletidonoatualquadroepidemiológicodahumanidade.Parasabermaissobreesteconceito,acesseodocumentoelaboradopeloCONSEA.

27

Alimentação adequada

Diversidade

Adequação nutricional

Qualidade sanitária

Realização de outros direitos

Acesso à informação

Acesso a recursos financeirosou

recursos naturais, comoterraeágua

Livredecontaminantes,agrotóxicos e organismos

geneticamentemodificados

Respeito à valorização da cultura alimentar nacional e regional

Figura1–Representaçãográficadasdimensõesdaalimentaçãoadequada.Fonte:Leão;Recine(2011)

Anotações

28

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Aula 4 – Conceitos e considerações importantes sobre o DHAA

Objetivos de aprendizagem: conhecer os conceitos-chave para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada

Alguns conceitos-chave para a realização de Direto Humano à Alimentação Adequada devem

ser compreendidos. São eles: a disponibilidade, a adequação, o acesso (físico e econômico) e a

estabilidadedealimentos.Paramelhorcompreensão,cadaumdelesseráexplicadoporexemplos

empíricos.Porexemplo,oquesignificadisponibilidadedealimentos?

Cenário 1: disponibilidade

Exemplo:umaáreapropensaàocorrênciadesecaséhabitadamajoritariamenteporagricultores

familiares.Elesnãodispõemde recursospara investirem irrigação,por issodependemdaágua

dachuvaparaocultivodesuas lavouras.Aausênciadefontesderendaalternativasmantémos

agricultoresemsituaçãodeinsegurança.Quandoafaltadechuvaresultanofracassodacolheita,

hápoucosalimentosdisponíveisenenhumdinheiroparacomprá-los.Arededecomérciolocalde

alimentostambéméafetadapelofracassodacolheita.

Nessecenário,comoaproduçãodealimentoséreduzida,osalimentosdisponíveisnãosãosuficientes

para as comunidades.

Vejamosmaisdetalhadamenteoquesignificadisponibilidade.

• Disponibilidade de alimentos

Pode ocorrer das seguintes formas:

a) Diretamente,apartirdeterras produtivas(agricultura,criaçãodeanimais,cultivodefrutas)

ou de outros recursos naturais como pesca, caça, coleta de alimentos;

b)Apartirdealimentoscompradosna rede de comércio localouaindaobtidospormeiode

ações de provimentocomoentregadecestasbásicas.

Cenário 2: adequação

ExemploA:ascomunidadesindígenasGuaranis-KaiowásdomunicípiodeDourados/MSvivemem

umaáreadeterratãopequenaquenãolhesdácondiçõesdeviverdignamenteedeproduzirou

obter seus alimentos tradicionais pormeio da agricultura, pesca, caça e coleta. Emdecorrência

dessasituação,17criançasmorrerampordesnutriçãoem2005eosconflitoseavulnerabilidade

29

persistem nesta região até os dias atuais. Os governos federal e estadual, como medida emergencial,

distribuíramcestasbásicasdealimentos.Porém,algunsalimentos(farinhadetrigoeleiteempó)

nãofaziampartedaculturaalimentardopovoGuarani-Kaiowá.Assim,essamedidanãofoieficaz

para reverter o quadro de desnutrição que afetou a aldeia.

ExemploB:numaescola,hácriançasportadorasdedoençacelíacaeque,porestarazão,nãopodem

comer glúten. Contudo, a maioria dos alimentos oferecidos na escola contém glúten, o que põe em

risco a vida e a saúde dessas crianças.

Oscenáriosacimasãoexemplosdeinadequaçãodosalimentos.

• Adequação dos alimentos

O consumo apropriado de padrões alimentares, inclusive o aleitamento materno, é essencial para o

alcance do bem-estar nutricional.

Além disso, os alimentos não devem conter substâncias adversas em níveis superiores àqueles

estabelecidosporpadrõesinternacionaisepelalegislaçãonacional.Essassubstânciassãotoxinas,

poluentesresultantesdeprocessosagrícolaseindustriais,inclusiveresíduosdedrogasveterinárias,

promotoresdecrescimentoehormônios,entreoutros.

A alimentação no contexto do Direito Humano à Alimentação Adequada deve incluir valores

associados à preparação e ao consumo de alimentos. Alimentação adequada implica acesso a

alimentossaudáveisquetenhamcomoatributos:acessibilidadefísicaefinanceira,sabor,variedade,

cor, bem como aceitabilidade cultural como respeito a questões religiosas, étnicas e às peculiaridades

dos diversos grupos e indivíduos.

Cenário 3: acesso

Nasdécadasde70e80,asaltastaxasdedesempregoemáreasruraiseafaltadeoportunidades

causarammigraçãoemmassaparaos centrosurbanos.Osmigrantesencontravam trabalhonos

setores informais, nos quais os salários erambaixos e irregulares, nãopermitindo a aquisição e

consumodealimentosnutritivosdeformaregularepermanente.

Esseexemplo configuraa faltadeacessibilidadeeconômicaaosalimentoseemconsequênciao

acessoaquantidadesinsuficientesdealimentosparaagarantiadaSAN.

Aacessibilidadeaoalimentopressupõeacessibilidadetantoeconômicacomofísica:

• Acessibilidade econômica

30

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Implica acesso aos recursos necessários para a obtenção de alimentos para uma alimentação

adequada com regularidade durante todo o ano.

• Acessibilidade física

A alimentação deve ser acessível a todos:lactentes,crianças,idosos(as),deficientesfísicos,doentes

terminais ou pessoas com problemas de saúde, presos(as), entre outros. A alimentação também

deveestaracessívelàspessoasquevivememáreasdedifícilacesso,vítimasdedesastresnaturais

ouprovocadospelohomem,vítimasdeconflitosarmadoseguerraseaospovosindígenaseoutros

grupos em situação de vulnerabilidade.

Cenário 4: estabilidade

Emumassentamento rural, onde ainda não existem condições para produçãode alimentos, há

fornecimentodecestasbásicas.Entretanto,essefornecimentonãoéestáveleregular.Aentregade

cestasbásicasdeveriasersuficiente,regularepermanenteatéqueessasfamíliastenhamcondições,

porseusprópriosmeios,deteracessoàalimentaçãoadequada.Alémdisso,deveriahaverações

que garantissema autonomiadessas famílias a fimdeque, por seusprópriosmeios, pudessem

proverseusalimentosdemaneiraestável.

Tantoadisponibilidadecomoaacessibilidadedealimentosdevemsergarantidasdemaneiraestável.

Isso significa que alimentos adequados devemestar disponíveis e acessíveis de forma regular e

permanente durante todo o ano.

Considerações importantes

Apesardereconhecidoemváriostratadosedeclaraçõesinternacionais,todosaprovadospeloBrasil,

arealizaçãodoDHAAemsuasduasdimensõesaindaestámuitolongedesetornarrealidadepara

muitos.

Como diz a música Comida, dos Titãs: “a gente não quer só comida”. De fato, alimentação adequada

vai muito além:

• Tratadodireitoaumaalimentaçãodequalidade,diversificada,nutricionalmenteadequada,

sem agrotóxicos ou contaminantes e isentos de organismos geneticamentemodificados –

OGM;

• Trataaindadodireitodeacessoàinformaçãocientificamentecomprovadaerespaldadasobre

alimentaçãosaudávelealimentosseguroseadequados;

31

• Incluiaregulamentaçãodapropagandaepublicidadequepromovemoconsumodealimentos

nãosaudáveisouque“vendem”característicasqueinexistemousãoinverídicas,especialmente

paracriançasejovens,fasesdavidaemqueseconstroemedefinemoshábitosalimentares;

• Respeitaoshábitosculturaisque,emespecialnoBrasil,sãoformadoscomacontribuiçãoda

diversidadecultural (regional, racial,étnica)característicadaorigemdeformaçãodonosso

povo;

• Incorporaodireitodapopulaçãodeteracessoaosrecursosprodutivos,deproduziradequada

esoberanamenteoseupróprioalimentoe/oudeterrecursos(financeiros,físicosemateriais)

para se alimentar de forma adequada e com dignidade.

E tão importante quanto esses elementos, incorpora a garantia e a possibilidade concreta de a

população exigir a realização de seus direitos.

ApromoçãodagarantiadoDHAApassapelapromoçãodareformaagrária,daagriculturafamiliar,

depolíticasde abastecimento, de incentivoapráticas agroecológicas, de vigilância sanitáriados

alimentos,deabastecimentodeáguaesaneamentobásico,dealimentaçãoescolar,doatendimento

pré-natal de qualidade, da viabilidade de praticar o aleitamento materno exclusivo, da não

discriminação de povos, etnia e gênero, entre outros.

NãoépossíveldescrevertodasasaçõesnecessáriasparaagarantiadoDireitoHumanoàAlimentação

Adequada porque cada grupo, família ou indivíduo vai exercer o seu direito de se alimentar com

dignidadenamedidaemqueforemsuperadasasdificuldadesdarealidadeespecíficaquelhescerca,

eoBrasiltemdiversasrealidades,comparticularidadesedificuldadesemcadaumadelas.

Os indígenas cujas terras não estão demarcadas, por exemplo, para ter o seu DHAA precisam de

determinadas políticas que podem não ser pertinentes para os indígenas que vivem em terras

demarcadas. Os ciganos têm necessidades diferentes de comunidades quilombolas. A classe média,

quetemdinheiroparacomprarseusalimentos,precisadeinformação,entreoutrasmedidas,para

fazervaleroseudireitoàinformaçãoedeescolhasaudáveldosalimentos,enquantoascomunidades

urbanas e rurais excluídas precisam de renda ou acesso à terra para poder usar a informação a que

eventualmente tenhamacessopara realizaro seuDHAA.Ouseja,aindaque todosessesgrupos

tenhamcaracterísticascomuns,emdeterminadosmomentosprecisamdeaçõesespecíficaspara

garantiressedireito.

É sempre importante reafirmar que oDHAA está indivisivelmente ligado à dignidade da pessoa

humana,àjustiçasocialeàrealizaçãodeoutrosdireitos(direitoàterraparanelaproduziralimentos,

aomeioambienteequilibradoesaudável,àsaúdeeàeducação,àcultura,aoempregoeàrenda,

entreoutros). Issoapontaclaramenteparaanecessidadedepolíticaseprogramaspúblicosque

32

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

tenhamcomoprincípioaintraeaintersetorialidadeparaquesepossapromoverarealizaçãodos

direitoshumanos.

Cabeainda ressaltar que, naperspectivadapromoçãodosdireitoshumanos, oprocesso (como

é feito) é tão importantequantoo resultado (oqueé feito).Nesse sentido, é fundamental que

práticasquepromovamoDHAAconsideremosprincípiosqueserelacionamcomessedireitoe,

assim, superem práticas paternalistas, assistencialistas, discriminatórias e autoritárias. Portanto,

parapromoverarealizaçãodoDHAAéfundamentalqueaexecuçãoeaimplantaçãodaspolíticas,

programas e ações públicas (o que é feito) e seu delineamento, planejamento, implementação

emonitoramento (como é feito) sejam garantidos por um processo democrático, participativo,

inclusivo,querespeiteasdiferençasediversidadesentreossereshumanos.

Princípios dos direitos humanos

A perspectiva do direito à alimentação adequada

Os problemas relacionadoscomaprivaçãodealimentosdevemserabordadossobaperspectivado

Direito Humano à Alimentação Adequada.IssosignificaqueasestratégiasdeSegurançaAlimentar

eNutricionaleasdereduçãodafomeedapobrezadevemincorporarváriosprincípiosdedireitos

humanos:

Dignidade humana.Esseprincípioexigequetodasaspessoassejamtratadascomrespeito,dignidade

evalorizadascomosereshumanos.Políticaspúblicasbaseadasemdireitoshumanosreconhecem

oindivíduonãocomomeroobjetodeumapolítica,massimcomotitulardedireitoshumanosque

podereivindicá-los.

Prestação de contas (ou responsabilização). Uma abordagem baseada em direitos humanos

reconhece o estabelecimento demetas e processos transparentes para o desenvolvimento e a

redução da pobreza. Os Estados são responsáveis por suas ações perante os indivíduos e delas

devem prestar contas.

Apoderamento. Os indivíduos, por sua vez, precisam se apoderar das informações e instrumentos

dedireitoshumanosparaquepossamreivindicardoEstadoaçõescorretivasecompensaçõespelas

violações de seus direitos.

AperspectivadoDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequadaestácentradaem:

Não discriminação.ODireitoHumanoàAlimentaçãoAdequadadevesergarantidosemdiscriminação

deorigemcultural,econômicaousocial,etnia,gênero,idioma,religião,opçãopolíticaoudeoutra

natureza. Isso, porém,nãoafastaanecessidadedequesejamrealizadasaçõesafirmativaseenfoques

prioritáriosemgruposvulneráveis,emparticular,emmulheres.

33

Participação.Esseprincípiodestacaanecessidadedequeaspessoasdefinamasaçõesnecessárias

ao seu bem-estar e participemde forma ativa e informada do planejamento, da concepção, do

monitoramento e da avaliação de programas para o seu desenvolvimento e a redução da pobreza.

Além disso, as pessoas devem estar em condições de participar de questões macropolíticas. A

participaçãoplenarequertransparência.Ela“apodera”aspessoaseéoutraformadereconhecimento

de sua dignidade.

Anotações

34

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Aula 5 – A interligação e a convergência entre SAN, soberania alimentar e o DHAA

Objetivo de aprendizagem: ser capaz de integrar os conceitos de SAN, Soberania Alimentar e DHAA

Estaaulaorganiza-seemtrêspartes:

Parte 1: SAN, DHAA, Soberania Alimentar – a interligação e convergência entre estes conceitos

Parte 2: Contribuições do conceito de DHAA para a abordagem de SAN

Parte 3:PolíticaspúblicasquepromovemaSAN,SAeoDHAA

Parte 1 – SAN, DHAA, Soberania Alimentar e a interligação entre estes conceitos

LeiOrgânicadeSegurançaAlimentareNutricional.Art.3o:

“A Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao

acessoregularepermanenteaalimentosdequalidade,emquantidadesuficiente,

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base

práticasalimentarespromotorasdesaúdequerespeitemadiversidadeculturale

quesejamambiental,cultural,econômicaesocialmentesustentáveis”.

Comoexplicadoanteriormente,noBrasiloconceitodeSANvemsendodebatidohápelomenos

20anoseutilizadoparasereferiraumaestratégiaoupolíticanacionaldeSegurançaAlimentare

Nutricional,queincorporaoacessoregularepermanenteàalimentaçãosaudáveleaoutrosbense

serviçossociaisbásicosnecessáriosparaobem-estardoserhumano.

Ao afirmar que determinado grupo ou indivíduo está em estado de Segurança Alimentar e

Nutricional,considera-sequeestegrupoou indivíduoestátendoacessoregularaalimentaçãoe

nutriçãoadequadaseestátendoplenascondiçõesdeaproveitar,emtermosfisiológicos,osalimentos

ingeridos.Ouseja,estásaudávelevivendoemumambientesaudável.

O estado de Segurança Alimentar e Nutricional é mais amplo do que o estado de Segurança Alimentar.

Porém, principalmente quando associamos SAN, Soberania e DHAA, outros fatores são importantes

para a garantiade SAN, como sustentabilidadeeconômica, social e ambiental daprodução,não

reprodução de sistemas que gerem desigualdades e violações de direitos, entre outros.

35

Assim, o Direito Humano à Alimentação Adequada trata da disponibilidade, adequação, acesso

físico,econômicoeestávelaosalimentos,respeitandoadignidadehumana,garantindoprestação

de contas e apoderamento dos titulares de direito. Para contemplar todos estes atributos, são

necessárias políticas articuladas entre diversos setores – políticas intersetoriais – e âmbitos da

sociedade que ofereçam condições concretas para que os diferentes grupos sociais, cada um com suas

especificidades,acessem,comdignidade,alimentosdequalidade,emquantidadeeregularidade,

produzidos demodo sustentável e permanente. Esta seria uma Política de SegurançaAlimentar

eNutricional. Para que estas políticas produzamde fato acesso a alimentos seguros, saudáveis,

produzidosdemaneirasocial,econômicaeambientalmentesustentável,énecessárioummodelo

dedesenvolvimento ruralvoltadoaoobjetivodealimentarapopulação,quevalorizeossaberes

ancestraisdecultivoeoagricultor,promovendotambémsuasaúdeeautonomia,ouseja,épreciso

quesegarantaodireitodeospovosdefiniremsuasprópriaspolíticaseestratégiassustentáveisde

produção,distribuiçãoeconsumodealimentosdeacordocomcadaculturaeregião.Énecessário

tambémquetenhamboascondiçõesparaaproduçãoeautonomiaterritorial,ouseja,épreciso

Soberania Alimentar.

“A Soberania Alimentar está estreitamente relacionada às relações econômicas e ao comércio

internacional,queprecisamserreguladaspelosEstados,sobpenadedesequilibraremaprodução

e o abastecimento interno de cada país. Os resultados da desregulação dos sistemas alimentares

nãosóacarretamadestruiçãodossistemasnacionaiselocaiscomotambémpadronizamhábitos

alimentaresetornamaspopulaçõesdediversasregiõesdependentesdealimentosquenãolhessão

culturalmenteadequados.”CONTI(2009,p.30)

Assim,épossívelperceberqueocaminhoparagarantirodireitodecadacidadão(ã)àalimentação

adequadapassaporpolíticaslocaisatémacropolíticaseconômicasesociais.Ficatambémevidentea

relação de interdependência e inter-relação entre os conceitos de DHAA, SAN e Soberania Alimentar,

eaimpossibilidadedesetratá-losdeformaisolada.

ApolíticadeSANdeveser regidaporvalorescompatíveis comosdireitoshumanose soberania

alimentar, incluindo aí o direito à preservação de práticas alimentares e de produção tradicionais

de cada cultura.Esseprincípiorelaciona-secomodireitodetodosdeparticipardasdecisõespolíticas

de seu país, cujos governantes devem agir de forma livre e soberana e de acordo com os direitos

fundamentaisdeseushabitantes.

36

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

ÉpormeiodapolíticadeSAN,articuladaaoutrosprogramasepolíticaspúblicascorrelatas,que

o Estado deve respeitar18, proteger19, promover20 e prover21 o Direito Humano à Alimentação

Adequada.Estedireito,queseconstituiobrigaçãodopoderpúblicoeresponsabilidadedasociedade,

alia a concepçãodeumestadofísico ideal–estadodeSegurançaAlimentareNutricional –aos

princípios de direitos humanos tais comodignidade, igualdade, participação, não discriminação,

entreoutros(VALENTE,2002).

Portanto, quando se fala em Segurança Alimentar e Nutricional refere-se à forma como uma

sociedadeorganizada,pormeiodepolíticaspúblicas,deresponsabilidadedoEstadoedasociedade

comoumtodo,podeedevegarantiroDHAAatodos(as)oscidadãos(ãs)(VALENTE,2002).Oexercício

do DHAA permite o alcance, de forma digna, do estado de Segurança Alimentar e Nutricional e da

liberdade para exercer outros direitos fundamentais.

Assim,oquesepodeobservaréquetodososconceitosapresentados–políticadeSAN,estadode

Segurança Alimentar e Nutricional, Soberania Alimentar e DHAA – relacionam-se.

O DHAA é um direito humano de todos(as) e a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional para todos é um dever do Estado e responsabilidade da sociedade.

Parte 2: Contribuições do conceito de DHAA para a abordagem de SAN

Razões para adoção da abordagem do DHAA

Apesardosinegáveisavançoseconquistasobservadosnosúltimosanos,aadoçãoefetivadeuma

culturadedireitoshumanos,especialmentedeDireitosHumanosEconômicos,SociaiseCulturais–

DHESC,encontra-seaindaemestágioembrionárionoBrasilporumasériedefatores:

• Háumagrandeconcentraçãoderenda,derecursosedepodernoBrasil;

• Umagrandeparceladapopulaçãodesconhece que tem direitos;

18 Respeitar: aobrigaçãoderespeitarosdireitoshumanosrequerqueosEstadosnãotomemquaisquermedidasqueresultemnobloqueioàrealizaçãodessesdireitos.OEstadonãopode,pormeiodeleis,políticaspúblicasouações,ferirarealizaçãodosdireitoshumanose,quandoofizer,temquecriarmecanismosdereparação.Exemplo:políticaspúblicasquegeramdesempregodevemserassociadasamecanismosquegarantamageraçãodenovosempregosesaláriodesempregoatéanormalizaçãodasituação.

19 Proteger:oEstadotemqueprotegeroshabitantesdeseuterritóriocontraaçõesdeempresasouindivíduosqueviolemdireitoshumanos.Exemplo:ninguémpodeimpediroacessoàáguadeoutroindivíduo.

20 Promover: aobrigaçãodepromover/facilitarsignificaqueoEstadodeveenvolver-seproativamenteematividadesdestinadasafortaleceroacessodepessoasarecursosemeioseasuautilizaçãoporelas,paragarantiadeseusdireitoshumanos.OEstadotemquepromover/facilitarpolíticaspúblicasqueaumentemacapacidadedasfamíliasdealimentarasipróprias,porexemplo.

21 Prover: o Estado tem também a obrigação, em situação de emergência e/ou individuais ou familiares que, por condiçõesestruturaisouconjunturais,nãosetenhacondiçõesdegarantirparasimesmoalimentação,moradiaadequada,educaçãoesaúde.OEstadotem,porexemplo,aobrigaçãodegarantiraalimentaçãoeanutriçãocomdignidadeafamíliasquepassamfomeouestãodesnutridasporcondiçõesquefogemdoseucontrole.OEstadodevetambémbuscargarantirqueessasfamílias/pessoasrecuperem a capacidade de se alimentar quando forem capazes de fazê-lo.

37

• Afaltadeinformaçãosobredireitoshumanoscontribuiparaqueasaçõespúblicasnãosejam

reconhecidascomoformadecumprimentodedevereserealizaçãodedireitospassíveisde

serem exigidos. Não se pode negar que em muitos casos uma forte dimensão paternalista22 e

assistencialista(verboxabaixo)aindapermeiaoEstadoeasociedadebrasileira,poisemmuitos

casos o acesso à alimentação, moradia, saúde, educação, cultura, ao lazer, entre outros, ainda

nãoéreconhecidocomodireito.Aocontrário,muitasvezessãovistoscomofavor,caridadeou

privilégio;

• Mesmonoscasosdeconhecimentodaexistênciadedireitoshumanos,incluindodosDHESCs,

a falta de informações quanto aos caminhos para garantir que eles sejam realizados e a

ausência de mecanismos efetivos para a cobrança desses direitos são também grandes

desafiosqueprecisamserenfrentados;

• Grande parte da população brasileira ainda acredita que a defesa de direitos humanos se

refere exclusivamente à defesa dos direitos dos “presos” e “bandidos”. Essa associação

decorre de uma generalizada desinformação por parte da população e também devido a uma

eficientemanipulaçãode informaçõesede ideologiasfeitasprincipalmentepelosmeiosde

comunicação em massa.

22“[...]paternalismoindicaumapolíticasocialorientadaaobem-estardoscidadãosedospovos,masqueexcluisuadiretaparticipação:éumapolíticaautoritáriaebenévola,umaatividadeassistencialemfavordopovo,exercidadesdeoalto,commétodosmeramenteadministrativos.Paraexpressartalpolítica,nosreferimos,usandoumaanalogia,àatitudebenevolentedospaisparacomseusfilhos‘menores’.DicionáriodePolítica.NorbertoBobbio,NicolaMatteuccieGianfrancoPasquino.Ver“paternalismo”.

38

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

ASSISTÊnCIA E ASSISTEnCIALISMO

A assistência mantém uma forte relação com a obrigação de prover

direitos. Realiza-se assistência quando se constroem, de forma

verdadeiramenteparticipativa, políticas públicas que tenhamcomo

baseevetoradignidadehumana.Estaconstruçãoéfeitaemparceriacomospoderespúblicos

e as comunidades que devem ser sujeitos dessas ações. Nesta relação, atuam “dois sujeitos

autônomos”enãoumsujeito(poderpúblico)eumobjeto(comunidademarginalizada)[...].

“Oquesevislumbraéapossibilidadedeosassistidosseorganizaremdeformaindependente,

elaboraremsuasdemandasdeformacoletivaepassaremaacreditarmaisemsiprópriosdo

quenaintervençãodequalquerliderançaouautoridadequelheapareçacomo‘superior’.A

assistênciaé,porissomesmo,umapráticadeemancipação.Sevitoriosa,elaproduzsujeitos

livresecríticos”.

O assistencialismo, por sua vez, “oferece a própria atenção como uma ‘ajuda’, vale dizer:

insinua,emumarelaçãopública,osparâmetrosderetribuiçãodefavorquecaracterizamas

relaçõesnaesferaprivada.Épelovalorda‘gratidão’queosassistidossevinculamaotitulardas

açõesdecaráterassistencialista”.Nãosetrata,portanto,deexecutaraçõesparaproverdireitos

e, assim, cumprir obrigações, “o que se vislumbra, pelo assistencialismo, é a possibilidade de

os assistidos ‘retribuírem’ eleitoralmente a atenção recebida; por isso, os assistidos devem

ser submissos e dependentes, não devem se organizar de forma autônoma e, muito menos,

expressardemandaspolíticascomosesujeitosfossem.Oassistencialismoé,porissomesmo,

umapráticadedominação.Sevitorioso,eleproduzobjetosdóceisemanipuláveis.”

ver crônica “Assistência social e assistencialismo”, texto disponível no sitehttp://www.rolim.

com.br/cronic5.htm,deautoriadeMarcosRolim,jornalistaformadopelaUniversidadeFederal

deSantaMaria.Ensaístaecolaboradordeinúmerosjornaiserevistasbrasileiras.Acessoem:

20nov.2011.

AabordagemdedireitoshumanospermiteoenfrentamentodarealidadeaindaexistentenoBrasil.

Aperspectivadosdireitoshumanosdefineclaramentequeorespeito,aproteção,apromoçãoeo

provimentodosdireitosdetodososhabitantesdoterritórionacionaléumaobrigaçãodoEstado.

Assim,oEstado,istoé,osagentesdospoderespúblicos,devemtomartodasasmedidasnecessárias

para cumprir esta tarefa.

Quandoosprogramaspúblicossãovistoscomoformadecumprimentodeobrigaçõesedegarantias

dedireitos,tantopelosgestoreseservidorespúblicoscomopelostitularesdedireitos,ésemdúvida

maisfácilparaasociedadeexigirqueelessejambemgeridoseexecutados.ComoafirmaBobbio23,

23BOBBIO,N.Aeradosdireitos.RiodeJaneiro:Elsevier,2004,p.29.

39

alinguagemdosdireitoshumanostemagrandefunçãopráticadeemprestarumaforçaparticularàs

reivindicações dos movimentos sociais.

NoBrasil,algumasiniciativasrelacionadasàSANsão:aEstratégiadeSaúdedaFamília–ESFeprogramas

comoProgramaBolsaFamília–PBF,ProgramaNacionaldeAlimentaçãoEscolar–PNAE,Programa

NacionaldeFortalecimentodaAgriculturaFamiliar–Pronaf,ProgramadeAquisiçãodeAlimentos

–PAA,ProgramadeDesenvolvimentoIntegradoeSustentáveldoSemiárido–CONVIVER,Programa

deAssistênciaJurídicaIntegraleGratuita,ProgramaLuzparaTodoseváriosoutros.Essasiniciativas

eprogramasutilizamrecursospúblicos–pertencentesatodaasociedade,queosgarantepormeio

dopagamentodeimpostosetributos–paragarantirosdireitosdoscidadãos.Assim,éfundamental

que todos os técnicos e servidores que atuam em programas governamentais compreendam que

essesprogramassãoformasdegarantirdireitos,ereforcemissojuntoàpopulação.

A sociedade civil e outros atores sociais, por sua vez, têm o papel fundamental de apoiar e exigir

a construção de uma nova cultura na gestão pública, na qual as políticas, programas e ações

governamentais sejam entendidos como direitos que podem e devem ser exigidos.

OEstadoeasesferasgovernamentaisestarão cumprindocomsuasobrigações constitucionaise

funcionais,enão“prestandofavor”,quandoimplementamprogramasepolíticasquepromovemos

direitosdoscidadãos.Osseusagentespolíticoseadministrativoscometerãocrimesecobraremalgo

–sejaemformadegratificaçãoemdinheiro,emmercadorias,emalimentosoumesmoexigênciado

voto de um eleitor – em troca deste pretenso “favor”.

Direitos não são negociados e não podem ser usados como moeda de troca para serem exercidos!

IMPORTAnTE

OfatodeoDHAAserumdireitohumanodetodos,eaSegurançaAlimentareNutricionalparatodos,umdeverdoEstadoeresponsabilidadedasociedade,leva-nosàseguinteconclusão:

Não podemos falar em Segurança Alimentar e Nutricional e em Direito Humano à Alimentação Adequada sem entender o papel fundamental que cada um de nós possui como indivíduos, agentesdoEstadoourepresentantesdasociedadecivilnoprocessodepromoçãodarealizaçãoda SAN e do DHAA como direito passível de ser exigido em sua realidade local.

Como será explicado no módulo 2, a todo direito humano correspondem obrigações do Estado e responsabilidades de diferentes atores sociais (indivíduos, famílias, comunidades locais, organizações não governamentais, organizações da sociedade civil, bem como as do setor empresarial) em relação à realização deles.

Assim, é tarefa de todas as pessoas identificar as suas obrigações e responsabilidades a fim de que o DHAA e a SAN saiam do papel e se tornem realidade no Brasil. Certamente as pessoas se tornarão promotoras da questão alimentar e nutricional como um direito humano e protagonistas da realização do DHAA na realidade local na qual trabalham e vivem.

Paraentendermelhorisso,nãodeixedelereestudaraspróximasaulas!

40

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Parte 3: As políticas públicas que promovem a SAN, SA e DHAA24

Conformejámencionado,aspolíticaspúblicasconstituemomeiopeloqualoEstado,representado

pelassuasinstituiçõespúblicas,organiza-separaatenderasnecessidadesdapopulação.Sabemos

quenoBrasilháumagrandeconcentraçãoda rendanacional,dos recursosnaturaisedopoder

político.DissoadvémaimportânciadaspolíticaspúblicasparaoPaísedanecessidadedeavaliaçãoe

aperfeiçoamentocontínuosdeseusplanejamentos.Sóserápossívelvivernumpaísjusto,solidárioe

democráticocomarealizaçãodetodososdireitoshumanosapartirdepolíticaspúblicasfortalecidas,

bemplanejadaseadequadamentegeridas(LEÃO;RECINE,2011).

APolíticaNacionaldeSegurançaAlimentareNutricional(PNSAN)estáprevistanaLeiOrgânicade

SegurançaAlimentareNutricional–LOSAN(BRASIL,2006)efoiinstituídapeloDecretono7.272,de

2010(BRASIL,2010).Elatemcomoobjetivogeral“promoverasegurançaalimentarenutricional

(...),bemcomoassegurarodireitohumanoàalimentaçãoadequadaemtodooterritórionacional”.

Sãodiretrizesdessapolítica:

• Acessouniversalàalimentaçãoadequada;

• Promoçãodoabastecimentoeestruturaçãodesistemassustentáveisedescentralizados,de

base agroecológica, de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos;

• Instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional, pesquisa e

formaçãonasáreasdesegurançaalimentarenutricionaledodireitohumanoàalimentação

adequada;

• Promoção, universalização e coordenação das ações de segurança alimentar e nutricional

voltadas para quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e

assentadosdareformaagrária;

• Fortalecimentodasaçõesdealimentaçãoenutriçãoemtodososníveisdaatençãoàsaúde;

• Promoçãodoacessouniversalàáguadequalidadeeemquantidadesuficiente;

• Apoioainiciativasdepromoçãodasoberaniaalimentar,segurançaalimentarenutricionale

dodireitohumanoàalimentaçãoadequadaemâmbitointernacional;

• Monitoramentodarealizaçãododireitohumanoàalimentaçãoadequada.

24EstapartedaaulaéumaadaptaçãodocapítuloODireitoHumanoàAlimentaçãoAdequada,dolivroNutriçãoemsaúdepública.Referência:LeãoM.M.;Recine,E.Odireitohumanoàalimentaçãoadequada.In:TaddeiJA,LangRMF,Longo-SilvaG,ToloniMHA.Nutriçãoemsaúdepública.SãoPaulo:Rubio,2011.

41

Desta forma, notamosqueaPolíticaNacionaldeSegurançaAlimentareNutricional(PNSAN)define

asbasessobreasquaisaçõesdeSANdevemserdesenvolvidasparaagarantiadodireitohumanoà

alimentaçãoadequadanoPaís.Elaétambém,umcomponenteimportanteparaodesenvolvimento

doSistemaNacionaldeSegurançaAlimentareNutricional–SISAN,eseráobjetodeoutrasaulas

destecursonaUnidade2,emqueserámaisdetalhada.

Apesar de contar com uma política norteadora, a garantia do DHAA depende de políticas em

diferentessetoresrelacionadosàSAN.Conformejávimosnaaula1,arealizaçãodestedireitorequer

umaabordagemintersetorial.Énecessárioquesejamincluídaspolíticasqueincidamsobretodaa

cadeiaprodutivadealimentos(produção,transformação,distribuição,abastecimentoeconsumo).

Devemexistir,demaneiraarticuladaecomplementar:

• Políticasqueincidamsobrearenda,gastosdapopulaçãocomalimentação,acessoàalimentação

adequada,abastecimentopúblicodeáguapotáveleoutrosmeiosdeacessoàágua,ofertade

equipamentospúblicoscomocozinhascomunitárias,restaurantespopulares,dentreoutros;

• Políticasdesaúdequeincidamsobreosdeterminantessociaisdasaúdeededoenças,que

garantam o acesso a serviços e atenção à saúde nos diferentes níveis, além de programas de

suplementaçãonutricional,promoçãodehábitossaudáveisesaneamento;

• Políticas de educação que têm papel relevante na promoção do DHAA. Maiores níveis

deescolaridadeestão relacionados amelhores índices de saúde, desta forma,políticasde

combateaoanalfabetismoeeducaçãobásicacontribuemparaagarantiadoDHAA;

• Políticas específicas para povos e comunidades tradicionais, que são de fundamental

importânciaparaagarantiadoDHAAdestaspopulações,geralmentemaisameaçadostanto

devidoàssuascaracterísticasparticularesquantoàsiniquidadessofridashistoricamente.

AspolíticasdesaúdeestãofortementerelacionadascomarealizaçãodoDHAA.Umaalimentação

adequada só será plenamente utilizada biologicamente pelo organismo humano se este estiver

livrededoenças.Éprecisotersaúdeparaaproveitarbemosnutrientesdosalimentos.Aspessoas

precisam ter acesso aos serviços de saúde para que se tenha garantia de boa saúde individual

e coletiva.Adesnutriçãomaterna está diretamente ligada àmortalidade infantil. Amánutrição

dificultaoacessodascriançasàescolaeafetaodesenvolvimentocognitivo.Pessoasdoentesnão

conseguemserealizarcomocidadãs(LEÃO;RECINE,2011).

Aspolíticaspúblicasdesaúdeenutrição,especialmenteaquelasvoltadasparamulheres,crianças,

escolares, idososepopulaçõesvulneráveis,sãofundamentaisparaamelhorados indicadoresde

saúdeesociais.Melhoraranutriçãodapopulaçãoéessencialparaareduçãodapobrezaepara

amelhora dos níveis educacionais. Além disso, é uma maneira inequívoca de quebrar o círculo

perversodetransmissãointergeracionaldapobrezaedadesnutrição(LEÃO;RECINE,2011).

42

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Nocontextodasaúdepública,merecedestaqueaPolíticaNacionaldeAlimentaçãoeNutrição–

PNAN,quetemcomopressupostosodireitoàsaúdeeàalimentaçãoecomoobjetivo“amelhoria

das condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira mediante a promoção de

práticasalimentaresadequadasesaudáveis,avigilânciaalimentarenutricional,aprevençãoeo

cuidado integraldosagravosrelacionadosàalimentaçãoenutrição”(MS,2011).APNANintegra

a Política Nacional de Saúde – PNS (BRASIL, 1990) e tem interfaces com a Política Nacional de

SegurançaAlimentareNutricional–PNSAN(BRASIL,2006).

UmexemploexitosodearticulaçãointersetorialaconteceentreoProgramaNacionaldeAlimentação

Escolar–PNAEeaAgriculturaFamiliar–AF.Apartirdaexperiênciabem-sucedidadoProgramade

AquisiçãodeAlimentos–PAA,tomou-seadecisãodevincularpartedosrecursosdoPNAEparaa

compradealimentosdaAFcomoobjetivodeimpulsionarosdoisprogramas:fazerchegaràmesa

dasescolasalimentosmaisfrescosesaudáveiseaomesmotempogarantirmercadoaosprodutos

cultivadoslocalmentepelaAF.

Desde2009,aLeino11.947defineque:“DototaldosrecursosfinanceirosrepassadospeloFNDE,

noâmbitodoPNAE,nomínimo30%deverãoserutilizadosnaaquisiçãodegênerosalimentícios

diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações,

priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e

comunidades quilombolas.”

Esteéumgrandeavançoparaaconstruçãodepolíticasintersetoriaiseabrecaminhoparaqueoutras

açõesarticuladascomoestasurjamesefortaleçam.Demonstraqueaintersetorialidadeépossível.

Poroutrolado,éprecisoquesefaçaumaanálisecrítica:muitoseavançounosúltimosanoscom

programas como estes e outros na promoção do DHAA, com a construção da Política Nacional

de Segurança Alimentar e Nutricional, e mais recentemente, do Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional – SISAN, contraditoriamente, no campo das políticas de promoção da

SoberaniaAlimentar temostidoalguns retrocessos.Éocasoda liberaçãodos transgênicos,eda

estagnaçãodaReformaAgrária,ambosnecessáriosàconstruçãodaSoberaniaAlimentarque,por

suavez,éparteconstituintedaSegurançaAlimentareNutricionalquepretendemosconstruirno

Brasil.

AspolíticaspúblicasatuaisquecontribuemparaapromoçãodoDHAApodemseragrupadasem:

• Políticas que ampliam a disponibilidade e o acesso aos alimentos, cujos exemplos são as

políticasmacroeconômicas,apolíticaagrícolaeagrária,fortalecimentodaagriculturafamiliar,

saneamento público, geração de renda;

43

• Políticas dirigidas à inclusão social e a grupos socialmente vulnerabilizados tais como

assistência social, transferência de renda, restaurantes populares, programas de controle das

carênciasnutricionais,alimentaçãodotrabalhador,alimentaçãoescolar,políticasdirigidasa

comunidades tradicionais e povos indígenas;

• Políticasuniversaisquepromovemodesenvolvimentodaspessoastaiscomosaúde,educação,

cultura,meioambiente,previdênciasocial,promoçãodesaúdeedealimentaçãosaudável,

controledaqualidadebiológica,sanitária,nutricionaletecnológicadosalimentos.

A Tabela 1 apresenta uma lista das principais políticas públicas federais vigentes, categorizadas

segundo dimensões e que promovem direta ou indiretamente o direito humano à alimentação

adequada.

Anotações

44

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

Aula 6 – Resumo

Objetivo: sintetizar e consolidar os conteúdos do módulo 1

O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional é um conceito em construção e que vem

acompanhandoahistóriadasociedadebrasileiraemundial.HojeoconceitodeSANadotadoem

nosso país é: “a Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao

acessoregularepermanenteaalimentosdequalidade,emquantidadesuficiente,semcomprometer

oacessoaoutrasnecessidadesessenciais, tendocomobasepráticasalimentarespromotorasde

saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente

sustentáveis”.AspolíticasdeSANdevemser intersetoriais,oque significaquedevemperpassar

diversossetoresdemaneiraarticuladaepactuada.

SoberaniaAlimentaré“odireitodospovosdedefinirsuasprópriaspolíticaseestratégiassustentáveis

de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda

a população”. Incluem neste conceito a priorização da produção agrícola local para alimentação

dapopulaçãoeoacessodoscampesinosà terra,água, sementeseaocréditoparaprodução;a

autonomia dos campesinos para produção de alimentos e dos consumidores para escolherem

o que consumir, a preservação da agrobiodiversidade e cultura alimentar dos diversos povos. O

modeloagroecológicodeproduçãobaseia-senodesenvolvimentodeumaagriculturasustentável,

sem insumos químicos, pautada nos saberes e métodos tradicionais de manejo e gestão ambientais

produzidos ao longo de muitas gerações.

O Direito Humano à Alimentação Adequada tem duas dimensões: o direito de estar livre da fome e

odireitoàalimentaçãoadequada.Arealizaçãodestasduasdimensõesédecrucialimportânciapara

afruiçãodetodososdireitoshumanos.

OsprincipaisconceitosempregadosnadefiniçãodeDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequadasão

disponibilidade de alimentos, adequação, acessibilidade e estabilidade do fornecimento.

SegundoadefiniçãodoDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequada,indivíduos,inclusiveasgerações

futuras,devemteracessofísicoeeconômicoininterruptoàalimentaçãoadequada.

ApromoçãodoDHAAdemandaarealizaçãodeaçõesespecíficasparadiferentesgruposepassa

pela promoção da reforma agrária, da agricultura familiar, de políticas de abastecimento, de

incentivo a práticas agroecológicas, de vigilância sanitária dos alimentos, de abastecimento de

águaesaneamentobásico,dealimentaçãoescolar,deatendimentopré-nataldequalidade,denão

discriminação de povos, etnia e gênero, entre outros.

45

UmaabordagemdeSANede reduçãodapobrezabaseadaemdireitosestá centradaemvários

princípios dos direitos humanos: dignidade humana, prestação de contas, apoderamento, não

discriminação,participação.

É pormeio da política de SAN e soberania alimentar, articulada a outros programas e políticas

públicas,queoEstadodeverespeitar,proteger,promovereproveroDHAA.Portanto,quandose

fala em Segurança Alimentar e Nutricional refere-se à forma como uma sociedade organizada, por

meiodepolíticaspúblicas,podeedevegarantiroDHAAatodososcidadãos.

O Direito Humano à Alimentação Adequada agrega valor ao fundamentar e complementar o conceito

e os programas de Segurança Alimentar e Nutricional com os aspectos jurídicos e os princípios dos

direitoshumanos.

Aperspectivadosdireitoshumanosdefineclaramentequeorespeito,aproteção,apromoçãoeo

provimentodosdireitosdetodososhabitantesdoterritórionacionaléumaobrigaçãodoEstado.

Assim, é obrigação do Estado garantir que os programas públicos sejam vistos como forma de

cumprimentodeobrigaçõesedegarantiasdedireitostantopelosgestoreseservidorespúblicos

comopelostitularesdedireitos.

Proposta de reflexão: com base no que foi exposto até agora, qual a principal contribuição que

poderiapartirdevocêparaaimplementaçãodoDireitoHumanoàAlimentaçãoAdequada?

Anotações

46

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

AnÁLISE CRÍTICA DE ESTUDOS DE CASO

Objetivo: analisar criticamente situações relacionadas aos temas apresentados nas aulas anteriores

Nestaatividade,propomosaleituradedoiscasosrelacionadosaostemasapresentadosnasaulas

anteriores.

Aofinaldecadatexto,sãopropostasquestõesparareflexãoquedevemserrespondidasnoFórum

de Discussão.

Situação 1

Entreosanosde2004e2006,aABRANDHrealizoudoisprojetos-pilotos25 de exigibilidade do direito

humanoàalimentaçãoadequadaaduascomunidadesurbanasmarginalizadas,situadasemáreas

deocupação,próximasacentrosurbanos.UmadelaséacomunidadeSururudeCapote,ocupada

em1985,comcercade400famílias,localizadaemMaceió,estadodeAlagoas.EoutraéaVilaSanto

Afonso,cujahistóriavamoscontaraqui.

AVilaSantoAfonso,comunidadedacidadedeTeresina,capitaldoestadodoPiauí,estálocalizada

emumaáreaocupadaem2001.Apesarde teremsido interpostas açõespara transferênciadas

famílias,osmoradoresresistiramaosmandadosjudiciaisdedespejo,executadosdeformaviolenta,

epermaneceramnaárea.AocupaçãoteveapoiodaFAMCC–FederaçãodeAssociaçãodeMoradores

eConselhosComunitários,osquaistinhamumaaçãomaispresentenaVilaatéoanode2004.Em

2003, a FAMCCarticuloua visitadoRelatorNacionalparaoDireitoàAlimentaçãoAdequada.A

mobilizaçãodaocupação,avisitadorelatoreotrabalhodacomunidadeacabaramfazendocomque

aáreafossedesapropriadaemoutubrode2004,cercadedezdiasantesdaeleiçãoparaprefeitura

municipal. Apesar da resistência da comunidade, a ausência de serviços públicos de qualidade, a

proximidadedelagoaseadiscriminaçãosofridaporseusmoradoresfizeramcomquegrandeparte

das pessoas vendesse seus lotes a preços muito baixos. A venda dos lotes acabou desagregando

parcialmenteosquelutavampelaregularizaçãodaárea.

DeacordocomapesquisarealizadapelaABRANDH,emparceriacomoutrasinstituiçõesdoestado

do Piauí, a porcentagem de famílias em estado de insegurança alimentar grave na vila Santo Afonso

erade54,34%.AmédiadeinsegurançaalimentargravenoBrasil,naépoca,erade6,50%,oque

tornaodadoaindamaisalarmante.Apenas3,51%dasfamíliasdaVilaSantoAfonsoviviaemestado

de segurança alimentar,enquantoamédiabrasileiradefamíliaserade65,20%,tambémbastante

alarmante.25 Para saber mais sobre essas comunidades, acesse o link:http://www.abrandh.org.br/download/20100702210259.pdf

47

Esse estado de insegurança alimentar era resultado das condições de vida às quais estavam

submetidos os moradores e moradoras da Vila. As casas eram pequenas e de taipa, próximas

decavasqueacondicionavamáguaede lagoas.Namaiorpartedas casas,nãohaviabanheiros,

águaencanadaouluz,easfezeseramlançadasacéuaberto,emsacosplásticos(chamadospelos

moradoresde“aviões”).Oacessoaserviçospúblicosdesaúdeeeducaçãotambémeradeficiente.

Opostodesaúdemaispróximoeradeficienteemaparelhosderaio-xeultrassonografiaeospoucos

remédios distribuídos terminavam na primeira quinzena do mês. Todas as vezes que a consultora

acompanhoualguémdacomunidadeaopostonãohaviaoremédioprocurado.

Quantoaoserviçopúblicodeeducação,segundoacomunidade,asvagasnasescolaspróximasàvila

eraminsuficienteseamerendaescolarnãoeradequalidade,alémdeinconstantedurantetodoo

anoletivo.

Amaioriadasfamíliasviviaderendageradapor“bicos”,trabalhosesporádicosesemvínculoformal

de emprego, fato que prejudicava a acessibilidade econômica aos alimentos e a outros direitos

fundamentais.Apesardoquadrodepobrezadescritoacima,73%dasfamíliasnãoeramtitularesde

políticasdetransferênciaderenda.

Atividade: Relacione quais princípios de direitos humanos não estão garantidos nesta situação e

discuta.

Situação 2

Em1997,surgiaemCamamu,nosuldaBahia,AssentamentoDandaradosPalmares,atransformação

dasgrandespropriedadesprodutorasdecacauemlatifúndiosimprodutivosimpulsionouosurgimento

de assentamentos rurais na região. No início do acampamento, as famílias vivenciaram momentos

críticosdevidoàfaltadealimentos.Ascriançaseramasmaisatingidaspeladesnutrição,diarreia

eoutrasdoenças.Em1998,comopropósitodeproduziralimentosdestinadosprincipalmenteàs

crianças,umgrupode20mulheressolicitouàAssociaçãoComunitáriaumlotedequatrohectares.

Em1999,comadoaçãodaáreaaprovadaecomoapoiodeassociaçõespopularesogrupodeu

inícioaotrabalhoemmutirõesnaproduçãodoviveirodemudasfrutíferas,nomanejoagroecológico

enagestãodeum fundo rotativopara comprade insumos, sementese ferramentas.A roça foi

implantada com uma grande diversidade de plantas: mandioca, cupuaçu, banana-da-terra, café,

feijão,batata-doce,gergelim,milho,abacaxi,urucum,entreoutras.

O grupo implantou o roçado com omanejo agroflorestal regenerativo, já que se trata de uma

região rica em biodiversidade do biomaMata Atlântica, no qual as árvores predominam como

componentes dos agroecossistemas. As experiências agroecológicas promoveram a valorização e

oreconhecimentodopapeldasmulheresnaagriculturafamiliar,aqualidadeeadiversificaçãodos

48

Módulo 1 – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

alimentos que são produzidos e consumidos, o cuidado e a proteção da natureza, a valorização dos

recursoslocaiseageraçãoeoaumentodarendacomdiversificaçãodeprodutos.

Em2004,acomunidadeiniciouaproduçãodealimentosnosquintais,acriaçãodepequenosanimais,

o resgate das plantas medicinais e dos remédios caseiros e um programa de reeducação alimentar.

Em2008,asmulherespassaramadinamizaraprodução,comercializandonaFeiraAgroecológicade

Camamu e vendendo produtos in natura–frutaseverduras–ebeneficiados–sucos,doces,bolos

ebeijus–paraoProgramadeAquisiçãodeAlimentosdaCompanhiaNacionaldeAbastecimento

(PAA/Conab).Adinâmicageradanacomunidadecriouumambientefavorávelaoempoderamento26

dasmulherespormeiodemobilização,capacitaçãoeintercâmbiocomoutrasexperiênciasemtorno

datemáticadeSegurançaAlimentareNutricional.(adaptadodaRevistaAgriculturas,experiências

emagroecologia–MulheresConstruindoaAgroecologia.Dez.2009.Vol.6,n.4,p.17-21)

Anotações

26 Empoderamento:expressãodefinidaporPauloFreire.Paraoeducador,apessoa,grupoouinstituiçãoempoderadaéaquelaquerealiza por si mesma as mudanças e ações que a levam a evoluir e se fortalecer.

49

Bibliografia sugerida para leituraO Brasil e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Relatório da Sociedade

Civil sobre o Cumprimento, pelo Brasil, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais. Brasília, abril de 2000. Este relatório foi produzido coletivamente por dezenas de

colaboradoresvoluntários,17audiênciaspúblicasestaduaiseconsultasamaisde2.000entidades

emtodooPaís.Disponívelem:http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/arquivos/PIDESC.

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