modos de organizaÇÃo do trabalho na atenÇÃo … · pela hospitalidade e por me permitirem maior...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: A experiência de Belo Horizonte Maria Rachel Jasmim de Aguiar Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA

MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA

Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação

MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:

A experiência de Belo Horizonte

Maria Rachel Jasmim de Aguiar

Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos

Rio de Janeiro

2007

MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR

MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:

A experiência de Belo Horizonte

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Linha de Pesquisa: Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos

Rio de Janeiro

2007

A282 Aguiar, Maria Rachel Jasmim de.

Modos de organização do trabalho na aten-

ção primária à saúde : a experiência de Belo

Horizonte / Maria Rachel Jasmim de Aguiar.

248 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva)-

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio

de Janeiro, 2007.

Bibliografia: f. 213-227.

1. Trabalho em saúde 2. Atenção primária

à saúde. I. Título.

CDD 362.1

MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR

MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:

A experiência de Belo Horizonte

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Linha de Pesquisa: Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação.

Aprovada em 09 de julho de 2007.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos – Orientador

Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________ Profª. Drª. Ligia Giovanella

Fundação Oswaldo Cruz

__________________________________________________ Prof. Dr. Tulio Batista Franco

Universidade Federal Fluminense

Rio de Janeiro 2007

Aos que lutam pelo bom, pelo justo, pelo melhor.

Aos meus pais, Raphael e Angela, lutadores neste mundo.

AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pelo Dom da Vida e a Luz de cada dia;

A toda a minha família, em especial minhas avós queridas pelas orações e

incentivo, e meus avozinhos, in memorian, que vêm iluminando meu trabalho e

inspirando meus estudos;

Ao Flavio, meu companheiro de sempre, doce ternura que caminha ao meu

lado, que me acolheu e me incentivou com muito amor para que eu me

empenhasse na realização deste trabalho;

A meus pais, Angela e Raphael, pelo amor cada dia maior, pela saudade

apertada, pelas orações e pelo exemplo de vida, companheirismo e fé;

A minha irmã Cissa, pelo carinho, compreensão e paciência ao longo desses

dois anos de intensos estudos e inquietações;

A meu irmão Pedro, pelo carinho e apoio desde o início deste trabalho, ainda

que hoje um pouco mais distante, e pelos incentivos e palavras de conforto;

A Angela, Fiora e Pepo que, torcendo por mim, compreenderam minhas

ausências;

Ao Prof. Carlos Eduardo Aguilera Campos, por me fazer compreender a

essencialidade da Atenção Primária e por tantos meses de trabalho, estímulo e

amizade;

Às Profas. Ligia Bahia e Maria de Lourdes Cavalcanti, mestres da saúde pública

com quem tive momentos de grandes aprendizados e reflexões;

À Profa. Claudia March, mestre, companheira e grande amiga, cuja orientação

ao longo dos anos me ajudou a trilhar este caminho e chegar até aqui;

A Isabel Mansur, Márcia Pacheco e André Silva, grandes companheiros na sala

de aula e por estes caminhos da Saúde Coletiva, mestres do meu dia-a-dia;

À Verônica Fernandez, por todo afeto e disponibilidade nos tempos de

faculdade e de trabalho juntas e nestes anos de estudo;

À Luana Pontes, jovem mestre e doutoranda, pelas palavras de fé e conforto

em todas as horas da minha vida;

Às amigas Manuela e Denise e amigos Carlos, Vinicius, Thiago, Paulo

Roberto, Daniel e Gustavo, companheiros nesta luta por um mundo melhor e

torcedores desta batalha;

À perto-longe-perto amiga Flora Lobosco, fonte de esperança a cada

reencontro;

A Priscila Penna, Audrey Cintra e Annie Schtscherbyna, que sempre confiaram

que eu chegaria aqui, e a Ivisson Carneiro, grande indutor da minha

perseverança;

À Carla Godoy e Mirella Amorim e todos os colegas da GGACI/ANS, por toda

a paciência, distração e compreensão ao longo do último ano;

Aos amigos do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal

Fluminense, Vagner, Kátia e Alcidéa, que tanto colaboraram no início do curso

desta trabalhadora-estudante, e aos Professores Armando Cypriano, Gilson

Saippa, Mônica Machado, Marcos Moreira, Marcos Senna, José Paravidino,

Manoel Martins, Aluísio Silva Jr., Lílian Koifman, Maria Luiza Garcia e Luiz

Hubner, que sempre me incentivaram como sanitarista;

Aos Professores Ligia Giovanella e Tulio Franco, pelas contribuições na

qualificação do meu projeto de mestrado e por terem aceitado participar da

banca de minha defesa;

À Alexia Ferreira e Afonso Reis, pelas dicas para conformação da pesquisa,

pela hospitalidade e por me permitirem maior proximidade com meu campo de

estudo;

À Dra. Sonia Gesteira e aos profissionais da Secretaria Municipal de Belo

Horizonte e do Programa Saúde da Família/ BH Vida: Saúde Integral, pela

atenção e esclarecimentos prestados;

Aos que me permitiram um “descanso militante” por uma “militância

acadêmica” e que me aguardam;

A todas as pessoas que acreditaram, rezaram e torceram para que o esforço,

enfim, desse bons frutos.

Comungar é tornar-se um perigo: viemos pra incomodar

Anônimo

Carpe diem quam minimum credula postero

(Colha o dia, confia o mínimo no amanhã) Horácio (65 - 8 AC)

SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES 10 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 11 RESUMO 13 ABSTRACT 14 APRESENTAÇÃO 15 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO E ASPECTOS METODOLÓGICOS 17

1.1 INTRODUÇÃO AO(S) TEMA(S) 17

1.2 JUSTIFICATIVA 24

1.3 OBJETIVOS 25

1.4 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA 26

CAPÍTULO 2 – ATENÇÃO PRIMARIA À SAÚDE: AS ORIGENS, OS SENTIDOS, UNS

CAMINHOS 33

2.1 SOBRE OS MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE 33

2.2 ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM POUCO DE HISTÓRIA 36

2.2.1 Características da Atenção Primária 42

2.3 A ATENÇÃO PRIMÁRIA NO CONTEXTO DAS REFORMAS DA SAÚDE 44

2.4 CAMINHOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 48

2.4.1 Atenção Primária, Atenção Básica e Saúde da Família: um debate semântico? (ou Um

campo de práticas brasileiro) 54

2.4.2 A Institucionalização do Programa Saúde da Família 57

2.4.3 Características da Saúde da Família 59

2.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 62

CAPÍTULO 3 – TRABALHO EM SAÚDE E REORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE

TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 69

3.1 BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O TRABALHO EM SAÚDE 69

3.1.1 Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde 71

3.1.2 A micropolítica do trabalho em saúde (ou o trabalho como lugar de construção dos

sujeitos que somos) 76

3.2 PRESSUPOSTOS PARA O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE 77

3.2.1 Integralidade nos modos de fazer saúde 80

3.2.2 A produção do cuidado e o campo da gestão 83

3.3 TRABALHO EM EQUIPE 85

3.3.1 Multi – Inter – Transdisciplinaridade e Integralidade: pressupostos para a organização do

trabalho das equipes de saúde 88

3.4 A ATENÇÃO PRIMÁRIA E A REORIENTAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM

SAÚDE 91

3.4.1 O processo de trabalho na Saúde da Família e a composição de equipes 93

3.5 BREVE SÍNTESE 97

CAPÍTULO 4 – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO: CONHECENDO

BELO HORIZONTE E SEU(S) MODO(S) DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 100

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO 100

4.1.1 Indicadores sócio-demográficos 100

4.1.2 O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte 102

4.2 A SAÚDE DE BELO HORIZONTE: UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA 107

4.2.1 Acolhimento: um dispositivo para a mudança do processo de trabalho em saúde 111

4.3 BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL E A SAÚDE DA FAMÍLIA 114

4.3.1 As Linhas do cuidado 117

4.3.2 Características da Atenção Primária e papel Saúde da Família em Belo Horizonte 122

4.3.3 Um novo modo de fazer saúde: a implantação das Equipes de Saúde da Família 124

4.3.3.1 O papel dos profissionais das Equipes de Saúde da Família 126

4.3.3.2 O gerente do Centro de Saúde 127

4.3.3.3 Saúde Mental e Saúde Bucal: presentes 127

4.3.3.4 Reabilitação: experiência multiprofissional na Atenção Primária 130

4.3.4 Organização dos processos de trabalho e reordenamento da assistência 132

CAPÍTULO 5 – NOSSOS ACHADOS: RESULTADOS E DISCUSSÃO 135

5.1 PERCEPÇÕES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL 135

5.1.1 A mudança e os impactos da Estratégia de Saúde da Família em Belo Horizonte 135

5.1.2 Integralidade do cuidado como eixo da atenção 142

5.1.3 Alguns debates acerca da universalidade e do consumo de saúde 147

5.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA SOB UMA

PERSPECTIVA “SISTÊMICA” 151

5.3 A ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

155

5.3.1 Reflexos da ampliação do acesso para o trabalho em saúde 155

5.3.2 Organização do trabalho em equipe 164

5.3.3 Pressupostos para o processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde 168

5.4 MULTIPROFISSIONALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DEMANDAS PARA A

ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 172

5.4.1 Núcleo de Apoio em Reabilitação e Núcleo de Atenção Integral da Saúde da Família 176

5.4.2 Outras “modelagens”: equipes matriciais e supervisão 181

5.5 VISITA DOMICILIAR 186

5.6 O PROCESSO DE TRABALHO E AS RELAÇÕES DE REDE 190

5.7 CONCEPÇÃO DE MODELO ASSISTENCIAL 193

5.8 MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 199

CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 202 REFERÊNCIAS 213 APÊNDICES 228

Apêndice 1 – Roteiros de entrevista 229

Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 239

ANEXOS 241

Anexo 1 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo

Horizonte 242

Anexo 2 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva

– Universidade Federal do Rio de Janeiro 245

Anexo 3 – Organograma da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG – 2005 247

Anexo 4 – Indicadores utilizados na construção das áreas de vulnerabilidade à saúde por setores

censitários 248

LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS

Figura 1 – Áreas Administrativas Regionais – Belo Horizonte, MG 101

Figura 2 – Unidades de Planejamento – Belo Horizonte, MG 101

Figura 3 – Esquema de divisão territorial para a saúde em Belo Horizonte, MG 103

Figura 4 – Área de Abrangência de Centro de Saúde 105

Figura 5 – Linha de produção do cuidado 118

Figura 6 – Fluxograma descritor, resumido, da linha de cuidado interna à UBS/ESF 121

QUADROS

Quadro 1 – Abordagens da Atenção Primária à Saúde 40

Quadro 2 – Desafios de Recursos Humanos nas Américas 94

Quadro 3 – Distribuição da população de Belo Horizonte segundo riscos – 2007 104

Quadro 4 – Características dos Centros de Saúde selecionados para o estudo 106

TABELAS

Tabela 1 – População residente segundo as Áreas Administrativas Belo Horizonte, MG – 2000

101

Tabela 2 – Distribuição das Unidades Assistenciais do SUS Belo Horizonte, MG 102

Tabela 3 – Distribuição da população segundo Área Administrativa por Classificação de Risco.

Belo Horizonte, MG – 2005 105

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AB Atenção Básica

ACD Auxiliar de Consultório Dentário

ACS Agente Comunitário de Saúde

AIS Ações Integradas de Saúde

APS Atenção Primária à Saúde

CREAB Centro de Reabilitação Sagrada Família

CD Cirurgião Dentista

CERSAM Centro de Referência em Saúde Mental

CERSAT Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

CONASP Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária

CS Centro de Saúde

DFID Departamento para Desenvolvimento Internacional do Reino

Unido

ESB Equipe de Saúde Bucal

ESF Equipe de Saúde da Família

ESM Equipe de Saúde Mental

F. SESP Fundação Serviço Especial de Saúde Pública

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

GEAS Gerência de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde de

Belo Horizonte

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

LOS Lei Orgânica da Saúde

MS Ministério da Saúde

NAR Núcleo de Apoio em Reabilitação

NOAS Norma Operacional de Assistência à Saúde

NOB 96 Norma Operacional Básica do SUS 01/96

OMS Organização Mundial da Saúde

OPAS Organização Pan-Americana da Saúde

PAB Piso da Atenção Básica

PAB-A Piso da Atenção Básica Ampliado

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PEC Programa de Extensão de Cobertura

PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento

PMF Programa Médico de Família

PNAB Política Nacional de Atenção Básica

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PPREPS Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde

PREV-SAÚDE Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde

PROESF Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família

PSF Programa Saúde da Família

REFORSUS Reforço à Reorganização do SUS

RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte

SESP Serviço Especial de Saúde Pública

SF Saúde da Família

SMSA Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte

SNS Sistema Nacional de Saúde

SPT 2000 Saúde para Todos no Ano 2000

SUDS Sistema Único e Descentralizado de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

THD Técnico em Higiene Dental

UBS Unidade Básica de Saúde

UPA Unidade de Pronto Atendimento

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

USAID Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento

Internacional

USF Unidade de Saúde da Família

VD Visita Domiciliar

WONCA Europa Sociedade Européia de Clínica Geral / Medicina Familiar

RESUMO O presente estudo pretende contribuir para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais a partir da reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS) ocorrida recentemente no país, com expansão da estratégia de Saúde da Família, particularmente após a implementação do “Programa BH Vida: Saúde Integral” em Belo Horizonte, MG. Para a reflexão, abordam-se aspectos do processo de trabalho em saúde, reconhecendo-se a centralidade da conformação de equipes baseadas na multiprofissionalidade e na interdisciplinaridade. O estudo teve como objetivos conhecer a percepção de sujeitos institucionais da gestão e da assistência do sistema de saúde de Belo Horizonte sobre a organização da APS antes e após a implementação do programa; a composição de equipes para atuarem neste nível de atenção; o processo de trabalho dos profissionais de tais equipes e a relação entre processo de trabalho e modelo assistencial no município. Para atingir tais objetivos, desenvolveu-se um estudo de caso utilizando-se a abordagem qualitativa. Foram entrevistados onze informantes-chave: três membros da Gerência de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte – sendo dois coordenadores de áreas técnicas vinculadas à GEAS – três gerentes de unidades básicas de saúde de distritos sanitários distintos e cinco profissionais vinculados a estas unidades, entre eles um agente comunitário de saúde, um auxiliar de enfermagem, um médico e dois enfermeiros. As entrevistas apontaram que a integralidade constitui-se forte característica do programa e que a mudança de modelo, aliada ao dispositivo do acolhimento, produziu aumento da demanda aos centros de saúde, porém destacaram que isso tem gerado sobrecarga aos trabalhadores das equipes de saúde da família. Foi evidenciada a importância da multiprofissionalidade e da interdisciplinaridade e da incorporação de outros profissionais às equipes. Entretanto, no que se refere à possibilidade de sua inserção nas equipes mínimas não houve clareza nem consenso sobre seu papel, tendo sido também cogitada a conformação de equipes supervisoras ou matriciais para apoio às equipes mínimas. Comparando os resultados com a literatura existente e com documentos do município, percebe-se que a opção por equipes matriciais tem obtido êxito, porém deve-se caminhar no sentido da elaboração conjunta dos projetos terapêuticos. O BH Vida: Saúde Integral possui muitos limites e contradições, mas se apresenta como uma experiência bem-sucedida em região metropolitana, pautada na organização do trabalho em equipes multiprofissionais e produtora da ampliação do acesso para a atenção integral à saúde, o que pode ser levado em conta em tempos de expansão e consolidação da estratégia de Saúde da Família. Palavras-chave: atenção primária à saúde, modelo assistencial em saúde, trabalho em saúde, trabalho em equipe, Programa Saúde da Família, Belo Horizonte.

ABSTRACT The aim of the present study is to contribute to the thoughts around a new orientation of the health care models taking as a starting point the reorganization of Primary Health Care (PHC) in Brazil, which was recently expanded by the Family Health Program, and in particular after the implantation of the program “BH Life: Integrated Health” in Belo Horizonte, State of Minas Gerais. To this purpose we approached different aspects of the work process, taking into consideration the multi-professional and multi-disciplinary composition of teams. The purpose of this study was to learn how the managers and care professionals of the health system of Belo Horizonte perceive the organization of Primary Care before and after the implantation of the Family Health Program; the composition of the teams acting on this level; the work process of the professionals composing these teams and the relation between work process and care model. To this end a case study based on a qualitative approach was conducted. Eleven key informants were interviewed: three members of the management of the Health Secretariat of the city of Belo Horizonte – two coordinators of related technical areas, three coordinators of primary care units from distinct sanitary areas and five professionals acting in these areas: one community health agent, one nursing aid, one physician and two male nurses. The interviews pointed to integrality as outstanding characteristic of the program and indicated that the change of the model allied to the implantation of the new mechanism has increased the demand for the health centers, however emphasizing that this has resulted in work overload for the professionals of the Family Health teams. The importance of multi-professional and interdisciplinary care as well as of incorporating other professionals to the teams was evidenced. As refers to the possibility of their insertion in the minimum teams there was no clearness or consensus about their role in the teams, and the conformation of supervising teams for providing support to the minimum teams was cogitated. Comparing these results with the existing literature and documents of the municipal health authorities it can be noted that the option for supervising teams has been well succeeded, but a joint elaboration of therapeutic projects should be pursued. The BH Life: Integrated Health has a number of limitations and contradictions but is a well-succeeded experience in a metropolitan region, characterized by the organization of the work in teams and producing wider access to integrated health care, a fact to be considered in times of expansion and consolidation of the Family Health Strategy. Key words: primary healthcare, health care model, health work, team work, Family Health Program, Belo Horizonte.

APRESENTAÇÃO É interessante pensar a construção de uma dissertação... Cheguei ao curso com

inúmeras indagações que me instigaram a desenvolver este trabalho. Para algumas encontrei

respostas ao longo do tempo; outras se tornaram pressupostos que não pude deixar de

investigar e de buscar soluções ou pistas ou novas indagações.

Minha aproximação com o tema da Atenção Primária à Saúde (APS) e da organização

do trabalho neste campo vem desde o meu curso de graduação em Nutrição, quando me

dediquei a uma pesquisa que produziu o trabalho intitulado “O profissional nutricionista e a

reorientação do modelo tecnoassistencial em Niterói a partir do Programa Médico de Família:

um estudo de caso” (AGUIAR, 2005).

Naquele estudo, pretendi contribuir para o debate sobre a reorientação do modelo

assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS) de Niterói a partir da reflexão sobre o processo

de trabalho dos profissionais de saúde do município, particularmente os trabalhadores da

equipe do Programa Médico de Família (PMF) de Niterói e os profissionais nutricionistas de

Policlínica Comunitária. O estudo apontou a importância do profissional nutricionista na

equipe multiprofissional e muitas pistas foram surgindo no decorrer do trabalho. Acredito que

elas devam ser aprofundadas na reflexão sobre o papel do nutricionista na APS, em especial

em uma conjuntura de reorientação da mesma a partir da adoção de programas e estratégias de

saúde da família.

Desde então, tem crescido a motivação por pensar a reorientação dos modelos de

assistência à saúde à luz da reorientação dos processos de trabalho, o que passa

necessariamente pela (re)organização destes processos. Para além do papel do profissional

nutricionista, o papel dos demais profissionais precisa também ser (re)pensado. Antes, a

organização do trabalho em equipe precisa ser definida a partir de critérios que conduzam a

uma real transformação do modelo de assistência.

A APS foi o campo de práticas que escolhi, novamente, para o desenvolvimento da

presente dissertação e a reflexão feita foi a organização do trabalho em saúde neste nível de

atenção. Consideramos as transformações que o conceito de APS vem sofrendo ao longo do

tempo, como será abordado no decorrer do texto.

Princípios da APS como a universalidade, a integralidade e a eqüidade foram

incorporados pelo Sistema de Saúde no Brasil. Acredito que uma das formas de concretizá-los

é através da organização do trabalho em equipes. Por isso, para além da discussão sobre o

papel do nutricionista, de um ou outro profissional específico, creio ser fundamental a

reflexão sobre os modos de organização do trabalho em saúde, admitindo a centralidade do

trabalho em equipe.

A dissertação foi estruturada da seguinte forma: o capítulo 1 introduz o estudo,

justificando a realização desta pesquisa e apresentando os objetivos, bem como a metodologia

adotada.

No capítulo 2, fazemos um resgate da Atenção Primária à Saúde, desde seu

surgimento, sua apropriação e trajetória no Brasil, apontando os principais aspectos,

características e princípios deste campo de práticas, refletindo e problematizando

principalmente a Saúde da Família.

O capítulo 3 foi constituído de uma breve sistematização da produção teórica do

trabalho em saúde. A apresentação da categoria trabalho demandou um referencial não

específico do campo da Saúde Coletiva, mas que deve ser considerado para melhor

compreensão do tema e para discussão acerca dos processos de trabalho e de modos de

organizá-lo na saúde. O debate sobre trabalho em equipe foi feito utilizando-se referencial

próprio da saúde coletiva, à luz dos aspectos de multi e interdisciplinaridade. O final deste

capítulo apresenta a intersecção dos dois debates, o trabalho e a APS.

O capítulo 4 destina-se à apresentação de alguns indicadores e ao resgate de

antecedentes do BH Vida: Saúde Integral, atual “modelo de atenção à saúde” adotado no

município de Belo Horizonte, MG, o qual elegemos como campo para o estudo de modos de

organização do trabalho na APS para a presente dissertação.

O desenvolvimento, com resultados e discussões, faz parte do capítulo 5. Este foi

dedicado à análise do modelo de atenção de Belo Horizonte a partir de fontes documentais e

entrevistas com sujeitos envolvidos com o processo de formulação e implementação da

experiência, sejam eles ligados à gestão e/ou profissionais da atenção. Acredito que, mais do

que produzir o dado novo, com os depoimentos foi possível validar nosso pressuposto inicial,

de modo a contribuir para o entendimento do processo de trabalho em saúde e, em particular,

na APS, como especificidade da equipe, e não da profissão, e de que deve ser tomado como

política.

O último capítulo é dedicado à realização de um balanço do estudo e às considerações

finais.

Muitas inquietações, muitas “pulgas atrás da orelha” e muita vontade de pensar e

contribuir para este debate. Espero dar conta de pelo menos algumas daquelas pistas que

ficaram por ser investigadas. À luta!

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO E ASPECTOS

METODOLÓGICOS

1.1 INTRODUÇÃO AO(S) TEMA(S) As constantes mudanças políticas, sócio-culturais e econômicas vivenciadas pela

sociedade brasileira desde o século passado têm sido acompanhas por transformações na

esfera das políticas sociais, o que inclui o sistema de saúde.

Até a década de 1970, vigia no Brasil o modelo médico assistencial privatista,

marcado pela desigualdade na distribuição e acesso aos serviços de saúde, especialmente para

as camadas mais pobres da população e para aqueles excluídos do mercado formal de

trabalho, incapaz de resolver inúmeros problemas de saúde. Estas questões não eram

específicas do caso brasileiro, de modo que no final dos anos 1970 estabeleceu-se um novo

debate internacional sobre modelos de assistência. Aquele modelo, baseado na medicina

curativa e hospitalocêntrico, entrou em crise, permitindo o surgimento da proposta de

Medicina Comunitária e de Atenção Primária à Saúde (APS).

No Brasil, essas propostas tornaram-se estratégias para redemocratizar a política e

levar assistência à saúde a toda a população. Vigorou a idéia de descentralização, tendo sido

estruturados programas de descentralização municipal e de priorização dos serviços básicos

de saúde. (LUZ, 2001, p. 17) Algumas destas estratégias foram implementadas, outras se

limitaram apenas à formulação, mas são apresentadas no presente trabalho, como o Programa

de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), o Programa Nacional de

Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE) e as propostas do Plano do Conselho Nacional de

Administração da Saúde Previdenciária (Plano CONASP), que foram as Ações Integradas de

Saúde (AIS).

Em parceria com as universidades, diversos municípios organizaram uma rede de

Unidades de Saúde para Atenção Primária, como Niterói, Londrina e Campinas, entre outros.

(SILVA Jr., 1997) Essas experiências subsidiaram o Movimento de Reforma Sanitária, que

culminou na realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986. A VIII Conferência

18

norteou o processo de reformulação do Sistema de Saúde, que ganhou forma de lei na

Constituição de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde1 (LOS) em 1990, instituindo-se o SUS.

Princípios como a universalidade, a integralidade e a eqüidade foram incorporados

pelo Sistema de Saúde no Brasil. A partir de 1993, o desencadeamento da municipalização

das ações e serviços significou a expansão dos espaços onde têm sido introduzidas mudanças

tanto na organização dos serviços quanto nas práticas de saúde. (TEIXEIRA; SOLLA, 2005,

p. 462) Esse processo resultou na transferência gradativa da responsabilidade pela APS para

os municípios.

Teixeira & Solla (2005) identificam a APS como “renomeada” no Brasil para Atenção

Básica (AB). Já Piancastelli (2001) considera sinônimos os termos APS e AB, bem como

diversos outros autores, conforme demonstrou Gil (2006). No entanto, há quem identifique

diferenças entre estas duas expressões2.

Heimann & Mendonça (2005) esclarecem que a concepção de AB supera a proposição

da multicausalidade encontrada na APS na década de 1980, fundamentando-se no paradigma

da determinação social da doença, “o que implica organizar os serviços e o sistema de saúde

em função das necessidades da população”. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 482-483)

Apesar dos preconceitos e da noção de concepção “redutora” (BRASIL, 2003c) em

torno da APS nas décadas de 1980 e 1990, não existem bases que diferenciem a AB da APS.

Contudo, escolhemos utilizar prioritariamente o termo APS por considerarmos que “primária”

se refira, essencialmente, à atenção primordial, à atenção primeira a que os indivíduos devam

ter acesso. Não significa que haja oposição entre estas abordagens, pois não são conceituadas

de forma diferente; apenas as “denominações” ou “nomenclaturas” são distintas. Entretanto,

no nosso entendimento, atenção básica deixa margens para interpretá-la como uma atenção

elementar, simples e livre de tecnologias complexas3. Todavia, o termo atenção básica

aparecerá, especialmente quando se tratar de citação.

No Brasil, a trajetória da APS passa pelo Programa Saúde da Família (PSF), cujo

surgimento pode ser compreendido como o de um modelo assistencial implantado para

reorganizar o SUS a partir da APS. A principal característica da política de saúde pública

desenvolvida nos anos 1990, sobretudo na segunda metade da década, foi a ênfase na atenção

1 Lei Orgânica da Saúde ou Legislação Sanitária: Capítulo “Saúde” da Constituição Federal de 1988 e Leis nº 8.080 e 8.142 de 1990. 2 A caracterização e diferenciação dos termos atenção primária à saúde e atenção básica e a discussão sobre as diferentes abordagens da APS serão feitas com maior aprofundamento no capítulo 2, dedicado a este tema. 3 A respeito de tecnologias, Merhy (2002) apresenta o conceito de tecnologias leves, leveduras e duras. Esta não é uma discussão simples, mas a compreensão destes termos se tornará mais clara no capítulo 3, quando abordaremos o trabalho em saúde (Cf. subseção 3.1.1 Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde).

19

básica, (MARQUES; MENDES, 2002, 2003) especialmente quando os recursos financeiros

destinados a esse nível de atenção passaram a incentivar o PSF.

Este programa apresenta inúmeras proposições da APS, entre elas o trabalho

organizado em equipes multiprofissionais. Apesar disso, sua implementação vem se dando

numa conjuntura de aprofundamento do capitalismo globalizado e de neoliberalismo, na qual

as políticas públicas vêm assumindo um caráter restritivo, sem ultrapassar um nível de

assistência emergencial aos mais pobres, num contexto sócio-econômico desfavorável à

distribuição de renda e ao bem-estar, que só admite políticas focalizadas e de combate à

miséria absoluta.

Com a aprovação da Norma Operacional Básica do SUS 01/96 (NOB 96), o

financiamento ao PSF foi então institucionalizado, ganhando significativa evidência. A NOB

96 corroborou para o crescimento do PSF, parte de um conjunto de medidas e iniciativas que

visavam o fortalecimento da atenção básica, segundo os princípios e diretrizes do SUS.

(BRASIL, 1996; MARQUES; MENDES, 2002, 2003) O êxito de experiências municipais,

como o Programa Médico de Família (PMF), de Niterói, por exemplo, e da experiência

nacional do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) impulsionou a formulação

do PSF como programa de atenção básica, difundido hoje para todo o país.

No entanto, a adesão dos municípios ao programa não se deu de forma imediata.

Muitos municípios, que já organizavam a atenção à saúde e a rede de serviços tendo como um

dos pilares a APS, resistiram ao PSF. Ao longo do tempo, o programa vem sendo incorporado

em todo o país; porém, há municípios que adaptaram seus modelos de APS em virtude do

PSF, como foi o caso de Belo Horizonte, MG, implementando o Programa “BH Vida: Saúde

Integral”, bem como outros vêm mantendo seus programas e estratégias “intactos” ao PSF,

como ocorre em Niterói, RJ, ao incrementar até hoje o PMF.

O PSF constitui estratégia de reorientação do modelo assistencial pautada nos

princípios do SUS, visando trabalhar com uma concepção holística do processo saúde-doença

e estabelecendo uma relação de vínculo-responsabilização com os usuários do serviço. O

programa se caracteriza também pelo perfil generalista dos profissionais que compõem suas

equipes mínimas (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de

saúde), porém não prevê a incorporação de inúmeros profissionais.

Recentemente, o Ministério da Saúde vem dando um tratamento à Saúde da Família

considerando-a como uma forma de organizar a AB. A ruptura com a abordagem de

programa, passando a adotar a denominação de estratégia de Saúde da Família, denota a

mudança de enfoque: de um programa anteriormente tido como verticalizado e transitório

20

para uma estratégia escolhida para reorientação da atenção à saúde no país. (CORBO;

MOROSINI, 2005)

A expansão da Estratégia de Saúde da Família ocorreu de forma mais ágil em

municípios de pequeno e médio porte. Visando a consolidá-la também em grandes centros

urbanos, o Ministério da Saúde criou o Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da

Família (PROESF), apoiado pelo Banco Mundial e instituído como linha de financiamento na

rede do SUS para organizar a AB pela Saúde da Família.

Esse programa se estruturou sobre três componentes: 1) a adequação da rede

propriamente dita, com apoio à conversão e expansão da Saúde da Família; 2) a capacitação

das equipes; e 3) o monitoramento e a avaliação. (BRASIL, 2005b) Para a gestão nos três

níveis – municipal, estadual e federal – é colocada como desafio a qualificação da atenção,

através de investimentos na Saúde da Família e do resgate do papel desta como organizadora

do SUS.

Ao longo deste trabalho, pode-se observar que, tomando como base estudos que

apontam para a relação entre as práticas e saberes e a estrutura social, procuramos a

delimitação do campo da Saúde Coletiva no que se refere ao tema da organização do trabalho

em saúde.

Refletir sobre a APS no contexto do trabalho produziu indagações de outra ordem.

Penso o trabalho humano como elemento estruturante da sociedade, mas também como

modificação das condições do meio, enfatizando as relações entre quem produz e quem

recebe o produto; o trabalho do ponto de vista das práticas.

A APS é lugar de produção da saúde, do processo de trabalho em saúde e, dessa

forma, muitas questões do mundo do trabalho, suas mudanças e tendências tomam corpo neste

nível de atenção; entre elas, a precarização das relações e vínculos de trabalho, a

reestruturação produtiva e a transição tecnológica, bem como o próprio modo de organização

do trabalho.

É importante lembrar que, nos anos 1990, o Estado tratou sua força de trabalho na área

de saúde

de forma predatória, pela defasagem crescente dos seus salários, pela quase inexistência de recursos para atender ao crescimento da demanda por atenção médica, ou ao menos para repor o contingente de profissionais em função de mortes e aposentadorias, e pela exigência de uma crescente “produtividade” desacompanhada de condições mínimas de trabalho adequadas para o desempenho de suas funções. (LUZ, 2001, p. 35)

21

Essas questões, aliadas a outras mais específicas, são nós críticos que se apresentam

para a melhoria da qualidade da APS, tais como: a ausência de um dispositivo legal acerca da

responsabilidade sanitária; a responsabilidade fiscal e orçamentária; a qualificação das

equipes; a falta de discussão e articulação da APS com os demais níveis de atenção; a

indefinição ou falta de compreensão da política de APS – ou da APS como política –, com

necessidade de real integração entre Saúde da Família e APS nos diversos municípios do país;

a incompreensão e não incorporação da integralidade, eqüidade e universalidade nas políticas

e ações de saúde; a diferença salarial entre os profissionais do SUS e os profissionais do PSF,

em grande maioria contratados e não concursados.

Para superação destes problemas, são necessárias ações em diferentes frentes, como a

multiplicação de práticas centradas no usuário, na relação entre este e o trabalhador de saúde,

práticas produtoras de vínculo, acolhimento e autonomia do usuário, e não apenas a

reprodução de práticas consolidadas, o que demanda para a formação profissional a

abordagem integral, em vez da especializada. Além disso, deve haver centralidade do trabalho

em equipe.

A viabilização de políticas de formação profissional que conduzam a esse modelo,

bem como de políticas de educação permanente, passa pela compreensão do serviço como

produtor de conhecimento e do trabalho como princípio educativo, isto é, de que o trabalho é

espaço de construção do ensino-aprendizagem, de que se aprende com o trabalho. O processo

educacional, portanto, deve ser integrado ao processo de trabalho, viabilizando a própria

Estratégia de Saúde da Família como um todo e visando a um verdadeiro processo de

educação permanente para a equipe de saúde.

São necessárias também outras ações, concebidas sob a leitura de que as

transformações no trabalho derivam da profunda globalização do capitalismo no mundo atual,

tendo a produtividade como um fim em si mesmo.

O processo de especialização na área da saúde também se torna intenso neste sistema

de produção, demandando estratégias para enfrentá-lo. A proposta do trabalho em equipe é

uma das estratégias que têm sido veiculadas, compreendendo-se o trabalho em equipe

multiprofissional como uma modalidade de trabalho coletivo que configura na relação

recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas

profissionais. (PEDUZZI, 2001)

A esse respeito, vale destacar a publicação da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005,

pelo Ministério da Saúde, criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família, com a

finalidade de ampliar a integralidade e a resolubilidade da Atenção à Saúde. (BRASIL, 2005c)

22

Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para

além daqueles já contemplados na equipe mínima proposta pelo próprio Ministério. Esta

Portaria, porém, não vigorou.

A preocupação com a força de trabalho em saúde e sua organização tem produzido

discussões em âmbito internacional. De acordo com a VII Reunião Regional dos

Observatórios de Recursos Humanos em Saúde, realizada em Toronto, Canadá, em 2005,

vislumbra-se que viveremos, até 2015, a década dos recursos humanos em saúde nas

Américas. (MENDES; MARZIALE, 2006a; REUNIÃO REGIONAL DOS

OBSERVATÓRIOS DE RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE, 2006)

A Reunião produziu o documento “Chamado à ação de Toronto”, uma iniciativa que

pretende congregar sujeitos de setores distintos da sociedade que contribuam para um esforço

conjunto de longo prazo pela valorização, desenvolvimento e fortalecimento dos recursos

humanos da saúde na Região das Américas. O documento tem como princípios a

compreensão de que: 1) os trabalhadores são a base do sistema de saúde – a contribuição dos

trabalhadores de saúde é um fator essencial para a melhoria da qualidade de vida e de saúde;

2) o trabalho em saúde é um serviço público e uma responsabilidade social e 3) os

trabalhadores são protagonistas do funcionamento e da evolução do sistema de saúde, rumo à

crescente e constante qualificação do sistema de saúde.

A perspectiva é que, até 2015, cada país tenha tido um significativo progresso no

alcance de suas metas de saúde assentada no desenvolvimento da sua força de trabalho.

(MENDES; MARZIALE, 2006b)

Em 1995, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) lançou um documento em

que analisava o tratado de integração do Mercosul e seus efeitos diretos e indiretos sobre o

setor saúde, focalizando o campo dos recursos humanos para a saúde, principalmente porque

tinham o entendimento de que nessa área surgiriam as primeiras ações e reações setoriais em

relação ao Mercosul. (OPAS, 1995)

O documento analisava os países integrantes do Mercosul, que se caracterizavam pela

concentração de renda e desemprego, com um mercado de trabalho marcado por baixos

salários. Para reverter esta situação, apontava como necessária a elevação do nível de vida da

população, diminuindo, através do aumento da produtividade, o valor dos bens e serviços que

o trabalhador consome. “Isso só será possível investindo-se na qualificação da mão-de-obra e

provocando mudanças profundas na organização do trabalho. Não é o mercado o agente

desta mudança, mas o Estado, instrumentalizador das transformações na qualificação dos

23

RH”. (OPAS, 1995, p. 23, grifo no original) Este debate era travado tanto no âmbito do

trabalho em geral como no trabalho em saúde.

No sistema de saúde brasileiro, desde já a discussão acerca da força de trabalho, suas

condições materiais, sua formação, qualificação, organização e processo de trabalho devem

ser pensados e debatidos tanto no campo específico da saúde como num contexto geral.

Optamos pela discussão da micropolítica do trabalho no âmbito das práticas, do

cuidado. A abordagem macropolítica, da força de trabalho no Brasil e nas Américas, é

importante e deve ser feita inclusive para compreensão das tendências do trabalho geral e do

trabalho em saúde e para a contextualização das questões que venham a ser apontadas, mas

não será o nosso foco principal.

Damos preferência à denominação de trabalhador ao invés do termo recursos

humanos (embora às citações não possa esquivar-me de utilizá-lo). Trabalhadores não devem

ser encarados como insumos a serem requeridos como mercadorias, abordagem tão freqüente

na sociedade capitalista, mas sujeitos, produtores de atos; na saúde, trabalhadores envolvidos

com a terapêutica.

Como muitos autores com quem tentamos dialogar ao longo desta dissertação, somos

a favor da valorização do trabalho humano como aquele que se caracteriza pela

indissolubilidade entre o pensar e o fazer, entre as dimensões relativas à vida social e vida

política, tão relegada na história do capitalismo. Valorização do trabalho como lugar de

realização e transformação humana.

Ainda assim, autores abordam essa questão de diferentes formas. Também no âmbito

da política institucional esta diferença pode ser encontrada; por exemplo, a partir dos

enfoques diferenciados da gestão do trabalho e da educação em saúde no próprio Ministério

da Saúde, que nos últimos anos (Governo Lula) sofreu mudanças na composição de seu

quadro e, em conseqüência, nas diferentes abordagens para este tema.

Enfocando o aspecto da micropolítica, a discussão do processo de trabalho tem sido

cada vez mais freqüente no interior das discussões sobre reorientação do modelo assistencial,

sendo condição essencial para a mudança deste. A equipe multiprofissional e o

redimensionamento da prática assistencial, voltando-a para o indivíduo e não para o

procedimento, ampliando e incorporando os diversos saberes e práticas das diversas

profissões, são fundamentais para a construção de um modelo que realmente atenda às

necessidades de saúde dos cidadãos.

24

1.2 JUSTIFICATIVA A investigação sobre o processo de trabalho em saúde e o trabalho em equipe nos

possibilita a reflexão sobre que tipo de sujeito político está se conformando, recuperando-se

que a idéia e a formulação sobre saúde são políticas, bem como o é a resposta sobre quem é o

outro na política de saúde – o outro que se apresenta não só com necessidades de saúde, mas

com demandas, direitos e conflitos no sistema de saúde.

Diversos autores têm se dedicado a analisar e a descrever a organização do trabalho

e/ou o perfil dos profissionais da AB do ponto de vista dos trabalhadores, (BARBOZA;

FRACOLLI, 2005; COTTA et al., 2006; PEDROSA; TELES, 2001; SILVA; TRAD, 2005)

muitas vezes motivados a desenhar políticas direcionadas à qualificação e melhor

desempenho desses profissionais.

A compreensão da adoção do PSF como forma de pôr em prática os princípios do

SUS, como apontam inúmeros documentos, (BRASIL, 1996, 2003a; MARQUES; MENDES,

2002, 2003; VIANA; DAL POZ, 1998) nos obriga a olhar para a organização das práticas dos

profissionais, dos processos de trabalho em saúde, neste nível de atenção.

Com a reformulação do modelo de APS no país, há uma necessidade de rediscutir o

papel dos profissionais que atuam neste campo. De um modelo anteriormente caracterizado

pela distribuição dos profissionais em programas integrais à saúde ou orientado por “Ações

Programáticas”, (CAMPOS, 2006) passa-se a conformar um sistema em que a “equipe PSF”

responsabiliza-se por toda a “operação” da APS no território.

Partindo do pressuposto de que o processo de trabalho em saúde e, em particular, na

APS é especificidade da equipe, e não da profissão, e de que deve ser tomado como política,

procuramos conhecer a(s) forma(s) de organização do trabalho na APS em Belo Horizonte,

MG, particularmente a partir da implementação do Programa “BH Vida: Saúde Integral”, que

é a experiência de Saúde da Família do município. Optamos pelo município de Belo

Horizonte por este ter adotado um modelo reconhecido como produtor de vínculo entre o

usuário e a equipe, de escuta e atendimento às necessidades de saúde, pelo acolhimento

enquanto dispositivo para a mudança do processo de trabalho, pela gestão como forma de

governar tais processos e, principalmente, por ter como diretriz o trabalho em equipe

multiprofissional.

25

1.3 OBJETIVOS O presente trabalho tem como objetivo contribuir para a reflexão sobre a reorientação

dos modelos assistenciais a partir da reorganização da APS ocorrida recentemente no país,

com expansão da Estratégia de Saúde da Família, abordando aspectos do processo de trabalho

em saúde, trazendo a questão da multi e interdisciplinaridade como demanda para a APS hoje

e enfocando o debate na centralidade do trabalho para a sociedade, particularmente a

centralidade do trabalho em equipe para a APS.

São detalhados como objetivos específicos conhecer a percepção de sujeitos

institucionais de Belo Horizonte, particularmente aqueles que fazem parte da gestão do

sistema de saúde e/ou da atenção à saúde no nível da APS, quanto aos seguintes aspectos:

- organização da APS existente anteriormente à implementação do BH Vida: Saúde

Integral no município;

- composição das equipes de APS, bem como sobre a inserção e os papéis dos

diferentes profissionais neste nível de atenção a partir da implementação de

programas como o PSF;

- processo de trabalho dos profissionais de saúde da equipe, enfocando a percepção

sobre a micropolítica do trabalho na APS, e sua relação com o modelo assistencial,

antes e após a implementação do BH Vida: Saúde Integral;

- processo de reorientação do modelo assistencial em saúde no município, a

participação dos sujeitos neste processo e o instrumental utilizado para a mudança;

- extinção, manutenção e/ou incorporação de estruturas de organização do trabalho

na APS anteriores ao BH Vida: Saúde Integral.

É importante destacar que não houve uma formulação do Ministério da Saúde sobre

qual fosse a equipe ampliada do PSF no momento de sua criação e nos anos seguintes, o que

fez com que cada município formulasse suas propostas, como é o caso em estudo.

O município de Belo Horizonte, MG, apresentaria um modelo adequado à realidade

brasileira ou, ao menos, a sua realidade como município, sem perder de vista que se dá no

campo de conhecimento da Saúde Coletiva. Em tempos de discussão da expansão da Saúde da

Família para os grandes centros urbanos, um olhar para a organização do trabalho em Belo

Horizonte pode ser uma boa contribuição para o aprofundamento da APS em nosso país.

26

1.4 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA A realização deste trabalho se deu mediante estudo de caso em três Unidades Básicas

de Saúde (Centros de Saúde – CS) localizadas no município de Belo Horizonte, MG, e na

Secretaria Municipal de Saúde do referido município. A estratégia metodológica utilizada na

investigação foi a análise documental referente ao modelo de assistência à saúde em Belo

Horizonte e a pesquisa qualitativa, realizada através de entrevistas semi-estruturadas a sujeitos

institucionais envolvidos com a gestão e a atenção do Programa “BH Vida: Saúde Integral”,

experiência da Estratégia de Saúde da Família do município.

Segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa é capaz de incorporar a questão do

significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais e

torna-se importante para (a) compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos; (b) para compreender as relações que se dão entre atores sociais tanto no âmbito das instituições como dos movimentos sociais; (c) para avaliação das políticas públicas e sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica, como dos usuários a quem se destina. (MINAYO, 2004, p. 134)

A pesquisa qualitativa se justifica como escolha para o presente estudo devido ao fato

de a Saúde Coletiva sugerir direitos, situação histórica e comprometimento de condições de

vida social. Da mesma forma, os processos inseridos e decorrentes desse campo do

conhecimento, sejam a saúde-doença, a reorientação de modelos tecnoassistenciais ou o

trabalho em saúde, também merecem uma abordagem qualitativa, possibilitando-se captar

algo dos aspectos subjetivos da realidade social.

Para Lefèvre & Lefèvre (2003, p. 9), estas pesquisas, necessariamente, devem ser

qualitativas, pois tais pesquisas têm justamente como objetivo a geração ou reconstrução de

qualidades.

Sobre a análise do trabalho em saúde, podemos considerar a fala de Ramos (2005a),

para quem o trabalho possui uma natureza reflexiva e criativa:

A descrição precisa, definitiva, exaustiva de qualquer processo de trabalho, normalmente realizada pela análise funcional, não capta suas múltiplas determinações e, menos ainda, a complexidade dos atributos gerais e profissionais que os trabalhadores colocam em jogo na sua realização. (RAMOS, 2005a, p. 217)

27

Ao considerar os diferentes desenhos metodológicos de pesquisa qualitativa,

Deslandes & Gomes (2004, p. 104) destacam o estudo de caso por ser um dos desenhos de

pesquisa mais freqüentes para análise de experiências dos serviços e por poder traduzir a

lógica científica da abordagem qualitativa.

Bruyne, Herman & Schoutheete (1991) definem o estudo de caso como um estudo

minucioso de casos particulares, onde os dados e informações devem ser capazes de traduzir a

realidade de uma dada situação.

Para Becker (1994), em ciências sociais, o estudo de caso tem dois objetivos. O

primeiro deles diz respeito à tentativa de compreender, da forma mais abrangente possível, o

grupo ou organização em estudo. O segundo se refere à tentativa de “desenvolver declarações

teóricas mais gerais sobre regularidades do processo e estruturas sociais”. (BECKER, 1994, p.

118) Dessa forma, num estudo de caso, lida-se, ao mesmo tempo, com questões que surgem

num campo empírico e com aquelas situadas mais no campo teórico.

Becker destaca que “todo estudo de caso permite que nós façamos generalizações a

respeito das relações entre os vários fenômenos estudados. Porém, como tem sido

freqüentemente assinalado, um caso é, no fim das contas, apenas um caso”. (BECKER, 1994,

p. 129, grifo nosso) Assim, para se obter conclusões fidedignas, o pesquisador deve

determinar prévia, minuciosa e atentamente o quadro teórico, além de realizar um plano de

análise e construir variáveis suscetíveis de observações rigorosas, de modo que se separem,

claramente, fatos de origem acidental e de origem essencial. (BRUYNE; HERMAN;

SCHOUTHEETE, 1991)

Reconhecemos que o estudo de caso é aprofundado, mas não é recomendado fazer

generalizações. De todo modo, este tipo de estudo é fundamental para a descrição e análise

detalhada do caso, permitindo comparações.

A entrevista semi-estruturada, utilizada como estratégia metodológica, é aqui

considerada como uma “conversa com finalidade”, combinando perguntas fechadas e abertas.

O entrevistado tem a liberdade para fazer seus relatos e expor suas opiniões a partir de um

roteiro previamente elaborado pelo pesquisador.

De acordo com Minayo (2004), no campo das Ciências Sociais, a fala individual é

instrumento privilegiado de coleta de informações, à medida que se torna reveladora dos

diversos códigos de sistemas e valores contraditórios. Segundo Lefèvre & Lefèvre (2003, p.

15), é importante fazer perguntas aos indivíduos que, de alguma forma, são representativos da

coletividade para que se expressem mais ou menos livremente, isto é, para que produzam

discursos.

28

Poder-se-ia questionar o uso de entrevistas semi-estruturadas. Afinal, em que sentido a

fala de um é representativa da fala de muitos? Para Bourdieu,

Todos os membros do mesmo grupo são produtos de condições objetivas idênticas. Daí a possibilidade de se exercer na análise da prática social, o efeito de universalização e de particularização, na medida em que eles se homogeneízam, distinguindo-se dos outros. (BOURDIEU4, 1973 apud MINAYO, 2004, p. 111)

E insiste que “cada agente, ainda que não saiba ou que não queira, é produtor e

reprodutor do sentido objetivo, porque suas ações são o produto de um modo de agir do qual

ele não é o produtor imediato, nem tem o domínio completo”, (BOURDIER, 1973 apud

MINAYO, 2004, p. 111) expressando a realidade objetiva.

Minayo (2004, p. 113) concebe que os indivíduos entrevistados tanto representam

quanto falam por si mesmos:

ao mesmo tempo em que os modelos culturais interiorizados são revelados numa entrevista, eles refletem o caráter histórico e específico das relações sociais. Desta forma os depoimentos têm que ser colocados num contexto de classe, mas também de pertinência a uma geração, a um sexo, a filiações diferenciadas etc. E porque cada ator social se caracteriza por sua participação, no seu tempo histórico, num certo número de grupos sociais, informa sobre uma “subcultura” que lhe é específica e tem relações diferenciadas com a cultura dominante. (MINAYO, 2004, p. 113)

Destarte, a pesquisa qualitativa não necessita de uma amostra, um grupo

estatisticamente representativo, mas que seja intersubjetivamente representativo, desde que se

leve em conta que há muitas concepções que um indivíduo compartilha com o grupo do qual

faz parte, identificando-o como pertencente ao mesmo – concepções que são construídas

coletivamente, ainda que cada um as expresse individualmente.

É importante destacar a defesa de Mercado-Martínez & Bosi (2004, p. 39):

O setor saúde é um dos espaços sociais onde a opinião dos especialistas e profissionais continua sendo decisiva no planejamento, organização e avaliação dos serviços. Ante tal situação, as propostas derivadas da PQ [pesquisa qualitativa] pressupõem a existência de diversos pontos de vista e também a inexistência de verdades únicas, universais e eternas. Nesse sentido, a visão dos profissionais de saúde, ou dos especialistas, passa a ser considerada uma dentre tantas interpretações possíveis e existentes. (MERCADO-MARTÍNEZ; BOSI, 2004, p. 39)

4 BOURDIEU, P. Ésquisse d’une Théorie de la Pratique. Paris: Libraire Droz, 1973.

29

Pressupomos que o processo de trabalho em saúde e, em particular, na APS é

especificidade da equipe, e não da profissão, e deve ser tomado como política. Assim, a

metodologia escolhida busca fornecer instrumentos para conhecer a(s) forma(s) de

organização do trabalho na APS em Belo Horizonte, possibilitando que seja(m) cotejada(s)

com as de outros municípios do Brasil, sejam elas dentro do próprio PSF ou a partir de outras

experiências, anteriores ou posteriores ao início da implementação deste no país.

A escolha pelo município de Belo Horizonte se deve ao fato de ter desenvolvido uma

proposta de modelo de assistência à saúde orientado à produção de vínculo entre o usuário e a

equipe, de escuta e atendimento às demandas da população, de autonomização e acolhimento

e de gestão como forma de governar processos de trabalho. Belo Horizonte já havia

implementado ações e unidades de saúde destinadas ao primeiro nível de atenção antes

mesmo do surgimento do PSF e formulou como modelo de APS o Programa BH Vida: Saúde

Integral, cujos protagonistas tanto eram/são membros da gestão do sistema se saúde no

município quanto gerentes e profissionais da rede de serviços. Uma das premissas do modelo

formulado passou a ser a organização do trabalho em saúde em equipes multiprofissionais.

Além disso, o BH Vida: Saúde Integral se desenvolve em área metropolitana, na qual é

observada grande variedade de situações de saúde na população, dada a diversidade social,

econômica, política e cultural encontrada em grandes municípios.

A opção por este município também foi feita devido à mudança de modelo ser recente,

existindo pequeno volume de trabalhos acadêmicos escritos divulgados e disponíveis, com

repercussão nacional, bem como pelas oportunidades de contato da pesquisadora com os

sujeitos entrevistados.

Como forma de captar as percepções dos sujeitos envolvidos com a gestão do modelo

assistencial, foram entrevistados onze informantes-chave, entre eles 3 membros da Gerência

de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS/SMSA), sendo

que 2 eram coordenadores de áreas técnicas vinculadas à GEAS. Estes 3 entrevistados

apresentam vínculo de longa data com a SMSA – em torno de 14 a 20 anos –, sendo que 2 são

concursados e atuavam na atenção antes de trabalharem na gestão e 1 é cedido de outro órgão,

tendo trabalhado na SMSA apenas no nível central.

Foram selecionados também 3 Centros de Saúde (CS), que são as Unidades Básicas de

Saúde do município, onde estão vinculados os profissionais das equipes de Saúde da Família.

Os critérios de escolha dos CS foram: a) fazerem parte de Distritos Sanitários5 distintos e b)

5 Os Distritos Sanitários são os gestores de todos os equipamentos instalados no seu território, sendo responsáveis pela operacionalização da rede própria e outras atividades inerentes ao sistema municipal de saúde.

30

apresentarem vulnerabilidade à saúde diferenciada entre si. Os CS selecionados e suas

características estão descritas no capítulo 4, seção 4.1 – Contextualização do campo em

estudo.

As entrevistas com todos os gerentes foram agendadas previamente à ida da

pesquisadora ao campo, tendo sido entrevistados os gerentes dos 3 CS selecionados. As

conversas com os profissionais também foram agendadas previamente, porém sofreram

alterações durante o trabalho de campo: encontramos dificuldades para acessá-los para as

entrevistas, principalmente os médicos – praticamente indisponíveis em todos os CS que

selecionamos – e os ACS, já que suas atividades são executadas principalmente junto à

comunidade, fora das unidades de saúde. Os profissionais da equipe de enfermagem –

enfermeiros e auxiliares de enfermagem – eram os mais presentes nos CS em todos os

horários que os buscamos – manhã e tarde. Ainda assim, foi possível entrevistarmos 5

profissionais vinculados às equipes de Saúde da Família dos 3 CS, sendo 1 Agente

Comunitário de Saúde, 1 Auxiliar de Enfermagem, 1 Médico e 2 Enfermeiros.

Como instrumento para descrição do caso individual, compreensão das especificidades

dos grupos (profissionais da atenção, gerentes e membros da gestão) e comparabilidade dos

diversos casos, foram elaborados roteiros de entrevista semi-estruturada (Apêndice 1)

diferentes entre si conforme inserção do profissional no sistema de saúde:

- Roteiro de entrevista I: Membro da Secretaria Municipal de Saúde (SMAS) –

Gestão da Assistência

- Roteiro de entrevista II: Coordenador de Área Técnica

- Roteiro de entrevista III: Gerente de Unidade Básica de Saúde

- Roteiro de entrevista IV: Profissional de Equipe de Saúde (APS/PSF)

Elaboramos, ainda, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

destinado aos sujeitos da pesquisa (Apêndice 2). Todos estes instrumentos foram construídos

respeitando-se os critérios de ética em pesquisa no Brasil, segundo a Resolução 196/1996 do

Conselho Nacional de Saúde.

Os roteiros, o TCLE e o projeto de dissertação foram submetidos aos Comitês de Ética

em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (COEP/SMSA/PBH) e do

Sua descrição e a estrutura do Sistema de Saúde de Belo Horizonte pode ser mais bem compreendida no capítulo 4 - Contextualização do campo em estudo: conhecendo Belo Horizonte e seu(s) modo(s) de organização do trabalho na atenção primária à saúde.

31

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(CEP/IESC/UFRJ), tendo sido aprovados para aplicação em campo, o que respaldou a nossa

atuação. Os pareceres de ambos os comitês podem ser vistos no Anexo 1 e no Anexo 2.

As entrevistas com os membros da GEAS/SMSA foram realizadas na própria SMSA e

as entrevistas com os gerentes e profissionais dos CS, nos seus respectivos CS. Todas as 11

entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas através do método de análise de conteúdo,

definido por Gomes (1994) como um conjunto de técnicas de análise visando à verificação de

hipóteses ou questões e a descoberta de questões que se encontram implícitas nos discursos.

Em termos gerais, a análise de conteúdo relaciona estruturas semânticas (significantes)

com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados; articula a superfície dos textos

com variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção de

mensagem, que lhe dão características. (MINAYO, 2004, p. 203)

A técnica utilizada para atingir os significados – manifestos e latentes – no material

coletado foi a análise temática. Esta técnica consiste em descobrir os núcleos de sentido que

compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o

objetivo analítico visado e desdobra-se em três etapas (MINAYO, 2004, p. 209):

1) pré-análise: escolha dos documentos a serem analisados; retomada dos

pressupostos e objetivos iniciais da pesquisa, reformulando-os frente ao material

coletado; e elaboração de indicadores que orientem a interpretação final. Nesta

fase são determinados a unidade de registro (expressões-chave), a unidade de

contexto (delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro), os

recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos

teóricos mais gerais que orientarão a análise;

2) exploração do material: nesta fase, o texto é recortado em unidade de registro; são

escolhidas as regras de contagem (para verificação da freqüência das unidades de

registro); e os dados são classificados e agregados segundo categorias teóricas e

empíricas;

3) tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

32

As três etapas acima foram executadas. Para análise temática das entrevistas foram

utilizadas categorias que expressam os núcleos de sentido que compõem uma comunicação.

As categorias foram relativas:

- à organização da APS;

- ao trabalho em saúde, delas decorrentes o trabalho em equipe multiprofissional, o

processo de trabalho dos profissionais da atenção e seu processo de trabalho na

equipe multiprofissional;

- à organização do trabalho;

- à composição profissional da equipe da APS, bem como à inserção e papel dos

diferentes profissionais da equipe de Saúde da Família;

- à multiprofissionalidade e à interdisciplinaridade;

- à relação entre o processo de trabalho em saúde e o modelo assistencial em Belo

Horizonte;

- à relação entre os distintos níveis de assistência à saúde, assim como à referência e

à contra-referência.

As unidades de contexto e os conceitos teóricos que embasaram o estudo e,

conseqüentemente, as análises que foram feitas estão fundamentadas a seguir, nos capítulos 2

e 3. A exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação feitas à luz de estudos

no âmbito da saúde coletiva compõem o capítulo 5.

CAPÍTULO 2 – ATENÇÃO PRIMARIA À SAÚDE: AS ORIGENS, OS

SENTIDOS, UNS CAMINHOS

A Atenção Primária à Saúde (APS) apresenta-se como campo de práticas repleto de

debates e enfrentamentos tanto técnicos quanto políticos. A compreensão destas disputas pode

ser feita a partir de um traçado histórico, apontando o surgimento do campo, a definição do

termo “APS” bem como das diferentes concepções que giram em torno deste tema.

Este capítulo é introduzido pela seção “Sobre Modelos Assistenciais em Saúde”, como

forma de contextualização do tema da APS. A seguir, fazemos um apanhado histórico da

APS, termo cunhado internacionalmente, com seus princípios, características e os meios de

institucionalização do campo e seus caminhos no Brasil, redefinido e “refundamentado” como

Atenção Básica (AB).

2.1 SOBRE OS MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE

As necessidades de saúde de uma população são atendidas por políticas. Desse modo,

“as ações voltadas para o atendimento dessas necessidades se realizam conforme a

organização dos serviços de saúde, configuradas politicamente segundo os modelos de

Estado”. (RAMOS, 2005a, p. 207)

Segundo Elias (2005, p. 65), a análise de um sistema de saúde deve desvelar a lógica

de sua estruturação, de seu funcionamento e as articulações institucionais que apresenta,

tendo-se em mente as qualificações em relação à população, o modelo assistencial

implementado e as formas de financiamento adotadas.

A reorientação dos modelos tecnoassistenciais é um dos componentes da reorientação

de sistemas de saúde. A partir do questionamento às velhas práticas institucionais, buscou-se

viabilizar modelos alternativos que visem à integralidade da atenção e contemplem as

propostas da Reforma Sanitária.

Silva Jr. (2006) produziu um estudo que teve como objetivo a formulação de modelos

tecnoassistenciais em saúde no Brasil, buscando as origens e os elementos estruturadores dos

modelos hegemônicos de prestação de serviços de saúde e as propostas alternativas que

surgiram das críticas à Medicina Científica, nos anos 1970.

34

Como eixo de análise, tomou as formulações de modelos assistenciais propostas por

Merhy, Cecílio & Nogueira (1992) e por Campos (2006)6. Na primeira, o modelo assistencial

corresponde a um arranjo entre os saberes da área e de estratégias políticas para organização

da produção de serviços:

...ao se falar de modelo assistencial estamos falando tanto de organização da produção de serviços a partir de um determinado arranjo de saberes da área, bem como de projetos de construção de ações sociais específicas, como estratégia política de determinados agrupamentos sociais. (...) Entendendo deste modo, que os modelos assistenciais estão sempre se apoiando em uma dimensão assistencial e em uma tecnológica para expressar-se como projeto de política, articulado a determinadas forças e disputas sociais, damos preferência a uma denominação de modelos

tecnoassistenciais, pois achamos que deste modo estamos expondo as dimensões chaves que o compõem como projeto político. (MERHY; CECÍLIO; NOGUEIRA, 1992, p. 84)

Estes autores concebem os modelos como projetos tecnoassistenciais de grupos sociais

para serem implementados enquanto estrutura concreta de produção das ações de saúde e que

a conformação desses modelos expressa uma forma de poder político, uma conformação do

Estado e de suas políticas. (MALTA et al., 2005; MERHY; MALTA; SANTOS, 2004)

Campos (2006) utiliza as noções de forma e de modo de produção de serviços, modelo

assistencial e conformação dos sistemas de maneira equivalente. Para o autor,

...a combinação de várias modalidades [assistenciais] – sempre articuladas segundo uma lógica específica e dominante – constituiria uma certa forma de produção de serviços. ...seria possível a identificação concreta de diferentes modos ou formas de produção, conforme o país e o período histórico estudado, um pouco em analogia com o conceito marxista de formação econômico-social. Portanto, forma ou modo de produção de serviços de saúde seria uma construção concreta de recursos (financeiros, materiais e força de trabalho), tecnologias e modalidades de atenção, articulados de maneira a constituir uma dada estrutura produtiva e um certo discurso, projetos e políticas que assegurassem a sua reprodução social. (CAMPOS, 2006, p. 37, 38)

Paim (1999b) aponta a organização das ações para a intervenção no processo saúde-

doença, articulando recursos físicos, tecnológicos e força de trabalho para enfrentar e resolver

os problemas de saúde existentes em uma coletividade. Redefinindo modelos assistenciais,

Paim (2003), esclarece que

6 Silva Jr. utilizou a 1ª edição do livro “Reforma da reforma: repensando a saúde”, de Gastão C. W. Campos, de 1992.

35

Modelos de atenção à saúde ou “modelos assistenciais” podem ser definidos genericamente como combinações de tecnologias (materiais e não-materiais) utilizadas nas intervenções sobre problemas e necessidades sociais de saúde. (...) Modelo de atenção é, portanto, um dado modo de combinar técnicas e tecnologias para intervir sobre problemas de saúde (danos e/ou riscos) e atender necessidades de saúde individuais e coletivas; é uma maneira de organizar os “meios de trabalho” (saberes e instrumentos) utilizados nas práticas ou processos de trabalho em saúde. Aponta como melhor integrar os meios técnico-científicos existentes para resolver problemas de saúde individuais e/ou coletivos. Corresponde à “dimensão técnica” das práticas de saúde; incorpora uma “lógica” que orienta as intervenções técnicas sobre os problemas e necessidades de saúde. (PAIM, 2003, p. 164-165)

Observamos certa congruência na compreensão dos diferentes autores sobre o termo,

embora o caráter “político” seja predominante nas duas primeiras formulações.

A definição de Rezende & Peixoto (2003) para “gestão do modelo assistencial” denota

a noção apresentada por Merhy, Cecílio & Nogueira (1992) quanto à expressão de poder

político, conformação de Estado e políticas, quando a entende como a forma escolhida por um

gestor para organizar os serviços de saúde:

Um Modelo Assistencial baseia-se em uma “escolha” de política de saúde, em uma metodologia para a sua gestão, em uma teoria que explica como se dá o processo saúde/doença num determinado lugar, em uma proposta prática de ação para a solução dos problemas e em um método (processo de trabalho) de intervenção. Estas opções são técnico-políticas, já que implicam determinar os rumos que a saúde deve tomar, as estratégias de ação que devem ser desenvolvidas, as prioridades que deverão ser perseguidas, entre outros. (REZENDE; PEIXOTO, 2003, p. 56)

Assim, a forma como no Brasil a produção da saúde se organiza e se organizou ao

longo dos anos expressa os momentos políticos e as vertentes técnicas hegemônicas em cada

época. Silva Jr. (2006) elencou como modelos de assistência no Brasil:

1) o Modelo de Saúde Pública, que surgiu no início do século XX articulado aos

interesses econômicos agro-exportadores. Era composto de duas vertentes: a

campanhista, que desenvolvia atividades por meio de campanhas sanitárias, e a

vertical permanente, baseada na proposta de centro de saúde. A partir da década

de 1960 suas atividades foram desaceleradas e não priorizadas;

2) o Modelo de Assistência Médica Previdenciária, que surgiu na década de 1920

sob influência da medicina liberal, destinando-se a prestar assistência médica

individual aos trabalhadores urbanos e industriais. Entrou em crise no final da

década de 1970;

36

3) a Medicina Comunitária, difundida nas universidades a partir da década de 1960,

quando se constituíram núcleos de desenvolvimento de modelos alternativos de

assistência financiados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e

instituições filantrópicas americanas. Neste modelo, foram produzidas

experiências que se materializaram sob a forma de projetos-plioto de

universidades ou de projetos de estruturação de serviços municipais com

integração docente-assistencial, como em Niterói, RJ, e Campinas, SP.

As constantes mudanças no sistema de saúde até se configurar o SUS acompanham as

transformações estruturais e conjunturais que o país tem vivido. Por sua vez, o impacto

transformador dos modelos assistenciais é representado por modificações substantivas na

produção dos serviços, bem como no proceder dos profissionais.

Ao longo do tempo, o debate em torno da Atenção Primária à Saúde vem

conformando diferentes modelos ou correntes de pensamento em torno da reorientação do

modelo assistencial no país, sem, no entanto, produzir um efeito mais integral para reversão

do atual modelo de assistência. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 485)

Os modelos assistenciais formulados e/ou implementados no país no âmbito da APS

serão descritos na seção 2.4.

2.2 ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM POUCO DE HISTÓRIA

Nos anos 1950, a Medicina Geral se tornou alicerce do Sistema Nacional de Saúde da

Inglaterra, apresentando como características básicas a idéia de se alcançar os pacientes

precocemente no ambiente domiciliar, provendo cuidados contínuos, incluindo a prevenção

das doenças.

Nos Estados Unidos, a Medicina Geral alcançou o seu apogeu no início dos anos 1940,

mas apresentou declínio a partir do avanço científico da prática médica e da mudança do

ensino médico proposto pelo relatório Flexner. (CAMPOS, C., 2005b)

O movimento de Medicina Comunitária estruturou-se nos EUA nos anos 1960, numa

conjuntura de intensa mobilização popular e intelectual, buscando a racionalização para os

serviços de saúde, enfatizando a regionalização, hierarquização dos serviços, participação

comunitária e introdução de novas categorias profissionais na assistência. Esse movimento se

insurgiu contra a hiperespecialização e como uma forma de resistência à ênfase dada ao

37

modelo Flexneriano, que preconizava o estudo científico e parcializado do paciente

estritamente no ambiente dos hospitais universitários. (CAMPOS, C., 2005b; SILVA Jr.,

2006) Sua implantação foi baseada nos centros comunitários de saúde, (MERHY; MALTA;

SANTOS, 2004, p. 49) fundamentando-se na necessidade de “integração” dos marginalizados

da sociedade norte-americana. (SILVA Jr., 2006, p. 57)

A Medicina Comunitária preocupava-se com as demandas psicossociais dos pacientes

e se constituiu em um movimento dentro das escolas médicas. De acordo com C. Campos

(2005b), pressupunha-se que a prestação de cuidados de saúde aos indivíduos se desse em seu

contexto epidemiológico e social, o que impunha o conhecimento das condições e

necessidades de saúde e o seu manejo por meio de métodos e intervenções apropriadas sobre

populações definidas e conhecidas.

Os programas de Medicina Comunitária chegaram à América Latina na década de

1970, sendo implantados principalmente na Colômbia, no Brasil e no Chile, patrocinados por

fundações norte-americanas e endossados pela OPAS. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004;

SILVA Jr., 2006)

O surgimento da APS foi influenciado pela Medicina Comunitária e por outros

movimentos – acadêmicos, setoriais da saúde e políticos – ao redor do mundo. Segundo Cueto

(2004), o contexto político de emergência da APS está relacionado à crise da hegemonia dos

EUA nos anos finais da Guerra Fria, o que resultou em novas propostas para a saúde e o

desenvolvimento no final da década de 1960.

Cueto (2004) cita a medicina rural na Índia, a experiência dos missionários da

Comissão Médica Cristã, a massiva expansão dos serviços de medicina rural na China

comunista – especialmente o movimento dos “médicos dos pés descalços” – e o novo

contexto político caracterizado pela emergência de nações africanas descolonizadas, bem

como a expansão de movimentos nacionais, antiimperialistas e de esquerda em muitas nações

subdesenvolvidas como fatores/ movimentos que influenciaram a APS. (CUETO, 2004, p.

1865, tradução nossa)

Segundo este autor, desde o final dos anos 1960 houve um aumento de projetos da

Organização Mundial da Saúde (OMS) relacionados com o desenvolvimento dos serviços

básicos de saúde, o que pode ser considerado um precedente institucional da APS. Os

modelos que se constituíram eram chamados “alternativos” pela OMS e pelo Fundo das

Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pois estas agências internacionais os consideravam

38

alternativos7 ao modelo até então existente: campanhista e verticalizado, concentrado em

doenças específicas. (CUETO, 2004, p. 1866, tradução nossa)

Nesse contexto, a década de 1970 assistiu à formulação e difusão do ideário da

Atenção Primária à Saúde (APS), que apresenta similaridades à Medicina Comunitária.

Destaca-se que o surgimento desses movimentos se deu em um contexto histórico marcado

pela crescente urbanização, crescimento populacional e desigualdade. (CAMPOS, C., 2005b)

Reunida em 1977, a Assembléia Mundial de Saúde, principal instância de deliberação

da OMS, elaborou a declaração “Saúde para Todos no Ano 2000” (SPT 2000). No ano

seguinte, a Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde, organizada pela OMS

e pelo UNICEF, na cidade de Alma-Ata, Cazaquistão, formulou proposições que

preconizavam a SPT 2000. Os princípios da APS foram, então, apresentados como meio

necessário para a efetivação das propostas elaboradas durante a conferência. (CORBO;

MOROSINI, 2005; PIANCASTELLI, 2001)

A Declaração de Alma-Ata em 1978 afirmava que os cuidados primários de saúde

seriam os meios principais para que todas as populações do mundo pudessem alcançar um

padrão aceitável de saúde em um futuro próximo, apresentando como definição dos cuidados

primários de saúde

cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE, 1978)

Cueto (2004) aponta três idéias chave na Declaração de Alma-Ata: 1) a “tecnologia

apropriada”, inserida como crítica ao papel negativo da “tecnologia orientada para a doença”;

2) a crítica ao elitismo médico, reprovando a super-especialização dos trabalhadores da saúde

e as campanhas verticalizadas e 3) o conceito de saúde como ferramenta para o

desenvolvimento sócio-econômico. (CUETO, 2004, p. 1867, tradução nossa)

Para Piancastelli (2001, p. 130), ainda que já houvesse “um espaço de primeiro contato

na atenção à saúde, a catalogação da APS, como doutrina, veio dar-se na Conferência

7 No documento intitulado “Alternative Approaches to Meeting Basic Health Needs in Developing Countries”, de 1975, a OMS e o UNICEF citaram experiências bem-sucedidas de APS em países como Bangladesh, China, Cuba, Índia, Niger, Nigéria, Tanzânia, Venezuela e Iugoslávia. (CUETO, 2004, tradução nossa)

39

Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde”. Segundo Heimann & Mendonça (2005, p.

486), a Conferência lançou uma primeira aproximação entre a APS e os cuidados primários.

Com a difusão do ideário da saúde como um bem universal após a Conferência de

Alma-Ata em 1978, alguns governos passaram a agregar o acesso à assistência médica básica

ao rol dos direitos humanos. A incorporação dos primary care (cuidados primários) como

elemento fundamental do processo de hierarquização da atenção em saúde, aliada ao

entendimento de que a APS constitui-se estratégia de organização do sistema, possibilitou sua

incorporação por inúmeros países. (PIANCASTELLI, 2001, p. 131) A OMS passou a ser a

maior difusora do pensamento da APS – não mais as fundações norte-americanas – e o Banco

Mundial, o maior financiador dessas políticas. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004, p. 50)

Em 1979, a Assembléia Mundial da Saúde endossou a Declaração de Alma-Ata e

definiu o conceito de APS como

Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde. (WHO, 19788 apud STARFIELD, 2002, p. 30-31)

Segundo Heimann & Mendonça (2005, p. 487), a SPT 2000, aproximada à APS,

tornou-se importante referência para a organização dos sistemas nacionais de saúde na década

de 1980, particularmente para a América Latina. No entanto, como será descrito na seção 2.3,

na década de 1990 prevaleceram reformas de cunho neoliberal.

Barbara Starfield (2002) discorre sobre a evidência do impacto positivo da APS na

saúde das populações, oferecendo métodos inovadores para avaliar a consecução e

contribuição dos sistemas e profissionais da APS. Atribuiu à APS o conceito de nível do

sistema de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e

problemas, fornece atenção sobre a pessoa – não direcionada para a enfermidade – no

decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições não muito incomuns ou raras e

coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros.

(STARFIELD, 2002, p. 28)

8 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Primary Health Care. Geneva: World Health Organization, 1978.

40

Desde 2003, a OPAS vem conduzindo uma iniciativa de revigorar a APS. Assim,

lançou, em 2005, o documento “Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas”

(OPAS/OMS, 2005). O documento se baseia no legado de Alma-Ata e do movimento de

APS, avalia as lições aprendidas com a APS e as experiências de reformas do setor saúde nas

Américas e na Europa e atualiza um conjunto de valores, princípios e elementos essenciais

para a construção de sistemas de saúde com base na APS, pressupondo que tais sistemas serão

necessários para lidar com a “agenda inconclusa de saúde” nas Américas. Como afirma

Starfield (2002, p. 12), “uma atenção primária forte é essencial para um sistema de saúde

forte”.

De acordo com o documento, há quatro abordagens que resultaram em distintas

formas de atuação no desenvolvimento dos sistemas de saúde, no que se refere à APS, como

pode ser observado no Quadro 1.

Quadro 1 – Abordagens da Atenção Primária à Saúde

ABORDAGEM ÊNFASE

APS Seletiva Conjunto específico de atividades de serviços de saúde voltados à população

pobre

Atenção primária Nível de atenção em um sistema de serviços de saúde

“APS abrangente” de Alma-

Ata

Uma estratégia para organizar os sistemas de atenção em saúde e para a

sociedade promover saúde

Abordagem de Saúde e de

Direitos Humanos

Uma filosofia que permeia os setores social e de saúde

Fonte: Adaptado de OPAS/OMS (2005)

Estas abordagens têm relação com os diferentes enfoques sobre APS apresentados por

Vuori (1985):

- um conjunto de atividades

- um nível de atenção

- uma estratégia de organização do sistema de serviços

- uma filosofia que permeia todo o sistema de saúde.

41

Estes distintos entendimentos que formataram a ação em cuidados primários não são

contraditórios ou excludentes, podendo coexistir em um mesmo sistema de saúde, pois, como

refere Starfield (2002), não existe uma única forma de delimitação das práticas primárias em

saúde.

A APS seletiva está relacionada principalmente aos países em desenvolvimento,

concentrando-se em algumas poucas intervenções de alto impacto para combater os

problemas de saúde mais prevalentes, como a mortalidade infantil e algumas doenças

infecciosas. (OPAS/OMS, 2005)

Segundo Cueto (2004), a abordagem da APS seletiva surgiu em 1979, um ano após a

Conferência de Alma-Ata e serviu de base para uma pequena Conferência intitulada “Saúde e

População no Desenvolvimento”, patrocinada pela Fundação Rockefeller9. O termo APS foi

introduzido como o nome de uma nova perspectiva, significando um pacote de intervenções

tecnológicas de baixo custo para combater as principais doenças que acometiam os países

pobres. (CUETO, 2004, p. 1868, tradução nossa)

Inicialmente, o conteúdo do “pacote” não era completamente claro, até que se reduziu

a quatro intervenções, que se tornaram conhecidas como GOBI (das iniciais em inglês para

monitoramento de crescimento, técnicas de reidratação oral, amamentação e imunização).

Mais tarde, outras intervenções foram incluídas, passando a ser preconizadas pelo GOBI-FFF

(das iniciais em inglês para GOBI e complementação alimentar, alfabetização de mulheres e

planejamento familiar). (CUETO, 2004; OPAS/OMS, 2005)

Em relação à segunda abordagem – a APS adotada como primeiro nível de serviços de

saúde para toda a população, porta de entrada no sistema de saúde e local de cuidados

contínuos de saúde – trata-se da concepção mais comum dos cuidados primários de saúde em

países da Europa e outros países industrializados.

A “APS abrangente” baseia-se na Declaração de Alma-Ata e inclui a necessidade de

enfrentar determinantes de saúde mais amplos; acessibilidade e cobertura universais com base

na necessidade; envolvimento comunitário e individual e autoconfiança; ação intersetorial

para a saúde; e tecnologia apropriada e efetividade de custos em relação aos recursos

disponíveis. Esta forma, no entanto, foi implementada em apenas poucos países.

Já a abordagem que enfatiza a compreensão da saúde como direito humano e a

necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos da saúde encontrou muitos

9 Esta Conferência contou com a participação de líderes de diversas agências em sua organização, como o presidente do Banco Mundial, o vice-presidente da Fundação Ford e um administrador da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O UNICEF participou do encontrou e, influenciado pelo novo propósito de APS seletiva, passou também a incentivá-la e difundi-la. (CUETO, 2004, tradução nossa)

42

seguidores no movimento da Reforma Sanitária Brasileira. A sua diferença em relação à

abordagem da Declaração de Alma-Ata encontra-se mais nas implicações sociais e políticas

do que sobre a forma de atuar e os princípios propriamente ditos. (OPAS/OMS, 2005)

A OPAS admite que o conceito de APS tornou-se cada vez mais expansivo desde

Alma-Ata, porém confuso, não sendo capaz de realizar tudo o que seus defensores

pretendiam. O objetivo último desta Organização é renovar o conceito de forma a refletir

melhor as necessidades de saúde e desenvolvimento das pessoas na região da Américas,

revitalizando a capacidade dos países de elaborar uma estratégia coordenada, eficaz e

sustentável para combater os problemas de saúde existentes e melhorar a eqüidade.

2.2.1 Características da Atenção Primária

Alguns princípios são necessários para se ter uma efetiva organização de um sistema

de saúde através da APS. Merhy, Malta & Santos (2004) e Silva Jr. (2006) enumeraram os

elementos estruturais da Medicina Comunitária dos anos 1960:

- resgate à preocupação com a saúde dos grupos populacionais, embora restrita à

população local;

- oferta universal das ações preventivas e curativas, tidas como serviços básicos;

- organização hierarquizada dos serviços;

- utilização de tecnologia adequada, propondo-se uma revisão nos critérios de

seleção e utilização de tecnologias;

- utilização de equipe de saúde;

- utilização de pessoal auxiliar, visando ampliação de cobertura;

- inclusão de práticas médicas alternativas; e

- participação comunitária.

Na Medicina Comunitária, o trabalho em equipe é evidenciado como estratégia de

operacionalização dos serviços de saúde. (PEREIRA, 2005, p. 127) Para Starfield (2002, p.

46), constituem-se como principais características da APS: o primeiro contato, a

longitudinalidade, a abrangência e a coordenação (ou integração), os quais devem ser

considerados em conjunto.

43

O “primeiro contato” ou “primeiro atendimento” é uma porta de entrada, podendo a

atenção ao primeiro cuidado ser avaliada pela acessibilidade do serviço de saúde e pela sua

utilização. (STARFIELD, 2002, p. 61) Assim, um serviço de atenção primária deve funcionar

como porta de entrada do sistema de saúde, organizado em diferentes níveis de atenção e

constituindo ele mesmo um nível próprio de atenção.

A longitudinalidade é o aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu uso

consistente ao longo do tempo, pressupondo uma relação pessoal duradoura entre o paciente e

o profissional ou equipe de saúde. A construção de vínculos com a equipe de saúde é

fundamental; é determinada pela necessidade, por parte do usuário, de estabelecer um

controle sobre o seu processo de sofrimento.

A abrangência se refere ao que aqui chamaremos integralidade10. Pela integralidade,

um serviço de APS é o nível de atenção que possui a melhor condição de contextualizar o

problema de saúde e de identificar os diversos determinantes que contribuíram para a sua

manifestação. A integralidade exige que a APS reconheça, adequadamente, a variedade

completa de necessidades relacionadas à saúde do paciente e disponibilize os recursos para

abordá-las, constituindo um mecanismo importante porque assegura que os serviços sejam

ajustados às necessidades de saúde. (STARFIELD, 2002)

A coordenação (integração) da atenção é a capacidade de um serviço centralizar e

disponibilizar informações a respeito de problemas e serviços anteriores utilizados pelo

paciente, objetivando a construção de uma sólida base de informações. Deve integrar ou

coordenar os serviços prestados pelos diferentes profissionais da equipe. (STARFIELD, 2002,

p. 368)

Ao renovar a APS, a OPAS/OMS (2005) almeja difundir valores, princípios e

elementos estruturais e funcionais. Entre eles, destacamos os valores de eqüidade,

solidariedade e o direito ao mais alto nível de saúde possível, valor este expresso em muitas

constituições nacionais – como na Constituição Brasileira – e articulado em tratados

internacionais. (OPAS/OMS, 2005, p. 8)

A OPAS reafirma os princípios de Alma-Ata, agregando outros, como receptividade,

orientação de qualidade, responsabilização governamental, justiça social, sustentabilidade,

participação e intersetorialidade.

Os elementos tratam, principalmente, de estruturar um sistema de saúde com base na

APS, garantindo a cobertura e o acesso universal a serviços à população, a oferta de cuidados

10 Mattos (2001b) apresenta para a integralidade não um conceito, mas sentidos, que serão abordados e desenvolvidos no capítulo 3, subseção 3.2.1 Integralidade nos modos de fazer saúde.

44

abrangentes e integrados, a prevenção e a promoção e o cuidado no primeiro atendimento. As

famílias e as comunidades constituem a base de planejamento e ação e deve-se desenvolver

mecanismos ativos para maximizar a participação individual e coletiva em saúde.

2.3 A ATENÇÃO PRIMÁRIA NO CONTEXTO DAS REFORMAS DA SAÚDE

As mudanças e reformas no setor saúde têm produzido impactos na implantação da

APS nos diferentes países. Vários movimentos de reforma, engendrados nos países

desenvolvidos, tiveram repercussão nos países da América Latina, inspirando propostas de

mudanças tanto na formação dos profissionais de saúde quanto na reorganização dos serviços

de saúde. (CANESQUI; OLIVEIRA, 2002, p. 241)

Canesqui & Oliveira (2002, p. 242) mostram que desde a década de 1950 alguns

movimentos de reforma foram propostos e contrariaram a excessiva técnica e especialidade

no ensino médico, bem como o hospital como única forma de efetivá-lo. Com isso, diversos

modelos e estratégias foram concebidos para recompor os atos médicos e reorientar os

serviços de saúde.

No entanto, a onda neoliberal, originada em meados da década de 1970 nos países

desenvolvidos, tem tido como alvo freqüente as políticas sociais, como as de saúde. Segundo

Elias (2005, p. 61), neste contexto, a temática da saúde foi “reuniversalizada”, porém através

de uma vertente predominantemente economiscista e inserida nas mudanças para uma nova

ordem mundial.

Verifica-se a participação de organismos e agências internacionais no debate do setor

saúde, influência esta que não é recente. Não faz parte do presente trabalho o aprofundamento

da discussão acerca da participação dessas ou de outras entidades no debate da saúde, mas é

importante considerar alguns elementos como a tese da oferta de idéias e sugestões que tais

agências têm feito desde o século passado e que de alguma forma podem ter induzido ou

fomentado a formulação de políticas pelos governos para o setor. Mattos (2001a) faz uma

síntese das iniciativas dos organismos relacionadas ao setor saúde e destaca o papel exercido

pelo Banco Mundial nas décadas de 1980 e 1990.

Para meados da década de 1980, o autor aponta a decisão do Banco em ingressar no

debate acerca das políticas de saúde, produzindo o documento intitulado “Financiando

serviços de saúde: uma agenda para reforma”. Naquele momento, o Banco Mundial

apresentava uma proposta de redução da responsabilidade dos governos no financiamento dos

45

serviços de saúde. Esta política apontava para uma nova ordem mundial que vinha se

configurando, diminuindo atribuições do Estado embora, para Mattos (2001a), o argumento

do Banco – reconhecendo algum grau de participação dos governos – partisse de um “ponto

de vista mais ameno” de modo a possibilitar um maior diálogo com outras agências.

No início dos anos 1990, o Banco alterou seu enfoque, surgindo “a idéia de construir

um critério de efetividade em termos de custo, que seria útil, principalmente, na construção de

um pacote de intervenções a ser financiado pelos governos dos países em desenvolvimento”.

(MATTOS, 2001a, p. 385)

Para Viana & Dal Poz (1998), o processo de reformas dos sistemas nacionais de saúde

vivenciados por vários países na década passada constitui o que chamam de “agenda global da

saúde”, assim constituída: separação das funções de provisão e financiamento das ações de

saúde; inclusão de mecanismos de mercado; ênfase na efetividade clínica; e mudanças na

concepção de saúde e no papel dos usuários nos sistemas de saúde. Estes autores baseiam-se

na leitura de que a implementação dessa agenda de reforma e os resultados obtidos

dependeriam de três variáveis: exigências econômicas, interesses organizados e dimensão

política. (VIANA; DAL POZ, 1998, p. 8)

É, no entanto, o enfoque economicista apontado por Mattos (2001a) que predomina no

“Informe sobre o Desenvolvimento Mundial” elaborado pelo Banco Mundial, em 1993,

dedicado ao tema “Investir em Saúde”. A tônica do documento passa pela divisão das ações

entre os setores público e privado, recomendando aos países em desenvolvimento a adoção de

um Sistema de Saúde em que fosse responsabilidade do Estado a universalização da

assistência básica à saúde. Em outras palavras, haveria um mínimo a ser financiado por cada

governo, um pacote essencial, composto exclusivamente de intervenções altamente custo-

efetivas; a expansão deste “pacote”11 caberia à avaliação de cada governo. A assistência

especializada e com grande incorporação tecnológica, ou as intervenções de saúde que não

fossem tão custo-efetivas como as do pacote de cuidados essenciais, seria prestada/ financiada

pelo setor privado12. (ELIAS, 2005; MATTOS, 2001a)

11 O pacote era composto tipicamente por ações classificadas como tecnologias simples e de alto impacto, como vacinação, pré-natal, ações de promoção e prevenção da saúde, o mesmo conjunto de ações que compõem a atenção primária desde sua origem. (IBAÑEZ et al., 2006) Vale destacar que a idéia de “pacote” ou “cesta” básica de serviços de saúde não é uma produção do Banco Mundial nos anos 1980 ou 1990, mas desde 1979 foi tomada como política dentro da APS seletiva por outras agências, como a Fundação Rockfeller e o UNICEF, como já foi apontado. 12 Um exemplo do empenho de agências em induzir este debate e como a reforma do Estado se expressou no Brasil foi a realização de um Seminário com o tema “A Separação do Financiamento e da Provisão de Serviços no Sistema Único de Saúde”, ocorrido no Rio de Janeiro, nos dias 13 e 14 de abril de 1999. O Seminário foi realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Banco Mundial e o DFID – Departamento para Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, contando também com apoio do Banco do Brasil. (BRASIL;

46

Para Elias (2005), esta situação denota as relações de determinação entre política de

saúde, organização de serviços e as concepções de Estado a elas subjacentes. Desse modo, a

correspondência para um Estado provedor da assistência básica universalizada e incentivador

do setor privado na assistência especializada é uma política de saúde que garanta serviços

básicos a toda a população e serviços especializados dependentes de financiamento privado,

individual ou coletivo. A forma de organização dos serviços de saúde é delimitada por esta

política. (ELIAS, 2005, p. 64) O modelo assistencial estaria assim delimitado por esta

política.

O Relatório do II Seminário Internacional de Experiências em Atenção Básica e Saúde

da Família expressa que “as estratégias de Atenção Básica e de Saúde da Família fazem parte,

sem dúvida, de um amplo quadro de reformas do setor saúde que se instalou em todo o mundo

nos últimos anos”, mas aponta que não existe uma “receita” universal de reformas. (BRASIL,

2002, p. 1) Esse documento resume um panorama internacional, particularmente o latino-

americano, onde as reformas têm se concentrado

em alguns aspectos ligados à gestão e relacionados com a eficiência econômica, mas não têm convergido adequadamente para os processos de mudança verificados na noção de seguridade social. As questões de eqüidade, proteção social, qualidade da assistência e reorientação do modelo de atenção têm sido tratadas de forma marginal. (BRASIL, 2002, p. 2)

Observamos que o enfoque é, de fato, economicista, como afirmou Mattos (2001a). A

seletividade que caracterizou a APS no cenário de crise econômica da década de 1980 e a

emergência de governos neoliberais nos países desenvolvidos, de onde se originou boa parte

das agências que apóiam projetos de ajuda ao desenvolvimento de países pobres, colaboraram

para a disseminação de programas seletivos de atenção primária. (CUETO, 2004)

As políticas de ajuste estrutural e as idéias sobre reforma do Estado tinham finalidade

de reduzir os gastos públicos, o que influenciou na diminuição das generosidades entre nações

e nos projetos de baixo custo e curto prazo. Os princípios da focalização e da seletividade

ganharam destaque na agenda dos organismos de cooperação internacional e passaram a

orientar a ação de instituições como o Banco Mundial, principal difusor dessas idéias.

(IBAÑEZ et al., 2006)

BANCO MUNDIAL, 2001) Este tema será debatido e confrontado com o caso brasileiro ao longo do presente capítulo.

47

Corbo & Morosini (2005, p. 163) ressaltam que o modelo de APS teve diferenciadas

interpretações. Por um lado, a APS foi interpretada como programa focalizado para

populações empobrecidas, com baixa incorporação tecnológica, utilização de força de

trabalho pouco qualificada e com pouca efetividade na resolução dos problemas de saúde das

populações. Induzida, entre outros, por organismos internacionais e aliada a propostas de

reformas de ajuste econômico, como identificamos anteriormente, a APS, nesta formulação,

pressupôs uma atenção de baixo custo, descontinuada e sem articulação com os outros níveis

do sistema de saúde. Por outro lado, foi também concebida como um modelo de organização

dos sistemas de saúde, estruturando-se e organizando-se de forma a procurar atender às

necessidades de saúde da população, articulada com os outros níveis.

Estas interpretações guardam relações com as de Cueto (2004) quanto às diferentes

abordagens da APS (Cf. OPAS/OMS, 2005). Segundo o autor, o surgimento da APS seletiva

produziu debates, principalmente com os defensores da “APS abrangente” de Alma-Ata.

Alguns consideravam a APS seletiva complementar; outros, uma contradição com a

Declaração de Alma-Ata.

Os partidários de uma APS abrangente acusavam a APS seletiva de ser um modelo

tecnocrático estreito que desviava a atenção da saúde básica e do desenvolvimento sócio-

econômico, não sendo dirigida às causas sociais. Cueto (2004) afirma que, em sua versão

mais radical, a APS seria um adjunto da revolução social; em sua versão mais moderada, uma

adição aos serviços médicos pré-existentes, o primeiro contato, uma extensão dos serviços às

áreas rurais ou, ainda, um pacote de intervenções da APS seletiva. A esta última, foram feitas

críticas emblemáticas pela esquerda acadêmica na América Latina, sendo significativa a de

que “primária” realmente significava atenção “primitiva” à saúde e a de que era um meio de

controle social13 da pobreza. (CUETO, 2004) A APS seletiva tornou-se o modo dominante de

atenção primária em muitos países – embora fosse considerada, inicialmente, uma estratégia

provisória –, prosseguindo por meio de programas verticais de sub-populações ou específicos

por doença. (OPAS/OMS, 2005)

Baseados em estudos que analisaram as limitações de propostas subsidiárias da APS e

focalizadas em populações pobres, Teixeira & Solla (2005) mostraram que havia dois

caminhos distintos: a possibilidade de construção de um Estado de Bem-Estar Social14 nos

países industrializados e desenvolvidos ou, simplesmente, a constituição de sistemas que, ao

13 No sentido de haver um controle sobre e não da população. 14 Não se trata, necessariamente, de privilegiar a APS seletiva, mas da ênfase à APS e não ao Estado de Bem-Estar Social. É fundamental lembrar que esta noção está ligada à de Seguridade Social, que exige, mais que políticas de saúde, políticas de proteção social.

48

privilegiar a APS, promovessem o acesso de serviços básicos às populações excluídas,

proposta essa defendida para os países de Terceiro Mundo15.

Ao Brasil coube o segundo caminho.

2.4 CAMINHOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL

A incorporação das propostas da Atenção Primária à Saúde nas práticas e organização

dos serviços de saúde no Brasil tem ocorrido de forma intensa. No entanto, antes que as

estratégias internacionais para promover a extensão da APS a partir de Alma-Ata se

delineassem, várias experiências no país já tinham sido levadas a caso no sentido de estruturar

redes básicas calcadas na Saúde Pública e na atenção ambulatorial, estimulando a participação

das populações ou o trabalho de agentes de saúde. (CANESQUI; OLIVEIRA, 2002)

Silva & Dalmaso (2002) descreveram a trajetória de iniciativas de extensão de

cobertura da saúde no Brasil em um trabalho acerca da prática e identidade dos agentes

comunitários de saúde (ACS). Baseadas na consolidação feita por tais autoras, Corbo &

Morosini (2005) buscaram elementos nos programas de extensão de cobertura que foram

inspiradores para a construção da Estratégia de Saúde da Família.

Corbo & Morosini (2005, p. 157) apontam a criação do Serviço Especial de Saúde

Pública (SESP) e a implantação dos Programas de Extensão de Cobertura (PECs) como

propostas que contribuíram para o surgimento das diretrizes e dos princípios do que veio a se

conformar como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde

da Família (PSF).

O SESP foi criado em 1942 como conseqüência de um convênio firmado entre o

Brasil e os EUA e desenvolvia ações na região Amazônica e do Vale do Rio Doce, grandes

produtores de borracha e minério de ferro, respectivamente, que interessavam aos EUA por

serem matérias-primas importantes para sua ofensiva de guerra.

A partir da década de 1950, o SESP expandiu-se em várias regiões do país. Em 1960,

foi transformado em Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (F. SESP), vinculada ao

15 Para Cueto (2004), mesmo a APS apresentava dois caminhos: a APS [abrangente de Alma-Ata] e a APS seletiva. As duas concepções que se assumiam eram, para a primeira, o reconhecimento de que as doenças nos países menos desenvolvidos são social e economicamente sustentadas e precisam de resposta política. Para a segunda, assumia-se que as principais doenças nos países pobres eram uma realidade natural e precisavam de soluções tecnológicas adequadas. Essas duas idéias foram tomadas – mesmo antes da configuração da APS – representando um dilema, e um outro caminho foi escolhido. (CUETO, 2004, p. 1872, tradução nossa) Pode-se dizer que no Brasil mais de uma abordagem da APS, em diferentes momentos históricos, foi seguida, como trataremos adiante.

49

Ministério da Saúde (MS). Em 1990, foi integrada à Fundação Nacional de Saúde

(FUNASA). Para Silva & Dalmaso (2002), a F. SESP funcionou como “laboratório” para o

aperfeiçoamento de práticas, diretrizes e princípios que vieram a se colocar para o PACS e o

PSF. Segundo as autoras, algumas das principais diretrizes destes programas já faziam parte

do modelo de assistência desenvolvido pela F. SESP, como a oferta organizada de serviços na

unidade, no domicílio e na comunidade; a abordagem integral à família; a adscrição de

clientela; o trabalho com equipes multiprofissionais; o trabalho com a comunidade; o enfoque

intersetorial; o tratamento supervisionado para o controle de doenças prevalentes e a

realização de visitas domiciliares. (SILVA; DALMASO, 2002, p. 26)

Em 1972, o II Plano Decenal de Saúde para as Américas, oriundo da III Reunião

Especial dos Ministros de Saúde da América Latina, recomendava a todos os países a

extensão de cobertura dos serviços de saúde. (SOUZA, 1980, p. 78) No Brasil, os PECs

encontravam-se expressos no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), referente ao

período de 1975-79, contendo metas próprias para a política social. As pressões por reforma

na política de saúde possibilitaram transformações concretas, como a formação do Sistema

Nacional de Saúde (SNS) em 1975, um modelo nacional de política de saúde que pela

primeira vez desenvolvia ações nos três níveis de governo de forma integrada, e a promoção

do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) em 1976.

Os PECs adquiriram, neste contexto, espaço para o seu desenvolvimento, surgindo

como proposta governamental de atendimento às necessidades básicas de saúde da população,

até então sem assistência. Estes programas se baseavam nas concepções do movimento de

Medicina Comunitária, como “a integração de atividades preventivas e curativas voltadas para

o indivíduo e a coletividade, a utilização de equipes de saúde, o uso de tecnologias

apropriadas e o recurso à participação comunitária”. (CORBO; MOROSINI, 2005, p. 159)

Segundo Corbo & Morosini (2005), os PECs de maior expressão foram o Programa de

Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) e o PIASS, instituídos no âmbito do II

PND. Criado em 1975, em colaboração com o Ministério da Educação e a OPAS, o PPREPS

tinha como objetivo preparar trabalhadores visando a um processo de extensão de cobertura

adequado às diferentes necessidades de diversas regiões brasileiras.

De acordo com Souza (1980, p. 78), reiteradas denúncias de crise no setor saúde na

década de 1970 em diversos países abriram campo para experiências alternativas de prática

médica estimuladas por organismos internacionais ligados ao ensino e serviço. A partir de tais

experiências, desenvolveram-se conceitos como a regionalização, hierarquização e integração

dos serviços com ênfase em ações de cuidados primários, desenvolvidas por profissionais de

50

nível auxiliar, e na participação da comunidade. Para o autor, esse conjunto de antecedentes

viria a criar condições para o surgimento do PIASS, em agosto de 1976.

O PIASS estendia os serviços de atenção básica à saúde à Região Nordeste e

configurava-se como a primeira medida de universalização do acesso à saúde. Suas diretrizes

básicas eram a ampla utilização de pessoal de nível auxiliar, pertencentes à própria

comunidade; encaminhamento a serviços especializados; a participação comunitária e a

desativação gradual de unidades itinerantes de saúde que seriam substituídas por serviços

básicos de saúde permanentes. O PIASS constituiu-se no tema central da VI Conferência

Nacional de Saúde, realizada em 1977. (TANAKA et al., 1992)

Quanto a sua estrutura e organização, a instalação da rede de serviços de saúde seria

feita através de módulos básicos, um conjunto formado por postos de saúde localizados em

comunidades rurais, apoiados por uma unidade de maior porte, o centro de saúde, situado na

sede do município. Isso dava a dimensão do que era compreendido como “extensão de

cobertura”:

Extensão de cobertura entendida não apenas como proporção numérica entre população atingida e a população total, mas como o resultado de uma oferta eficaz e sistematizada dos serviços básicos de saúde que satisfaçam às necessidades da população, dispostos em lugares acessíveis, garantindo o acesso aos diferentes níveis de atenção do sistema de saúde. (SOUZA, 1980, p. 82)

Embora tenha sido “proposto como expressão de política pública, em contexto de

regime de exceção, no bojo das medidas que visavam à manutenção da estrutura de poder

dominante”, (SILVA; DALMASO, 2002, p. 64) o PIASS é avaliado por alguns autores como

uma experiência bem-sucedida, pois possibilitou a melhora na saúde da população do

Nordeste do país a partir da implantação de uma estrutura básica de saúde pública nas

comunidades de até 20.000 habitantes. (BAPTISTA, 2005; SOUZA, 1980)

Em 1980, a VII Conferência Nacional de Saúde, cujo tema era “Extensão das Ações

de Saúde através dos Serviços Básicos”, apresentou uma proposta de reformulação da política

de saúde e a formulação do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-

SAÚDE). Este Programa consistia em uma proposta de expansão do PIASS nacionalmente,

visando a estabelecer uma rede de serviços básicos no país que oferecesse cuidados primários

de promoção, proteção e recuperação da saúde, tendo como meta a cobertura de saúde a toda

a população. (CAMPOS; BAHIA, 1993; MACEDO, 1980)

51

A idéia de organização do sistema de saúde através da APS já era evidente naquele

momento, como verificamos no trecho a seguir:

Os serviços básicos de saúde devem constituir um programa nacional prioritário e axial da política de saúde do governo, ordenador principal das ações governamentais na área da saúde e das relações entre as diversas instituições públicas de saúde, nos três níveis de nossa organização político-administrativa. O Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde – PREV-SAÚDE – terá como objetivo a extensão dos serviços de saúde a toda a população brasileira, o mais rapidamente possível, implicando em implantação acelerada de uma rede básica de unidades de saúde de cobertura universal, com prioridade para as populações rurais, de pequenos centros e de periferias das grandes cidades. Os modelos de serviços devem adequar-se às peculiaridades regionais, sem prejuízo do cumprimento do núcleo mínimo de ações e máxima simplificação recomendável de tecnologias e recursos utilizados. (MACEDO, 1980, p. 23)

A ênfase dada à APS durante a ditadura militar era, portanto, a de uma política

simplificada e focalizada nas camadas mais pobres, como é o caso das populações rurais e das

periferias dos grandes centros urbanos, travestida de mudança rumo à universalização do

acesso aos serviços de saúde.

O PREV-SAÚDE acabou não sendo incorporado como política pelo governo nem

sendo estabelecido na prática, mas revelou um momento inédito de entrada do discurso da

Reforma Sanitária na arena de discussão institucional de saúde. (BAPTISTA, 2005, p. 27)

No início da década de 1980, procurou-se consolidar o processo de expansão de

cobertura iniciado em meados dos anos 1970, em atendimento às proposições formuladas pela

OMS na Conferência de Alma-Ata (1978), especialmente por meio da APS. (VECINA

NETO; CUTAIT; TERRA, s.d.)

A Conferência de Alma-Ata enfatizou a necessidade de que os países em

desenvolvimento, entre eles o Brasil, implementassem políticas de saúde capazes de melhorar

os indicadores de morbi-mortalidade de seus povos, principalmente com ações de controle das

doenças transmissíveis, entre elas, a vacinação. Como fruto de outros debates nacionais,

porém nessa mesma época (1982), o governo brasileiro criou o Plano de Reorientação da

Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social (Plano do Conselho Nacional de

Administração da Saúde Previdenciária – Plano CONASP). (GONÇALVES; ALMEIDA;

GERA, 1996; TANAKA et al., 1992) Dentre as propostas de intervenção do Plano CONASP,

destacavam-se as Ações Integradas de Saúde (AIS), que retomariam a estratégia apresentada

no PREV-SAÚDE.

52

As AIS eram uma proposta de universalização do direito à saúde, com serviços de

saúde compondo um sistema unificado, regionalizado e hierarquizado. (BAPTISTA, 2005;

CAMPOS; BAHIA, 1993; TANAKA et al., 1992) Implantadas a partir de 1983, fizeram parte

do processo de avanço dos debates sobre a saúde, consolidando “a proposta de

descentralização como única alternativa para constituição de um sistema de saúde adequado

às reais necessidades da população, viabilizando sua universalização e eqüidade”. (COHN,

2005, p. 47)

Além das propostas e programas aqui apresentados, majoritariamente oriundos de

iniciativas do governo federal e, em especial durante a ditadura militar, permeados por fortes

características do autoritarismo, alguns municípios implementaram alternativas incorporando

serviços destinados à Atenção Primária à Saúde da população já durante a década de 1980.

Em parceria com as universidades, diversos municípios organizaram uma rede de Unidades de

Saúde para Atenção Primária, como Niterói, Londrina e Campinas, entre outros. (SILVA Jr.,

1997)

Aliado a isso, o Movimento de Reforma Sanitária elaborou críticas ao modelo médico-

hegemônico no país almejando a transformação do sistema de saúde. O Movimento de

Reforma Sanitária, ao mesmo tempo em que criticava a desigualdade do acesso aos serviços

de saúde, a inadequação dos serviços às necessidades da população, a qualidade insatisfatória

dos serviços e a ausência de integralidade, propunha o reconhecimento da saúde como direito

do cidadão, a universalização e eqüidade, a continuidade e melhoria da qualidade dos serviços

e a integralidade das ações. (PAIM, 1999a) Tinha-se em vista a importância da política

pública de saúde para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária,

considerando a descentralização, universalização e unificação como elementos essenciais para

a reforma do setor. (VECINA NETO; CUTAIT; TERRA, s.d.)

Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde consagrou tais anseios. Em

consonância com o caminho traçado pela política de saúde, desde a proposta das Ações

Integradas de Saúde, bem como do Sistema Único e Descentralizado de Saúde (SUDS)16,

conduziu ao processo de implantação do SUS, gravado na Constituição de 1988 e Lei

Orgânica da Saúde (LOS).

No entanto, os primeiros anos da implementação do SUS foram bastante conturbados.

Ainda no esforço de institucionalização, o Brasil apresentava um sistema de saúde composto,

de um lado, por serviços públicos prestados pelas próprias instituições governamentais ou por

16 Posterior às AIS, em 1987, o SUDS avançou na descentralização da saúde, permitindo maior autonomia e responsabilidade aos estados.

53

compra de serviços de terceiros para grupos sociais de média e baixa renda, a ampla maioria

da população. De outro, pela prestação privada de serviços e planos privados de saúde para os

grupos de renda mais elevada e uma parcela dos trabalhadores urbanos das atividades

industriais e de serviços pertencentes ao setor mais dinâmico da economia. Para Elias (2005),

Essas características concorrem para a configuração de um tipo de “Sistema” segmentado na prestação da assistência e no acesso aos serviços, iníquo no atendimento das necessidades sociais, desprovido de controle público eficaz, desarticulado na prestação da assistência e indutor da separação entre as ações de saúde nos planos da atenção individual e coletiva. (ELIAS, 2005, p. 70)

Para alguns autores, a reforma no setor saúde brasileiro proposta pelo Governo Federal

nos anos 1990 era coerente com o que agências internacionais (como o Banco Mundial)

propunham aos países da América Latina, procurando combinar estratégias de mercado com

medidas compensatórias para a parcela da população sem condições de acessá-lo. Deste

modo, estaria garantida uma “cesta mínima de serviços de saúde” aos cidadãos mais pobres e,

àqueles em condições sócio-econômicas mais favoráveis, a oferta de produtos de saúde para

compra no mercado, público ou privado. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005; MERHY;

ONOCKO, 2002)

No início da década de 1990, propôs-se uma rede de estabelecimentos de saúde no

Brasil voltada fundamentalmente para a assistência básica de saúde, sendo o setor público

responsável principalmente pelos serviços de APS. Os estabelecimentos assistenciais que se

dedicavam à APS eram principalmente o posto de saúde, com procedimentos mais

simplificados, praticamente sem incorporação de equipamentos e contando apenas com

trabalhadores de nível elementar ou médio, e o centro de saúde, mais complexo que o posto

de saúde, com assistência médica com pequena incorporação tecnológica e dispondo

continuamente de profissionais de nível superior. (ELIAS, 2005, p. 76)

A APS foi reformulada no Brasil, ganhando a denominação de “Atenção Básica” no

âmbito do SUS e uma nova qualificação a partir da criação do Programa Saúde da Família

(PSF), como será visto a seguir.

54

2.4.1 Atenção Primária, Atenção Básica e Saúde da Família: um debate semântico? (ou Um campo de práticas brasileiro)

No âmbito do SUS, o nível de atenção à saúde que incorpora a abordagem da APS

denominou-se Atenção Básica (AB). Esta formulação foi feita com intuito de “construir uma

identidade institucional própria, capaz de estabelecer uma ruptura com uma concepção

redutora desse nível de atenção”. (BRASIL, 2003c, p. 7)

Em 2006, foi publicada a Portaria MS nº 648, a respeito da Política Nacional de

Atenção Básica (PNAB). O documento apresenta a seguinte definição para a AB:

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social. (BRASIL, 2006b, p. 10)

Esta formulação incorporou uma série de características da APS, porém identificada

como AB. A denominação de AB é anterior a essa Portaria e prevaleceu ao termo APS nos

anos 1990, como pode ser observado nos vários documentos daqueles anos referentes às

políticas de saúde e à própria AB. Teixeira & Solla (2005) identificam a APS como tendo sido

“renomeada” no Brasil para AB e alguns autores consideram APS e AB sinônimos, como

fizeram Piancastelli (2001) e outros, citados por Gil (2006).

No entanto, Heimann & Mendonça (2005, p. 486) demonstram que há diferenças

substantivas entre estas duas expressões. Elas descrevem o surgimento da APS numa

perspectiva restrita, associada à racionalização dos gastos hospitalares, porém ampliado

através das propostas difundidas a partir de Alma-Ata, em 1978. O projeto SPT 2000 teria

tomado o modelo da multicausalidade como modelo explicativo da saúde e da doença,

mantendo o paradigma da clínica.

O Movimento Sanitário no Brasil incorporou parte das críticas através da substituição

do paradigma da multicausalidade pelo paradigma da determinação social da doença. Isso

levou à proposição de uma reorganização dos serviços de saúde em um sistema integrado e

55

que amplia o acesso a todos os níveis de atenção em função das necessidades, demandas e

representações da população. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 487)

No caso brasileiro, Gil (2006) explica que essas primeiras experiências de implantação

de serviços municipais de saúde no final da década de 1970 e início dos anos 1980 foram

inspiradas no referencial da APS proposto em Alma-Ata. Porém, com o transcorrer do tempo

e desenvolvimento do SUS, este referencial foi sendo substituído gradativamente e fortalecido

com a concepção de AB, tal como foi assumida pelo MS.

Em realidade, não existem bases que diferenciem as abordagens de AB e APS: suas

características, definições e ênfases apontam para o mesmo caminho. Importa definir quais

são os serviços de primeiro contato e os princípios que os regem; importa organizá-los como

primeiro nível de atenção à saúde da população, não relevando tanto diferenciar os termos.

As diferenças entre os termos e os tempos – políticos e ideológicos – em que têm sido

adotados esses termos permitem compreender que o processo em curso é permeado por

conflitos17 e desafios. É neste contexto que surge o PSF, estratégia prioritária para

organização do campo de acordo com os preceitos do SUS.

No início da década de 1990, o Brasil apresentava, de um lado, a carência de cobertura

na saúde associada à crise de financiamento do setor; de outro, os resultados positivos

alcançados pela experiência nacional do PACS quanto à diminuição da mortalidade infantil e

materna. Assim, tornou-se pauta política do MS a viabilização de uma proposta para a APS

capaz de ampliar a capacidade resolutiva do PACS e de criar condições para sua expansão em

direção aos centros urbanos.

O PIASS foi importante para a multiplicação das práticas de saúde com ACS. Em

1991, foi formulado o PACS, começando pelos estados do Nordeste e estendendo-se, a seguir,

para a Região Norte. (SILVA; DALMASO, 2002)

A primeira experiência em ampla escala de utilização dos ACS ocorreu no Ceará,

entre 1987 e 1990, através do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Em

1991, o MS adotou o programa, implementando-o nacionalmente. A partir dele,

institucionalizou as experiências que já vinham ocorrendo de maneira isolada e focalizada em

diversas regiões do país e, principalmente, garantiu legitimidade à função dos ACS, que

passaram a atuar sob a avaliação e supervisão de um enfermeiro. O PACS é considerado uma

17 Como mencionamos no capítulo 1, escolhemos utilizar prioritariamente o termo atenção primária à saúde, considerando “primária” como primordial, referindo-se à atenção primeira a que os indivíduos devam ter acesso. Ademais, é como APS que este nível de atenção é trabalhado internacionalmente e sua utilização favorece os diálogos com as formas como outros países a encamparam, como é o caso de Cuba, Canadá e Espanha, por exemplo.

56

estratégia transitória para o PSF. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005; SILVA; DALMASO,

2002; VIANA; DAL POZ, 1998)

A escolha do agente e as condições institucionais da gestão da saúde em nível local

para implantação do PACS são considerados elementos importantes por Viana & Dal Poz

(1998), para quem ele não representou apenas mais um programa vertical do MS, mas foi um

instrumento na implementação do SUS e na (re)organização dos modelos locais de saúde.

(VIANA; DAL POZ, 1998, p. 10)

Com intuito de reorganizar a prática assistencial em novas bases e critérios, surgiram

programas em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de

doenças no hospital. (MERHY; FRANCO, 2000; BRASIL, 2001) Em 1994, o PSF é

concebido como instrumento de reorganização do SUS e de municipalização, incorporando a

experiência anterior do PACS e alternativas de implantação de serviços de APS que vinham

sendo implementadas por alguns municípios brasileiros. É o caso das propostas da Medicina

Geral e Comunitária (Porto Alegre, 1983), da Ação Programática em Saúde (São Paulo, anos

1970), Programa Médico de Família (PMF) (Niterói, 1992)18 e o modelo Em Defesa da Vida

(Campinas, final dos anos 1980). Corbo & Morosini (2005, p. 164) destacam duas

experiências como sendo as mais próximas e de repercussão mais imediata na formulação do

PSF: o PMF, em Niterói, elaborado a partir do “Plano Médico de Família de Cuba”, planejado

com apoio de consultores cubanos e implantado em 1992; e o Serviço de Saúde Comunitária

do Grupo Hospitalar Conceição, de 1983.

As origens da proposta do PSF remontam, ainda, ao surgimento e à difusão do

movimento de Medicina Comunitária estruturado nos EUA na década de 1960. Este modelo

foi difundido a vários países da América Latina, como já foi posto, vindo a ser absorvido

como fundamentação da política de organização da APS no Brasil. (TEIXEIRA; SOLLA,

2005, p. 463)

18 O Ministério da Saúde, ao adotar o Programa de Saúde da Família, contou com a participação permanente da equipe Coordenadora Municipal de Niterói em seu corpo de colaboradores. Mais tarde, este intercâmbio permitiu a ampliação do Programa Médico de Família em Niterói. (NITERÓI, 1997)

57

2.4.2 A Institucionalização do Programa Saúde da Família O PSF, ao enfocar a família e não o indivíduo, ao agir preventivamente sobre a

demanda, reorganizando-a, e ao promover a integração com a comunidade e em um enfoque

menos reducionista sobre a saúde, foi considerado por Viana & Dal Poz (1998) um

instrumento de (re)organização dos modelos locais de saúde. Na década de 1990, programas

como o PSF passaram a ser incentivados através de recursos financeiros destinados à APS,

verificando-se uma expansão desta principalmente no período posterior a 1996. Naquele ano,

foi aprovada a Norma Operacional Básica do SUS 01/96 (NOB 96). Com isso, o PSF foi

institucionalizado, ganhando significativa evidência. A NOB 96 enfatizou a implantação do

PSF, sendo ele parte de um conjunto de medidas e iniciativas que visavam o fortalecimento da

AB, segundo os princípios e diretrizes do SUS. (BRASIL, 1996, 2003a; MARQUES;

MENDES, 2002, 2003)

A NOB 96 estabeleceu como uma das formas de repasse de recursos aos municípios o

Piso da Atenção Básica (PAB)19, que possui dois componentes: um fixo (PAB fixo) e um

variável (PAB variável). Através do PAB variável, alguns programas e ações passaram a ser

incentivados financeiramente, como é o caso do PSF.

Por um lado, a NOB 96 aponta relações de independência do município como gestor

pleno, mas, por outro, propõe projetos de incentivos de financiamento das ações de saúde de

modo verticalizado. Segundo Bueno & Merhy (1997), a NOB 96 fere a autonomia do

município enquanto gestor único do sistema na esfera local, “impedindo ou pelo menos

induzindo os programas prioritários, não definidos nos fóruns deliberativos locais de controle

social”. Ao município que desenvolva programas como o PSF, o PACS e outros previstos no

PAB, é ofertado um financiamento fragmentado sob a forma de uma “cesta básica” ou

“pacote” da atenção à saúde, comprometendo a integralidade da atenção. Esta atitude, que

penaliza os municípios que não adotem o PSF e o PACS (BUENO; MERHY, 1997),

encontra-se em consonância com a lógica neoliberal que permeia a Reforma do Estado desde

a década de 1990, como discutimos anteriormente.

Para Corbo & Morosini (2005), a partir de 1996, o MS começou a romper com a idéia

de programa, que estava vinculado à idéia de verticalidade e transitoriedade. Assim, passou-

se a utilizar a denominação de estratégia de Saúde da Família, por considerá-la a estratégia

19 Com a publicação da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) em 2001, o PAB foi ampliado – PAB-A [ampliado]. Dessa forma, a NOAS ampliou as responsabilidades da AB, possibilitando a remuneração de um conjunto de procedimentos assistenciais, terapêuticos e de apoio diagnóstico de média e alta complexidade para referência da AB. (BRASIL, 2003b; HEIMANN; MENDONÇA, 2005)

58

escolhida para reorientação da atenção à saúde no país. Nesse período, ainda, o PSF começou

a ter uma integração maior com o PACS, apontando para uma maior integração – e fusão –

dos dois programas. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005; VIANA; DAL POZ, 1998)

Em 1999, o financiamento mudou da lógica de número de equipes implantadas para

percentual de cobertura populacional realizado pelas equipes. Em 2003, foi definido um

financiamento diferenciado para a implantação do PSF em grandes centros urbanos, no

âmbito do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF). A

estratégia foi negociada ao final de 2002 no Governo Fernando Henrique Cardoso

(HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 494), mas a opção política por reorientar o modelo de

atenção à saúde a partir da reorganização das ações básicas permaneceu como prioridade na

agenda política do Governo Lula.

Desenvolvido pelo MS, apoiado pelo Banco Mundial e instituído como linha de

financiamento na rede do SUS para organizar a APS pela Estratégia de Saúde da Família, o

PROESF teve como objetivo o apoio à organização e ao fortalecimento da APS no país

através do investimento em estratégias de qualificação dos trabalhadores e de monitoramento

e avaliação da AB. Os recursos disponibilizados pelo projeto visavam a auxiliar a implantação

e consolidação do PSF nos municípios com mais de 100 mil habitantes por meio da

reestruturação das unidades e equipes do programa, da integração com os outros níveis do

SUS e do aperfeiçoamento da gestão do sistema. (BRASIL, 2005b; CORBO; MOROSINI,

2005)

O foco do PROESF nesses municípios se fundamentou pela ocorrência de uma baixa

cobertura do PSF e pela grande concentração da população brasileira em grandes municípios.

Um dos principais problemas encontrados nessa estratégia continuou sendo a gestão do

trabalho, uma vez que as novas práticas instituídas exigem uma melhor formação dos

profissionais, incluindo as estratégias contidas na educação permanente.

O desafio colocado para a gestão nos três níveis – municipal, estadual e federal – é a

qualificação da atenção, através de investimentos na Saúde da Família e do resgate do papel

da APS como organizadora do SUS.

59

2.4.3 Características da Saúde da Família O PSF surgiu em 1994 como indutor de mudança no modelo assistencial. Seu objetivo

é reorganizar a prática assistencial, em substituição ao modelo tradicional de assistência,

orientado para a cura de doenças e o hospital. A atenção do PSF é centrada na família,

entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social. (BRASIL, 2001)

Com base nos princípios do SUS e nas concepções da APS, o PSF incorporou em sua

formulação as noções de integralidade, continuidade, universalidade, acessibilidade (ao

sistema), eqüidade, resolutividade, responsabilização, humanização, vínculo e participação

popular, sendo princípios básicos:

- Caráter substitutivo: substituição das práticas convencionais de assistência por um

novo processo de trabalho, centrado na vigilância à saúde;

- Integralidade e hierarquização: adoção da Unidade de Saúde da Família como

primeiro nível de ações e serviços do sistema local de saúde;

- Territorialização e adscrição da clientela: definição de território de abrangência a

partir do cadastramento e acompanhamento da população adscrita à área;

- Equipe multiprofissional: composição da equipe de Saúde da Família

minimamente por um médico generalista ou médico de família, um enfermeiro,

um auxiliar de enfermagem e 4 a 6 agentes comunitários de saúde (ACS). O

número de ACS varia de acordo com o número de pessoas sob responsabilidade

da equipe;

- Responsabilização e vínculo: as equipes assumem como sua responsabilidade

contribuir para melhoria da saúde e da qualidade de vida das famílias na sua área

de abrangência, devendo oferecer atenção humanizada; e

- Estímulo à participação da comunidade e ao controle social: a gestão local deve

favorecer e estimular a criação e utilização dos canais de participação social para o

planejamento e controle das ações previstas na estratégia. A equipe, por sua vez,

deve ser indutora na promoção da participação das organizações sociais e seus

membros no planejamento, gestão e avaliação da saúde local e desenvolver

projetos conjuntos para a melhoria da qualidade de vida.

Embora o Ministério da Saúde preconize que as equipes sejam compostas, no mínimo,

por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis ACS, outros

60

profissionais podem ser incorporados às Unidades de Saúde da Família (USF) ou em equipes

de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. (BRASIL, 2001, 2003c)

Dependendo do número de famílias no território abrangido pela USF, ela comporta

uma ou mais equipes. As equipes realizam visitas domiciliares (VDs), identificando os

componentes familiares, as condições de moradia, de saneamento e ambientais da população

cadastrada, bem como algumas condições de morbidade e fatores de risco.

Utilizaremos a definição de espaço dada por Testa (2002) para melhor apreensão do

atributo de territorialização. O espaço tem por funções a produção e a reprodução. O espaço

para a produção econômica é aquele ocupado por empresas produtivas, ao passo que o espaço

da reprodução é duplo, dividindo-se em espaço para a reprodução biológica cotidiana ou

social e em outro espaço que nasce em qualquer dos anteriores quando neles se “produz” um

diálogo que é um uso construtivo das contradições e conflitos individuais ou sociais. (TESTA,

2002, p. 39, tradução nossa) É “localizado” no espaço de reprodução que se dão as relações

entre os usuários e os profissionais do PSF.

Uma das diretrizes operacionais apontadas para a implantação do PSF é a substituição

das práticas convencionais pela oferta de uma atuação centrada na lógica da vigilância à

saúde. A definição de vigilância à saúde pode ser encontrada nos trabalhos de Carmen F.

Teixeira. Motivada por diferentes autores, sustenta que essa denominação engloba propostas

que incluem o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, a implantação de ações de vigilância nutricional dirigidas a grupos de risco, a vigilância na área de saúde do trabalhador, levando em conta os ambientes de trabalho e os riscos ocupacionais, a vigilância ambiental em áreas específicas de risco epidemiológico, sem perder de vista a necessidade de reorientação das ações de prevenção de riscos e de recuperação da saúde, isto é, a própria assistência médico-ambulatorial, laboratorial e hospitalar. (TEIXEIRA, 2002)

Silva & Dalmaso (2002, p. 60) identificaram pontos centrais do programa, como o

estabelecimento de vínculos e a construção de laços de compromisso e de co-responsabilidade

entre os profissionais de saúde e a população, além da possibilidade de integração e a

promoção da organização das atividades em um território definido, propiciando o

enfrentamento e resolução dos problemas identificados.

Pelo princípio da integralidade20, a SF compromete-se na busca da organização dos

serviços, ações e práticas de saúde de forma a garantir à população o atendimento mais

20 Como já mencionado, a integralidade será mais bem abordada no capítulo 3., subseção 3.2.1 – Integralidade nos modos de fazer saúde.

61

abrangente de suas necessidades. Isso implica uma compreensão ampliada do processo saúde-

doença, estreitar a relação entre a atenção básica e os demais níveis de atenção à saúde e

integrar os componentes preventivo e curativo das práticas. (CORBO; MOROSINI, 2005, p.

169).

A universalidade está diretamente relacionada à acessibilidade. Para Corbo &

Morosini (2005, p. 169), o sistema de saúde só é universal na medida em que se torna

acessível, o que apresenta grande afinidade com o contexto da APS no Brasil, já que pretende

ser a porta de entrada do sistema de saúde. Consideram, contudo, que deve haver uma

qualificação das portas de entrada como espaços de acolhimento para a população.

Temporão (2006) aponta que, no processo histórico, a AB foi gradualmente se

fortalecendo e deve se constituir como porta de entrada preferencial do SUS, sendo o ponto de

partida para a estruturação dos sistemas locais de saúde, o que já havia sido admitido na

NOAS em 2001 e 2002. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 493) No entanto, consideramos

a idéia de Cecílio (1997), para quem a rede básica de serviços não conseguiu se tornar a

“porta de entrada” mais importante para o sistema de saúde, que continua sendo os hospitais –

através dos serviços de urgência/ emergência e ambulatoriais.

Luiz Carlos Cecílio repensou o modelo assistencial como um círculo, e não como uma

pirâmide recolocando a relação entre os serviços de forma mais horizontal. Problematizou o

princípio da hierarquização, destacando a importância de se qualificar todas as portas de

entrada do sistema, de modo a

serem espaços privilegiados de acolhimento e reconhecimento dos grupos mais vulneráveis da população, mais sujeitos a fatores de risco e, portanto, com maior possibilidade de adoecimento e morte, para, a partir deste reconhecimento, organizá-los no sentido de garantir o acesso de cada pessoa ao tipo de atendimento mais adequado para o seu caso. (CECÍLIO, 1997, p. 475)

Como Barbara Starfield destacou,

o crescente enfoque sobre as “portas de entrada” deveria ser acompanhado por uma estratégia para obter informações referentes à natureza e extensão dos encaminhamentos, o desenvolvimento de melhores critérios para encaminhamento e o papel adequado dos subespecialistas na atenção aos pacientes. (STARFIELD, 2002, p. 241)

Concordamos com o Cecílio no sentido de que “o centro de nossas preocupações é o

usuário e não a construção de modelos assistenciais apriorísticos, aparentemente capazes de

62

introduzir uma racionalidade que supõe ser a melhor para as pessoas”. (CECÍLIO, 1997, p.

477)

A eqüidade se baseia no princípio da igualdade, porém se diferencia dela pelo

“reconhecimento da condição de igualdade entre as pessoas em relação aos direitos, mas

também o reconhecimento das condições que as diferenciam em relação às possibilidades

concretas de gerar a própria existência e de vivê-la”. (CORBO; MOROSINI, 2005, p. 170).

Corbo & Morosini (2005, p. 171) também dissertam a respeito da humanização. Para

as autoras, a humanização do atendimento remete-se à noção de cuidado, relacionada à

condição humana, à necessidade de cuidados como algo que distingue o humano das demais

formas de existência, evocando questões éticas relativas ao convívio socialmente

estabelecido, no caso do trabalho em saúde, e à ética profissional. Trata-se do acolhimento, do

respeito à alteridade expressa em um sujeito doente e do estabelecimento de vínculos de

ordem afetiva e técnica que permitam a construção de relações de responsabilidade e

reciprocidade. Na SF, a humanização diz respeito também à continuidade do atendimento e à

possibilidade de estabelecimento de vínculos entre a equipe de saúde e a população abrangida.

Os princípios citados são também encontrados na formulação da PNAB (BRASIL,

2006b), comentada na seção 2.4.1. Concatenados, são dispositivos essenciais para se ter uma

real organização do sistema de saúde através da APS.

2.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A proposta de reordenação da APS e do modelo assistencial a partir da Saúde da

Família apresenta diferentes leituras.

Em sua trajetória, a APS foi questionada como modelo assistencial. Para Cordeiro

(1997), a atenção primária, tal como entendida, pensada e debatida na década de 1970, estava

fora de cogitação no final da década de 198021, haja vista a noção associada à baixa

incorporação de tecnologia.

Tem-se que encontrar uma forma de organização das práticas de saúde que considere o que exista de mais efetivo e eficaz em termos de tecnologia, de procedimentos, de equipamento, de materiais, mas que seja acessível a toda a população. Devem-se estabelecer critérios objetivos e técnicos que permitam tanto

21 Embora o livro “Saúde, trabalho e formação profissional” (Cf. CORDEIRO, 1997) tenha sido publicado em 1997, este posicionamento de Hésio Cordeiro refere-se a um debate ocorrido durante o Seminário “Choque Teórico II”, sobre o tema “Saúde, trabalho e formação profissional”, realizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz, em 1989.

63

ao indivíduo que ganha um salário mínimo quanto ao capitalista terem acesso a uma ponte de safena ou a uma angioplastia. (CORDEIRO, 1997, p. 60)

Em 1998, Viana & Dal Poz apontaram como um dos dificultadores para a

implementação do PSF a noção de que a APS é sinônimo de tecnologia simplificada. No

entanto, para estes autores, o PSF introduziu uma noção mais sofisticada de APS ao

desenvolver um instrumental de informática baseada na automação de procedimentos

diagnósticos e apoiando-se na realização de exames e na utilização de instrumentos como a

ultra-sonografia. (VIANA; DAL POZ, 1998, p. 20) Esta concepção amplia aquela de Cordeiro

(1997), crítica por ele produzida antes mesmo da criação do SUS, o que mostra avanços do

modelo adotado no Brasil em relação à formulação conhecida até então sobre APS, além de

incorporar os princípios do SUS.

No entanto, o exemplo dado por Viana & Dal Poz não pode ser generalizado, haja

vista o grande número de municípios ainda sem acesso a tecnologias de ponta ou a recursos

de apoio diagnóstico e de tratamento.

Para Merhy & Franco (2000), o PSF apresentava similaridades com as propostas da

Medicina Comunitária e das Ações Primárias de Saúde, que vinham sofrendo duras críticas

desde sua formulação. Entre elas, Silva Jr. (2006, p. 61) reuniu as principais críticas à

Medicina Comunitária em relação:

- às práticas, observando-se que a integração preventivo-curativa continuava

centrada no ato médico e em suas tecnologias;

- à manutenção da dualidade do sistema, oferecendo-se “cuidados primários” para

alguns segmentos menos favorecidos da sociedade, e a medicina flexneriana para

os mais abastados;

- à hierarquização proposta, que, dadas as dificuldades de deslocamento e acesso

das populações periféricas, acabava por dificultar a utilização de maiores opções

tecnológicas por essas populações;

- à utilização de tecnologia adequada, referindo-se à Medicina Comunitária como

um projeto medicalizador de grande interesse para a indústria da saúde, pois

conferia capacidade de consumo, subsidiada pelo Estado, às populações

anteriormente fora do mercado;

- às práticas médicas alternativas, incorporadas numa visão cooptativa; e

64

- à utilização da equipe de saúde, por não ser, no caso, uma proposta

democratizante, já que se defendia a delegação controlada de conhecimentos e

técnicas conforme o nível de atuação e o agente envolvido, “mantendo-se a tutela

do conhecimento médico-científico”.

Em relação às críticas às Ações Primárias de Saúde, um debate foi travado entre os

defensores de duas diferentes abordagens da APS (sobre o qual dissertamos na seção 2.3).

Numa delas, o PSF não seria colocado a atuar na questão clínica22, mas agindo como linha

auxiliar ao modelo médico-hegemônico. (MERHY; FRANCO, 2000, p. 146) O PSF teria

tomado para si a Saúde Coletiva, deixando a saúde individual para a corporação médica, o que

os autores consideraram uma desvantagem por delimitar o campo de ação dos modelos de

atenção.

Recentemente, Teixeira & Solla (2005) observaram este fato de maneira diversa à

expressa acima, afirmando que a trajetória institucional do PSF ilustra um processo de

“refuncionalização” de suas noções e práticas

na medida em que, partindo de uma concepção voltada para a reorganização da prática médica, clínica, através da ampliação do objeto de trabalho (dos indivíduos à família), estas propostas foram paulatinamente associadas aos princípios da medicina comunitária e incorporaram princípios e diretrizes que vão além da clínica, especialmente a contribuição da epidemiologia e da administração e o planejamento em saúde. (TEIXEIRA; SOLLA, 2005, p. 463)

Merhy & Franco (2000) apontaram, ainda, que a implantação do PSF por si só não

garantiria a reorientação do modelo assistencial. Pois, mais do que isso, seria necessária a

mudança nos processos de trabalho, peça chave para a mudança do modelo, como será

discutido no capítulo 3.

Merhy, Malta & Santos (2004, p. 61) apontaram limites em relação ao formato e à

organização do processo de trabalho adotado, como a concepção de formato único para todo o

país e equipes e a idéia de visita domiciliar, pois “o simples fato de realizá-las não significa

que o médico tenha abandonado sua prática ‘procedimento centrado’ e nem mesmo que o

trabalho dos outros profissionais deixe de ser estruturado pelos atos e saberes médicos”. Para

esses autores, a VD é um importante instrumento da Saúde Coletiva e deve-se avaliar a forma

mais oportuna de inseri-la no cotidiano dos serviços.

22 O debate sobre a questão clínica poderá ser mais bem compreendido no capítulo 3, seção 3.2 – Pressupostos para o processo de trabalho em saúde.

65

A questão do custo/financiamento também foi identificada como uma questão

problemática especialmente em relação aos profissionais, bem como a rotatividade e

instabilidade nas equipes, combinada à terceirização de profissionais como “nova modalidade

de recursos humanos no SUS”. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004, p. 62)

Marques & Mendes (2002) consideram que as críticas de Merhy & Franco (2000) se

referem ao modo como o PSF foi estruturado e organizado e concordam que a formulação de

políticas pelo MS, em especial políticas para a AB, é obstáculo à elaboração de políticas pelos

municípios, diminuindo ou até impedindo sua autonomia para tomada de decisões frente às

necessidades locais. Bueno & Merhy (1997) já afirmavam que a NOB 96 iria inibir a

autonomia do município, induzindo-o a adotar programas não definidos localmente. Os

municípios, “dependentes dos recursos federais, passaram a ser meros executores da política

estabelecida no âmbito federal”, (MARQUES; MENDES, 2003) em detrimento de

desenvolverem programas e ações pautados nas necessidades da população, respeitando as

distintas realidades sociais e sanitárias de cada região do país.

Coincidentemente, o PSF foi elaborado em 1993, ano da publicação do relatório

“Investir em Saúde” pelo Banco Mundial. Algumas análises podem ser feitas no sentido de

identificar no PSF uma estratégia que não se diferencia muito das recomendações das

agências internacionais, que propõem políticas universalizantes, porém focalizadas23, de

cunho neoliberal, dirigidas principalmente aos países pobres e às populações de baixa renda.

Ressalta-se que o programa foi incorporado no projeto Reforço à Reorganização do SUS24 –

REFORSUS – do Banco Mundial, pelo qual as Unidades Básicas de Saúde (do PSF) foram

privilegiadas para receber investimentos, bem como incentivadas a implantar Pólos de

Capacitação para Educação Continuada das Equipes. (BRASIL, 2001; VIANA; DAL POZ,

1998)

Heimann & Mendonça (2005, p. 484) identificam no desenvolvimento da AB, dentro

das reformas da década de 1990, singularidades e raízes em outras fases do debate e da

implementação da Reforma Sanitária brasileira, porém influenciado por um contexto externo

de reformas setoriais voltadas “para reorganizar a proteção social em saúde”. Para essas

autoras, o PSF formulado na década de 1990 constituiu um modelo de organização da atenção

23 Recuperamos que a idéia de o “pacote básico” ou “cesta básica” de serviços de saúde foi difundida pela Fundação Rockefeller e UNICEF a partir de 1979, preconizando a APS seletiva, com ações focalizadas altamente custo efetivas (GOBI e GOBI-FFF). (CUETO, 2004) Não foi uma “produção” do Banco Mundial, mas foi por ele apropriada e ofertada nos anos 1990. 24 O REFORSUS foi criado em 1996, tendo por base um acordo de empréstimo firmado entre o governo brasileiro e os Bancos Interamericano de Desenvolvimento e Mundial. Este acordo, no valor de US$ 650 milhões, destinou-se a investimentos de recuperação da rede física de serviços de saúde. (BRASIL, 2003a)

66

no nível primário, inserido na AB e que convive com outros modelos no SUS, sendo que a

atual configuração do sistema não rompeu propriamente com o modelo capitalista periférico

de organização dos serviços de saúde, fortemente identificado com a medicina curativa. Na

década de 1990 prevaleceu a hegemonia de pensamentos das reformas neoliberais e a

operacionalização do SUS passou a se configurar como um projeto de contra-reforma.

(HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 487)

No bojo das políticas de ajuste advindas de organismos internacionais, Bresser Pereira

assumiu, no primeiro Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Administração

Federal e Reforma do Estado, onde comandou a Reforma da Gestão Pública de 1995. À

época, Heimann & Mendonça (2005, p. 488) relatam que o Ministério da Saúde sofria pressão

por parte do Ministério de Bresser, numa perspectiva em que a saúde deixaria de ser

responsabilidade do Estado e a prestação de serviços deveria ser realizada no setor privado.

Para Bresser Pereira (1998), “Se o seu financiamento em grandes proporções é uma atividade

exclusiva do Estado - seria difícil garantir educação fundamental gratuita ou saúde gratuita de

forma universal contando com a caridade pública - sua execução definitivamente não o é”.

(BRESSER PEREIRA, 1998, grifo nosso)

As mudanças econômicas, ideológicas e políticas definidas pelos especialistas do

Banco Mundial apontavam para a diminuição do papel do Estado e para o fortalecimento do

mercado para financiar e oferecer cuidados à saúde, sendo característica a oferta da idéia de

separação das ações de provisão e financiamento de serviços, como já abordamos.

Atualmente, os investimentos internacionais continuam ocorrendo, como é o caso do

PROESF, financiado pelo Banco Mundial.

Apesar das críticas, o PSF é considerado importante no Brasil por possibilitar que uma

maior parcela da população seja atendida, pelo menos, por este nível de atenção. O Programa

tem se constituído um dos pilares do movimento de reorganização do sistema de saúde

brasileiro, o que pode ser evidenciado da seguinte forma:

a) grande expansão numérica da Estratégia de Saúde da Família, especialmente a

partir de 1998, com ampliação quantitativa e territorial;

b) crescente legitimação institucional da Estratégia de Saúde da Família no âmbito

do SUS, com crescente adesão dos gestores municipais à proposta, e a “trajetória

institucional” das coordenações do PACS/PSF em municípios, estados e no

próprio MS, passando da condição de coordenações de programas para diretorias

67

ou departamentos de Atenção Básica, a partir dos quais, institucionalmente, são

reordenados os diversos programas e áreas técnicas; e

c) fortalecimento dos mecanismos de sustentabilidade financeira. A “trajetória de

financiamento” desses programas até a NOB 96 demonstra o aumento do volume

de recursos e aprimoramento dos mecanismos de repasse que funcionavam por

meio de convênio. (O PROGRAMA..., 2002)

Nos últimos anos, a APS no Brasil tem se transformado intensamente, especialmente a

partir da institucionalização do PSF, reestruturando as práticas e buscando uma efetiva

mudança do modelo. Tal iniciativa tem obtido êxito na ampliação do acesso e da cobertura

dos serviços básicos de saúde e na organização das demandas aos demais níveis de atenção,

alcançando grupos populacionais até então excluídos do consumo de serviços e de um

cuidado integral em saúde.

A mudança de orientação do PSF leva Teixeira & Solla (2005) a crerem que se trata,

na verdade, de instrumento de uma política de universalização da cobertura da APS e,

portanto, um espaço de reorganização do processo de trabalho em saúde nesse nível. Contudo,

mesmo com a expansão da rede e maior possibilidade de universalização do acesso, há a

necessidade de se intensificar os esforços destinados à melhoria da qualidade dos serviços e

das práticas de saúde, de modo a garantir uma efetiva reorganização da APS e reorientação do

modelo assistencial no Brasil.

Nesse sentido, vale o esforço da PNAB, apontando para

a redefinição dos princípios gerais, responsabilidades de cada esfera de governo, infra-estrutura e recursos necessários, características do processo de trabalho, atribuições dos profissionais, e as regras de financiamento, incluindo as especificidades da estratégia Saúde da Família. (TEMPORÃO, 2006)

A qualidade

25 permanece com atributo fundamental a ser alcançado no SUS e deve ser

apropriada por qualquer profissional envolvido com a SF mas, antes, fundamentalmente,

incorporada à própria conformação dos modelos assistenciais e aos modos como se organiza e

25 Recentes iniciativas governamentais possibilitaram a implantação de projetos de avaliação e melhoria contínua da qualidade no campo da APS no Brasil. Este campo, até então inexplorado, constitui-se uma prioridade no atual processo de consolidação da Estratégia de Saúde da Família, após uma década de acelerada expansão. (CAMPOS, C., 2005a)

68

se opera o trabalho em saúde no âmbito da APS. Nesse contexto, torna-se relevante,

novamente, a reflexão sobre a composição e trabalho das equipes do programa.

Hoje parece haver um PSF “de fato” que acabou se conformando de maneira

diversificada, de acordo com as diferentes realidades dos municípios, superando a fase de um

PSF como “intenção de política”, quando se reconfigurava em 1996. De qualquer modo, isso

não atenua as críticas à indução que mesmo hoje é feita utilizando o financiamento, como

ocorre através do PROESF.

Em relação às diferentes abordagens de APS, esta tomou vários enfoques no Brasil. A

não utilização de profissionais de nível superior e a priorização de intervenções tecnológicas

de baixo custo para combate das principais doenças que acometiam as regiões mais pobres do

país, bem como a fragmentação do financiamento e da integralidade da atenção a partir do

estabelecimento do PAB como forma de repasse de recursos, aproximam esse programa à

abordagem de APS seletiva.

Em sua fase de formulação e nos primeiros anos de implementação, o PSF tornava-se

muito próximo deste enfoque, respondendo ao movimento internacional, aos incentivos e

idéias internacionais. No entanto, ao longo do tempo, o PSF vem se transformando em uma

estratégia e um meio para reorientação do modelo assistencial, perdendo características de

focalização.

Por outro lado, a APS no Brasil foi utilizada como instrumento de democratização da

política, como ocorreu a partir do Movimento Sanitário, tendo tido mais importância que o

cunho da focalização. Em suma, a APS serviu como instrumento de organização social,

prevalecendo, hoje, o enfoque da APS como “Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos”.

Todas essas considerações são feitas para que realmente haja a superação de modelos

hegemônicos que ainda se encontram muito fortalecidos, centrados no poder político e técnico

das corporações profissionais e, como dizem Merhy, Malta & Santos (2004, p. 64), cada vez

mais distantes da defesa da vida individual e coletiva.

Um dos desafios é preservar e fortalecer a dimensão pública da política de saúde,

promovendo ações coletivas intersetoriais e a reorganização dos processos de trabalho em

saúde.

CAPÍTULO 3 – TRABALHO EM SAÚDE E REORGANIZAÇÃO DO

PROCESSO DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

A Atenção Primária à Saúde (APS) é lugar de produção da saúde e, conseqüentemente,

muitas questões acerca do processo de trabalho em saúde se materializam neste nível de

atenção.

Para melhor compreensão desta temática, o presente capítulo traz uma breve

conceituação da categoria trabalho e do processo de trabalho e uma sistematização da

produção teórica do processo de trabalho em saúde. Em seguida, abordamos o trabalho em

equipe como forma de organizar os processos de trabalho em saúde, aproximando esta

questão à da APS.

O objetivo deste capítulo é elucidar a definição de alguns conceitos que serão

trabalhados no contexto das práticas de saúde em Belo Horizonte, presentes nos resultados e

na discussão realizada nesta dissertação.

3.1 BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O TRABALHO EM SAÚDE

O trabalho é uma prerrogativa humana cuja definição geral trata da atividade através

da qual o homem, guiado por determinada finalidade, transforma um objeto por meio de

determinados instrumentos. Segundo Marx (1985), “Antes de tudo, o trabalho é um processo

entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media,

regula e controla seu metabolismo com a Natureza.” (MARX, 1985, p. 149)

Considerando que o trabalho define a essência humana, o homem, para continuar

existindo, precisa produzir continuamente sua própria existência através do trabalho.

(FRIGOTTO, 2005; SAVIANI, 1994, 2003)

Segundo Frigotto (2005, p. 58), o trabalho, nesta dimensão ontológica ou ontocriativa

(de criação do ser humano), não se reduz à atividade laborativa, mas corresponde à produção

de todas as dimensões da vida humana. Para o autor, o sentido de propriedade também está

explícito na compreensão da concepção ontocriativa do trabalho, significando o direito do ser

humano de apropriar-se, transformar e recriar pelo trabalho a natureza. Assim, percebe a

centralidade do trabalho como práxis que possibilita criar e recriar o mundo humano.

(FRIGOTTO, 2005, p. 60)

70

Essa produção deve se dar através do domínio pelo trabalhador dos fundamentos

científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo.

Entretanto, na sociedade moderna, o saber é força produtiva, devendo ser propriedade privada

da classe dominante. Se o saber é generalizado e apropriado por todos, os trabalhadores

passam a ser proprietários dos meios de produção. Contudo, na sociedade capitalista, o

trabalhador só detém a força de trabalho, pois, ao dominar o instrumento, o trabalhador dita o

seu ritmo de trabalho.

Para Saviani (1994, 2003), aí está a contradição que se insere na essência do

capitalismo: o trabalhador não pode ter meio de produção, não pode deter o saber, mas

também não pode ser expropriado de maneira absoluta do conhecimento pois, sem ele,

também não pode produzir, porque para transformar a matéria precisa de algum tipo de saber.

E se não trabalha, não acrescenta valor ao capital. Este saber, então, só é permitido em “doses

homeopáticas”, um mínimo para poder operar o processo produtivo, mas não deve ultrapassar

esse limite.

Segundo Saviani, Taylor contornou essa contradição desapropriando os trabalhadores

daquele saber, elaborando-o e desenvolvendo-o de forma parcelada. O trabalhador domina

apenas aquela parcela de saber que ele opera no processo produtivo, mas não aquele saber que

é força produtiva. A produção moderna coletivizou o trabalho e isso implica em

conhecimento do conjunto do processo, porém este é privativo do grupo dirigente.

(SAVIANI, 1994, p. 157)

É necessária uma análise que leve em conta as determinações reais dos processos

envolvidos na realização do trabalho, para a qual Testa (2002) desenvolve um esquema que

especifica as determinações e conseqüências das práticas profissionais e culturais ou sociais.

Desse modo, chama “macrotecnoestrutura” ao conjunto de instituições, suas normas e

relações condizentes com os aspectos globais do funcionamento social. Como exemplo, cita

as estruturas do governo e do Estado e políticas de ordenamento da sociedade. A

“mesotecnoestrutura” corresponde ao âmbito específico da atividade analisada, como os

organismos que orientam as atividades de serviço, em particular de saúde. A “tecnoestrutura”

corresponde à Instituição específica que se analisa, suas articulações internas e suas normas.

(TESTA, 2002, p. 28, tradução nossa)

Para o autor, esses componentes se determinam de acordo com os níveis que ele indica

(macro, meso e tecnoestruturas), ao mesmo tempo em que determinam em subconjuntos a

71

realização do trabalho concreto e abstrato26 que realiza a força de trabalho segundo as

diversas práticas que ocorrem.

Segundo Marise Ramos (2005a), do ponto de vista ontológico, a atenção à saúde é a

ação humana destinada ao cuidado do/com o outro. Nesse sentido, sendo o trabalho “a

mediação primeira na produção da existência humana, o trabalho em saúde seria o meio pelo

qual a existência é produzida/mantida como bem-estar físico, mental e social”. (RAMOS,

2005a, p. 208)

O trabalho em saúde guarda simultaneamente o sentido econômico, devido à sua

finalidade de manter a existência de pessoas objetivadas como fatores de produção, e o

sentido ontológico, pois a atenção integral se volta para as necessidades do ser humano como

sujeito e não como objeto. Este caráter “contraditório” leva à discussão da integralidade como

atributo das práticas dos profissionais de saúde e das organizações dos serviços, (RAMOS,

2005a, p. 208) como abordaremos mais a frente.

3.1.1 Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde Segundo Minayo (2004, p. 82-83), dois conceitos são considerados chaves para o

conhecimento de saúde: o processo de trabalho em saúde e as condições gerais de produção.

Assim, define o primeiro como locus privilegiado das relações de produção e reprodução

dessas relações, visto como matriz de formação sócio-econômica, política e ideológica e,

portanto, de luta de classe, de dominação e de resistência. Essa definição extrapola aquela que

enfatiza apenas os aspectos técnicos e econômicos, abrangendo a totalidade das relações

antagônicas entre capital e trabalho no interior do processo produtivo. O segundo, as

condições gerais de produção na relação imediata entre o processo de produção e a estrutura

social e política, consiste nas condições de vida e na intervenção do Estado.

O processo de trabalho é um conceito que se refere tanto à base técnica quanto à

organização social do trabalho. Bosi (2000) define esse processo pelo qual o homem molda a

natureza que lhe é exterior, em sua dimensão técnica, como o processo pelo qual um dado

objeto é transformado num produto com valor de uso, ou seja, que visa à satisfação de

necessidades humanas experimentadas pelo conjunto da população. (BOSI, 2000, p. 109)

26 A noção de trabalho concreto se refere à atividade específica que cada trabalhador desenvolve em relação ao produto que se obtém e, conseqüentemente, difere segundo o tipo de produto. Já o trabalho abstrato é inespecífico e corresponde ao mero fato de trabalhar segundo as condições dadas pelas macro e meso tecnoestruturas. (TESTA, 2002, p. 28, tradução nossa)

72

No entanto, as aceleradas transformações científicas e tecnológicas que vêm ocorrendo

nas últimas décadas têm produzido mudanças significativas nas formas de organização do

trabalho e nos processos de produção de bens e serviços. O modelo taylorista/fordista de

produção em massa vem sendo substituído por outro, toyotismo, introduzindo-se a

flexibilização do trabalho e a chamada “qualidade total”.

Este modelo de “produção flexível” é definido por Salgado (1997) como “modelo

baseado em pequenos grupos autônomos, de pessoal altamente qualificado, em que a máquina

se coloca como um complemento do homem, tendo realmente sua produtividade aumentada

pela criatividade humana”. (SALGADO, 1997, p. 87) Em lugar da produção em série e

economia de escala, passa-se a produzir segundo demandas determinadas, diversificando-se

os processos produtivos que se dirigem a determinados nichos ou segmentos do mercado.

(SAVIANI, 2003, p. 150)

Sob o modo de produção capitalista, a mercantilização do trabalho reconfigura o

trabalho em saúde como produtor de um bem-estar definido pelos padrões dessa

sociabilidade. “À medida que o ser humano se ‘coisifica’ como fator de produção e é reduzido

em sua humanidade, o trabalho em saúde se reduz à produção e à manutenção das vidas

objetivadas.” (RAMOS, 2005a, p. 208)

Todo processo de trabalho é uma organização de um conjunto de pessoas para realizar

o trabalho segundo objetivos institucionais. (TESTA, 2002, p. 58, tradução nossa) O processo

de trabalho em saúde tanto é parte de um processo geral e, portanto, compartilha

características comuns com os demais processos, como também é um serviço que se funda

numa inter-relação pessoal particular e intensa.

Como processo geral, o processo de trabalho em saúde sofre as mesmas repercussões,

exigindo do trabalhador “o domínio de técnicas diversificadas para atuar (e sobreviver) num

contexto que faz emergir novas habilitações e suprime outras, por obsoletas.” (AMÂNCIO

FILHO; MOREIRA, 1997, p. 19) No entanto, com a precarização do trabalho, há aumento da

exclusão na sociedade, o que aumenta a demanda para o trabalhador de saúde, causada por

este mesmo processo. O trabalhador de saúde sofre com a reestruturação produtiva em mão

dupla; é, popularmente falando, “o cego cuidando daquele que não enxerga”.

O processo de trabalho em saúde apresenta dimensões complementares e interatuantes.

De um lado, o processo de trabalho, com sua direcionalidade técnica, envolve instrumentos e

força de trabalho, sendo passível de uma análise macroeconômica geral. Por outro lado, há a

dimensão do serviço. (MALTA; MERHY, 2003; NOGUEIRA, 1997; PIRES, 1998) Talvez o

73

setor saúde seja um dos mais peculiares à forma de sociedade baseada na proeminência do

trabalho em serviços.

Um terceiro aspecto levantado por Nogueira (1997) diz respeito ao fato de esse serviço

se dar sobre pessoas – e não sobre coisas – e, sobretudo, com base numa inter-relação em que

o consumidor contribui no processo de trabalho e é parte desse processo, fornecendo valores

de uso necessários ao processo de trabalho. O usuário não se porta como um consumidor

comum diante da mercadoria e não possui informações necessárias para a tomada de decisão

sobre o que irá consumir. A assistência é um processo de inter-relação entre quem consome o

serviço e quem o presta. O usuário é co-partícipe do processo de trabalho e o produto final, a

própria ação de assistência à saúde, é produzida no mesmo momento em que é consumida.

(NOGUEIRA, 1997; PIRES, 1998)

Sendo parte do setor terciário, o setor saúde é passível de reestruturação produtiva e de

terceirização. E não só em atividades-meio, como limpeza, manutenção, vigilância nos

serviços de saúde, mas também em atividades-fim, diretamente relacionadas à assistência à

saúde e ao consumo de insumos27 – laboratoriais, tecnológicos etc.

Esta mudança de paradigma na organização do trabalho, como trata Salgado (1997),

tem reflexos diretos no perfil profissional do trabalhador. Na sociedade moderna, com a

Revolução Industrial, a objetivação e a simplificação do trabalho coincidiram com o processo

de transferência para as máquinas das funções próprias do trabalho manual. Os “ingredientes

intelectuais”, antes indissociáveis do trabalho manual, dele se destacaram, indo incorporar-se

às máquinas. (SAVIANI, 1994, p. 158) O trabalho se tornou abstrato28, ou seja, simples e

27 A definição de Reestruturação Produtiva da Saúde, segundo Emerson Merhy e Túlio Franco no Dicionário da Educação Profissional em Saúde, 2006, págs. 225-226. (PEREIRA; LIMA, 2006), é “a resultante de mudança no modo de produzir o cuidado, gerada a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtos da saúde, e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais”. A reestruturação produtiva de saúde se refere à forma nova e/ou diferente de organizar os processos de trabalho em saúde, porém, não significa que haja uma inversão de tecnologias do cuidado, uma transição tecnológica, posto que isso demanda uma mudança no sentido de provocar uma ruptura com o modo anterior de organização dos processos de trabalho. (FRANCO, 2003b) Segundo Pires (1998) o que ocorre é uma das formas de reestruturação produtiva porque muda o modo de trabalhar das pessoas a partir das novas tecnologias duras (equipamentos) incorporadas. No entanto, o núcleo tecnológico dos processos de trabalho, criadores dos produtos, permanece como antes. Merhy (2002, p. 27) relendo a posição de Denise Pires, defende que, na saúde, a reestruturação produtiva se caracteriza pela “modelagem” da gestão do cuidado em saúde e pela possibilidade de operar sua produção por núcleos tecnológicos não dependentes dos equipamentos. 28 Os componentes que se relacionam com o trabalho abstrato não só são inconscientes como têm pouca visibilidade – tanto os valores sociais como as relações sociais de produção – junto com a imprecisão do conceito de cidadania, de modo que freqüentemente não são considerados no desenho de políticas nem de estratégias sócio-econômicas. Por outro lado, os aspectos que se relacionam com o trabalho concreto – tanto os processos de trabalho e suas conseqüências organizativas como os valores econômicos – são visíveis, em especial o valor de troca. Esta visibilidade, juntamente com o deslocamento assinalado das tecnoestruturas, faz

74

geral, organizado de acordo com princípios científicos, simples e gerais, abstratos, elaborados

pela inteligência humana.

Nessas condições, o trabalho especificamente humano, mesmo no âmbito da produção material (no interior das fábricas), passa a ser o trabalho intelectual consubstanciado no controle e supervisão das máquinas e de seus eventuais sucedâneos. É, assim, um trabalho “político”, já que diz respeito ao exercício do poder de controle, de direção, de comando. (SAVIANI, 1994, p. 159)

Para Saviani (1994), a transferência das próprias operações intelectuais para as

máquinas leva a uma tendência de desaparecimento das qualificações intelectuais específicas,

com a elevação do patamar de qualificação geral como contrapartida. (SAVIANI, 1994, p.

160) Contudo, não nos parece que esta tendência se relacione ao trabalho em saúde.

Algumas características apontadas por Nogueira como particulares do trabalho em

saúde são a integração entre seus aspectos intelectual e manual e a fragmentação dos atos – da

prestação e do consumo dos serviços de saúde. Esta é acentuada pelo fato de a saúde ser uma

área em que, em geral, há acúmulo de novas tecnologias e de variedades de serviços (e não

meramente substituições), (NOGUEIRA, 1997, p. 73) haja vista as tecnologias médicas, em

geral, não substituírem tecnologias existentes, incorporando cada inovação ao acervo de

recursos tecnológicos acumulados. (PAIM, 1999b, p. 498)

Melo (1997, p. 65) ressalta que na saúde as relações de trabalho se dão em torno de

práticas.

Nas relações de trabalho, impera o discurso dominante mediador, um discurso médico, organizado segundo uma ordem médica, com ações práticas e técnicas específicas, aparentemente um discurso que unifica e que organiza as relações entre profissionais de saúde e pacientes. Essas relações, porém, não se reduzem ao interior do discurso, ou seja, tanto os profissionais de saúde como os pacientes irão se relacionar enquanto seres sociais, e outros discursos, outras representações estão em jogo. Há uma esfera mais abrangente no agir social, que é uma interação de representações, constituindo um complexo de relações sociais entre profissionais de saúde, pacientes e instituições. (MELO, 1997, p. 68)

Testa (2002, p. 28, tradução nossa) defende que, como conseqüência das

determinações entre as tecnoestruturas, há a criação de valores de uso pelo trabalho concreto,

de valores sociais pelo trabalho abstrato e de valor de troca por ambos. A partir deles é que

com que as determinações econômicas em sentido estrito dominem por completo o panorama do desenho de políticas e estratégias. (TESTA, 2002, p. 29, tradução nossa)

75

são produzidos os processos de organização, tanto do trabalho como da sociedade, de maneira

consciente no caso das profissões e inconsciente no caso das práticas sociais.

Para ele, a análise terá um conteúdo específico que corresponde aos processos de

trabalho, suas modificações recentes e o aparecimento de processos de trabalho novos como

conseqüência das incorporações tecnológicas em quase todas as práticas profissionais. Essa é

a parte sensível da análise a realizar, pois se trata de um processo consciente que se expressa

nas formas organizativas do trabalho, objeto do presente estudo.

A partir das considerações acima, podemos inferir que o processo de trabalho define o

modelo tecnoassistencial29 e é definido por:

- objeto de trabalho: o usuário e o problema/necessidade de saúde que apresenta;

- tecnologia de trabalho: o conhecimento utilizado para fazer algo, o conhecimento

aplicado e

- as relações (que se estabelecem).

Partilhamos da posição de Costa, Fortes & Marques (1998), que explicam que

O produto do fazer em saúde para consumo do usuário é resultado de um processo de como os trabalhadores compreendem e agem sobre as necessidades, problemas e demandas de saúde, através de tecnologias mediadas pelos saberes, desejos, ideologias, relações técnicas e sociais estabelecidas entre os agentes das práticas e a inserção que possuem na instituição a que pertencem. (COSTA; FORTES; MARQUES, 1998, p. 147)

Em relação às tecnologias envolvidas no trabalho em saúde, Merhy (2002) as

classifica como

- Duras, como no caso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, estruturas

organizacionais, normas, formulários, protocolos, leis (estão programadas,

estruturadas previamente);

- Leve-duras, como no caso do conhecimento, de saberes bem estruturados que

operam no processo de trabalho em saúde, como a clínica médica, a clínica

psicanalítica, a epidemiologia, o taylorismo, o fayolismo. Possuem uma parte dura

29 Travamos o debate sobre modelos tecnoassistenciais no capítulo 2 (seção 2.1 – Sobre os modelos assistenciais em saúde).

76

porque são estruturados, mas, ao serem aplicadas, o profissional se utiliza de uma

forma própria e pessoal de agir e de se relacionar; e

- Leves, como no caso das relações, do tipo produção de vínculo, autonomização,

acolhimento e gestão como forma de governar processos de trabalho. As relações

são consideradas tecnologias por serem uma forma de agir em saúde. É um

pressuposto do trabalho em saúde, pois, qualquer que seja ele, é sempre relacional.

Vacinas, curativos, cirurgias, anamnese são sempre realizados na relação com o

outro, entre o trabalhador de saúde e o usuário. Entretanto, tanto pode haver uma

relação burocrática em saúde, não-cuidadora (procedimento-centrada) quanto

cuidadora (usuário-centrada).

O debate dos usos e predominância das tecnologias de saúde permeia todo o presente

estudo e é elemento de análise do trabalho de campo realizado. A seguir, outras considerações

a respeito do processo de trabalho em saúde são feitas de modo a fundamentarem nosso

debate.

3.1.2 A micropolítica do trabalho em saúde (ou o trabalho como lugar de construção dos sujeitos que somos)

“A discussão sobre processo de trabalho em saúde, se se pretende operar mudanças no

modo de trabalhar na área, passa necessariamente pela abordagem dos aspectos da

micropolítica do trabalho em saúde, visando publicizar o espaço e buscar novos sentidos e

formatos.” (MALTA; MERHY, 2003, p. 63)

Todo trabalhador, quando realiza o trabalho em saúde, opera dois tipos de trabalho:

trabalho vivo e trabalho morto30. O primeiro se refere ao trabalho em ato, o trabalho criador;

já o segundo, a todos os produtos-meios (ferramentas, matérias-primas) resultantes de um

trabalho humano anterior que o homem utiliza para realização de um dado trabalho.

Assim, quando o trabalho vivo é capturado, de tal forma que o homem não consegue

exercer nenhuma ação de forma autônoma, ele se torna trabalho morto. Contudo, quando se

trata do trabalho em saúde, a autonomia do trabalho vivo é bem ampla: mesmo que o trabalho

vivo seja "capturado" pelas tecnologias mais estruturadas (duras e leve-duras) ou que esteja

submetido ao controle empresarial, no encontro entre o usuário e o trabalhador “dá-se o

30 Trabalho vivo e trabalho morto são categorias de Karl Marx encontradas em O Capital (Cf. MARX, 1985).

77

‘espaço intercessor’ com possibilidades de mudanças, de atos criativos”, o que torna muito

difícil capturar o trabalho vivo em ato na saúde. (MALTA; MERHY, 2003, p. 63)

É importante considerar que o processo de trabalho se organiza através da sua

micropolítica. (MERHY, 2002) Quando os trabalhadores estão em seu ambiente de trabalho,

cada profissional trabalha em defesa dos seus interesses. Os interesses das corporações (da

corporação médica, por exemplo) estão no imaginário dos profissionais a ela pertencentes e

isso aparece no projeto terapêutico (hegemonizado pelo médico, por exemplo). Cada

profissional defende interesses próprios, privados, no espaço de trabalho. A política é defesa

de interesses; no espaço de trabalho, num “espaço micro”, a defesa é micropolítica.

Os interesses podem ser privados ou públicos. De todo modo, o espaço onde o

processo de trabalho se organiza é um espaço em disputa, há disputa de interesses, embora

sua defesa nem sempre seja consciente.

É importante refletir a intervenção na micropolítica do processo de trabalho buscando

um novo fazer em saúde, em defesa da vida. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004)

3.2 PRESSUPOSTOS PARA O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE O predomínio da Clínica sobre a Epidemiologia representa o desenvolvimento de uma

racionalidade técnica no campo da saúde – uma nova característica da racionalidade

iluminista do início do século XIX. (TESTA, 2002, p. 34, tradução nossa)

Segundo Testa, este predomínio se baseia em uma luta política, pois no século XIX as

necessidades de se concretizar avanços em termos de melhores condições de vida se

relacionavam mais com a “higiene pública”, a maneira prática como se traduzia o saber

epidemiológico, do que com a Clínica, cujas ferramentas de intervenção ainda não haviam

adquirido o desenvolvimento que só alcançaria um século depois. Entretanto, esta contradição

não se superou com uma síntese, mas com as práticas conservadoras do modelo médico-

hegemônico.

Para o autor, a inclusão subordinada da Epidemiologia à concepção epistemológica da

Clínica se concretizou com a inexistência do sujeito – o sujeito da reflexão – e também com a

eliminação do sujeito como objeto desta reflexão – a partir da ênfase da clínica nas doenças,

não nos doentes. A Saúde Pública passou a fazer parte do projeto burguês, consolidando-se no

saber biológico e na prática médico-hegemônica. (TESTA, 1997, p. 34, tradução nossa)

78

No Brasil, mais especificamente na área da saúde, Mendes-Gonçalves (1984) trouxe

grande contribuição para o estudo da tecnologia em saúde, relacionando-a com o processo de

trabalho no setor.

Mendes-Gonçalves (1984) discutiu a medicina como prática social, por meio do

estudo do trabalho médico, dividindo-o em duas partes: numa, procurou estabelecer as

características gerais de historicidade da prática médica, partindo de seus elementos

constitutivos; na outra, buscou especificar as determinações mais concretas da prática por

referência à estrutura particular de historicidade configurada no modo de produção capitalista.

Nesse estudo, Mendes-Gonçalves aborda a polarização tradicional do processo de

trabalho em saúde: em um pólo, a prática clínica (cujo objeto é o corpo individual); no outro,

a prática sanitária (correspondente à epidemiologia, cujo objeto é a população). O primeiro

pólo, a prática clínica, relaciona-se à particularidade individual do adoecimento, recortando o

seu objeto de trabalho pela idéia de doença no corpo anátomo-fisiológico individual. O

segundo, relativo à prática sanitária, ao espaço público da saúde, delimita o seu objeto de

trabalho pela idéia de doença no coletivo. (MENDES-GONÇALVES, 1984)

Debates mais recentes têm ressaltado a prática clínica enquanto “clínica clínica” e

“clínica ampliada”. (CAMPOS, G., 2005a) A primeira se refere à clínica oficial, expressa em

um esforço da instituição médica em transformar a doença em objeto científico, passível de

elaborações estruturadas e, portanto, base de apoio para uma ação orientada dos profissionais.

A segunda diz respeito à clínica do sujeito. O profissional de saúde, além de saber fazer,

precisa saber construir uma relação com os usuários que resulte em responsabilidade,

liberdade e compromisso por parte tanto dos usuários quanto dos profissionais de saúde,

ambos sujeitos do projeto terapêutico31.

Atualmente, o trabalho em saúde está reduzido a sintomas e doenças, destinando-se a

aliviar um mal ou curá-lo. Na clínica ampliada, objetiva-se não apenas o diagnóstico, mas,

sobretudo, entender e formular políticas de saúde para a população, aumentando a eficácia nas

intervenções clínicas e analisando os aspectos subjetivos de cada sujeito.

O objetivo “desta clínica” é produzir saúde e ampliar o grau de autonomia dos

sujeitos. O diagnóstico baseia-se, entre outros aspectos, na história de vida do usuário,

31 De acordo Franco (2003a, p. 179), quando o usuário entra em uma unidade de saúde (uma unidade básica de saúde, por exemplo) em busca de resolução de um problema de saúde, ele é inserido no atendimento. Primeiramente, passa pela avaliação do risco de adoecer ou da instalação de um processo mórbido. Após a definição, o(s) profissional(is) que o atendeu(ram) imagina(m) um conjunto de atos assistenciais pensados para resolver o problema de saúde. A este conjunto denomina projeto terapêutico.

79

associado ao saber clínico do profissional, e as ações terapêuticas visam à educação em saúde,

o auto-cuidado e o modo de viver do sujeito. (CAMPOS, G., 2005a)

Sob esta ótica, a clínica deve ser capaz de superar a organização de serviços nos

moldes do paradigma médico-sanitarista clássico dos níveis de complexidade (primário,

secundário e terciário). Neste paradigma, situam-se, de um lado, sinais e sintomas a suprimir;

de outro, níveis de complexidade tecnológica adequados à dimensão fenomenológica dos

primeiros, configurando uma clínica de “coisas a fazer”, de produção zero de sintoma. A

questão reside na superação deste dilema sem que haja negação da tecnologia, dos saberes e

da necessidade de recursos. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)

Como estratégias essenciais para a concretização da clínica ampliada, são necessários:

dispositivos de organização que facilitem o vínculo entre sujeito e profissionais de saúde,

definindo claramente as responsabilidades de cada um; organização de equipes de referência;

suporte matricial para as equipes para apoio clínico; equipes interdisciplinares; avaliação de

risco e de vulnerabilidade dos casos, com elaboração de projeto terapêutico; e espaços

coletivos que permitam o contato entre a direção das unidades, a rede de serviços e os

representantes dos usuários, além de redes de ajuda formadas pelas famílias, voluntários e

associações.

A construção de vínculo através da responsabilização do profissional pela saúde da

população a que atende não é uma preocupação tão-somente humanizadora, mas uma

qualificação do trabalho em saúde, (CAMPOS, G., 2005a) visto que o vínculo e a

responsabilização contribuem para a superação de uma tradição que reduz a prática clínica à

dispensação de consultas e incluem a subjetividade e a participação do usuário no seu

processo terapêutico. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)

Todos os profissionais de saúde, de uma maneira ou de outra, fazem clínica, e todas as

tecnologias, conjuntamente, são necessárias ao processo de trabalho em saúde – nenhuma é

dispensável. Percebe-se, contudo, que os focos de ação entre os profissionais se diferenciam

segundo a tecnologia em saúde que é priorizada.

O que se discute não é o uso da tecnologia, mas o que hegemoniza e matricia o

processo de trabalho. Nossa compreensão é a de que as tecnologias leves devem ser

predominantes. No mesmo sentido, Mascarenhas (2003) afirma a necessidade de construção

de um novo tipo de vínculo e de responsabilização:

Cabe aos trabalhadores de saúde, no cotidiano dos trabalhos e no processo coletivo de gestão dos serviços, a fim de resolver os problemas identificados no dia-a-dia, a

80

construção de um outro proceder em saúde, que se oriente pela constituição de um vínculo efetivo entre o usuário e os trabalhadores do setor, na busca por uma resolutividade que se oriente por ganhos de autonomia dos usuários perante os seus “modos de andar na vida”. Considera-se necessário, neste caminhar, um conjunto dos serviços de saúde, que, pelo menos, garanta o acesso dos usuários às ações de saúde, ofertando múltiplas opções tecnológicas para enfrentar seus distintos problemas. (MASCARENHAS, 2003, p. 34)

A integralidade da atenção surge como atributo que corrobora para a orientação acima,

como discutiremos a seguir.

3.2.1 Integralidade nos modos de fazer saúde A integralidade da atenção traz de volta ao trabalho em saúde a humanidade das

pessoas frente às suas necessidades de saúde, (RAMOS, 2005a, p. 208) superando certa

“coisificação” do ser humano como fator de produção e a redução do trabalho em saúde à

produção e à manutenção das vidas objetivadas, como já discutimos. O caráter contraditório

do trabalho em saúde traz a discussão da integralidade como atributo não só das práticas dos

profissionais de saúde como também das organizações dos serviços.

Estas interpretações encontram-se descritas por Mattos (2001b). Nosso ponto de

partida nesta discussão é o de que não existe uma definição, mas vários sentidos atribuídos

para a integralidade.

Mattos (2001b) reúne três conjuntos de sentidos sobre este princípio do SUS32

definido na Constituição de 1988: a integralidade como traço da boa medicina, a integralidade

como modo de organizar as práticas e a integralidade como respostas políticas

(governamentais) a problemas específicos de saúde.

No primeiro conjunto de sentidos, a integralidade consistiria em uma resposta ao

sofrimento do paciente que procura o serviço de saúde e uma recusa à redução deste ao

aparelho ou sistema biológico. Por esta acepção, a integralidade está presente na atitude de

um médico quando, diante de um encontro com um paciente, busca prudentemente

reconhecer, para além das demandas explícitas, suas necessidades de saúde. A abordagem que

32 Segundo a Constituição brasileira, o Estado deve garantir “o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação”. Além disso, a integralidade aparece como um dos princípios do SUS: “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. (MATTOS, 2004, p. 1412) Entre os princípios e diretrizes do SUS, pode-se dizer que a universalidade e a integralidade “estão em pé de igualdade”. Um não é mais do que o outro, um não deve vir antes do outro. A universalidade garante o acesso a todos, enquanto a integralidade garante tudo. Tudo a todos, princípio e diretriz do SUS. Porém, como atributo do trabalho em saúde, é o tudo que deve ser estruturado, é o tudo que deve ser organizado no trabalho.

81

se faz do paciente é holística, concebendo-o como um ser total, e não fragmentado ou

parcelado. Assim, a integralidade também está presente na preocupação desse profissional

com o uso das técnicas de prevenção, tentando não expandir o consumo de bens e serviços de

saúde, nem dirigir a regulação dos corpos.

Nesse sentido, a integralidade é uma característica da boa prática médica, isto é, da

medicina que tem a doença como objeto privilegiado de conhecimento e como eixo de suas

intervenções. A defesa da integralidade não significa ignorar a gama de conhecimentos sobre

as doenças, mas um uso prudente desse conhecimento, um uso guiado por uma visão

abrangente das necessidades dos sujeitos.

No segundo conjunto de sentidos, a integralidade se refere ao modo de organizar as

práticas, à organização do trabalho nos serviços de saúde. Mattos (2001b) relembra a

dicotomia presente na estrutura do sistema de saúde no Brasil na década de 1970, quando se

encontrava consolidada a divisão entre as instituições responsáveis pela saúde pública

(Ministério da Saúde) e pela assistência médica individual (Ministério da Previdência e

Assistência Social) até o surgimento do SUS.

O arranjo institucional dicotomizado apresentava conseqüências sobre a organização e

as práticas dos serviços de saúde. A integralidade exigiria certa “horizontalização” dos

programas anteriormente verticais, sobretudo aquele desenhados pelo Ministério da Saúde,

superando a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde.

Neste conjunto, o autor se volta, ainda, para um sentido da integralidade em que não é

aceitável que os serviços de saúde estejam organizados exclusivamente para responder às

doenças de uma população, embora eles devam dar tais respostas. Os serviços devem estar

organizados para realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população a que

atendem.

Por último, há o conjunto de sentidos sobre a integralidade e as políticas

especificamente desenhadas para dar respostas a um determinado problema de saúde ou aos

problemas de saúde que afligem certo grupo populacional. Trata-se de atributos das respostas

governamentais a certos problemas de saúde ou às necessidades de certos grupos específicos.

Destaca-se um sentido de integralidade aplicável a certas propostas de respostas

governamentais aos problemas de saúde, que se caracteriza principalmente pela recusa em

objetivar e recortar os sujeitos sobre os quais a política de saúde incide, e que, portanto,

amplia o horizonte de problemas a serem tratados pela política.

Em um outro sentido também aplicável às respostas governamentais na área de saúde,

a noção de integralidade expressa a convicção de que cabe ao governo responder a certos

82

problemas de saúde pública e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de

prevenção como as possibilidades assistenciais. (MATTOS, 2001b)

Recuperando as mudanças que têm se processado no mundo do trabalho e,

conseqüentemente, têm influenciado significativamente os processos de trabalho em saúde,

partilhamos da idéia de Marise Ramos (2005a, p. 208-209), pela qual o princípio da

integralidade em saúde exigiria, necessariamente, a superação da separação entre trabalho

manual e intelectual e entre dirigentes e dirigidos na distribuição de tarefas e

responsabilidades aos membros de um grupo de trabalho.

Para se conceber a atenção integral, o ser humano deve ser concebido como “íntegro”,

“inteiro”. (CIAVATTA, 2005) Por sua vez, não há como considerar o usuário dos serviços de

saúde por inteiro se assim o trabalhador de saúde não se sentir e não for considerado.

(RAMOS, 2005a, p. 210)

Não há como o trabalhador agir com base na integralidade se a sua formação não for

integral. Para Ciavatta (2005, p. 85), isto sugere superar o ser humano dividido historicamente

pela divisão social do trabalho, superar a redução da preparação para o trabalho ao seu

aspecto operacional, permitindo a formação para a leitura do mundo e para a atuação como

cidadão.

Segundo Ramos (2005a, p. 214), todo homem possui uma concepção de mundo. O

processo de formação humana deve ser pleno, promovendo a crítica a essa concepção de

mundo desagregada, de modo a torná-la:

- crítica – superando convicções que não correspondem à realidade e buscando

aproximá-las ao máximo do real;

- coerente – conquistando a coerência entre “pensamento” e “norma de conduta”,

entre “teoria” e “prática”, entre “filosofia” e “política”; e

- unitária – sendo uma concepção crítica e coerente não de um ser humano isolado,

mas de um grupo/classe social.

Por isso, Marise Ramos, ao falar especialmente em formação profissional (em saúde),

defende que integrar formação geral e formação técnica na educação de trabalhadores –

formação integral – é condição necessária para a realização da integralidade como atributo das

práticas e da organização do trabalho em saúde. (RAMOS, 2005a, p. 217)

Para a autora, é preciso promover a apropriação dos conhecimentos científicos no

âmbito epistemológico, metodológico e produtivo. No âmbito epistemológico, compreendê-

83

los não como estruturas teórico-conceituais absolutas e neutras, mas com significado sócio-

histórico, político e cultural. No âmbito metodológico, compreender e apreender o método

que levou à construção do conhecimento e a capacidade de tomá-lo como pressuposto na

construção de novos conhecimentos. E, no âmbito produtivo, fazer uso de teorias e conceitos

e procedimentos para a realização de atividades concretas. (RAMOS, 2005a, p. 218) Além

disso, há que se considerar o trabalho como princípio educativo: o trabalho é espaço de

construção do ensino-aprendizagem, isto é, aprende-se com o trabalho.

Permitidas estas apropriações aos trabalhadores por meio da formação, a integralidade

na formação e no trabalho em saúde estará no “resgate do ser humano como o sentido de

todas as práticas.” (RAMOS, 2005a, p. 220)

Assumimos, portanto, a integralidade como valor e, por isso, imprescindível à

formação profissional em saúde, à organização do trabalho em saúde e às práticas. Valor sem

o qual o trabalho em saúde, seja organizado em equipe multiprofissional, seja organizado de

outra forma, não tem como produzir a existência do homem, perde a dimensão ontocriativa e

dedica-se apenas a mera mercantilização da força de trabalho.

3.2.2 A produção do cuidado e o campo da gestão No presente estudo, é fundamental compreender que a garantia do processo de cuidado

seja realmente um processo, e não uma soma de etapas do cuidado. Segundo Merhy & Cecílio

(2005), todo processo de trabalho em saúde, para produzir o cuidado, deve primeiro produzir

atos de saúde. A produção de um procedimento é a produção de um ato de saúde, porém isso

pode ser feito dentro de um certo modo de cuidar que não é obrigatoriamente sentido como

“cuidador” pelo usuário, ainda que seja considerado como tal pelo trabalhador que executa o

ato de saúde.

Em alguns casos, esta situação pode não levar à produção da saúde, pois esta implica

que o processo produtivo impacte ganhos ou resgate graus de autonomia no “modo do usuário

de andar na vida”. As produções de atos de saúde podem ser apenas produtoras de/ centradas

em procedimentos e nos interesses da organização em si, e não centradas nas necessidade de

saúde dos usuários. “A finalidade última pela qual esta produção se realiza esgota-se na

produção de um paciente operado, vacinado, e ponto final.” (MERHY; CECÍLIO, 2005)

Destarte, os autores interpretam os processos de produção do cuidado como forma de

expor diversas tensões entre:

84

- o cuidado centrado nos procedimentos ou centrado nos usuários;

- um agir privado e um público, inscrito no modo de operar o trabalho vivo em ato;

- as disputas permanentes de distintas intenções em torno do que são o objeto e o

sentido das ações de saúde.

Para o desafio de intervir no campo da gestão, apontam as seguintes “polaridades”

como características do agir em saúde:

1. produzir o cuidado em saúde de modo centrado no usuário – que mobiliza estrategicamente o território das tecnologias leves e leve-duras – sem descartar a utilização dos processos de produção de procedimentos – mobilizadores de tecnologias duras e leve-duras e, em regra, centrada no profissional;

2. produzir o cuidado em saúde, que está sempre inscrito em uma dimensão

pública de jogos de interesses e representações, sem eliminar o exercício privado das produções intercessoras, base de constituição de qualquer ato de saúde, mas tomando o território particular do usuário como eixo de “publicização” dos outros;

3. atuar em ambientes organizacionais assentados em muitos grupos de interesses,

sem deixar de buscar pactuar o interesse do usuário como se fosse de todos.” (MERHY, CECÍLIO, 2005)

Neste âmbito da gestão, vale considerar a postura de Campos (1999):

... o estilo de governo e a estrutura de poder das organizações condicionam e determinam comportamentos e posturas. Um sistema de poder altamente verticalizado, com tomada centralizada de decisões, tende a estimular descompromisso e alienação entre a maioria dos trabalhadores. Um processo de trabalho centrado em procedimentos e não na produção de saúde tende a diluir o envolvimento das equipes de saúde com os usuários. (CAMPOS, 1999, p. 395)

Para Malta & Merhy (2004, p. 265), a gestão em saúde terá de enfrentar a tensão nos

terrenos da política, da organização e do processo de trabalho, em que os conflitos entre os

sujeitos estarão sempre ocorrendo. Os diferentes projetos terão de utilizar novas modalidades

assistenciais nas suas estratégias gerenciais que não anulem as anteriores, convivendo e

recriando o novo. Cabe também não abandonar as lógicas administrativas que permitam a

construção de um agir em saúde mais eficiente e sempre cuidador, comprometido com a

defesa da vida.

85

A organização do trabalho em saúde em equipes nos parece uma forma de contornar

esta questão, visto que todos os trabalhadores nela envolvidos se empenhariam na construção

e na prática de um projeto terapêutico – individual ou coletivo, dependendo do caso.

Abordamos esta forma de organização na seqüência.

3.3 TRABALHO EM EQUIPE

O trabalho é o processo através do qual o homem transforma a natureza; portanto, os

homens não o fazem individualmente, isoladamente, mas relacionando-se entre si. O

indivíduo é um produto histórico tardio, já que o homem se constitui inicialmente como ser

em relação com os outros. Ele só se individualiza no processo histórico e é somente na época

moderna, na sociedade capitalista, que surge o indivíduo em contraposição à sociedade.

(SAVIANI, 2003)

Uma das formas de viabilizar a relação entre os trabalhadores e de organizar o trabalho

é a constituição de equipes, visto que a equipe é um instrumento de trabalho ou uma forma de

responder ao usuário que seja menos alienada e fragmentada do ponto de vista organizativo.

A equipe profissional tem importante papel na construção da relação entre sujeitos, na

formação do vínculo e responsabilização e como dispositivo facilitador desta interação no

processo de trabalho. A importância da equipe multiprofissional tem sido evidenciada a fim

de se superar o modelo médico-centrado (e procedimento-centrado) em direção a um modelo

que tenha o usuário e a relação profissional-paciente como objetos. Além disso, a equipe

multiprofissional tem relevância ao ampliar o trabalho médico para um trabalho coletivo em

saúde e ao enfrentar o intenso processo de especialização na área da saúde, fruto da divisão do

trabalho.

Como discutimos anteriormente, a divisão social do trabalho é intrínseca aos diversos

modos de produção da sociedade e reflete a divisão de classes sociais, tendo em vista as

diferenças que as constituem. A divisão decorrente do trabalho parcelado é própria do modo

de produção capitalista e se acentua à medida em que ocorrem os avanços tecnológicos

(especialmente através de máquinas). Destarte, neste modo de produção, há um parcelamento

do trabalho em numerosas operações, executadas por diferentes trabalhadores, caracterizando

86

assim a divisão técnica, que não deixa de se caracterizar como uma divisão social33.

(MATUMOTO et al., 2005)

No processo de trabalho da equipe de saúde, a divisão técnica é mais visível e mais

fácil de ser apreendida e analisada. A própria formação e a contratação para uma dada função

definem minimamente esta divisão. Além da divisão por categorias profissionais, há

subdivisões por especialidades dentro de uma mesma categoria, como na categoria de

médicos.

Esta divisão técnica incide diretamente sobre a produção de cuidados. O parcelamento

é tomado como natural, mas, ao mesmo tempo, leva à perda do objeto da atenção em saúde: o

usuário.

Ao analisar esta divisão, a equipe pode se deparar com sua impotência e imobilidade perante os problemas dela conseqüentes, especialmente se tratados no limite estrito da divisão técnica. De certa forma, para se proteger dessa sensação do não-saber, mas principalmente sob a pressão da lógica de produção capitalista, o trabalhador tende ao movimento hegemônico da produção de procedimentos. (MATUMOTO et al., 2005, p. 20-21)

A divisão técnica define os territórios de atuação de cada membro da equipe

explicitando as atribuições oficiais, porém gera expectativas em relação ao que se espera do

desempenho uns dos outros, entre os trabalhadores e destes em relação aos usuários. Em

geral, estas expectativas não são explicitadas nas relações cotidianas, mas podem colaborar

com o surgimento de obstáculos para desenvolvimento do trabalho da equipe. (MATUMOTO

et al., 2005, p. 21)

A partir da constituição de equipes, Peduzzi (1998) analisou as concepções de

profissionais de saúde sobre o sentido do trabalho em equipe multiprofissional e as evidências

empíricas do caráter coletivo desse trabalho. Partindo de uma definição que distingue a equipe

como agrupamento de agentes e a equipe como integração de trabalhos34, observou que os

profissionais projetam a perspectiva de integração. Para a autora, o trabalho em equipe

emerge como modalidade de trabalho coletivo, definido sob uma perspectiva de integração

dos trabalhos especializados, dos trabalhos dos diferentes profissionais. (PEDUZZI, 2001)

33 O trabalho manual geralmente é executado por trabalhadores de classes sociais menos favorecidas enquanto o trabalho intelectual cabe àqueles que pertencem às classes mais privilegiadas. (MATUMOTO et al., 2005, p. 20) 34 Marina Peduzzi adota a noção de que equipe agrupamento é caracterizada pela fragmentação, ao passo que equipe integração se caracteriza pela ação consoante à proposta da integralidade das ações de saúde. (PEDUZZI, 2001)

87

Pires (1998) abordou o trabalho em saúde apontando que, majoritariamente, esse

trabalho é coletivo, realizado por diversos profissionais de saúde e diversos outros grupos de

trabalhadores que desenvolvem uma série de atividades. Entretanto, o trabalho coletivo pode

se dar tanto numa dimensão de equipe como numa dimensão fragmentada, dividida, segundo

a lógica taylorista da organização e gestão do trabalho. Dessa forma, evidenciam-se, muitas

vezes, a busca dos profissionais por equipes que reiteram o modelo médico-hegemônico.

Assim como Peduzzi (2001), Ribeiro, Pires & Blank (2004) tratam da integração no

trabalho em equipe:

Trabalho em equipe de modo integrado significa conectar diferentes processos de trabalhos envolvidos, com base em um certo conhecimento acerca do trabalho do outro e valorizando a participação deste na produção de cuidados (...). Significa também utilizar-se da interação entre os agentes envolvidos, com a busca do entendimento e do reconhecimento recíproco de autoridades e saberes da autonomia técnica. (RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004, p. 444)

O trabalho em equipe é uma condição para a resolutividade do trabalho em saúde,

permite complementaridade e, por ele, somos desafiados em nossa “certeza” profissional.

Matumoto et al. (2005) consideram o trabalho de equipe em saúde como

uma rede de relações (de trabalho, de poder, de afeto, de gênero etc.) entre pessoas, produzidas permanentemente no dia-a-dia, com múltiplas necessidades de significados, de encontros e desencontros, satisfações e frustrações, lágrimas e sorrisos. (MATUMOTO et al., 2005, p. 14)

Para tais autores, o trabalho em equipe é gerido e concretizado no mesmo instante do

ato do trabalho. A equipe torna-se equipe enquanto produz o cuidado do usuário. Há também

uma leitura de que o trabalho em equipe

é um instrumento para superação do paradigma médico convencional de organização dos serviços, onde saberes disciplinares estanques orbitam ao redor do saber médico hegemônico. O trabalho em equipe adota o caráter multidisciplinar, alargando competências comuns, desmontando e reorganizando poderes e saberes estabelecidos. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)

O trabalho em equipe está no plano das relações e envolve interação, relação e

necessidade de produzir resultados. A relação entre profissionais envolve o cumprimento de

um conjunto de regras para que se possibilite a construção do projeto terapêutico, com uma

88

concepção do processo de saúde e doença em direção à integralidade. No entanto, como

profissionais de saúde, continuamos sem saber o que o outro faz, desconhecemos o trabalho

do outro. Dessa forma, a discussão sobre equipes só faz sentido se for em referência aos

usuários. Mais uma vez, a integralidade deve ser o norte para o trabalho em equipe;

integralidade em uma perspectiva ética de respeito ao outro, colocando contradições para os

profissionais.

A especialização e a equipe são dois movimentos que ocorrem simultaneamente;

porém, são contraditórios. É preciso problematizar o trabalho vivo em ato, problematizar a

relação com os usuários e problematizar a relação com os trabalhadores da equipe.

3.3.1 Multi – Inter – Transdisciplinaridade e Integralidade: pressupostos para a organização do trabalho das equipes de saúde

A discussão do trabalho em equipe aparece, muitas vezes, relacionada à multi, inter e

transdisciplinaridade. A discussão semântica de tais conceitos não é o tema central do

presente estudo; portanto, são apenas explicitadas para compreensão das idéias que

representam e a que nos referenciamos ao longo do trabalho.

Araújo & Rocha (2007, p. 461) resumem as contribuições de Almeida Filho (2000)35,

que fez as seguintes distinções – de caráter didático – entre os conceitos que citamos:

− Multidisciplinaridade: refere-se basicamente à associação ou justaposição de

disciplinas que abordam um mesmo objeto a partir de distintos pontos de vista.

Não se verifica uma integração interdisciplinar;

− Interdisciplinaridade: busca a superação das fronteiras disciplinares, o

estabelecimento de uma linguagem interdisciplinar consensualmente construída.

Há troca entre as disciplinas com integração de instrumentos, métodos e esquemas

conceituais;

− Transdisciplinaridade: indica uma integração das disciplinas de um campo

particular para uma premissa geral compartilhada, estruturadas em sistemas de

vários níveis e com objetivos diversificados. Observa-se uma tendência de

horizontalização das relações interdisciplinares. Apresenta como definição “a

possibilidade de comunicação não entre os campos disciplinares, mas, entre

35 ALMEIDA FILHO, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Revista de Administração Pública, v. 34, n. b, p. 47-61. 2000.

89

agentes em cada campo, através da circulação não dos discursos, mas dos sujeitos

dos discursos”. (ALMEIDA FILHO, 200036 apud ARAÚJO; ROCHA, 2007, p.

461)

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) preconiza a constituição de equipes

multiprofissionais considerando que

são essenciais e requerem não apenas a mistura certa de profissionais, mas também uma delineação de papéis e responsabilidades, sua distribuição geográfica e treinamento para maximizar a contribuição de trabalho de equipe para os resultados em saúde, trabalhador de saúde e satisfação do usuário. (OPAS/OMS, 2005, p. 13)

Fazendo o debate no campo semântico, Ramos (2005a, p. 210) questiona se a

multiprofissionalidade seria, por si só, capaz de superar a separação entre trabalho manual e

intelectual e entre dirigentes e dirigidos na distribuição de tarefas e responsabilidades aos

membros de um grupo de trabalho. Como vimos anteriormente, a autora considera que o

princípio da integralidade necessariamente exige esta superação. Considerar que a

integralidade requer a atuação coordenada de muitos profissionais não lhe parece suficiente,

posto que a relação que se estabelece entre eles pode se manter sob os auspícios da divisão social e técnica do trabalho, com níveis significativos de separação entre trabalho manual e intelectual, entre dirigentes e dirigidos, numa estrutura rigidamente diferenciada e hierarquizada. (RAMOS, 2005a, p. 209)

O trabalho em equipe e a integração de funções poderiam responder ao desafio da

multiprofissionalidade, mas a autora argumenta que “nem mesmo esses atributos rompem,

necessariamente, com os preceitos da divisão social e técnica do trabalho.” .(RAMOS, 2005a,

p. 209) Para ela, a diretriz da multiprofissionalidade precisa ser mais que alterações

quantitativas de refuncionalização programática de cadeias lineares e hierarquizadas de

produção dos serviços de saúde. (RAMOS, 2005a, p. 219)

Saviani (2003) faz uma ressalva à interdisciplinaridade. Segundo o autor, acreditava-se

que a via da interdisciplinaridade seria capaz de superar a fragmentação do conhecimento.

Entretanto, a noção de interdisciplinaridade pode conter o risco apenas de uma justaposição,

pois a própria noção, de certa forma, envolve o pressuposto da fragmentação.

36 ALMEIDA FILHO, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Revista de Administração Pública, v. 34, n. b, p. 47-61. 2000.

90

Com efeito, parte-se do entendimento que os conhecimentos são fragmentados e cada um tem uma especialidade. Se reúno diferentes profissionais, supondo com isso superar o problema, já estou pressupondo uma perspectiva parcial do conhecimento, contendo a idéia do especialista e do não-especialista. (SAVIANI, 2003, p. 142)

Dependendo da concepção epistemológica, a interdisciplinaridade aparecerá como

necessidade ou como problema:

... o trabalho interdisciplinar se apresenta como uma necessidade imperativa pela simples razão de que a parte que isolamos ou arrancamos do contexto originário do real (...) tem que ser explicitada na integridade das características e qualidades da totalidade. É justamente o exercício de responder a esta necessidade que o trabalho interdisciplinar se apresenta como um problema crucial, tanto na produção do conhecimento quanto nos processos educativos e de ensino. (FRIGOTTO, 1995, p. 3337 apud RAMOS, 2005b, p. 115-116)

A multiprofissionalidade e o trabalho em equipe podem ser pensados a partir de alguns

vetores, como a transdisciplinaridade. Esta não é uma evolução da multi ou da

interdisciplinaridade, mas parte de uma postura ética, e não de uma perspectiva meramente

metodológica. As disciplinas não são prontas e acabadas, mas um processo, e a

transdisciplinaridade nega a privatização do conhecimento pelas profissões.

Neste debate, também consideramos a definição de que “a interdisciplinaridade, como

método, é a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados a partir de

distintos recortes da realidade; isto é, os diversos campos do conhecimento representados em

disciplinas.” (RAMOS, 2005b, p. 116)

Ressaltando o aspecto necessariamente multidisciplinar/multiprofissional da equipe,

defendemos que é preciso pensar e propor formas de organização do trabalho que, ao mesmo

tempo, tenham impacto na qualidade da atenção e permitam a realização de um trabalho

interdisciplinar, criativo e integrador dos saberes dos diferentes profissionais da saúde.

37 FRIGOTTO, Gaudêncio. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. In: JANTSCH, P. e BIANCHETTI, Lucídio. (org.). A interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 25-49

91

3.4 A ATENÇÃO PRIMÁRIA E A REORIENTAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE

Neste ponto, faremos uma aproximação entre os debates da Atenção Primária à Saúde

(APS), objeto de análise do capítulo 2, e da reorientação do processo de trabalho em saúde,

bem como de seu(s) modo(s) de organização.

A reorganização do processo de trabalho passa pela qualificação da força de trabalho e

integração dos profissionais na assistência, resgatando o sentido do trabalho multiprofissional

e qualificando o produto final ofertado. (MALTA; MERHY, 2003, p. 65)

Franco & Magalhães Jr. (2003) destacam que a resolutividade na rede básica está

ligada ao recurso instrumental e conhecimento técnico dos profissionais, bem como à ação

acolhedora, ao vínculo entre profissionais e usuários e ao significado que se atribui à relação

entre estes sujeitos. Os autores consideram que há um descuido com a saúde que gera excesso

de encaminhamento para especialistas e alto consumo de exames, fazendo com que os

serviços sejam pouco resolutivos, pois a assistência organizada deste modo não é capaz de

atuar sobre as diversas dimensões do usuário. Com isso, “prevalece um processo de trabalho

partilhado, que desconhece o sujeito pleno que traz consigo, além de um problema de saúde,

uma certa subjetividade, uma história de vida, que são também determinantes do seu processo

de saúde e doença.” (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 127)

Para superação desta questão, apoiamo-nos na proposição de Campos (2006). Segundo

este autor, a estruturação de equipes multiprofissionais é a base principal da organização dos

serviços de saúde, às quais se adscrevem um dado número de usuários. Esta organização teria

duas justificativas:

Uma, de quebrar a costumeira divisão do processo de trabalho em saúde segundo recortes verticais, compondo segmentos estanques por categorias profissionais (...). A outra, prende-se à idéia de responsabilizar cada uma dessas equipes por um conjunto de problemas muito bem delimitados e pelo planejamento e execução de ações capazes de resolvê-los, o que ocorreria por meio da vinculação de cada equipe a um certo número de pacientes previamente inscritos, do atendimento de uma certa parcela da demanda que espontaneamente procura a unidade, bem como pela responsabilidade em relação aos problemas coletivos. (CAMPOS, 2006, p. 152-153)

Ribeiro, Pires & Blank (2004) recordam os objetivos centrais das equipes do Programa

Saúde da Família (PSF): a prestação de assistência integral, contínua, com resolutividade e

qualidade às necessidades de saúde da população adscrita, destacando-se a perspectiva da

família. Para isso, é preciso que haja uma abordagem multidisciplinar, processos diagnósticos

92

de realidade, planejamento das ações e organização horizontal do trabalho, compartilhamento

do processo de decisão e estímulo ao controle social. Esses autores consideram que tal

proposta constitui-se um desafio, “já que se propõe uma ruptura com o modelo assistencial

atual e a construção de uma nova prática”. (RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004, p. 441)

Silva & Trad (2005) ressaltam que o trabalho em equipe multiprofissional é um

importante pressuposto para a reorganização do processo de trabalho no âmbito do PSF,

visando uma abordagem mais integral e resolutiva. Para Merhy & Franco (2000), apesar de o

PSF trazer na sua concepção teórica a tradição herdada da vigilância à saúde, o programa

reconhece que a mudança do modelo assistencial se dá a partir da reorganização do processo

de trabalho. A alternativa pensada estruturou o trabalho assistencial a partir de equipes

multiprofissionais. Contudo, se a idéia de mudança do processo de trabalho ficar presa ao

simples fato de se conformar uma equipe e à mudança do trabalho da equipe da Unidade de

Saúde para o território e o domicílio (cf. BRASIL, 2001), aqui pode se repetir o modelo

médico-hegemônico, haja vista a transferência de lugar não signifique, necessariamente, a

mudança do núcleo tecnológico de operar o trabalho.

A proposição de inovações no modelo de gestão e no processo de trabalho das equipes

que atuam na saúde da família deve ter o objetivo de reverter o modelo médico-hegemônico,

reconstruindo as práticas assistenciais. A responsabilização do profissional pelas ações de

saúde, o vínculo entre equipe e população adscrita, a abordagem do usuário como sujeito do

processo e a integração da APS com os demais níveis de atenção do sistema de saúde devem

ser tomados como eixos estruturadores dos serviços prestados. (MASCARENHAS, 2003, p.

70)

Esses eixos abririam possibilidades de alteração nos microprocessos de trabalho e nas

relações de interação entre as pessoas no cotidiano dos serviços, como, por exemplo, a

necessidade de trabalho em equipe e a importância de valorização de cada profissional no

processo de cuidado da saúde do usuário.

A relevância dessas questões na melhoria da saúde do usuário e na sua qualidade de vida ocorreria como decorrência do fato que o usuário ou a comunidade saberia que dispõe de uma equipe definida e responsável pelo cuidado da sua saúde e da de sua família. (MASCARENHAS, 2003, p. 71)

Tendo-se clareza de que a reorientação do modelo tecnoassistencial exige não só uma

mudança na organização de serviços, mas, principalmente, na dimensão assistencial, a

reorientação do processo de trabalho torna-se norte imprescindível. A construção de um

93

compromisso efetivo dos trabalhadores de saúde com o mundo das necessidades dos usuários

passa pela busca da construção de um modelo tecnoassistencial em que atuem equipes

multiprofissionais, operadoras de conhecimentos multiprofissionais. (MERHY, 2002) Afinal,

como nos diz Franco (2003b, p. 110), “atuar sobre o núcleo tecnológico de produção do

cuidado é o mesmo que operar sobre o modelo tecnoassistencial, estando essas dimensões

ligadas, por assim dizer, pela lógica de produção do cuidado, onde um determina o outro e

vice-versa.”.

Considerando as afirmações de Testa (2002, p. 30, tradução nossa), compreendemos

que para se pensar a reorganização dos processos de trabalho deve-se levar em conta os

valores sociais que se deseja promover. No nosso caso, valores que incluam a produção de

vínculo e responsabilização, o acolhimento e o usuário como centro da atenção e do cuidado

em saúde. Pois tal reorganização pode levar, inclusive, à transformação da sociedade,

devendo ser conduzida por reais valores de mudança.

É importante considerar a inovação do processo de trabalho como o surgimento de um

processo de trabalho novo. Para Testa (2002), o mais desejável será sempre que a inovação

tenha um conteúdo propositivo que esteja de acordo com a ideologia que o grupo que analisa

sustenta, para que a inovação não vá em direção oposta à que se julga “boa” ou “desejável”.

(TESTA, 2002, p. 65, tradução nossa) Por isso a importância da transição tecnológica, da

mudança, no sentido de provocar uma ruptura com o modo anterior de produção de saúde e de

organização dos processos de trabalho.

3.4.1 O processo de trabalho na Saúde da Família e a composição de equipes No capítulo 2, balizamo-nos no documento “Renovação da Atenção Primária em

Saúde nas Américas”, iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde de revigorar a

abordagem da APS. O texto enfatiza a importância a ser dada ao trabalho/trabalhador de

saúde neste nível de atenção e aponta desafios de recursos humanos nas Américas para

promover a renovação da APS, (OPAS/OMS, 2005, p. 17) como mostra o Quadro 2:

94

Quadro 2 – Desafios de Recursos Humanos nas Américas

DESAFIOS ATUAIS

• Os profissionais de saúde são pouco motivados e pouco compensados em comparação com outros

profissionais

• Há um número insuficiente de trabalhadores qualificados em saúde para oferecer cobertura universal

• O trabalho em equipe é pouco desenvolvido ou é promovido de forma insuficiente

• Os profissionais qualificados preferem trabalhar em hospitais e cidades

• Faltam apoio e supervisão adequados

• O treinamento pré e pós-graduação do pessoal de saúde não estão alinhados às exigências da prática de APS

• Migração internacional de trabalhadores em saúde

IMPLICAÇÕES DE RECURSOS HUMANOS EM PLANEJAR UM SISTEMA DE SAÚDE

COM BASE EM APS

• A cobertura universal exigirá um volume importante de profissionais treinados em atenção primária

• Os recursos humanos devem ser planejados de acordo com as necessidades da população

• O treinamento em recursos humanos deve ser vinculado às necessidades de saúde e deve se tornar sustentado

• Devem ser implementadas políticas de qualidade sobre o desempenho dos profissionais

• As capacidades humanas (tanto os perfis quanto as competências) devem ser caracterizadas e cada perfil

profissional deve ser ajustado a um cargo específico

• Exigem-se mecanismos de avaliação contínua para permitir que os trabalhadores em saúde se adaptem a novos

cenários e abordem as necessidades variantes da população

• As políticas devem apoiar uma abordagem multidisciplinar à atenção abrangente (integral)

• A definição de trabalhadores em saúde deve ser expandida para incluir não apenas clínicos, mas também

aqueles que trabalham em sistemas de informação, gerência e gestão de serviços

Fonte: Adaptado de OPAS/OMS (2005)

Estas recomendações ecoam no Brasil. Assim como no PSF, é preconizada uma

abordagem multidisciplinar para as políticas de modo a promover uma atenção abrangente,

integral na APS como política para as Américas.

Nacionalmente, diferentes documentos (especialmente documentos do Ministério da

Saúde) destinam-se a descrever e delinear diretrizes para o trabalho das equipes de Saúde da

Família, (BRASIL, 2003c; 2006b) apesar de muitas vezes parecerem apenas documentos

normativos e prescritivos. Como exemplo, citamos o “Documento Final da Comissão de

Avaliação da Atenção Básica”, que ressalta alguns aspectos relacionados ao trabalho em sua

formulação de atenção básica (BRASIL, 2003c):

95

− o processo de trabalho da AB deve se pautar, entre outros, pelo princípio da

integralidade, significando que:

a) deve promover a integração de práticas de promoção e recuperação

da saúde, prevenção de doenças e agravos e reabilitação de seqüelas;

b) deve se articular com os outros níveis de atenção do sistema para

assegurar a continuidade da atenção à saúde; e

c) é necessária a articulação do setor saúde com outros setores;

− os meios de trabalho da AB necessitam articular saberes e práticas de natureza

diversa;

− os agentes do processo de trabalho constituem uma equipe de saúde; e

− a AB tem um papel fundamental na organização do sistema de saúde.

Decerto, sabemos que não há como abordar a questão dos “modelos” sem normas, mas

reforçamos a idéia de que elas não devem prevalecer sobre outras questões no trabalho em

saúde. Piancastelli (2001) assinala que, no cotidiano das ESF, uma série de ações e

pressupostos tem se materializado em princípios:

− desenvolvimento de um novo processo de trabalho nos cuidados à saúde, substituindo as práticas convencionais de atendimento e funcionamento das unidades de saúde, baseada na organização estanque de programas e no atendimento fragmentado e descontínuo de pacientes;

− envolvimento de médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde e, progressivamente, outros profissionais;

− adscrição de famílias (...) que se vinculam à unidade de saúde e à equipe de profissionais de saúde;

− a oferta de atenção integral à saúde dos indivíduos e das famílias, envolvendo a promoção, a prevenção de doenças e agravos à recuperação da saúde;

− articulação no atendimento com a rede de serviços de saúde, para assegurar a referência e contra-referência (...);

− conhecimento da realidade das famílias pelas quais é responsável (...); − identificação dos problemas de saúde prevalentes e situações de risco às quais a

população está exposta; − elaboração, com a participação da comunidade, de um plano local para

enfrentamento dos determinantes do processo de saúde-doença; − prestação de assistência integral, respondendo de forma contínua e racionalizada

à demanda, organizada ou espontânea (...); − desenvolvimento de ações educativas e intersetoriais para o enfrentamento dos

problemas de saúde identificados; − eleição da família e de seu espaço social como núcleo básico de abordagem no

atendimento à saúde; − estímulo à organização da comunidade para efetivo exercício do controle social;

e, − compromisso de fazer com que a saúde seja reconhecida como um direito de

vida e, portanto, expressão de qualidade de vida. (PIANCASTELLI, 2001, p. 133-134)

96

Em relação ao trabalho, o PSF parece ter atenuado a tradicional polarização prática

clínica/ prática sanitária, apontada por Mendes-Gonçalves (1984) via APS.

Santana (2000) apontava para as peculiaridades do processo de trabalho das equipes de

Saúde da Família (ESF) relacionadas a questões de ordem mais geral, no bojo das quais se

situam a concepção e o desenvolvimento da Estratégia de Saúde da Família, e à redefinição

permanente, na prática cotidiana, do objeto e dos instrumentos de trabalho desta “nova

equipe”. Realizando uma avaliação no contexto de expansão da Estratégia (cf. HEIMANN;

MENDONÇA, 2005), o autor avançava na polêmica, pensando na possibilidade de

redefinição da composição básica da equipe, imaginando que esta poderia se alterar no futuro

ou se adaptar, naquele tempo presente, conforme ditames da realidade nos diferentes

contextos sociais, econômicos e culturais do país. (SANTANA, 2000, p. 13)

A esse respeito, destacamos a publicação da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005,

pelo Ministério da Saúde, que criava os Núcleos de Atenção Integral no âmbito da Estratégia

da Saúde da Família, com a finalidade de ampliar a integralidade e a resolubilidade da

Atenção à Saúde. (BRASIL, 2005c) Os núcleos seriam constituídos por profissionais de

diferentes áreas do conhecimento, para além daqueles já contemplados na equipe mínima;

porém, a Portaria foi revogada por falta de orçamento, segundo o Ministério da Saúde.

(RADIS, 2006, p. 4)

Os Núcleos visavam à qualificação da Atenção Básica com ênfase na Estratégia Saúde

da Família; a ampliação do acesso às ações de Atividade Física, Saúde Mental, Reabilitação,

Alimentação e Nutrição e Serviço Social; a promoção da autonomia dos usuários e famílias; e

o fortalecimento da cidadania.

Seriam compostos pelas seguintes modalidades de ação desenvolvidas em conjunto

com a Atenção Básica: a) alimentação/nutrição e atividade física; b) atividade física e saúde;

c) saúde mental e d) reabilitação. A composição profissional das diversas modalidades deveria

respeitar as seguintes definições:

− Alimentação/Nutrição e Atividade Física: nutricionista, profissional de educação

física e instrutor de práticas corporais;

− Atividade Física: profissional de educação física e instrutor de práticas corporais;

− Saúde Mental: psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional e assistente social,

sendo obrigatória a presença do psicólogo ou de psiquiatra e de pelo menos mais

um profissional entre os mencionados;

97

− Reabilitação: fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e assistente

social, sendo obrigatória a presença do fisioterapeuta e de pelo menos mais um

profissional entre os mencionados.

Os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família deveriam estar articulados com

os serviços de referência existentes, como, por exemplo, Centros de Atenção Psicossocial,

Centros de Reabilitação, Centros de Lazer e Esportes e com profissionais dos serviços

especializados. (BRASIL, 2005c) A importância desta iniciativa consistia na possibilidade de

maior resolutividade do PSF e para a organização da APS. Todavia, a não implementação da

Política preconizada pela Portaria prejudica a real efetivação do SUS.

No nosso entendimento, o SUS são seus princípios e diretrizes e, sendo estes núcleos

fundamentais para a concretização de princípios como a integralidade, a negação desta forma

de Política não contribui para que o SUS, de fato, ocorra, ainda que estejamos falando no

âmbito da Atenção Primária. Se esta é reorganizadora, estruturante e porta de entrada

preferencial do sistema de saúde, é local privilegiado onde todas as características

preconizadas se dêem em sua plenitude.

Em nosso capítulo 5 (Nossos Achados: Resultados e Discussão) recuperaremos este

debate para reflexão sobre os modos que o município de Belo Horizonte vêm encontrando

para inserção de profissionais que não fazem parte das ESF na atenção primária.

3.5 BREVE SÍNTESE

Para Franco & Magalhães Jr. (2003), a organização dos processos de trabalho é a

principal questão que se deve enfrentar para a mudança dos serviços de saúde, para que eles

operem centrando-se no usuário e nas necessidades destes. No modelo assistencial médico-

hegemônico, o fluxo da unidade básica de saúde se volta para a consulta médica,

prevalecendo o uso de tecnologias duras. O processo de trabalho apresenta-se carente de

interação de saberes e práticas.

Os autores afirmam que a mudança do modelo assistencial requer inversão das

tecnologias do cuidado a serem utilizadas na produção da saúde. Segundo eles, a condição

para que o serviço seja produtor do cuidado é que o processo de trabalho seja centrado nas

tecnologias leves e leve-duras. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 128)

98

O novo paradigma trazido pelo SUS, expresso em seus princípios, impôs, de fato, uma

revisão no conceito do processo de trabalho em saúde e na operacionalização das políticas

para os trabalhadores do setor, tendo em vista que as condições históricas relativas ao

contingente de trabalhadores do SUS são fatores intrínsecos à efetiva consolidação do SUS.

(MAGALHÃES, 1998, p. 193)

Deve-se ter sempre em mente que o trabalhador é agente ativo do processo de trabalho

em saúde, agente ativo em um modelo de prestação de serviços que deve ser humanizado.

(MAGALHÃES, 1998, p. 194) Para atuar na APS, ele precisa ter auto-organização do

trabalho, ser um prestador de serviços de saúde integral com qualidade, investigador,

comunicador, educador, administrador e membro da equipe de saúde, para o trabalho coletivo.

Além disso, deve ser intérprete da condição humana, realizando na prática o enfoque

científico e humano, o enfoque clínico-epidemiológico-social e o enfoque sistêmico

(referência e contra-referência).

Os fluxos dos encontros entre as equipes de saúde com os usuários devem ter mão

dupla e todos os trabalhadores das equipes, além das suas contribuições específicas, devem

colocar o seu potencial à disposição dos usuários. (CAMPOS, 1998, p. 18) As interações entre

trabalhadores e pacientes contribuem para o estabelecimento de relações de longa duração,

que facilitam a efetividade na Atenção Primária. São os meios pelos quais os profissionais

aprendem a respeito dos problemas dos pacientes e como os pacientes aprendem sobre a

maioria dos aspectos de sua atenção. É a amplitude e a profundidade do contexto que

distingue as interações na atenção primária daquelas de outros níveis de atenção.

(STARFIELD, 2002, p. 292)

Esse encontro singular qualifica a assistência. Para Campos (1998), esses encontros

também deveriam acontecer fora das situações de doença e com preocupações de caráter mais

coletivo, como nas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Porém, ressalta-se

que um modelo com ênfase na promoção e prevenção não pode ser contraposto à clínica, que

deve ser respeitada e possibilitada. (CAMPOS, 1998, p. 18)

Adicionalmente, o trabalho em equipe tem a finalidade de impactar os diferentes

fatores que interferem no processo saúde-doença. “A ação interdisciplinar pressupõe a

possibilidade da prática de um profissional se reconstruir na prática do outro, ambos sendo

transformados para a intervenção na realidade em que estão inseridos.” (ARAÚJO; ROCHA,

2007, p. 456)

Todas as características aqui apontadas e discutidas têm o papel de subsidiar a reflexão

a respeito do modelo assistencial que vem se conformando para a APS no Brasil, com base no

99

processo de trabalho. A opção pelo PSF está cada vez mais consolidada nos municípios e,

portanto, faz-se mister que tal reflexão sirva para a remodelagem da assistência à saúde.

Partilhamos da idéia de Merhy & Franco (2000), para quem o PSF deve modificar os

processos de trabalho, fazendo-os operar de forma dependente de tecnologias leves, ainda que

outras tecnologias sejam necessárias para a produção do cuidado. A implantação do PSF por

si só não significa que o modelo assistencial esteja sendo modificado, não significa que

haverá mudança no núcleo tecnológico que ali se opera. A existência de diferentes tipos de

PSF, uns médico-centrados, outros usuário-centrados, dependerá de se conseguir reciclar a

forma de produzir o cuidado em saúde. Nas ESF, há que se identificar os elementos que

configurariam uma nova lógica no agir dos profissionais e na forma como se produz o

cuidado em saúde.

Para isso, mais uma vez, preconizamos valores como o vínculo, o acolhimento e,

principalmente, a conformação de equipes para organização dos processos de trabalho em

saúde como forma de responder satisfatoriamente a todas as necessidades de saúde do

usuário, qualificando a assistência, produzindo cuidado, produzindo vida.

CAPÍTULO 4 – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO:

CONHECENDO BELO HORIZONTE E SEU(S) MODO(S) DE

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

A implementação do SUS desencadeou mudanças concretas nos serviços de saúde de

Belo Horizonte, principalmente com a implantação do Acolhimento e do Programa de Saúde

da Família/ BH Vida: Saúde Integral nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). (SILVA, 2006,

p. 10)

Nesse sentido, o município de Belo Horizonte apresenta um modelo de assistência à

saúde peculiar, proposta orientada à produção de vínculo entre o usuário e a equipe,

autonomização e acolhimento e à gestão como forma de governar processos de trabalho.

A experiência de reorientação do processo de trabalho no nível da Atenção Primária à

Saúde e do modelo assistencial no município, bem como seus antecedentes, serão descritos no

presente capítulo, dividido em duas partes. Na primeira seção (4.1), apresentamos o município

e alguns dados e indicadores como contextualização do campo de estudo; a partir da segunda

seção (4.2), resgatamos parte da conformação do Sistema de Saúde de Belo Horizonte até a

implantação do modelo assistencial atual.

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO 4.1.1 Indicadores sócio-demográficos

Belo Horizonte foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897 para ser capital do estado

de Minas Gerais. Projetada para abrigar 200 mil moradores, possui uma população de cerca

de 2,3 milhões de habitantes e ocupa uma área de pouco mais de 330 Km². A densidade

demográfica é estimada em 6.764,96 habitantes/km². A Região Metropolitana de Belo

Horizonte (RMBH) integra 34 municípios, incluindo-se a capital mineira, e abriga pouco mais

de 4,3 milhões de habitantes, ocupando uma área de aproximadamente 9.400 Km². (BELO

HORIZONTE, 2005, p. 18)

Para a gestão e o planejamento da cidade, Belo Horizonte foi subdividida em nove

áreas administrativas regionais, efetivadas em 1989, e em 81 unidades de planejamento,

conforme representado na Figura 1 e na Figura 2.

101

Figura 1 – Áreas Administrativas Regionais – Belo Horizonte, MG

Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000 (BELO HORIZONTE, 2000)

Figura 2 – Unidades de Planejamento – Belo Horizonte, MG

Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000 (BELO HORIZONTE, 2000)

Os indicadores de população total residente em Belo Horizonte por Área

Administrativa no ano de 2000 encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 – População residente segundo as Áreas Administrativas Belo Horizonte, MG – 2000

Poulação residente Homens MulheresAbs. % Abs. % Abs. %

Barreiro 262.194 11,71 127.724 12,08 134.470 11,38Centro-Sul 260.524 11,64 116.723 11,04 143.801 12,17

Leste 254.573 11,37 118.080 11,17 136.493 11,55Nordeste 274.060 12,24 130.037 12,30 144.023 12,19Noroeste 338.100 15,10 158.376 14,98 179.724 15,21

Norte 193.764 8,66 93.546 8,85 100.218 8,48Oeste 268.124 11,98 67.799 6,41 74.054 6,27

Pampulha 141.853 6,34 126.276 11,94 141.848 12,01Venda Nova 245.334 10,96 118.702 11,23 126.632 10,72

BELO HORIZONTE 2.238.526 100,00 1.057.263 100,00 1.181.263 100,00

Área Administrativa

Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2003 (BELO HORIZONTE, 2003c)

102

4.1.2 O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte A Atenção Primária à Saúde está sob a responsabilidade da Gerência de Assistência da

Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS/SMSA) (Cf. Anexo 3). Em sua

estrutura, a GEAS conta com uma Gerência de Apoio Diagnóstico; uma Gerência de Apoio

Terapêutico; com as Coordenações de Áreas Técnicas – Atenção à Criança e ao Adolescente,

Atenção à Mulher, Atenção ao Adulto – uma Coordenação de Reabilitação e 9 Gerências de

Atenção à Saúde, sendo uma para cada Distrito Sanitário.

A rede própria de assistência à saúde do município contempla diferentes unidades,

como Unidades Básicas de Saúde (Centro de Saúde – CS), Unidades de Referência, Unidades

de Referência Secundária, Policlínicas, Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM),

Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERSAT), Hospital Municipal e outros.

(BRASIL, 2005a, p. 9) Junto com a rede contratada/conveniada, estas constituem o conjunto

de unidades assistenciais do SUS de Belo Horizonte. Na Tabela 2 é apresentada a distribuição

de tais unidades.

Tabela 2 – Distribuição das Unidades Assistenciais do SUS Belo Horizonte, MG

Tipo de Unidade Própria1 Setor contratado/ Conveniado2

Básica (Centro de Saúde) 140 0 Referência Secundária 6 28 C. de Referência em Saúde do Trabalhador – CERSAT 1 0 C. de Referência em Saúde Mental – CERSAM 7 0 Centro de Convivência – CV 8 0 Serviço Residencial Terapêutico 0 0 C. de Referência da Infância e Adolescência – CRIA (Equipes Complementares)

9 0

C. de Referência em Imunobiológicos Especiais – CRIE 1 0 Apoio Diagnóstico 13 38 Farmácia Distrital 9 0 Unidade de Urgência 7 8 Hospital 1 50 Centro de Reabilitação – URS Sagrada Família – CREAB 1 Serviço de Reabilitação – URS Padre Eustáquio 1 Núcleo de Reabilitação – Barreiro e Norte 2 Núcleo de Saúde do Trabalhador 1 Unidade de Ultrassom 1

TOTAL 208 124

1Fonte: SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 40), atualizado de acordo com dados gentilmente fornecidos pela Gerência de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS) em março de 2007. 2Fonte: SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 40)

103

A organização territorial em saúde foi estabelecida pela SMSA de acordo com as

necessidades e possibilidades das práticas de intervenção. (BELO HORIONTE, 2005, p. 47)

As subdivisões adotadas seguem a esquematização abaixo:

Figura 3 – Divisão territorial para a saúde em Belo Horizonte, MG

Município

Distrito Sanitário

Área de abrangência do Centro de Saúde

Área de equipe PSF

Microárea

Moradia A delimitação dos Distritos Sanitários corresponde à das Áreas Administrativas

Regionais. Os Distritos Sanitários são responsáveis pela operacionalização da rede própria,

bem como por outras atividades inerentes ao Sistema Municipal de Saúde, como vigilância

sanitária, vigilância epidemiológica, controle de zoonoses e sistema de informações,

(SANTOS, 1998, p. 35) além de contarem, nas limitações do SUS, com atendimentos de

urgência, consultas especializadas e internações, apoio diagnóstico e farmácia no próprio

território ou referenciados em outro distrito. (CAMPOS, 1998, p. 22)

As definições territoriais das áreas de abrangência dos Centros de Saúde são

estabelecidas com base nos setores censitários definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), sendo constituídas por um agrupamento de setores contíguos,

respeitando-se os seus limites.

A definição dos setores censitários que formam uma área é feita através de avaliação

por equipes locais e distritais a partir de aspectos como a demanda atendida, o perfil

epidemiológico da região, o acesso à unidade de saúde, a existência de barreiras geográficas,

o tamanho populacional, o fluxo de transporte entre outros.

O estabelecimento de áreas de equipes do PSF segue características38 comuns à

estratégia nacional de Saúde da Família, sendo nucleares a territorialização e a adscrição de

clientela. A noção de território refere-se à vinculação da assistência à saúde à área onde o

usuário está inserido, como será visto mais adiante neste capítulo.

38 Cf. Capítulo 2, subseção 2.4.3 – Características da Saúde da Família.

104

O espaço territorial das áreas das equipes de Saúde da Família é o locus operacional de

ações, com objetivo de promover e conservar a saúde da população. À implantação do PSF no

município, a composição das áreas de equipes considerou o tamanho da população e o índice

de vulnerabilidade à saúde39 na área, o que orientou uma organização diferenciada dos

recursos assistenciais, (BELO HORIZONTE, 2005, p. 48) especialmente quando se observa a

seguinte distribuição de risco na cidade (Quadro 3):

Quadro 3 – Distribuição da população de Belo Horizonte segundo riscos – 2007

RISCO % POPULAÇÃO1

Muito elevado 7,0

Elevado 27,0

Médio 37,0

Baixo 29,0

TOTAL 100

1Fonte: dados gentilmente fornecidos pela Gerência de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS) em março de 2007.

Para efeito de organização do trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), as

áreas das equipes de Saúde da Família, por sua vez, são subdivididas em microáreas de acordo

com o número de famílias e índice de vulnerabilidade à saúde (Tabela 3). Com o BH Vida:

Saúde Integral, os profissionais da assistência do CS também passaram a trabalhar em equipe

junto aos ACS e se responsabilizam por determinado número de famílias dentro de um

conjunto de microáreas, como mostra a Figura 4.

A rede de Centros de Saúde é organizada, portanto, a partir da definição de territórios

(áreas de abrangência), sobre os quais estes têm responsabilidade sanitária, e “utiliza

tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de

saúde de maior freqüência da população e relevância no seu território”, além de considerar as

necessidades da população. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 13)

39 O índice de vulnerabilidade à saúde utilizado pela SMSA combina diferentes variáveis buscando resumir informações que traduzem as desigualdades intra-urbanas, apontando áreas prioritárias para intervenção e alocação de recursos, favorecendo a proposição de ações intersetoriais. Os indicadores utilizados na construção das áreas de vulnerabilidade à saúde por setores censitários referem-se aos seguintes temas: saneamento, habitação, educação, renda, sociais/saúde (Cf. Anexo 4). Após o cálculo do índice de vulnerabilidade à saúde, os setores são classificados nas seguintes categorias: risco baixo, risco médio, risco elevado e risco muito elevado. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 48-49)

105

Tabela 3 – Distribuição da população segundo Área Administrativa por Classificação de Risco. Belo Horizonte, MG – 2005

Risco muito elevado

Risco elevado Risco médio Risco baixo TOTAL

Barreiro 18.593 102.851 134.933 5.817 262.194Centro-Sul 31.473 26.756 6.943 200.831 266.003

Leste 18.121 47.658 89.510 93.805 249.094Nordeste 15.065 79.677 125.968 53.350 274.060Noroeste 17.567 54.096 169.249 96.439 337.351

Norte 16.829 85.834 83.863 7.238 193.764Oeste 16.654 81.451 76.481 94.112 268.698

Pampulha 8.037 23.513 42.957 68.095 142.602Venda Nova 15.558 101.764 119.707 7.573 244.602

TOTAL 157.897 603.600 849.611 627.260 2.238.368

Fonte: Adaptado de Gerência de Epidemiologia e Informação/SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 50)

Figura 4 – Área de Abrangência de Centro de Saúde em Belo Horizonte, MG

Fonte: Programa BH Vida (BELO HORIZONTE, s.d.)

Em 2005, Belo Horizonte apresentava o maior percentual de cobertura da população

do país em grandes centros. Em uma cidade onde residem cerca de 2,3 milhões de habitantes,

75% deste contingente está coberta pela Estratégia, com atuação de aproximadamente 2.200

ACS. (BRASIL, 2005a, p. 10)

A distribuição da população abrangida pela Saúde da Família tem a seguinte

característica: a população de risco muito elevado, risco elevado e risco médio têm 100% de

cobertura. Em relação à de baixo risco, somente aqueles que estão nas áreas de abrangência

106

das unidades onde mais de 80% da população está sob risco muito elevado, elevado ou médio

são cobertos pelo Saúde da Família. Os demais não estão cobertos40.

Quadro 4 – Características dos Centros de Saúde selecionados para o estudo

Centro de Saúde

Distrito Sanitário

Nº de Equipes Saúde Família Risco População

Cobertura pelo PSF

α Leste 03 Médio: 81,31% Elevado: 18,7%

11.000 hab.1 100%

β Centro-Sul 03 Muito elevado: 100% 9.000 hab. 100%

γ Noroeste 04 Baixo: 5% Médio: 85% Elevado: 10%

20.000 hab.2 100%

1Segundo o censo de 2000, a população da área de abrangência do referido CS equivale a 9.114 habitantes. No entanto, deve atingir cerca de 11.000 atualmente, de acordo com dados fornecidos pela gerente da unidade. 2Atualmente, estão cadastrados cerca de 10.500 habitantes, o que equivale a 50 a 60% da população da área de abrangência. Estima-se que esta chegue a 20.000 habitantes, número que não é possível precisar devido à desatualização do sistema de informação da unidade, mas está 100% coberta pela Saúde da Família, segundo dados coletados junto à gerência do CS.

Atualmente, há 507 equipes de Saúde da Família (ESF), 200 equipes de Saúde Bucal

(ESB) e 65 equipes de Saúde Mental atuando em 139 CS do município41. Estes contam, ainda,

com diversos profissionais que fazem parte de suas equipes e atuam de forma articulada com

as ESF. Com isto, têm ampliadas as possibilidades de atenção primária, além da possibilidade

de atenção à população não coberta pela Saúde da Família. (BELO HORIZONTE, 2006, p.

13)

A rede básica de Belo Horizonte possui, ainda, diversificados recursos que contribuem

para sua qualificação e resolutividade. Além disso,

esta rede sofreu e sofre influências de várias proposições de modos de intervenção em saúde: no início dos anos 90 a reorganização da rede e da assistência a partir da criação dos distritos sanitários, definição de territórios e áreas de abrangência das unidades próprias e municipalizadas, com o fortalecimento da vigilância em saúde; a influência das ações programáticas ou oferta organizada com a definição e implantação de diversos protocolos assistenciais; a forte influência do modelo em defesa da vida e a implementação do dispositivo do acolhimento desde 1996; e, mais recentemente, a incorporação das propostas, novos profissionais e saberes com a saúde da família. Toda esta história faz com que o modelo assistencial para a atenção básica atualmente em discussão esteja permeado por todas estas influências, não sendo possível, nem desejável, uma reprodução estrita de um padrão

nacionalmente definido. Faz-se necessária uma construção permanente, baseada em

40 Dados gentilmente fornecidos pela GEAS, março de 2007. 41 Idem.

107

avaliações permanentes e análises das novas demandas que são apresentadas para o SUS-BH. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14, grifo nosso)

É esta construção do sistema de saúde em Belo Horizonte, singular e relativamente

autônoma, que resgatamos e discutimos a seguir.

4.2 A SAÚDE DE BELO HORIZONTE: UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA Recorrendo à ampla pesquisa bibliográfica e documental, Reis (2002) buscou

caracterizar a produção de serviços de saúde em Belo Horizonte, de 1897 a 1964. A partir do

conceito de modelo tecnoassistencial42, aplicado em cada contexto social e histórico de Belo

Horizonte, identificou diversas formas de organizar a produção de serviços de saúde na

cidade.

A três grandes períodos43 históricos, o autor associou os modelos de acordo com

objetivos, políticas, tecnologias, organização, unidades, trabalhadores, processos de trabalho

específicos, destinação a determinados segmentos da população e proponente-executores.

Desse modo, descreveu que nos primeiros anos de existência do município coube ao

poder público municipal responder pela Saúde Pública e, por meio do Modelo Policial

Campanhista, iniciar a constituição de modelos tecnoassistenciais que responderiam aos

agravos da saúde no âmbito coletivo, função que passou a ser assumida sempre pela esfera

estatal em composições variadas de modelos municipal, estadual e federal.

A partir de 1928, constituiu-se por parte do Estado de Minas Gerais o Modelo Rede

Local Permanente, que proveu a assistência ambulatorial preventiva lastreada pela educação

sanitária, higiene pessoal, profissional e ambiental e a assistência preventiva/ curativa a

algumas doenças infecciosas. A assistência curativa individual era realizada em parte pela

esfera estadual em ambulatórios e hospitais especializados próprios (Lepra, Tuberculose,

Saúde Mental e Urgências), parte pelo setor privado filantrópico e subsidiada pelo estado e

município e parte pelo Modelo Rede Básica Médico-curativa, constituído pela prefeitura de

Belo Horizonte a partir de 1938. Estes modelos e políticas destinavam-se principalmente à

população pobre da cidade. (REIS, 2002, p. 185)

42 A acepção de modelos (tecno) assistenciais para fins desta dissertação encontra-se no capítulo 2, seção 2.1 – Sobre os modelos assistenciais em saúde. 43 1897 a 1930 – Belo Horizonte nos tempos da República Velha; 1930 a 1945 – Belo Horizonte no Estado Novo; 1946 a 1964 - Belo Horizonte no período democrático-populista. (REIS, 2002)

108

A partir de 1933, o governo federal passou a organizar os Institutos de Aposentadoria

e Pensões (IAPs), assim como os governos municipais e estaduais, incluindo Belo Horizonte e

o estado de Minas Gerais, organizaram a correlata assistência para seus funcionários, em

unidades próprias, que garantiam assistência hospitalar e ambulatorial – em sua maior parte

comprada na rede privada – aos trabalhadores formais, constituindo o Modelo da Medicina

Previdenciária. O restante da população não coberta por essas políticas, mas detentora de

poder aquisitivo, buscava sua assistência ambulatorial e hospitalar via desembolso direto –

mercado – no setor privado lucrativo que, junto com o setor privado filantrópico, conformava

o Modelo Liberal Privatista. (REIS, 2002, p. 186)

Veloso & Matos (1998) descrevem que em 1948 foi criado o Departamento de

Assistência à Saúde. O município era responsável, através do hospital municipal, pela

prestação de assistência médico-hospitalar e odontológica aos enfermos de comprovada

pobreza, aos seus funcionários e familiares e aos associados de outras instituições

conveniadas. Além disso, responsabilizava-se pelo serviço de profilaxia das moléstias

endêmicas e pela assistência social. A ação municipal na área da saúde era complementar e

dirigida a grupos muito delimitados.

Segundo as autoras, com o passar dos anos, a fragilidade das ações públicas na área

levou a população a se organizar para romper com a desassistência, o que pôde ser observado

no final da década de 1970, início da década de 1980. (VELOSO; MATOS, 1998, p. 85)

Em 1983, foi criada a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA),

iniciando-se uma ruptura com a histórica articulação à assistência social e produzindo uma

maior aproximação com prestação de serviços. O convênio das Ações Integradas de Saúde44

(AIS) permitiu aos municípios, como no caso de Belo Horizonte, incorporar maior

contingente de trabalhadores e serviços. (VELOSO; MATOS, 1998, p. 86)

Ainda segundo estas autoras, a ampliação de recursos e serviços que as AIS

proporcionaram exigiu a estruturação de um quadro profissionalizado. Desse modo, em 1986

houve a primeira seleção competitiva interna para coordenadores de Unidades Básicas de

Saúde (UBS) e coordenadores técnicos de nível central.

Os gerentes de UBS são considerados por Campos (1998, p. 20) agentes para a

mudança do modelo de atenção. A criação das gerências nos níveis local e central permitiu

uma aproximação da SMSA com as unidades, “organizando-as internamente e articulando os

44 Sobre as AIS, cf. Capítulo 2, seção 2.4 – Caminhos da Atenção Primária à Saúde no Brasil.

109

serviços segundo uma concepção macro do fazer saúde para a cidade”. (VELOSO; MATOS,

1998, p. 86)

No entanto, até 1993, a SMSA desempenhava funções de prestadora de serviços num

modelo assistencial primordialmente curativo e centrado na atenção médica, onde eram

privilegiados os interesses do complexo médico-hospitalar. O sistema permanecia

fragmentado, atendendo à demanda de forma desorganizada e insuficiente. (CAMPOS, 1998;

VELOSO; MATOS, 1998)

Apesar disso, Belo Horizonte foi a primeira grande cidade a municipalizar as unidades

básicas de gestão estadual, em 1991, e as unidades secundárias do extinto Instituto Nacional

de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1992, seguindo o princípio de

municipalização que se colocava para a concretização do SUS. Em 1994, assumiu a gestão

semiplena, dando início à construção efetiva do sistema municipal de saúde sob comando

único do gestor municipal.

De fato, a gestão semiplena e a territorialização são duas condições apontadas para

Belo Horizonte como essenciais para a construção de uma rede que melhor se adaptasse à

Estratégia de Saúde da Família. (BRASIL, 2005a, p. 8) A partir desta modalidade de gestão,

desenvolveu-se um processo de expansão da rede básica, das unidades especializadas de apoio

diagnóstico, da rede de urgência e de saúde mental, bem como de estruturas para o controle da

rede contratada e conveniada e implantação de projetos e programas especiais. (BELO

HORIZONTE, 2003a; 2005)

Segundo Santos (1998, p. 31), a gestão semiplena permitiu que os municípios que

mais tinham acumulado em termos de organização no período anterior pudessem avançar na

sua condição de mero prestador de serviços do governo federal para a condição de gestor do

seu Sistema Municipal de Saúde. Em Belo Horizonte, a habilitação consolidou algumas

iniciativas do município, como o Conselho Municipal de Saúde, criado em 1991, o Fundo

Municipal de Saúde, constituído em 1992, a municipalização dos recursos e a existência do

Plano Municipal de Saúde. (VELOSO; MATOS, 1998, p. 92)

Simultaneamente, o município adotava a distritalização como estratégia para a

mudança do modelo de atenção à saúde, de modo que os caminhos para a substituição do

modelo fossem apropriados às características locais e coerentes com os princípios do SUS.

Iniciava-se a construção de um modelo de Vigilância à Saúde45 com base nos Distritos

45 A definição de vigilância à saúde encontra-se no capítulo 2, subseção 2.4.3 – Características da Saúde da Família.

110

Sanitários restrita, num primeiro momento (1989), aos serviços próprios. A partir de 1993, foi

estendida a serviços conveniados e contratados. (CAMPOS, 1998; REIS et al., 1998)

Este processo acelerou a descentralização dos serviços, partindo-se da base

territorial/populacional, baseada na definição de territórios46 de responsabilidade das

Unidades Básicas e da construção de um conhecimento sobre a realidade sócio-sanitária da

população que habita essas áreas, e com enfoque de risco epidemiológico47. (CAMPOS, 1998;

MAGALHÃES Jr., 1998; VELOSO; MATOS, 1998)

Cada território é reconhecido e desvendado em suas diferenças e desigualdades. São selecionados os problemas de saúde prioritários e, através de um planejamento

local, criam-se os meios e as ações capazes de enfrentá-los. O trabalho é realizado por equipes multidisciplinares das Unidades Básicas de Saúde, juntamente com os usuários (...). A Unidade Básica, referência da população, do seu território e da área de abrangência, constitui a primeira instância do atendimento e a última instância da descentralização. Organiza o sistema de vigilância à saúde de sua área de abrangência e acolhe, atende ou encaminha toda a demanda espontânea do território sob sua responsabilidade. (CAMPOS, 1998, p. 20, grifo no original)

Distritalização, territorialização e descentralização, cuja constituição e

desenvolvimento ocorreram principalmente entre 1989 e 1993, contribuíram para a

aproximação dos profissionais de saúde da realidade das pessoas que eles atendiam, para a

internalização do conceito de risco, em especial de áreas de risco e de grupos sociais em áreas

de risco, e para a compreensão da necessidade de atuação considerando os diferenciais de

risco. (VELOSO; MATOS, 1998)

A demanda por um novo modelo de atenção à saúde exigia um novo modo de

produção na saúde, que se daria a partir da reformulação do processo de trabalho no setor.

Segundo Costa, Fortes & Marques (1998, p. 147),

a reflexão sobre o processo de trabalho apresentou-se como uma questão privilegiada para o setor, à medida que indagou e permitiu o estabelecimento de uma nova abordagem a respeito dos sujeitos/agentes e das práticas sanitárias, além de se ter constituído importante analisador institucional. (COSTA; FORTES; MARQUES, 1998, p. 147)

46 A territorialização foi tomada como característica da Saúde da Família, como pode ser visto no capítulo 2 (Cf. 2.4.3 – Características da Saúde da Família). 47 O enfoque de risco pressupõe que os serviços de saúde analisem os problemas de sua área de abrangência, definam prioridades e direcionem parte de suas ações aos grupos sociais excluídos do atendimento de suas necessidades. (MALTA et al., 1998, p. 123) Baseada no conceito de risco, a SMSA criou, posteriormente, o Índice de Vulnerabilidade a Saúde (Cf. subseção 4.1.1 – Indicadores sócio-demográficos).

111

No período entre 1994 e 2002, a rede de Atenção Básica no município se estruturou

buscando a integralidade e o acolhimento. Algumas das medidas foram a criação do “Projeto

Vida” no combate à mortalidade infantil (FERREIRA et al., 1998; MALTA; MERHY, 2004)

e a estruturação de uma rede de urgência descentralizada ao hospital, denominada Unidade de

Pronto Atendimento (UPA). (BELO HORIZONTE, 2005, p. 112)

Na Atenção Primária à Saúde, a necessidade de ampliação do acesso e da

responsabilização dos profissionais de saúde com os usuários foi agregada ao debate da

territorialização, “buscando romper com uma prática em que a oferta limitada de tecnologias

restringia o acesso às ações programadas e fechava as portas ao sofrimento agudo.”

(VELOSO; MATOS, 1998, p. 93)

Assim, durante a implementação do Projeto Vida, surgiu um instrumento denominado

Acolhimento, dispositivo que impulsionou a mudança do processo de trabalho das equipes.

Segundo Campos (1998, p. 21), as Unidades de Saúde passaram a operar de portas abertas,

acolhendo, imediatamente, toda demanda que chegava aos serviços.

4.2.1 Acolhimento: um dispositivo para a mudança do processo de trabalho em saúde O Projeto Vida era considerado um dispositivo institucional capaz de influenciar o

processo de trabalho nas unidades de saúde e a organização do modelo de assistência, além de

demandar a reorientação deste modelo. (MALTA et al., 1998, p. 127) Isto pode ser observado

nas estratégias que buscou utilizar para avançar nas práticas assistenciais, como a melhoria do

acesso às unidades, com a implantação do Acolhimento, e a ampliação da oferta de serviços,

com melhor utilização do potencial de trabalho e responsabilização de toda a equipe.

(FERREIRA et al., 1998, p. 221)

O Acolhimento surgiu no interior do grupo de condução do Projeto Vida como

proposta de um modelo inovador para a rede pública municipal que visava reorganizar a

assistência, modificando o cotidiano das unidades, revendo práticas consolidadas e

repensando o trabalho em saúde. Sua implantação exigiu uma construção coletiva com as

equipes locais para que as mudanças de fato pudessem ocorrer e para que adotassem a defesa

da vida como lema. (MALTA et al., 1998, p. 126)

Nesse contexto, o Acolhimento constitui-se na

mudança do processo de trabalho em Saúde de forma a atender a todos os que procuram os serviços de Saúde, restabelecendo no cotidiano o princípio da

112

universalidade, assumindo nos serviços uma postura capaz de acolher, escutar e dar a resposta mais adequada a cada usuário, restabelecendo a responsabilização pela saúde dos indivíduos e a conseqüente constituição de vínculos entre profissionais e população; reorganizar o processo de trabalho de modo a possibilitar a intervenção de toda a equipe multiprofissional, encarregada da escuta e resolução do problema do usuário. O fluxo de entrada não mais se processa de forma unidirecional, agendando-se para o médico todos os pacientes que chegam; toda a equipe participa da assistência direta ao usuário e são encaminhados para a consulta médica apenas aqueles que dela necessitam. Dessa forma, toda a equipe participa da resolução do problema, colocando em prática outros “saberes” existentes, potencializando-se a capacidade de resposta e intervenção. (MALTA et al., 1998, p. 128)

Esta estratégia baseava-se na construção de serviços de saúde que acolhessem os

usuários como diretriz operacional que efetiva o SUS. As equipes passariam a mobilizar todo

o seu aparato “tecnológico” para se alcançar resolutividade, buscando promover a saúde nos

planos individual e coletivo e contribuindo “para um aumento da autonomia do usuário no seu

viver”. (MALTA et al., 1998, p. 121)

O saber de outras categorias profissionais passou a ser valorizado e incluído na

atenção, além de ser redefinido o papel de cada profissional. (VELOSO; MATOS, 1998, p.

93) A escuta qualificada e a análise das demandas foram incorporadas como práticas e o

serviço passou a se responsabilizar pela continuidade daquela ação, fosse como atendimento

imediato na própria unidade, agendamento, encaminhamento adequado ou outra resposta.

(CAMPOS, 1998, p. 21)

Esta estratégia modificou o perfil de atendimento nas unidades, levando o sistema a

buscar a superação de suas insuficiências, (VELOSO; MATOS, 1998, p. 93) e teve como

significados:

- ser dispositivo de reflexões e de mudanças a respeito da forma como se

organizavam os serviços de saúde, de como os saberes vinham sendo ou

deixando de ser utilizados para a melhoria da qualidade das ações de saúde e

do quanto estavam a favor da vida;

- retomar a reflexão sobre a ampliação e universalidade do acesso, a

integralidade na assistência, a resolutividade, a responsabilização clínica e a

governabilidade das equipes locais diante das práticas de saúde –

especialmente do “trabalho vivo dependente”48;

48 O debate em torno do “trabalho vivo”, bem como das “tecnologias do trabalho”, foi realizado no capítulo 3, subseção 3.1.2 – A micropolítica do trabalho em saúde (ou O trabalho como lugar de construção dos sujeitos que somos).

113

- resgatar o conhecimento técnico das equipes, possibilitando o enriquecimento

da intervenção dos vários profissionais de saúde na assistência;

- permitir a reflexão sobre a “humanização” da atenção e das relações em

serviço e sobre a lógica de poder contida nesse processo, contribuindo para

uma mudança na concepção de saúde como um direito de cidadania; e

- resgatar o espaço de trabalho como lugar de sujeitos. (MALTA et al., 1998;

MALTA; MERHY, 2004)

Diante da demandas pela capacitação de equipes, pela definição de atribuições entre as

categorias e pela padronização das condutas para assistência, um grupo multidisciplinar

elaborou protocolos assistenciais. Isto representou um avanço devido

ao processo de formulação sob a ótica da intervenção multiprofissional, legitimando a inserção de toda a equipe na assistência, a humanização do atendimento, a identificação de risco por todos os profissionais, a definição de prioridades, a padronização de medicamentos, enfim, a qualificação da assistência. (MALTA et al. 1998, p. 135)

Além disso, Malta et al. (1998) trazem como avanços o reconhecimento de que, com a

reorganização do processo de trabalho, tornava-se possível a melhor utilização dos recursos

da unidade, qualificando o trabalho de todos os profissionais. Esse dispositivo produziu

impacto na organização do trabalho, integrando todos os profissionais da assistência e

estabelecendo um novo pacto entre os profissionais da equipe.

Quanto ao “fazer saúde”, o Acolhimento aliou a vigilância à saúde à assistência à

demanda espontânea, práticas anteriormente tidas como antagônicas e contraditórias.

(MALTA et al., 1998, p. 137)

Algumas dificuldades foram apontadas para a estratégia, destacando-se a relação

conflituosa no que diz respeito às categorias profissionais. Segundo Malta & Merhy (2004, p.

263), sua implantação esbarrou em entraves relacionados a questões corporativas por parte

dos trabalhadores de saúde porque alterava o processo de trabalho. Como se observou:

1) auxiliares de enfermagem: foram a chave do processo de mudança. Vivenciaram,

de fato, a alteração do seu processo de trabalho, ampliando o número de

atividades mas, muitas vezes, assumiram o papel de recepção/escuta e de decisão

114

sobre o encaminhamento (consulta médica ou não) em locais em que o restante

da equipe não se envolveu;

2) enfermeiros: tiveram suas atividades ampliadas, enriquecendo seu exercício e

conteúdo profissionais; no entanto, o aumento quantitativo, sem discussões de

limites, produziu pressões e estresses;

3) médicos: passaram a atender uma clientela diferente, como os casos agudos,

exigindo-se mais do núcleo de competência desta categoria. Contudo, as

mudanças no processo de trabalho médico demonstraram-se pouco

significativas, chegando a prevalecer, em muitos locais, o atendimento a um

número fixo de consultas por dia. (MALTA et al., 1998, p. 139)

Mesmo diante destas questões, Malta et al. (1998, p. 139) afirmam que o Acolhimento

é uma postura de escuta e a composição das equipes depende da realidade de cada unidade de

saúde, não sendo possível o estabelecimento de um determinado número de profissionais.

Malta & Merhy (2004, p. 265) avaliaram que o Projeto Vida e o Acolhimento

provocaram intervenções positivas, possibilitando a ampliação da dimensão do núcleo

cuidador, desencadeando processos mais conjuntos e partilhados no interior da equipe e

melhorando a resposta assistencial.

4.3 BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL E A SAÚDE DA FAMÍLIA O Programa “BH Vida: Saúde Integral” se apresenta como instrumento fundamental

de reorganização dos serviços municipais de saúde tendo em vista os princípios do SUS e o

papel do município na gestão dos serviços de saúde. (VIEGAS; BRITO, s.d.) O programa se

orienta pela integralidade e pelo acesso qualificado aos serviços de saúde e se fundamenta em

quatro eixos, resumidos a seguir:

- Eixo Assistencial:

a) rearticulação do processo assistencial no âmbito das unidades básicas

de saúde, tendo como pressupostos: projeto usuário-centrado, acesso

115

resolutivo, acolhimento, vinculação responsabilizadora, busca da

autonomia do usuário, impacto da produção de saúde inclusive no

âmbito coletivo, integralidade e qualidade da atenção prestada;

b) constituição de fluxos pactuados e regulados com os demais níveis de

atenção e

c) proposição de matriz de avaliação de equipe de centro de saúde e do

seu processo gerencial;

- Eixo das Redes Especializadas: construção das redes especializadas de

referência, contendo o conceito de linha continuada de cuidado49 e viabilizando

e potencializando uma atenção no primeiro nível ou primária, resolutiva,

qualificada e humanizada;

- Eixo da Vigilância em Saúde: articulação entre as ações centradas nos

indivíduos e as ações no âmbito coletivo, de caráter preventivo, a partir de

cortes previamente estabelecidos por campos do conhecimento, a saber:

vigilância sanitária, controle de zoonoses, vigilância epidemiológica e saúde do

trabalhador;

- Eixo da Gestão e Controle Social: constituído de ações gestoras

a) que garantam a existência dos três eixos anteriores em sua

potencialidade;

b) que enfrentem questões relativas aos recursos humanos e processos de

trabalho, aos recursos logísticos e a questão estratégica dos processos

informacionais para o funcionamento da rede assistencial e

c) que articulem e fomentem a participação popular. (BELO

HORIZONTE, 2003a; 2005)

O primeiro eixo de intervenção do BH Vida: Saúde Integral, ao se referir à

rearticulação do processo assistencial no âmbito das UBS, consiste fundamentalmente da

reorganização da atenção primária no município de Belo Horizonte, cujo principal

instrumento de ação é o Programa de Saúde da Família (PSF).

Os debates acerca da Saúde da Família ocorreram principalmente a partir de 1999,

quando foi implantado o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em Belo

49 Linha continuidada do cuidado, linha do cuidado e linha de produção do cuidado são denominações equivalentes para uma das principais características idealizadas para o modelo assistencial em Belo Horizonte. Este conceito poderá ser mais bem compreendido a seguir, no presente capítulo.

116

Horizonte. Neste projeto piloto, foram mobilizados ACS para a constituição de 22 equipes em

22 dos 129 Centros de Saúde existentes à época. (BRASIL, 2005a, p. 9)

A opção por um novo projeto, significando a opção por um novo modelo assistencial

em Belo Horizonte, ocorreu em meio à polêmica sobre a concepção de como organizar a rede

básica. Segundo Malta (2001, p. 349), alguns setores defenderam uma transição rumo ao PSF

por consolidar formas mais estáveis de financiamento junto ao governo Federal, reduzindo-se

também os momentos de enfrentamento pela adesão aos modelos definidos centralmente.

Outra divergência apontada pela autora referia-se ao entendimento de que se tornava

desnecessário investir em redes, em sistemas de saúde, mas sim em caminhos “simplificados”

como a promoção, hábitos e estilo de vida saudáveis. Malta (2001, p. 350) retrata que para os

defensores desta concepção, torna-se desnecessário impactar os grupos sociais através de um

esforço na organização das redes e na organização do processo de trabalho.

A autora identificava nestes pontos o debate atual na saúde coletiva, considerando que

muitos grupos vinham fazendo a aposta de estruturar propostas como as Cidades Saudáveis e

o PSF, trabalhando com premissas preventivistas. Conforme relatou, esse debate esteve

presente em Belo Horizonte, resultando na saída da equipe da SMSA, que considerou que a

tentativa de se implantar o PSF mesmo sem clareza sobre quais os passos a serem dados,

levou à desestruturação de projetos importantes.

A partir de 2002, a reorientação do modelo assistencial à saúde em Belo Horizonte deu

novos passos. Iniciou-se uma mudança no formato organizacional da atenção primária através

da contratação de centenas de profissionais para comporem equipes de saúde da família,

conforme o programa do Ministério da Saúde – o PSF50 –, sendo parte deles trabalhadores que

já eram vinculados ao corpo funcional do município/da SMSA e parte novas contratações.

(BELO HORIZONTE, 2005, p. 76)

Em 2002, foi implantado o Programa “BH Vida”. A partir do ano seguinte, a

integralidade da atenção à saúde no BH Vida passou a ser vista não apenas sob o aspecto da

organização dos recursos disponíveis, mas especialmente em relação ao fluxo do usuário para

acesso a tais recursos. Franco & Magalhães Jr. (2003) defendem que a garantia da

integralidade depende de se operar mudanças na produção do cuidado em todos os níveis da

assistência – rede básica, secundária, atenção à urgência e atenção hospitalar. Considerando

50 A equipe mínima de saúde da família preconizada pelo Ministério da Saúde é composta por um médico generalista ou médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis ACS, cujo número varia de acordo com o número de pessoas sob responsabilidade da equipe. Conforme apresentamos no capítulo 2 (Cf. subseção 2.4.3 – Características da Saúde da Família), outros profissionais podem ser incorporados às unidades de saúde da família ou em equipes de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. (BRASIL, 2001, 2003c)

117

esta reflexão, o programa passou a se chamar “BH Vida: Saúde Integral”. (FRANCO;

MAGALHÃES Jr., 2003, p. 126)

O Programa BH Vida: Saúde Integral foi desenvolvido pela Prefeitura de Belo

Horizonte para a estruturação do SUS tendo como eixo principal a organização da atenção por

meio da Estratégia de Saúde da Família e a estruturação do cuidado integral em todos os

níveis de assistência. Este modelo se orienta pela humanização do atendimento e

estabelecimento de vínculos.

A implantação do PSF em Belo Horizonte reforçou a importância do conceito de

território, da responsabilização, da vinculação e da vigilância da saúde. (BELO

HORIZONTE, 2005, p. 71) Além disso, materializou a concepção de AB do município de

Belo Horizonte como “rede de centros de saúde que se configuram como porta de entrada

preferencial da população aos serviços de saúde e que realizam diversas ações que buscam a

atenção integral aos indivíduos e comunidade”. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 13)

4.3.1 As Linhas do cuidado No BH Vida: Saúde Integral, a produção do cuidado é considerada de forma sistêmica

e integrada aos demais níveis assistenciais. Assim, todos os recursos disponíveis devem ser

integrados por fluxos que são direcionados de forma singular orientados pelo projeto

terapêutico do usuário. Os fluxos devem, ainda, ser capazes de garantir o acesso seguro às

tecnologias necessárias à assistência. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 129-130)

Franco & Magalhães Jr. (2003) trabalharam com a imagem de uma linha de produção

do cuidado (Figura 5), que parte da rede básica – ou de onde se der a entrada no sistema –

para os diversos níveis de assistência.

Linhas do cuidado podem ser definidas como

Modelos matriciais de organização da atenção à saúde que visam a integralidade do cuidado e integram ações de promoção, vigilância, prevenção e assistência, voltadas para as especificidades de grupos ou necessidades individuais, permitindo não só a condução oportuna dos pacientes pelas diversas possibilidades de diagnóstico e terapêutica, como também, uma visão global das condições de vida. (BRASIL, 200651, p. 5 apud ANS, 2006, p. 15)

51 BRASIL, Ministério da Saúde, Plano nacional para o controle integrado das DCNT - promoção da saúde, vigilância, prevenção e assistência. Brasília, 2006c. - em revisão

118

Figura 5 – Linha de produção do cuidado

USUÁRIO Linha de Produção do Cuidado

(estruturada por projetos terapêuticos)

UBS, PSF e todo

cardápio de serviços

Apoio Diagnóstico e Terapêutico

Medicamentos Serviço de Especialidades

Outros serviços

Fonte: FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 130

As linhas do cuidado podem ser pensadas em duas dimensões: atenção à saúde

(individual) e diretriz de gestão ou para a formulação de políticas de atenção. Como dimensão

da atenção à saúde significa: cuidado integral, contínuo, articulado e oportuno, segundo as

necessidades do paciente, até a sua recuperação ou melhoria de sua autonomia no cotidiano.

Como diretriz de gestão, significa a organização necessária para viabilizar o cuidado

individual, em fluxo ágil em cada nível de atenção e entre eles, além de organizarem e

integrarem as equipes de saúde, reformulando processos de trabalho, organizando a atenção

primária e especializada, as urgências e emergências (ambulatorial e hospitalar), o apoio

diagnóstico, as terapias e a assistência farmacêutica, bem como as ações meio como

contratações, desenhos de rede, marcações, autorizações, auditorias e avaliações, de modo a

facilitarem o cuidado. (ANS, 2006; BRASIL, 2006a)

Para organizar a atenção à saúde, as linhas do cuidado podem ser divididas e

organizadas por diferentes critérios, tais como:

- fases de vida: da Criança (recém-nato, infante, pré-escolar, escolar,

adolescente), da Mulher (gestante, adulta, menopausa) e do Idoso;

- agravos (Doenças Respiratórias, Hipertensão, Diabetes, Cânceres, Doença

renal, AIDS, etc.);

- especificidades como Saúde Bucal, Mental, do Trabalhador etc.

Em qualquer critério escolhido, as linhas do cuidado devem ser desenhadas para

garantir a atenção integral e “continuidade do cuidado, como conexão, tanto de cada uma das

119

ações de promoção, proteção, cura, controle e de reabilitação quanto entre elas.” (BRASIL,

2006a, p. 35)

Para Cecílio & Merhy (2003, p. 206), as linhas de produção do cuidado são centradas

em processos de trabalho claramente marcados pela micropolítica do trabalho vivo em ato.

Franco & Magalhães Jr. (2003, p. 130) reforçam esta idéia argumentando que o usuário é o

elemento estruturante de todo processo de produção da saúde, desmontando-se o tradicional

modo compartimentado de intervir sobre o campo das necessidades. O trabalho integrado

reúne, na cadeia produtiva do cuidado, um saber cada vez mais múltiplo, pois

as linhas de cuidado pressupõem, também, uma visão global das dimensões da vida dos usuários e uma resposta global. Para além das respostas fragmentadas de profissionais isolados, as linhas de cuidado pedem respostas complementares de um trabalho em equipe. (BRASIL, 2006a, p. 36)

Belo Horizonte adotou o conceito de “linha de produção do cuidado” como eixo

ordenador da assistência integral. No BH Vida: Saúde Integral, este conceito sintetiza a idéia

de que a rede assistencial (primária, secundária e terciária) deve estar integrada e ofertar todos

os recursos – ou “tecnologias do cuidado” – necessários à assistência ao usuário.

A linha do cuidado é demarcada pelo projeto terapêutico determinado ao usuário, após estabelecimento do seu diagnóstico e o risco individual ou coletivo de agravo à sua saúde, com buscas a implantar este sistema, tendo como centro a rede básica de assistência à saúde. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 79)

Esta forma de produção do cuidado apareceu em Belo Horizonte como uma inovação

nas propostas assistenciais do SUS, podendo ser considerada uma primeira experiência de

radical integralidade na atenção à saúde. (BELO HORIZONTE, 2003a; FRANCO;

MAGALHÃES Jr., 2003)

A implantação das linhas de cuidado possibilita descrever e analisar a produção de um

grande pacto na rede de assistência à saúde, que deve ser feito entre todos os sujeitos que

controlam serviços e recursos assistenciais.

É o centro de viabilização da proposta de integralidade, associado à consolidação do vínculo/responsabilização da ESF [equipe de saúde da família], produzindo uma grande capacidade de interlocução, negociação e implicação de todos os atores dos diversos níveis assistenciais. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 79)

120

Define-se que a equipe de atenção primária – equipe da UBS ou equipe de saúde da

família – tem responsabilidades sobre o cuidado; deve acolher, discriminando riscos, e, ser

gestor do projeto terapêutico. Portanto, deve acompanhar o usuário, garantindo o acesso aos

outros níveis de assistência (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 130) e a integralidade do

cuidado.

A situação esperada é um “caminhar” do usuário, na rede de serviços, seguro,

tranqüilo, sem obstáculos, com qualidade da assistência. Para isso, preconiza-se a garantia de:

- Disponibilidade de recursos que devem alimentar as linhas de cuidado;

- Fluxos assistenciais centrados no usuário, facilitando o seu “caminhar na

rede”;

- Instrumentos que garantam uma referência segura aos diversos níveis da

atenção (formulários, central de marcação, uso da informática etc.);

- Garantia de contra-referência para as equipes de saúde da família nas UBS,

onde deve ocorrer vínculo e acompanhamento da clientela sob cuidados da

rede assistencial;

- Definição dos diversos níveis gestores do cuidado, de forma que o projeto

terapêutico executado na linha de produção tenha um acompanhamento seguro;

- Programação de reuniões periódicas para manutenção do pacto sobre o sistema

em funcionamento, numa gestão colegiada que envolva todos os que controlam

recursos assistenciais. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 79-80)

A proposta inicial para o BH Vida: Saúde Integral foi de organizar as linhas do

cuidado nas seguintes áreas: Atenção ao Idoso, Saúde da Criança, Saúde Materna, Atenção ao

Agudo, Atenção às doenças cardiovasculares e Saúde Bucal, (FRANCO; MAGALHÃES Jr.,

2003, p. 131) além das linhas internas aos níveis de atenção. A Figura 6 descreve o fluxo da

linha de cuidado que opera internamente à Atenção Primária em Belo Horizonte:

121

Figura 6 – Fluxograma descritor, resumido, da linha de cuidado interna à UBS/ESF

Fonte: BH Vida: Saúde Integral (BELO HORIZONTE, 2003a, p. 15)

De fato, a APS ganha relevância ao se considerar que a maior parte dos problemas de

saúde pode ser resolvida neste nível de atenção. Para isso, a concretização de um modelo de

Saúde Integral impõe à APS diversas características, como pode ser visto a seguir.

122

4.3.2 Características da Atenção Primária e papel Saúde da Família em Belo Horizonte52 As práticas desenvolvidas no nível da APS em Belo Horizonte seguem princípios e

diretrizes. Alguns destes são comuns à Estratégia de Saúde da Família e podem ser vistos no

capítulo 2, seção 2.4.3, ao passo que outros são singulares ao programa no presente

município. Em conjunto, essas características explicitam a intencionalidade política do

modelo de organização proposto. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14)

Há princípios53 tomados para a APS que se relacionam também com o sistema de

saúde como um todo, a saber:

- Universalidade;

- Eqüidade;

- Integralidade e

- Participação social. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14-15)

Os pressupostos54 para a APS de Belo Horizonte são:

- Acessibilidade: circunstâncias que viabilizam ou impedem a entrada do usuário

na rede de serviços, podendo ser físicas, de natureza cultural ou administrativa

da organização dos serviços;

- Educação permanente: compreende o serviço de saúde como local de

aprendizagem contínua, participativa e potencialmente transformadora dos

processos de trabalho;

- Intersetorialidade;

- Gestão democrática;

- Humanização: valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de

produção de saúde – gestores, usuários e trabalhadores e

- Qualidade da atenção. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15)

52 A SMSA adota a denominação “atenção básica” em grande parte de seus documentos. No entanto, como já mencionado nos capítulos 1 e 2, priorizo a utilização do termo atenção primária à saúde, considerando “primária” como primordial, referindo-se à atenção primeira a que os indivíduos devam ter acesso. 53 Princípios: base de uma determinada política de saúde; atuam como ponte entre valores sociais mais amplos – como o direito à saúde, o conceito ampliado de saúde – e os elementos estruturais ou diretrizes desta política. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14) 54 Pressupostos: condições sistêmicas, mais amplas, que devem reger as diretrizes do modelo assistencial (para a APS). (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15)

123

Além destas características, a APS em Belo Horizonte é orientada, também, pelas

seguintes diretrizes55:

- Abrangência56: ações adequadas às necessidades de saúde da população e aos

problemas mais freqüentes, integrando ações programadas e atendimento à

demanda espontânea e articulando ações clínicas individuais e ações coletivas;

- Atenção generalizada: oferece o cuidado para qualquer problema de saúde em

qualquer estágio do ciclo de vida do paciente;

- Primeiro contato;

- Acolhimento: expressão de escuta qualificada, relação cidadã e humanizada;

- Longitudinalidade;

- Vinculação: adscrição da população às equipes não só através do território,

mas também do estabelecimento de afetividade, relação terapêutica e

continuidade do cuidado, de modo a tornarem-se referência aos pacientes,

constituindo fortes laços interpessoais;

- Responsabilização;

- Coordenação do cuidado;

- Resolutividade;

- Atenção centrada na pessoa, e não na enfermidade ou no evento;

- Atenção orientada à família e à comunidade;

- Valorização do saber e autonomização do usuário, possibilitando que o

usuário ganhe autonomia e se co-responsabilize por seu cuidado;

- Trabalho em equipe;

- Uso do planejamento e da programação;

- Vigilância à saúde e

- Organização baseada no território. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15-17)

A função primordial da Saúde da Família no SUS de Belo Horizonte tem sido

reorganizar a assistência à saúde a partir da APS através da reorganização do trabalho nos CS

e da inserção de novos saberes e práticas no cotidiano dos serviços.

55 Diretrizes: características ou propriedades que a rede básica de saúde deve apresentar no seu modo de organização, traduzidas em elementos estruturais e funcionais. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15) 56 No capítulo 2, fazemos uma comparação entre a abrangência e a integralidade (Cf. 2.2.1 – Características da Atenção Primária).

124

Dadas as características de sua organização – elevada cobertura, profissionais

generalistas, inserção do ACS, jornada de trabalho integral etc. –, diferentes das da

organização anterior, a Saúde da Família parece trazer maior potencial para efetivação das

diretrizes mencionadas. Portanto, deve ser a porta de entrada para a população a ela adscrita,

prestando atenção integral de modo oportuno e qualificado. (BELO HORIZONTE, 2006, p.

17)

A Saúde da Família em Belo Horizonte está localizada nos CS, o que faz com que as

diversas ações que nele ocorrem sejam realizadas pelas equipes dos centros. Assim, os

membros das ESF são responsáveis, junto com os demais profissionais, pela realização das

atividades matriciais do CS, tais como: vacinas, procedimentos de enfermagem, algumas

ações referentes à vigilância epidemiológica (controle de surtos, notificações) entre outras.

Isto se deve ao fato de serem ações de tecnologia leve-dura e não comprometerem o

estabelecimento do vínculo da população e a continuidade do cuidado e porque várias destas

atividades estão intimamente ligadas às competências e atribuições das diferentes categorias

profissionais, independentemente de estes profissionais estarem compondo as ESF. (BELO

HORIZONTE, 2006, p. 18)

4.3.3 Um novo modo de fazer saúde: a implantação das Equipes de Saúde da Família Conforme apresentamos, em 1999 foram implantadas equipes compostas por ACS. No

primeiro semestre do ano de 2000, 2.625 ACS foram incorporados à rede, atingindo a 70% da

população de Belo Horizonte ou cerca de 1,5 milhão de habitantes e exercendo atividades de

vigilância, conscientização e promoção em qualidade de vida. (BRASIL, 2005a, p. 9)

Com a incorporação do PSF ao modelo em Belo Horizonte a partir de 2002, as equipes

passaram a ser constituídas por um médico generalista, um enfermeiro, dois auxiliares de

enfermagem57 e quatro a seis ACS. Houve incentivo para que os profissionais médicos e

enfermeiros da rede migrassem para a Saúde da Família, porém a Secretaria Municipal de

Saúde (SMSA) de Belo Horizonte não obteve o resultado esperado. Dessa forma, aqueles que

optaram por não fazer parte das ESF permaneceram nas suas unidades de saúde de origem.

(BELO HORIZONTE, 2006; BRASIL, 2005a)

A SMSA incentivou, também, a criação de “equipes de apoio” para agregar o

especialista, particularmente os das clínicas básicas, ao trabalho da equipe básica de saúde da 57 Nisto consiste uma das diferenças entre o BH Vida: Saúde Integral e o PSF do MS, o qual sugere apenas um auxiliar de enfermagem para compor a equipe básica.

125

família. Para o desenvolvimento das ações no PSF, médicos clínicos, ginecologistas e

pediatras passaram a atuar como apoio às ESF. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 71) A

responsabilidade clínica e sanitária da população coberta passou a ser do médico generalista e

equipe; porém, nos casos em que o núcleo de conhecimento específico do especialista é

necessário, este é acionado. O profissional especialista tornou-se referência para a equipe

básica e seu trabalho se configurou numa espécie de “retaguarda” para as equipes básicas,

destinado principalmente a situações agudas ou mais complexas.

Um outro segmento de profissionais que não aderiram à estratégia ficou responsável

pelo atendimento da população dita como de baixo risco, nos moldes do atendimento à

demanda e agendamento de consultas. (BELO HORIZONTE, 2006; BRASIL, 2005a)

Em 2003, a SMSA publicou o documento “Recomendações para a organização da

atenção básica na rede municipal de saúde” (Cf. BELO HORIZONTE, 2003b), pelo qual

preconizava que as decisões quanto às formas de organizar a unidade de saúde ou a

composição das equipes deveriam considerar sempre a garantia dos princípios e diretrizes do

modelo da Secretaria, assim como a qualidade e a resolutividade da assistência.

A SMSA recomendava que as unidades, independentemente da sua forma de

organização e/ou cobertura por ESF, deveriam aderir a pactos de garantia do cumprimento das

diretrizes do modelo e de alcance de resultados, com o seu desempenho sendo avaliado

periodicamente segundo critérios e indicadores definidos e pactuados com as unidades de

saúde e equipes.

Agregando discussões acerca da organização do processo de trabalho em nível

micropolítico, a SMSA reforçava as diretrizes para o modelo tecnoassistencial definido e

propunha formas de organizar a APS para todos os cidadãos. E ressaltava que, portanto, não

existiriam modelos distintos de atenção, coexistindo de forma paralela, mas formas diversas

de organização das UBS, que levassem em conta a situação de vulnerabilidade da população e

gerassem impacto na situação de vida e saúde da população. (BELO HORIZONTE, 2003b, p.

4)

A atenção básica passava a ser compreendida num único modelo de atenção, pautado

em diretrizes comuns, a ser implementado pelos diversos profissionais de saúde. A

implantação de ESF continuava sendo priorizada, como no início, para as áreas de risco muito

elevado, elevado e médio, porém passou a ser prevista a cobertura para a população de baixo

risco nos CS onde esta representasse menos de 20% da população da área de abrangência.

(BELO HORIZONTE, 2006, p. 8)

126

4.3.3.1 O papel dos profissionais das Equipes de Saúde da Família

Os profissionais das ESF no BH Vida: Saúde Integral possuem atribuições comuns a

todos e outras que são específicas de cada categoria profissional.

Observa-se que o trabalho do médico generalista – ou médico de família – tem

características que são preconizadas também pela Sociedade Européia de Clínica Geral /

Medicina Familiar (WONCA Europa), como:

- realizar abordagem centrada na pessoa, e não na doença, orientada para o

indivíduo, o contexto familiar e comunitário;

- possuir um rol de atividades determinado pelas necessidades de saúde da

comunidade;

- lidar com problemas de saúde complexos e não pré-selecionados;

- estar apto a gerir simultaneamente múltiplas queixas e patologias de forma

contínua e com eficiência e

- coordenar os cuidados médicos quando acionadas outras especialidades ou

recursos de diagnóstico. (BELO HORIZONTE, 2006; WONCA EUROPA,

2002)

As características do trabalho dos profissionais enfermeiros parecem vir mudando em

direção ao atendimento integral, tendo sido incorporadas e ampliadas atividades assistenciais,

como já ocorria desde a implantação do Acolhimento. (MALTA et al., 1998) O espaço de

ação extrapola o CS, atingindo a família, a comunidade e outras instituições sociais da área.

Os auxiliares de enfermagem também “lidam com novos desafios no trabalho das

ESF”, embora parte importante de seu tempo seja destinada à realização de atividades-meio.

Salienta-se que as ações de enfermagem são de natureza cuidadora, sendo o cuidado a

“essência da enfermagem”, que envolve a ação de cuidar, mas também o aspecto subjetivo.

(BELO HORIZONTE, 2006, p. 21)

Os ACS são destacados como peça chave da Saúde da Família. Este novo ator para o

modelo de atenção à saúde neste município é membro integrante da ESF e tem suma

importância; seu saber provém do conhecimento do território, da relação de vizinhança e dos

laços solidários que aí se constroem, sendo este saber o diferencial que enriquece a prática da

equipe. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)

127

Com seu trabalho definido mais por objetivos e metas do que por processos de

trabalho, o ACS tem o papel de fazer o elo entre a equipe de saúde e os usuários através de

um relacionamento estreito e permanente com a comunidade, onde ele deve morar. As

principais atividades desenvolvidas são as de Educação em Saúde para prevenção a doenças e

promoção da saúde e aquelas voltadas à Vigilância junto ao domicílio e à área de abrangência.

(BELO HORIZONTE, 2003b; 2006)

4.3.3.2 O gerente do Centro de Saúde O gerente do CS é também sujeito institucional que tem grande importância na

implementação da Saúde da Família. Como vimos para a década de 1990 no município, os

Gerentes de UBS são agentes para a mudança do modelo de atenção. (CAMPOS, 1998, p. 20)

Ele é o gestor de saúde na área de abrangência do CS, o representante legal da gestão

municipal mais próximo dos trabalhadores e das equipes. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 26)

Porém, é importante que haja um “incremento” na sua atuação, pois, além de exercer

funções gerenciais usuais de supervisão e coordenação, deve criar e sustentar espaços de

interlocução entre os atores, articulando objetivos institucionais aos saberes e interesses dos

trabalhadores e usuários, evitando a tendência a se reproduzirem formas burocratizadas de

trabalho. O gerente deve trabalhar com as demandas dos sujeitos e provocar/ofertar temas

relevantes para discussão, ajudando as equipes a aumentarem sua capacidade analítica e de

intervenção na realidade em que atuam. (BELO HORIZONTE, 2006, 70)

Como nos diz G. Campos (2005b, p. 112), a gestão de processos de trabalho é a forma

concreta como os modelos se reordenam, devendo o tema do processo

saúde/doença/intervenção ser incorporado aos conhecimentos e práticas de gestores, bem

como negociados com usuários e trabalhadores das equipes.

4.3.3.3 Saúde Mental e Saúde Bucal: presentes A Saúde da Família em Belo Horizonte é também caracterizada pela integração com

outras áreas da saúde no nível da APS, com equipes de Saúde Bucal (ESB) e de Saúde Mental

(ESM) atuando junto às de Saúde da Família.

Um dos princípios da Política de Saúde Mental fundamenta-se na construção de uma

clínica capaz de superar a organização de serviços nos moldes do paradigma médico-

128

sanitarista clássico, dos níveis de complexidade (primário, secundário e terciário), em que se

situam, de um lado, sinais e sintomas a suprimir e, “de outro, níveis de complexidade

tecnológica adequados à dimensão fenomenológica dos primeiros, configurando uma clínica

de ‘coisas a fazer’, de produção zero de sintoma”. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)

Naquele paradigma estariam presentes

a ênfase excessiva na chamada organização da demanda; o acento nos cuidados primários, na prevenção e na vigilância à saúde (...) em detrimento do tratamento das doenças; a expectativa demasiada na racionalidade do planejamento; a tendência dominante à organização de programas para doenças estatisticamente constatáveis, paralela à recusa sistemática da demanda espontânea. (LOBOSQUE; ABOU-YO, 1998, p. 244)

A questão trazida é a superação deste dilema, com a reinvenção cotidiana da clínica e

de sua construção.

Alguns princípios e diretrizes dessa Política são também orientadores da Estratégia de

Saúde da Família, como universalidade, eqüidade, atenção integral e generalizada,

acessibilidade, abrangência, acolhimento, humanização, vínculo e responsabilização e

trabalho em equipe. Contudo, em Belo Horizonte, destacam-se como “pontos de encontro”

dos dois projetos o conceito de território, o trabalho em equipe e o vínculo e a

responsabilização, no que diz respeito à clínica.

Para a Saúde Mental, o território, para além de um ordenador espaço-temporal, é

também o ordenador político-social dos serviços e ações, como o é para a Saúde da Família.

Destarte, “o território não está dado, é algo a se construir, por intermédio de ações coletivas”.

(BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)

Nesta mesma direção, o trabalho em equipe é tido como “um instrumento para

superação do paradigma médico convencional de organização dos serviços, onde saberes

disciplinares estanques orbitam ao redor do saber médico hegemônico”. A adoção do caráter

multidisciplinar nesta forma de organização alarga competências comuns, além de desmontar

e reorganizar poderes e saberes estabelecidos, pois o cuidado e os projetos terapêuticos

requerem a combinação de instrumentos, técnicas e atos terapêuticos complexos e variados,

orientados pelas necessidades dos usuários. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)

Outrossim, em relação à clínica, o vínculo e a responsabilização são “pontos de

encontro” que contribuem para a superação de uma tradição que reduz a prática clínica à

dispensação de consultas e incluem a subjetividade e a participação do usuário no seu

processo terapêutico. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)

129

A organização da Saúde Mental na APS baseia-se nos referidos princípios e seguem

critérios. Entre eles, destacamos:

- as equipes de Saúde Mental (ESM) nos CS se integram a uma rede assistencial,

atuando conjuntamente com os demais dispositivos;

- as ESM devem priorizar o atendimento dos portadores de sofrimento mental

grave e persistente, porém sem deixar de acolher, orientar e encaminhar outras

demandas – que podem ser atendidas e acompanhadas pela ESF, com suporte e

apoio das ESM;

- as ESM se mantêm referenciadas aos seus CS e respectivas ESF58;

- o acolhimento dos portadores de sofrimento mental é responsabilidade da

unidade e deve ser feito pela ESF a que o usuário é adscrito, a qual conta com

apoio matricial da ESM;

- é preconizada a organização do trabalho em equipe multidisciplinar;

- deve-se garantir a participação da comunidade no controle e planejamento das

ações de saúde mental na microárea e território;

- deve-se garantir o atendimento de qualidade à clientela prioritária, com pronto

acesso e construção de um projeto terapêutico singularizado, contendo, além

das medidas e ações clínicas strito sensu, aquelas relativas à reabilitação/

reinserção social e aos cuidados/ orientações em caso de crise;

- deve haver discussão conjunta entre os equipamentos destinados à saúde

mental nos diferentes níveis de atenção – ESM, CERSAM, Centro de

Convivência e ESF – de modo a favorecer o intercâmbio;

- deve-se garantir o acompanhamento do usuário, pelas ESM e/ou ESF, no

percurso da linha do cuidado que ele vier a requisitar nos diversos níveis de

atenção, participando e contribuindo nas ações que se façam necessárias nestes

níveis;

- as ESF devem se responsabilizar pelo cuidado clínico de todos os portadores

de sofrimento mental de seu território. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40-41)

58 Em geral, cada ESM responde por duas ou três UBS. A proporcionalidade ESM/ESF obedece a critérios epidemiológicos, demográficos, de acesso, de números de egressos hospitalares, p. ex., e não ser baseada no número de ESF a referenciar. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)

130

A saúde bucal também está incorporada à Estratégia de Saúde da Família no município

e sua organização no âmbito da APS tem como objetivo a ampliação gradativa do acesso da

população aos serviços odontológicos, visando à melhoria da função mastigatória para se

reverter o atual quadro epidemiológico. O atendimento das urgências odontológicas, como na

Saúde Mental e Saúde da Família, deve ser feito conforme diretrizes de responsabilização e

vínculo. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 43) De fato,

A inserção da Saúde Bucal na estratégia Saúde da Família representou a possibilidade de criar um espaço de práticas e relações a serem construídas para a reorientação do processo de trabalho e para a própria atuação da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. Dessa forma, o cuidado em saúde bucal passa a exigir a conformação de uma equipe de trabalho que se relacione com usuários e que participe da gestão dos serviços para dar resposta às demandas da população e ampliar o acesso às ações e serviços de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal, por meio de medidas de caráter coletivo e mediante o estabelecimento de vínculo territorial. (BRASIL, s.d.)

No município, há diferentes modalidades59 de equipes de Saúde Bucal (ESB) e uma

das metas atuais é a continuidade de credenciamento de ESB através de equipes modalidade

II, o que aponta para a importância dada ao Técnico em Higiene Dental (THD) no controle da

incidência das doenças bucais e no acesso aos serviços. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 44)

4.3.3.4 Reabilitação: experiência multiprofissional na Atenção Primária

A assistência em reabilitação em Belo Horizonte encontra-se centrada na atenção

secundária, que conta com o Centro de Reabilitação Sagrada Família (CREAB) e Serviços de

Reabilitação. As ações no nível da APS encontram-se restritas aos CS que possuem, de forma

isolada, algum profissional de reabilitação ou estágios acadêmicos. Somado a isso, as ESF

não estão suficientemente preparadas para a detecção, ações, acompanhamento e

encaminhamentos daqueles usuários que necessitam de reabilitação.

É premente a necessidade de implementar ações de promoção, prevenção e

reabilitação na APS de modo a manter e/ou melhorar as condições de vida da população.

(BELO HORIZONTE, 2006, p. 33) Considerando o estrangulamento na prestação de serviço

para a atenção secundária em reabilitação e para melhorar este fluxo na base e estimular a

promoção da saúde, a SMSA instituiu, em 2005, um projeto piloto, o Núcleo de Apoio em

59 ESB Modalidade I: composta por Cirurgião-Dentista (CD) e Auxiliar de Consultório Dentário (ACD); ESB Modalidade II: composta por CD, ACD e Técnico em Higiene Dental (THD).

131

Reabilitação (NAR), para dar suporte às equipes em uma das regionais mais populosas da

cidade, o Distrito Sanitário Barreiro. (BRASIL, 2005a, p. 15) Atualmente, o município conta

com dois núcleos, tendo sido implantado um núcleo mais recente no Distrito Sanitário Norte.

A proposta é que seja constituído um NAR em cada distrito sanitário. (BELO HORIZONTE,

2006, p. 33)

O Núcleo é constituído de 16 profissionais, entre fisioterapeutas, terapeutas

ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. A partir da

capacitação e sensibilização das equipes com trabalho in loco e treinamentos, o núcleo do

Barreiro se tornou referência para assistência em casos específicos.

As atividades do núcleo englobam as visitas domiciliares, pelas quais são atendidos os

pacientes acamados cadastrados previamente; os grupos operativos, que debatem sobre

algumas patologias ou são organizados pela comunidade, tendo caráter lúdico ou de

convivência; ação em creches e asilos junto com as equipes; e atendimento à população.

(BRASIL, 2005a, p. 15)

Identificadas as populações a serem priorizadas nas modalidades de ação do NAR – as

pessoas com deficiências e incapacidades em todos os ciclos de vida, seus cuidadores e

familiares e pessoas em situação de risco e com alto grau de vulnerabilidade – o NAR passa a

desenvolver diversas ações em conjunto com as ESF. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 34)

No entanto, há uma série de ações que são específicas do NAR e que dependem

fundamentalmente do conhecimento trazido por cada profissional. Destacamos, entre elas:

- Desenvolver ações de reabilitação;

- Realizar VDs para orientações, adaptações, acompanhamentos a usuários

acamados restritos ao leito e/ou domicílio, em conjunto com os ACS;

- Capacitar, orientar e dar suporte às ações dos profissionais das ESF;

- Realizar com as ESF reuniões periódicas para discussão e elaboração de

Projetos Terapêuticos, estabelecendo condutas conjuntas e complementares;

- Orientar e informar as pessoas com deficiência, cuidadores e ACS sobre

manuseio, posicionamento, atividades de vida diária, recursos e tecnologias de

atenção para o desempenho funcional frente às características específicas de

cada indivíduo;

- Desenvolver ações de reabilitação baseadas na comunidade;

- Realizar encaminhamento e acompanhamento das indicações e concessões de

órteses e próteses realizados por outro nível de atenção à saúde;

132

- Acolher os usuários que requerem cuidados de reabilitação, realizando

orientações, atendimento e/ou acompanhamento, de acordo com a demanda da

ESF;

- Qualificar a APS com ênfase na Estratégia de Saúde da Família, ampliando a

resolubilidade e avançando na construção da integralidade das ações na

atenção à saúde;

- Produzir material gráfico (cartilhas, folders) de orientações sobre promoção,

prevenção, curiosidades e cuidados com a saúde. (BELO HORIZONTE, 2006,

p. 34-35)

Como se vê, diversas ações que são específicas dependem, de fato, do conhecimento

trazido por cada profissional, da base cognitiva de cada profissão, que acaba se relacionando

com a formação profissional, embora seja intrínseco às questões de identidade e objeto.

4.3.4 Organização dos processos de trabalho e reordenamento da assistência Em Belo Horizonte, parte-se da idéia de que qualquer inovação desejada na atenção

necessariamente deve se atrelar a inovações nas formas de organização e gestão do trabalho.

Para isso, é preciso a integração dos trabalhadores entre si e destes com os usuários e com a

população, construindo novas formas de interação e de respostas. (BELO HORIZONTE,

2006, p. 47)

Isso exige uma mudança nos processos de trabalho em saúde,

implicando na valorização da comunicação e dos espaços de participação e negociação, do trabalho em equipe, das parcerias, do uso de dispositivos de qualificação da escuta e dos projetos terapêuticos, da produção e apropriação coletiva de instrumentos como protocolos clínicos e organizacionais, do uso da informação, e das ferramentas do planejamento, monitoramento e avaliação das intervenções, como estratégias importantes para o desempenho no trabalho, melhorando as respostas e aumentando a satisfação dos usuários e trabalhadores. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 49)

Assim, considerando que o processo de trabalho é pactuado pela equipe, de forma que

garanta as diretrizes gerais propostas para organização da assistência, algumas características

são listadas quanto ao ambiente interno à unidade de saúde e às equipes, a saber:

133

1) Cada trabalhador de saúde, na sua atividade produtiva, depende de outros profissionais

e estes dos demais. Não há auto-suficiência no trabalho em saúde e todos formam uma

rede de petição e compromissos que opera no dia-a-dia dos serviços, mesmo que esta

rede de relações não seja formalizada;

2) A ESF deve ter autonomia para organizar seu processo de trabalho desde que garanta

amplo acesso com acolhimento da sua clientela, oferte ações individuais e coletivas e

participe do sistema de referência e contra-referência, operando a linha do cuidado e

pactuando-a com a gerência da UBS;

3) A UBS deve ser tratada com prioridade, dado seu papel fundamental de apoio,

coordenação e referência para os serviços;

4) As ações de enfermagem devem ser ofertadas durante todo o dia, a toda clientela que

aparecer na Unidade, independente do seu vínculo. Todos os usuários devem ter

acesso, devem ter uma escuta qualificada e uma resposta positiva ao seu problema de

saúde;

5) As ESF estão organizadas prioritariamente em áreas de risco e devem abranger 70%

da população do município. Há, portanto, parte da população que não está vinculada, à

qual deve ser garantida assistência integral, com acolhimento na rede assistencial e

livre curso na linha do cuidado, quando necessário. As condutas e encaminhamentos

deverão ser garantidos conforme os preceitos do acolhimento e de um serviço usuário-

centrado. A inserção desta clientela na linha do cuidado ocorre da mesma forma que a

dos usuários contemplados com vinculação às equipes;

6) O trabalho dos ACS está relacionado principalmente às ações de promoção à saúde e

cuidados com a clientela adscrita e está voltado também à vigilância junto ao

domicílio e à área de abrangência;

7) Quanto à relação com os outros níveis tecnológicos da atenção, todas as demandas por

tecnologias materiais ou não que exijam outros níveis de atenção devem ser

claramente demandados e monitorados pela equipe. Da mesma forma, o sistema

necessita desenvolver mecanismos de forma a captar a “clientela escapada” da APS ou

134

própria de serviços de urgência, para o seu encaminhamento para o núcleo básico, ou

seja, sua unidade de referência. (BELO HORIZONTE, 2003a, p. 5-7)

Esta exposição reitera a argumentação feita no capítulo 3 de que a reorientação do

modelo assistencial exige, igualmente, a reorientação do processo de trabalho. Nesse sentido,

a SMSA sugere, entre as diretrizes para a organização do processo de trabalho das equipes,

estratégias para o reconhecimento da situação a ser transformada. A primeira delas seria a

“qualificação do encontro entre trabalhadores e usuários”, pois conhecer as reais necessidades

e demandas dos usuários e comunidade para o “fazer saúde” depende da garantia da qualidade

da interação que se estabelece entre serviços, trabalhadores, gestores e população.

Na qualidade dessa interação, são destacadas a capacidade e o potencial de escuta dos

trabalhadores, individualmente e em equipe, para o que se utilizam de saberes específicos,

técnicos, competências “de núcleos”, bem como outros saberes e experiências, exercitando

habilidades que devem ser comuns a todos os trabalhadores da saúde, as competências “de

campo”. Cabe ressaltar que o desenvolvimento e aprimoramento desta escuta qualificada

depende do aprimoramento do trabalho em equipe. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 51)

Outra estratégia recomendada pela SMSA é a utilização de informação para o

reconhecimento da realidade de modo a organizar e orientar o trabalho das equipes locais e

CS. Isto é corroborado pela idéia de que a informação constitui insumo e ferramenta

estratégica para o planejamento, acompanhamento e avaliação das ações de saúde. Nesse

sentido, são também preconizados o planejamento local, a programação, monitoramento e

avaliação e a consolidação de espaços de participação dos usuários e comunidade. (BELO

HORIZONTE, 2006)

Outras discussões acerca dos modos de organização do trabalho na APS em Belo

Horizonte serão aprofundadas a seguir, em confronto e em discussão com os resultados

obtidos através da pesquisa de campo realizada para coleta dos dados desta dissertação.

CAPÍTULO 5 – NOSSOS ACHADOS: RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente capítulo constitui-se no desenvolvimento “em si” da dissertação, contendo

os resultados e as discussões pertinentes ao nosso pressuposto inicial e objetivos.

Os resultados referem-se a dados coletados e trabalhados a partir de documentos

oficiais da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA) e, principalmente, a

dados “subjetivos” obtidos a partir das entrevistas semi-estruturadas. Estes, portanto, referem-

se diretamente ao indivíduo entrevistado, isto é, suas atitudes, valores e opiniões, que,

segundo Minayo (2004), só podem ser conseguidos através da contribuição dos atores sociais

envolvidos.

5.1 PERCEPÇÕES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL 5.1.1 A mudança e os impactos da Estratégia de Saúde da Família em Belo Horizonte

O documento “A Atenção Básica de Saúde em Belo Horizonte: Recomendações para a

organização local” (Cf. BELO HORIZONTE, 2006) aponta vários avanços decorrentes da

implantação da Saúde da Família. Entre eles, destaca que:

- o incremento do número de trabalhadores e a reorganização do processo de

trabalho modificaram a forma de abordar as pessoas;

- houve diversificação na oferta de ações de promoção da saúde, ampliação do

acesso aos serviços de saúde – em especial para a população adulta – com a

APS se configurando como principal porta de entrada do sistema;

- houve um aumento na complexidade do cuidado médico e de enfermagem

prestado na APS;

- com a estabilização de diversas equipes, houve ampliação do vínculo da

população com o Centro de Saúde (CS), com responsabilização das equipes e

possibilidade de prestação de cuidado de forma continuada. (BELO

HORIZONTE, 2006)

136

Decerto, algumas falas apontam que houve uma “herança” do modelo assistencial

anterior que corroborou para os resultados positivos do programa:

Desde 93, quando uma administração popular assume, (...) um grupo, os sanitaristas da época, se reúnem e fazem uma proposta para Belo Horizonte, que, ao meu ver, apesar de algumas mudanças, ela vem firmemente sendo sustentada pela administração... Que é realmente de garantir o Sistema Único de Saúde com todos os seus princípios. Eu acho que é uma cidade, é uma capital, uma metrópole, nós nunca tínhamos vivido no Brasil uma experiência dessa, que eu acho que até hoje a gente não vive, então nós tivemos que inventar muita coisa. (Membro da GEAS A) ...antes do PSF a gente já tinha essa coisa do acolhimento e do cuidado integral, não é específico do PSF, a gente já tinha esses princípios do SUS como missão mesmo. Então acolhimento é uma coisa antiga, acabar com a ficha, acabar com a fila, acolher todo mundo, organizar, isso é uma história antiga de Belo Horizonte. (Membro da GEAS B) ... não tinha PSF, mas nós tínhamos inúmeras concepções de PSF. Nós tínhamos os princípios do PSF. Acolhimento é uma coisa super trabalhada, questão de visitas domiciliares, era trabalhado, (...) então tínhamos essa tentativa de aproximar, essa concepção de território, não só como barreira, mas também com todo dispositivo, tudo aquilo que aquela área, que aquela vida, aquela comunidade pode oferecer. (Membro da GEAS A)

Porém, conforme apresentamos no capítulo 4, houve embates e obstáculos a serem

suplantados para a implementação do BH Vida: Saúde Integral, particularmente para a

implementação do PSF, o que acabou a acarretando em um “atraso” em relação a outros

municípios no Brasil.

As entrevistas apontam alguns fatores que influenciaram ou que podem ter

influenciado este “tempo” do PSF no município:

Foi uma opção, eu acho que uma opção política da gestão. (Gerente A) ... quando se constrói um modelo você se agarra nele meio muito, não é?, meio demais e às vezes fica com uma certa dificuldade de escutar o que pode vir de diferente e o que pode ser interessante. (Membro da GEAS A) ... por ser uma grande cidade, nós tivemos dificuldade, por ter várias categorias profissionais, com várias posturas, por ter dificuldade de fazer com que as pessoas desmistificassem o modelo anterior, para aceitação. (Gerente B)

e evidenciam o debate, as críticas e as resistências que surgiram à época:

... houve uma resistência muito grande da própria gestão municipal na saúde a essa implantação, a essa mudança, porque é uma mudança traumática. Hoje é mais fácil falar, mas foi muito difícil. A própria população criticava inicialmente. Então a

137

decisão política não foi fácil de ser tomada, não! (...) Quando você não tem nada, é só expandir cobertura, é fácil; mas quando você já tem uma rede instalada, que você vai ter que enfrentar o seu próprio conceito do que é atendimento adequado em saúde, a população, a corporação médica, isso tudo é uma mudança muito brusca. (Membro da GEAS C) A consolidação de qualquer processo dentro da Prefeitura, ela sempre passou por muita discussão. (...) Esse momento político demanda tempo e em Belo Horizonte como já tinha uma saúde bem estruturada dentro dessa lógica (...) de ter um ginecologista, de ter um clínico, de ter a equipe de saúde, de ter esses profissionais dentro da unidade, ficou complicado, ficou difícil da gente não fazer uma discussão muito grande com a sociedade, entendeu? E (...) como todo processo de organização de serviço, envolve tanto a questão política quanto a questão organizacional de fato. (Gerente C) ... na implantação do Programa de Saúde da Família foi difícil. A gente tinha alguns facilitadores e alguns dificultadores, tinha vários mitos de que “o Programa de Saúde da Família vai desmantelar, e não vamos conseguir, e não sei o quê... vai acabar com tudo que já foi feito com a criança...” Tinha vários mitos. Então a implantação foi pesadíssima. (Gerente B) Olha, a implantação do PSF aqui (...) foi uma coisa muito complicada. [Muitos saíram da SMSA] pela maneira a meu ver extremamente autoritária de funcionar, de trabalhar a concepção de modelo. Mas agora eu acho que de 2003 para cá a gente consegue retomar, ampliar um pouquinho. Nós conseguimos fazer um pacto com os trabalhadores nessa concepção. Porque Belo Horizonte até pouco tempo atrás ela resistiu ao PSF da maneira também como o Ministério apresentava. (Membro da GEAS A) ... o PSF aqui entrou muito rapidamente, sem uma organização equivalente eu acho. (...) Criou uma equipe para implantar o PSF, então nesse andar aqui [do prédio da SMSA], a gente trabalhava aqui, [a GEAS, as coordenações de área] e o PSF. O PSF ficava lá, a gente ficava completamente à margem. Na época houve questões políticas internas de conflito, então quem estava conduzindo o processo, conduziu assim: “isso é o novo modelo vocês não entendem fiquem aí, não façam nada, só não atrapalhem o que nós estamos fazendo aqui.” (...) a gente poderia ter feito um movimento mais harmônico eu acho, mais participativo, dentro da Secretaria. (Membro da GEAS B) Sinceramente, foi até uma coisa muito mal feita, porque nós tivemos pouco tempo para implantar. (...) Em princípio eu acho que foi realmente, foi muito rápido, aquela coisa assim: “olha, nós vamos ter que implantar e pronto!” (Auxiliar de enfermagem)

De acordo com Reis et al. (1998), criticava-se, na construção de um modelo SUS

condizente, inclusive em Belo Horizonte, o investimento no PSF e no PACS se estes fossem

“entendidos pela visão míope de substitutivos de uma rede básica, ou mesmo dela

desvinculados”, pois serviriam para cumprir “o papel de pacote mais barato de gastos em

saúde destinados aos ‘mais pobres’, cidadãos de menor categoria” 60. Pois consideravam que

tais programas tinham seus méritos, mas não passavam de programas e apresentavam limites

de eficácia de prevenção de mudança nos indicadores de morbi-mortalidade. Para eles,

60 Nesta dissertação, o debate acerca da noção de “pacote básico” e outras abordagens da APS foi realizado ao longo do capítulo 2 – Atenção primaria à saúde: as origens, os sentidos, uns caminhos.

138

soluções mais efetivas de problemas de saúde, além de exigirem cuidados primários,

demandavam saberes e tecnologias mais bem articulados nos diversos níveis da assistência

que globalmente respondessem ao complexo processo de produção da prevenção, ao mesmo

tempo em que permitissem impactar o sofrimento agudo e/ou crônico expressos, individual e

coletivamente, como problemas de saúde. (REIS et al., 1998, p. 383)

A resistência em Belo Horizonte era não só de ordem “política”, mas também se

relacionava com o saber e o fazer dos profissionais:

... a gente tinha uma rede estruturada, funcionando bem, reconhecida na cidade, e aí houve muita resistência para você sair de uma rede com profissionais, bons pediatras, bons clínicos e bons ginecologistas para trabalhar com médico generalista, que você não sabe muito bem, não está formado ainda, não existe... (Membro da GEAS C) Era o médico, não tinha formação em generalista... e é isso também, que eles não acreditavam que eles iam dar conta de atender três clínicas numa só, tinha um monte de receio. (Gerente B) ... essa resistência vinha muito porque havia um questionamento e uma indagação sobre o saber dos profissionais. Obrigar esses profissionais a reordenar tudo aquilo que eles tinham até então conduzido na vida, então tem isso também, [tanto] do ponto de vista do saber acadêmico, quanto do ponto de vista de um saber, vamos dizer assim, mais democrático, onde você teria que dividir esse saber com a população, dividir esse saber com o ACS, dividir o saber com o enfermeiro... (Membro da GEAS A) ... convencer o profissional que há anos estava na saúde pública, de uma forma muito fácil de trabalhar, lá, esperando o usuário chegar, uma forma muito cômoda de trabalhar, convencendo-as de que nós tínhamos que ir na casa, de que o ideal era isso... muito complicado. (Gerente B) ... não é fácil você entrar na casa de uma pessoa, não é fácil você saber lidar com a pessoa, às vezes a pessoa não precisa de um médico, ela precisa de um psicólogo, um ouvinte, e saúde é isso!... Saber escutar o paciente, e muita gente não quer isso! Muita gente não tem paciência para isso. (Auxiliar de enfermagem) ... a gente teve que reestruturar toda nossa organização, os profissionais que estavam antes na unidade, que não estavam trabalhando na lógica do PSF, tiveram que modificar o processo de trabalho para estarem entendendo o PSF, que lógica é essa de trabalhar, com a responsabilidade de um território menor, não é?, porque a gente já trabalhava numa lógica de território, de área de abrangência, mas não de uma maneira tão localizada. (Gerente A)

“Saber é poder”; e à medida que um dado conhecimento ganha respaldo, é fortalecido.

Isso pode justificar, em parte, a resistência que os profissionais apresentavam ante a

implantação do PSF, particularmente os profissionais médicos. De formação e práticas

tradicionalmente flexinerianas e próximas à Medicina Científica (Cf. SILVA Jr., 2006),

baseadas na especialização e na ênfase na medicina curativa, esses se depararam com um

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modelo “alternativo” onde o saber compartimentado tinha seu poder diminuído, isto é, viam-

se com seu poder diminuído, viam-se enfraquecidos diante de um novo modelo, diante da

demanda por um novo profissional: o generalista.

Apesar das resistências, ao mesmo tempo, o modelo vigente até a mudança ocorrer era

criticado:

[Era uma crítica] Que a gente fazia na época, (...) que é por exemplo, que um centro de saúde teria basicamente que ficar atendendo os casos light... ficaria exclusivamente dedicado e voltado à prevenção, e era isso que a gente via acontecer de uma certa maneira: as crianças rechonchudinhas: puericultura... mas a hora que tinha uma febrinha, fora! Na hora que aparecia meio desnutrido: hospital, não é? Em todos os campos... Grupos de Diabéticos fazendo pós-graduação em diabetes, mas na hora que descompensava não dava conta. E a mesma coisa com a loucura: na saúde mental a gente tinha vários grupos, vários atendimentos em saúde mental, mas de casos light, não é? (...) dava conta de atender aqueles casos mais leves (...) mas enquanto isso os portadores de sofrimento mental grave estavam também se dirigindo ao hospital. (Membro da GEAS A) O que a saúde pública oferecia era um [medicamento] oral, um atendimento ao bebê saudável. A gente não tinha essa estrutura que a gente tem hoje. (Gerente B) A gente tinha muita dificuldade... não existia acolhimento, existia enfermeira de apoio, então normalmente as enfermeiras ficavam supervisionando, elas não faziam uma consulta de enfermagem. (Auxiliar de enfermagem) Eu acho que era mais bagunçado, o usuário ficava mais perdido, hoje não, hoje o usuário está sendo mais acolhido. (ACS) ... a questão de consultas era marcação por ordem de chegada, não via se o paciente era da área ou não, não tinha busca ativa, não tinha esse vínculo das pessoas com a gente... Era uma organização que deixava a desejar (...). A gente não tinha essa vigilância em saúde igual tem hoje, que a gente tem a nossa população e a gente trabalha em cima dela, do que é realmente o que ela precisa. (Enfermeira A) ... antes o usuário não era tratado como indivíduo, (...) ele chegava num montante, eu tinha dez vagas para população de clínico, e acabou o assunto. Quem dormia na fila, pegava essas dez vagas, não importava se estava só com uma gripe, ou com uma unha encravada, ou o quê que era... ele pegou a vaga, a vaga era dele... Hoje não! (Gerente B) Antigamente as pessoas tinham que ficar na fila, as pessoas tinham que madrugar. Hoje não, hoje as pessoas podem chegar ao Centro de Saúde às oito horas, passam no acolhimento que naquela hora ali tudo pode ser resolvido. Antigamente não, você entrava na fila, como eu já entrei várias vezes, os médicos marcariam para outro dia, para daqui a cinco dias e hoje não, hoje o processo é mais rápido, entendeu? (ACS) [Antes] As pessoas buscavam a unidade de saúde da mesma forma, eram acolhidas dentro da unidade de saúde e eram referenciadas para um dos profissionais que atendiam. Por exemplo, se fosse uma criança, era pediatra. Se fosse um adulto, era o clínico. Se fosse uma mulher e tinha uma queixa ginecológica, era para o ginecologista. Se fosse um caso de saúde mental, era... Então o paciente ia para essas caixinhas, vamos dizer assim, mas o todo, o paciente às vezes ficava, de fato, fragmentado. Hoje [com o] generalista (...) é exatamente o contrário. (Gerente C, grifo nosso)

140

No entanto, o BH Vida: Saúde Integral, através do PSF, vem demonstrando cada vez

mais relevância para a concretização do SUS em Belo Horizonte; representa a consolidação

de princípios e diretrizes do sistema e é fundamento de uma mudança em direção à melhoria

da qualidade da atenção prestada.

[O BH Vida: Saúde Integral] representa o acesso da população com o serviço de saúde, a possibilidade de que a pessoa caminha dentro do SUS, e ele possibilitou que a população realmente fosse vinculada às unidades, com isso ela caminha com a rede de serviço de uma maneira mais organizada. (...) Eu acho que é uma maneira de vincular, direcionar a assistência do usuário do SUS. (Gerente A) O BH Vida: Saúde Integral vem para consolidar uma proposta (...) de atenção iniciada pela atenção primária, não é?, que é a atenção básica à saúde, e referenciando para os outros níveis de atenção nos casos mais complexos. A proposta do BH Vida: Saúde Integral, ela é a proposta do Programa de Saúde da Família, trabalhando a questão da integralidade (...), o acesso das pessoas aos outros níveis do sistema, (...) trabalhando a questão da saúde integral pela valorização da vida, pela valorização da consciência cidadã, pela mobilização da comunidade para essas questões da saúde. (...) Valoriza a saúde dentro de um contexto, que é o contexto da área onde a pessoa trabalha, onde a pessoa produz a sua vida. (Gerente C) ... você vê o paciente na sua contextualidade como um todo, isso favorece muito o desenrolar do processo de saúde e doença dele, então eu entendo o PSF assim: como a grande porta de entrada para o SUS, e além disso, esse vínculo que a gente faz, porque o paciente vem atrás de você, não vem atrás de uma consulta qualquer, (...) ele tem o referencial do médico que o acompanha. (Médica) [Eu definiria o BH Vida: Saúde Integral] como um modelo de assistência muito interessante, muito abrangente e que tem atendido sim à população. É um atendimento humano, é um vínculo super importante que a população tem com a gente. (Enfermeira A) Agora sim a gente está vendo que a população está tendo um elo maior com os médicos, com os Centros de Saúde... (ACS) [O BH Vida: Saúde Integral] é fundamental para sustentar o SUS em Belo Horizonte. Hoje o PSF, além de ter uma resolutividade muito grande, acho que tem uma possibilidade de atendimento, de resolução mesmo da demanda do usuário, e eu acho que estabelece uma rede na rede de serviços, nos dá possibilidade de estabelecer uma linha de cuidado do usuário dentro do SUS. (Gerente A)

O fato de a Saúde da Família ter se estruturado de forma integrada, dentro do sistema

de saúde municipal, dá ao programa uma condição diferenciada em relação ao PSF em outros

municípios:

... a idéia de não fazer uma rede paralela, de trabalhar com a própria rede foi acertadíssima. Trouxe muita dificuldade? Trouxe, mas foi acertadíssima porque hoje ela está integrada, ela faz parte do sistema municipal, não é um sistema paralelo como nós temos em torno de Belo Horizonte, vários. Então não compete: a

141

população tem um centro de saúde, ela não tem um centro de saúde e um PSF. Não existe competição, não existe paralelismo. (Membro da GEAS C)

A constituição integrada da APS, através do PSF, ao SUS de um município tem grande

relevância. De fato, se se deseja que a APS seja porta de entrada preferencial no sistema de

saúde, ela só pode estar inserida na rede de serviços de saúde; e se se deseja que a APS seja

ordenadora do sistema e que os profissionais que atuam neste nível se responsabilizem pela

continuidade da atenção aos usuários, acompanhando seu caminhar na rede de serviços, a

APS não pode, de modo algum, se constituir paralelamente a ela.

Esta é uma condição que revela como a Saúde da Família em Belo Horizonte parece

apresentar vantagens em relação a outros municípios que optam por ter mais de um tipo de

unidade de saúde voltada para a atenção primária da população. O município de Niterói, RJ, é

um desses exemplos de “constituição de dois sistemas”. Em 1992, foi inaugurado o primeiro

módulo do Programa Médico de Família (PMF). Formulado a partir de cooperação técnica

com o Ministério da Saúde Pública de Cuba, o PMF tinha como uma de suas características a

complementaridade das Unidades Básicas de Saúde (UBS). (MASCARENHAS, 2003)

O PMF vem logrando êxito ao longo dos anos e significou ampliação do acesso às

populações de alto risco – mais pobres e com quadros mais graves de mortalidade. (CUNHA;

MACHADO; BRANT, 1994) Inclusive, tornou-se referência nacional para o desenvolvimento

de estratégias que visam a reorganização dos sistemas locais de saúde. Contudo, permanece

constituindo-se de forma paralela à rede de serviços, permitindo, ainda, à população adscrita a

um determinado módulo “duas” portas de entrada “preferenciais”: a UBS de sua área e o

próprio módulo do PMF.

A Saúde da Família possui caráter substitutivo e não complementar; sob este último,

poderia ser levada a um paralelismo. Escorel et al. (2007, p. 168) apresentaram resultados de

uma pesquisa em 10 municípios com população acima de 100.000 habitantes de quatro

regiões do país defendendo que “a integração das unidades de saúde da família à rede

assistencial é fundamental para garantir uma oferta abrangente de serviços e para coordenar as

diversas ações requeridas para resolver as necessidades menos freqüentes e mais complexas.”

De caráter substitutivo e em construção, a Estratégia de Saúde da Família em Belo

Horizonte apresenta limites que ainda precisam ser ultrapassados:

... falta de mão do obra, falta de estrutura... por exemplo, você teria que ter um carro aqui à disposição, para ir na casa do paciente fazer um curativo, não é o paciente que

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tem que vir andando na dificuldade para fazer um curativo aqui não. (Auxiliar de enfermagem) ... eu acho que o Programa de Saúde da Família tem vários problemas. Faltam recursos humanos, falta medicamento, falta material, falta informação mais adequada, falta mais estudo, faltam muitas outras coisas, mas eu acho que foi uma luz no fim do túnel maravilhosa. (Gerente B) Os obstáculos são muitos, nós temos muito que crescer em termos de construção de uma rede de serviço, de uma rede articulada em termos de desenvolvimento da garantia de que o usuário caminha na linha de cuidado, no estabelecimento dos processos terapêuticos... a gente tem muito que crescer nesse sentido. Não é um obstáculo, mas é um grande desafio também. É fazer com que a população entenda que projeto é esse, que a gente trabalha nele, porque hoje a equipe começa a entender um pouco o projeto; agora, a população muitas vezes procura uma oferta diferente daquela que a gente (...) está ofertando. Ela não reconhece, ela procura mesmo essa questão imediatista, o modelo médico-centrado por uma questão cultural. Então eu acho que é um desafio nosso, construindo isso junto da população, que ela perceba que modelo é esse, que universo é esse que a gente trabalha nele hoje, que lógica é essa. De estar fazendo a vigilância em saúde dessa população e não estar só fazendo a atenção a essa demanda, atendimento pontual. (Gerente A)

Os diversos pontos levantados nas falas, como a estrutura, a força de trabalho e a

“nova lógica” que comanda o modelo assistencial implantado são destrinchados em nossas

análises, que constam do presente capítulo. Outros limites e pontos a serem enfrentados

também fazem parte deste capítulo 5.

5.1.2 Integralidade do cuidado como eixo da atenção

A valorização da integralidade no BH Vida: Saúde Integral pode ser vista, inclusive,

na própria reestruturação da SMSA: antes da implementação do programa, SMSA e sistema

de saúde encontravam-se fragmentados; após a implementação, alguns entrevistados

identificam que o sistema passou a ser integral – na ação, porém não na formulação.

... hoje é uma rede; além de muito grande, muito mais complexa e com muitos mais desafios basicamente porque assumiu a integralidade do cuidado. (...) [Antes] já era difícil mas não era tão complexo porque as áreas eram mais restritas, eram aquelas áreas prioritárias de atenção e agora a gente quer dar conta do todo, de tudo, não é?, então fica cada vez mais complexo. O conhecimento era disponível, mas acho que tem uma maturação, uma elaboração mesmo para a integralidade, cuidado... Hoje a gente vê que é muito mais, é o desafio da vida, não é?, porque saúde eu acho que ninguém está se contentando a ficar cuidando de doença. (...) Está toda uma seqüência do cuidado, que é o grande desafio mesmo. (Membro da GEAS B) ... a integralidade é um desafio no modus operandis, está no marco para todo mundo, é um referencial para todo mundo, mas na hora de concretizar as ações, eu acho que é ainda muito fragmentado, e é muito restrito, e ainda acho que é assim. Então na formulação, no planejamento das ações, quem está lá na execução, eu acho que já

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incorporou um pouco mais a coisa da integralidade, do cuidado, mas aqui como a gente está no processo de estruturar e de concretizar uma proposta e a gente está assim nessa transição entre um marco anterior do como fazer fragmentado, dividindo em coordenações, saúde da mulher, da criança, do adolescente, adulto, enfim, etc. Isso, você não ouve isso também, lá na rede, no dia-a-dia. (...) Na formulação, na estrutura da secretaria isso se repete e (...) fica distante dessa realidade, não dá conta dessa realidade. (Membro da GEAS B)

A adoção das linhas do cuidado como forma de intervir de ponta a ponta deve servir

para a consolidação do princípio da integralidade. Inclusive, a partir do acompanhamento do

usuário na rede de serviços, sua análise possibilita mapear todos os recursos disponíveis nos

diversos segmentos da saúde, avaliar as tecnologias utilizadas para assisti-lo quanto ao tipo,

fluxos e mecanismos de regulação, tentativas de negociação de acesso, utilização dos recursos

das clínicas especializadas, vigilância à saúde, promoção e os ruídos produzidos. (ANS, 2006,

p. 15) Como observam os sujeitos da pesquisa,

[Linha do cuidado] É a organização de todo o fluxo, de demandas e de necessidades. (Gerente A) Elas representam, eu acho, que é uma tentativa mesmo de unir um modelo que corre um grande risco de se fragmentar, porque tem inúmeras pontas, tem inúmeros dispositivos, então, ao correr o risco de se fragmentar, estabelece uma linha que una essas intervenções e que as potencialize. (Membro da GEAS A) O Programa BH Vida e o Programa de Saúde da Família trabalham o tempo inteiro com a linha do cuidado, ele não tem como trabalhar sem, senão ele não trata de saúde integral. Que o objetivo não é saúde integral? Se você não trabalha a linha do cuidado é difícil você atingir a proposta usada, que é a proposta de trabalhar a saúde em todos os níveis de complexidade. (Gerente C)

Notamos que o conceito e a adoção das linhas do cuidado têm sido incorporadas no

cotidiano dos serviços,

As linhas do cuidado (...) têm acontecido no dia-a-dia do trabalho. No atendimento aos usuários, quando uma equipe define, dentro das demandas apresentadas, qual que é o caminho que o usuário precisa percorrer, que esse é o nosso entendimento hoje na linha de cuidado, e a gente não tem dado conta de fazer o acompanhamento muito efetivo, de garantir o processo às vezes nos outros níveis de atenção. Mas essa prática, hoje, os profissionais aqui já tem, isso é rotina de trabalho. (Gerente A) [A linha do cuidado] Começa ali, na hora que você acolhe o paciente ou é uma visita domiciliar que você faz, ou é no seu trabalho no dia-a-dia: você avalia aquele paciente e aí você começa a trabalhar as questões do cuidado desse paciente... Ele vai ser atendido pelo médico? Vai ser atendido pelo enfermeiro? E aí, como que a gente vai trabalhar isso no decorrer da vida dele? Encaminha ele para um especialista? Encaminha ele para uma urgência e acompanha? (...) Trabalhar com ele durante todo o processo que ele faz aqui na unidade, isso é uma questão da linha do cuidado. A outra questão da linha do cuidado é a questão da vida desse paciente, que

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chegou à unidade, fez o teste do pezinho e aí começa... Isso faz parte do cuidado no decorrer da vida, que exige a responsabilidade da equipe, existe a co-responsabilidade da família. Conhecer como que vai ser o percurso desse paciente dentro do serviço de saúde, e também, conhecer o paciente como indivíduo que está vulnerável dentro do contexto em que ele vive. (Gerente C)

ainda que não se “apreenda” este “nome” para os “fluxos”:

Eles já têm essa idéia de que a gente deve estar direcionando, que o usuário que a gente recebe é nossa responsabilidade, delimitando que caminho é esse que ele precisa percorrer e atender as suas necessidades. (Gerente A) A gente tirou como meta captar gestantes até o terceiro mês, que a gente queria que elas fizessem o pré-natal bem feito, você entendeu?! E aí a gente avançou muito na questão do pré-natal. Acompanhamento das crianças: nós temos um fluxograma... A mãe teve um bebê: o ACS já avisa para a gente. Mas a mãe vem aqui porque ela é orientada a fazer o teste do pezinho. Então ela sai do teste do pezinho, aqui na unidade, a enfermeira já vem e faz a avaliação e já agenda para o médico a consulta, que tem que ser até 30 dias. Se ela for de risco, uma criança de baixo peso, não é?, ou uma criança filha de mãe adolescente, marca bem antes de trinta dias e já marca o puerpério para mãe. (Gerente C) ... você consegue dar uma continuidade no tratamento do paciente e você consegue fazer essa ligação toda em tudo que ele está sentindo, que seja de uma endocrinologista, da cardiologia... não interessa, entende? Você consegue fazer o elo em tudo. (Médica)

Percebemos, nas falas, as dimensões das linhas do cuidado como percurso do usuário

a) dentro do serviço e b) na vida. Além destas, como mencionamos no capítulo 4, há as linhas

do cuidado por agravos. Assim, são constituídas diversas linhas do cuidado a serem

conduzidas e operadas em Belo Horizonte, em especial no âmbito da APS, mas também nos

demais níveis e na própria SMSA. No entanto, a fragmentação na formulação, como

mencionamos, traduz-se na própria estrutura e forma de operação das áreas técnicas da SMSA

e, conseqüentemente, das linhas do cuidado:

... ficou [na GEAS] a linha de cuidado do idoso, e a materno-infantil, porque a gerente da comissão perinatal trabalha [na GEAS]. A linha de cuidado de cardiologia ficou na Gerência de Projetos Especiais, que trabalha com atenção especializada, então o quê que acontece: na prática acabou desenvolvendo o que está sob [gestão da GEAS], do idoso, que é a atenção básica, andou mais porque [a GEAS tem] mais gestão. A cardiologia então andou mais na atenção especializada, porque eles têm mais gestão. Essa é a minha interpretação. Eu acho que acabou que a estrutura administrativa predominou sobre a possibilidade de fato de articulação. Pessoalmente eu tenho dúvida (...) se essa idéia de fazer uma linha de cuidado máxima, no sistema, se ela é viável de verdade, se ela é efetiva. Eu penso que talvez o que funcione mesmo seja o profissional da atenção primária, de fato, cuidar dos seus pacientes e ter acesso. (...) A estrutura macro é fundamental para ser o potencial de realizar as coisas, mas a realização das coisas mesmo ela se dá na microestrutura,

145

na relação entre profissionais, e tal. Esse sistema macro ele não consegue garantir o funcionamento de linha de cuidado porque, na verdade, saúde é relação de confiança, não é? O cardiologista tem que confiar no médico de saúde da família e no clínico, porque se não ele vai interferir e vai atrapalhar o caminho desse paciente. (Membro da GEAS C)

Essa fragmentação da estrutura e formulação parece refletir na constituição das linhas

de cuidado. Apesar de tomadas como política no município e como eixo para a implantação

do BH Vida: Saúde Integral, sua “parcialização” parece suscitar um debate em relação ao que,

de fato, elas servem quando se fala em integralidade:

... a gente fala da linha de cuidado integral à gestante, recém-nascido, criança, aí a gente emenda com adolescente na rede porque a gente está preocupada com o futuro do jovem, do adulto etc., e aí, não tem muita proposta. Até o adolescente a gente vai; do adolescente até a doença instalada no adulto fica um vácuo. (...) Não tem proposta de seguimento da saúde dessas pessoas, tem quando elas estão doentes, então a tal da promoção da saúde, tirando dieta, alimentação e atividade física, ninguém está propondo. (Membro da GEAS B) O que é isso de verdade? No real do Sistema de Saúde, sabe, é possível você ir segmentando patologias ou grupos e permitindo integralidade só para esse tipo de paciente? Como é que fica o grosso da assistência? (Membro da GEAS C) ... tinha que ser uma linha do cuidado do ciclo da vida, da integralidade do cuidado nos diversos níveis de assistência, mas integralidade da vida da pessoa, na linha da vida mesmo. (Membro da GEAS B)

O cerne desta questão está justamente no “fragmentar” do cuidado em várias linhas.

Por mais que as linhas do cuidado possam se estruturar por diferentes critérios, como

elucidamos no capítulo 4, a primazia das linhas por agravos – Doenças Respiratórias,

Hipertensão, Diabetes, Cânceres, Doença renal, AIDS etc. – em detrimento das linhas por

fases da vida – da Criança, da Mulher, do Adulto, do Idoso – pode ter como resultado

indesejável uma integralidade pouco acessível, ou uma integralidade regulada, acessível

apenas aos que apresentam condições de saúde e doença mais “importantes” – do ponto de

vista clínico e biológico – para serem tratadas, ou que pela “eqüidade” tiveram suas

necessidades atendidas, limitando o acesso do paciente agudo aos serviços e insumos de

saúde, produzindo um acesso desigual às tecnologias de saúde por indivíduos ou coletivos.

Reconhecemos que há pessoas e coletividades que apresentam especiais necessidades

de acompanhamento contínuo para determinados agravos, principalmente quando estes são

crônicos. Porém, acreditamos que a opção por linhas do cuidado internas aos níveis de

atenção pode ser uma boa forma de garantir a integralidade. Contudo, como frisam Cecílio &

Merhy (2003, p. 200), esta somente pode ser obtida em rede, visto que a linha do cuidado

146

pensada de forma plena atravessa inúmeros serviços de saúde. Por isso consideram linhas de

produção do cuidado como uma estratégia gerencial, sendo referencial para a intervenção da

micropolítica do trabalho em saúde. (CECÍLIO; MERHY, 2003, p. 201)

Entretanto, sua tomada como estratégia gerencial parece esbarrar na problemática da

referência e contra-referência – temas que serão abordados mais adiante no presente capítulo

– como se vê na fala da gerente a seguir:

... com as unidades de referência terciária a gente praticamente não tem comunicação... Essa coisa do gerenciamento da linha de cuidado que aparece como atribuição da unidade básica, gerenciar e acompanhar toda linha do cuidado do usuário, a gente ainda tem muito que avançar nesse sentido. (Gerente A)

As linhas do cuidado como políticas não podem se prestar a autonomização e

desarticulação entre os dois grupos de linhas do cuidado ou dentro de cada um deles, pois, se

assim for, pouco se diferenciarão dos programas verticais ou da lógica anterior de organização

do trabalho a partir de programas integrais à saúde ou orientado por “Ações Programáticas”.

Deve-se “vislumbrar o desenho de políticas de saúde como linhas de cuidado, integrando

ações de promoção e prevenção às de cura, controle e reabilitação, de acordo com as

particularidades de grupos ou necessidades individuais”. (BRASIL, 2006a) Uma das

premissas deste modus operandis reside no modo de organizar o trabalho em saúde para

garantia da atenção integral.

A integralidade se inicia pela organização dos processos de trabalho na APS, onde a

assistência deve ser multiprofissional, atuando através de diretrizes como o acolhimento e a

vinculação de clientela e onde a equipe se responsabiliza pelo cuidado. Este é exercido

utilizando os diversos campos de saberes e de práticas, associando-se a Vigilância à Saúde à

assistência individual. Segundo Franco & Magalhães Jr. (2003, p. 129), pretende-se, com isso,

recuperar o valor dos atos assistenciais fundantes da clínica. A propedêutica e um dado projeto terapêutico cuidador, na rede básica de assistência à saúde, deve ser levada ao limite das suas possibilidades, deixando os exames de maior complexidade para a função real de apoio e diagnóstico. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 129)

Esta afirmação nos leva a aprofundar um outro tema, levando em conta que um dos

pressupostos condicionantes da integralidade é o caráter público dos serviços de saúde e,

portanto, um modelo de Estado comprometido com políticas públicas e universais. (RAMOS,

147

2005a, p. 208) Assim sendo, destacamos a universalidade como tema também a ser

enfatizado.

5.1.3 Alguns debates acerca da universalidade e do consumo de saúde Pelo princípio da universalidade, todos os cidadãos têm direito ao acesso aos serviços

e ações de saúde, independentemente da estratégia utilizada para organização do cuidado ou

se são residentes na área de abrangência. “Este é um princípio fundamental do SUS, que não

prescinde da necessidade de organizar os serviços com dispositivos como a territorialização

ou adscrição de clientela.” (BELO HORIZONTE, 2006)

Foi importante o destaque que uma das entrevistadas deu à “dicotomia” universalidade

vs território adscrito, como sendo princípios excludentes a um primeiro olhar, mas

completamente “consortes” quando vistos com mais clareza:

... eu queria falar um pouquinho da questão do acesso e da universalidade, que eu acho que é o grande nó hoje... Todos nós temos acesso aos serviços de saúde, não é?, e aí vem uma pessoa aqui na minha unidade e ela não é adscrita na minha área... E aí? O primeiro atendimento eu tenho que acolher, eu tenho que fazer esse atendimento, porque o acolhimento é um princípio do SUS. Se ele for um caso de urgência, eu vou reverter ele para urgência, se for o caso eu vou atendê-lo, mas vou fazer um encaminhamento para o responsável desse paciente, para onde ele vai ser mais bem cuidado. Por que ele vai ser mais bem cuidado noutro local e não no meu local? Porque ele vai para um local em que o ACS vai poder fazer uma vigilância dele, que ele vai ter uma equipe disponibilizada para estar atendendo esse paciente, então é essa questão do território. O território vem exatamente para poder qualificar a atenção, para trabalhar a questão do vínculo, para trabalhar a questão da vigilância epidemiológica, da vigilância sanitária... A partir do momento que você conversa com o paciente, dialoga com ele, coloca para ele que ele vai ter um território onde ele vai ter as mesmas características, que ele vai ter um ACS que vai lá, conversar com ele, que vai saber das suas questões de saúde, vai ter uma equipe preocupada em estar direcionando o atendimento para ele, ou seja, ele vai ter uma atenção mais qualificada. Esse paciente entende a questão da universalidade, a questão do acesso, e aí, o que eu acho que falta, é exatamente convencer e conversar com as pessoas. (Gerente C, grifo nosso)

Porém, uma leitura estreita destes princípios pode torná-los antagônicos: a população

adscrita, pertencente a um território, tem acesso aos serviços de saúde, particularmente os

destinados à Saúde da Família; aquela não territorializada, não adscrita, acaba ficando à

margem deste modelo. O fato de o BH Vida: Saúde Integral permitir o acesso e produzir

cuidado à população não adscrita a uma dada unidade deve ser tido com um dos pontos mais

importantes do programa.

148

Reforçando o debate, há uma importante advertência feita pelos entrevistados do nível

central, relacionando à universalização – enquanto acesso universal a insumos e

medicamentos – a cultura consumista:

Universalidade... mas a gente tem muito conflito com isso também. Vem de tudo (...) profissional médico prescreve aquela coisa mais tecnologia de ponta, vamos dizer assim, mas de resolutividade nem tão diferente do que está na farmácia básica, nos PSF e o usuário acha que o SUS tem que dar. Então isso é conflitante, fonte de conflito. Eu acho que se a gente não trabalhar com esse paradoxo da tecnologia, alta tecnologia biomédica dos medicamentos, dos equipamentos, dos recursos tecnológicos, dessa influência comercial que a gente tem na formação, no trabalho dos profissionais, não é?, com medicamento, com equipamento, com recursos de material, a gente acaba vivendo esse conflito. Você tem uma proposta do básico, da visão do coletivo, do que é razoável para a maior parte das pessoas, do que é anti-consumista, não é?, e ao mesmo tempo tem que lidar com uma realidade, com uma cultura de produção, de consumo, consumista. Acho isso complicado, a universalidade. (Membro da GEAS B)

Apontamos dois eixos para serem trabalhados em relação ao consumismo. Um se

refere ao consumismo como sendo fundamental para a reprodução do sistema capitalista, com

a reflexão dessa lógica em todos os setores da sociedade, o que, obviamente, não seria

diferente com a saúde.

Nós somos de uma cidade muito grande com vários outros serviços. Tem uma rede contratada paralela, com poder de atratividade muito grande, os hospitais. Eles têm um poder de atração muito grande... a população vê o Fantástico, vê tecnologia médica ali disputando. (Membro da GEAS C)

O outro eixo se relaciona com o dispositivo do Acolhimento para atendimento à

demanda espontânea, quando se vê o consumismo “em saúde” se arraigando nos indivíduos e

coletivos.

[para o Acolhimento] tem que ter no máximo 25% do trabalho [dos profissionais] diário, com atendimento à demanda espontânea, no máximo duas horas. O resto tem que ser organizado, programado, porque senão nem eles agüentam, e não adianta para o paciente também, fica uma coisa de consumo, só, e aí... Hoje acho que está acontecendo em Belo Horizonte um consumo do serviço de saúde. (Membro da GEAS C, grifo nosso)

149

O que se vê? Consumo de saúde – como se um bem61 fosse –, de consultas, de exames,

de equipamentos... Por um lado, há um incremento na busca pelos serviços de saúde pela

população, aumentando a demanda espontânea, que pressiona e sobrecarrega os trabalhadores,

como veremos mais adiante. Por outro lado, o próprio serviço de saúde, os próprios

trabalhadores e, quiçá, o aparelho formador, produzem a mesma demanda por um consumo

“desenfreado” da saúde. Os profissionais parecem cada vez mais se destituir do saber clínico,

ao contrário do que preconizaram Franco & Magalhães Jr. (2003, p. 129), delegando ao

equipamento o diagnóstico e a opção terapêutica. E o serviço/ gerência parece vir respaldando

tal posição,

... eletrocardiograma, raio X, tinha que ter na unidade básica, para não estar direcionando esse povo para urgência, porque eu tendo um eletrocardiograma e um raio X dentro da unidade, eu consigo perceber se é uma pneumonia de fato, se é um problema cardiológico de fato... e já trato na unidade e já fico livre... não precisa de ele ir para urgência. (Gerente B)

embora a justifique:

... numa cidade como Belo Horizonte, que é uma grande metrópole, a gente não funciona [como o PSF do MS]. Por que não funciona? Porque a demanda do usuário é diferente da demanda de usuário de um município pequenininho, e a forma de encaminhar um usuário de um município pequeno é muito mais próxima do que uma cidade como Belo Horizonte, então Belo Horizonte tem que ter posto de saúde, mesmo, bem equipado. Eu falo porque eu sei que está até faltando raio X e faltando eletrocardiograma na nossa unidade e outras coisas... (Gerente B)

Assim como Vanderlei & Almeida (2007, p. 444), quando pensamos a gerência no

âmbito da Estratégia de Saúde da Família, temos a perspectiva de compreendê-la como um

instrumento do processo de trabalho em saúde capaz de contribuir para a transformação deste

rumo a um modelo de atenção usuário-centrado, e não em função do controle e dos

procedimentos, além de ser capaz de protagonizar mudanças e de se comprometer com a

defesa da vida do usuário.

No entanto, a fala de gerente transcrita acima mostra uma contradição em relação ao

papel da rede básica. Recuperando a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), sobre a

qual nos apoiamos no capítulo 2, utilizamos a definição da Atenção Básica como um conjunto

61 Segundo Teixeira (s.d.), dificilmente se pode considerar a saúde um “bem” na acepção mercantil da palavra. A assistência à saúde pode ser entendida em seu aspecto de mercadoria porém, ainda assim, deve ser examinada em suas peculiaridades.

150

de ações de saúde que compreendem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de

agravos e riscos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. A AB

utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os

problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território, (BRASIL, 2006b, p.

10) ou seja, não cabe às unidades básicas comportarem equipamentos como os sugeridos pela

entrevistada acima, nem se tornarem unidades de pronto-atendimento ou urgência. Pois, como

lugar preferencial de entrada no sistema de saúde, outras tecnologias devem ser prioritárias,

como as “leves” e “leve-duras”.

Afinal, “uma coisa é o uso do pronto-atendimento [PA] como um recurso a mais para

abordar o usuário, e outra coisa é reduzir a UBS a um lugar exclusivamente onde só se faz

PA.” (FRANCO; BUENO; MERHY, 1999, p. 351) Como para os próprios profissionais da

atenção entrevistados para fins desta pesquisa:

... se eu precisar entubar alguém aqui eu não vou entubar (...). E a questão, isso aqui é uma atenção básica, eu tenho que estar prestando atendimento principalmente de prevenção, promoção não é isso? (Médica)

É claro que, como unidade de saúde, o CS está sujeito a receber e não deve se esquivar

de atender situações de urgência. Entretanto, a incorporação de tecnologias de média e alta

densidade pode significar a manutenção de uma lógica procedimento-centrada, dura

tecnologicamente, resistente à inversão do modelo-hegemônico e à reorientação do processo

de trabalho.

Segundo afirmaram Cecílio & Merhy (2003, p. 206),

as linhas de produção do cuidado são centradas em processos de trabalho marcados de modo muito claro pela micropolítica do trabalho vivo em ato enquanto as linhas de produção de insumos, como regra, obedecem a outros arranjos de micropolítica, nos quais a dimensão do trabalho morto é muito mais presente. (CECÍLIO; MERHY, 2003, p. 206)

É o que se infere das falas e comportamentos que priorizam os equipamentos em

detrimento da clínica.

151

5.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA SOB UMA PERSPECTIVA “SISTÊMICA”

A estabilização das equipes de saúde da família é apontada como um dos desafios

existentes em Belo Horizonte, principalmente em relação ao profissional médico. Para este, a

Saúde da Família é, ainda, uma opção profissional temporária.

Principalmente em relação a médico, eles saem muito por causa da questão da Residência, então a rotatividade é muito grande. (Enfermeira B) [Os médicos mais novos] E que são a maioria, normalmente eles vêm para o PSF porque não fizeram Residência ainda. O que a gente tem é essa dificuldade de vínculo. (...) quando passam para a Residência eles saem do PSF, e aí começa tudo de novo. E o médico de saúde da família é um médico para ter vínculo: “eu vou atender sua família toda, eu vou ser SEU amigo, eu vou ser SEU conhecido, eu vou ser o SEU médico...” (...) Então tem que ter uma referência. (Auxiliar de enfermagem)

Em alguns casos, o médico de apoio é o único profissional que permanece estável no

CS. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 28) Isto demonstra a urgente necessidade de

fortalecimento da prática da medicina de família, sua especificidade e valorização profissional

e social, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 11) e de fortalecer a APS como um todo.

Há extrema dificuldade em se estabelecer prioridades de acordo com a demanda e em

se organizar o trabalho em função da área física dos CS e da existência de equipes de Saúde

da Família sem a configuração mínima de profissionais, o que é um dos problemas mais

expoentes no modelo proposto. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 48) Como foi debatido nas

entrevistas,

Tem 70 equipes sem médico hoje das 500, é muita coisa. (...) Sem generalista, isso para não falar do ginecologista que falta em algumas unidades; pediatria não falta não. Então 70 equipes sem generalista é complicado. [Mas] estão nomeando em concurso. (Membro da GEAS B) O profissional médico, ele é tão insuficiente que na verdade não teve seleção não, se ele deseja trabalhar tem vaga sobrando, mesmo a gente com 507 equipes em nenhum momento nós conseguimos manter todas com profissional médico. A maior parte do tempo a gente tem em torno de 60 equipes que não têm o profissional médico. (...) Nos momentos de final do ano, na época de seleção para residência médica, que vai aí de setembro a março, chega a ficar com 20% das equipes sem médicos. E quando a gente está no melhor momento, que é no meio dos semestres, fica em torno de 10%, 13% sem médico.

(...) das equipes, em torno de 50% estão estabilizadas desde o início. (...) Tem uma diferença, a gente podia cortar em três fatias: essa turma que está estabilizada há muito tempo, a turma que tem estabilidade relativa, em torno de 30%

152

das equipes, e 20% que aí não tem nenhuma estabilidade... troca, troca, troca sem parar! (Membro da GEAS C)

Segundo os entrevistados, em torno de 20 a 25 unidades apresentam esta característica

de rotatividade de forma mais marcante. Os motivos que levam a isso, em geral, parecem se

relacionar também à classificação de risco da área em que o CS se localiza:

... roda muito, alta rotatividade profissional, área de risco, você não consegue fixar profissional. (Membro da GEAS B) ... área de maior risco (...) tem uma fama: fama de ser violento, de ser... Então é mais difícil de você manter equipes ali naqueles lugares. Tem alguns bairros da cidade que têm essa fama. Eu digo fama por quê? Porque a gente tem bairros tão violentos quanto, tão problemáticos quanto, que não têm a mesma fama, que estão lá com a equipe toda... (...) são bairros pobres, região de favela, região com alta densidade demográfica, então muito concentrada, bairros que de fato têm algum índice maior de violência e aí a gente viu que não é só isso... isso aí é um dos ingredientes, está muito

relacionado ao processo de trabalho interno das unidades. (Membro da GEAS C, grifo nosso)

Como bem se revela durante a entrevista, a “fama” não se refere apenas às condições

sociais e econômicas que permeiam a realidade do território, mas à própria organização do

processo de trabalho no interior das unidades. Neste ponto, destaca-se o papel fundamental

que o gerente de unidade deve cumprir:

... está muito relacionado ao processo interno da unidade. A organização do trabalho, a capacidade gerencial, a capacidade de negociação da gerente com a comunidade, a relação que a comunidade tem com a unidade... Tem muita coisa que faz parte dessa manutenção ou não de equipe na unidade, estabilização ou não. (Membro da GEAS C)

A função gerencial e a relação dos gerentes com os profissionais das equipes devem

ser levadas em conta quando se analisa não só a estabilidade das ESF, mas também quando o

objeto é a forma como o trabalho na APS vem sendo conduzido nos CS e no âmbito do PSF.

Segundo Vanderlei & Almeida (2007, p. 448), “a gerência implica uma função integrativa do

ponto de vista das relações de trabalho e também possibilita perceber suas relações com o

trabalho em equipe”.

Os gerentes de unidades básicas são agentes para a mudança do modelo assistencial

(CAMPOS, 1998, p. 20) e, portanto, devem direcionar sua ação para a organização dos

processos de trabalho no nível em que atuam, viabilizando e dando suporte a espaços de

153

articulação entre os sujeitos e articulando objetivos institucionais aos saberes e interesses dos

trabalhadores e dos usuários, conforme apontamos no capítulo 4.

Destacamos as seguintes falas em relação a esta questão:

Eu trabalho na organização de todo o processo de trabalho da unidade, então tanto na implementação das rotinas, dos protocolos assistenciais, na aplicação das diretrizes estabelecidas pela Secretaria, como no controle administrativo, da ordem do suprimento das necessidades de insumos. Tudo que diz respeito ao funcionamento da unidade eu acompanho. (Gerente A) Eu faço o gerenciamento da unidade básica. Dentre várias outras coisas, participo das reuniões, trazendo informação de secretaria, informação do distrito, que é a forma da organização de saúde pública também, e dentro da unidade eu participo junto no envolvimento, para viabilizar os programas. Então a gente faz o Programa de Saúde da Família e eu estou junto em todos os entendimentos para garantir o programa proposto pela Secretaria de Saúde e viabilizar com que de fato ele aconteça. Porque todo mundo tem entendimento do programa, mas nem todo mundo quer o Programa de Saúde da Família, então a gente tem que estar o tempo todo acertando arestas, ajeitando, trazendo informação, explicando sobre o funcionamento para poder estar garantindo. (Gerente B) Eu acho que eu sou ator importante na gestão de serviço (...) no sentido de estar possibilitando que a equipe entenda que modelo é esse que a gente está trabalhando e como é que ela se insere nisso, viabilizando as diretrizes, os princípios, para garantir que essas coisas aconteçam na prática. (Gerente A)

Na avaliação das necessidades e demandas, devem ser consideradas as percepções dos

usuários, os problemas vividos e levantados pelos trabalhadores e os incômodos na realidade

local. Também devem ser considerados o momento e os contextos de implementação e

consolidação dos Colegiados Gestores, na perspectiva da gestão participativa. (BELO

HORIZONTE, 2006, p. 49) De acordo com os sujeitos da pesquisa, os colegiados vêm se

efetivando como instrumentos dos próprios gerentes.

... a gente faz a reunião de colegiado gestor, que é fazer uma reunião, falar quais são as atividades previstas para nossa unidade, então a gente faz com um de cada categoria profissional e um de cada equipe de saúde da família, então eles também me auxiliam. Antes era muito só eu na gerência, agora por essa gestão colegiada (...) ficou mais fácil. (Gerente B) [No colegiado gestor] a gente discute algumas questões que são mais complicadas de a gente fazer, e a gente tem o apoio do colegiado e aí vai para discussão com a equipe toda. É uma forma de a gente gerenciar, compartilhar também, dividindo algumas questões que a gente gostaria que fosse pactuada antes de ir para uma discussão maior, entendeu, e vai mais fortalecido quando vai assim. (Gerente C)

Do ponto de vista da gestão, faz-se necessário programar momentos de diálogo com as

equipes, para orientar o planejamento, a organização e a avaliação, viabilizando efetivamente

154

a integração. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 50) Dispositivos e mecanismos de educação

permanente62 também são necessários para a superação de algumas dessas condições acima,

além de serem imprescindíveis estratégias que garantam a permanência desses profissionais

nas equipes – e no programa.

A educação permanente está profundamente relacionada ao aprimoramento da prática

profissional e, por conseguinte, ao incremento da qualidade dos serviços. Em serviço, é um

processo que deve emergir do próprio profissional através da reflexão constante sobre sua

prática, por isso a importância do papel ativo dos sujeitos envolvidos. A motivação provocada

pelo “desconforto” é, também, um fator essencial para a educação permanente. (BELO

HORIZONTE, 2006, p. 70) Neste sentido, vale reiterar o trabalho como princípio educativo,

ou seja, o trabalho como espaço de construção do ensino-aprendizagem. Conforme

dissertamos no capítulo 3, aprende-se com o trabalho.

Uma outra medida que pode trazer benefícios é a manutenção e a continuidade da

realização de concursos públicos para preenchimento dos cargos de profissionais das equipes,

a exemplo do último concurso, realizado no segundo semestre de 2006, pelo qual foram

nomeados profissionais médicos e enfermeiros de Saúde da Família63. Esta forma de vínculo

traz benefícios para o trabalhador, como a estabilidade e a garantia de direitos trabalhistas,

entre outros, e, conseqüentemente, para o Estado e a população, que deixam de assistir à

contínua e elevada rotatividade de profissionais nas equipes.

Além dos aspectos levantados, julgamos que aqueles relacionados à estrutura das

unidades de saúde também contribuam para a problemática em questão. Como captamos:

O Ministério não prescreve se tem que ser equipes isoladas ou a equipe dentro de centro de saúde. Ele orienta que deve ter no máximo três equipes no mesmo local. O problema é a estrutura. Nós temos aí que andar muito, grana mesmo, para você refazer, redesenhar essa rede física. (Membro da GEAS C) ... eu acho que para as unidades foi entrando aquele, um trator passando: “agora é assim”, numa unidade que – até hoje as unidades são inadequadas em espaço físico, não é? – onde tinha 20 e poucos funcionários, passou a ter 60, não tem gerente que consegue gerenciar. (Membro da GEAS B)

62 Em resposta à lacuna criada pela ausência de profissionais generalistas necessários para compor as equipes, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) passou a dispor de um curso de Especialização em Saúde da Família, com 372 horas/aula, procurando atender uma demanda específica descrita pela SMSA e tomando como eixo características da estratégia como o vínculo com a clientela e a referência com a equipe. (BRASIL, 2005a, p. 15) A titulação já alcançou cerca de 1000 profissionais médicos e enfermeiros. Além disso, foi criado o Centro de Educação em Saúde, responsável, junto à GEAS, pela realização de capacitações. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 11) 63 Dado fornecido em entrevista por um membro da GEAS (C).

155

... eu acho que Belo Horizonte como um todo tem melhorado mas a maioria das unidades elas são... a área física muito ruim, muito apertado e isso limita o nosso trabalho, entendeu? (Enfermeira A)

Estes são limites sobre os quais o BH Vida: Saúde Integral ainda precisa avançar. Para

além destes, há aqueles relacionados aos processos de trabalho em si dos profissionais das

ESF, como dissertamos na seqüência.

5.3 A ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA 5.3.1 Reflexos da ampliação do acesso para o trabalho em saúde

A Saúde da Família ampliou o acesso à saúde, tendo em vista que o programa atingiu

uma população anteriormente pouco conhecida pelos centros de saúde, que se encontrava

retida no leito e demandava atenção domiciliar, o que não era prestado no modelo de

atendimento até então vigente. As falas dos entrevistados ilustram esta questão:

... o adulto e o idoso que antes estavam fora, estão dentro da unidade agora, então deu muito mais que acesso. (Membro da GEAS B) ... aumentou muito a complexidade dos casos atendidos, ampliou o acesso em especial para o adulto e para o idoso, para as doenças crônicas. [O BH Vida: Saúde Integral] trouxe para nós questões que não estavam colocadas na atenção primária, por exemplo, não era problema do Centro de Saúde você ter um paciente com trauma (...) com uso de sonda contínuo... isso não era problema. Ele nunca ia ao Centro de Saúde, isso não existia. (Membro da GEAS C) ... a ampliação do acesso, que eu acho que esse foi o principal avanço da implantação do BH Vida: Saúde Integral. (Gerente A) ... a gente já tinha uma rede de Centros de Saúde bem legal, funcionando muito bem (...). Naquela época a gente já achava que funcionava muito bem, bons profissionais, uma rede já com um nível de articulação importante, em especial a questão do atendimento materno-infantil muito bom, mas o acesso para a população adulta era absolutamente insuficiente. Eu acho que a gente não tinha nem clareza disso... só fomos ter essa clareza a hora que na gente abriu o PSF, que aí nós vimos o tamanho da dívida que existia. (Membro da GEAS C)

Um dos fatores apontados como causa da ampliação do acesso é o aumento do número

de trabalhadores que ocorreu para implantação das equipes:

... o processo de organização do serviço ele foi todo modificado com a implantação do PSF, as unidades modificaram completamente sua forma de organização, criou o

156

acesso com a implantação das equipes, porque houve um incremento de recursos humanos muito expressivo. (Gerente A)

O modelo de Atenção Primária baseado na livre demanda levava aos centros de saúde

principalmente crianças com doenças agudas, gestantes, portadores de diabetes ou de

hipertensão arterial. Este modelo anterior apresentava baixa resolubilidade e eficiência. A

atenção era ocasional e passiva, as relações interpessoais eram negadas e existia uma

tendência a desumanizar a assistência, predominando cuidados curativos e reabilitadores.

(SENA-CHOMPRÉ et al., 2000, p. 53)

Esse quadro vem se modificando e a ampliação do acesso ocorrida pode ser aliada ao

Acolhimento, outro avanço no SUS de Belo Horizonte, que vem cumprindo um papel

importante no BH Vida: Saúde Integral. Ele pode ser entendido como um dispositivo para

garantir a entrada da demanda espontânea dos usuários nas unidades, como forma de acolher

o sofrimento e a doença, ultrapassando a lógica “programática”, que excluía a entrada de

usuários que não se enquadravam nos programas e prioridades estabelecidas. (BELO

HORIZONTE, 2006, p. 91)

Franco, Bueno & Merhy (1999, p. 349), ao relatarem a experiência da inversão do

modelo tecnoassistencial com base no acolhimento em uma UBS em Betim, MG, também o

associaram a um aumento extraordinário do atendimento geral da unidade, traduzindo tal

situação em indicador de acessibilidade aos serviços da unidade de saúde.

Em Belo Horizonte, o Acolhimento vem funcionando de diversas maneiras quanto à

formatação e à composição das equipes que recebem o usuário e às atividades que oferecem.

Parece haver um incômodo do trabalhador com este dispositivo, que alia sua incompreensão

com as potencialidades do acolhimento à grande demanda de usuários nas unidades. Além

disso, a dificuldade em lidar com a demanda não imediatamente reconhecida como da saúde

provoca uma sensação de pouca resolutividade por parte das equipes. (BELO HORIZONTE,

2006, p. 90) As entrevistas trouxeram contribuições a esse respeito, como se vê abaixo:

[Antes] Tinha número de consultas definido, não era porta aberta o tempo todo. Você não trazia quem nunca vinha para dentro da unidade. Então a unidade encheu; isso preocupa mais as pessoas e toma mais tempo. É essa demanda desorganizada o dia inteiro. Quarenta pessoas no acolhimento. (...) Quem consegue em duas horas resolver a vida, escutar bem, dar uma boa resposta para quarenta pessoas trabalhando em equipe... trabalho é em equipe no acolhimento, mas aí para definir “ah, você, fez consulta hoje? Vou marcar para a tarde!”, mas tem que escutar quarenta pessoas. (Membro da GEAS B)

157

Hoje está muito mais estruturado, a gente faz o acolhimento, (...) faz uma escuta qualificada de todo mundo que chegou nessa unidade e direciona, encaminha aquele usuário para o atendimento adequado. Aquele usuário que chegou com problema de dor de garganta, ele vai ser encaminhado ao médico que está dando assessoria no acolhimento, para poder fazer aquele atendimento no momento. Aquele usuário que está com dificuldade financeira, com dificuldade na família, vai ser encaminhado para dentro da unidade, para outros encaminhamentos. Então, hoje o acolhimento funciona muito bacana, fez com que a gente atendesse hoje na unidade mais ou menos umas sessenta pessoas. Sessenta pessoas que antes não conseguiam chegar no posto... por dia... só no acolhimento... fora as consultas já pré-agendadas, fora todas as outras atividades. (Gerente B) ... quando você pega um acolhimento que você vai ver casos agudos, são coisas que você poderia ter resolvido de outra forma, antes de chegar aqui poderia ter sido feito outra coisa. A gente vê que tem pacientes que trazem problemas para você que não são da saúde. (Médica)

A forma de organização do acolhimento em muitas unidades o coloca como única e

rígida porta de entrada, reduzindo-o a um determinado espaço físico, desvirtuando-o da

compreensão de postura que deve ser adotada por toda a equipe para a compreensão de

aparato para agendamento de consultas médicas com equipe, horário e local definidos. (BELO

HORIZONTE, 2003b; 2006)

“Volta amanhã porque o horário do acolhimento dessa menina é de manhã...” As pessoas tenderam a achar que a recepção não pode resolver, tem que passar tudo pelo acolhimento, até resultado de exame. Então o acolhimento em algum sentido passou a ser barreira, por incrível que pareça. (Membro da GEAS B)

Percebemos, de fato, variações na forma como se organiza o Acolhimento nos

diferentes CS visitados para esta pesquisa. Em um primeiro momento, o dispositivo pareceu

de fato um empecilho devido à “fixação” de horário específico, mas durante a entrevista ficou

claro que ele ocorre ao longo do dia:

O acolhimento acontece todos os dias, a gente faz uma orientação para que as pessoas cheguem à unidade por volta de oito horas da manhã, para que você tenha essa capacidade de pedir um exame de urgência para você olhar, às vezes não sou eu que vou olhar à tarde, porque eu estou em outra atividade mas tem um médico que vai, que ficou disponibilizado naquele horário, então a gente troca idéia... O acolhimento é o tempo todo da unidade. A gente faz essa orientação para que venha na parte da manhã, para você dar conta de pedir, solucionar e resolver aquele caso. A parte da tarde a gente deixa mais o horário para casos agudos realmente, porque você não tem como prever que alguém não vá passar mal na parte da tarde. (Médica)

Em alguns casos, o Acolhimento pareceu se aproximar a uma “triagem” feita pela

equipe de enfermagem, orientada por “fluxos” construídos para este “momento”:

158

... o enfermeiro e o auxiliar de enfermagem [ficam] no Acolhimento direto, e a médica atendendo, então ficamos nós duas lá [enfermeira e auxiliar] fazendo tipo a acolhida, acolhendo os usuários e fazendo os fluxos. Se é consulta de emergência, que tem que ser na hora, se é agudo (...) a gente passa direto para o médico, o que não é agudo a gente agenda. (Enfermeira B) O usuário chega à unidade e aí a gente se organizou da seguinte forma: ele já tem a consulta agendada? Então a gente já retira o prontuário, já para os médicos fazerem o atendimento. Se ele chegou como demanda espontânea, ele vai para o acolhimento. Vai ser escutado pela equipe e aí direcionado. (Gerente C)

A forma como a fala acima descreve o fluxo se aproxima daquele apresentado no

capítulo 4 (Cf. Figura 6 - Fluxograma descritor, resumido, da linha de cuidado interna à

UBS/ESF). Ou seja, mais do que a prática de acolher, este parece vir sendo incorporado à

linha do cuidado para os CS, embora não seja reconhecido como tal pelos profissionais que

nele trabalham – tanto gerentes quanto os da ponta. No entanto, o fluxo construído pode levar

ao enrijecimento do Acolhimento, tornando-o uma prática protocolizada e pouco relacional.

Felizmente, também reconhecemos a prática diferente, “em meio à triagem”, sendo resolutiva,

ou seja, o Acolhimento como lugar em que também se resolve, orienta:

... quando essa demanda não vem pelo ACS, esse usuário vem à unidade, ele passa no acolhimento, ele é escutado. Ou ali mesmo a gente dá as orientações e resolve, ou esse usuário é encaminhado para uma consulta, que seja uma consulta com dentista, com médico, com enfermeiro, com pediatra, com ginecologista. É a partir do Acolhimento, dessa escuta que a gente encaminha esse paciente para a consulta, e na consulta a gente encaminha ele para os grupos operativos. (Enfermeira A)

Encontramos estas diferentes visões do Acolhimento na literatura. Melo, Santos &

Werneck (2004) avaliaram a percepção de usuários e trabalhadores de dois CS de dois

Distritos Sanitários distintos de Belo Horizonte quanto ao processo de “aplicação” do modelo

de atenção à saúde, segundo a linha do cuidado. No estudo, identificaram que a maioria dos

trabalhadores de um dos CS entrevistados relacionavam o Acolhimento com o processo de

escuta e resolução do problema do usuário, sendo que a minoria acreditava no dispositivo

como um instrumento de triagem. No outro CS, a maior parte dos entrevistados associava o

Acolhimento a um processo de escuta humanizada, seguida daqueles que o consideravam

triagem e, por último, daqueles que concordavam com a maioria dos trabalhadores

entrevistados no primeiro CS, para quem o Acolhimento se tratava de um processo de escuta e

resolutividade.

Para Franco, Bueno & Merhy (1999, p. 349) foi possível construir um indicador de

resolubilidade da equipe de acolhimento, no caso uma equipe multiprofissional composta pela

159

enfermeira, pela assistente social e pelas auxiliares de enfermagem organizada na UBS

investigada para fazer a escuta dos problemas de saúde levadas pelos usuários. Como

resolubilidade, consideraram a solução encontrada pela equipe de acolhimento para as queixas

sem outro tipo de encaminhamento.

Sena-Chompré et al. (2000) analisaram o processo do Acolhimento como estratégia de

reorganização da assistência de enfermagem nos serviços básicos de saúde de Belo Horizonte

– antes da implantação do PSF – a partir de entrevistas feitas a uma enfermeira e uma auxiliar

de enfermagem em cada um dos três CS, de três distintos Distritos Sanitários. As

trabalhadoras entrevistadas referiram-se ao Acolhimento como modalidade que resgata o

enfoque da promoção e da prevenção como abordagem educativa, embora tenham se referido

a mecanismos de trabalho pautados na hegemonia do modelo sustentado na prática médica.

É importante frisar que a SMSA não recomenda a organização do atendimento à

demanda espontânea por clínica, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 94) mas sim como escuta

qualificada que deve ocorrer a todo momento, por todo e qualquer profissional da equipe e do

CS, buscando a criação de vínculo entre profissionais/equipes e usuários. Para Melo, Santos

& Werneck (2004, p. 75) o acolhimento transcendeu seu significado e abandonou “sua

caracterização restrita à consulta, tornando-se um instrumento criador de vínculos e

responsável pela resposta que o usuário encontra no serviço”.

Com a ampliação do acesso, o acompanhamento de novas demandas passou a ser

incorporado como atividade para o CS e a estruturação do trabalho a partir da territorialização

e da adscrição de clientela fez com que o CS passasse a ter um papel mais ativo, em lugar de

expectante da população, com a possibilidade de criar alternativas de intervenções nas

condições de vida e moradia dos pacientes. (BRASIL, 2005a, p. 9)

Assim, estruturadas prioritariamente nas áreas de maior risco no município, as equipes

depararam-se com o desafio de trabalhar o território e o domicílio, mas ao mesmo tempo de

dar uma resposta eficaz à demanda não programada que recorre à unidade de saúde, incluindo

a população não vinculada às equipes, que deve ter acesso à assistência com a mesma

qualidade. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 129) Neste contexto, há a orientação de

que o atendimento aos casos agudos seja feito a qualquer usuário que procure o CS, mesmo

que pertencente a outra área de abrangência ou a outro município. (BELO HORIZONTE,

2006)

Esta discussão deve deixar claro o papel da Saúde da Família na atenção ao agudo.

Como recomendação da SMSA,

160

Num modelo que prevê a adscrição de clientela definida, a responsabilização, a criação de vínculo e o atendimento integral, é papel dos centros de saúde se organizarem para possibilitar a entrada e o atendimento aos quadros agudos dos cidadãos adscritos. Sem este pressuposto, dificilmente um serviço de atenção primária será referência para a população. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 18)

Percebemos que estas características são vivenciadas nos Centros de Saúde da

pesquisa, que incorporam e reafirmam o vínculo entre os usuários e os profissionais e CS

como um dos principais atributos do trabalho em saúde:

... o que a gente pode fazer por essa comunidade a gente tenta fazer. Estabelecer esse vínculo no sentido de estarem eles confiando que a gente vai junto conquistar alguma coisa. Existe muito essa relação. É uma coisa que fortaleça a nossa estada aqui. Porque a gente percebe que de fato existe esse vínculo, existe essa coisa de proximidade, entendeu? Existe essa coisa deles procurarem a gente porque eles sabem que a gente vai tentar uma resposta. Pode ser até um não, mas que a gente não vai se omitir de fazer, de dar essa resposta. (Gerente C)

Associado ao vínculo, percebemos que a responsabilização dos profissionais, equipes

e centros de saúde pela saúde dos usuários tem se concretizado. Aliás, assim como Franco,

Bueno & Merhy (1999, p. 352), consideramos vínculo a responsabilização pelo problema de

saúde do usuário, individual e coletivo. Porém, a ampliação do acesso e o acolhimento, em

especial, aliados à territorialização, à vinculação e à responsabilização parecem vir

aumentando a demanda sobremaneira, o que tem levado os trabalhadores a situações de

sobrecarga, cansaço, insatisfação e sofrimento, além de evidenciar a falta numérica de

determinados profissionais:

Eu acho que nós aqui, a nossa realidade da unidade básica é um pouco pesada pela demanda, a demanda é muito intensa, a porta se abriu. Isso é bom mas para a gente aqui é pesado. (...) É um acolhimento que tem uma proposta muito interessante, de acolher todo mundo que chega, mas isso desgasta um pouco porque as nossas ações programadas de vigilância ficam um pouco a desejar. (Enfermeira A) ... auxiliar de enfermagem é o que faz mais falta dentro de uma unidade básica, porque (...) se sair o auxiliar de enfermagem... se você sair agora, um paciente meu está na área... Quem vai ficar aqui fazendo a vacina? (Auxiliar de enfermagem) Eu particularmente acharia que deveria ter um médico, como tem, mais auxiliares de enfermagem porque para algumas fica sobrecarregadas, enfermeira também e agente comunitário principalmente porque às vezes fica de licença médica, às vezes estão de férias e as que ficam, ficam mais sobrecarregadas, têm que trabalhar para cobrir aquelas áreas e realmente isso acontece também com as outras, com os médicos, com os auxiliares, eu acho que teria que ter um aumento de profissional nessa parte. (ACS)

161

Para uma área igual a essa nossa, que é uma área que demanda muita atividade domiciliar, demanda muito curativo, cuidado é muito necessário, a gente precisava ter no apoio pelo menos 3 ou 4 auxiliares de enfermagem para liberar os outros auxiliares [os das ESF], para estarem fazendo essas atividades. (Gerente C) ... hoje a gente está num momento de muita insuficiência de profissionais auxiliares de enfermagem e, além disso, (...) eles são mais velhos, a carga de trabalho deles aumentou muito, o volume de pessoas na unidade de saúde aumentou muito, (...) então eles estão adoecendo muito. (Membro da GEAS C) ... apoio aqui que falta: apoio de enfermeiro, a gente precisaria de um enfermeiro de apoio... Eu acho que ia ajudar muito, porque ele ia ficar com essa questão da supervisão e o enfermeiro do PSF poderia estar atuando mais na sua área. (Enfermeira A) ... oito horas de trabalho diárias, oito horas você está ligada, o tempo inteiro... Se você sai dessa sua sala, (...) se eu passo no corredor, tem dois, três me esperando para perguntar isso, para avaliar uma ferida, para ver um paciente que entrou na observação, (...) Você está em alerta o tempo inteiro, então isso te gera cansaço, isso te gera insatisfação (...) você não consegue parar, tamanha a demanda. (Médica) ... lidar com a saúde é uma coisa pesada (...) eu saio cansada. A gente tinha que ter um apoio psicológico, um suporte, tem muitos que estão assim estressados, muito cansados. (Auxiliar de enfermagem) ... na ponta [a gente sofre muito com] a pressão do usuário, diretamente sobre a gente. Tudo que não consegue realizar acha que a gente que é culpado, não entendem que a gente está aqui cumprindo ordens, que a gente tem determinadas limitações, que tem coisas que não dependem da gente, dependem de um órgão mais superior, e a gente é que está na linha de frente mesmo. (Enfermeira B)

As condições apresentadas acima mostram como a mudança do modelo assistencial

pode afetar drasticamente os processos de trabalho mesmo sem estes estarem

“completamente” reorientados, modificados. O sistema de saúde em Belo Horizonte – assim

como o SUS e o PSF nacionalmente – tomou como premissas para sua reorganização a

produção de vínculo entre o usuário e a equipe, no sentido de escutar e atender demandas da

população, e o acolhimento. Todavia, a viabilização destes princípios parece vir sendo feita

sem condições estruturadas para garantir que o “produto” final do trabalho seja a saúde dos

indivíduos e coletivos.

Recai sobre os trabalhadores a responsabilidade de acolher, e acolher bem, e dar uma

resposta para os usuários e população, mesmo que eles estejam em número insuficiente na

unidade, ou envolvidos com alguma outra atividade ou tarefa do próprio CS, ou demandados

pela sua ESF e população a ela adscrita, mesmo que isso prejudique a execução de programas

e ações preconizadas pelo nível central, como as de promoção, prevenção e vigilância. E por

essa razão o trabalhador fica cansado e desmotivado, exaure-se e sofre.

162

A gente fica sobrecarregado pelo número de profissionais para uma demanda excessiva e mais nessa questão de implementar mesmo o que já se tem. A Prefeitura de Belo Horizonte ela procura inovar projetos, fazer coisas novas, mas a gente esbarra até nas dificuldades para execução desses projetos por estas questões. (...) Você não consegue parar para fazer um projeto seu, você não consegue trazer os projetos que a própria Prefeitura oferece e fazê-los de forma adequada até do que está escrito, são projetos bons, tem um interesse grande das ações de promoção e prevenção, mas você não consegue parar, tamanha a demanda. (Médica)

No estudo de Sena-Chompré et al. (2000), realizado antes da implantação do PSF em

Belo Horizonte, os trabalhadores de enfermagem também relataram haver sobrecarga em seu

trabalho a partir da implementação do Acolhimento pois, apesar de haver maior autonomia de

decisão às enfermeiras, estas passaram a acumular mais funções assistenciais, limitando sua

ação na gerência da equipe de enfermagem.

Para além dos modos de organização do trabalho na APS, o sofrimento e a loucura do

trabalho são temas de discussão não só no âmbito da saúde mas também no trabalho geral.

Contudo, tal discussão não é objetivo da presente dissertação e, embora tenhamos identificado

elementos que a sustentam, não a aprofundaremos.

Apesar da problemática relacionada à sobrecarga dos trabalhadores, devemos

reconhecer que a garantia de acesso a toda a população é um dos pontos mais fortes do

programa. Isso também foi recorrente em nossa investigação:

... no acolhimento, a gente atende no mínimo, mais ou menos, sessenta pessoas por dia. Tudo bem que está estafando todo mundo, porque a gente percebeu que a demanda está enorme e o número de recursos humanos está insuficiente. Está ficando todo mundo nervoso... quando é dia de acolhimento a gente põe aqui, enfermeiro, auxiliar e o médico, e aí você vê que está todo mundo no sofrimento, que está fazendo acolhimento porque é uma demanda enorme que está chegando para a gente, mas para o usuário humanizou demais. Eles não chegavam ao posto, só quem dormia na fila que chegava. (Gerente B) Mas eu acredito nisso, você trabalhando com acesso continuado o tempo todo. Por exemplo, uma equipe está sempre de retaguarda para a outra. Você tem que organizar: “Agora está na hora, vocês vão fazer atividade programada, atividade educativa, visita, tem alguém na retaguarda no acolhimento?” (Membro da GEAS B)

Analisando dados de produção/horas trabalhadas, Franco, Bueno & Merhy (1999, p.

349) construíram um indicador que refletia o rendimento profissional da enfermeira e da

assistente social a partir do acolhimento, confirmando que este dispositivo, ao reorganizar os

processos de trabalho, fazia com que as profissionais utilizassem todo o seu potencial para a

assistência, garantindo “impacto extraordinário no acesso aos usuários”.

163

Como no estudo dos autores acima, nossos achados demonstram que, apesar das

conseqüências para o trabalho na APS, a ampliação do acesso significou a concretização de

um dos princípios do SUS: a universalidade. Os sujeitos da pesquisa avaliaram a assistência à

saúde em BH à luz dos princípios e diretrizes do SUS, destacando a universalidade e a

eqüidade, voltadas para a temática do acesso.

Universalidade: eu acho que nós conseguimos um acesso universal na atenção primária. Não vou falar universal porque é muito, mas nós chegamos muito perto desse acesso universal para a atenção primária. Talvez não a população aqui do centro da cidade [baixo risco], mas a gente ampliou demais esse acesso. Equidade: a gente tem buscado a equidade, eu acho que, também na atenção primária, com essa idéia muito importante (...) de usar o índice de vulnerabilidade, colocou mais para quem precisa mais. Primeiro, o mercado limita, então quando vai faltar médico falta lá, é lá onde o povo precisa mais, então a gente faz um desenho mas a realidade é colocada ao contrário. A gente tenta instrumentos para desfazer a pressão do mercado e tal, mas uma outra questão da equidade é que quando você ascende ao segundo nível, a atenção especializada, aos exames, aí meu filho... aí a equidade voa para o espaço, porque de um jeito ou de outro, quem tem mais recurso: recurso cognitivo, recurso financeiro... a gente tem criado muito mecanismo de impedir acesso diferenciado, porque tem muito exame, por exemplo, tem muito procedimento de alta complexidade que precisa de exame de média complexidade, que a gente não tem oferta, então só quem tem dinheiro consegue realizar (...). A justiça é outro mecanismo de entrada diferenciada... ordem judicial “a rodo” que garante, para quem tem mais conhecimento, mais relação, mais dinheiro, o acesso diferenciado no sistema. Na atenção básica a gente conseguiu um pouco mais, mas no sistema como um todo, mesmo com muito mecanismo de regulação, de impedir esse tipo de acesso diferenciado, ele ainda acontece. Quando a gente vai estudar o resultado está lá. É muito poder, dinheiro é poder, conhecimento é poder... e ele É exercido. (Membro da GEAS C) ... tem uma questão da eqüidade. Primeiro vamos tentar trabalhar os locais em que o risco é maior para poder tentar igualar. E a gente sabe que a gente vai ter muitos problemas aí. A eqüidade ela vem para tentar igualar no patamar que a gente considera, pelo menos, o mínimo. As pessoas terem o mínimo de acesso, terem acesso à saúde. Isso num local onde as pessoas nunca tiverem acesso é tentar igualar àquelas pessoas que hoje estão numa área que não é de risco e que têm acesso à saúde. (Gerente C)

É importante compreender como a universalidade vem sendo buscada, conforme

abordamos na subseção 5.1.3. Porém a eqüidade ainda não tem se mostrado tão efetiva; aliás,

tem se mostrado conflituosa. Mais uma vez, são apontados novos desafios para o programa:

no caso, garantir a universalização do acesso e impedir, cada vez mais, o acesso diferenciado.

Sem esta, a primeira não se concretizará.

164

5.3.2 Organização do trabalho em equipe

O modo de produção em saúde e o modo de organização do trabalho para tal produção

no âmbito da APS em Belo Horizonte apresentam alguns desafios relacionados, ainda, à

micropolítica do trabalho. A dificuldade de se trabalhar em equipe parece se agravar pela

pouca clareza das atribuições dos diferentes profissionais. As falas a seguir relatam:

É um grande desafio a definição de atribuições, a articulação do conhecimento desses diferentes profissionais, a valorização do conhecimento de cada um. A orientação é: trabalho em equipe, mas isso não quer dizer que acontece, não é? (risos). (...) A entrada do profissional ACS não é uma coisa simples, existe uma certa barreira, um certo colocar para esse profissional só o trabalho braçal, usar pouco o imenso potencial desse profissional. (Membro da GEAS C) ... eu vejo hoje, por exemplo, o profissional médico, num lugar, até então que ele desconhecia, essa forma de trabalhar... O médico preparado para trabalhar dentro do consultório, atendendo individualmente, e aí de repente ele tem que estar no trabalho em equipe, dividindo com outros profissionais, e esse é um lugar difícil, uma vez que ele não foi preparado para estar ocupando, mas esse é um movimento que a equipe vem fazendo, no sentido de estar reconhecendo qual o espaço de atuação de cada um, de estar interagindo o tempo todo. (Gerente A) ... trabalhar em equipe é um grande desafio, não é uma coisa tão simples. Eu acho que a gente tenta focar aqui nos objetivos comuns. (...) A gente tenta trabalhar aqui é a questão de qual que é o objetivo que a gente tem: fazer um atendimento ao usuário bom, ter uma proposta usuário-centrada, e a partir disso a gente vai tentando trabalhar, respeitando as competências de cada um. Quando eu falo competência, é para diferenciar a questão da hierarquia. Porque um grande nó crítico na questão do trabalho da equipe é a questão da hierarquia, que é diferente da questão da competência. (...) Quando a gente está em equipe, nós somos iguais, temos um objetivo comum, mas nós temos competências diferentes. (Gerente C)

De outro lado, reconhece-se que houve avanços, embora se reclame uma organização

do trabalho um pouco mais “protocolizada”:

A gente já vê melhoria nessa organização do trabalho que estava muito desordenado, (...) já tem uma melhoria. Eu que acho lenta. Acho que se tivesse uma coisa mais normativa, mais gerencial ajudava. (Membro da GEAS B)

A fragmentação do processo de trabalho em alguns CS e a escassez dos métodos de

planejamento e do uso das informações disponíveis nas rotinas dos serviços têm se

apresentado como problemas, bem como a escassez do uso de instrumentos de gestão no nível

local capazes de subsidiar negociações e do acompanhamento do trabalho e seu desempenho.

(BELO HORIZONTE, 2006, p. 47) A SMSA vem preconizando algumas estratégias de modo

165

que as equipes se aprimorem enquanto equipes multiprofissionais, buscando o trabalho

integrado, e conduzam o processo de trabalho de forma mais sistemática, na direção de

melhores resultados. Entre elas, recomendam momentos de reunião, tidas como

método para colocar em análise todas as situações vividas no âmbito do trabalho, tanto relacionadas ao processo e desempenho, quanto às interrelações nas equipes. São espaços que (...) devem ser priorizados para debates enfocando a análise de dados epidemiológicos e outros da realidade local (...). Servem ainda como espaço de discussão das situações de conflito e dificuldade das equipes de captar a percepção de cada sujeito sobre a resolutividade da oferta, de discutir o acolhimento, de avaliar a co-responsabilidade do usuário e a qualidade da assistência. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 67)

E, conforme percebemos, este “método” vem sendo aplicado nos CS.

... cada um reconhece as suas atribuições, tem o momento de reunião da equipe, uma vez por semana a equipe senta, conversa. Nesse processo tem momentos que surgem atritos, quem faz o quê... até porque o processo é novo ainda na cidade. (Gerente A) [Nas reuniões] a gente elabora grupos operativos, a gente elabora várias visitas domiciliares, a gente elabora passeios, a gente elabora um monte de trabalho com cada equipe. (ACS) A gente se reúne uma vez por mês, os médicos, tanto generalistas como médicos de apoio e os enfermeiros, nós fazemos uma discussão do que está acontecendo, como que está a organização do trabalho, em que uma equipe está com dificuldade e o que a outra não está. A gente faz essa troca de idéias de informações uma vez por mês. (Médica)

É curioso notar que, ao serem perguntados sobre como se organiza o trabalho em

equipe, houve predominância de respostas pelos sujeitos da presente pesquisa que se

remetiam ao momento de organizá-lo – as reuniões

Hoje nós temos vários fóruns de discussão dentro da unidade que possibilitam a organização do processo de trabalho. Um deles é o colegiado gestor, outro os fóruns de discussão das equipes. Todas as equipes de PSF se reúnem semanalmente para discutir o processo de trabalho, como é que a equipe está organizada, como é que ela deve estar se articulando, para organizar mesmo como é que se faz o dia-a-dia da equipe. Temos também fórum do PSF, que é um fórum onde a gente reúne profissionais de todas as equipes para discutir como é que as coisas estão fluindo, quais são os problemas e aí propor soluções. Temos um fórum da enfermagem... Hoje as equipes vão organizando o processo através dos fóruns de discussão interna. E desses fóruns saem propostas, encaminhamentos, que vão viabilizando o processo de trabalho. (Gerente A) Dentro da nossa unidade é o seguinte: a gente tem uma reunião quinzenal com a equipe toda. Nessa reunião a gente discute as questões da unidade: o acolhimento, (...) a organização de uma coleta, organização da vacina... A gente também tem uma

166

reunião semanal com a equipe. A equipe se reúne e eu participo até um certo momento da reunião, depois eu saio para a equipe ter o seu momento entre eles mesmos no qual a gente discute se vai ver ali os indicadores, (...) quais são os indicadores que a gente quer atingir, as metas que a gente tem, e qual é a operação que a gente vai desenvolver para atingir aqueles indicadores. (Gerente C)

– ou às reuniões e à forma como são divididos os processos de trabalho:

Eles se organizam da seguinte forma: a gente organiza agenda ou ciclo de vida; tem um turno daquele médico, daquele enfermeiro, que ele faz atendimento à criança, um outro horário dele ele faz atendimento à mulher, outro horário ele faz atendimento em clínica, um outro dia de retorno, o outro dia eles participam de grupos operativos, o outro dia eles participam de visitas domiciliares, e toda semana eles se reúnem em equipe para a discussão dessa organização (...). Senta o médico, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e os agentes comunitários para saber como vai organizar. Então o agente comunitário traz a informação do domicílio, de que a fulana, acamada, precisa de visita, porque não está bem, aí o auxiliar de enfermagem vai até a casa, ou se necessário o enfermeiro vai a casa, ou se necessário o médico vai até a casa, dentro daquela programação prevista. Se é uma urgência a gente já pede direto para o usuário ir para o serviço de urgência, nós temos organizado dentro da agenda o dia de visita do médico, o dia de visita do enfermeiro, o dia de visita do auxiliar de enfermagem. (Gerente B) ... a equipe se reúne semanalmente para organizar suas atividades durante a semana. O enfermeiro faz puericultura, atende pré-natal. A gente realiza visitas domiciliares, o médico também realiza visitas domiciliares que são planejadas durante a reunião semanal e fora isso os atendimentos. (Enfermeira A) A equipe faz uma reunião... a gente trabalha em equipe mesmo. Se não tem um enfermeiro, um auxiliar trabalha e ajuda a assistir um médico. A gente tem um trabalho legal de equipe. (Auxiliar de enfermagem) ... dentro da equipe a gente divide o trabalho. Algumas consultas a gente divide, por exemplo, puericultura a gente intercala algumas consultas, não a maioria, mas algumas consultas em puericultura ficam a cargo do enfermeiro, a maior parte fica a cargo do generalista, e a primeira consulta em puericultura com um mês de vida da criança fica da responsabilidade do pediatra, daí para a frente: enfermeiro e médico sendo que a maioria é com médico generalista. (Médica)

Utilizando as “categorias” expressas por Peduzzi (1998), a fala acima se aproxima

mais da abordagem agrupada da equipe do que de uma abordagem integrada à medida que

observamos uma característica de fragmentação. A equipe integração, de outro lado, se

caracteriza pela ação consoante à proposta da integralidade das ações de saúde, (PEDUZZI,

2001) debate que apresentamos no capítulo 3.

Para além da articulação no trabalho interno à equipe, é preciso também que o trabalho

seja integrado – e integrador – ao/no Centro de Saúde como um todo, o que não parece

acontecer em todo lugar:

167

... estão fazendo grupo [operativo] por equipe de Saúde da Família, em vez de fazer grupo por unidade. Então eu acho que houve essa coisa de perda da identidade da unidade. Tem um trabalho que às vezes é isolado nas equipes. Então a gerência ela não consegue ver o todo, porque o todo é a população toda, então tem ganhos, tem mais capilaridade na Saúde da Família, porque tem mais vínculo, mais responsabilização, mais acesso, mas você tem essa crise de identidade da unidade, porque perde um pouco a percepção do todo. Aí sala de vacina é um pouco isso, reflete isso, porque cada um cuida dos seus meninos, e aí a unidade perdeu aquela [identidade]. (Membro da GEAS B) ... cada equipe faz o seu grupo de hipertensos e diabéticos. Agora, por exemplo, como eu já fiz uma capacitação para atendimento em adolescentes, então os adolescentes ficam comigo; a equipe três, o enfermeiro já trabalhou e já fez alguns projetos com atenção ao idoso, então ele fica com os idosos. A outra médica que trabalhava aqui (...) já tinha uma facilidade para lidar com obesidade, então ela fazia ações de educação em obesidade. A [enfermeira] já tem uma facilidade em trabalhar com desnutridos. (Médica)

Assim, não só a equipe deve trabalhar totalmente integrada internamente, mas também

com as demais ESF e com os demais profissionais que atuam no âmbito do CS – recepção,

apoio, gerência etc.

Em relação aos profissionais de apoio, observamos que estes vêm desempenhando

principalmente dois tipos de função:

- apoio nos grupos de discussão da unidade, os chamados grupos operativos,

sobretudo quando são de temática ligada à sua especialidade e prática; e

- formação dos profissionais das ESF, notadamente dos profissionais médicos,

“treinando-os” para as práticas de generalistas.

No entanto, eles vêm realizando atividades e funções que não estão previstas ou

recomendadas pela SMSA (Cf. BELO HORIZONTE, 2006), como a manutenção de agendas

abertas para marcação direta dos usuários em função da elevada demanda e da sobrecarga das

ESF. Assim,

A importância [dos profissionais de apoio] para mim é grande porque realmente caso haja uma necessidade que na hora um médico da equipe não está, que o enfermeiro não está, e que as auxiliares talvez não estejam, esses apoios eles podem dar andamento com o paciente que está lá na frente e vai ser resolvido o problema dele. (ACS) [No acolhimento] o que não é agudo a gente agenda. Quando enche a agenda do médico a gente passa para a do médico de apoio, do pediatra de apoio. O médico de apoio não é este tapa buraco, mas acaba sendo isso por causa da demanda. Eles seriam para dar um apoio mesmo, uma troca de experiência. (Enfermeira B)

168

Porém, são apontadas ao mesmo tempo vantagens e limites da opção pelos

profissionais de apoio de um modo geral e em especial pelos profissionais médicos.

... tem um conflito aí da enfermeira da unidade que não é da equipe de Saúde da Família, a auxiliar da unidade que não é da equipe de Saúde da Família, que precisa manter essa unidade do serviço funcionando. (Membro da GEAS B) Esse desenho é muito bom e ruim também... ele traz um aporte positivo, porque ele faz essa troca entre os profissionais. Acho que dá o tempo necessário para os profissionais avançarem na clínica, mas de outro lado também ele tem uma parte que é ruim que é, de alguma maneira, os profissionais, alguns profissionais, pela pressão da demanda de adultos se acomodam, transferem, especialmente para os ginecologistas, que eles têm mais dificuldade de atender a mulher, mas também para o pediatra transfere uma população que deveria estar sob responsabilidade deles. (...) É um desenho muito interessante, mas também que tem armadilhas nele mesmo. (Membro da GEAS C)

Deseja-se que cada equipe multiprofissional opere de maneira articulada, integrando-

se às demais equipes e outros trabalhadores dos CS, configurando-se como colegiados

ampliados, pautando o processo de trabalho e a condução dos serviços. É nesses espaços que

se deve construir o trabalho, trazendo à tona conflitos, impossibilidades, lacunas, entraves que

incidem na própria rede e sujeitos, produzindo desconforto, inquietação e, conseqüentemente,

mudança. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47)

5.3.3 Pressupostos para o processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde

Atualmente, predominam problemas de saúde e outros em geral, e não somente

problemas “médicos” de saúde, o que aponta para a reorganização do processo de trabalho e

das equipes e o redirecionamento para alternativas. Esta situação possibilita a ampliação das

ações para diferentes frentes, como a intersetorialidade, o conhecimento dos apoios possíveis

e disponíveis, bem como a potencialização dos mesmos. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 49)

Um dos pontos levantados é o debate acerca da persistência do modelo biomédico na

prática dos profissionais e a conseqüente medicalização da atenção, além de como este

dispositivo passa a fazer parte do ideário da população. “Este é o grande passo para a tão

sonhada mudança do modelo assistencial” (BELO HORIZONTE, 2006, p. 12) e foi também

ressaltado por nossos entrevistados:

A questão do poder que esse saber dá faz com que o médico, que a lógica médica se imponha no trabalho de equipe, não só porque o médico é prepotente, (...) porque muitas vezes o que eu percebo, os outros profissionais, os outros saberes recuam, na

169

sustentação de uma decisão frente ao médico. Isso aí é como se reafirmasse a lógica médica sem necessariamente precisar ter médico (...) que é uma coisa social, nós temos que desconstruir essa lógica! (Membro da GEAS A) O usuário não gosta muito de passar pelo enfermeiro, ele acha que o enfermeiro não resolve o problema dele. Tem que passar remédio, não é? (Auxiliar de enfermagem) O quê que se discute na equipe? A questão do projeto terapêutico para o paciente que é discutido na equipe, respeitando as competências de cada profissional. Não é questão hierárquica, é questão das competências. Até porque se eu sou médico, não quer dizer que eu saiba mais desse paciente, não é? A minha competência é a questão daquilo que é do médico. Mas o auxiliar às vezes conhece muito mais desse paciente... a forma como ele vive, que é um fator fundamental para trabalhar as questões de saúde, é mais às vezes do que o próprio médico. (Gerente C)

Esta fala evidencia a necessidade de mudança e de reorientação que impera sobre os

processos de trabalho, insistência percebida também no depoimento que segue:

Aumentou muito o número de profissional, mas eu acho que ainda não é o suficiente, ou para a nossa demanda ou para o tipo de serviço que nós estamos fazendo, sabe? Não tenho uma conclusão ainda sobre isso. Se a gente colocar mais dez, se vai resolver alguma coisa... não sei se o caminho é esse. Se a gente tentasse organizar para poder estar fazendo realmente a promoção à saúde... (Enfermeira B)

Convém mostrar que há profissionais que buscam a reorientação do processo de

trabalho no seu dia-a-dia. A fala a seguir é um exemplo desta inclinação:

... mesmo nas consultas, além de estar atendendo o protocolo, que é uma consulta de enfermagem, eu faço prevenção sim, porque eu oriento essa paciente em várias coisas e encaminho ela para os grupos de planejamento familiar, de gestantes... (Enfermeira A)

É fundamental o reconhecimento do “corpo de conhecimentos” que os profissionais

das ESF utilizam na sua ação de saúde. Como eles mesmos descrevem:

[Utilizo conhecimentos] De vigilância em saúde, de promoção e vigilância a saúde e atendimento básico mesmo. Apesar de que, às vezes, aqui, pelo fato de a gente ter dificuldade de encaminhar para urgência, às vezes a gente tem que usar até mesmo conhecimento de urgência aqui, mas a gente atende pré-natal, puericultura... ações básicas mesmo. (Enfermeira A) Conhecimento mais técnico mesmo, que a gente usa mais, é mais o técnico mesmo. (Enfermeira B) O que a gente usa mais, por sermos generalistas, eu acredito, é a parte clínica. (Médica)

170

Há um predomínio da clínica na ação de saúde dos profissionais. No entanto, o ACS,

novo ator introduzido pela Saúde da Família, apresenta como saber não qualquer ciência ou

técnica, mas o conhecimento do território, a relação de vizinhança e os laços solidários que aí

se constroem, sendo este saber o diferencial que enriquece a prática da equipe. (BELO

HORIZONTE, 2006, p. 39) É tecnologia leve pura! E encontramos isso na nossa investigação,

como segue:

Na minha atuação em saúde... olha, eu como agente comunitário, a técnica que vejo é a da saúde mesmo, é entre população e o centro, e o posto. (...) Eu sou uma base chave porque desde a hora que eu saio para trabalhar eu ouço, eu vejo o que as pessoas estão... as opiniões, você está me entendendo? (ACS)

As competências do ACS são formuladas para atuar na interação social serviço-

comunidade e suas funções vão além do campo da saúde, na medida em que requerem

atenção a variados aspectos das condições de vida da população, “no campo de interface

intersetorial da saúde, assistência social, educação e meio ambiente”. (BELO HORIZONTE,

2006, p. 23)

A identidade do ACS se constrói em situações concretas e na relação com a população

e com os demais integrantes da equipe de saúde. (SILVA; DALMASO, 2002) Esta construção

de identidade se pauta juntamente com a forma como o ACS atua e conduz seu trabalho e

como percebe e concretiza seu trabalho em relação à equipe:

... nós somos agentes comunitários de saúde, podemos falar que a gente é os olhos clínicos do médico, não é?, [porque] a gente vai até a população, vê o que está acontecendo. (ACS)

A forma do ACS se relacionar com o usuário e utilizar dessa relação como sua

principal ferramenta para agir em saúde faz-nos resgatar o debate da clínica ampliada (Cf. G.

CAMPOS, 2005b), apresentado no capítulo 3 (seção 3.2 – Pressupostos para o processo de

trabalho em saúde).

A construção de vínculo através da responsabilização do profissional pela saúde da

população a que atende não é uma preocupação apenas humanizadora, visto que qualifica o

trabalho em saúde. O profissional de saúde, além de saber fazer, precisa construir uma relação

com o usuário que resulte em responsabilidade, liberdade e compromisso tanto por parte dos

usuários quanto por parte dos profissionais de saúde, ambos sujeitos do projeto terapêutico.

171

A compreensão do Projeto Terapêutico como dispositivo que se agrega à escuta

qualificada das necessidades e demandas do usuário – no caso do projeto terapêutico

individual – e da comunidade – no projeto terapêutico coletivo – possibilita o exercício da

clínica ampliada, sendo mais uma oportunidade de aprimoramento do trabalho em equipe,

haja vista sejam frutos de elaboração coletiva. Segundo a SMSA, se necessário, devem ser

previstos apoio e articulação com os serviços da rede, incluindo outros profissionais da área

da saúde e demais níveis de atenção. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 69, grifo nosso)

Para além da base cognitiva de cada profissão, há as disciplinas e conhecimentos que

podem ser utilizados por qualquer profissional e em que se baseiam suas formas de agir.

Portanto, a valorização de conhecimentos e saberes voltados para a viabilização de uma

abordagem de Saúde e de Direitos Humanos para a Atenção Primária à Saúde64 é de suma

importância. A organização e reorientação dos processos de trabalho só são possíveis quando

se compreende que conhecimentos subsidiam o “fazer saúde” dos diferentes profissionais.

Além do desafio para o profissional médico de ter que ter uma clínica muito abrangente, a maioria deles era ou Pediatra, ou Clínico ou GO [gineco-obstetra], então eles já têm que dar um salto muito grande do ponto de vista da ampliação do seu conhecimento, mesmo. De outro lado eles têm uma outra prática completamente diferente de consultório, porque é lidar com problemas de saúde e não com doença. Nós temos uma rede de saúde articulada, que se conhece. Então tem uma rede lógica, por trás, apesar de na ponta às vezes o profissional não ter tanta clareza dessa rede, mas existe um desenho lógico na estrutura do Sistema de Saúde na cidade que, igual eu falei, potencialmente permite pensar em integralidade da assistência. (Membro da GEAS C)

Conforme apontado em algumas falas na subseção 5.3.1, também compreendemos que

o aumento de profissionais – no caso, médicos – nas equipes não é suficiente para se ter uma

atenção à saúde voltada para a autonomização dos usuários, nestes centrada, produtora e

qualificadora de vida. É preciso, definitivamente, uma revolução dos processos de trabalho

em saúde. Se estes não mudam, o modelo assistencial não se modifica e a lógica biomédica

consumidora de saúde continua predominando.

Um dos fatores que contribui para a superação e inversão desta lógica é o debate sobre

a composição qualitativa das equipes, bem como da importância da multiprofissionalidade e

da interdisciplinaridade para o trabalho em saúde, especialmente para a APS. É o que nos

propomos a fazer a seguir.

64 A abordagem de Saúde e de Direitos Humanos enfatiza a compreensão da saúde como direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos da saúde. As abordagens da APS estão descritas no capítulo 2, seção 2.2 – Um pouco de História.

172

5.4 MULTIPROFISSIONALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DEMANDAS PARA A ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Consideramos imprescindível a incorporação dos conceitos de multiprofissionalidade

e interdisciplinaridade65 no cotidiano de cada profissional da APS e que sejam tomados como

política. Ao longo do estudo, captamos as diferentes concepções destes atributos. A seguir,

destacamos algumas:

Multiprofissionalidade é você ter ali disponível vários profissionais com diferentes abordagens sobre o problema de saúde, quer dizer, no caso da saúde, não é? Você tem um enfermeiro, um médico, o auxiliar de enfermagem, o ACS, você tem o psicólogo, o TO [terapeuta ocupacional] da saúde mental, tem o psiquiatra, o assistente social, e aí o potencial de trabalho desses profissionais à disposição da resolução do problema do usuário, trabalhando ali, meio em paralelo. A interdisciplinaridade, acho que assim: (...) você teria esses profissionais e a possibilidade de aproximação desse campo de conhecimento na construção de projetos terapêuticos mais próximos. (Membro da GEAS C) [Interdisciplinaridade] é você montar uma equipe de forma que você possa atender a demanda daquela comunidade, e que essa equipe realmente trabalhe em equipe, com troca de informações, e que (...) você possa ver o indivíduo na sua contextualidade, que não adianta olhar só coração não, não adianta olhar só pulmão que ele não vai melhorar a asma dele não. (...) Vários profissionais atuando numa melhor qualidade de vida de uma pessoa e se estendendo para aquela família, para aquela comunidade. (Médica) Eu acho que o interdisciplinar é alguma coisa (...) que entra um dentro do outro, entendeu, essa disposição, essa disponibilidade (...) do profissional com o seu saber, do seu poder, de permitir a troca, a entrada de saberes... Isso para mim é uma interdisciplinaridade. (Membro da GEAS A) ... se você pensar numa questão mesmo acadêmica, escolar, uma disciplina vem complementando a outra o tempo todo. (...) Acho que aí tem um pouco do trabalho multiprofissional, cada profissional com sua formação fazendo, complementando o trabalho. Uma ação mais macro de uma possibilidade de um olhar mais ampliado sobre uma determinada situação. E as disciplinas, acho também que elas se complementam nesse sentido. A interdisciplinaridade é qualquer intercessão que existe entre elas. (Gerente A) ... multiprofissionalidade a princípio com um número menor, seria eu ter acesso a um outro conhecimento de um outro profissional dentro do nosso local de serviço para poder viabilizar, dar uma atenção mais integral para aquele usuário, você ter um vínculo maior com aquele usuário, uma responsabilização por aquele usuário... seriam o que eu falo, o nutricionista, o fisioterapeuta, psicólogos, assistente social, na mesma unidade. (Gerente B)

65 Os conceitos de mutiprofissionalidade e interdisciplinaridade foram trabalhados no capítulo 3, subseção 3.3.1 – Multi – Inter – Transdisciplinaridade e Integralidade: pressupostos para a organização do trabalho das equipes de saúde.

173

Devemos apreender tais acepções destes atributos para melhor analisarmos as

concepções de equipe e da forma como ela está ou como deve estar composta segundo os

nossos entrevistados. Ao abordarmos a temática da composição da equipe para atuar no

âmbito da APS, percebemos importantes divergências. Em geral, aqueles que fazem parte do

nível central incorporam o discurso de que a equipe da APS, mais especificamente a ESF,

deve ser mínima, composta apenas pelos profissionais que hoje estão presentes66.

... eu acredito na Saúde da Família, um generalista que dá conta de tudo, não tenho dúvida disso não. E acho que é importante ter um especialista de retaguarda, como é um pediatra, um ginecologista e um clínico, acho que esse seria ideal. (Membro da GEAS B)

Eu acho que essa composição está boa. Essa história de falar que tem que botar um fisioterapeuta, um fulano, um fulano na equipe, eu acho que não é por aí, não. Eles precisam de suporte, na minha opinião, mas não uma equipe. Eles precisam de suporte em reabilitação. Tem que ver que desenho é esse, porque também não adianta o fisioterapeuta, você precisa de um fisioterapeuta, de um nutricionista, e aí fica muito caro. Acho que tem que ver a viabilidade. É preciso um suporte na área de reabilitação, isso eu não tenho dúvida. (...) Saúde mental eles precisam também, mas a gente aqui já se virou. (Membro da GEAS C) Eu acho que um generalista bem treinado, que eu acho que ainda falta, ele faz bem esse acompanhamento da família sim. (...) A gente sai da faculdade de medicina podendo atender tudo, então eu acho que tem condição de fazer isso sim, é o contrário ao movimento da especialização, acho interessante este resgate. (Membro da GEAS B)

Percebe-se que há uma diferença entre tais defesas da equipe mínima. De um lado,

opta-se por um modelo onde um médico generalista dê conta de tudo; de outro, o

financiamento é usado como justificativa para tal defesa. Mas os próprios sujeitos têm clareza

de que esta opção por um número restrito de categorias profissionais não é suficiente para dar

conta do todo, ou seja, de uma atenção integral.

A demanda pela ampliação da equipe aparece na fala dos profissionais que atuam na

atenção e dos gerentes dos CS:

... nós temos que ter junto o fisioterapeuta, temos que ter o nutricionista, nós temos que ter outras pessoas juntinho para fazer uma equipe multiprofissional junto na unidade básica, para estar apoiando essas equipes. Seriam profissionais de apoio, dentro da unidade básica de saúde, porque hoje a gente esbarra com o diabético... a gente não consegue fazer um convencimento sozinha. O diabético tem uma alimentação adequada para ele. Eles davam com seqüelado de AVC, de vários outros problemas em casa que nós da equipe de Saúde da Família não damos conta de resolver isso sozinha. Então tem várias outras coisas... assistente social: eu tenho

66 Relembrando, em Belo Horizonte, as ESF são compostas por um médico generalista, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS.

174

áreas de risco elevado, eles esbarram o tempo todo com pessoas com problemas sociais, que a gente não está dando conta de resolver, que é o que nós estamos mais berrante na saúde pública. (Gerente B, grifo nosso) ... hoje nós temos um psiquiatra que atende a comunidade toda, entendeu, nós temos UM psiquiatra, nós temos UMA nutricionista que é referência da Centro Sul toda, como é quê você quer que promova isso? (Auxiliar de enfermagem) [na atuação em saúde, sinto] necessidade de às vezes ter categorias como psicólogo, que aqui a gente não tem, a gente tem que mandar para outros Centros de Saúde... são coisas que costumam deixar a desejar, não é? (...) Fisioterapeuta, ah, tem tantos que eu acho que deveria ter... Igual a sala de odonto, poderia ter outras. (ACS) Psicólogo é importantíssimo, só que (...) um psicólogo só para quatro equipes é pouquíssimo, mas é muito importante porque discute com a gente, lê os casos que a gente encaminha (...) eles estão retornando para a gente os pacientes, marca reunião

com a gente, para a gente estar discutindo os casos. A questão da assistente social é importantíssimo também, que a gente tem muito problema que é problema social mesmo, que não adianta a gente estar batalhando aí em cima da saúde, sabendo que são outros problemas que estão afetando. (Enfermeira B, grifo nosso)

É interessante como esta última fala, indiretamente, refere-se a uma “solução” para a

contra-referência – problemática que será discutida mais adiante, neste capítulo. O fato de se

incorporar profissionais à APS que hoje estão concentrados em outros níveis de atenção

garante o retorno do usuário para a ESF após um atendimento. Não se trata de trazer para a

APS processos de trabalho “tecnologicamente” mais complexos, mas garantir principalmente

a abordagem multiprofissional e interdisciplinar da atenção, levando-se em conta que os

espaços de discussão a respeito da condição de saúde dos usuários signifiquem oportunidade

para troca de saberes e para construção em equipe do trabalho em equipe.

Fazendo um paralelo com o que nos mostra Campos (1999, p. 396), quando um

usuário se utiliza de um serviço matricial67 – de um profissional que não opera

direta/cotidianamente na ESF mas a apóia e supervisiona – ele nunca deixa de ser paciente da

equipe de referência, da ESF. Não há encaminhamento, mas desenho de projetos terapêuticos

que são executados não apenas pela ESF, mas por um conjunto mais amplo de trabalhadores.

De qualquer forma, a responsabilidade principal pela condução/continuidade do cuidado

daquele usuário permanece sendo da ESF. Esta observação altera a tradicional noção de

referência e contra-referência vigente nos sistemas de saúde.

As ações de saúde, para serem resolutivas, devem contar com a participação de todos

os profissionais e saberes institucionais das diversas áreas. É necessário considerar que não se

trata de um debate corporativo ou defensor de uma organização do trabalho baseada na

divisão deste, mas do empoderamento de cada profissional, de cada profissão num campo

67 A discussão sobre equipes de apoio matricial e equipes de supervisão será feita mais adiante neste capítulo.

175

onde circulam múltiplas necessidades, demandante de múltiplos saberes e de múltiplos

núcleos de ação profissionais, fundamentadas em diferentes bases cognitivas. Em uma das

entrevistas revelou-se a importância deste fator:

... às vezes eu vou à casa de uma pessoa mas eu preciso saber se ela melhorou e tem sinais ali que só o enfermeiro e só o auxiliar vão poder me trazer, com certeza. Então se eu preciso aferir uma pressão novamente ou avaliar uma ferida novamente aí dependendo do caso vai o enfermeiro ou vai o auxiliar, e traz essa informação para a gente. (Médica, grifo nosso)

As iniciativas de Saúde Bucal e Saúde Mental mostram a necessidade de ampliar a

equipe da APS, isto é, não só a ESF deve ser considerada equipe de APS, sendo unicamente a

ela que a população recorre quando apresenta queixas, demandas e/ou necessidades de saúde.

O saber que uma ESB carrega, bem como seu modo de fazer saúde lhe são específicos e não

podem ser realizados por outros profissionais.

Eles [equipe de saúde bucal] fazem o atendimento deles lá dentro da odontologia mesmo, mas trabalham junto com a gente na atenção, na educação em saúde, (...) de acompanhar a gente numa visita domiciliar de um paciente acamado para ver o que está acontecendo. (...) A gente trabalha junto nisso: eu estou aqui atendendo, percebi alguma coisa que não diz respeito a minha formação que eu preciso que um dentista olhe, eu encaminho, na mesma hora a pessoa tem essa avaliação e segue na outra para mim. (Médica, grifo nosso)

Também a ESM apresenta essa peculiaridade e exerce “clínicas” específicas dos

saberes de cada profissional que a compõe.

... profissional de saúde mental também é muito poderoso. Ele é poderoso por um saber, que é um saber que as pessoas não dominam, é um saber que o profissional também não quer repassar, por ter esse poder. (Membro da GEAS A)

Esta fala cabe não só aos profissionais da ESM68, mas a todo profissional – como

categoria – e cada profissional – em particular.

A implantação do Núcleo de Apoio em Reabilitação (NAR) é, juntamente com a

Saúde Bucal e a Saúde Mental, uma importante experiência de como são essenciais os demais

profissionais de saúde, como vimos no capítulo 4, subseção 4.3.3.4 – Reabilitação:

experiência multiprofissional na atenção primária. Para além desses outros níveis de atenção,

68 ESM: Psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, enfermeiro, assistente social e auxiliar de enfermagem.

176

os “profissionais da reabilitação” precisam ser trazidos para a APS, reiterando-se que esta

opção busca garantir maior resolutividade à atenção prestada neste nível.

5.4.1 Núcleo de Apoio em Reabilitação e Núcleo de Atenção Integral da Saúde da Família

A discussão acerca da reabilitação no âmbito da APS em Belo Horizonte se fez

presente em nosso estudo:

... eu diria que tem uma carência imensa na área de reabilitação. Que nós não temos praticamente profissional da área de reabilitação, tem pouquíssimo e existe uma necessidade muito grande. (...) Nós temos três centros de referência em reabilitação com atendimento secundário concentrado principalmente em fisioterapia mas tem profissionais de TO [terapia ocupacional] também. É absolutamente insuficiente porque a nossa realidade sanitária, acho que do Brasil, com muito envelhecimento populacional, muita doença cardiovascular, muita seqüela de AVC, com quadro de causa externa, muito trauma... A gente teve uma redução da mortalidade infantil muito importante ao mesmo tempo em que você tem muito recém-nascido que precisa de estimulação precoce, precisa de reabilitação, nasce prematuro. Então você tem um quadro sanitário que te aponta para a necessidade de reabilitação e você não tem oferta. Então a gente tem esses três centros de referência em reabilitação, quer dizer, já começa inadequado: três centros de referência numa cidade desse tamanho... sem chance, não é? Você tem que ir todo dia, como é que você vai? (Membro da GEAS C) Nós temos o serviço social, temos a psicologia que atende aqui... só esses. E sentimos a falta de alguns profissionais sim, e um suporte às equipes de PSF (...). Por exemplo, nutricionista, fisioterapeuta... não que eu ache que tenha que ter dentro da unidade. A gente tem uma dificuldade de ter o referenciamento realmente, para algumas demandas que a gente tem. (...) Nutricionista nós nem temos referência. Fisioterapia está centralizado nos PAM’s, tem o CREAB, tem o Centro de Reabilitação da Noroeste, mas nesse centro de reabilitação eles recebem as demandas da cidade, não necessariamente da regional, do Distrito, então isso acaba distanciando, dificultando o acesso do usuário a esse serviço. (Gerente A)

A importância do NAR como resposta à deficiente oferta de atenção em reabilitação

em Belo Horizonte aparece nas falas a seguir:

[A equipe do NAR] chega numa unidade de saúde junto com as equipes, ela trabalha quais são os pacientes acamados, quais são os grupos operativos, quais são os pacientes que teriam necessidade de reabilitação e atende junto com as equipes. A idéia é de que elas dêem um certo aporte para que a equipe consiga manejar melhor casos que precisam de reabilitação na atenção primária e também casos que eles supõem que precise de reabilitação. Na verdade às vezes uma orientação simples resolve. (Membro da GEAS C)

177

Agora tem Núcleos de Reabilitação começando no Barreiro, agora está indo para o [Distrito Sanitário] Norte (...) que estão fazendo um apoio às equipes de Saúde da Família, avaliando as demandas mais prevalentes, para capacitá-los, para dar seqüência dessas pessoas: acamados, dor nas costas; esse tipo de coisa poderia ficar na Atenção Primária... (Membro da GEAS B) [o Núcleo] é itinerante, ele não fica num lugar. Ele tem um local que ele está alocado porque ele precisa de uma referência e no centro de saúde que ele fica é uma experiência riquíssima. A questão que está colocada para nós é: “é sustentável, (...) uma equipe consegue trabalhar itinerante dessa maneira?” E é uma equipe só para uma população de 250 mil habitantes, então a demanda é exponencialmente maior do que a capacidade de atendimento. E também vivendo essa situação de instabilidade de equipes: [o núcleo] circulou, quando ele volta, ele encontra outras equipes, porque os médicos mudaram. (...) são processos paralelos para dar suporte ao trabalho das equipes de Saúde da Família, mas que têm muito caminho a percorrer. (Membro da GEAS C)

Estas colocações demonstram a relevância da inserção de outros saberes, de outros

profissionais na APS, ressaltando a organização do trabalho em equipe na saúde. No entanto,

são apontados novamente o financiamento e a estrutura física como empecilhos à

incorporação de mais profissionais de reabilitação:

... nós precisamos de financiamento para garantir profissional de reabilitação (...) eu acho que nós ainda estamos com um desafio imenso na área física e na estrutura para as equipes que estão aí, então colocar mais profissionais dentro dessas unidades... a longo prazo eu acho que tem que pensar em núcleo de reabilitação para um número... o Ministério até pensou, só não financiou ainda, um Núcleo de Atenção Integral. (Membro da GEAS C)

Para além da composição dos Núcleos de Reabilitação, consideramos os Núcleos de

Atenção Integral na Saúde da Família (Cf. BRASIL, 2005c) como lugar para incorporação de

profissionais estratégicos para aumentar a eficácia da APS. Desta forma, os profissionais

contemplados nos núcleos dariam apoio e suporte às ESF, complementando a atuação destas

com apoio matricial. A importância dos Núcleos de Atenção Integral também surgiu na fala

de outra entrevistada:

... eu fiquei muito inquietada, eu achei bacana, primeiro porque a gente já poderia atender a demanda, a necessidade, e na questão da reabilitação era legal, porque Belo Horizonte não tem uma política. Se tem uma falha ao meu ver, é no campo da reabilitação, física, inclusive... mental e física, mas mental menos, porque a gente acaba atendendo... mais física, então seria muito interessante. (Membro da GEAS A)

178

Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento,

para além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades

de ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde

Mental; e IV – Reabilitação. Porém, mesmo a Portaria MS nº 1.065 de 4 de julho de 2005 não

tendo vigorado, a discussão sobre qual a composição ideal de equipes de saúde da família/

equipes da atenção primária abre espaço para movimentos corporativos, que devem ser

criticados.

Afinal, não é viável nem possível uma ESF ser composta por todos as categorias

profissionais de saúde, nem é possível que a fragmentação do trabalho dentro da equipe possa

produzir, efetivamente, integralidade da atenção. Em algum lugar isso se perde, isso se

reparte, e em algum lugar um saber mais “poderoso” poderá prevalecer.

Porém reconhecemos que é fundamental a inserção destes profissionais não só no

âmbito da reabilitação, como em Belo Horizonte, mas na APS como um todo, como proposto

através dos Núcleos de Atenção Integral, em seus aspectos de promoção, prevenção,

recuperação e reabilitação, bem como no que tange à vigilância à saúde.

Novamente, não se trata de “inchar” as equipes ou os CS com profissionais diversos,

mas inserir todos os profissionais, melhor dizendo, todos os saberes possíveis no cotidiano

dos CS, das ESF e das ações de saúde. Mas, como Mattos69 (2006 apud MACHADO, 2006, p.

9), acreditamos que o critério deve ser a necessidade:

À medida que o perfil epidemiológico muda, ou melhor, que o modo de andar a vida do brasileiro muda, a gente repensa a capacidade de respostas da atenção básica, enriquecendo-a, o que significa encher aquele conteúdo de atenção básica com novos dispositivos tecnológicos e, às vezes, com novas habilidades. (MATTOS70, 2006 apud MACHADO, 2006)

Assim, a incorporação de outros profissionais ocorrerá de forma mais coerente. Além

disso, como foi falado anteriormente por um dos sujeitos entrevistados, deve-se realmente

considerar que a constituição de núcleos como o NAR e os Núcleos de Atenção Integral é

onerosa, em um primeiro momento, para a administração municipal, mas o financiamento e a

disponibilidade de recursos não podem estar acima da constituição de um modelo que seja

cada vez mais capaz em sua resolutividade. Há que se pensar em modelos de transição para se

atingir um modelo máximo multiprofissional e interdisciplinar, de modo a se ter uma atenção

69 Declaração de Ruben Mattos concedida para o artigo de Kátia Machado na Revista RADIS: Comunicação em Saúde (Cf. MACHADO, 2006). 70 Idem.

179

à saúde cada vez mais próxima das necessidades da população e, por conseguinte, cada vez

mais resolutiva.

Outra questão que nos surge e é corroborada por Carvalho71 (2006 apud MACHADO,

2006, p. 9) é: a APS, como porta de entrada preferencial do sistema de saúde, deve se limitar

às ações do generalista ou a ela se juntariam outros profissionais? Para este sanitarista, todas

as profissões, com maior ou menor intensidade, têm contribuições a dar aos cuidados

primários de saúde. Em contrapartida, foi destacado em nossa pesquisa que os “profissionais

da reabilitação” não são do primeiro contato:

O médico, o enfermeiro, o auxiliar de enfermagem e o ACS acho que é importante porque eles são o primeiro contato, os outros profissionais, não necessariamente... podem dividir o trabalho. Às vezes isso dificulta a absorção, sabe. Eles não são um primeiro contato, então você não tem que estar disponível o tempo todo. Você tem que ter o recurso disponível, então você precisaria ter retaguarda oito horas mas não precisa ser a mesma pessoa. (Membro da GEAS C)

Contudo, não partilhamos de tal pensamento, haja vista o primeiro contato seja

característica da APS e, portanto, de todos os profissionais que atuam neste nível.

Recuperando Bárbara Starfield, o “primeiro contato” ou “primeiro atendimento” é uma porta

de entrada, podendo a atenção ao primeiro cuidado ser avaliada pela acessibilidade do serviço

de saúde e pela sua utilização. (STARFIELD, 2002, p. 61) Deste modo, um serviço de

atenção primária deve funcionar como porta de entrada do sistema de saúde, organizado em

diferentes níveis de atenção, sendo ele mesmo um nível próprio de atenção.

Não defendemos aqui que os usuários recorram, no CS, diretamente a profissionais

que não fazem parte da ESF, como não defendemos que busquem, em um primeiro momento,

os profissionais médicos. Porém, acreditamos que o Acolhimento deve ser capaz de não só

encaminhar os usuários para consultas e grupos operativos ou outras atividades no âmbito do

CS, com já se faz, mas também encaminhar para as ações destes profissionais “não equipe de

Saúde da Família”, que devem ser ofertadas no cardápio mínimo oferecido à população de sua

área de abrangência, o que é o caso dos profissionais da ESB, por exemplo.

Carvalho72 (2006 apud MACHADO, 2006, p. 9), aponta uma segunda questão: “em

que momento, em que intensidade, em que tempo e em que lugar novos profissionais devem

71 Declaração de Gilson Carvalho concedida para o artigo de Kátia Machado na Revista RADIS: Comunicação em Saúde (Cf. MACHADO, 2006). 72 Idem.

180

ser inseridos no PSF?” e indica critérios que podem favorecer sua solução. Para ele, algumas

condições são essenciais quando se pensa em ampliar a equipe:

- saber o que fazer em cada nível de cuidado;

- situar “o que fazer” na linha do tempo (se no princípio, meio ou fim do

cuidado à saúde);

- estabelecer uma relação ideal de proporcionalidade entre vários componentes

da equipe;

- adequar à realidade de tempo e local e

- atender à viabilidade econômica e financeira do sistema de saúde.

Decerto, a incorporação de novos profissionais traz para a APS a possibilidade de

executar novas práticas, mas deve ser feita em consonância com as linhas de produção do

cuidado.

A visão a respeito do vínculo e da responsabilização, bem como da territorialização,

não deve ser estreita, permitindo a criação de vínculos entre os profissionais de equipes

matriciais, como os núcleos, o que não significa vinculação a estas equipes, aos núcleos. O

estabelecimento de vínculos entre profissionais e usuários é aspecto do processo de trabalho

em saúde; portanto, não é exclusivo de nenhum profissional.

Já a vinculação, além de ser formalizada, deve ser mesmo feita e priorizada para as

ESF, desde que permitida a presença dos demais profissionais de forma contínua na APS para

que também o trabalho realizado por eles com os usuários seja contínuo. Esta continuidade é

característica da APS e deve ser preconizada. Campos (1999, p. 397) reconhece a idéia de

“gradientes de vínculos”, criando mecanismos de aproximação e de comprometimento entre

os pacientes e as equipes de referência/ESF, o que permite maior visibilidade da qualidade do

trabalho de cada equipe.

Respaldamo-nos em Panizzi & Franco (2004) que, em estudo sobre a mudança do

modelo assistencial em Chapecó, SC, perceberam que um modelo assistencial, mesmo que

avance na organização dos serviços, demanda a inversão do processo de trabalho centrado no

saber e na pessoa do médico para uma prática baseada em equipes multiprofissionais.

Destacamos o trecho a seguir:

Ao não receber uma assistência multiprofissional, as necessidades do usuário passam a ser dimensionadas pela oferta do serviço, e geralmente esta é medida pela

181

disponibilidade de consultas médicas. Isso reduz a potência para resolutividade no cuidado ao usuário, pois uma equipe, como é esperado, traz em si um vasto patrimônio de conhecimento, com múltiplas possibilidades de ofertar aos usuários as mais diferentes tecnologias de cuidado, que vão desde o acolhimento, os atos próprios de prevenção e promoção à saúde à clínica ampliada. (PANIZZI; FRANCO, 2004, p. 82)

Em virtude disso, não se pode prescindir da atuação e integração de outros

profissionais para a atenção primária, primordial, primeira à saúde da população. Mais uma

vez, apontamos a necessidade de uma organização verdadeiramente multiprofissional do

trabalho, de modo que as necessidades de saúde dos usuários sejam atendidas em todas as

dimensões e que se efetive a integralidade da atenção. Para um modelo integral, esta se

constitui premissa elementar.

Porém, a organização multiprofissional do trabalho em equipe consta da superação do

poder atribuído aos profissionais devido ao seu saber para que este seja partilhado. Ou seja, há

necessidade de integração de diversos profissionais, detentores de saberes específicos de sua

formação e atuação, bem como do enfrentamento da tendência das profissões e especialistas

de reduzirem seu campo de responsabilidade ao núcleo restrito de saberes e competências de

sua formação de base. (CAMPOS, 1999, p. 402)

A compreensão dessa superação como diretriz para o modelo assistencial é

fundamental para suplantar, igualmente, o debate corporativo e para apreender que o processo

de trabalho em saúde e, em particular, na APS é especificidade da equipe, e não da profissão,

devendo ser tomado como política.

5.4.2 Outras “modelagens”: equipes matriciais e supervisão A inserção de outros/novos profissionais e a organização de seu trabalho em equipe

aparecem como demanda para a APS em Belo Horizonte. Percebemos que, para os

profissionais da atenção entrevistados, sua presença é muito relevante e mesmo numa equipe

de apoio às ESF – e não numa ESF ou equipe básica – seria importante para melhoria da

qualidade do trabalho da própria equipe básica:

Dependendo da demanda, eu acho que [outros profissionais de saúde fariam parte] até da equipe. Por exemplo, nós temos um psiquiatra que atende a unidade inteira, aliás, ele atende a uma área de abrangência enorme, sendo que o generalista geralmente precisa do acompanhamento. A gente tem uma reunião mensal com eles, é muito pouco, então tem profissionais que eu acho, teriam que estar fazendo parte

182

mesmo, ou pelo menos de um grupo, por exemplo, na micro-área, ter pelo menos na micro-área que são quatro centros de saúde, ter um fisioterapeuta para esses quatro centros de saúde, entendeu? Importante ter o nutricionista na rede também, fonoaudiólogo, muito importante... (Enfermeira B) [Eu acho que outros profissionais deveriam fazer parte] do apoio. Nós e os psiquiatras às vezes vamos até fazer VD, ele vai com a gente em alguma visita domiciliar, mas só como apoio já ajudava demais. (Auxiliar de enfermagem)

A estruturação de equipes matriciais e/ou de supervisão tem sido apontada como

opção para esta problemática da inserção de novos atores no âmbito da APS.

A forma matricial tem o significado de apoio a várias equipes de referência e foi

descrita por Campos (1999). O autor descreveu e sugeriu um arranjo institucional para o

trabalho em saúde denominando-o de equipes de referência com apoio especializado matricial

na perspectiva de que esta disposição “estimulasse, cotidianamente, a produção de novos

padrões e inter-relação entre equipe e usuários, ampliasse o compromisso dos profissionais

com a produção de saúde e quebrasse obstáculos organizacionais à comunicação.”

(CAMPOS, 1999, p. 395)

A reforma e ampliação da clínica e das práticas de atenção integral à saúde dependem

do estabelecimento de novos padrões de relacionamento entre o(s) profissional(is) de saúde e

o(s) usuário(s). Campos, ao sugerir a adoção de um arranjo no processo de trabalho que

estimule maiores coeficientes de vínculo entre equipe de saúde e usuário concreto, recomenda

a adoção

de um novo sistema de referência entre profissionais e usuários. Cada serviço de saúde seria reorganizado por meio da composição de equipes básicas de referência, recortadas segundo o objetivo de cada unidade de saúde, as características de cada local e a disponibilidade de recursos. (...) estas equipes obedeceriam a uma composição multiprofissional, variável conforme o caso de se estar operando em atenção primária, hospital, especialidades, etc. (CAMPOS, 1999, p. 396, grifo no original)

Para a rede básica, sugere um exemplo de equipes de saúde da família (médico-

generalista, auxiliares de enfermagem e agentes de saúde), ou equipes de saúde da criança

(pediatra, enfermeiros etc.), de saúde do adulto (clínico, auxiliares de enfermagem etc.). De

acordo com a disponibilidade, cada equipe mínima poderia contar com médico, enfermeiros,

assistentes sociais, psicólogos. Se houvesse um número menor de profissionais em relação ao

número de equipes necessárias ao atendimento da população de um dado território ou região,

seria organizado o apoio matricial destes especialistas a um determinado número de equipes

183

de referência. A supervisão e apoio do trabalhado da equipes poderia ocorrer por parte de

enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e especialistas. “Esta organização

amplia as possibilidades e composição interdisciplinar dos projetos terapêuticos, sem diluir a

responsabilidade sobre os casos e sem criar percursos intermináveis de encaminhamento.”

(CAMPOS, 1999, p. 397)

Ainda, segundo este autor, os técnicos de referência não deveriam executar o projeto

terapêutico isolando-se dos demais, mas sim acionando apoio de outros profissionais e de

outras equipes conforme o entendimento que se for adquirindo sobre o caso. Contudo, a

iniciativa em relação a cada caso e a principal responsabilidade pelo desdobramento do

projeto devem ser da equipe de referência/ ESF.

Em relação à supervisão de equipes, Matumoto et al. (2005, p. 10) mostram que ela

aparece como um dispositivo para a construção da grupalidade e de um projeto de trabalho

buscando possibilitar que as próprias equipes analisem suas práticas e reflitam sobre como

trabalham e que resultados alcançam. Como instrumento de gestão de programas de saúde, a

supervisão foi discutida por Reis & Hortale (2004), em estudo de caso no PSF em

Teresópolis, RJ. Para estas autoras,

Quando analisada como parte integrante do sistema de saúde, a supervisão apresenta-se como elemento viabilizador da política de saúde, à proporção que repassa conceitos, redefine procedimentos, dá mobilidade entre os vários níveis do sistema e orienta a execução dos serviços. (REIS; HORTALE, 2004, p. 494)

A visão moderna do termo supervisão associa controle e educação, propondo uma

relação entre parceiros, identificando práticas e instrumentos de atuação conjunta sobre o

objeto de trabalho e é denominada “convisão” no sentido de uma gestão “co-laborativa” ou

construção conjunta. (REIS; HORTALE, 2004, p. 494) esta concepção se aproxima daquela

de Matumoto et al. (2005, p. 10), que tomam a supervisão como um trabalho conjunto de

equipes: da equipe de supervisão e da equipe de trabalhadores – no caso, da ESF.

No plano geral, as supervisões se caracterizam pelo monitoramento das ações de saúde

na perspectiva do modelo do PSF e pelo acompanhamento de todas as atividades da unidade;

no plano específico, as supervisões têm caráter funcional, sendo realizadas em função das

especialidades. (REIS; HORTALE, 2004, p. 497) Entre outras atividades, cabe ao supervisor

realizar visitas semanais às unidades de Saúde da Família, participar de reuniões de equipe e

operacionalizar processos de educação continuada e permanente das ESF. Dentro da

184

concepção de “convisão”, o supervisor deve ser agente de produção do conhecimento, não só

induzindo às dúvidas, mas também tentando encontrar soluções junto ao grupo.

As ESF em Teresópolis são formadas por um médico, um enfermeiro, um ou dois

auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS, além de estagiários de medicina, odontologia e

enfermagem. São coordenadas por um enfermeiro e contam com uma equipe de supervisores

técnicos das áreas de gineco-obstetrícia, pediatria, clínica, nutrição, psicologia e enfermagem

para aprofundamento das questões, esclarecimento das ações e tomada de decisões em relação

às especialidades. (REIS; HORTALE, 2004, p. 494) Observa-se a presença de profissionais

“não médicos” para o suporte.

O PMF, de Niterói, também se estrutura a partir de uma equipe de supervisores. Nesse

caso, é composta de profissionais com formação em clínica médica, pediatria, gineco-

obstetrícia, cirurgia geral, saúde mental, epidemiologia e serviço social. Ressalte-se que, à

exceção do serviço social e da epidemiologia – esta não sendo específica para nenhum

profissional –, todas as outras são especialidades que fazem parte do núcleo de saberes e

práticas específicas do profissional médico. (AGUIAR, 2005)

Por um lado, essas modelagens parecem encontrar alguma semelhança com as equipes

de apoio adotadas em Belo Horizonte. Todavia, estas são compostas principalmente por

aqueles profissionais médicos das especialidades “básicas” – pediatria, clínica geral e gineco-

obstetrícia – e por enfermeiros e auxiliares de enfermagem que não estão incorporados às ESF

– embora para estes profissionais de enfermagem a SMSA busque não trabalhar com a

concepção de função de “apoio”, pois não concebe que enquanto um grupo de profissionais

enfermeiros esteja “fazendo PSF” outro grupo esteja desenvolvendo ações típicas da

enfermagem. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 31) Como vimos no capítulo 4, as equipes de

apoio constituíram-se como referência para a equipe básica e seu trabalho se configurou numa

espécie de “retaguarda” para tais equipes, destinado principalmente a situações agudas ou

mais complexas. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 71)

O apoio matricial para as ESF tem sido pensado e experimentado como um dos

dispositivos para aprimorar o suporte às equipes e suas demandas de referenciamento de

pacientes. No apoio matricial, a retaguarda de especialistas em algumas áreas específicas e

prioritárias é articulada estabelecendo-se como referência para as ESF e caminhando,

inclusive, no sentido da elaboração conjunta dos projetos terapêuticos. Além das equipes de

apoio presentes nos CS, o apoio matricial pode ser oferecido por profissionais dos Distritos

Sanitários, do nível central, das ESM e dos diferentes serviços de referência, como a atenção

185

secundária. Esta opção organizacional no município pode ser encontrada na fala de membros

da GEAS:

... o trabalho com o PSF desse chamado apoio matricial, que não é só de formação, mas é de atendimento. Então o papel é esse: fazer intervenções multidisciplinares ali para atender a necessidade daquele indivíduo naquele momento. (Membro da GEAS A) ... não adianta você ter um nutricionista aqui, um fisioterapeuta lá e um terapeuta ocupacional em outro lugar. (...) Acho que um desenho melhor é numa equipe matricial próxima, uma para cada quatro centros de saúde, talvez... mais próxima, dando suporte. Um profissional também que nos falta demais é o farmacêutico. Nossa assistência farmacêutica, eu acho que é muito aquém do necessário. Nós temos uma boa rede de farmácia para dispensação, mas para assistência farmacêutica nós estamos longe, tem que melhorar muito. (Membro da GEAS C)

Todo este debate acerca do apoio matricial e da supervisão traz à tona novamente a

questão da base cognitiva de uma profissão: como pode um profissional ser supervisionado de

modo a exercer uma função para a qual não possui formação? O objeto de trabalho apresenta

alguma especificidade ou não?

A supervisão faz supor que os profissionais da ESF – médicos, principalmente –

estariam respaldados por aqueles profissionais não médicos ou não enfermeiros

(fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, assistente social etc.) para fornecer assistência na

APS e desenvolveriam com tais profissionais atividades de formação, discussão de casos,

entre outros. Entretanto, caberia ao profissional da equipe mínima a responsabilidade pela

saúde da população a que atende, ao passo que os demais exerceriam apenas a função de

supervisor. Neste caso, estes não estariam cumprindo o papel de “árbitro final” em questões

específicas ao seu campo de formação e de práticas.

Todavia, as equipes poderiam nunca ser “completas” do ponto de vista de que dariam

conta de todos os problemas e necessidades que lhes surgissem. Isso não é possível. Desse

modo, a supervisão deve se conformar como dispositivo para criação, junto às equipes, de

processos de produção e gerenciamento de cuidados, Além disso,

no trabalho de supervisão, os supervisores precisam ajudar a equipe a suportar a quebra do mito da equipe perfeita, perceber e lidar com sua incompletude, ou seja, suportar um sentimento de falta permanente e usar positivamente a potência de produção daquilo que já detém para a produção do cuidado. Sem essa superação, a equipe se imobiliza pela falta (falta um determinado profissional, um exame, recursos materiais etc.) e não consegue saltar para um processo criativo a partir dos recursos que já possui. (MATUMOTO, 2005, p. 13)

186

Como defendemos anteriormente, a opção por formatações de equipes de supervisão

ou matriciais é de grande valia para a saúde pública no Brasil, em particular para o PSF, mas

devem ser consideradas as necessidades de cada região do país, de cada município, bem como

de cada distrito sanitário e/ou região administrativa e/ou área programática (etc.). A

incorporação de outros profissionais, particularmente de nível superior, também dependeria

da disponibilidade de pessoal. (CARVALHO; CAMPOS, 2000, p. 511)

Campos (1999, p. 394) apresenta exemplos de experiências que aplicaram o método de

equipes de referência com apoio matricial em distintos serviços de saúde, entre eles unidades

de atenção em saúde mental do Serviço de Saúde Cândido Ferreira – Campinas, SP, um

hospital geral em Betim, MG e um serviço de atendimento domiciliar em Aids – Campinas,

SP, além de duas cidades que reorganizaram seu sistema de atenção básica (rede de centros de

saúde e equipes de Saúde da Família), Betim, MG e Paulínia, SP.

Ressaltamos, igualmente, a importância da constituição de equipes matriciais para

atuar na saúde do idoso, em ações de vigilância à saúde e ações comunitárias desenvolvidas

de forma intersetorial com a saúde – como em escolas, creches etc. Trabalho de grupo,

educação em saúde, caminhadas terapêuticas, ginástica para idosos são também exemplos de

atividades que podem ser desenvolvidas por distintos profissionais e ofertadas para a clientela

de todas as equipes de referência/ ESF. (CAMPOS, 1999, p. 396)

Equipes de referência específicas poderiam ser indicadas conforme as especificidades

de cada caso e, também, por sua vez, com as especificidades dos distintos profissionais de

certo serviço. (CAMPOS, 1999, p. 397) Porém, é necessária uma avaliação criteriosa – como

propôs Carvalho73 (2006 apud MACHADO, 2006, p. 9) – para que seja dado o veredicto

acerca da composição ideal de uma ESF, bem como da forma como será organizado interna e

externamente o processo de trabalho no âmbito da APS.

5.5 VISITA DOMICILIAR Uma das práticas de saúde executadas e vivenciadas no município mesmo antes do

PSF é a visita domiciliar (VD).

As visitas fazem parte do trabalho das equipes. A orientação é para que os ACS façam uma visita por mês por família, e quantas forem necessárias se houver alguma

73 Declaração de Gilson Carvalho concedida para o artigo de Kátia Machado na Revista RADIS: Comunicação em Saúde (Cf. MACHADO, 2006).

187

situação que assim exija. Médico e enfermeira devem conhecer sua população e gradualmente ir visitando as famílias, e sempre que haja necessidade de atenção a pacientes que não possam se deslocar. (Membro da GEAS C)

A visita domiciliar é o meio pelo qual o profissional da equipe pode conhecer o

contexto de vida do usuário, constatar in loco as reais condições de habitação e identificar as

relações familiares. A VD deve facilitar o planejamento da assistência por permitir o

reconhecimento pela ESF dos recursos que a família dispõe. (BELO HORIZONTE, 2006, p.

102) Um dos sujeitos da pesquisa reconhece que ainda se “faz pouca VD”:

... o paciente não teria que estar andando 40 minutos para estar olhando a pressão. Eu teria que estar indo até a casa do paciente para fazer isso. (...) A gente faz ainda muito pouco, uma vez por semana. (...) Vai um enfermeiro, um auxiliar e um médico, quando tem médico. (...) Vai um de cada categoria, vão até dois auxiliares, mas não é o ideal. O ideal não é uma vez por semana você fazer... uma vez por semana você faz um paciente e aí ele fica mais um mês sem ser visitado, dois ou três meses. (Auxiliar de enfermagem)

Quando as ações se estendem para dentro do domicílio, desvenda-se uma “nova”

realidade, de indivíduos com limitações de acesso aos serviços de saúde e com variáveis graus

de necessidades.

... acho que o fundamento do PSF é isso, é você ir mesmo, sabe, ter vontade e estar indo às casas dos pacientes, estar conhecendo realmente, ver como eles vivem, para ver se a gente consegue melhorar a questão da saúde. Não adianta a gente estar tratando aqui sem saber o que está acontecendo lá, se está resolvendo o problema dele, naquele momento ali, sem saber o que está lá para trás. (Enfermeira B)

O domicílio, com todas as suas relações – físicas e humanas – apresenta para os

serviços de saúde uma complexidade e uma dinâmica que vão além da capacidade de

intervenção do modelo assistencial curativo. Destarte, para atuar com competência e

apreender esse novo cenário, faz-se mister atuar na perspectiva multiprofissional,

transdiciplinar e intersetorial, com responsabilização da equipe pelo usuário. É preciso,

ainda, mudar o foco da cura para a intervenção cuidadora, para a abordagem de situações

onde a cura não existe, mas onde é possível a presença do cuidado constante. (BELO

HORIZONTE, 2006, p. 98)

A incorporação das VDs no cotidiano dos profissionais médicos, enfermeiros e

auxiliares de enfermagem das ESF nos traz uma importante reflexão. Como percebemos em

nosso estudo anterior (Cf. AGUIAR, 2005, p. 23), ao compararmos a VD exercida pelas

188

equipes do Programa Médico de Família (PMF) de Niterói à exercida pelas equipes do PSF

(formatadas conforme orientação do MS), um exame mais detalhado permitia identificar

diferenças na divisão técnica e social do trabalho nas equipes dos dois programas. No PSF, as

VDs são de responsabilidade principalmente dos ACS, que possuem formação elementar, e

dos auxiliares de enfermagem, enquanto no PMF74 tanto o profissional médico quanto o

auxiliar de enfermagem realizam a VD.

A esse respeito, Moreira (2001) ressaltou o risco de se ter “um trabalho de campo

centrado quase que exclusivamente nas observações e ações do Agente Comunitário de

Saúde”. O autor não desmerece o papel que os ACS cumprem, nem mesmo superdimensiona

o profissional médico ou enfermeiro, mas adverte que não se pode prescindir das observações

destes profissionais no cotidiano das famílias, o que considera ser, talvez, uma das mais

inovadoras proposições do PMF. (MOREIRA, 2001) Abaixo apresentamos resultados da

presente pesquisa a esse respeito:

... só o agente faz uma busca ativa. O agente vai buscar e traz para a equipe, noutras vai o agente comunitário com o auxiliar de enfermagem: curativo, olhar uma pressão e tal. Noutras, enfermeiro com auxiliar de enfermagem, quando é um curativo mais extenso para ser feito e tal. Noutras o médico vai sozinho, com o agente, mas sempre a gente procura ir com agente comunitário, que é aquela pessoa que tem vínculo dentro daquela casa, então a gente vai juntamente com ele. Então depende do caso que vai saber quem vai quem não vai, mas normalmente é um dia para o auxiliar, um dia para o enfermeiro, um dia para o médico que vai juntamente com o agente comunitário. (Enfermeira A) A gente olha esses pacientes [acamados e pessoas com dificuldade de locomoção] e tem uma periodicidade também de visita domiciliar, que vai intercalando médico, enfermeiro, auxiliar e o agente de saúde que é praticamente mensal. Mas entre médico, enfermeiro e auxiliar é mais intercalado, porque não dá para ir todo mundo todo mês, isso é inviável. (...) [Pacientes não acamados ou sem dificuldade de locomoção também recebem visita] Do ACS, médica não. (Médica)

As colocações acima e as anteriores nos fazem refletir sobre o fato de o PSF poder

estar investindo em um “modelo simplificado”. Conforme manifestamos em estudo anterior:

No nosso entendimento, a VD no PMF, ao ser realizada por profissionais com formação de nível técnico e superior, pode contribuir para uma percepção diferenciada dos problemas de saúde da população adscrita à equipe e para uma maior resolutividade. (AGUIAR, 2005, p. 23)

74 Relembrando, a composição da equipe mínima do PMF é de 1 médico e 1 auxiliar de enfermagem.

189

A mesma ponderação fazemos agora: é fundamental a incorporação desta prática por

todos os profissionais da ESF do BH Vida: Saúde Integral, pois

A VD, ao envolver aspectos diversos como observação das condições de saúde-doença da população, bem como estrutura do domicílio, número de moradores, condições de higiene, de saneamento, entre outros aspectos, amplia a clínica realizada pela equipe, produzindo vínculo entre profissionais e usuários e responsabilização dos profissionais pela saúde daquela população. (AGUIAR, 2005, p. 23-24)

Apesar disso, concordamos com a ressalva de Merhy, Malta & Santos (2004, p. 61) de

que o simples fato de realizar VDs não significa que o médico tenha abandonado sua prática

procedimento-centrada e nem mesmo que o trabalho dos outros profissionais deixe de ser

estruturado pelos atos e saberes médicos.

Apostamos na VD como instrumento que possibilita a melhoria da qualidade do

trabalho em saúde, especialmente quando utilizada também por outros profissionais, como

chega a ocorrer no município em questão:

A equipe de saúde mental que tem a nossa referência fica nesse bairro. Ela vem aqui, a gente faz visita domiciliar junto com a psicóloga, já fiz diversas visitas junto com a psicóloga em casa de pacientes que são atendidos lá e aqui com a gente. Então não é a equipe de saúde da família falando: “toma que o filho é seu”. É a equipe toda, junto, eu acho que isso que é importante. (Enfermeira A, grifo nosso) ... odontologia, que faz parte da equipe de saúde da família, então quando a gente necessita que a (...) equipe de saúde bucal vá até a casa por um problema específico, eles vão também. Eles fazem visita de domicílio de todos os acamados adscritos da nossa área de abrangência. (Gerente B) ... odontologia antes ela era isolada, você tem uma época assim que odontologia ela ia atender e pronto: acabou. Agora não, ela está na equipe participando, atuando nos grupos, atuando nas visitas. (Enfermeira A)

Novamente, a base cognitiva dos profissionais da ESB e da ESM, bem como de todo e

qualquer profissional, garantem-lhe uma especificidade, uma singularidade que por si só

justificam a sua importância na APS e na realização das diversas atividades e ações que ela

propõe, como é o caso das VDs.

E como é destacado acima, esses profissionais fazem parte da equipe e criam vínculos

com a população, o que é fundamental para o sua ação de saúde. E por assim fazerem,

permitem que a atenção à saúde no BH Vida: Saúde Integral se aproxime ainda mais da

produção de respostas de saúde satisfatórias.

190

5.6 O PROCESSO DE TRABALHO E AS RELAÇÕES DE REDE

A manutenção e a ampliação da rede de APS em Belo Horizonte apresentam ainda

como desafio a idéia de conjunto do Sistema de Saúde, com esforço para garantia da

integralidade e continuidade da assistência. Por mais resolutiva que a Saúde da Família possa

ser, não é suficiente para abranger todas as necessidades de saúde da população. (BELO

HORIZONTE, 2006) Isso impõe não só à equipe um processo de trabalho de

acompanhamento de todo o ciclo do paciente como também a necessidade de fortalecimento

da rede de saúde em todos os seus pontos.

Em outras palavras, é necessário garantir a articulação da rede de serviços, bem como

garantir o acesso aos demais níveis de atenção e aos serviços de apoio diagnóstico e

terapêutico, num modelo centrado no usuário e organizado pela APS. Contudo, não se pode

prescindir de uma melhor compreensão do significado das linhas do cuidado, por exemplo, e

da opção por elas como instrumento de gestão.

Anteriormente, ressaltamos as linhas do cuidado quanto à característica da

integralidade; agora, ousamos afirmar que as linhas do cuidado, como “linhas da vida”, são a

expressão do princípio da longitudinalidade e da coordenação75 na APS, haja vista buscam

garantir o caminhar do usuário – desde que orientado pelo projeto terapêutico – pelos

diferentes níveis de complexidade do sistema, garantindo o acesso seguro às tecnologias

necessárias à assistência.

A longitudinalidade preza pelo aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu

uso consistente ao longo do tempo, baseada em uma relação pessoal duradoura entre um

paciente e um profissional ou equipe de saúde. A coordenação das diversas ações e serviços

necessários para resolver necessidades menos freqüentes e mais complexas também se

“enquadra” na concepção das linhas do cuidado. Nossa afirmação é respaldada pelas falas a

seguir:

Se você tem uma equipe que acompanha essa população, que inclusive trabalha na relação com os outros níveis assistenciais, essas pessoas são encaminhadas ao cardiologista, ao endócrino, um dia eles vão à urgência... tem que ter um profissional ou uma equipe de profissionais que faça uma intermediação e a negociação: “que tratamento?” Porque cada um dos especialistas prescreve alguma coisa... Quem é que ajuda na mediação para definir: “esse medicamento aqui vale a pena! Esse aqui não!”? (Membro da GEAS C)

75 Os conceitos de longitudinalidade e de coordenação, bem como o conjunto dos princípios da APS, foram trabalhados no capítulo 2, subseção 2.2.1 – Características da Atenção Primária.

191

Cada equipe tem um livro de ocorrência, que é o livro de registro do que acontece na equipe. Então vamos supor, se o ACS detectou que a Dona Maria foi internada, mas ele não passou [pelo CS] porque no sábado ela foi para a urgência, ele põe no livro da equipe: “Dona Maria foi para a urgência no dia tal”. E a equipe, o objetivo é que a equipe faça contato com o local para saber como a Dona Maria está e porque que ela foi parar lá, qual a situação. Para a gente conhecer de fato o que está acontecendo naquela área, qual foi o movimento, porque se a gente deixar as coisas para o prontuário, só na hora em que você retira o prontuário que você toma conhecimento. (Gerente C)

Giovanella (2006, p. 959) aponta programas de gestão clínica adotados em alguns

países da União Européia na década de 1990 como situações em que a atenção primária

passou a colaborar sistematicamente com outros serviços, compartilhando um esquema de

atenção com base em diretrizes clínicas para doenças específicas, ampliando suas funções.

Com base em critérios e fluxos definidos e de acordo com a necessidade, o profissional

responsável pelo primeiro contato – no caso do seu estudo, o generalista – encaminha o

usuário para o especialista ou outro nível de atenção, “e recebe e retorna o paciente,

responsabilizando-se pela coordenação dos cuidados”.

As falas dos entrevistados e a consideração da autora acima nos leva a abordar o

debate sobre referência e contra-referência e a relação entre os profissionais e as unidades dos

diferentes níveis de atenção. O tema da referência e contra-referência apresenta duas

dimensões: uma se refere ao processo de trabalho, enquanto outra se relaciona mais com a

“macrorrelação” entre as unidades do sistema de saúde, com a “relação de rede”. Na

dimensão do trabalho, vemos que há o reconhecimento de que tanto o nível primário quanto

os demais níveis de atenção apresentam-se como obstáculos para melhoria desta relação:

... a relação entre a urgência e atenção primária é tensa. O da urgência está trabalhando demais, ele acha que o outro está empurrando serviço para ele. O da atenção primária acha que o outro é que não quer atender. O especialista a mesma coisa. Uma tendência à desqualificação dos trabalhos das equipes enorme... (Membro da GEAS C) ... referência e contra-referência ainda é um desafio. (...) Vejo os dois lados, tanto o que chega [à unidade de referência secundária], muito encaminhamento errôneo, sem explicação adequada, sem orientação e encaminhamento indevido que não precisava encaminhar, quanto o profissional da especialidade [que] não dá um retorno adequado para a unidade básica continuar aquele atendimento. Eu acho que falta integração, conhecimento da realidade um do outro, não é?, para configurar uma rede de ajuda mesmo. (Membro da GEAS B)

A integração entre os níveis é uma proposta que aparece como demanda dos

profissionais, cuja resposta já vem sendo elaborada pelo nível central:

192

... tem que ter mais comunicação mesmo, reunião, a gente estar trocando idéia, porque talvez eles não saibam realmente o que está acontecendo aqui, nem a gente sabe como que eles estão lá também, a gente está julgando, aí o médico lá não quis receber uma paciente, mas a gente não sabe como eles estão lá também, então ficar fazendo mais reunião para discutir junto com eles isso, como que está sendo isso para eles também. (Enfermeira B) ... falta um pouco é... uma reunião para cada qual, não é? (risos) conhecer o seu trabalho, então a gente vivenciar a urgência, a urgência vivenciar nosso dia a dia, sabe?... (Enfermeira A) ... deveria haver reuniões em que a gente pudesse discutir as nossas dificuldades e as dificuldades deles, porque, quando você encaminha alguém, é porque você esgotou a sua possibilidade de atendimento, não é? Mesmo que seja alguma coisa que podia ter sido resolvida dentro da unidade básica, talvez o meu potencial não fosse suficiente e eu estou pedindo ajuda, por isso que é importante a contra-referência, para você dar continuidade no acompanhamento. (...) Ninguém conhece, pelo que eu percebo, o que acontece na atenção básica. (...) E não é porque o colega lá não dá conta ou não quer, é porque às vezes está tão sobrecarregado também, entende? Então quem está lá não está dando conta... aí vira essa confusão. (Médica) ... a gente pretende abrir espaço para os nossos profissionais de atenção primária. Ainda não está pronto isso, mas atuar um pouco na unidade de urgência da referência dele para que ele compreenda o funcionamento, da mesma maneira que a gente quer levar os profissionais de urgência nas unidades básicas para essa rede se reconhecer. (Membro da GEAS C)

Estas iniciativas são bastante importantes, pois se calcam na relação entre os

profissionais e, portanto, na relação de rede para se alcançar a integralidade, espinha dorsal do

programa no município. Isto possivelmente contribuiria para a valorização da APS no sistema

de saúde, para a valorização dos profissionais da APS, para a melhor apreensão de que um

sistema de saúde organizado a partir da APS deposita nesta a responsabilidade de ser porta de

entrada do sistema e para a concretização de uma rede de serviços de saúde integrada.

Porém, quando a referência deixa de ser um problema, é na contra-referência que

reside o nó crítico desta relação:

Então o quê que acontece? Às vezes a gente manda um paciente, muitos profissionais do nível secundário não dão o retorno... alguns dão, mandam a contra-referência, e às vezes até o próprio lá encaminha para outro setor, mas muitos não. (Auxiliar de enfermagem) Deixam a desejar demais as contra-referências... nós fazemos referenciamento, não recebemos contra-referência, fica solto, sabe, a gente tem que ir buscar, tem que correr atrás. (Enfermeira A) ... uma dificuldade que a gente tem é a questão da contra-referência, então a gente encaminha o usuário para uma consulta de cardiologia e hoje ainda é pontual o seguimento de uma contra-referência para o profissional que atende, então a interrupção ainda é um pouco difícil nesse sentido. (Gerente A)

193

Quando é um profissional de um PAM (...) eles atendem os pacientes e fazem uma contra-referência por escrito. É uma rotina. Alguns profissionais fazem, outros não. Qual que é a nossa maior luta hoje, que a gerência tem na secretaria e que a gente tem na unidade? É que todos têm que vir com a contra-referência. Às vezes até vêm pacientes, às vezes não entrega, entendeu? Têm algumas intercorrências aí que a gente está tentando apontar. (Gerente C) ... eu mando com facilidade o paciente para eles, mas eu não tenho um feedback deles, infelizmente. É um nó seriíssimo que o Distrito Leste está tentando implantar com eles, de garantir a contra-referência para a gente. Então o usuário chega aqui: o que é lúcido, o que é capaz, fala para a gente o que o médico de lá falou, mas o que não é não traz nem papel, a gente fica com ele perdido aqui. (Gerente B)

Ao mesmo tempo, há uma dimensão que se relaciona mais com a relação entre as

unidades do sistema de saúde, a que chamamos relação de rede:

... de alguma maneira [o BH Vida: Saúde Integral] ainda vai forçando a modificação de prática na rede toda, porque pressiona muito para cima os outros níveis assistenciais. (Membro da GEAS C) ... os encaminhamentos para urgência têm sido um nó para a gente, infelizmente... toda Belo Horizonte é delimitada por área. O nosso Distrito Leste tem quatorze unidades básicas de saúde, uma unidade especializada, que é o PAM Sagrada Família, e uma unidade de urgência, que é o UPA Leste. Então, todos nós temos que referenciar essas unidades para os atendimentos, mais especificamente. Quando a gente não acha vaga, a gente fica tentando ligar para outros lugares para conseguir, mas não somos tão bem recebidos porque nós não pertencemos àquela regional. Quem é responsável por nós em urgência é o UPA Leste, então às vezes traz muita dificuldade, porque nós estamos com dificuldade de lotação de médicos nas urgências e isso tem trazido problemas mesmo. (Gerente B)

Como se observa, esta dimensão estrutural também se relaciona ao trabalho, no caso

ao baixo número de profissionais médicos lotados nas emergências, mostrando concomitância

entre ambas as dimensões.

Evidencia-se, mais uma vez, que a falta de pessoal é um dos grandes desafios a serem

enfrentados. Porém a prática e o modo de fazer saúde dos profissionais precisam ser revistos

para a consolidação do modelo assistencial em Belo Horizonte.

5.7 CONCEPÇÃO DE MODELO ASSISTENCIAL

Em relação à compreensão do modelo em Belo Horizonte, a Saúde da Família parece

permanecer operando dentro de um modelo “antigo” de atendimento. A concepção atual de

PSF parece distorcida, inviabilizando o trabalho mais ampliado e com enfoque não só em

194

ações terapêuticas, mas também de vigilância, estabelecendo-se vínculo e co-

responsabilização. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47)

Talvez esta não seja uma idéia unânime; há quem preconize ações de promoção da

saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde etc., diversificando as ações estritamente

terapêuticas:

Olha, nós temos o programa de grupos operativos, que é para o hipertenso, o diabético, os desnutridos, o de planejamento familiar... Nós temos passeios de convivência, passeio com os idosos ao zoológico, aos parques, nós temos o programa de caminhadas, que a [médica generalista] que reiniciou o programa, que é para o pessoal hipertenso, diabético. (...) A gente faz um programa de cuidadores dos idosos, que é responsabilizar as pessoas, mostrar como cuida do idoso, interar com o idoso daquela casa... Então são várias atividades para poder estar tentando trabalhar educação em saúde. (Gerente B) A gente realiza alguns passeios também, começamos a fazer ano passado alguns passeios e às vezes o médico vai, o enfermeiro também, às vezes só o auxiliar de enfermagem, vai depender daquela semana, entendeu? (Enfermeira A) ... temos o grupo de atenção a mulher, que trabalha a questão da inserção da mulher na comunidade (...). É um grupo de escuta das mulheres; temos o grupo de hipertensão; o grupo de diabetes... Como a gente tem muitas pessoas a gente faz por microáreas, porque é bom, porque as pessoas são vizinhas, elas acabam se unindo ali com um objetivo comum mesmo. Temos o grupo de doenças respiratórias agudas; vamos fazer agora uma chamada nutricional para a gente avaliar, pesar e medir as crianças, todas até 5 anos e classificá-los de acordo com o grau de nutrição leve, moderada, grave, para fazer uma abordagem diferenciada, e temos uma coleta para as mulheres que é feita toda quarta-feira, coleta de material crvico-uterino, uma enfermeira que faz uma abordagem e aí faz a coleta do material nas mulheres que estão na faixa etária acima de 40... são mulheres mais vulneráveis. (Gerente C)

A incorporação destas atividades no cotidiano dos serviços, bem como daquelas de

Vigilância à Saúde executadas principalmente pelos ACS, são definidoras do modelo

assistencial que se busca e que se tem. Para G. Campos (2005a), o modelo de atenção deve ter

como diretrizes o trabalho em equipe interdisciplinar, o vínculo e a atenção ao sujeito e à

família aliada à atenção à doença e risco, mas deve reorganizar e repensar as ações de saúde

coletiva para além da vigilância à saúde, para que não se desemboque em um conceito

“restrito, visão reduzida e positivista, tecnocrática”.

Apesar desta ressalva, reiteramos que a vigilância à saúde, enquanto conjunto de ações

que incluem o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, a

implantação de ações de vigilância nutricional dirigidas a grupos de risco, a vigilância à saúde

do trabalhador, considerando os ambientes de trabalho e os riscos ocupacionais, a vigilância

ambiental em áreas específicas de risco epidemiológico, não perde de vista a necessidade de

reorientação das ações de prevenção de riscos e de recuperação da saúde. (TEIXEIRA, 2002)

195

Ou seja, mesmo um modelo baseado na vigilância à saúde engloba saberes dos profissionais

das diversas áreas da saúde e de outras áreas além da saúde que atuam conjuntamente sobre os

determinantes e condicionantes do processo saúde-doença, de forma contínua e sistemática,

no sentido de modificar a realidade sanitária da população. (BELO HORIZONTE, 2006, p.

74)

Um modelo de atenção baseado na vigilância, se restrito a uma visão reduzida,

meramente técnica, sem incorporar os diferentes saberes e sem compreender as diferentes

dimensões e concepções do processo saúde-doença76, tende realmente a se tornar um modelo

tecnocrático e que não dá conta de responder às necessidades e demandas da população. No

entanto, este modelo se coloca como um modo de fazer em saúde que considera a promoção

da saúde, a prevenção aos riscos de adoecer e morrer, a reabilitação e a recuperação. Como

nos diz C. Campos (s.d.),

Como proposta no campo teórico metodológico a Vigilância da Saúde constitui-se um esforço para adequar a atuação do setor saúde sobre as várias dimensões do processo saúde doença, especialmente do ponto de vista da sua determinação social. A partir daí busca desenvolver novas propostas de operacionalização dos sistemas de saúde, de forma a se respeitar uma visão que se pretende mais totalizadora. (CAMPOS, C., s.d.)

Esta concepção aponta para a atuação sob o ponto de vista da integralidade que, por

suposto, não pode ser desvinculada da atuação em diferentes frentes, agregando os diferentes

saberes e campos de atuação e de conhecimento.

De fato, a reorganização para atenção à demanda dos usuários dificultou uma melhor

organização das ações programadas e de vigilância. Por isso, as equipes parecem se ressentir

de não “fazerem PSF”, por não “fazerem prevenção e promoção”, (BELO HORIZONTE,

2006, p. 17) como pudemos observar:

Para te ser sincera, eu não me sinto fazendo realmente o PSF, sabe, porque eu acho que o PSF não é o que eu estou fazendo como enfermeira, devido à demanda, às várias atividades que a gente tem numa unidade de saúde. A gente não está fazendo prevenção. Eu acho que o PSF é isso, a base dele seria isso: prevenção, promoção de saúde... E eu acho que a gente tenta, na medida do possível, estar corrigindo isso,

76 O debate sobre concepções de saúde e doença (Cf. SABROZA, s.d.) está intimamente ligado ao de modelos tecnoassistenciais, por nós travado no capítulo 2 (seção 2.1 – Sobre os modelos assistenciais em saúde) e aqui retomado para reconhecimento da percepção de modelo pelos sujeitos entrevistados. Para efeitos desta dissertação, vale a afirmação de que, dadas as diferentes concepções de saúde e doença e as diferentes dimensões que as determinam, nenhum saber profissional pode ser considerado dispensável ao se buscar a melhoria da qualidade de vida da população, devendo-se buscar organizar o trabalho em equipes tanto de profissionais de saúde quanto de forma intersetorial.

196

mas como a gente tem que apagar fogo o tempo todo então a gente acaba deixando um pouquinho a promoção de lado, por mais que a gente tente. É bem complicado fazer promoção do jeito que nós estamos, atendendo direto só agudo, agudo, agudo! (Enfermeira B) O PSF, para mim, é promoção da saúde, você tem que tirar o paciente do centro de saúde. Nós teríamos que ir até a ele, não é ele estar vindo até a gente, e a gente não tem tempo de promover a saúde. Quê que eu teria que estar indo? É ir pesar as crianças, tipo Pastoral de Criança mesmo, sabe? Você não ver cartão atrasado, estar orientando, alimentação... acho que tudo isso. O PSF funcionaria se ele estivesse fora do centro de saúde, então eu acho que deveria ter funcionários de equipe aqui dentro, e o PSF lá fora. (Auxiliar de enfermagem) Eu acho que Belo Horizonte tem caminhado bem por ser um município grande, tem investido bem, mas ainda existe um peso maior do atendimento imediato do paciente, você fica muito mais preso às ações curativas e de atendimento de demanda do que realmente fazer a promoção e prevenção. (Médica)

A APS não é restrita à promoção da saúde; este é apenas um conjunto de ações que a

APS, pelo PSF, pode e deve assumir em seu cotidiano, mas não o único, o que é reforçado

pela fala a seguir:

... existe um discurso de que Saúde da Família é promoção de saúde, nós não concordamos com isso. Saúde da Família é promoção, é prevenção, é assistência, não é? É reabilitação também. (...) As equipes, inclusive para terem reconhecimento, respeito e habilidade, elas têm que estar disponíveis para atender no caso de estar ruim, porque senão a população: “só posso ir lá quando eu estou bom?” Ela não vai... [a Saúde da Família] tem que ser o ponto de primeiro contato. Eu acho que também isso o Ministério propõe. (Membro da GEAS C)

A dicotomia entre ações curativas e ações de promoção e prevenção ainda precisa ser

mais bem ventilada no interior das equipes. Além disso, é necessário compreender que a

promoção da saúde extrapola os serviços de saúde, devendo ser ampliada para ações

intersetoriais, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47) contribuindo para a melhoria da qualidade

de vida da população.

... as outras políticas sociais são muito frágeis, mas não na saúde. A gente precisaria de políticas sociais fortes na área de assistência social, na área de esportes, especialmente essas duas, na área de cultura, porque a população está trazendo para o Sistema de Saúde toda a necessidade... (Membro da GEAS C) Qual que é o único equipamento da prefeitura que fica aberto 12 horas lá no Alto Vera Cruz? Qual? Só o centro de saúde. Então é ali que a população se dirige muitas vezes, mesmo que não seja para procurar saúde. (...) Eu acho que nós precisamos de um reforço nesse sentido, porque senão tudo isso que a gente construiu, [a saúde] vai ter que cumprir uma função para além do que ela se propõe, e nós temos que tomar cuidado para não ficar onipotente demais, não é? E da saúde ser responsável por absolutamente tudo... está certo olhar esgoto, eu acho que olhar esgoto é muito

197

importante, mas eu não posso virar uma COPASA77, entendeu, eu não posso botar o ACS fazendo, preocupando em abrir valão, em fazer um esgoto. Temos que ter uma complementação das demais políticas, que senão nossos princípios vão se esvair. (Membro da GEAS A)

As abordagens feitas por estes sujeitos integrantes do nível central são importantes,

devendo ser consideradas estas e outras questões acerca da intersetorialidade quando se deseja

reorientar o modelo de atenção à saúde. Adicionalmente, captamos a percepção dos sujeitos

sobre a relação entre o processo de trabalho em saúde e o modelo assistencial. A fala a seguir

ilustra como a lógica que impera sobre o serviço e a assistência à saúde, a todo e qualquer

tempo, determina e é determinada pelo processo de trabalho:

A gente trabalhava na lógica do território, na área de abrangência, mas a gente tinha profissionais, médicos, por exemplo, pediatra, clínico, ginecologista, serviço de enfermagem e serviços de zoonoses, atendendo de uma maneira geral, os profissionais atendendo numa lógica de produção, dentro de uma cota de consultas por dia, no caso de atendimento médico e atendendo muito mais à demanda espontânea, àquilo que chegava dentro da unidade. Com o PSF a gente ampliou isso, você sai da lógica da produção, do número, no caso do médico, de um número determinado de atendimentos para a responsabilização sobre uma determinada população, e aí na lógica da vigilância em saúde. Não só daquele que chega, e principalmente com a incorporação do ACS, mas daquele que está lá no domicílio que precisa ser tratado, ele tem um olhar da equipe. (Gerente A, grifo nosso) ... antes deixava muito a desejar isso, não que o serviço não funcionasse, funcionava mas era muito centrado acho que em consultas e o paciente aqui vinha buscar isso e aí se deixa a desejar porque não está fazendo uma cobertura, uma vigilância do que a aquela população realmente demanda. (Enfermeira A)

Fica explícito que a lógica de produção anteriormente reinante servia ao/ era servida

pela divisão do trabalho, ao passo que o modelo seguinte, voltado à promoção da saúde e

vigilância em saúde, sustenta/ é sustentado por uma organização do trabalho que visa integrar

os profissionais das diferentes categorias de modo que participem da “organização” e

“orientação” do seu próprio trabalho, ou melhor, do trabalho de sua (própria) equipe.

Por conseguinte, as tendências do modelo de atenção à saúde se relacionam ao

processo de trabalho, como se infere das falas abaixo.

... a nossa perspectiva é de a longo prazo ir aprimorando o trabalho na atenção básica, ir aproximando os níveis assistenciais... para isso é preciso muito suporte, muito cuidado e carinho com essas equipes, muita proximidade da gestão com elas e eu acredito que a longo prazo é um caminho muito interessante, muito acertado. (Membro da GEAS C)

77 COPASA: Companhia de Saneamento de Minas Gerais.

198

... nós temos muito que crescer em termos de construção de uma rede de serviço, de uma rede articulada em termos de desenvolvimento da garantia de que o usuário caminha na linha de cuidado, no estabelecimento dos processos terapêuticos... (Gerente A) ... a gente fica tentando fazer uma promoção e prevenção mas a gente se sente amarrado, entende, por causa dessa demanda. Eu acredito que à medida que você for melhorando essa questão de educação e saúde (...) aí sim você pode fazer uma atenção melhor na promoção e prevenção. (Médica) Eu vejo que cada dia vem melhorando, sabe, mas se a gente não parar um pouco e discutir, eu acho que vai ter uma sobrecarga e muita gente não vai dar conta. Que é uma coisa... é um modelo que está no papel que é maravilhoso mas no dia-a-dia eu acho que está desgastante um pouco, precisa parar e vamos ver o que a gente vai fazer, porque senão vai desgastar muita gente e muita gente não vai dar conta e vai sair do barco. (Enfermeira A) ... acho que o desafio maior (...) é a questão do processo de trabalho de acordo com a dinamicidade local, mas sem perder de vista os princípios e as diretrizes do SUS. Eu acho que é isso. Apostar em novos modos de fabricar os processos de saúde, não é?, a gente tem que apostar o tempo inteiro nisso, sempre com a visão de acesso universal, integralidade da atenção, sempre com essa visão, do acolhimento permanente. (Gerente C)

Em suma, não se modifica modelo assistencial sem mudança do processo de trabalho.

Por isso afirmamos o quanto são necessárias transformações, inversões, revoluções no

processo de trabalho em saúde, principalmente na APS, visto que é a porta de entrada

preferencial no sistema de saúde e o nível a que o usuário estará sempre ligado, vinculado,

independentemente do tipo de serviço ou recurso que esteja utilizando em um dado momento.

As tendências do modelo de atenção à saúde em Belo Horizonte estarão sempre

relacionadas ao processo de trabalho: se se deseja um modelo produtor de cuidado, de vínculo

entre o usuário e a equipe são necessárias atitudes em relação ao processo de trabalho que

viabilizem a conformação de tal modelo, como a persistência do acolhimento como

dispositivo para a mudança do processo de trabalho e da gestão como forma de governar tais

processos, além do trabalho em equipe multiprofissional como principal diretriz.

A posição de Escorel et al. (2007, p. 169-170) sintetiza este nosso entendimento: a

conversão do modelo de atenção básica à saúde se dá através da organização do trabalho em

equipe, com a substituição de práticas convencionais de assistência e com a incorporação de

novas práticas voltadas para a família e a comunidade, com objetivo de influenciar os

determinantes sociais do processo de saúde e doença.

Para nós, quando o PSF é implantado e consegue alterar o processo de trabalho

profundamente, consegue alterar a atitude dos profissionais, consegue mudar o núcleo

tecnológico do trabalho fazendo com que tecnologias leves hegemonizem o processo de

trabalho das equipes, com escuta qualificada, processos terapêuticos autonomizadores dos

199

usuários, transformando-os em sujeitos terapêuticos, isso é uma transição tecnológica e é aqui

que, de fato, ocorre a mudança do modelo assistencial.

5.8 MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Com base nos significados apontados por Malta et al. (1998, p. 122), em especial em

relação à preocupação com a melhoria da qualidade das ações de saúde a favor da vida, à

universalidade do acesso e à “humanização” das relações em serviço e sobre a lógica de poder

contida nesse processo, contribuindo para uma mudança na concepção de saúde como um

direito, podemos afirmar que o Acolhimento imprimiu à APS em Belo Horizonte a

Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos, conforme dissertamos no capítulo 2. A proposta

do Acolhimento significou a possibilidade de resgatar princípios e, no cotidiano dos serviços,

responder concretamente com a ampliação do acesso e humanização das relações. (MALTA,

et al., 1998, p. 136) Por esta dimensão, também aqui a APS serviu como instrumento de

organização social.

De certo modo, a gestão do próprio sistema de saúde, fortalecida a partir da gestão

semiplena assumida em 1994, pode ter contribuído para uma idealização própria do modelo

assistencial, com iniciativas, programas e estratégias próprias, como o Projeto Vida e o

Acolhimento, e com manutenção da autonomia do município frente à forte indução e

disseminação de políticas pelo MS/ governo federal, especialmente na década de 1990.

Entretanto, a intervenção de saúde através do BH Vida: Saúde Integral revelou um período de

transição do modelo assistencial, conduzindo a alterações no processo de funcionamento dos

CS, onde se vinculam as equipes de Saúde da Família, no processo de trabalho das diversas

categorias profissionais, com foco no trabalho em equipe e com referência na família.

Atualmente, verifica-se que os CS se reorganizaram para propiciar acolhimento da

população adscrita, porém ainda são encontradas dificuldades como a desorganização das

atividades de vigilância à saúde, a melhor definição e compreensão do processo de trabalho

dos profissionais da ESF e o incipiente preparo das equipes para lidarem com usuários com

problemas crônicos e necessidade de cuidado contínuo. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 9)

A inserção de profissionais na APS que não apenas os preconizados para a equipe

mínima como os das ESM e do NAR78 não deixam de ser relevantes no sentido de apontar

78 Não citamos aqui as ESB por já se tratarem de uma política definida centralmente pelo governo federal, ao passo que as iniciativas das ESM e dos NAR praticamente inexistem enquanto demandas de profissionais para o MS – pelo menos formalmente.

200

para as necessidades que a população apresenta, demandantes de saberes diversos e, portanto,

de uma equipe multiprofissional e ampla para que se tenha uma resposta de saúde satisfatória.

Isto deve ser compreendido num contexto em que a APS e a Medicina de Família são

consideradas a principal estratégia da saúde no século XXI. Analisando o sistema de saúde

cubano, Ordóñez Carceller (2005) argumenta que as mudanças são essenciais. Em Cuba, há

mudanças desde 1959 que se processam na maneira de organizar o trabalho em cada

momento. Elas ocorrem periodicamente na forma como realizam as atividades e na forma de

trabalho como equipe de saúde.

Assim, o PSF e as formas próprias de organização da APS que Belo Horizonte vem

construindo não devem ser entendidos como modelos assistenciais, mas como estratégias de

que determinados gestores podem lançar mão para a organização da assistência à saúde,

ressaltando-se no PSF as propostas para maior responsabilização/vinculação de clientela, com

ênfase nas ações domiciliares. (REIS et al., 1998, p. 383-384)

A fase atual de expansão da Estratégia de Saúde da Família ocorre envolta por uma

série de fatores que dificultam sua implementação nas áreas metropolitanas, como a falta de

financiamento, o despreparo e a qualificação insuficiente dos profissionais para atuar na

estratégia, o formato padrão/rígido para composição das equipes sem respeitar as

particularidades locais, a insuficiência de mecanismos de relação do PSF com outros serviços,

as precariedades das redes ambulatoriais e hospitalares, a dinâmica urbana complexa, a

violência urbana, o tráfico de drogas e armas e a dificuldade da interação de novos saberes e

de novas práticas para ações coletivas e sociais no âmbito do PSF. (GOMES; PINHEIRO,

2005, p. 288)

Segundo Escorel et al. (2007, p. 174), nos grandes municípios, a garantia da

integralidade permanece como nó crítico. Estudando municípios de grande porte (população

acima de 100.000 habitantes) de quatro regiões do país, as autoras observaram que a extensão

da cobertura de atenção primária ampliou a demanda por atenção secundária, porém o acesso

a esta permaneceu difícil. A referência, pouco estruturada, configurou-se como grande

dificuldade para garantia do atendimento nas especialidades médicas e exames de apoio

diagnóstico.

Há um desafio de superação permanente de contradições, principalmente quando na

área da saúde novos modelos são reclamados, colocados à prova ou substituídos, como no

cadenciamento que o SUS em Belo Horizonte promove ao lidar com equipes de Saúde da

Família, com lógicas e processos que se sustentam nos contornos da vinculação e

responsabilização frente a usuárias e usuários. No entanto, se for repetido o modelo

201

assistencial vigente apenas “maquiado”, esperando que, ao atender a família, realizar VD,

prestar assistência e promover ações de prevenção e promoção da saúde sem respeitar o

desejo/projeto de vida do paciente, sem colocá-lo para discutir isto e as práticas de serviço,

estar-se-á simplesmente mantendo as relações de poder e de dominação. (GOMES;

PINHEIRO, 2005, p. 296)

Por mais que o BH Vida: Saúde Integral se encontre em fase de consolidação, não é

precoce avaliar seu andar até os dias de hoje quanto às abordagens da APS. Ao que tudo

indica, continua prevalecendo a Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos do ponto de

vista da filosofia que permeia os setores social e de saúde, enfatizando a compreensão da

saúde como direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos da

saúde. Porém, caso sejam mantidas práticas que não garantem a inserção de novos sujeitos e

novos modos de fazer saúde no âmbito da APS, bem como sejam mantidas práticas médico-

hegemônicas que apenas reconhecem a APS como um nível de atenção, capaz de dispensar

apenas cuidados primários em saúde, a concepção deste campo de atenção em Belo Horizonte

não será outra senão a da “APS abrangente” de Alma-Ata, ou seja, a de uma estratégia apenas

para organizar os sistemas de atenção em saúde e para a sociedade promover saúde. A

diferença desta em relação à abordagem de Direitos Humanos encontra-se mais nas

implicações sociais e políticas do que sobre os princípios propriamente ditos. (OPAS/OMS,

2005)

Por fim, acreditamos que há muitos obstáculos a serem superados para a concretização

de um SUS universal, eqüitativo e provedor de atenção integral à saúde de toda a população,

porém que não inviabilizam as possibilidades da Estratégia de Saúde da Família de provocar

transformações significativas na reorganização das práticas, a partir da mudança do objeto de

atuação para a família e o resgate das ações de prevenção e promoção, além da busca de

satisfação do usuário. Para Gomes & Pinheiro (2005, p. 297) isto implica reconhecer a

relevância desse tipo de estratégia na construção do direito à saúde como uma questão de

cidadania.

Reforça-se, assim, a nossa interpretação de que a APS em Belo Horizonte, por meio

do BH Vida: Saúde Integral, se assim tem se mantido, potencialmente se identificará à

Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos, o que permite ao programa a viabilidade de

inversão do modelo médico-hegemônico a partir da APS, estruturante do sistema de saúde.

CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação sobre o processo de trabalho em saúde no âmbito da Atenção Primária

e o trabalho em equipe como forma de organizá-lo nos possibilitou inúmeras reflexões a partir

da compreensão da adoção do PSF como forma de se efetivar e concretizar os princípios e

diretrizes do SUS.

Considerando os movimentos de reformulação do modelo de atenção primária no país,

reconhecemos a necessidade de rediscutir o papel dos profissionais que atuam neste campo,

em especial a forma como se organizam para dar uma resposta às demandas de saúde da

população. Esta forma influencia e é influenciada pelo modelo assistencial almejado, seja no

âmbito do nível central e da formulação das políticas ou no da atenção e das práticas de saúde.

Partimos do pressuposto de que o processo de trabalho em saúde e na APS é

especificidade da equipe, devendo ser tomado como política; assim, buscamos conhecer a

forma de organização do trabalho na APS em Belo Horizonte, MG, particularmente a partir da

implementação do Programa BH Vida: Saúde Integral.

Procuramos contribuir para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais a

partir da reorganização da APS ocorrida recentemente no país, com expansão da Estratégia de

Saúde da Família, abordando aspectos do processo de trabalho em saúde, trazendo a questão

da multi e interdisciplinaridade como demanda para a APS e enfocando o debate na

centralidade do trabalho para a sociedade, particularmente a centralidade do trabalho em

equipe para a APS.

Nossa investigação trouxe como principais resultados a percepção de sujeitos que

fazem parte da gestão do sistema de saúde e/ou da atenção à saúde no nível da APS em Belo

Horizonte sobre os seguintes aspectos:

Organização da APS existente antes e após a implementação do BH Vida: Saúde Integral

Os entrevistados demonstraram ter conhecimento a respeito da organização da APS

antes do BH Vida: Saúde Integral, destacando pontos positivos que até hoje continuam sendo

preconizados no modelo de atenção primária no município, como o acolhimento, o cuidado

integral e a concepção de território para a ação em saúde. Além disso, apresentaram fatores

que influenciaram a “demora” da implementação do PSF em Belo Horizonte em relação a

outros municípios. O principal foi a resistência dos próprios profissionais que atuavam na

203

época da implementação tanto no nível central como na atenção, o que já havíamos

identificado na literatura.

O fato de Belo Horizonte ter estruturado anteriormente modelos para a APS – como o

Acolhimento e o Projeto Vida – empoderava os técnicos e gestores no município para que

resistissem à mudança do modelo de atenção. A forma indutora e centralizadora como o

Ministério da Saúde procedeu à época da criação do PSF, como discutimos, também torna

plenamente compreensível que muitos sanitaristas e estudiosos se opusessem a um modelo

que se assemelhava a uma “cesta básica de serviços de saúde para os pobres”.

Contudo, a Saúde da Família vem logrando êxitos, sendo reconhecida sua relevância

para a concretização do SUS em Belo Horizonte. A integração do PSF à rede de serviços de

saúde do município é um dos principais méritos do programa, o que o diferencia de outras

experiências encontradas no país. Porém, como em todo processo, há obstáculos a serem

vencidos, como a falta de trabalhadores, de estrutura e de compreensão por parte de

trabalhadores e usuários do significado da APS e da mudança na forma de ofertar e produzir

saúde.

Reorientação do modelo assistencial em saúde: Integralidade e Universalidade

Uma das características mais fortes evidenciadas após o BH Vida: Saúde Integral é a

reorientação do modelo para a garantia da integralidade da atenção. Embora o cuidado

integral se constituísse previamente como uma preocupação – e uma atitude –, a adoção das

linhas do cuidado permitiu a concretização da intervenção de ponta a ponta, bem como o

acompanhamento do usuário na rede de serviços, mapeando-se os recursos disponíveis, fluxos

e mecanismos de regulação. As linhas de cuidado ainda precisam ser mais difundidas no

cotidiano dos serviços de saúde e práticas dos profissionais, especialmente para que estes se

baseiem nelas para sua “operação” em campo e para que não se reproduza a fragmentação do

cuidado e alienação do trabalho em saúde.

Preocupamo-nos com a fragmentação do trabalho em várias linhas e com a primazia

de linhas por agravos em detrimento das linhas por fases da vida. Reconhecemos que há

pessoas e coletividades que apresentam especiais necessidades de acompanhamento contínuo

para determinados agravos, porém acreditamos que há risco de apenas estes portadores de

agravos “crônicos” terem acesso a uma atenção integral, o que a faria regulada e acessível a

poucos. Deve-se vislumbrar o desenho de políticas de saúde como linhas de cuidado,

integrando ações de promoção, prevenção, cura, controle e reabilitação de acordo com as

particularidades de grupos ou necessidades individuais. (BRASIL, 2006a)

204

Outra característica evidenciada em nosso estudo foi a universalidade do acesso.

Surgiu um debate em relação à “dicotomia” universalização vs territorialização, porém ficou

claro que tanto a população adscrita a uma unidade básica de saúde quanto aquela não adscrita

ou pertencente a outro território têm seu acesso garantido, isto é, não há negativa de cobertura

para nenhum indivíduo.

De outro lado, alguns depoimentos associaram a universalidade ao elevado consumo

em saúde. A “facilidade” de acessar equipamentos, insumos e serviços com a “premissa” da

universalidade tem provocado uma grande procura por inovações tecnológicas por parte de

profissionais e usuários. Este comportamento tem sua razão de ser quando percebido sob a

ótica do capitalismo, pela qual o consumo desenfreado e injustificado garante a reprodução

deste sistema.

Esta polêmica nos levou a refletir sobre o papel dos gerentes de UBS, haja vista uma

das defesas do “consumismo” tenha sido de uma gerente entrevistada. Compreendemos que a

gerência no âmbito da Estratégia de Saúde da Família não deve se dar em função do controle

e dos procedimentos. Vemos a APS como lugar em que se realiza um conjunto de ações de

saúde destinadas à promoção, proteção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e

manutenção da saúde, não podendo ela comportar maquinários e procedimentos

tecnologicamente mais densos. Pois, se assim for, mantém-se uma lógica procedimento-

centrada, dura tecnologicamente, resistente à inversão do modelo hegemônico e à reorientação

do processo de trabalho em saúde.

Organização do trabalho: um olhar “macropolítico”

Outro desafio a ser enfrentado pelo sistema de saúde em Belo Horizonte é a

estabilização de equipes de Saúde da Família, principalmente em relação ao profissional

médico. O município permanece com ESF incompletas, mas os entrevistados elencam

diferentes fatores para tal condição. O primeiro deles se refere justamente à alta rotatividade

das equipes. Em segundo lugar, a localização e classificação de riscos também dificultam a

fixação dos profissionais nas ESF. Porém, surge um terceiro elemento, que relaciona a

dificuldade de estabilização das ESF ao processo de trabalho no interior das unidades. São

destacadas iniciativas como o Colegiado Gestor para o fortalecimento da ação do gerente,

além da programação de momentos de diálogos com as equipes para orientar o planejamento,

a organização e a avaliação.

205

Às iniciativas de educação permanente das ESF e a realização de concursos públicos

também é dada importância para o aprimoramento da prática profissional e para tornar viável

a estabilização das equipes, levando à melhoria da qualidade da atenção.

Organização do trabalho: um olhar “micropolítico”

A Saúde da Família ampliou o acesso da população aos serviços de saúde. Este

movimento foi associado ao aumento do número de profissionais após a implementação das

ESF e ao dispositivo do Acolhimento, que garante a entrada da demanda espontânea dos

usuários nas unidades ultrapassando a lógica “programática” existente até então. (BELO

HORIZONTE, 2006)

Embora o Acolhimento venha sendo organizado de diferentes maneiras nas unidades,

ora como única e rígida porta de entrada, ora como processo de escuta qualificada e de

resolutividade, ele se tornou instrumento criador de vínculos. Assim, corroborou para que o

acompanhamento a novas demandas passasse a ser incorporado como atividade para os

centros de saúde. As equipes se depararam com o desafio de trabalhar o território e o

domicílio e, ao mesmo tempo, de dar uma resposta eficaz à demanda não programada que

recorre à unidade de saúde, incluindo a população não vinculada às equipes. Isso levou a um

aumento expressivo da demanda e a situações de sobrecarga, cansaço, insatisfação e

sofrimento. Estas características estiveram presentes em quase todos os depoimentos,

principalmente dos profissionais da assistência.

A mudança do modelo assistencial pode afetar os processos de trabalho mesmo sem a

reorientação destes. O sistema de saúde em Belo Horizonte pauta-se em diversos princípios,

porém sua viabilização parece vir sendo feita sem condições estruturadas para garantir que o

“produto” final do trabalho seja a saúde dos indivíduos e coletivos. Faltam trabalhadores e

exigem-se atividades diversificadas – VDs, promoção, vigilância etc. –, gerando sobrecarga.

Contudo, prevalece a ampliação do acesso como um dos pontos mais fortes do programa e

como característica do modelo de atenção à saúde.

Outro fator debatido foi o modo de organizar os processos de trabalho. A pouca

clareza das atribuições dos profissionais agrava a já existente dificuldade de se trabalhar em

equipe. Para contornar tal problema, os centros de saúde vêm realizando reuniões entre os

profissionais do CS e entre aqueles das ESF para organização dos fluxos da unidade e das

equipes, bem como para divisão e delegação de tarefas. Entretanto, pareceu predominar uma

forma agrupada de abordagem da equipe, em lugar de uma forma integrada. Isto é importante

de se considerar, particularmente quando se pensa a atuação dos profissionais de apoio.

206

O desejável é que a equipe multiprofissional opere de maneira articulada, integrando-

se às demais equipes e a outros trabalhadores dos CS, configurando-se como colegiados

ampliados, pautando o processo de trabalho e a condução dos serviços.

“Orientações” para o processo de trabalho na APS

Foi evidenciada a persistência do modelo biomédico na prática dos profissionais de

saúde, o que motivou alguns sujeitos da pesquisa a buscarem a reorientação do processo de

trabalho no seu dia-a-dia.

Há o predomínio da Clínica como corpo de conhecimentos para a ação em saúde;

porém, o ACS apresenta como saber o conhecimento do território, a relação de vizinhança e

os laços que constrói com a população. Esse é o grande diferencial no seu processo de

trabalho, pois o permite atuar na interação social serviço-comunidade. Desse modo,

resgatamos o debate da clínica ampliada, pelo qual o profissional de saúde, além de saber

fazer, precisa construir uma relação com o usuário que resulte em responsabilidade, liberdade

e compromisso.

Neste contexto, o projeto terapêutico interdisciplinar é compreendido como uma

oportunidade para o aprimoramento do trabalho em equipe, que deve incluir outros

profissionais da saúde.

O trabalho em equipe e sua composição na APS

A multiprofissionalidade e a interdisciplinaridade foram reconhecidas pelos sujeitos da

pesquisa como possibilidades para a aproximação de conhecimentos na construção de projetos

terapêuticos, para a troca de informações e para a busca de objetivos comuns dentro da

equipe. Estes atributos são imprescindíveis e a compreensão de como os sujeitos os percebem

foi importante para abordarmos a temática da composição da equipe da APS.

Em geral, aqueles sujeitos que fazem parte do nível central incorporam o discurso de

que a equipe da APS, especificamente a ESF, deve ser mínima, composta apenas pelos

profissionais que atualmente a constituem. Já os profissionais da ESF reivindicaram a

ampliação da ESF, apesar de ora defenderem a ampliação da equipe mínima, ora solicitarem a

presença de outros profissionais numa equipe de suporte, de apoio.

Um dos depoimentos se referiu a uma “solução” para a contra-referência ao

reconhecer que a incorporação de outros profissionais à APS garante o retorno do usuário

para a ESF após um atendimento, garantindo a abordagem multiprofissional e interdisciplinar

da atenção. A utilização de um serviço matricial por um usuário não faz com que ele deixe de

207

ser paciente da ESF, pois, em vez de encaminhamentos, há projetos terapêuticos executados

pela ESF e por um amplo conjunto de trabalhadores. De qualquer forma, a responsabilidade

principal pelo cuidado permanece sendo da ESF.

Belo Horizonte apresenta propostas de equipes matriciais e multiprofissionais que,

mais uma vez, diferenciam seu modelo de atenção do de experiências de outros municípios.

As equipes de Saúde Bucal e de Saúde Mental são exemplos, porém destacamos a formação

dos Núcleos de Apoio em Reabilitação (NAR). Encontramos pouca bibliografia que abordava

o assunto – discutido apenas em documentos da SMSA. Contudo, face às entrevistas,

concluímos que os NAR representam uma importante experiência de como são essenciais os

profissionais de saúde que não compõem a ESF.

Contrapusemos os NAR e os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família (Cf.

BRASIL, 2005c), considerando-os lugar para incorporação de profissionais estratégicos de

modo a aumentar a eficácia da APS. Os profissionais contemplados nos núcleos dariam apoio

e suporte às ESF, complementando a atuação destas com apoio matricial.

O debate que travamos não é corporativo, haja vista que este empobrece a equipe ao se

querer a presença de todos os profissionais de saúde nela e, ao fazê-lo, acaba-se tomando

como argumento a fragmentação do trabalho. Todavia, é fundamental a inserção destes

profissionais na APS como um todo para desenvolvimento e aprimoramento dos aspectos de

promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e vigilância à saúde e para melhoria contínua

da qualidade.

Em relação à porta de entrada, compreendemos esta como uma característica da APS

enquanto nível de atenção e não um atributo profissional ou individual. Foi apontado que

profissionais que não compõem a ESF não são para o primeiro contato. Ora, a instituição do

Acolhimento na UBS já cumpre essa função; não defendemos que os usuários recorram, no

CS, diretamente a profissionais que não fazem parte da ESF, como não defendemos que

busquem, em um primeiro momento, os profissionais médicos. Pensamos que o Acolhimento

deve ser capaz de não só encaminhar os usuários para consultas e grupos operativos ou outras

atividades no âmbito do CS, como já se faz, mas também encaminhar para as ações destes

profissionais não pertencentes à ESF, que devem ser ofertadas à população.

As equipes matriciais e de supervisão aparecem no estudo como modelagens a serem

consideradas para a organização do trabalho em equipe e para aprimorar o suporte às equipes

e suas demandas de referenciamento de pacientes. No apoio matricial, a retaguarda de

especialistas em algumas áreas específicas e prioritárias é articulada estabelecendo-se como

208

referência para as ESF e caminhando no sentido da elaboração conjunta dos projetos

terapêuticos.

A vinculação “formalizada” dos usuários deve continuar sendo feita com a ESF de sua

referência. Já a criação de vínculo, como atributo do processo de trabalho em saúde, deve ser

preconizada para todos os profissionais, incluindo-se os das equipes matriciais, como os

profissionais de apoio, o NAR, a ESM e a ESB.

Visita domiciliar

A VD é uma das práticas extra-muros de saúde coletiva realizada pelas ESF, em

especial pelos ACS, mas deve ser estruturada e realizada sob a perspectiva multiprofissional e

interdisciplinar. Consideramos a importância da incorporação desta prática por profissionais

médicos e enfermeiros para superação da divisão social e técnica do trabalho, além de

possibilitar as observações destes profissionais como qualificadoras do trabalho da equipe.

Entretanto, a incorporação de médicos e enfermeiros não pode significar que a VD seja

instrumento para um modelo procedimento-centrado.

Apostamos que a VD possibilita a melhoria da qualidade do trabalho em saúde,

principalmente quando utilizada também por outros profissionais, como chega a ocorrer no

município através da atuação das ESB e das ESM: esses profissionais fazem parte da equipe e

criam vínculos com a população, o que é fundamental para sua ação de saúde.

Processo de trabalho e relações de rede

A idéia de conjunto do sistema de saúde em Belo Horizonte também se constitui um

desafio. É necessário garantir a articulação da rede de serviços e o acesso aos demais níveis de

atenção e aos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, sem prescindir de uma melhor

compreensão do significado das linhas do cuidado e da opção por elas como instrumento de

gestão.

Como “linhas da vida”, as linhas do cuidado se configuram como expressão dos

princípios da longitudinalidade e da coordenação na APS, haja vista buscam garantir o

caminhar do usuário pelos diferentes níveis de atenção do sistema, garantindo o acesso seguro

às tecnologias necessárias à assistência. Neste contexto, abordamos o tema da referência e

contra-referência sob dois focos: o processo de trabalho e a “macrorrelação” entre as unidades

do sistema de saúde ou “relação de rede”. Tanto o nível primário quanto os demais níveis de

atenção se apresentaram como entraves à melhoria desta relação, segundo os entrevistados.

Profissionais da atenção reivindicaram a integração entre os níveis, ao mesmo tempo em que

209

membros do nível central apontaram para atividades conjuntas como uma alternativa para

resolução deste problema.

Modelo assistencial e a relação com o processo de trabalho em saúde

Embora a Saúde da Família pareça permanecer atuando dentro de um modelo “antigo”

de atendimento, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47) observamos que vêm sendo preconizadas

ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e vigilância à saúde, diversificando as

ações estritamente terapêuticas. Entretanto, a reorganização para atenção à demanda dos

usuários dificultou uma melhor organização de ações programadas e de vigilância. Por isso, as

equipes parecem se ressentir de não “fazerem PSF”, por não “fazerem prevenção e

promoção”, como se manifestou nas entrevistas.

A APS não é restrita à promoção da saúde, sendo este apenas um conjunto de ações

que a APS, pelo PSF, pode e deve assumir em seu cotidiano, mas não o único. A dicotomia

entre ações curativas e ações de promoção e prevenção ainda precisa ser mais bem ventilada

no interior das equipes. Ademais, é necessário compreender que a promoção da saúde vai

além dos serviços de saúde, devendo ser ampliada para ações intersetoriais.

Captamos também a percepção dos sujeitos sobre a relação entre o processo de

trabalho em saúde e o modelo assistencial e concluímos que um é determinante e é

determinado pelo outro. Os rumos que tomam os modelos de atenção estão sujeitos a

processos de trabalho que os sirvam, portanto os orientam conforme o objeto almejado. De

outro lado, o modo de organização dos processos de trabalho produz uma dada forma de fazer

saúde que caracteriza um modo de produção de saúde.

Em Belo Horizonte, se há o desejo de um modelo produtor de cuidado e de vínculo

entre o usuário e a equipe, são necessárias a persistência do Acolhimento como dispositivo

para a mudança do processo de trabalho e, principalmente, a ampliação e consolidação do

trabalho em equipe multiprofissional.

Outros achados e considerações finais

Identificamos que o Acolhimento imprimiu à APS em Belo Horizonte a Abordagem

de Saúde e de Direitos Humanos, pois significou a possibilidade de resgatar princípios e, no

cotidiano dos serviços, responder concretamente com a ampliação do acesso e humanização

das relações, servindo como instrumento de organização social.

A gestão semiplena assumida em 1994 pode ter contribuído para uma idealização

própria do modelo assistencial, com iniciativas, programas e estratégias próprias e com

210

manutenção da autonomia do município frente à forte indução e disseminação de políticas

pelo MS/ governo federal, especialmente na década de 1990. No entanto, a intervenção de

saúde através do BH Vida: Saúde Integral revelou um período de transição do modelo

assistencial, levando a alterações no funcionamento dos CS e no processo de trabalho dos

diversos profissionais, enfocando o trabalho em equipe e com referência na família.

Outra consideração a ser feita é a de que a inserção de profissionais na APS que não

apenas os preconizados para a equipe mínima mostrou-se relevante para a atenção

multiprofissional ao conjunto de necessidades que a população apresenta.

Apesar de o BH Vida: Saúde Integral se encontrar em fase de consolidação, avaliamos

que continua prevalecendo a Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos enquanto filosofia

que permeia os setores social e de saúde, enfatizando a necessidade de abordar os

determinantes sociais e políticos da saúde.

O presente trabalho não tem a intenção de ser prescritivo, mas de fornecer subsídios

para o debate que vem sendo feito desde a formulação e implantação do PSF no Brasil às

custas de muito incentivo financeiro e de muita indução do que é um modelo ideal para a

Atenção Primária à Saúde. Não pretendemos formular política para a APS, em especial no

que tange à organização do trabalho em saúde neste nível de atenção, mas destacar questões

que devem ser consideradas, em especial num contexto em que a APS vem sendo cada vez

mais compreendida e valorizada como estruturante do modelo assistencial à saúde. Conforme

manifestamos, em tempos de expansão e consolidação da Saúde da Família em grandes

centros, o reconhecimento de experiências que vêm alcançando êxito em regiões

metropolitanas é essencial.

Acreditamos que o BH Vida: Saúde Integral apresenta inúmeros limites e

contradições, porém reconhecemos nele uma tentativa – bem sucedida – de ampliação do

acesso para a atenção integral à saúde. Isto significa que o modelo da capital mineira traz

elementos que devem ser considerados ao se buscar a difusão da Estratégia de Saúde da

Família pelo país.

Contudo, é importante considerar que a mudança é sempre necessária, seja para a

inversão de um dado modo de agir, de processar o trabalho ou de organizar o trabalho.

Ordóñez Carceller (2005) analisando o sistema de saúde cubano, argumentou que as

mudanças são essenciais, por isso lá ocorrem desde 1959, quando foi implementado o modelo

de medicina de família. As mudanças a que se refere estão relacionadas ao modo de organizar

o trabalho em cada momento, na forma como realizam as atividades e na organização do

trabalho em equipe.

211

Nesse sentido, os debates acerca da incorporação de novos profissionais para atuarem

na APS devem ser feitos recusando-se a defesa corporativista, mas lutando pela melhoria da

qualidade da atenção prestada aos usuários, pela garantia de prestação de cuidado em uma

linha que permita ao usuário caminhar na rede de serviços de saúde e, principalmente, andar

na vida, respaldado por um projeto terapêutico interdisciplinar, de modo que a integralidade

da atenção, como fruto do trabalho, lhe seja garantida. A lógica da APS deve ser um dos

princípios e diretrizes para a escolha e conformação do modelo assistencial, e não o inverso,

quando se opta primeiramente por determinados profissionais e formas de organização do

trabalho e, depois, busca-se as características e orientações que lhe sirva de justificativa.

Para superação das dificuldades que a conformação do trabalho em equipe enfrenta,

precisamos de mudanças em alguns eixos, entre eles: conhecer o trabalho do outro,

reconhecer a dinamicidade das equipes e pensar além das fronteiras, não estando amarrados

ao que “sabemos”, ao “nosso domínio”, ao que “nos dá poder”, bem como pensar a equipe

como ferramenta para a integralidade. Multiprofissionalidade e interdisciplinaridade são os

desafios para que tenhamos modelos assistenciais realmente pautados nas necessidades dos

usuários.

Este é um objetivo audacioso e difícil de ser solucionado, pois implica na abertura e

articulação de campos disciplinares e de campos de responsabilidade muito distintos entre si.

(CAMPOS, 1999, p. 399) Além disso, as relações de poder estabelecidas nas divisões de

classe também se reproduzem na divisão social e técnica do trabalho, bem como as relações

políticas e ideológicas, (MATUMOTO, 2005, p. 21) devendo ser suplantadas. Como adverte

Paim (1999a), no âmbito do SUS, o modelo médico privatista poderá ser mantido à medida

que se institucionalizem práticas e políticas sociais reprodutoras de interesses econômicos e

políticos de grupos profissionais, empresas, corporações e elites políticas, distantes das

necessidades e dos interesses de grande parcela da população.

Estamos, enfim, diante de uma situação em que, mais do nunca, se faz necessário

resistir e lutar pela transformação da sociedade, de modo a superar os entraves que

caracterizam a atual ordem social, caminhando em direção a uma forma social em que os

indivíduos e coletividades se organizem na busca pela superação da atual divisão e

desumanização do homem e divisão do trabalho. Sem dúvida, isto produzirá a inversão do

modo de produção da saúde.

Por fim, talvez não tenhamos finalizado as questões nem refletido por completo sobre

todas as inquietações que nos motivaram a iniciar esta investigação. Apesar dos percalços,

especialmente no que tange a dificuldade de acessar profissionais de saúde para participarem

212

como sujeitos desta pesquisa, encerramo-la com a sensação de “dever cumprido”, de termos

respondido pelo menos à grande parte daquelas pistas que haviam ficado por serem

investigadas.

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APÊNDICES

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Apêndice 1 – Roteiros de entrevista

ROTEIRO DE ENTREVISTA – I

Membro da Secretaria Municipal de Saúde (SMAS) – Gestão da Assistência 1. IDENTIFICAÇÃO b) Nome completo: c) Idade: d) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano e) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? f) Quando começou a atuar na SMAS? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) g) Que atividade você exercia anteriormente à SMAS? h) Qual a sua função atual na SMAS? E no sistema de saúde de BH? 2. MUNICÍPIO a) População do município: b) População da Região Metropolitana de BH: c) População coberta pelo PSF – BH: RMBH: d) Quantas equipes estão implantadas atualmente? e) Como é feito o recrutamento e seleção de profissionais para o PSF? 3. Como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 4. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS (Estratégia de Saúde da Família)? Compare-os. 5. Existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 6. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 7. Como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 8. Como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 9. Como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 10. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 11. Como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto em termos de estrutura como de organização do trabalho e processo de trabalho) 12. Qual o papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? Como se dá a relação entre a APS e os demais níveis de atenção? 13. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 14. Qual é a composição da equipe (mínima) da APS? (E do PSF?) 15. A equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa?

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16. Houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 17. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito? 18. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 19. Há outros profissionais (de outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 23] 20. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 21. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 22. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre estes e os profissionais de apoio? (Se houver: Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 19) [E entre eles e as áreas técnicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 23. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 24. Quando foram instituídas as linhas de cuidado? O que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 25. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 26. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para

além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de

ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde

Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 27. Sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH? 28. Existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E ao sistema público de saúde como um todo? 29. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo? 30. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 31. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 32. Por fim, qual a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?

231

ROTEIRO DE ENTREVISTA – II

Coordenador de Área Técnica 1. IDENTIFICAÇÃO a) Nome completo: b) Idade: c) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano d) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? e) Quando começou a atuar na “SMAS”? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) f) Que atividade você exercia anteriormente à “SMAS”? g) Qual a sua função atual na “SMAS”? E no sistema de saúde de BH? 2. Você tem conhecimento de como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 3. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS? Compare-os. 4. Você tem conhecimento se existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 5. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 6. (Você tem conhecimento de) como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 7. (Você tem conhecimento de) como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 8. (Você tem conhecimento de) como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 9. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 10. Você tem conhecimento de como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto estrutura quanto organização do trabalho e processo de trabalho) Se sim, como ocorre? 11. Você tem conhecimento do papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? Se sim, como ocorre? 12. Como você acha que deveria ser a relação das unidades de saúde entre si destacando a relação das UBS/ unidades de PSF com as demais unidades da rede? 13. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 14. Você tem conhecimento se a equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa? 15. Você tem conhecimento se houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 16. Você, particularmente, teve/tem tido formação específica para o PSF? Se sim, como foi? Onde? Quando? 17. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito?

232

18. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 19. Há outros profissionais (de outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 23] 20. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 21. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 22. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre estes e os profissionais de apoio? (Se houver: Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 19) [E entre eles e as áreas ténicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 23. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 24. Existem atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde nas UBS? Quais? Quem as pratica? A quem são direcionadas (indivíduos, grupos)? 25. Você sabe se os usuários seguem um fluxo dentro da unidade para terem sua(s) necessidade(s) de saúde atendida(s) [sem interrupção]? 26. Quando foram instituídas as linhas de cuidado? O que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 27. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 28. Como se dá a relação entre a gerência da UBS e as coordenações das áreas técnicas? O que pensa a respeito? 29. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para

além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de

ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde

Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 30. Você tem conhecimento se sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH? 31. Você tem conhecimento se existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E ao sistema público de saúde como um todo? 32. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo? 33. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 34. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 35. Por fim, qual você acha que é a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?

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ROTEIRO DE ENTREVISTA – III Gerente de Unidade Básica de Saúde 1. IDENTIFICAÇÃO a) Nome completo: b) Idade: c) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano d) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? e) Quando começou a atuar na SMAS? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) f) Que atividade você exercia anteriormente à UBS? g) Qual a sua função atual na UBS? E no sistema de saúde de BH? 2. UNIDADE DE SAÚDE a) Nome da UBS: b) Distrito Sanitário: c) Quando foi implantada a UBS? d) Risco: e) População residente na área de abrangência da UBS: f) População adscrita à UBS: g) % de cobertura: h) Quantas equipes estão implantadas atualmente na área de abrangência desta UBS/ atuam nesta UBS? i) Como é feito o recrutamento e seleção de profissionais para o PSF? 3. Você tem conhecimento de como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 4. Se você trabalhasse no nível central, de que forma organizaria a assistência à saúde em BH? 5. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS? Compare-os. 6. Você tem conhecimento se existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 7. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 8. (Você tem conhecimento de) como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 9. (Você tem conhecimento de) como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 10. (Você tem conhecimento de) como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 11. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 12. Você tem conhecimento de como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto estrutura quanto organização do trabalho e processo de trabalho) E neste Distrito Sanitário?

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13. Você tem conhecimento do papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? E neste Distrito Sanitário? 14. Como você acha que deveria ser a relação das unidades de saúde entre si destacando a relação das UBS/ unidades de PSF com as demais unidades da rede? 15. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 16. Você tem conhecimento se a equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa? 17. Você tem conhecimento se houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 18. Você, particularmente, teve/tem tido formação específica para o PSF? Se sim, como foi? Onde? Quando? 19. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito? 20. Há VD’s? Se sim, quem as realiza? 21. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 22. Há outros profissionais (outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 25] 23. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 24. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 25. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre estes e os profissionais de apoio? (Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 21) [E entre eles e as áreas técnicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 26. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 27. Existem atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde nesta UBS? Quais? Quem as pratica? A quem são direcionadas (indivíduos, grupos)? 28. Os usuários seguem um fluxo dentro da unidade para terem sua(s) necessidade(s) de saúde atendida(s) [sem interrupção]? 29. Você conhece o conceito de linhas de cuidado? Se sim, na sua opinião, o que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 30. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 31. Como se dá a relação entre a gerência da UBS e as áreas técnicas? O que pensa a respeito? 32. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para

além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de

ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde

Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 33. Você tem conhecimento se sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH? 34. Você tem conhecimento se existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E a esta unidade em que você atua? E ao sistema público de saúde como um todo? 35. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo?

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36. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 37. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 38. Por fim, qual você acha que é a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?

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ROTEIRO DE ENTREVISTA – IV

Profissional de Equipe de Saúde (APS/PSF) 1. IDENTIFICAÇÃO a) Nome completo: b) Idade: c) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano d) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? e) Quando começou a atuar na SMAS? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) f) Que atividade você exercia anteriormente à SMAS? g) Qual a sua função atual na SMAS? E no sistema de saúde de BH? 2. UNIDADE DE SAÚDE a) Nome da UBS: b) Distrito Sanitário: c) População residente na área de abrangência da UBS: d) População adscrita à UBS: e) População/ nº de famílias no território sob sua responsabilidade: f) Como foi seu recrutamento e seleção para o PSF? 3. Você tem conhecimento de como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 4. Se você fosse gestor de saúde/ trabalhasse no nível central, de que forma organizaria a assistência à saúde em BH? 5. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS? Compare-os. 6. Você tem conhecimento se existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 7. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 8. (Você tem conhecimento de) como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 9. (Você tem conhecimento de) como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 10. (Você tem conhecimento de) como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 11. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 12. Você tem conhecimento de como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto estrutura quanto organização do trabalho e processo de trabalho) E neste Distrito Sanitário? 13. Você tem conhecimento do papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? E neste Distrito Sanitário? 14. Como você acha que deveria ser a relação das unidades de saúde entre si destacando a relação das UBS/ unidades de PSF com as demais unidades da rede?

237

15. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 16. A equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa? 17. Você tem conhecimento se houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 18. Você, particularmente, teve/tem tido formação específica para o PSF? Se sim, como foi? Onde? Quando? 19. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito? E na sua equipe, como se organiza o trabalho? 20. VD? 21. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 22. Há outros profissionais (outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 25] 23. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 24. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 25. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre a equipe e os profissionais de apoio? (Se houver: Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 21) [E entre a equipe e as áreas técnicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 26. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 27. Você desenvolve atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde nesta UBS? Quais? Quem mais as pratica? A quem são direcionadas (indivíduos, grupos)? 28. Os usuários seguem um fluxo dentro da unidade para terem sua(s) necessidade(s) de saúde atendida(s) [sem interrupção]? 39. Você conhece o conceito de linhas de cuidado? Se sim, na sua opinião, o que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 29. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 30. Você tem conhecimento de como se dá a relação entre a gerência da UBS e as coordenações das áreas técnicas? O que pensa a respeito? 31. Você sente necessidade de complementaridade à sua ação de saúde? Com que freqüência? Em que situações? E quais são elas? 32. Qual é o corpo de conhecimentos que você mais utiliza em sua ação de saúde? (junto à equipe, à gerência de UBS, às coordenações das áreas técnicas e às famílias) 33. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para

além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de

ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde

Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 34. Você tem conhecimento se sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH?

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35. Você tem conhecimento se existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E a esta unidade em que você atua? E ao sistema público de saúde como um todo? 36. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo? 37. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 38. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 39. Por fim, qual você acha que é a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?

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Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado(a) senhor(a), O(A) senhor(a) foi selecionado(a) para participar da pesquisa cujo título provisório é “Modos de Organização do Trabalho na Atenção Primária à Saúde no Brasil: a experiência de Belo Horizonte”, sob responsabilidade dos pesquisadores MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR (mestranda) e Prof. Dr. CARLOS EDUARDO AGUILERA CAMPOS (orientador) como parte integrante da Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva – Área de Concentração: Políticas e Planejamento em Saúde, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ). A pesquisa tem como objetivos contribuir para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais a partir da reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS) ocorrida recentemente no Brasil, com expansão da Estratégia de Saúde da Família, abordando aspectos do processo de trabalho em saúde, trazendo a questão da multi e interdisciplinaridade como demanda para a APS hoje e enfocando o debate no trabalho em equipe na APS. Os objetivos específicos são conhecer a percepção de sujeitos institucionais de Belo Horizonte, particularmente aqueles que fazem parte da gestão do sistema de saúde e/ou da atenção à saúde no nível da APS sobre: a) a organização da APS existente anteriormente à implementação do BH Vida: Saúde Integral no município; b) a composição das equipes de APS, bem como sobre a inserção e os papéis dos diferentes profissionais neste nível de atenção a partir da implementação de programas como o PSF; c) o processo de trabalho dos profissionais de saúde da equipe, enfocando a percepção sobre a micropolítica do trabalho na APS, e a relação entre o processo de trabalho em saúde e o modelo assistencial, antes e após a implementação do BH Vida: Saúde Integral; d) o processo de reorientação do modelo assistencial em saúde no município, a participação dos sujeitos e o instrumental utilizado para a mudança; e) a constituição e/ou incorporação do conjunto de sujeitos da mudança no novo modelo; e f) a extinção, manutenção e/ou incorporação de estruturas de organização do trabalho na APS anteriores ao BH Vida: Saúde Integral. Trata-se de estudo de caso no município de Belo Horizonte, MG, utilizando-se da análise de documentos referentes ao modelo de assistência à saúde neste município e entrevistas semi-estruturadas a sujeitos institucionais envolvidos com a gestão e atenção no programa “BH Vida: Saúde Integral”. Sua participação consistirá em responder às perguntas formuladas pelos pesquisadores. Esclarecemos que um será utilizado um Roteiro de Entrevista como base para nossa “conversa”, que será gravada para garantir a fidedignidade dos dados. Isto nos auxiliará na análise do material, uma vez que a conversa tem a função de aprofundar nossa compreensão sobre a organização do trabalho em saúde na Atenção Primária em Belo Horizonte de modo a auxiliar na discussão sobre o processo de trabalho e a reorientação do modelo assistencial em saúde. Para podermos gravar a conversa, precisamos de seu consentimento, sendo este um procedimento dentro dos padrões de ética em pesquisa. O nosso compromisso em relação ao uso das gravações e do material escrito produzido neste encontro é que os dados coletados terão fins científicos e que sua voz não será, em hipótese alguma, utilizadas em meios de comunicação. Esclareço que todas as informações pessoais e seu nome serão mantidos em sigilo e não aparecerão em nenhum lugar neste estudo.

240

A sua participação é voluntária e de seu livre-arbítrio, podendo-se recusar a responder quaisquer perguntas. O(A) senhor(a) pode desistir de participar na pesquisa ou solicitar sua exclusão a qualquer momento. A participação na pesquisa não trará benefícios individuais e a recusa em participar também não trará qualquer prejuízo na sua relação com a instituição de pesquisa ou com os pesquisadores. Porém, será de muitos benefícios coletivos para analisarmos a atual organização do trabalho em saúde no campo da atenção primária e para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais no Brasil. Para isso, peço que assine este “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, demonstrando que foram entendidos a finalidade e o uso da entrevista que será concedida. Mais tarde lhe poderá ser enviada uma cópia gravada e/ou impressa da sua entrevista, caso seja do seu interesse. Os pesquisadores assumem a responsabilidade de dar retorno dos resultados da pesquisa aos participantes em um novo encontro. Desde já agradecemos sua colaboração, que será de grande valor para melhor analisar a organização do trabalho em saúde no campo da atenção primária em nível local no Brasil. O presente termo será emitido em duas vias, ficando o participante de posse de uma delas. Se o(a) senhor(a) está de acordo com os termos propostos neste documento, por favor, assine abaixo: Eu,______________________________________(nome), RG nº__________________, declaro para os devidos fins que concordo em participar da Pesquisa de título provisório: “Modos de Organização do Trabalho na Atenção Primária à Saúde no Brasil: a experiência de Belo Horizonte”, sob a responsabilidade de MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR e CARLOS EDUARDO AGUILERA CAMPOS, concedendo uma entrevista gravada sobre o tema proposto. Declaro estar ciente e de acordo com os objetivos e procedimentos da referida Pesquisa e autorizo a utilização dos dados que eu conceder durante a entrevista para fins científicos e sua divulgação posterior. Belo Horizonte, ___ de ___________ de _____. ______________________________

Assinatura do Participante Os pesquisadores responsáveis por este estudo comprometem-se a conduzir todas as atividades de acordo com os termos do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. Belo Horizonte, ___ de ___________ de _____. ______________________________

Assinatura do Pesquisador R.G.

Caso tenha qualquer dúvida pedimos que a esclareça diretamente com os pesquisadores: MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR – Tel.: (21) 8811-6894 – [email protected] CARLOS EDUARDO AGUILERA CAMPOS – Tel.: (21) 9966-8922 – [email protected] CEP – Comitê de Ética em Pesquisa do IESC/UFRJ – Tel.: (21) 2598-9328 COEP – Comitê de Ética em Pesquisa da SMSA/BH – Tel. (31) 3277-7767

ANEXOS

242

Anexo 1 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de

Belo Horizonte

243

244

245

Anexo 2 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva –

Universidade Federal do Rio de Janeiro

246

Anexo 3 – Organograma da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG – 2005

Fonte: SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 39)

247

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

Assistência

Urgência

Regulação E Atenção Hospitalar

Vigilância em Saúde

e Informação

Administrativa

Gestão do Trabalho e Educação em Saúde

Orçamento E Finanças

Controladoria

Planejamento e Desenvolvimento

Projetos Especiais

Comunicação Social

Assistência Terapêutica

Apoio Diagnóstico

Auditoria Assistencial

Controle e Avaliação

Apoio Operacional

Epidemiologia e Informação

Vigilância Sanitária

Zoonoses

Saúde do Trabalhador

Recursos Materiais

Compras e Licitações

Engenharia Clinica

Contratos e Convênios

Manutenção

Lavanderia

Arquivo

Transporte Sanitário

Serviços Gerais

Planejamento e Administração De Recursos

Humanos

Registro e Pagamento De Pessoal

Contribuições Sociais e

Benefícios

Orçamento

Pagamentos

Controle Financeiro

Contabilidade

Ouvidoria Pública

Relações com

a Imprensa

Apoio Operacional da Comunicação

248

Anexo 4 – Indicadores utilizados na construção das áreas de vulnerabilidade à saúde

por setores censitários

Fonte de Indicadores

Informação Peso

Descrição

Saneamento

0,50

1,00

0,50

Total=2,00

1-Percentual de domicílios particulares permanentes com abastecimento de água inadequado ou ausente 2-Percentual de domicílios particulares permanentes com esgotamento sanitário inadequado ou ausente 3-Percentual de domicílios particulares permanentes com destino do lixo de forma inadequada ou ausente

Habitação 0,75

0,25 Total=1,00

4-Percentual de domicílios improvisados no setor censitário 5-Razão de moradores por domicílio

Educação 1,50 0,50

Total=2,00

6-Percentual de pessoas analfabetas 7-Percentual de chefes de família com menos de 4 anos de estudo

Renda 0,50

1,50 Total=2,00

8-Percentual de chefes de família com renda de até 2 salários mínimos 9-Renda média do chefe de família (invertida)

Sociais/Saúde 0,25

1,50

0,25 1,00

Total=3,00

10-Coeficiente de óbitos por doenças cardiovasculares em pessoas de 30 a 59 anos 11-Óbitos proporcionais em pessoas com menos de 70 anos de idade 12-Coeficiente de óbitos em menores de 5 anos de idade 13-Proporção de chefes de família de 10 a 19 anos

Fonte: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 49)