modernização do império portugues

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    Valentim Alexandre* Anlise Social, vol. XXXVIII (169), 2004, 959-979

    O imprio portugus (1825-1890):ideologia e economia**

    INTRODUO

    Em finais de 1807, fugindo s tropas napolenicas, a corte portuguesaembarcou para o Brasil. sua chegada a terras da Amrica, D. Joo VI,ento prncipe regente, decretou a abertura dos portos brasileiros aos naviosdas naes amigas, pondo fim ao regime de exclusivo comercial de que ametrpole at ento beneficiara. Era o comeo da desagregao do imprioluso-brasileiro, que culminar em 1822 (aps o retorno da corte a Lisboa noano anterior) com a declarao de independncia do reino americano.

    Para a economia de Portugal, as consequncias eram das mais graves,sobretudo devido quebra em cerca de 90%, em finais da dcada de 1820,da reexportao dos produtos coloniais brasileiros, que no comeo do sculorepresentavam quase dois teros do total da exportao para o estrangeiro.Assim desaparecia a principal fonte de acumulao de capital tanto para aburguesia mercantil (em particular, a de Lisboa) como para o prprio Estado,cujas finanas viviam sobretudo das taxas cobradas nas alfndegas sobre osfluxos comerciais com o Brasil e com o exterior1. Do ponto de vista poltico,o pas perdia igualmente importncia no contexto internacional, pouco mais

    * Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa.** Verso portuguesa, ligeiramente modificada, da comunicao apresentada na mesa-

    -redonda internacional Entre traite et colonisation: pntration europenne en Afrique noireet impratif economique (fins XVIIIe-XIXe sicles), organizada em Setembro de 2001 naUniversit de Bretagne Sud, com o concurso do Institut universitaire de France e do laboratrioSOLITO.

    1 A exportao de produtos coloniais correspondia a dois teros das exportaes totaisde Portugal para as naes estrangeiras. Do comrcio colonial provinha o capital empregue

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    tendo agora para oferecer ao aliado tradicional a Inglaterra do que aposio estratgica do porto de Lisboa.

    Desfeito o imprio luso-brasileiro, a Portugal ficavam pertencendo vriosterritrios dispersos pelo mundo, restos dos antigos sistemas. Tal era o caso,no Oriente, dos pequenos enclaves de Goa, Damo e Diu, no subcontinenteindiano, do porto de Macau, em territrio chins, e de Timor, na Insulndia,e, em frica, de alguns postos nos chamados rios da Guin, nomeadamenteBissau, Cacheu e Ziguinchor, dos dois ncleos que tinham Luanda e Benguelacomo centros e de alguns pontos na costa moambicana, bem como Sena eTete, na linha do rio Zambeze. A tudo isto devem acrescentar-se ainda osarquiplagos atlnticos de Cabo Verde e de So Tom e Prncipe.

    No comeo do segundo quartel do sculo XIX, as relaes que estaspossesses mantinham com a metrpole eram muito tnues. As colnias defrica continuavam ligadas sobretudo ao Brasil pelo trfico negreiro, que,embora ilegalizado, mantm nmeros elevados at 1851. Quanto s do Orien-te, uma vez findo o ltimo surto de comrcio a longa distncia que nasdcadas finais do sculo XVIII e comeos do seguinte as relacionara com oBrasil e com Portugal, tendiam agora a inserir-se nas redes mercantis regionaisdo ndico.

    Tambm a nvel poltico, a soberania de Lisboa pouco mais era do quenominal, estando o governo das colnias entregue de facto aos estratosdominantes locais.

    Sobre estas bases muito frgeis vir, no entanto, a constituir-se em finaisde Oitocentos o ltimo imprio portugus, centrado no continente africano,com dois territrios de grande extenso (Angola, com mais de 1 200 000 km,e Moambique, com 783 000 km), para alm de um terceiro de menoresdimenses (a Guin, com 36 000 km). Durante a partilha de frica, Portugal,resistindo a presses vrias, conseguiu no apenas manter as suas posiesiniciais, mas acresc-las substancialmente, criando um vasto domnio, despro-porcionado em relao ao peso poltico e econmico da metrpole no sistemainternacional.

    Duas teses se opem na historiografia quanto s motivaes desta expan-so. Para uma delas que tem a sua melhor expresso no livro de R. J.Hammond Portugal and frica, 1815-1910. A Study in Uneconomic

    na indstria nascente (txtil) [v. Borges de Macedo, Problemas de Histria da IndstriaPortuguesa no Sculo XVIII, Lisboa, 1982, 2. ed., p. 72, Valentim Alexandre, Os Sentidosdo Imprio Questo Nacional e Questo Colonial na Crise do Antigo Regime Portugus,Porto, 1993, pp. 765-792, e Jorge Pedreira, Estrutura Industrial e Mercado Colonial Portugal e Brasil (1780-1830), Lisboa, 1994, pp. 261-375].

    Sobre o peso dominante dos trficos ocenicos nas finanas do Estado portugus a partirdo sculo XVI, cf. Vitorino Magalhes Godinho, Finanas e estrutura do Estado, in Ensaios,vol. II, Lisboa, 1978, 2. ed., pp. 29-74.

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    Imperialism, publicado j em 1966 , o caso portugus representa o exemplomais claro de um imperialismo de prestgio, muito marcado pelas tradieshistricas e quase de todo alheio influncia dos interesses econmicos.Outros, pelo contrrio, vem nestes interesses a mola real do expansionismoportugus oitocentista, que corresponderia a um novo mercantilismo, carac-terizado pela procura de mercados e pela necessidade premente de obtenode divisas: tal a tese central do livro de Gervase Clarence-Smith The ThirdPortuguese Empire, 1825-1975 A Study in Economic Imperialism (1985),que ficou como a obra paradigmtica desta corrente.

    Toda a questo merece ser revista, luz dos desenvolvimentos mais recen-tes da historiografia, tanto no que respeita ao facto colonial em si2 comorelativamente evoluo da sociedade portuguesa nos ltimos dois sculos.Tambm do ponto de vista metodolgico, a perspectiva j no hoje a mesma:tratar-se- agora, no de procurar o factor essencial que d ordem e sentidoa um fenmeno complexo como a expanso imperial, mas de analisar a con-jugao especfica de elementos de vria natureza que moldou o projectocolonial portugus no sculo XIX.

    OS PRIMEIROS PLANOS IMPERIAIS

    A VIRAGEM PARA FRICA

    A ideia de construir um novo imprio em frica, como compensaopara a perda do Brasil, surge muito cedo em Portugal: encontramo-la j naimprensa do primeiro perodo liberal (1820-1823), pela pena de alguns dosprincipais publicistas da poca. Nascido das tenses provocadas pela crisee desagregao do sistema imperial, o novo projecto procurava dar respostaa uma questo de fundo, a da identidade nacional, num momento em que oj secular papel de Portugal como cabea do imprio corria perigo. Como erade tradio, para boa parte das elites polticas portuguesas a concentrao deesforos no territrio europeu, abandonando a via da expanso colonial,parecia inexequvel, por conduzir, na melhor das hipteses, a uma autonomiameramente formal, sombra de uma potncia mais poderosa (em princpio,a Inglaterra, aliada de Portugal desde o sculo XVII), cuja proteco se tornariaindispensvel para evitar a absoro pela Espanha. Nestes termos, o terrenocolonial surgia naturalmente como o mais propcio afirmao do pas noconcerto das naes, dando continuidade longa tradio histrica umaideia aceite com tanto maior facilidade quanto era certo que na metrpole se

    2 Balano recente por Pedro Lains, Causas do colonialismo portugus em frica, 1822--1975, in Anlise Social, n.os 146-147, Lisboa, 1998, pp. 463-496 (cf. pp. 463-467).

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    desconheciam geralmente os estreitos limites do exerccio da soberania dePortugal em frica e sobretudo os obstculos que o seu reforo encontraria.

    A nvel poltico, esse novo interesse pelas possesses africanas traduz--se, no imediato, pela tomada de medidas de defesa contra a sua anexaopelo Brasil (a que se encontravam estreitamente ligadas pelo trfico negrei-ro), acompanhadas por uma primeira tentativa de desenvolvimento do seucomrcio com a metrpole. A iniciativa partiu do governo (j aps a quedado regime liberal, em 1823), que procurou incentivar os negociantes da praade Lisboa a estabelecerem laos mercantis directos com as colnias africa-nas, concedendo-lhes vantagens de vria ordem. Mas dessa tentativa nadaficou: por um lado, as casas comerciais que se abalanaram a enviar os seusnavios a frica deram-se rapidamente conta de que o nico gnero deretorno disponvel eram os escravos, cujo trfico se encontrava desde osculo XVIII sob o controle de mercadores estabelecidos no Brasil; por outrolado, a crise dinstica vivida em Portugal a partir de 1826, que culminar naguerra civil entre liberais e absolutistas, em 1832-1834, impedia por si s quese concretizasse qualquer projecto de maior envergadura.

    Vitoriosos em 1834, os liberais retomaram o plano imperial, sobretudoatravs de S da Bandeira, a mais importante personalidade da poltica co-lonial portuguesa de todo o sculo XIX. A ideia agora era mais ambiciosa:tratava-se de reformular todo o sistema, reformando a administrao ultra-marina, impondo novas pautas de sentido proteccionista e consolidando odomnio portugus nas vrias possesses do continente africano pela ocupaoefectiva de pontos estratgicos. A tudo isto se acrescentava um ponto es-sencial: a abolio do trfico de escravos, ilegalizado por um decreto de 10de Dezembro de 1836.

    Ilegalizado, mas no suprimido de facto: com efeito, o decreto nunca foiaplicado, por fora da resistncia dos estratos dominantes locais, contandocom a cumplicidade activa da maioria das autoridades coloniais e com a faltade vontade poltica dos governos de Lisboa (S da Bandeira era um dospoucos a defender a abolio nesta fase). O comrcio negreiro, no qual ametrpole detinha uma posio marginal, continuou nos anos seguintes amobilizar todas as iniciativas e todos os capitais, nomeadamente nas costasangolana e moambicana o que comprometia qualquer plano de moder-nizao do sistema colonial. Tambm os projectos de consolidao do do-mnio territorial no tiveram sequncia, por falta de recursos, ficando-se poralguns cruzeiros navais de explorao nas regies das embocaduras dos riosCongo e Cunene, a norte e a sul de Angola (dando origem fundao dapovoao de Momedes, nesta ltima zona, semidesrtica). A prpria refor-ma da administrao colonial falhou, mantendo-se, no essencial, as estrutu-ras do antigo regime, com os governadores, em princpio, detentores de

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    extensos poderes, mas de facto muito vulnerveis face aos estratos domi-nantes locais.

    Os nicos resultados de algum relevo, embora mesmo esses muito limi-tados, deram-se no campo mercantil, onde, sombra das medidas protec-cionistas, se constitura um grupo de algumas dezenas de empresasespecializadas no comrcio de trnsito com a frica, em particular comAngola, fazendo sobretudo a reexportao de artigos manufacturados estran-geiros por troca com os produtos coloniais (um comrcio que passa daordem das dezenas de contos anuais na dcada de 1830 para a das centenasna de 1840 acrscimo importante, mas sobre valores absolutos muitobaixos, com um peso reduzido nas trocas externas da metrpole)3.

    S a partir de 1851 se criaram condies mais favorveis para o desen-volvimento do projecto colonial. Por um lado, o encerramento efectivo domercado brasileiro s importaes de mo-de-obra escrava nesse mesmo anomodificou o quadro em que evolua a economia das possesses africanas: otrfico negreiro no se extinguiu, mantendo-se para outros destinos (Cuba evrios pontos do oceano ndico), mas os seus nmeros reduziram-se dras-ticamente, deixando esta actividade de ter em Angola e Moambique o pesoavassalador das dcadas anteriores4. Por outro lado, em Portugal, a partir dogolpe de Estado de 1851, que instaurou o regime conhecido por Regene-rao, entrou-se numa fase de relativa estabilidade poltica, que permitia darmaior continuidade aco governativa.

    Neste novo contexto, coube a S da Bandeira relanar o plano imperial,na qualidade de presidente do Conselho Ultramarino de 1851 a 1859, cargoque acumulou com o de ministro da Marinha e Ultramar de 1856 a 1859.No essencial, os objectivos que se prope so os mesmos da dcada de1830: represso do trfico remanescente; reforma do aparelho de Estadocolonial, procurando criar instituies representativas, ainda que de formaincipiente, de alguns estratos das populaes locais; consolidao do domnioterritorial pela ocupao, em Angola, de toda a linha da costa entre os paralelosde 5 e 12 ( a norte da foz do rio Congo) e 18 de latitude sul e, emMoambique, do litoral entre o rio Rovuma, a norte, e a baa de Loureno

    3 O comrcio de trnsito, com base em Lisboa, ganhou peso no final dos anos 1830,beneficiando da proteco conferida pelas pautas alfandegrias de 1837. A reexportao deprodutos estrangeiros para frica, quase nula na primeira metade daquela dcada, subiu a 122,2contos em 1842, 387,6 em 1848 e 519,5 em 1851. A reexportao de produtos africanospara o estrangeiro atingiu, nos mesmos anos, 244, 210,5 e 360,6 contos. Apesar dosaumentos, tratava-se de nmeros baixos em valor absoluto [v. Jorge Pedreira, O sistema dastrocas, in F. Bethencourt e K. Chaudhuri (eds.), Histria da Expanso Portuguesa, Lisboa,1998, vol. IV, pp. 241-242].

    4 David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, NovaIorque e Oxford, 1987, quadros A.8 e A.9, pp. 249-254.

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    Marques (Delagoa Bay), a sul a que se deveria acrescentar, em ambosos casos, o reforo da presena portuguesa em pontos estratgicos dointerior, com a instalao, onde fosse possvel, de ncleos de populao idada metrpole. De novo h a registar, para alm de uma maior insistncia nasmedidas de fomento da produo colonial, o propsito de preparar a abolioda escravatura, embora a prazo (para contornar o problema da indemnizaoaos proprietrios dos escravos), atravs de uma srie de diplomas legaisdecretados nesta dcada.

    Para S da Bandeira, todo este vasto plano teria a sua justificao ltimanas vantagens econmicas que viria a trazer para a metrpole. Nas suaspalavras, as possesses garantiriam a Portugal o acesso a mercados vanta-josos, sempre abertos s produes da sua indstria e agricultura, semdependncia da poltica comercial dos governos estrangeiros; forneceriam,por troca e sem exportao de numerrio, os gneros de que o pas carecia;e dariam empregos navegao nacional e indstria a ela ligada5.

    No estava s S da Bandeira, nesta fase do projecto colonial, no terrenoda economia. Entre as elites polticas portuguesas era ento corrente a cren-a na riqueza das possesses de frica, na extrema fertilidade dos solostropicais e na profuso das suas minas de metais preciosos, ainda porexplorar. Dominante logo nos primeiros anos do liberalismo, aps 1834, otema aparece-nos ento em dezenas de artigos nos peridicos de todas asfaces polticas, servindo de base defesa do projecto colonial como viaprivilegiada para a regenerao nacional, compensando a perda do Brasil. Sobformas menos primrias, mais elaboradas voltadas para um Eldoradolongnquo, no qual se cumpriria o destino da nao, que recuperaria final-mente o estatuto de grande potncia , esta perspectiva mtica persiste aolongo de todo o imprio, ganhando um carcter estrutural.

    No era essa, no entanto, a nica componente da ideologia colonial corrente.Noutra perspectiva, via-se no imprio sobretudo um testemunho das glrias dopassado, da saga dos Descobrimentos, padres da misso histrica civilizadorade Portugal, que no poderiam perder-se, sob pena de se perder igualmente aidentidade nacional. Geralmente latente, este tema vinha superfcie sempre quese configuravam casos de perigo e de iminncia de perda, real ou suposta, dequalquer das possesses ou de zonas sobre que se reivindicava a soberaniaportuguesa, contribuindo para afastar a tentao de abandonar no s a viacolonial em si, mas tambm cada um dos territrios em particular, por maisdifcil que se afigurasse a sua conservao e explorao.

    Consoante as conjunturas, assim predominava uma ou outra destas com-ponentes fundamentais da ideologia colonial. Em princpio, a ideia do imprio

    5 Valentim Alexandre, Nao e imprio, in F. Bethencourt e K. Chaudhuri (eds.),Histria da Expanso Portuguesa, Lisboa, 1998, vol. IV, pp. 90-104.

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    como herana sagrada tinha sobretudo uma funo conservadora, enquantoa crena nas riquezas inexaurveis das colnias era mais mobilizadora6.

    AS RESISTNCIAS

    A poltica de S da Bandeira na dcada de 1850 inscreve-se naturalmentenesta ltima perspectiva. Mas os problemas avolumavam-se logo que sepassava da simples retrica a realidades mais concretas.

    Um plano como o gizado pelo Conselho Ultramarino exigia vastos recursos,que o Estado portugus dificilmente poderia disponibilizar. Por essa mesmaaltura dava-se incio na metrpole construo da rede de vias de comunica-o estradas e caminhos de ferro essenciais formao do mercadointerno, financiada atravs de emprstimos pblicos contrados no estrangeiro.Para ocorrer ao dispndio com as colnias seria necessrio ou aumentar oendividamento do pas no exterior ou reduzir o nvel do investimento interno.Ambas as hipteses encontravam fortes resistncias, sendo difcil arrancar doparlamento verbas para o ultramar, alm das despesas correntes: era comuma ideia de que as colnias deviam ser pelo menos auto-suficientes, no sobre-carregando a metrpole com os seus dfices oramentais.

    Quanto aos capitais privados, raramente se dispunham a aplic-los na fricaportuguesa em empreendimentos de maior vulto. As condies do mercado decapitais portugus escassez de recursos, forte procura de capitais peloEstado e, por consequncia, alto preo do dinheiro explicam esta relutncia:era mais seguro e mais rentvel, pelo menos no imediato, investir na metr-pole, nomeadamente em ttulos da dvida pblica, do que apostar em empresasde lucro incerto e a longo prazo7. certo que, por vezes, apareciam empre-srios, portugueses ou estrangeiros, solicitando concesses de vria ordemcom vista constituio de companhias coloniais; mas tratava-se, em geral, desimples actividades especulativas, de vida efmera.

    As dificuldades em encontrar apoios entre os capitalistas nacionais paraa concretizao do projecto colonial esto bem patentes nos esforos feitospelo governo na segunda metade da dcada de 1850 para que se constitusseuma empresa de navegao a vapor encarregada de fazer a ligao, porcarreiras regulares, entre a metrpole e as possesses da costa ocidental dafrica. Aps vrias tentativas infrutferas, acabou por formar-se em 1858 a

    6 Id., A frica no imaginrio poltico portugus (sculos XIX e XX, in Velho Brasil Novasfricas Portugal e o Imprio (1808-1975), Porto, 2000, pp. 219-229.

    7 O crnico dfice das finanas pblicas portuguesas ao longo do sculo XIX levava a queos capitais nacionais encontrassem fcil aplicao nos ttulos da dvida pblica, com altas taxasde juro [v. Magda Pinheiro de Sousa, Chemins de fer, structure financire de ltat etdpendance extrieure au Portugal (1850-1890), tese de doutoramento no publicada, Uni-versidade de Paris I, 1986, vol. I, pp. 291-378 e 412-414].

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    Companhia Unio Mercantil, de nacionalidade portuguesa, subsidiada peloEstado. A empresa beneficiava de um sistema legal que dava vantagens subs-tanciais s mercadorias importadas ou exportadas nas colnias em naviosnacionais. Apesar disso, teve desde o incio uma existncia precria, noconseguindo realizar mais do que uma parte do capital previsto o que alevou a comprar navios j usados por preo excessivo , falindo em 1864,passando o servio respectivo a ser realizado por uma companhia britnica.Analisando o caso, um comentador da poca atribua a crise da CompanhiaUnio Mercantil ao influxo nefasto que pesa sobre as nossas coisas, no porsimples infelicidade, mas por efeito do pouco conhecimento de negcios, depouca grandeza de alma e de excessiva cobia da ganhar depressa e muito,empregando pouco capital e fazendo poucos esforos defeitos que sefaziam sentir tanto entre os estadistas como entre os homens de negcio8.Noutros termos, falaramos hoje em falta de mentalidade e de capacidadeempresarial, tpicas de um pas ainda predominantemente pr-capitalista.

    Poderia, no entanto, supor-se que o plano imperial de S da Bandeira teriapelo menos o apoio sem reservas do sector mercantil que vivia sobretudo docomrcio colonial, j bem implantado em Lisboa. Mas, muito ligado praade Luanda, este sector resistia aos aspectos modernizadores do plano, tantodo ponto de vista social (abolio do trfico de escravos e da escravatura,ilegalizao do servio forado de carregadores) como do ponto de vistaeconmico (defendendo a navegao vela contra a navegao a vapor).O nico ponto do projecto que ia ao encontro dos seus interesses atomada da regio da foz do Congo, que eliminaria a concorrncia por esseporto feita ao comrcio de Luanda no foi avante por oposio da Gr--Bretanha, quando se fez uma tentativa nesse sentido, em 1855-1856. A ideiade proceder ocupao dessa zona pelo interior, ensaiada nos anos seguin-tes, falhou igualmente pela falta de meios e pela resistncia das populaesda margem esquerda do Congo.

    O plano de consolidao e de modernizao do sistema imperial encon-trava igualmente a oposio dos ncleos coloniais em frica, no apenas porparte dos grupos sociais directamente interessados na escravatura e no tr-fico de escravos, mas levantada igualmente pela prpria administrao, es-treitamente ligada s antigas formas de explorao dos territrios zonasperifricas do imprio centrado no Brasil, as possesses de frica tinhamherdado do antigo regime um aparelho administrativo onde poderes pblicose poderes privados se encontravam imbricados de forma inextricvel, tradu-zindo o exerccio de cargos no acesso a meios acrescidos de coero sis-tematicamente utilizados na prossecuo de fins particulares. Estvamoslonge das estruturas de um Estado moderno, fundado na distino entre

    8 Andrade Corvo, artigo no Jornal do Comrcio de 22-8-1861.

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    interesses pblicos e interesses privados. Por outro lado, no existia sequerum corpo territorial bem delimitado como base do exerccio do poder estatal,mas uma zona de influncia onde o controle da Coroa se fazia de forma maislassa ou mais apertada, conforme as pocas e as regies, tendendo a des-vanecer-se nas reas mais perifricas de cada possesso.

    Historicamente, este aparelho administrativo estava ligado ao trfico deescravos, de que vivia em grande parte (sobretudo em Angola, sendo maiscomplexa a situao em Moambique). Era essa a sua funo no tempo doimprio luso-brasileiro, no qual as colnias de frica tinham o papel defornecedoras de mo-de-obra do territrio americano papel que se man-teve por largos anos aps a independncia do Brasil. No surpreende queesse aparelho administrativo resistisse mudana, sobretudo no campo doesclavagismo e do trabalho forado. Da a impotncia do poder central, quevia frequentemente contra si voltados os instrumentos de aco de quejulgava dispor nas colnias.

    Por todas estas razes, o plano imperial impulsionado por S da Bandeirana dcada de 1850 falhou quase por completo. No foi sequer possvel instalarem frica os poucos ncleos de povoamento branco previstos: a populaoda metrpole, que comeava a emigrar para o Brasil em nmeros significati-vos, que se acentuaro nas dcadas seguintes, mostrava uma relutnciainvencvel a faz-lo para o continente negro, tido como terra de degredo emorte9. Longe de se consolidar, o domnio portugus conheceu uma retraco,nomeadamente em Angola, durante os anos 1860, por fora tanto de dificul-dades locais como da crise financeira ento vivida na metrpole.

    verdade que em finais dessa dcada h indcios de transformao edesenvolvimento econmico de alguns dos territrios do ultramar. Em An-gola cresciam as exportaes de caf e iniciavam-se as da borracha, sendoambos os gneros de produo espontnea, colhidos no interior pela popu-lao africana (s uma pequena parte do caf provinha das plantaes, nestafase)10. Aumentava igualmente a cultura da cana-do-acar, sobretudo para

    9 Ao longo do sculo XIX, at finais da dcada de 1880, a emigrao espontnea dePortugal para frica no ultrapassa as dezenas, anualmente. As vrias tentativas de coloni-zao dirigida pelo Estado falharam, salvo a iniciada j em 1884 no planalto sul de Angola,com 222 colonos. Entretanto, a emigrao para outros pases na quase totalidade, parao Brasil ter flutuado, de 1836 a 1849, em torno das 3000 sadas por ano, atingindo depois,anualmente, cerca de 8850 na dcada de 1850, 6000 na dcada de 1860, 12 800 na de 1870e 17 300 na de 1880 [v. Robert Rowland, Velhos e novos Brasis, in F. Bethencourt e K.Chaudhuri (eds.), Histria da Expanso Portuguesa, vol. IV, pp. 303-323].

    10 As exportaes de caf de Angola, que atingiam apenas 3 toneladas em 1844, elevaram--se a uma mdia anual de 1815 toneladas em 1870-1876 e de 2680 em 1880-1885. Quantos de borracha, subiram de 14,6 toneladas em 1872 para 362 em 1873, 259 em 1874, 395em 1880, 1257 em 1884 e 1718 em 1889 (v. Tito de Carvalho, Les colonies portugaisesau point de vue commercial, Paris-Lisboa, 1900, pp. 56-57).

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    fabrico de aguardente utilizada nas trocas com o serto, susbtituindo a queantes era trazida pelos navios negreiros vindos do Brasil11. Em Moambiquedesenvolvia-se a exportao de oleaginosas, incentivada pela presena derepresentantes de duas conhecidas casas comerciais de Marselha, a Fabre etFils e a Rgis et Ain12.

    Mas, tanto no caso angolano como no moambicano, esta evoluo fa-vorvel nada ficava a dever metrpole, resultando da adaptao local amutaes exteriores ao sistema colonial portugus entre outras, o fechodo mercado cubano s importaes de escravos em 1866 e a abertura docanal do Suez em 1869. S nas ilhas de So Tom e Prncipe umarquiplago situado no golfo da Guin, perto da costa gabanesa o papelde Portugal determinante no arranque de uma economia de plantao combase no caf, iniciada por capitais provenientes do trfico negreiro, maspromovida a partir da dcada de 1860 sobretudo por capitais da metrpole13.Nesse territrio est presente a nica instituio financeira que nesta fase seradica nas colnias portuguesas de frica o Banco Nacional Ultramarino,fundado em 1864, subsidiado pelo Estado, que nelas detinha o monoplio dasoperaes bancrias e o privilgio de emisso de moeda.

    O PROJECTO COLONIAL PORTUGUS E A PARTILHA DE FRICA

    O IMPULSO MODERNIZADOR

    Na dcada de 1870 muda o quadro geral em que se inscrevia o projectoimperial portugus, pelo acrscimo de interesse que na Europa se manifestapelo continente africano. As elites polticas nacionais tomam conscinciadessa mutao por volta de 1875-1876, para isso contribuindo as notciasdas viagens de vrios exploradores em frica (nomeadamente Stanley eCameron, que tocavam de perto os domnios portugueses) e tambm aformao da Associao Internacional Africana pelo rei Leopoldo da Blgicanaquele ltimo ano. Como reaco s ameaas que se pressentiam, funda--se em Portugal, em 1875, a Sociedade de Geografia de Lisboa, que ter nosanos seguintes um importante papel na definio da poltica colonial portu-

    11 Jill Dias, Angola, in Jill Dias e Valentim Alexandre (eds.), O Imprio Africano 1825-1890, Lisboa, 1998, pp. 379-471.

    12 Leroy Vail e Landeg White, Capitalism and Colonialism in Mozambique, Londres--Nairobi-Ibadan, 1980, pp. 64-69; Malyn Newitt, A History of Mozambique, Londres, 1995,pp. 317-323.

    13 Sobre o arranque da economia de plantao em So Tom e Prncipe, v. Tony Hodgese Malyn Newitt, So Tom e Prncipe. From Plantation Colony to Microstate, Boulder, 1998,e Augusto Nascimento, So Tom na Segunda Metade de Oitocentos a Construo daSociedade Colonial, tese de mestrado no publicada, Universidade Nova de Lisboa, 1992.

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    O imprio portugus (1825-1890): ideologia e economia

    guesa. No imediato dela que vem o impulso para a realizao das viagensde explorao portuguesas, que se iniciam em 1877.

    A nvel governamental, o aumento das presses externas contribuiu paradar um novo flego aos planos imperiais. O clima que na Europa rodeou osassuntos coloniais no ltimo quartel de Oitocentos no fez nascer o interessedo Estado portugus pelo ultramar, que lhe era bem anterior, como vimos; mascondicionou a sua aco, dando maior premncia s questes coloniais. Ga-nhava fora a corrente que defendia uma poltica de desenvolvimento e demodernizao do imprio, mesmo custa de algum sacrifcio da metrpole corrente agora personificada em Andrade Corvo, que durante grande parte dosanos de 1870 acumulou as pastas do Ultramar e dos Negcios Estrangeiros.Tanto nos seus relatrios oficiais como nos Estudos que publicar mais tarde,Corvo dava expresso a uma perspectiva reformista do imprio, marcadasobretudo pela vontade de romper com o isolacionismo que, implcita ouexplicitamente, dominara a poltica ultramarina portuguesa nos anos anteriores.No podemos continuar a viver isolados, como sucedia quando as nossascolnias de frica eram parques de produo e criao de escravos, ou poucomais. Hoje o mundo do trabalho, e no da indolncia; a terra para oshomens, e ningum pode sequestrar civilizao o que dela. preciso quese produza, e produza largamente, onde a natureza concentrou as suas forasprodutivas, escrevia no volume I dos Estudos. E acrescentava, noutro passo:Fechar-nos em casa; fechar os portos com exclusivos, privilgios, monop-lios; deixar cobertos de mato e intransitveis os caminhos; no fazer nadaprodutivo por errada economia; considerar o isolamento como uma fora e oscaminhos de ferro como uma fraqueza; cerrar os olhos luz para no ver paraque nos no vejam; no fazer nada em benefcio da civilizao e da humani-dade e querer que os outros nos respeitem; ocupar vastas regies no mundosem querer aceitar francamente a responsabilidade que pesa sobre ns; tais soos erros que a cada instante perturbam a razo e enfraquecem as faculdadesfsicas e morais do nosso pas14.

    Como decorria da prpria crtica assim formulada, a abertura civiliza-o e ao progresso far-se-ia por diversas vias. Uma delas estaria, obvia-mente, na liberalizao mercantil, pela supresso dos monoplios, exclusivos,privilgios e outros embaraos ao comrcio estrangeiro, que afugentavam aconcorrncia e com ela a vida15. Uma outra era o desenvolvimento dosmeios de transporte que permitiriam a explorao das riquezas coloniais16.No campo social, importava suprimir, para alm da escravatura (que j ofora no papel pelo decreto de 25 de Fevereiro de 1869), o trabalho obriga-

    14 Andrade Corvo, Estudos sobre as Provncias Ultramarinas, Lisboa, 1883-1887, vol. I,p. 212, e vol. II, p. 378.

    15 Id., ibid., vol. II, p. 363.16 Id., ibid., vol. I, p. 212.

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    trio a que estavam submetidos os libertos (uma categoria que abrangiaos ex-escravos e os negros que continuavam a ser comprados no interior docontinente africano)17.

    Andrade Corvo defendia igualmente um expansionismo moderado emfrica, nunca excedendo os recursos disponveis, tendo em ateno ascapacidades produtivas dos territrios e os capitais necessrios. Essa expan-so deveria fazer-se, no por via militar, mas por meios pacficos, pelaatraco que sobre a populao indgena exerceria o desenvolvimento dacivilizao. Por outro lado, Corvo tinha em vista uma larga poltica deconcertao com a Gr-Bretanha para a delimitao das fronteiras em fricae para a cooperao econmica em todo o ultramar.

    Mau grado o abismo que ia normalmente das concepes gerais s reali-zaes prticas, nem tudo deste vasto plano ficou em estado de simplesprojecto. Pela primeira vez se realizou um esforo srio para o fomento dasinfra-estruturas econmicas ultramarinas, pelo envio das chamadas expedi-es de obras pblicas, a partir de 1877, financiadas por emprstimoscontrados para esse fim. Tambm a liberalizao mercantil teve um comeode execuo com as pautas promulgadas para a Guin e para Moambiqueem 1877. No ano seguinte, a concesso de grande parte da Zambzia, noterritrio moambicano, a um oficial portugus, Paiva de Andrada, que sepropunha formar uma companhia para explorar a zona, era um primeiropasso para a abertura do ultramar ao capital estrangeiro. Outro dos pontosfundamentais do projecto a extino do trabalho servil foi levadoavante, no campo jurdico, pela promulgao da lei de 29 de Abril de 1875.

    O domnio onde a aco de Andrade Corvo mais se fez sentir, na tentativade reforma do imprio, foi, sem dvida, o das relaes externas, visando oestreitamento das relaes com a Gr-Bretanha. A primeira iniciativa nessesentido levou concluso de um tratado sobre Goa (um territrio portugusna ndia) em 1878, pelo qual o governo ingls aceitava que se construsse umcaminho de ferro ligando o porto de Mormugo rede ferroviria britnica nosubcontinente indiano em troca da eliminao das barreiras que protegiam aproduo da colnia portuguesa. O segundo passo foi a negociao do tratadode Loureno Marques, em 1879, ligando aquele porto do Sul de Moambiqueao Transval, mediante a concesso Gr-Bretanha de vantagens de ordemmercantil e militar. Segundo Corvo, os dois acordos faziam parte de umsistema que englobaria ainda uma terceira conveno, relativa delimitaoda fronteira norte de Angola, pela qual deveria ser reconhecida a soberaniaportuguesa na margem esquerda do rio Congo, no seu curso inferior18.

    Tal como acontecera com o de S da Bandeira vinte anos antes, o planode modernizao do imprio de Andrade Corvo no tinha a seu favor os

    17 Id., ibid., vol. I, p. 64.18 Id., ibid., vol. I, pp. 40-42 e 162.

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    interesses coloniais j estabelecidos. Em frica, a abolio do trabalho servilencontrou forte resistncia, sendo contornada por regulamentos locais quecontinuavam a permitir o trfico de negros do interior do continente para osncleos coloniais, dando cobertura legal a prticas prximas da escravatura.Na metrpole, os sectores envolvidos no comrcio com os territrios doultramar, que viviam sombra das pautas proteccionistas e dos direitosdiferenciais, viam naturalmente com maus olhos a abertura do imprio aocapital estrangeiro e a liberalizao das trocas com o exterior.

    No campo poltico, a ideia de investir nas colnias continuava a encontrara oposio da corrente tradicional, que entendia deverem as possessessustentar-se a si prprias, no se lhes devendo sacrificar o desenvolvimentoda metrpole. No parlamento, esta perspectiva imps-se parcialmente, levan-do reduo do emprstimo para obras pblicas no ultramar previsto inicial-mente por Andrade Corvo e liquidao das respectivas expedies, nocomeo da dcada de 1880.

    Algumas vozes cpticas, muito raras, iam mais longe, questionando aviabilidade do projecto colonial em si. Tal era o caso de Rodrigues deFreitas19, que na Cmara dos Deputados fez um apelo a que se considerassetodo o assunto de modo racional e desapaixonado. Vale a pena reproduziraqui por extenso as suas palavras, que tocam o fundo do problema:

    No h nada mais fcil do que contribuir para que o pas erradamenteacredite que pode esperar de alm-mar as maiores riquezas, a maior glriapara Portugal, os recursos para saldar todas as dvidas, e desenvolvertodas as nossas foras econmicas e polticas.

    Essa tarefa muitssimo fcil; mas, se entrarmos a considerar comtodo o rigor, com patriotismo at, o que somos, o que temos, o que soessas colnias e o que exigem, havemos de chegar a concluses maisproveitosas, mais lgicas; e essas concluses no ficam mal ao nossoentendimento, nem ao nosso amor da ptria. (Apoiados.)

    Considerar a questo com todo o rigor significava ter em conta que oaproveitamento das supostas riquezas do ultramar exigia um conjunto deelementos capitais, crditos, operrios, marinha e exrcito de quePortugal carecia, devendo por isso moderar-se as expectativas sobre asvantagens a colher das possesses:

    Mas, se no pudemos at agora obter em suficiente grau nem um sdestes elementos, quanto mais a combinao de todos eles, evidente quedevemos ter todo o cuidado quando ao pas descrevemos largamente as

    19 Jos Joaquim Rodrigues de Freitas foi deputado republicano nas Cortes monrquicas nos anosde 1870-1874, 1878-1882 e 1889-1893. Mas as suas opinies sobre a questo colonial eram muitominoritrias no seio do Partido Republicano, que seguia uma linha de nacionalismo radical.

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    riquezas do ultramar; digamos-lhe ao mesmo tempo, em longos perodose em longas pginas, as dificuldades de colonizarmos esses territrios20.

    Admitindo, apesar de tudo, que Portugal pudesse ser dentro de certoslimites, um povo colonizador, Rodrigues de Freitas considerava indispens-vel um prvio esforo de reflexo:

    Antes de colonizarmos, compreendamos o que somos e o que pode-mos ser; alis as colnias sero o lugar para onde se vo escoando poucoa pouco as fracas foras que temos na metrpole. (Apoiados.)

    Sobretudo, importava reformar o prprio reino, tarefa essencial, a an-tepor a qualquer outra:

    Precisamos empenhar todos os nossos esforos, em que o governoda metrpole seja bom, em que todos os ramos da administrao pblicase aperfeioem e em que o nvel moral e intelectual da nao se eleve(Apoiados21.)

    A EMERGNCIA DO NACIONALISMO RADICAL

    Mas esta viso fria da questo ser cada vez mais difcil de sustentar, noltimo quartel do sculo XIX, devido emergncia de um novo factor deordem ideolgica: o enraizamento de uma corrente de nacionalismo radical,marcadamente imperialista, capaz de fazer uma mobilizao relativamenteimportante das camadas populares urbanas das principais cidades do pas(Lisboa e Porto) em torno dos temas coloniais22. Utilizada por todos os par-tidos, quando na oposio, e servindo de base propaganda do recm--formado Partido Republicano, a retrica nacionalista mais exacerbada serviu,em 1879, para atacar a concesso da Zambzia a Paiva de Andrada (con-siderada uma alienao disfarada que punha em perigo a integridade doterritrio nacional) e, em 1881, o tratado de Loureno Marques (criticadocomo uma capitulao perante a Gr-Bretanha, de que resultaria a perda dosdomnios portugueses em frica). Neste ltimo caso, a campanha efectuadaacabou por ter xito, impedindo a ratificao do acordo.

    Para esta corrente que se tornar dominante na dcada de 1880,condicionando tanto a poltica colonial como a poltica externa , a maior

    20 Dirio da Cmara dos Deputados de 14-2-1879, p. 445.21 Ibid. de 11-3-1879, p. 770.22 Sobre a emergncia do nacionalismo radical e o seu peso na vida poltica portuguesa

    no ltimo quartel do sculo XIX, v. o nosso texto Nao e imprio, in F. Bethencourt eK. Chaudhuri, op. cit., vol. IV, pp. 112-142.

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    parte da frica central pertencia a Portugal por direito histrico, provenientedas descobertas martimas, no sculo XV, e das viagens e expedies nointerior do continente africano, realizadas a partir tanto da costa ocidentalcomo da costa oriental, nos sculos XVI e XVII. A ideia, em si, no era nova:a invocao dos direitos histricos servira sempre de fundamento defesadas posies portuguesas em frica no campo jurdico. A novidade estavana fora que esta perspectiva agora ganhava, expandindo-se e tocando oconjunto da populao politizada (acabar mesmo por enraizar-se por talforma na conscincia nacional que ainda hoje tem curso).

    A emergncia deste nacionalismo populista tinha consequncias contradi-trias do ponto de vista poltico: por um lado, dava impulso aos planosimperiais, que podiam prevalecer-se do novo interesse suscitado pela questocolonial; por outro lado, dificultava a adopo do Estado portugus a umsistema internacional em rpida mutao.

    J sensvel na campanha movida contra o tratado de Loureno Marques a ponto de o inviabilizar, como vimos , este constrangimento afectara poltica externa dos vrios governos na dcada seguinte, obrigando-os aassumirem uma posio maximalista nas negociaes para a delimitao dosterritrios de frica, ento em curso23.

    Esse processo de definio de fronteiras comear em finais de 1882,altura em que se iniciaram as conversaes entre Lisboa e Londres, tendopor objecto a regio do baixo Congo (ou Zaire), desde h muito reivindicadapor Portugal. A Inglaterra, que sempre se opusera integrao da zona nodomnio portugus, estava agora mais receptiva a essa ideia, que lhe permitiaopor-se indirectamente instalao da Frana no territrio em causa, nasequncia do tratado celebrado por Brazza com o rei Makoko, em 1880, eda sua ratificao pelo parlamento francs, dois anos mais tarde. Mas asnegociaes arrastaram-se, face dificuldade de conciliar a diferena deperspectiva que partida os dois governos tinham da questo: enquanto paraLondres se tratava de fazer uma concesso a Portugal (a compensar, noessencial, por vantagens comerciais a acordar aos ingleses em Angola eMoambique e por um acordo territorial que exclua o lago Niassa, na fricaoriental, do domnio portugus), para Lisboa a Gr-Bretanha no fazia maisdo que reconhecer os direitos histricos portugueses, sendo por issoabusivas as compensaes que da pretendesse retirar. Finalmente, o tratado

    23 Sobre a histria diplomtica portuguesa na poca do scramble for Africa, v. EricAxelson, Portugal and the Scramble for Africa, 1875-1891, Joanesburgo, 1976, FranoiseLatour da Veiga Pinto, Le Potugal et le Congo au XIXme sicle. tude dhistoire des relationsinternationales, Paris, 1972, Charles E. Nowell, The Rose-Colored Map Portugals Attemptto Buil an African Empire from the Atlantic to the Indian Ocean, Lisboa, 1982, e CarlosMotta, Portugal em frica face Europa (1875-1916), Lovaina, 1989, 3 vols. (tese polico-piada).

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    do Zaire acabou por ser assinado a 26 de Fevereiro de 1884, dando aPortugal a soberania sobre o troo final do rio (embora com limitaes noexerccio dessa soberania).

    O acordo foi de imediato muito atacado em ambos os pases: em Ingla-terra, por parte das associaes comerciais e das organizaes anti-esclava-gistas, que viam como uma ameaa a instalao de Portugal na regio dobaixo Congo (uma campanha tambm alimentada pelo rei Leopoldo da Bl-gica); em Portugal, pela oposio de todas as cores, com o argumento deque s se havia obtido uma pequena parte do que nao portuguesapertencia por direito histrico. Tambm a Associao Comercial de Lisboa,onde os interesses coloniais tinham um peso significativo, reagiu desfavora-velmente, tendo por inaceitvel a total liberdade de comrcio estabelecida notratado para a regio do Congo.

    Contra o tratado se levantaram tambm as objeces da Frana e daAlemanha, o que levou o governo de Londres a abandon-lo. Da questo doCongo nasceu a ideia da Conferncia de Berlim, reunida entre Novembro de1884 e Fevereiro de 1885, com o objectivo de fixar as regras a seguir nocomrcio do continente africano, nomeadamente nas grandes vias de pene-trao, como os rios Niger e Zaire, e de estabelecer os princpios que regeriamas novas ocupaes territoriais.

    DA CONFERNCIA DE BERLIM AO ULTIMATUM INGLS DE 1890

    Em Portugal um dos catorze pases nela representados , as reaces convocao da Conferncia flutuaram entre a afirmao triunfalista dosdireitos histricos nacionais e da certeza de os ver reconhecidos pelo con-junto das potncias e o receio, mais frequentemente expresso, de ver o passer vtima de uma nova espoliao. Como se sabe, das negociaes rea-lizadas nos bastidores do congresso resultou o reconhecimento do EstadoLivre do Congo e da sua soberania sobre grande parte da bacia do mesmorio. Quanto a Portugal, ganhava a respectiva margem esquerda, da foz atNoqui, e, a norte do rio, os territrios de Cabinda e Molembo.

    Tratava-se, objectivamente, de uma expanso territorial numa zona onde apresena portuguesa estava reduzida a algumas feitorias, minoritrias em rela-o s dos outros pases. Subjectivamente, atendendo s expectativas e crena generalizada no peso dos direitos histricos portugueses, estes resulta-dos foram vistos como um desastre, uma grave retraco da soberania nacio-nal em frica. Da advinha um forte sentimento de vitimizao, alimentadoigualmente pelas acusaes que desde a fase final das negociaes do Tratadodo Zaire se faziam a Portugal no estrangeiro, sobretudo em Inglaterra, pondoem causa a capacidade do pas para desenvolver o comrcio e a civilizao noultramar e apontando-o como cmplice no trfico de escravos. A imagem

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    interna e a imagem externa da nao no coincidiam, antes se opunham oque contribua para dar fora s formas mais radicais de nacionalismo.

    A Conferncia de Berlim reforou igualmente em Portugal a corrente dosque defendiam a necessidade de investir em frica, mostrando maior inicia-tiva e maior capacidade no campo econmico, no qual, depois do semi-fracasso das expedies de obras pblicas de Andrade Corvo, havia ape-nas um xito a registar: a formao em 1881 da Empresa Nacional deNavegao, de capitais portugueses, subsidiada pelo Estado, para fazer aligao por carreiras regulares da metrpole com as colnias da costa oci-dental africana. Em Junho de 1885, no imediato rescaldo da Conferncia, oparlamento aprovou rapidamente um projecto a que por vrias vezes serecusara a dar luz verde nos anos anteriores: a construo por uma compa-nhia portuguesa, com garantia de juro do capital investido, de um caminhode ferro de penetrao, a partir de Luanda, em territrio angolano. No debateda respectiva proposta de lei, a projectada via frrea ganhou um valor sim-blico: para alm de obviar prevista concorrncia comercial exercida apartir do Estado Livre do Congo, ela deveria dar testemunho da capacidadede realizao dos portugueses em frica, abrindo civilizao todo o interiordo continente (a realidade ser muito outra: por falta de capitais, a constru-o da via arrastar-se- durante dcadas, constituindo um sorvedouro paraas finanas pblicas).

    Da Conferncia extraam-se ainda duas outras ilaes. A primeira delasdizia respeito ocupao da zona entre Angola e Moambique, objectivoantigo que ganhava agora uma nova urgncia, dada a apetncia por fricapor parte de vrias potncias que o congresso de Berlim viera demonstrar.

    A segunda ilao situava-se no mbito da poltica externa. Era agora, comefeito, claro que, no campo colonial, se passara de um mundo dominado poruma nica potncia hegemnica para um sistema multipolar, onde a Gr--Bretanha dificilmente poderia impor por si s as suas posies o queobrigava Portugal a fazer um jogo mais vasto, diversificando os seus apoios,tanto mais que durante a Conferncia o governo de Londres abandonara sua sorte os interesses portugueses. Da uma inflexo no rumo at entohabitualmente seguido pelo governo de Lisboa, que procurou a anunciaprvia da Frana e da Alemanha formalizada nas convenes de 12 deMaio e de 30 de Dezembro de 1886, respectivamente para garantir oreconhecimento de uma zona de influncia portuguesa no territrio entreAngola e Moambique. Assim se ensaiava um jogo de equilbrio entre asvrias potncias, fazendo-se sobretudo apelo a um eventual apoio alemopara contrabalanar as presses britnicas.

    Como fundamento das reivindicaes territoriais portuguesas, invoca-vam-se ainda os direitos histricos a abertura ao mundo da frica sub-sariana, o estabelecimento de feitorias, a evangelizao, a presena no interior

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    do continente atravs de antigas expedies e viagens de explorao nointerior do continente, documentadas em mapas que antecipavam as recentesdescobertas geogrficas de Livingstone. Para a generalidade das elites pol-ticas pertenceriam a Portugal, com base nestes ttulos, para alm do baixoCongo (perdido para o rei Leopoldo da Blgica), toda a zona que ficava entreos territrios ocupados de Angola e Moambique (fazendo a ligao entre ascostas ocidental e oriental do continente) e ainda a regio do lago Niassa.

    Mais uma vez, a crescente presso dos interesses das diversas potnciaseuropeias em frica veio pr rapidamente fim a estas iluses. Neste caso, asreivindicaes portuguesas entraram em conflito com os planos britnicos deexpanso para norte, a partir do Cabo, encabeadas, no final da dcada de1880, por Cecil Rhodes e pela sua British South African Company. Por seuturno, os missionrios escoceses estabelecidos em Blantyre (Niassa) reagiamdesfavoravelmente incorporao deste territrio nos domnios portugueses.

    Confrontado desde 1887 com a recusa da Inglaterra de reconhecer osdireitos portugueses nas regies em causa, o governo de Lisboa procurouresistir, buscando o apoio diplomtico da Alemanha (que nunca chegou) ereforando a presena portuguesa no terreno, atravs de uma srie de expe-dies. Em negociaes conduzidas fora dos canais oficiais, em Maro-Abrilde 1889, o ministro Barros Gomes disps-se a desistir da ligao entreAngola e Moambique, contando que a Portugal fosse reconhecida a zona dolago Niassa, mas Londres no aceitou esta soluo. Era, no entanto, omximo que o governo portugus poderia ceder, dada a presso dopopulismo imperial (no sendo sequer certo que esse compromisso pudesseaplacar as iras do nacionalismo radical dominante).

    Mas, por essa altura, Salisbury estava j decidido a dar uma lio a umpequeno pas que se atrevia a interferir nos planos de uma grande potncia.Poucos meses depois, a pretexto de um conflito entre uma das expediesportuguesas e os makololos, a sul do Niassa, que estavam sob protecobritnica, o governo ingls exigiu a retirada dessa e de todas as outras forasportuguesas que se encontrassem nos territrios contestados. Era o ultimatumde 11 de Janeiro de 1890, a que o governo de Lisboa cedeu no dia seguinte.

    Em vo se procurar qualquer trao deste episdio nas histrias dasrelaes internacionais; mas trata-se de uma data fundamental da vida por-tuguesa. Tomado como uma espoliao de direitos irrefutveis e uma insu-portvel humilhao nacional, o ultimatum provocou em Portugal um enormesobressalto: acumuladas na dcada anterior por impulso das presses edesconsideraes externas e do populismo imperial, as pulses nacionalis-tas explodiam finalmente, sacudindo o pas durante meses, marcando todauma gerao24.

    24 Baslio Teles, Do Ultimatum ao 31 de Janeiro, Lisboa, 1905.

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    Neste contexto, frustrou-se uma primeira tentativa de chegar a acordocom a Gr-Bretanha atravs de um tratado assinado a 20 de Agosto de 1890,que no pde ser ratificado pela vaga de agitao que provocou. As prpriasinstituies monrquicas estavam ameaadas: a 31 de Janeiro de 1891 deu--se uma tentativa de golpe militar republicano no Porto. Em frica, asposies portuguesas degradavam-se: na ausncia de um tratado de delimi-tao territorial, a British South African Company de Cecil Rhodes ia alar-gando a sua esfera de influncia custa de Moambique.

    Finalmente, a crise levou os partidos monrquicos a cerrarem fileiras,apaziguando os conflitos entre eles e procurando uma rpida soluo para oconfronto com a Gr-Bretanha soluo a que se chegou pelo tratado de11 de Junho de 1891. Por essa altura, a onda de agitao tinha j quebrado,sendo o acordo que no era mais favorvel a Portugal do que o do anoanterior ratificado sem contestao.

    Nos seus termos, ficava sob a soberania britnica a margem oeste dolago Niassa, bem como a regio planltica do interior da frica central o que punha fim s pretenses portuguesas de ligar Angola a Moambique,estabelecendo uma faixa contnua de domnio da costa ocidental costaoriental. Objectivamente, os limites fixados representavam para Portugal umaforte expanso, concedendo-lhe vastos territrios onde no detinha at entoqualquer poder ou influncia. Mas a percepo que no pas se teve dosfactos e da soluo encontrada foi outra: na memria colectiva ficou a ideiade um vasto imprio perdido em finais do sculo XIX por imposio dapotncia hegemnica na poca, a Gr-Bretanha.

    CONCLUSES

    Importncia do facto colonial e forte peso que nele tm os factoresideolgicos tais so as constataes mais evidentes da breve sntese queacabmos de fazer da evoluo do projecto colonial portugus ao longo dosculo XIX, no longo perodo de charneira que vai da secesso do Brasil formao do novo sistema, centrado em frica.

    Estamos assim, nestas concluses, mais prximos da tese de Hammonddo que da defendida por Clarence-Smith: vimos o papel reduzido que osinteresses econmicos jogaram na consolidao do domnio portugus noultramar, a dimenso assaz restrita dos sectores ligados ao comrcio colo-nial. Os planos imperiais no nasceram da presso de uma burguesia mer-cantil e financeira que, tendo conhecido um ltimo surto de prosperidade naviragem do sculo, sobreviveu mal srie de catstrofes que sobre ela seabateu nas dcadas seguintes invaso de Portugal pelas foras napole-nicas, em 1807, e subsequente guerra, extensiva a toda a Pennsula Ibrica,

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    at 1814; transferncia da corte para o Brasil, tambm em 1807, que levou abertura dos portos da colnia americana aos navios estrangeiros, com aconsequente perda, muito acentuada, dos fluxos mercantis externos dametrpole; perturbaes polticas graves, pontuadas por guerras civis, numperodo de agitao poltica e social que s teve o seu termo em 1851. Paramais, o principal ramo de comrcio dos ncleos coloniais portugueses emfrica o trfico negreiro estava solidamente controlado a partir doBrasil, como vimos, o que tornava arriscada e pouco atractiva qualquertentativa de implantao das casas mercantis da metrpole.

    Deste modo, temos de ver no projecto colonial portugus, no sculo XIX,a expresso de um voluntarismo de cariz poltico, correspondendo a impe-rativos de ordem estratgica (a criao de um contrapeso tendnciacentrpeta de Madrid) e ideolgica (a imagem que o pas fazia de si prprio,tal como as elites nacionais a vo construindo e impondo, fundando-a numamisso colonizadora e civilizadora ou, noutro registo, evangelizadora com origem nas viagens martimas do sculo XV).

    Esta ideologia no , no entanto, unvoca: no seu seio amalgamam-seconcepes diversas, por vezes conflituais, sobre o papel do imprio no todonacional. Embora correndo o risco de simplificar em excesso uma realidadecomplexa, distinguimos duas correntes centrais: a que via nas colnias sobre-tudo um testemunho das grandezas passadas, uma herana a preservar, pelolugar que ocupavam na memria e na identidade da nao; e a que esperava veras terras do ultramar desentranharem-se em riquezas capazes de regenerarema economia da metrpole e de consolidarem a sua independncia poltica.

    A primeira destas concepes tinha, em princpio, uma funo puramentepassiva a de impedir qualquer tentao de abandono da via colonial, emgeral, ou mesmo de qualquer territrio, em particular, por mais difcil emenos rentvel que se afigurasse a sua explorao, e a de impor a resistnciamais tenaz s ameaas externas integridade de tudo o que se supunhapertencer ao imprio. Poderamos falar aqui, a justo ttulo, de imperialismopassivo na condio de termos em conta que esta concepo, enraizan-do-se nas camadas urbanas politizadas, acabou por servir de suporte expanso colonial portuguesa do final do sculo.

    Mas os projectos imperiais formulados ainda antes da partilha de fricafundavam-se sobretudo na segunda perspectiva a que via no ultramar umpossvel Eldorado. Neste caso havia j uma relao directa com as realidadeseconmicas a vrios nveis. Desde logo, embora o objectivo central dosprojectos fosse de ordem poltica, tinha-se a conscincia de que a meraposse de um vasto imprio no bastaria para o cumprir: o engrandecimentoda nao ou, mais simplesmente, a sua sobrevivncia passariam sobretudopela capacidade de criar uma economia autocentrada, devendo as colniasservir de complemento ao estreito mercado nacional. Para a chegar seria

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    necessrio mobilizar os capitais e as iniciativas privadas uma tarefa que, porvrias vezes tentada, se revelou de uma extrema dificuldade, como vimos.Duas ordens de razes, que, alis, no se excluem uma outra, podem invocar--se para explicar esta relutncia em investir nos empreendimentos coloniais: ascondies do mercado interno de capitais e a falta de mentalidade capitalistada grande maioria dos detentores dos meios financeiros nacionais.

    Quanto ao sector mercantil ligado aos trficos ultramarinos, era compos-to por empresas de pequena dimenso, sem capacidade para mais altos voos.Embora desempenhasse um papel fundamental no seio do imprio, mantendoas escassas relaes que ligavam a metrpole aos territrios do ultramar,esse sector contribua para travar a sua modernizao, tanto no campo socialcomo no econmico. No era diferente a posio dos proprietrios dasroas de caf e de cacau das ilhas de So Tom e Prncipe, em geralabsentistas, que, por regra, reinvestiam os seus capitais em Portugal.

    Neste contexto, se o projecto imperial se impe finalmente, deve-o arazes extra-econmicas. Mas seria de toda a evidncia um erro tentarextrair desta concluso qualquer argumento em favor de uma teoria geral queveja no imperialismo europeu apenas a expresso de factores polticos eideolgicos. Alis, se prolongssemos a nossa anlise no tempo, abrangendoas trs dcadas seguintes, veramos alterar-se o quadro que acabmos detraar, pelo maior peso que, uma vez feita a partilha dos territrios de frica,nele adquirem precisamente os interesses econmicos. A promulgao depautas alfandegrias altamente proteccionistas, em 1892, permitiu que aactividade produtiva nacional neste caso, o txtil de algodo e o vinho fizesse pela primeira vez uma exportao significativa para as possesses docontinente africano. Por outro lado, o comrcio de trnsito de gneroscoloniais teve um papel decisivo na recuperao da grave crise da economiametropolitana, na ltima dcada do sculo, pelas divisas que trouxe, numafase de quebra das transferncias de capital dos emigrados portugueses noBrasil. Finalmente, muitos membros da classe dirigente ocuparam lugarescomo administradores das companhias coloniais que ento se formaram,geralmente em associao com capitais estrangeiros25. A tese de Clarence--Smith, com a sua nfase no carcter econmico do imperialismo portugus,est nesta fase mais prxima dos factos.

    Da uma ltima concluso, de carcter geral: a inutilidade de tentar ex-plicar uma realidade complexa como a expanso colonial portuguesa pelorecurso a uma nica chave interpretativa, capaz de por si s lhe conferirsentido. Assim ser tambm, por maioria de razo, na anlise do imperialis-mo europeu de finais de Oitocentos como fenmeno global.

    25 Cf. Jorge Pedreira, Imperialismo e economia, in F. Bethencourt e K. Chaudhuri,Histria da Expanso Portuguesa, Lisboa, 1998, vol. IV, pp. 268-301.