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Modernidade e Comunicações: Meios de Transporte e o Território Urbano. Modernity and Communications: Ways of Transport and the Urban Territory. Taís Schiavon 1 , Doutoranda em Arquitetura, Universidade de Évora, Évora Portugal. [email protected] 1 Arquiteta e Urbanista pela UNESP_Universidade Estadual Paulista Júlio deMesquita Filho, campus Bauru (2007-2011), Mestra em Gestão e Valorização do Patrimônio Industrial pelo Master Erasmus Mundus TPTI_Techniques, Patrimoine et Territoire de l’Industrie (2013-2015). Doutoranda em Arquitetura da Universidade de Évora, Évora, Portugal.

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ModernidadeeComunicações:MeiosdeTransporteeoTerritórioUrbano.

ModernityandCommunications:WaysofTransportandtheUrbanTerritory.

TaísSchiavon1,DoutorandaemArquitetura,UniversidadedeÉvora,É[email protected]

1Arquiteta e Urbanista pela UNESP_Universidade Estadual Paulista Júlio deMesquita Filho, campus Bauru (2007-2011),MestraemGestãoeValorizaçãodoPatrimônio IndustrialpeloMasterErasmusMundusTPTI_Techniques, PatrimoineetTerritoiredel’Industrie(2013-2015).DoutorandaemArquiteturadaUniversidadedeÉvora,Évora,Portugal.

SESSÃO TEMÁT ICA 8 : TÉCNICAS E MÉTODOS PARA ANÁLISE URBANAE REGIONAL

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

Fruto da primeira revolução industrial, o sistema ferroviário de transportes, representa umsímbolo mundial de modernidade repleto de distinções e rupturas decorrentes de distintosdesdobramentos políticos e econômicos aplicados em meio à nações desenvolvidas esubdesenvolvidas.Transformaçõesdecarátersocial,espacialeeconômico,queapartirdosanos60 assumem novos comportamentos, refletidos no abandono de inúmeros complexos emsobreposiçãoàsnovasestratégiasdetransporteecomunicações.Adesativaçãodestesambientesrepresentam graves consequências aos centros urbanos, um rico cenário onde projetos derequalificação buscam amenizar os problemas estruturais, valorizando assim, a história dosambientes.Considerandoqueasestratégiasdedesenvolvimentoeasaçõesderequalificaçãonãoatingemdeformahomogêneatodososambientes,estapropostabuscaapartirdacomparaçãodecidadesnaEuropaeAméricadoSul identificardiferentescomportamentosurbanos.A leituradeerros e acertos permitirá o delineamento de novas estratégias ao Brasil, identificando novaspossibilidadesàrealidadedecidadesquenoiníciodoséculoXXreceberamforteinfluênciadaeraferroviáriaequehojedinamizamconflitoscomasestruturasdesteimensocomplexo.

Palavras Chave: Estruturação e Requalificação Urbana; Ferrovias Internacionais; PatrimônioIndustrialeFerroviário.

ABSTRACT/RESUMEN

Resultofthefirstindustrialrevolution,therailwaytransportsystemrepresentsinthe19thcenturya global symbol of modernity filled with distinctions and ruptures in its trajectory, applying indistintics political and economic contexts along developed and underdeveloped nations.Transformationswithspacialandeconomicalactions, thatsince the1960,adoptnewbehaviors,reflected in the progressive abandonment of numerously railways complexes, overlaid newstrategiesof transportandcommunication.Thisprocessrepresentsseriousconsequencestotheurban centers, a scenario where the changes searching to resolve structural problems and thepromotion of the historical values. Whereas the actions of requalification don’t reach with ahomogeneouslywayallenvironments,thisproposalseeksfromthecomparisonofcitiesinEuropeand South America identifies different behaviors. The cities listed provide the narrative of thearticulationandrearticulatingprocesses,betweenrailwaysand thecontemporaryurbancontextconsideringtheirdistinctcultural,socialandeconomicconditions.Theanalysisoftheprojectswillallow the design of new strategies to Brazil, identifying new possibilities to the reality ofmanyBraziliancitiesthatduringtheearlyofthe20thcenturyreceivedstronginfluencesoftherailwaywayoftransport,andnowstreamlineconflictswiththesestructures.

Keywords/Palabras Clave: Urban development and reestructuration; International Railways;IndustrialandRailwaysHeritage.

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MODERNIDADE E COMUNICAÇÕES: MEIOS DE TRANSPORTE E O TERRITÓRIOURBANO.

Se no passado o sonho das comunicações interoceânicas estimulou investimentos e favoreceueixosdegrandeenvergadura,hoje,estesmesmosempreendimentosdualizamvitóriasederrotas,evidenciandoaimportânciadenovosestudosemtornodosimpactosemmeioàsuaconstruçãoedesenvolvimento, considerando neste processo a trajetória histórica e atual das empresas eambienteenvolvidonatentativadeamenizarasrupturasimpostaspornovoscicloseconômicoseseucomportamentoemdiferentespaíses.

Aoafirmarmosqueemsuatrajetóriaasferroviasatuavamcomoverdadeirosmeiosdedispersãodanascenteeconomiaindustrialecapitalista,notamosquenaEuropaasuaconstruçãoocorreemgeral em ambientes economicamente consolidados, um grande contraste com o contextobrasileiro, onde as ferrovias foram em geral, responsáveis pela abertura do hinterlanddesconhecido,emumaestratégiasemelhanteemalgunscasosaomodeloadotadopelospioneersnorteamericanos2.

Vale destacar que no Brasil, os empreendimentos ferroviários se caracterizam pela falta dearticulação nacional nos projetos desenvolvidos.Mesmo com inúmeras propostas de planos deviação nacional que buscariam sugerir trechos viáveis ao território aos interessados em novosinvestimentos,osprojetosdesenvolvidosdescrevememgarndeparteregionalismosemtornodomodeloeconõmicoagroexportador,umaestratégiaqueevidenciaafragilidadeexistenteemmeioaoenormeterritório.

Serão analisadas as estratégias e projetos de articulação de eixos ferroviários nacionais einternacionais atuantes como corredores em busca do Atlântico, considerando neste processosuas estratégias, conformação territorial e sobreposições aos demais modais de transportes.Sendoassim, amodernidade serádescrita apartir da introduçãodeestratégias eestruturasdecomunicação,influênciandodinâmicasurbanaseeconomiaslocais,regionaiseinternacionais.

Oenquadramento internacionaldesteestudoauxiliaráacompreensãodoprocessodedispersãode ferrovias mundo a fora, evidenciando os avanços alcançados na Europa e os tropeçosBrasileiros, evidenciandoaspotencialidadesde requalificaçãourbanae valorizaçãohistórica.Aoconsiderarmosdiferentescontextosurbanosafirmamosquesuaspaisagenspermitemadescriçãode seus vestígios históricos, elementos de relevante importância ao contexto sócio espacial emqueseinserem.A(re)estruturaçãodestesambientespodetantorequalificarseusespaçosquantoarruinar por completo sua identidade e urbanidade, sendo neste momento de fundamentalimportância,acompreensãodosfatoshistóricosedemaisfatoresinseridosemsuaconstrução.

ObjetivoseMetodologia.

Resultadodeumaanáliseemestruturaçãoedesenvolvimento,esteestudoprocuraincidirsobreas transformações decorrentes das transições econômicas dos anos 60, um período de ruptras

2Nestesentidovalecitarquemuitasdas leisdestinadasaodesenvolvimento ferroviárioeadensamentodoterritórionoBrasil foram inspiradas emprojetos lançados por empreendimentos e políticas norte americanas, que emmuitos casosgarantiaminúmerosprevilégiosàscompanhiasinteressadasnaconsolidaçãodeferrovias.ComoocasodaLeiFederalde1907, onde as organizações deveriam respeitar a estruturação de associações e cooperativas de crédito agrícola, quepoderiamsercompostasporcompanhiasdeestradadeferro.Etambémpelodecreton°8532de25deJaneirode1911,estabelecendoregrasparaaconstruçãode‘EstradasColoniais’oude‘Colonização’,ondeascompanhiasteriamdireitoaumafaixalindeiraaostrilhos.

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globais atuantes na organização produtiva e logística mundial, identificando os impactos noprocessoderearticulaçãodosistemaferroviáriodetransporteseosseusreflexosnaorganizaçãourbana.

Ao considerarmos que estes processos não atingem de forma homogênea todos os contextosurbanos, a proposta levará em consideração a análise de cidades no Brasil, França, Espanha ePortugal, que a partir de articulações locais, regionais e internacionais, reestruturam seusterritórios e estratégias de transporte em torno da conformação de corredores interoceânicos,atuante em meio a necessidade de dinamização do território e dispersão de tecnologias eprodutos.

Caracterizada como a continuação de estudos nacionais e internacionais3, a investigação terácomo ponto de partida a atual situação do complexo ferroviário brasileiro e sua ampladependência técnica e econômica internacional, sobretudo europeia, sendo representadoprincipalmente pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que entre suas estratégias pretendiacomunicaroportodeSantosàregiãocentraldoBrasil.UmaestratégiaambiciosamenteampliadabuscandoacriaçãodeumcorredortransoceânicounindooChile,Peru,Bolívia,ParaguaieBrasilemumeixointernacionalcompossibilidadesdecomunicaçãoentreoceanos.

O caso sul americano, representado pelas aspirações em torno da concretização do eixoTranscontinental Santos – Arica (que inclui ferrovias no Chile, Peru, Bolívia e Brasil), terá comoreferente comparativo a estrutura de comunicações internacionais europeias atuantesprincipalmenteentreFrança,EspanhaePortugal,analisadasemmeioasestratégiasdeacessoaoAtlântico,umprocessoquetantoestimulouinvestimentosnopassadoequeaindahojebuscamaviabilizaçãodeantigostrajetoseambientesurbanos.

Caracterizada por uma análise multidisciplinar e de abordagem em diferentes escalas, ametodologiapropostabuscaapartirda circulaçãode ideiase conhecimentos, a articulaçãodosacontecimentosentrediferentescidades,narrandodestamaneirasuasorigensetransições.

SenoBrasilestemomentorepresentaoabandonoeasubstituiçãodeantigospadrõespornovosmodelos de consumo, capazes de ampliar sua fragmentação urbana, na Europa este mesmoperíodorepresentaoiníciodeumlongoprocessodereestruturação,envolvendopolíticaslocais,regionais,nacionaiseinternacionais,fortementepraticadosatéosdiasdehoje.

ModernidadeeComunicações:Ferroviascomoelementosdetransformação.

Por várias vezes o conceito demodernidade foi responsável pela narrativa das transformaçõesurbanasdenossasociedade,nesteprocesso,osmeiosdecomunicaçãoterritoriaisforamalvosdeinúmeros avanços técnicos, diretamente refletidos na organização e reorganização do território(Anastasiadou,2011).

3OsestudosdesenvolvidosànívelnacionalsãorepresentadospelosresultadosobtidospelosubtemaIII(SaberesUrbanosna configuraçãoe re-configuraçãodas cidades formadas comaaberturade zonaspioneirasnoOestedoEstadode SãoPaulo) do Projeto Temático FAPESP (Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano:Estado de São Paulo, séculos XIX e XX). Responsáveis pelo embasamento do material produzido ao longo dodesenvolvimentodoMasterTPTITechniques,PatrimoineetTerritoiredel’Industrie),umconvênioentreasUniversidadesParis 1 Panthéon Sorbonne (França), Università Degli Studi di Padova (Itália) e Universidade de Évora (Portugal),desenvolvido em torno da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysagesindustrielsdel’Ouestdel’ÉtatdeSãoPaulo,commepatrimoinedelaMobilitéauBrésil).

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Aopassoqueasociedadeindustrialsecaracterizapelocomportamentotipicamenteurbano,seudesenrolar possibilita a constante instauração de padrões de desenvolvimento e organizaçãoespacial (Choay, 1992, p. 01), ambientes onde as teorias emodelos urbanos desenvolvidos porHaussmann, Cerdà, Sitte, Howard, Le Corbusier e tantos outros, influenciariam a atuação dearquitetoseengenheirosportodoonascentemundocapitalista.

Considerando o continente europeu como berço de grande parte destas transformações econsequênte dispersão destas ações por todo o mundo, Caron (1990) analisa a evolução dostransportesterrestres,sobretudoosacontecimentosrelacionadosàsarticulaçõesfrancesasentreosséculosXIXeXX,especificandoemseuestudo,aconcorrênciaentreosdiferentesmodaiseaarticulaçãodeeixos internacionaisdetransporte,umproceso iniciadoantesmesmodoadventodasferrovias.

SegundoCaron,aestruturaçãodosistemaferroviárioeuropeuprocurouresponderàdemandadetransportes entre países ou regiões previamente servidas por estradas ou canais; articularambientesondeodesenvolvimentoeconômicofossetardio,oupossibilitaroestabelecimentodetrocasentrelongasdistâncias,permitindoassimaestruturaçãonacionaleaintegraçãodoespaçoeuropeu.Destaforma,amalhadetransportespossuicomocaracterísticaumaverdadeiramalhadetransportesarticuladaentrediferentescidadesepaíses.

NaEuropa,aatualarticulaçãodostransportesterrestres,evoluiudeformainterligadaaosavançostecnológicos.Nesteprocessodediversificação,oambienteurbanoatuademaneirasemelhante,buscandosempreamelhorformadearticulaçãoentreaantigaestruturaçãoeasnecessidadesdonovomodal.Adecisãodeseconstruirumaferrovia,umarodoviaouumcanaleraresultadodiretodoconfrontoentresuarentabilidadeeutilidade,aliadosàsuaconstanterenovação.(Caron,1990)

Nesteprocessodedispersãodenovas técnicase tecnologías,aquestãodo imagináriopodesertambém considerada como um elemento de importante identificação. A emergencia de novastecnologias pode ser historicamente relacionada ao discurso e ao desejo por novosmodelos eideiasaplicadosemoutrasregiõesdomundo.Estasentreoutrasaçõespermitemaconstruçãodesituaçõescoletivaseindividuaisrepresentadaspeloimaginário.

A emergência de novas tecnologias é historicamente acompanhada dediscursos e visões futuras do mundo. Representados por sonhos, ideias efantasmas que se entrecruzam de forma coletiva ou individual,acontecimentos que nós chamamos de imaginário. No imaginário, essasvisõespermitema formalizaçãodeuma linguagemsimbólica compostaporimagens, palavras, ritos mituais, histórias. A técnica como capacidadehumanade inventodeutilidadesememorisar suaaplicaçãodeuma formadurável e contínua, utiliza este recurso do imaginário para a criação deobjetos, gestos e significados. (...) O processo de industrialização dos doisúltimos séculos se tornou vetor de transformação entre o contexto detécnicas locais e sua mundialização: as criações locais não tinham acesso.(Garçon2012).(Traduçãofeitapelaautora)4

4L’émergencedesnouvelles technologiesesthistoriquementet actuellementaccompagnédediscoursetdevisionsdesmondesàvenir.Cesontdesrêves,desidées,desfantasmesquis´entrecroisentdansunlieucollectifouindividuelqu´onappellel´imaginaire.Dansl´imaginairecesvisionsprennentlaformed´unelanguesymboliqued´images,demots,derites,de mythes, de récits. La technique comme capacité humaine d´inventer des outils et de mémoriser leurs usage pourpouvoiragird´unemanièredurableetreproductible,utilisecelieudel’imaginairepourycréerdesobjets,desgestes,dessignes. (…) L’industrialisationdesdeuxdernières sièclesaétévecteurde transformationdes cultures techniques localesversuneculturetechniquemondialisée.

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Oproceso de industrializaçãodos últimos dois séculos pode ser caracterizado comoo vetor detransformaçãodasculturas técnicas locaise suamundialização,permitindooencorajamentodenovosinvestimentos,oincentivoeodesejoàsuautilização.

Exemplosilustradospelosreflexosdasexposiçõesindustriaisportodoomundo,cadavezmaisadispersão de ferrovias e do ideal industrial se espalha por todo omundo. Acompanhando esteprogresso, as exposições mundiais auxiliavam esta dispersão. A participação brasileira nestasfeirasbuscavademonstraraosinvestidoresosavançosalcançadospelopaíseoenormepotencialde investimentos. Neste contexto, a Exposição Universal de 1876, realizada na Philadelphia,demonstra os avanços nacionais obtidos com a dispersão de ferrovias e o engrandecimentoeconômico,onde“detodososramosdaindustria,adetransporteéodasestradasdeferro,que,n’estesultimosannos,temrecebido,noBrazil,maiorimpulso”(OImperiodoBrazilnaExposiçãoUniversalde1876).

Este mesmo imaginário foi fundamental para o processo de reestruturação de companhiasferroviárias na Europa, principalmente ao longo dos conflitosmundiais que arrasaram diversasáreas do continente, o estímulo ao turismo e a independencia foi um fator de extremaimportancia à continuidade do transporte de passageiros, principalmente entre o públicofeminino.(Starostina,2013)

Figura 01. Principais trajetos ferroviários destinados ao transporte depassageiros na Europa. Fonte: <www.eurorail.com> acesso em Junho de2016.

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Figura02.Mapadoscorredoresdetransportedemercadoriasematuaçãonocontinente Europeu, contendo a identificação das principais rotas. Fonte:<www.webrails.tv>acessoemJunhode2016.

UmprocessoopostoaoocorridonoBrasil,paísemqueatardiaorganizaçãopolíticaaliadaàfaltadeplanejamento tevecomoresultadoumadesarticulada redede transportes (Calógeras,1928),amplamente dependente do contexto internacional para sua inicial estruturação, processo esteacompanhadapelobaixo interesseemsua reestruturação,umsistemaqueapartirdosanos50opta pela substituição gradativa de sua rede de transportes, adotando como novo ‘padrão’ omodelorodoviário(Barat,1978).

Ao considerarmos como parâmetro eixos interoceânicos, verifica-se que muitos dos eixostranscontinentais mundiais, foram economicamente desnecessários ou precoces, fato afirmadoporWhite(2013)emseuestudosobreoseixostranscontinentaisnorteamericanos.Umaatitudesemelhante ao caso brasileiro, onde o lançamento de projetos voltados para o territórioimprodutivo,revelavaoreceioeespantodeinvestidoresinternacionaisnosempreendimentosemdireçãoaohinterlanddesconhecido(Monbeig,1984).

SenaEuropaas ligações ferroviárias foramcriadascomomeiodegarantiadesuporteàcentrosurbanosjáexistenteseeconomicamenteexpressivos,noBrasil,aexemplodosempreendimentoslançados pelos pioneers norte americanos (Langenbuch, 1971), os trilhos foram muitas vezesresponsáveispelacriaçãodecivilizações(Azevedo,1950),comonocasoconsolidadopelaEstradadeFerroNoroestedoBrasil,localizadanaregiãoOestedoEstadodeSãoPaulo.

AdispersãodeFerroviasnoBrasil.

Ao longo dos primeiros anos do desenvolvimento ferroviário brasileiro, a ainda ‘colônia’ dePortugal,nãoapresentavaintensõesdeestruturaçãodeum‘planonacional’deviaçãoférrea.Emgeral, seus trechos eram construídos em convergência aos portos estabelecidos ao longo dolitoral. Nesta fase, o povoamento do territorio nacional, tinha como característica oestabelecimentodepequenosnúcleos,dispostosdeformaisoladaaolongodacosta.Umcontextocaracterizado pelo baixo potencial econômico e de desenvolvimento,marcado pelo domínio daatividadeextrativistaeagroexportadora.

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Osnovosatores,protagonizadospelo“engenheiromoderno”,deveriamseocupardaconstruçãodeinfraestruturasdetransporteeordenamentoterritorial(Vargas,1994),buscandoaformaçãodo“territóriomoderno”e“productif”(Alliès,1980;Picon,1992eChatiziz,2000.Apud:BrescianieRetto Jr., 2009), quenoEstadode SãoPaulo, pode ser considerada comoum fatordeextremaimportância,umavezqueaproximadamente65%doterritóriopaulista,foiinicialmentearticuladopelosistemaferroviáriodetransportes.(Schiavon,2015)

No início do século XX, as novas concessões passam a obedecer novas estratégias buscando aconexãoentreosnúcleosferroviáriosjáformuladosnaregiãocosteira,quedeveriamsearticularcomacapitaldopaís,acidadedoRiodeJaneiro,sendoseuseixosprolongadosaosEstadosdeSãoPaulo,MinasGerais,ParanáeMatoGrosso,permitindodestamaneira,oadensamentoeadefesado territorio nacional, em acréscimo ao fato de que países como Peru, Bolívia e Paraguai,utilizassemostrilhosbrasileirosparaoescoamentodeseusprodutosaoAtlântico.

Figuras 03 e 04. Desenvolvimento ferroviário, comparações entre 1870 e1913. A comparação entre estas duas periodizações relativas aodesenvolvimento ferroviário no país, demonstra claramente a inicialarticulaçãoferroviáriaesuarelaçãocomosprincipaisportosdopaís,seguidodeseuprocesodeinteriorização.Fonte:Acioli,2007.

(...) este incremento no investimento ferroviário ocorreu de maneirarelativamente desordenada. Sem um planejamentomaior do governo e naausênciadeumplanogeraldeviaçãooficialquepudessenortearapolíticadeconcessões e o traçado das ferrovias, a grandemaioria commenos de 100km, obedecia aos interesses das áreas econômicas mais importantes,caracterizando-ascomoverdadeirasestradas‘cata-café’”.(...)amultiplicaçãode estradas construídas sem nenhuma diretriz mais racional resultavaprejudicial à administração. Com uma população ainda pouco densa,separadaporgrandesdistanciasecomrecursosproporcionalmentelimitadostornava-se impossível contornar essa multiplicidade de linhas de estradascomsuasinfinitasramificaçõesapenasàcustadoTesouro.(Acioli,2007,p.17)

A ferrovia apareceria comomodalidade de transporte que propiciaria o re-equacionamento doterritórioeo“aparelhamentotécnicodopaís”.(SINGER,1968eIanni,1971)OiníciodoséculoXXestimulaaexpansãoeconômicaeoavanço ferroviário,garantindopormuitosanosumafictícia

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sensaçãodecrescimento,queencontra suaquedamarcadapelas crisesmundiais concentradasentreosanosde1915e1930.

Um processo que a partir dos anos 50 passa a ser gradualmente substituído pelo modelorodoviário, resultadodasnovaspropostasdemodernizaçãopropostaspelopresidenteJuscelinoKubitschek (1956-1961). O colapso do sistema ferroviário seria identificado a partir de 1960,reflexodofortalecimentodomodelorodoviárioedasdificuldadesemtornodareestruturaçãodocomplexoanterior.Nosanos90,teriainíciooprocessodedesestatizaçãodasferroviasfederaiseestaduais,queconcedidasàsempresasprivadastinhamcomoresponsabilidadeareestruturaçãoda malha férrea, um processo responsável pela desativação de trechos antieconômicos eformaçãodenovospolosdeatuaçãoedesenvolvimento.(Barat,1978,p.23)

No século XIX as nações mais desenvolvidas detinham o domínio técnico e tecnológico nodesenvolvimentoferroviário,permitindoacirculaçãoderecursoseconhecimentosaplicadosempaísescommenoresíndicesdedesenvolvimentocomooBrasil.

Amundializaçãodesteprocesso.

AoinciardeformatardiaaestruturaçãodesuarededetransportesoBrasilrepresentaumamploterreno de intervenção e dependência internacional, onde a falta de planejamento resulta naformaçãodeumadesarticuladaestruturadetransportes.

MesmocomahegemoniabritânicaidentificadaporumlongoperíodonoBrasil,oséculoXIXabrenovas possibilidades à diversificação de investimentos. Um processo facilitado pela fixação denovosterritórios,onde‘desbravadores’dediversasnacionalidadesmantinhamcontatocomsuasembaixadas, exigindo do governo brasileiro a melhoria dos meios de comunicação e infraestrutura,influenciandoadeterminaçãodemuitosprojetos.

A instabilidade política entre as potencias econômicas e seus novos anseios ‘coloniais’,contribuem para a criação de políticas ferroviárias de grande envergadura dotadas do alcanceeconômicoeestratégico,atuantesalémdoslimitesimpostospeloterritórioeoceanos.

Figura 05. Ferrovia Ibero-afro-americana. Da Europa às Américas pelaPenínsula Ibérica em 5 dias, com 3 de navegação. Com destaque para os

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projetos propostos para o Brasil. Fonte: Compte Rendu des Travaux du IIeCongrèsInternationaldeLaRoute,Bruxelles,1913.In:RettoJr.,2003.

Até os fins do século XIX, se acreditava que apenas os grandes países Europeus, ou os demaispaísesindustrializadoscomoosEstadosUnidoseCanadápoderiamconstruiroufinanciarferroviastranscontinentais,queatravessariamoterritóriode“(...)lesteaoeste,seestendendodeoceanoaoceano(...),cortandoregiõesaindaincultas,unindoosportosdoAtlânticoedoPacíficoque,pelanavegação marítima abriam o coração do país ao comércio com os demais continentes (...)”(Azevedo,1950,p.92)

Castro (1993) descreve que no início da década de 1870 o sueco Christian Palm demonstra aoentão governo Imperial o interesse na construção de um projeto ambicioso para uma ferroviatranscontinentalparaaAméricadoSul,afirmandonaépocadesercapazdecriarumacompanhiacompostaporhábeisengenheiroseinvestimentosprovenientesdecapitaisingleses,que“emsuaexposição, recorria a exemplos de ferrovias transcontinentais e outras obras monumentais jáconcluídas, frente às quais a construção de uma ferrovia transcontinental no território sul-americanomostravaseraindamaisvantajosa.”(CristhianPalm,apudCastro,1993,p.142)

ParaPalmaconstruçãodeumaferroviatranscontinentalnoBrasilenaAméricadoSulnãoseriaapenasumempreendimentoresponsávelpeloencurtamentodedistânciasentrepaísescultivadose civilizados, este colocariaoBrasil emposiçãodedestaqueem relaçãoàAméricado Sul, indocontraavertentedosquedefendiamseuatrasoquantoaodesenvolvimentoferroviário.

Neste mesmo período, o fim da Guerra do Paraguai reafirma as necessidades em busca dopovoamento da região central do Brasil, que além de instabilidades com os países de divisa,demonstravatambémumasériedefragilidadesemmeioaosseusnúcleosdecolonização.Nestemomento, o Brasil buscava a construção da hegemonia política em território sul-americano, aefetivação de trajetos dispostos de forma horizontal no território brasileiro não apenassolucionaria as carências de transporte e comunicações nacionais, como também possibilitariauma nova saída para o Atlântico aos nossos vizinhos sul-americanos, dependentes de acordosalfandegários existentes na navegaçãodaBacia Cisplatina. A consolidação de umeixo nacional,enfraqueceriaporexemplo,asaçõesexpansionistasargentinas,fortalecendoocrescentemercadonacionalbrasileiro.(Queiróz,2004)

Em 1874 o Plano Rebouças sugere a criação de ferrovias embusca da comunicação de Leste aOeste, em acréscimo aos grandes eixos de navegação fluvial no sentido Norte-Sul, integrandodesta maneira o Brasil aos países vizinhos e igualando a importância dos portos nacionais noAtlântico.Umplanoutópicoquenãoefetivasuasmedidas,maspermiteadispersãodealgumasdesuasestratégiasemoutrosprojetos,comonoplanolançadoem1874porRamosdeQueiroz,quecomumavisãomais realista, incluíaoitodasdezparalelaspropostaspeloplanoanterior,àlongoprazodeexecução.

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Figura06e07.PlanosRebouças(1874)eRamosdeQueiroz(1874),abuscapelacriaçãodeeixoshorizontaiscomoformadeintegraçãodoterritórionacionaleconsolidaçãodosportosbrasileirosnooceanoAtlânticoeahegemoniadanavegaçãobrasileiraemterritóriosulamericano.Fonte:<http://vfco.brazilia.jor.br/Planos-Ferroviarios/1874-Plano-Ramos-de-Queiroz.shtml >, <http://vfco.brazilia.jor.br/Planos-Ferroviarios/1874-Plano-Reboucas.shtml>AcessoMai.2016.

ApósaelaboraçãodePlanoscomooRebouças(1874),Bicalho(1881),RamosdeQueiroz(1882)eComissão (1890), a concretização do sonho da ferrovia transcontinental seria possível com oavançodasestratégiasdaEstradadeFerroNoroestedoBrasil,criadaem1905,“afimdefornecerà região do hinterland facilidades de transporte para seus produtos agrícolas e permitir-lhes oacessodosprodutosmanufaturados,dosgrandescentrosindustriais.”(Azevedo,1950,p.92)

AEstradadeFerroNoroestedoBrasil,umaferroviade‘penetração’abertaemmeioaosertãodaregiãoOestedoEstadode SãoPaulo, representaumaexcessãonaorigemde investimentosnoEstado, onde ocorria a predominância de investimentos nacionais ou ingleses. Neste proceso,passaaseratuantea interferenciade investimentosnacionaisefranco–belgas,nummomentoonde atração de recursos era dificultada pela característica de isolamento apresentada peloterritorioatravessadopelostrilhos.

Inicialmente a companhia seria responsável pela ligação entre o litoral Atlântico e o centro dopaís, a partir da criação do entroncamento ferroviário na cidade de Bauru, onde aNoroeste seestenderiacomascompanhiasPaulistaouSorocabanaatéoportodeSantos.ComaalteraçãodeseupontofinalparaCorumbáem1908,aferroviatranscontinentalalcançariaaBolíviaapartirdaBrasil -Bolívia,ondeseguiriaatéAricanoPacífico,pormeiodeumeixoentreoPerueoChile,aumentodaáreadeinfluênciadosprodutosnacionaiseinternacionais.(Azevedo,1950)

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Figura 08 e 09. Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a FerroviaTranscontinentalSantos-Arica.OsmapasdemonstramosprojetosdaNoroesteno território nacional e do projeto em torno do desenvolvimento da ferroviaTranscontinentalSantosArica.Fonte:Figueiredo,1950.Ghirardello,2002

Aprimaziaalcançadapelaengenhariaeindústriaferroviáriamundial,inicialmentededomíniodepaíses industrializados, temnomodelo brasileiro, umexemplo da capacidadede articulaçãodeum país que inicialmente apresenta uma forte dependência internacional e sua busca pelacapacitaçãotécnicaetecnológica.OndeconformecitadoporAzevedo(1950,p.306-307),“tivemosdeesperarmaisde cinquenta anosparapassarmosdo sonhoa realidadee entrarmosemação(...).”

(...)enquantoasestradaseuropeiassedirigiamacidadeeforamconstruídasparaentrelaçar importantes focosdecivilização, jáarticuladosporestradasseculares,(...),osnossosferrocarris,aocontrario,estiraramseustrilhosparaligaratravésdegrandesdistancias,oscentrosprodutoresdocaféaosportosde embarque, ou marchavam, como a Sorocabana e a Noroeste, para odeserto.Emvezdeunircentrosfabriseagrícolas,devidajáintensa,emuitopróximosunsdosoutros,comonaEuropa,ocaminhodeferrofoi,entrenós,um criador de cidades; e até que estas se desenvolvessem pela força deexpansãodaspropriedadesagrícolas,tiveramostrensdecorrer,(...)atravésde pequenos núcleos urbanos e de grandes extensões, inexploradas esolitárias.(Azevedo,1950,p.256)

OposicionamentoestratégicodoBrasilidealizapormuitosanosarealizaçãodeprojetosbuscandoa ligação entre osOceanos Pacífico eAtlântico. Entre os inúmeros projetos, a Estrada de FerroNoroestedoBrasil permite a aproximaçãodeste sonho, em1908 após alteraçãododecretodecriação da companhia, a ferrovia juntamente à companhias brasileiras, bolivianas, peruanas echilenas,possibilitariamacriaçãodeumeixo internacional,aTranscontinentalSantos-Arica,umprojeto ambicioso idealizadoemummomentoonde a performancedas demais companhias deestradadeferronoBrasilesobretudonaregiãooestedoEstadodeSãoPaulodiminuemorítimodesuasatividades.

Em1917, aUnião encampapor completo aNoroeste, considerandoo trecho comoumprojetoinacabadoerepletodetrechosemsituaçõesprecárias,emparteresultadododimensionamentode seu eixo e grande quantidade de barreiras ao longo de sua execução. Nos anos 20, o eixorecebe novos investimentos do governo, uma ação inversa ao apresentado pelas demais

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companhiasquedemonstramaquedadeinvestimentos,emresultadoaoiníciodatransiçãoparaalógicarodoviarista,umavezqueasestruturasferroviáriascomeçavamasetornarobsoletasnopaís.

Doeixotranscontinental,váriosproblemasforamidentifiadosaolongodocaminho,prejudicandoa completa concretização e viabilidade da linha, até hoje sonhada por inúmeros investidores egovernantes.

ComacriaçãodaRedeFerroviáriaFederalS.A(RFFSA)em1957,aNoroestefoiincorporadacomoumadesuasferroviasregionais.Otransportedepassageirosteveseufimem1990.AtualmenteacopanhiapertenceàAméricaLatinaLogísticaS.A(ALL),frutodetransaçãoacionáriaocorridaemmaio de 2006. Ainda em funcionamento para o transporte de combustíveis e cereais, váriostrechoseestaçõesforamdesativados,revelandoumextensocomplexopaisagísticoeculturalemestadodeabandonoedegradação.

Anecessidadedereconhecimentoerequalificação.

Se ao longo do século XIX e boa parte do século XX, o transporte ferroviário representa oprogresso, a ‘velocidade’ e os novos ideais urbanos, em 1960, a lógica automobilísticaamplamente difundida como símbolo de consumo e desenvolvimento, revela as rupturas domodelo anterior, culminando no abandono ou reestruturação das ligações ferroviárias. Umcenárioondeaarquiteturabuscasobreviveremummercadoferozmentecompetitivo.(Graafland,In:Sykes,2013,p.305)

NoBrasil, as ferrovias se revelam comoum símbolodemodernidade, que a partir dos anos 60entram em confronto direto com as novas dinâmicas de comunicação em suas escalas locais eregionais. Esta nova lógica, pautada em torno do modelo automobilístico impulsiona odesordenadocrescimentourbanonopaís.

AoconsiderarmosquenoBrasil,osistemaferroviárioseriaaolongodosanos,oprecursorparaopovoamentodoterritórioeaconsequêntedispersãoda‘modernidade’,acompanhadopelalógicaindustrial,podemosafirmarquea sua consolidaçãopossibilitaadefinitiva conformaçãourbana,emsobreposiçãoàantigalógicarural.

JáfoiaquícolocadoqueacondiçãomodernaimpostapeladispersãodeferroviasnoEstadodeSãoPaulo, pode ser considerada em boa parte de seus domínios como um fator de extremaimportância, umavezqueaproximadamente65%do territóriopaulista, inicialmentepromovidapelosistemaferroviáriodetransportesegradualmentesubstituídopelomodelorodoviário.

Umatransiçãoqueatualmenterevelaumenormecomplexopaisagísticoeindustrialformuladoaolongo da era ferroviária e gradualmente abandonado a partir dos anos 60, resultado dasprivatizaçõesefinalizaçõesdasatividadesdeboapartedascompanhias,umimportantecampodeestudos em tornode sua identificação, valorização e reinserção às dinâmicas urbanas, uma vezqueemgrandepartedoscasos,oscompelxosferroviárioseindustriaisseencontraminseridosemmeioàtramaurbana,representandoumambientecrucialàsuacontinuidadeerearticulação.

Omodeloderodoviário,emiteumanovalógicaurbana.Nestatransiçãoascidadesanteriormenteservidaspelostrilhosenfrentamumprocessodereestruturaçãourbana,cujasaçõesassumemumrítmo variável conforme características locais. O desafio é fazer com que os projetos derevitalização atinjam os mesmos índices de reaproveitamento e utilização dos grandes centros

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internacionais,mantendovivososregistrosdodesenvolvimentotécnico,acontinuidadeefluidezurbana,onde“apreservaçãoearenovaçãodeedifícios,distritosepaisagenshistóricosafirmamacontinuidadeeaevoluçãodasociedadeurbana.”Nestepontocabemquestionamentosbuscandoacompreensãodosmeiosderequalificaçãoadotadospelomundoeospossíveismeiosdeatuaçãoemcadaambientenocontextonacional.

Situações que quando comparadas com o comportamento de centros urbanos mundiaisdemontramcomportamentossemelhantesquantoaosreflexosdacriseglobaldosanos60,porémoquedifereestesambientessãoosseusmeiosdereestruturação.Nestepontofatoresculturais,econômicosesociaispontuamasdiferençasentreasnações,cujasatitudessedistinguemaindamais quando comparadas à partir das classificações de desenvolvimento e subdesenvolvimentoeconômico.

No cenário europeu, tem início neste mesmo período um longo processo de reestruturação,envolvendopolíticaslocais,regionais,nacionaiseinternacionais,queseprolongamatéosdiasdehoje. Foi o que ocorreu em Paris, na reestruturação das Gares: de l’Est, du Nord e de Lyon,ambientes chave para amobilidade urbana local, regional e internacional. Ou também como oocorridonareconversãodaGared’Orsayemmuseu,nosprojetosderevitalizaçãodoViaductdesArteseParcdeReuilly.

De referir ainda as recentes inaugurações da intervenção urbana em Paris Rive Gauche, quetransformou um antigo distrito industrial dividido pelos trilhos da Gare d’Austerlitz num novobairro integradoesustentável,envolvendoumadasmaiores intervençõesurbanasnacidadedeParis desde o século XIX com as propostas deHaussmann. Recentemente, a cidade lança umaconsulta pública para que a população opine a respeito do futuro da antiga ferrovia da PetiteCentuire,umalinhaconstruídanoséculoXIXemtornodeumadasantigasmuralhasdacidadedeParis.

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Figuras10e11.TraçadodoslimitesdaantigamuralhacompostapelaPetiteCentuireeidentificaçãodasprincipais gares parisienses da época. A segunda imagem ilustra a delimitação do eixo em meio aoterritório urbano de Paris, sendo em rosa as áreas em estudo para novos usos, em verde as zonasabertas ao público e em azul a região prevista para abertura em 2015. In.:http://www.paris.fr/actualites/petite-ceinture-la-reconquete-continue-2265acessoemAgo.2016.

Nosúltimosanosasprincipaiscidadesdomundoassumiramcomotarefaaelaboraçãodediversosplanosemlongoprazoembuscademelhorescondiçõsdequalidadedevidadeseushabitantes.Entre estas medidas, a criação de áreas verdes, infraestrutura para a criação de mobilidadesustentáveleredistribuiçãodoespaçoviáriotendoemvisaseuusoporpedestreseciclistas.

BonsexemplospodemtambémsercitadosnoBrasil,aindaescassosquandocomparadoscomocenárioeuropeu.Emgeralasaçõesseconcentramemgrandescentrosurbanos,quantoàsdemaiscidades, as ações se caracterizam pela baixa articulação entre o contexto urbano e as açõespreservacionistasede requalificação.MerecedestaqueoMuseudaLínguaPortuguesa (estaçãodaantigaSãoPauloRailwayCompany,queinfelizmentesofreuumgrandeincêndioem2015)easede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (na antiga estação Júlio Prestes daSorocabana),ambientesqueemacréscimoà sua funçãocultural,oferecemtambémserviçosdemobilidadeurbanadacidadedeSãoPauloesuaregiãometropolitana.

TambémexistemprojetosbuscandoarearticulaçãodamalhaferroviáriadoEstadodeSãoPaulo.DesenvolvidospelaCPTM(CompanhiaPaulistadeTrenseMetros),consideramarearticulaçãodetrensdepassageirosentreascidadedeSãoPauloeBauru,sededaNoroeste,porexemplo,umprojetoqueinfelizmenteesbarraemquestõesburocráticas.

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Assim como a consulta pública proposta pela cidade de Paris, no Estado de São Paulo, oCONDEPHAAT -ConselhodeDefesadoPatrimônio Histórico,Arqueológico,ArtísticoeTurístico,lançou em 2015 uma consulta, buscando ouvir a opinião pública a respeito das possibilidadesfuturasdoscomplexosdaSorocabanaemSorocabaeNoroesteemBauru,cujosresultadosaindanãoforamoficalmentedivulgados.

Medidasderequalificaçãoexistemedemonstramumcrescimentosignificativonosúltimosanos,porém emmuitos casos a aticulação entre a intervenção, o contexto urbano e a utilização dapopulaçãoébaixa,comprometendodestamaneiraaaçãoproposta.Seobservaqueemcidadesdemaior poder aquisitivo e infra estrutura urbana, as ações apresentammaiores êxitos, nestecontextoaobservaçãodecomportamentosapresentadosnoambienteinternacional,possibilitariaoauxiliodenovasarticulaçõesepropostasembuscadaeficiênciadasintervenções.

Deve também ser colocada em questão a utilização ferroviária como meio de transporte depassageirosemescala regionale local,açõesduramenteafetadasnoBrasil.Acompreensãodasreaisnecessidadesurbanasemsuasdiferentesescalaseaspossibilidadesde implementaçãodeeixos de deslocamentos auxiliariam no evidenciamento de novas viabilidades em busca dasdevidasaçõesdeimplementação.

OestudodosvestígiosIndustriais.

Ocenáriocontemporâneodemonstraemsuaformulaçãoosvestígiosdasdiferentesformalizaçõesda atividade humana, reflexos de distintos períodos históricos, agindo como testemunho deavançoserupturasdeantigospadrõesdeproduçãoeconsumoatuantesemtornodafabricaçãodeobjetoscotidianos,produçãodeenergiaesuasrelaçõesaoscontextosurbanos.

Jacques(2005,p.16-17)atentaaosperigosdestefenômeno,afirmandoseremestes,osreflexosda“espetacularização das cidades contemporâneas”, envolvendo a transição do ambiente urbano,econômicoesocial, relacionadodiretamenteàdiminuiçãodaparticipaçãopopulareexperiênciaurbana enquanto prática cotidiana. Exemplificadas aqui pelo histórico das chamadas “errânciasurbanas”,ambientesde fragmentação,decorrentesda rupturadecicloseconômicose logísticasdetransportes,refletindoasobreposiçãodenovastecnologias,cujosefeitosatuamdiretamentenaconformaçãourbana.

Neste contexto, projetos de requalificação buscam a melhora de ambientes e a convivênciahumana,privilegiandoageraçãoderendaehabitaçãolocal.Entreasposibilidades,agentrificaçãoeoplacemaking,dualizamasalvaçãoeoagravamentodaexclusãodeambientes,umavezquesuas determinações podem tanto requalificar regiões, quanto promover seu enobrecimento,provocando o aumento de valores de serviços, moradias, e demais características. (Tanscheit,2016)

Projetos urbanos assumem por todo o mundo contemporâneo ações de requalificação, obrasemblemáticasdeinfraestruturaouoperaçõesurbanasbuscandoarecuperaçãoouregeneraçãodeáreas industriais,portuárias, ferroviárias,centroshistóricosoucentralidadesvinculadasamodosde produção ou transporte para a ampliação da mobilidade urbana, uma nova estratégia deintervenção,vistoquemuitasvezeso“(...)planejamentourbanotradicionaleseusinstrumentosnão atendem mais às necessidades existentes na recuperação dessas áreas.” (Somekh, 2015,p.06).

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Osvestígiosdesteprocessoevolutivo representamasmudançasocorridasemmeioasociedademoderna,desvendadaspormeiodasdisciplinasdaArqueologia ePatrimônio Industrial.Ondeaarqueologiaindustrialfazusodesítiosarqueológicoscomoambientedepesquisa,primitivasáreasdepodução,emqueapaisagemobsoletarecorreaosvestígiosdeseuambientecomoformadecomporocontextohistóricoeevolutivodasantigascivilizaçõesindustriais.SuaidentificaçãoteminícionaEuropa,nummomentoondeasprimitivastécnicasdeproduçãoseperdiamemfunçãodasobreposição de novas técnicas, precariedade de registros, obsolência e degradação, onde anecessidadedepreservação,revelaa importânciadadescriçãodasdiferentestécnicasaplicadasnosmais distintosmeiosdeproduçãoatuantesnaera “Proto Industrial” e sua transiçãopara a“Industria Moderna”, marcando neste processo a transição da produção manual, dotada decaracterísticasdomésticasesazonais,paraaproduçãoemsérie.

AnoçãodepatrimônioemmeioaoambienteindustrialsurgenasegundametadedoséculoXXnaEuropa, um momento crucial onde o desaparecimento de ambientes industriais de caráterhistóricosãoidentificados,emconsequênciadosdiversosconflitosnoterritórioeuropeu,ondeotermo busca a recuperação de ambientes repletos de vestígios produtivos de extremaimportânciahistórica,porémdespresadosporseustraçospoucoexpressivosquandorelacionadosàsnovastécnicasmodernas.

A substituição dos métodos tradicionais por novas tecnologias, revela o abandono de prédios,máquinas, e formas de produção, provenientes em sua grande parte do século XIX, comotestemunhosdasmudançasculturaisemodosdeprodução,ondechaminés,fornosemaquináriostransformam-se em símbolos, emmeio a uma inversãode funções e sentidos, uma vez que aoinvésderepresentaremoambientedetrabalhopassamarepresentarsuamemória.

Romper com o passado não significa abolir sua memória ou destruir seusmonumentos,massimcolocaremconjunto,emummovimentodialético,queassumaeexerçaseusensohistóricooriginaldeformasimultânea,interagindoem um novo significado semântico. (Choay, 2001:113) (Tradução feita pelaautora)5

Aoconsiderarmosqueaterminologiapatrimôniodesignaàidentificaçãoevalorizaçãodeumbemmóvel, imóvel ou natural, dotado de valor significativo para uma sociedade, a terminologiapatrimônioindustrialrefere-seàvalorizaçãoeidentificaçãodascaracterísticashistóricassociaiseespaciais deum sítio, quepormeioda arqueologia industrial buscama criaçãodo conceitodepatrimônio.

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial quepossuemvalorhistórico,tecnológico,social,arquitetonicooucientífico.Estesvestígiosenglobamedifíciosemaquinaria,oficinas,fábricas,minaselocaisdeprocessamentoederefinação,entrepostosearmazéns,centrosdeprodução,transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suasestruturaseinfra-estruturas,assimcomooslocaisondesedesenvolveramasatividades sociais relacionadas coma indústria, tais comohabitações, locaisdecultooudeeducação.(CartadeNizhnyTagilsobrePatrimônioIndustrial)

Caracterizada por sua análise pluridisciplinar, sua classificação exige uma análise específicaatuanteemtornodoambienteedificado,suastransformaçõesurbanaseastécnicasempregadas

5Breaking with the past does not mean abolishing his memory or destroy its monuments, but keep both others, in adialectical movement that, simultaneously, assumes and exceeds its original historic sense, integrating it into a newsemanticstratum.

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ao logo de sua produção, evidenciando a compreensão dos fatores ocorridos antes e após acriaçãodosítioindustrialesuaconsequênteimportânciahistórica.

Ignoradapormuitosanos,aarquiteturaindustrialfoipormuitasvezesclassificadacomosimplesmonumento de nostalgia. Recentemente estes ambientes adquirem cada vez mais valoreshistóricosatuantesemtornodaevoluçãoindustrialesuasdiferentesformasdeatuação,provasvivas do avanço técnico e técnológico da sociedade, narrarando os avanços de seu tempo pormeiodesuapatrimonializaçãosendorecentementealvodeváriososprojetosderevitalização.

Arequalificaçãodosambienteseaatuaçãomultidisciplinar.

A busca pela requalificação de espaços públicos buscam melhorar ambientes e convivênciahumana, privilegiando condições de convívio inerentes ao ambiente, sobretudo relacionados àhabitaçãoegeraçãoderenda.

Neste processo, estratégias vem sendo amplamente aplicadas, como a gentrificação eplacemaking demonstram meios de requalificação urbana, ações que atualmente dualizam asalvação ou a exclusão de ambientes. Uma vez que podem requalificar regiões até entãoobsoletaseproblemáticasaocontextourbano,umacondiçãodemelhora,emcontraposiçãoaoenobrecimento da região e o consequênte aumento de valores de serviços, moradias, entreoutros.

Pordefinição,gentrificação,ou‘enobrecimento’,serefereamelhoriasocial,cultural e econômica de um bairro ou, em maior escala, de uma regiãointeira.Placemakingéoprocessodeplanejarespaçospúblicosdequalidadequecontribuemparaobem-estardacomunidadelocal.(Tanscheit,2016)

A forma como o mercado imobiliário atua ao longo do desenvolvimento destes processos, secaracterizaatualmentecomoumdosgrandesvilõesdesteprocesso.Umavezqueosambientesdesprezadosportantotempo,setornammuitasvezesalvosdemodismosegrrifes,dificultandoareinserção social de seus espaços, culminandomuitas vezes no agravamento de suas relaçõessociais.

Ambos os conceitos possuem origens na década de 60, a partir de trabalhos de escritores esociólogoscomoJaneJacobs,WilliamH.Whyte(comtrabalhossobreanoçãodeplacemaking)eRuthGlass(cunhandootermogentrificação),aplicadosemáreasurbanasatingidasporrupturaseconômicas.

Umprocesso que atinge diferentes estágios e periodizações por todo omundo, que em geralvemsendoamplamenteutulizados.Aoconsiderarmosqueestesambientescarregamosvestígiosdeciclosanteriores,aidentificaçãodestesmomentosédefundamentalimportânciaàdescriçãohistóricaeculturaldoambienteurbanoesociedadeemquestão.

Nesteambiente,acrisedosanos60,responsávelporumanovarupturadepadrõesdiretamenterefletidos nas estruturas produtivas refletidas em ações econômicas, sociais e respectivosambientesurbanos.Antigosambientes industriaisebairrosanexos, localizadosmuitasevzesemmeio ao já consolidado contexto urbano, problematizam discussões em torno de suarequalificação. Vale lembrar que os impactos da crise global dos anos 60 repercutemdrásticamentenaorganizaçãourbanadecidadesdepequeno,médioegrandeportedispersasportodo o mundo. Deste momento em diante, diferentes comportamentos foram assumidosbuscandoarequalificaçãourbanaouoadiamentodesteprocesso.

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Na França, o processo de requalificação tem início nos anos 70, um momento ondepesquisadores, associações, arquitetos e curiosos buscam em meio ao território os vestígiospotenciais de seu patrimônio industrial, na tentativa de barrar novas demolições. Em geral, naFrançaoperíodomarcadoentreastransiçõeseintervençõesdosmonumentosdaeraindustrialsempre foi idealizado em associação à reflexões sobre seus possíveis valores e meios derevitalização.

Apósesteperíododebuscas,otrabalhodeinventariaçãopassaaacompanharainvestigaçãodesítios de caráter histórico, processo atuante em busca da atribuição de valores culturais aosambientesremanescentesdeperíodosdedesindustralizaçãoapósosanos70.

Ostrabalhosforamestruturadosbuscandoadescriçãodoprestigiosopassadodoterritórioesuaarticulaçãoparaumprogressoeminente,cujasaçõesimpulsionamatéhojemovimentosemtornodarequalificaçãourbana.

ConformePierrot(2014)ohistóricodeatuaçõesnaFrançaenglobadeummodogeral3estágiosde atuação. primeiro estágio (1970-1980) foi voltado à recuperação de fábricas desativadas,idealizadaapartirdaatuaçãodecoletivos/cooperativasembuscadenovosinvestimentos,umprocesso caracterizado pelo baixo índice de invasão capaz de permitir a manutenção dascaracterísticasdoambiente.Nosanos90osegundoestágioémarcadopordemoliçõesbuscandoa efetivação de operações privadas emações destinadas à reconversão de lofts eateliersparaartistas.Asmaioresintervençõesurbanascaracterizamoterceiroestágioaolongodosanos2000,períodoondeasintervençõessãoacompanhadasdodevidoreconhecimentoaovalorsimbólicodoPatrimônio Industrial.As intervençõesdesteestágiosãocaracterizadasporgrandesprojetosurbanos,elaboradosapartirdeiniciativasconjuntasentreossetorespúblicoeprivado.

Em síntese, esses processos permitem a descrição dos meios adotados pela reconversão deambientes de caráter histórico e cultural, devidamente sobrepostas à programas de avaliaçãousual, possibilitando a sensação de reintegração e interligação urbana, interrompidos desde oprocessosderupturaeconômica.

NoBrasil,osúltimosanosrevelamoaumentodointeresseemaçõesemtornodaidentificação,valorização e reinserção do patrimonio industrial. Diversos cursos foram criados buscando aespecialização de profissionais para a atuação neste ambiente de requalificação, inúmerostrabalhosdealtaqualidadesãoconstantementeapresentados,demonstrandoumnovorumodeintervenção no país, buscando a amenização dos impactos do mercado imobiliário e aconsequentepreservaçãodossítioshistóricos.

Conclusões.

Comoformadedemonstraçãodastransformaçõesdecorrentesdosprocessosdemodernizaçãoesuas consequências ao contexto urbano, relações podem ser formuladas entre os termos:indústria, paisagem, transformação urbana e patrimônio. Em meio as cidades já consolidadasestas comparaçõespermitema identificaçãodediferentes formasdeatuaçãohumana,alémdeestratégias em tornoda expansão e desenvolvimentodo contexto urbano, possibilitandonovasleiturasdoambiente,apartirdomomentoemquedeixamderepresentarofocodeatuaçãodeseu contexto histórico, onde a requalificação busca a valorização de seu patrimôniomaterial e

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imaterial, permitindo a identificaçãodamemória do ambiente e sua consequênte valorizaçãoereconhecimento,eliminandoaideiadeobstáculoemmeioamalhaurbana.

AaplicaçãodoconceitodePatrimôniorelaciona-seàidéiadeherança,possibilitandoajunçãodedistintos sentidos conforme sua aplicação e reconhecimento de seus usuários. Tornam-se deinteressedeatuaçãoosambientescapazesdedescriçãodoconjuntodebensdeumadeterminadacoletividade.

Aocontextourbano,nãobastaamanutençãooupermanênciadedeterminadoambienteapenasem função de sua importância histórica, pelo contrário, tal situação pode acarretar sériosproblemas em tornode sua estruturação.Ao contextourbanoéde interesse amanutençãodecaracterísticashistóricassobreaóticafuncionaldeseusequipamentos,tendocomodelimitaçãoabusca na medida do possível da conservação das características originais do ambiente emconvivênciasaudávelentreseuscontextoshistóricoecontemporâneo.

Desta forma,a conscientizaçãoem tornodavalorizaçãoe requalificaçãodeambientesurbanos,emespecialdecomplexosindustriais,representaajunçãodevestígiosdopassado,quelincadasassuascondiçõespresentesefuturas,permitemajunçãoentreostermosdecorrentesdosprocessoscíclicos do desenvolvimento econômico de determinadas localidades e suas possíveisrequalificações. Meios de readaptação de uma gama de infra estruturas em muitos casos jáconsolidada.

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