ansiedade de informação na pós-modernidade · propaganda e turismo da escola de comunicações e...

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Larissa Silva Crantschaninov Ansiedade de informação na pós-modernidade Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes Curso de Pós Graduação Lato Sensu Especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital para Ambientes Corporativos São Paulo, 2011

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Page 1: Ansiedade de informação na pós-modernidade · Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso de

Larissa Silva Crantschaninov

Ansiedade de informação

na pós-modernidade

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicação e Artes

Curso de Pós Graduação Lato Sensu – Especialização em Gestão Integrada da Comunicação

Digital para Ambientes Corporativos

São Paulo, 2011

Page 2: Ansiedade de informação na pós-modernidade · Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso de

Larissa Silva Crantschaninov

Ansiedade de informação

na pós-modernidade

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas,

Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso

de Pós Graduação Lato Sensu, para obtenção do título de

Especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital para

Ambientes Corporativos, sob orientação do Prof. Dr. Mauro Wilton

de Sousa.

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicação e Artes

Curso de Pós Graduação Lato Sensu – Especialização em Gestão Integrada da Comunicação

Digital para Ambientes Corporativos

São Paulo, 2011

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Nome: CRANTSCHANINOV, Larissa Silva

Título: Ansiedade de informação na pós-modernidade

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas,

Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso

de Pós Graduação Lato Sensu, para obtenção do título de

Especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital para

Ambientes Corporativos, sob orientação do Prof. Dr. Mauro Wilton

de Sousa.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. ____________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: ______________________ Assinatura: ___________________________

Prof. ____________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: ______________________ Assinatura: ___________________________

Prof. ____________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: ______________________ Assinatura: ___________________________

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Resumo

Os últimos 200 anos da história foram marcados pelo nascimento das mídias de

massa, cuja emergência transformou as dimensões da transmissão da informação no

processo da comunicação, maximizando não apenas sua quantidade, como também seus

efeitos sobre o público receptor. Nos últimos 50 anos, assistimos a uma profunda

transformação social, econômica e informacional, com descobertas em diversos campos

da ciência. Estes avanços mudaram a forma como as pessoas recebem informação e

possibilitaram a configuração do receptor de passivo em interativo. Com a

reconfiguração do paradigma comunicacional, veio também uma explosão na

quantidade e velocidade de informação, e uma liberdade de escolha que favoreceu o

aparecimento de ansiedade de informação.

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a relação do indivíduo com a

informação por meio de uma análise comparativa entre os períodos moderno e pós-

moderno, verificando as influências sociais e culturais destes períodos, assim como das

mídias verticais e horizontais na ansiedade de informação pós-moderna.

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Abstract

The latest 200 years of history have been marked by the birth of mass media, which

emergence has transformed the dimensions of the information transmission in the

communication process, maximizing not only the quantity but also its effects on the

receiver. Over the past 50 years, we have watched a profound social, economic and

informational transformation, with discoveries in various fields of science. These

advances have changed the way people receive information and allowed the

configuration of the passive receiver into an interactive being. With the reconfiguration

of the communication paradigm, an explosion in the amount and speed of information,

and a freedom of choice that favored the emergence of information anxiety also came to

light.

This paper aims to reflect on the individual's relationship with the information

through a comparative analysis between modernity and post-modernity, verifying the

social and cultural influences of these periods and of the vertical and horizontal media

in post-modern information anxiety.

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Resumen

Los últimos 200 años de la historia fueron marcados por el nacimiento de los

medios de comunicación verticales, cuya aparición transformó las dimensiones de la

transmisión de la información en el proceso de la comunicación, maximizando no solo

su cantidad pero también sus efectos sobre el público receptor. En los últimos 50 años,

asistimos a una profunda transformación social, económica y informacional, con

descubiertas en diversos campos de la ciencia. Estos avanzos cambiaron la forma como

las personas reciben información y posibilitaron la configuración del receptor de pasivo

a interactivo. Con la reconfiguración del paradigma de la comunicación, llegó también

una explosión en la cantidad y velocidad de información, y una libertad de elección que

favorecen el surgimiento de la ansiedad de información.

Este trabajo tiene como objetivo reflexionar acerca de la relación del individuo con

la información por medio de un análisis comparativo entre los períodos moderno y

posmoderno, verificando las influencias sociales y culturales de estos períodos, así

como de las medias verticales y horizontales en la ansiedad de información

posmoderna.

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DEDICATÓRIAS

Em primeiro lugar, quero dedicar este trabalho à minha família,

por ter acreditado no meu potencial desde sempre

e por compreender minha ausência neste período turbulento.

Aos mestres,

pelos debates e pelas experiências compartilhadas.

Aos amigos que tanto me apoiaram, leram e releram meus textos

e enriqueceram este trabalho com suas opiniões.

Aos #digicopos,

pelo intercâmbio de ideias em um contexto líquido,

pelo apoio e pela amizade.

Ao criador do chá-mate,

minha salvação para manter os olhos abertos

durante as madrugadas de leitura e redação de textos.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Ao Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa,

por ter acreditado na minha ideia maluca de fazer um ensaio

sobre ansiedade em uma escola de comunicação e artes.

Sem seu apoio, este trabalho não seria possível. Muito obrigada!

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“E não há coisa alguma como uma liberdade sem ansiedade”.

Zygmunt Bauman

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

1.1 Do Objeto .............................................................................................................. 11

1.2 Dos Problemas e Objetivos ................................................................................... 13

1.3 Da Metodologia .................................................................................................... 14

1.4 Da Escolha do Tema ............................................................................................. 15

1.5 Do Resumo dos Capítulos ..................................................................................... 16

2. ANSIEDADE .......................................................................................................... 17

2.1 Das Aproximações Conceituais Entre Ansiedade e Angústia .............................. 17

2.2 Do Existencialismo ............................................................................................... 18

2.3 Do Mecanismo da Ansiedade ............................................................................... 19

2.4 Da Ansiedade de Informação ................................................................................ 20

3. MODERNIDADE E MÍDIAS VERTICAIS .............................................................. 23

3.1 Da Modernidade ................................................................................................... 23

3.2 Das Mídias Verticais ............................................................................................. 26

4. PÓS-MODERNIDADE E MÍDIAS HORIZONTAIS ............................................... 30

4.1 Da Pós-Modernidade ............................................................................................ 30

4.2 Das Mídias Horizontais ........................................................................................ 33

5. CONCLUSÃO ............................................................................................................ 39

6. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 42

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11

1. INTRODUÇÃO

1.1 Do Objeto

A presente monografia pretende realizar uma análise crítica sobre a ansiedade

gerada pela informação, refletindo sobre seu desenvolvimento ao longo da história, bem

como os fatores influenciadores de seu surgimento, culminando na ansiedade de

informação pós-moderna.

Os últimos 200 anos da história foram marcados pelo nascimento das mídias –

primeiramente a imprensa, seguida pelo cinema, pelo rádio e pela televisão. A

emergência dessas tecnologias transformou as dimensões da transmissão da informação

no processo da comunicação, maximizando não apenas sua quantidade, como também

seus efeitos sobre o público receptor.

Nos últimos 50 anos, assistimos a uma profunda transformação social, econômica e

informacional, com descobertas em diversos campos da ciência, entre elas a internet, o

computador pessoal, a world wide web e a consequente propagação da banda larga e dos

aparelhos de telefone celular e dispositivos eletrônicos com acesso móvel. Estes

avanços mudaram a forma como as pessoas recebem informação. Como descreve Saad

(2008):

Cada vez mais, o usuário tem, em seus dispositivos eletrônicos, ferramentas

que potencializam suas opções de escolha de conteúdos para compor sua

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cesta informacional e, assim, ampliar sua condição intelectual e de

conhecimento sobre o ambiente (p. 145).

Um exemplo disso é a crescente propagação das app stores, lojas virtuais de

aplicativos para smartphones1 e tablets

2, que fornecem desde notícias internacionais em

tempo real até resultados esportivos e mapas astrais.

A propagação da web e dos dispositivos digitais com acesso móvel permitiu ao

usuário escolher o conteúdo que deseja receber e em que momento. Mais do que isso:

permitiu a criação e difusão de conteúdo, antes restrita apenas à imprensa especializada.

Com as facilidades proporcionadas pela web 2.03, veio também uma explosão na

quantidade e velocidade de informação.

Ao mesmo tempo em que o usuário pode selecionar o conteúdo de acordo com seu

interesse, o que se vê é uma tentativa – malsucedida – de consumir mais informação do

que o tempo disponível permite. Segundo Wurman (1991), “Informação é poder, uma

moeda internacional com a qual se fazem e se perdem fortunas. E estamos num frenesi

para adquiri-la, acreditando piamente que mais informação significa mais poder” (p.

40).

Almeida (2009) acrescenta que “Se por um lado a quantidade de escolhas que o

usuário é levado a fazer ao adentrar neste mundo on-line é instigante, por outro

amedronta, já que pressiona o indivíduo a administrar ele mesmo o tempo” (p. 45). A

impossibilidade humana de consumir todas as informações do mundo em tempo real

1 Aparelhos de telefone celular com teclado alfanumérico e acesso à Internet por meio de redes sem fio.

2 Computador pessoal com o formato de um laptop ou prancheta, que pode ser utilizado sem mouse ou

teclado. 3 “O termo web 2.0 foi cunhado por Tim O’Reilly, consultor norte-americano, numa conferência que

organizou, em 2004 nos Estados Unidos, para discutir como a web estava produzindo sistemas,

aplicativos e ferramentas que cada vez mais municiavam o usuário para ações de comunicação e

relacionamento autônomas, sem a intervenção dos conhecidos veículos de mídia para a formação da

opinião da sociedade”. (SAAD, 2008, p. 148)

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obriga o usuário a fazer algumas escolhas em detrimento de outras, gerando o que

Kierkegaard denomina de “vertigem de liberdade”4, ou angústia: o fardo que temos de

suportar por não saber se fizemos as melhores escolhas.

É neste cenário que surge a ansiedade de informação pós-moderna: a angústia

sofrida pela renúncia da informação não consumida.

1.2 Dos Problemas e Objetivos

Uma vez delimitado o objeto de estudo dessa monografia, é necessário

problematizá-lo. Para isso, foram levantadas as seguintes perguntas-problema:

1.2.1 Quais são os fatores que influenciam o surgimento da ansiedade de

informação na modernidade?

1.2.2 Quais são os fatores que influenciam o surgimento da ansiedade de

informação na pós-modernidade?

1.2.3 Qual a reação do indivíduo pós-moderno ao se deparar com a ansiedade de

informação?

A discussão sobre os problemas levantados será apresentada, em primeiro lugar,

a partir da conceituação da ansiedade e sua relação com a informação. Em seguida,

serão levantadas as características da modernidade e das mídias verticais, buscando

4 “A angústia pode ser comparada à vertigem. Quando o olhar imerge num abismo, existe uma vertigem,

que nos chega tanto do olhar como do abismo, visto que nos seria impossível deixar de o encarar. Esta é a

angústia: vertigem de liberdade, que surge quando, ao desejar o espírito estabelecer a síntese, a liberdade

imerge o olhar no abismo das suas possibilidades e agarra-se à finitude para não soçobrar.”

(KIERKEGAARD, 1968, p. 66).

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resposta para a pergunta 1.2.1. Com isso, pretende-se obter parâmetros para comparar a

ansiedade de informação na modernidade e na pós-modernidade.

Ao final, pretende-se obter uma compreensão da relação entre ansiedade e

informação e verificar de que forma os meios de comunicação e os fatores sociais e

culturais de diferentes épocas contribuem para o surgimento da ansiedade de

informação.

1.3 Da Metodologia

Este trabalho é baseado em uma revisão literária multidisciplinar, com exposição

e análise de conceitos da comunicação, psicologia, sociologia e filosofia, visando expor

e comparar as características da recepção mediática em diferentes épocas e verificar de

que forma elas favorecem o aparecimento de ansiedade de informação.

A técnica da pesquisa bibliográfica pode, segundo Stumpf (2005), “[...] ser a

etapa fundamental e primeira de uma pesquisa que utiliza dados empíricos, quando seu

produto recebe a denominação de Referencial Teórico, Revisão da Literatura ou similar”

(p. 51). Gil (1985) define a Pesquisa Bibliográfica como “[...] elaborada a partir de

material já publicado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (p. 71).

O autor acrescenta que, embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de

trabalho de natureza bibliográfica, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir

de fontes bibliográficas – o caso desta monografia.

A tipologia de coleta de dados deste trabalho é caracterizada como um estudo

exploratório, pois se baseia em um estudo descritivo, tomando por referência alguns

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conhecimentos prévios. O estudo exploratório pode ser definido como uma das

principais formas de construção do conhecimento em uma área nova ou pouco

trabalhada, permitindo ao investigador aumentar seu conhecimento e experiência em

torno de um determinado problema.

1.4 Da Escolha do Tema

A escolha do tema deste trabalho foi baseada em observações ao longo da minha

vida pessoal e profissional, notando como a ansiedade de informação afeta as pessoas

diariamente, e como pouca importância é dada a este assunto.

O volume de informação hoje cresce exponencialmente, a uma velocidade

impressionante, e o acesso a ela está à distância de uma tecla F55 – em telefones

celulares com tecnologia touch, basta deslizar o dedo indicador para receber uma

informação nova. Porém, é notável a dificuldade que as pessoas têm em encontrar a

informação adequada, ou ainda em processar a quantidade de informação recebida em

um dia. Mais do que isso: não importa a quantidade de informação que se recebe – dá-se

um valor exacerbado à informação não recebida: ao jornal não lido, aos e-mails que

ficam para o dia seguinte, à pilha de livros na cabeceira da cama, aos comentários

pendentes nas redes sociais e ao final da novela perdido.

A relevância deste estudo reside em detectar as condições que favorecem o

surgimento da ansiedade de informação na pós-modernidade, um tema atual e que

carece de estudos que favoreçam uma melhor compreensão da condição em que

5 A tecla F5 de um teclado tem a função de atualizar a janela ativa.

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vivemos. Trata-se de um trabalho ambicioso, ao passo que analisa a informação em uma

sociedade em constante processo de mutação.

1.5 Do Resumo dos Capítulos

Concluo este capítulo apresentando um breve resumo dos temas que serão

abordados nos capítulos 2, 3 e 4.

Capítulo 2: irá tratar do tema ansiedade, desde sua conceituação filosófica até o

desenvolvimento de seu mecanismo, culminando na ansiedade de informação, objeto de

estudo desta monografia.

Capítulo 3: temas como modernidade e mídias verticais serão esclarecidos, a

fim de obter parâmetros para a comparação da ansiedade de informação na modernidade

e na pós-modernidade.

Capítulo 4: apresentará uma análise do período concebido como pós-moderno,

suas características e relação com a ansiedade de informação. Trará também conceitos

das mídias horizontais, a fim de facilitar essa compreensão.

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2. ANSIEDADE

2.1 Das Aproximações Conceituais Entre Ansiedade e Angústia

Neste trabalho, “ansiedade” e “angústia” serão utilizadas como sinônimos, por se

tratarem de duas possíveis traduções para o vocábulo alemão, dinamarquês, norueguês e

holandês Angst ou Angest. A edição brasileira do livro de Kierkegaard (1968) optou por

traduzir Begrebet Angest (título original) como O conceito de angústia. Já na edição

inglesa, o título da obra foi traduzido como The concept of anxiety, sendo “anxiety”,

segundo o Dicionário Collins Gem (1993), traduzido para o português como

“ansiedade”.

Na psicanálise, ainda que o texto de Freud (2010) “Hemmung, Symptom und

Angst” tenha na versão brasileira o título “Angústia e instintos”, o Dicionário Houaiss

define “ansiedade” como “estado afetivo penoso, caracterizado pela expectativa de

algum perigo que se revela indeterminado e impreciso, e diante do qual o indivíduo se

julga indefeso”, remetendo à conceituação freudiana. Também no Houaiss (2009),

“angústia” é definida como “estado de ansiedade, inquietude; sofrimento, tormento”

(grifo nosso).

Assim, a opção por utilizar o vocábulo “ansiedade” ao invés de “angústia” no título

desta monografia deve-se somente ao fato de ter sido o livro de Wurman (1991) –

Ansiedade de informação – uma das principais referências bibliográficas e motivo de

inspiração deste trabalho.

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2.2 Do Existencialismo

O conceito de ansiedade pode ser atribuído especialmente aos filósofos

existencialistas, como Søren Kierkegaard, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, entre

outros. Isso porque o existencialismo propõe a existência de uma liberdade individual e

a responsabilidade que acarreta. Kierkegaard (1968) acredita que a primeira ansiedade

vivida pelo homem é a escolha de Adão em comer ou não o fruto proibido. “Mas do

fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele

tocareis para que não morrais” (Gênesis 3:3). Até o momento, Adão não tinha

conhecimento de bem ou mal, mas apenas a voz de Deus dizendo a ele que não comesse

o fruto, e seu livre-arbítrio. O pecado teria nascido a partir da opção de Adão em comer

o fruto proibido, desrespeitando a vontade de Deus. O filósofo sugere que a ansiedade

precede o pecado, e que ela foi a responsável a levar Adão ao pecado original.

Sartre (1987) analisa a ansiedade a partir de uma ótica voltada à responsabilidade

consequente aos atos do indivíduo. O existencialismo propõe que, antes de existir, o

homem não é nada, ele será apenas aquilo que fizer de si mesmo durante sua existência,

negando assim a noção de natureza humana dos essencialistas. Desta forma, para o

filósofo, a angústia é consequência da liberdade das escolhas do homem – não somente

sobre si, como também sobre os demais homens, conforme discorre:

Como devemos entender a angústia? O existencialista declara frequentemente

que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: O homem que se

engaja e que se dá conta de que ele não é apenas que escolheu ser, mas

também um legislador que escolheu simultaneamente a si mesmo e à

humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e

profunda responsabilidade. (SARTRE, 1987, p. 4)

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Ateu, Sartre nos remete ainda a uma ausência de referências, uma característica que

favorece o aparecimento de ansiedade ao retirar do indivíduo modelos em que se

inspirar: “O existencialista pensa que é extremamente incômodo que Deus não exista,

pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num

céu inteligível.” (SARTRE, 1987, p. 6)

Hoje, a ansiedade persiste tanto para os religiosos quanto para os ateus. Somos

pressionados a fazer escolhas a todo o momento, sejam elas baseadas em nosso

conjunto de valores, crenças ou pressões externas, escolhas essas que impõem uma

responsabilidade. As renúncias feitas em detrimento de nossas escolhas serão sempre

latentes, pois nunca será possível saber se escolhemos corretamente e o que teria

acontecido se fizéssemos diferente.

2.3 Do Mecanismo da Ansiedade

Segundo a psicanálise, a Angst – “ansiedade” ou “angústia”- é um mecanismo de

defesa do ser humano, e seu aparecimento está ligado a dois tipos de situação: a situação

traumática e a situação de perigo. Freud (2010) afirma que “[...] o objeto da angústia é

sempre a aparição de um momento traumático que não pode ser liquidado segundo a

norma do princípio do prazer” (p. 240). Para conceituar a situação traumática, Freud cita

o caso de um bebê com fome, cuja mãe não está presente. Buscando o prazer – a

amamentação – e não podendo obtê-lo, sua psique é inundada por uma abundância de

estímulos. Como o bebê não consegue dominar esses estímulos, eles são reprimidos,

desenvolvendo-se, assim, a ansiedade. As situações de perigo, por sua vez, são a

antecipação de uma situação traumática – no caso do bebê supracitado, o fato de a mãe

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não estar presente indicaria uma situação de perigo e consequente aparecimento da

ansiedade.

A ansiedade é um estado afetivo, ou seja, “[...] uma união de determinadas

sensações da série prazer–desprazer com as inervações de descarga a elas

correspondentes e a sua percepção, mas provavelmente também o precipitado de um

certo evento significativo” (FREUD, 2010, p. 224). Seu mecanismo funciona ao se

imaginar uma situação de perigo, vivenciando-a mentalmente, conforme descreve Freud

(2010):

O Eu antecipa a satisfação do impulso instintual questionável, permitindo-lhe

que reproduza as sensações de desprazer no começo da temida situação de

perigo. Com isso entra em ação o automatismo do princípio do prazer-

desprazer, que efetua a repressão do perigoso impulso instintual (p. 235).

Assim, a ansiedade, ao preceder uma situação de perigo para evitar uma situação

traumática, desenvolve-se como instinto de sobrevivência, sendo considerada uma

importante função do aparelho psíquico.

O estado afetivo da ansiedade manifesta-se também nos processos

comunicacionais, como veremos adiante.

2.4 Da Ansiedade de Informação

Segundo Kumar (2006), a informação é um requisito para a sobrevivência, pois

“[...] permite o necessário intercâmbio entre nós e o ambiente em que vivemos” (p. 46).

Assim, os processos comunicacionais sempre estiveram presentes. Porém, na década de

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1960, ganharam ainda mais importância, quando teóricos como Alain Touraine e

Alberto Melucci anunciaram o que conhecemos por sociedade da informação, em que

Os mecanismos de acumulação já não são alimentados pela simples

exploração da força de trabalho, mas pela manipulação de complexos

sistemas organizacionais, pelo controle da informação e dos processos e

instituições formadores de símbolos, ao lado da interferência nas relações

pessoais (MELUCCI, 1980 apud ALEXANDER, 1998, p. 13).

Com a transformação de trabalho e capital em informação e conhecimento, a

informação, tornou-se, então, sinônimo de poder e de ascensão social. A diferença entre

as classes não está mais baseada na acumulação de bens, mas no acesso ao

conhecimento. Kumar (2006) acrescenta que

O conhecimento não só determina, em um grau sem precedentes, a inovação

técnica e o crescimento econômico, mas está se tornando rapidamente a

atividade-chave da economia e a principal determinante mudança

ocupacional (p. 50).

Assim, para sobreviver no mercado de trabalho somos pressionados a consumir

uma quantidade cada vez maior de informação, acreditando que esta se transformará em

conhecimento e nos levará ao poder. Para evitar o surgimento de uma situação de perigo

(como o desemprego, por exemplo), desenvolvemos o mecanismo de ansiedade de

informação, buscando consumir mais informação do que o nosso tempo disponível

permite, acreditando que, assim, estaremos protegidos dos males que afetam os

desinformados.

Se, como afirma Sartre, o homem é o que faz de si mesmo, então, na era da

informação, conforme argumenta Wurman (1991):

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Somos o que lemos. Tanto em nossa vida profissional quanto pessoal, somos

julgados pela informação que utilizamos. A informação que ingerimos molda

nossa personalidade, contribui para as ideias que formulamos e dá cor à nossa

visão de mundo. (p. 220).

Schramm relata sua experiência, que ilustra bem o significado de ansiedade de

informação:

No momento, sinto que preciso estar familiarizado com o conteúdo de cerca

de cinquenta periódicos especializados. E estes são os que eu sei que devo

mesmo acompanhar: quantos dos cem mil que não conheço eu deveria

acompanhar, não tenho ideia. Para me manter atualizado profissionalmente,

eu deveria ler centenas de livros novos a cada ano e um grande número de

textos mimeografados ou de pré-edições que circulam no meio acadêmico.

Deveria também manter-me em contato com cinquenta ou mais estudiosos

envolvidos com problemas que me interessam, além de responder às cartas de

outras cinquenta a cem pessoas que me pedem informação. Ainda precisaria

preparar meus próprios artigos e livros. O que listei já seria uma tarefa

impossível, mesmo não tendo mais nada pra fazer, não precisando dormir ou

descansar e podendo ler e escrever 24 horas por dia – mas ilustra o que a

explosão da informação significa para um especialista em comunicação.

(SCHRAMM; PORTER, 1982 apud WURMAN, 1991, p. 220-221)

Porém, a ansiedade de informação não afeta apenas os especialistas em

comunicação, mas a maior parte da sociedade. Wurman (1991) conclui que a ansiedade

de informação “[...] é o resultado da distância cada vez maior entre o que

compreendemos e o que achamos que deveríamos compreender. É o buraco negro que

existe entre dados e conhecimento, e ocorre quando a informação não nos diz o que

queremos ou precisamos saber” (p. 38).

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3. MODERNIDADE E MÍDIAS VERTICAIS

3.1 Da Modernidade

Conceituar a modernidade não é tarefa simples, pois os autores parecem discordar

entre si sobre o período que ela compreende. Algumas pessoas ainda confundem

modernidade com modernismo – este último, um movimento cultural e artístico de

reação crítica à modernidade.

Kumar (2006) propõe que a modernidade é uma invenção da Idade Média cristã. De

acordo com o autor:

O cristianismo deu novo alento à ideia de tempo e história. Derrubou a

concepção naturalista do mundo antigo, segundo a qual o tempo era visto no

espelho da mudança cíclica das estações, na alternância interminável entre

dia e noite, ou nos ciclos reprodutivos do nascimento, morte e novo

nascimento (p. 107).

A ideologia do cristianismo trouxe à tona uma noção de eternidade, que

permaneceria para sempre a mesma, e que serviria de referência para o tempo. A

filosofia cristã assume que “[...] o tempo é retirado da esfera natural e inteiramente

humanizado (mesmo que sob orientação divina). Ele é mostrado como linear e

irreversível, ao contrário dos ciclos e recorrências do pensamento antigo” (KUMAR,

2006, p. 108). A linearidade do tempo e a predominância da referência de leis cristãs

desfavoreciam o aparecimento da ansiedade, pois ditavam a forma como o indivíduo

deveria seguir sua vida, de acordo com os preceitos da Bíblia Sagrada, evitando que ele

se sentisse compelido a fazer escolhas com base em outros valores que não os cristãos.

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Já no século XVII, com a Renascença, predominava a ideia de que a vida

humana era uniforme e imutável, de forma que experiências de gerações passadas nos

ensinariam algo sobre o futuro. Ainda que a sociedade do século XVII assistisse ao

início da Revolução Científica, seu ideal de progresso não era assumido. Novamente, o

indivíduo era dotado de sólidos modelos de como pensar e agir, agora baseado nas

ideologias dos pensadores da Antiguidade – realizar suas escolhas conforme essas

ideologias indicaria uma forma de ação “correta”.

Sobre a Renascença, Kumar (2006) afirma que “Os novos tempos de fato

representavam um rompimento revolucionário com a estagnação da Idade Média, mas

esta revolução foi concebida de acordo com o modelo dos antigos” (p. 113). Só no

século XVIII, com novas perspectivas científicas, as crenças da Antiguidade foram

convertidas em uma ideia secular de progresso. O século XVIII transformou o conceito

cristão de tempo em uma filosofia dinâmica de história, em que as eras antiga, medieval

e moderna passaram a ser vistas como estágios de evolução da história mundial. Kumar

(2006) afirma que, nos tempos modernos, “O passado carece de sentido, exceto como

preparação para o presente. Não nos ensina mais pelo exemplo. Sua única utilidade é

ajudar-nos a compreender aquilo em que nos tornamos” (p. 118). Se, na Renascença, o

passado lançava uma luz sob o futuro, nos tempos modernos, sua autoridade é abolida, e

a perda de referências volta a favorecer o surgimento de ansiedade.

No entanto, se tivermos de propor um marco inicial para o período concebido

como modernidade, este marco seria a Revolução Francesa, considerada a primeira

revolução moderna, pois “[...] passou a significar a criação de alguma coisa inteiramente

nova, algo nunca visto antes no mundo” (KUMAR, 2006, p. 119). A Revolução

Francesa anunciou a obtenção de liberdade por meio da razão. Com a liberdade, temos

novamente a responsabilidade propulsora da ansiedade, desta vez potencializada pelas

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tecnologias de informação e comunicação (TICs). E se o ideal de progresso já era

latente com a Revolução Francesa, foi reforçado com a Revolução Industrial e a

consequente aceleração da evolução econômica. A industrialização e o capitalismo se

tornaram sinônimos de modernidade, enquanto a produção e o consumo foram

massificados – assim como a comunicação.

As descobertas científicas não determinaram per se a modernidade, apesar de

terem se tornado um forte símbolo deste período. Há uma discussão entre sociólogos e

teóricos da comunicação sobre cultura e determinismo tecnológico, gerando dúvidas

sobre se a técnica cria transformações sociais e culturais ou se estas é que favorecem o

surgimento da técnica, sendo que a segunda hipótese vem ganhando força. Na

modernidade, tudo leva a crer que a racionalidade, a liberdade e o progresso definem o

período, ainda que o progresso seja acelerado com o advento das descobertas científicas

e produção em massa. Como afirma Sousa (2007):

Se o lugar da técnica se configura em mudança em todos os âmbitos onde se

insere, o mesmo se dá na compreensão da modernidade capitalista que marca

o contexto estruturante do sistema social contemporâneo. Termos como crise,

mudanças, mutações e rupturas têm sido utilizados para sinalizar que a

racionalidade que sustentou a modernidade, a relação meio-fins, a dimensão

do tempo assumida na perspectiva de progresso, tanto quanto a consolidação

de uma organização social desde instituições mantenedoras e indicadoras do

devir começam a ser questionadas (p. 12).

Esse questionamento traduz-se no que Giddens (1991) chama de “modernidade

tardia”, e que Bauman (1998) e Kumar (2006) preferem tratar como “pós-

modernidade”, o período em que vivemos.

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3.2 Das Mídias Verticais

Segundo Sousa (2007, p. 10), “[...] o desenvolvimento tecnológico derivado da

revolução industrial se manifestava nas possibilidades de ferramentas inovadoras e de

grande alcance social, como a imprensa, o cinema e mais tarde o rádio e a televisão”.

Assim surgiram as mídias verticais, ou seja, aquelas que transmitem uma mensagem de

poucos para muitos. Na modernidade, vimos a produção e o consumo massificados

acontecendo não apenas na relação indústria–consumidor, como também na relação

emissor–receptor.

Schramm (1970) afirma que as funções intrínsecas da comunicação nas tribos

primitivas – funções educacional, política e de vigilância – permaneceram na

modernidade: “Nos séculos que medeiam entre a cultura tribal e a civilização moderna,

as funções de informação não se modificaram, mas, ao contrário, desenvolveram-se

métodos e estruturas que alargam e estendem essas funções” (p. 73). A função

educacional, antes exercida pelas famílias e pelos sacerdotes, passou a ser papel das

instituições de ensino; a função política, que pertencia ao líder da tribo ou a um

conselho, foi absorvida pelo governo; e a função de vigilância, que cabia a um membro

da tribo, que observava os acontecimentos e transmitia o que assistia à sua comunidade,

foi tomada pelos veículos de comunicação de massa – cujo modelo, desenvolvido por

Laswell, propunha a existência de um emissor, um receptor, um canal e uma mensagem,

desencadeando um efeito.

Outras características da comunicação de massa, discutidas por Merton e Lazarsfeld,

são as funções sociais que desempenha: atribuição de status, reafirmação de normas

sociais e disfunção narcotizante. Os autores afirmam que os mass media, ao se

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apropriarem do testemunho de um especialista, “[...] conferem prestígio e acrescem a

autoridade de indivíduos e grupos, legitimando seu status” (MERTON; LAZARSFELD,

1969, p. 109; grifo dos autores), o que sugere a existência de uma legitimidade cíclica,

pois, se uma pessoa ou instituição é relevante, estará no foco da atenção da massa e, se

está no foco da atenção da massa, isso significa que é relevante. Pode-se então

pressupor a existência de uma relação de confiança entre os veículos de massa e seu

público.

O mecanismo de exposição pública utilizado pelos mass media para reforçar as

normas sociais se traduz na aplicação dessas normas e na intolerância de

comportamentos divergentes, eliminando “[...] o hiato existente entre as ‘atitudes

particulares’ e a ‘moralidade pública’” (MERTON; LAZARSFELD, 1969, p. 111). Ao

se apropriar deste mecanismo, as mídias verticais se tornam maniqueístas, afirmando a

existência de um certo e um errado, um bem e um mal. Na visão de Adorno e

Horkheimer (1985), a Indústria Cultural “realizou maldosamente o homem como ser

genérico. Cada um é tão-somente aquilo mediante o que pode substituir todos os outros:

ele é fungível, um mero exemplar” (p. 136). Assim, esse conteúdo único, transmitido de

poucos para muitos, gera uma recepção padronizada que coíbe o poder crítico da massa

que, ao se tornar um “mero exemplar”, age conforme a moralidade pública. Desta

forma, as mídias verticais criam novamente uma referência, ao passo que ditam o modo

de vida correto, reduzindo novamente o aparecimento de ansiedade em seu público.

Os funcionalistas acreditam que, ao dedicar seu tempo aos meios de comunicação de

massa, o receptor abandona seu interesse político dirigido à ação organizada e que,

portanto, os mass media podem ser considerados um narcótico social: “O estar exposto

a esta avalancha de informações poderá servir para narcotizar o leitor ou ouvinte

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mediano, ao invés de estimulá-lo” (MERTON; LAZARSFELD, 1969, p. 113). Na visão

dos autores, diante da quantidade e velocidade de informação proporcionada pelas

mídias verticais, o receptor tende à passividade e ao conformismo: existe uma “[...]

preocupação com os atuais efeitos dos mass media sobre seu enorme público e, mais

especificamente, com a possibilidade de que seu contínuo assalto leve à entrega

incondicional da capacidade crítica do público a seu inconsciente conformismo”

(MERTON; LAZARSFELD, 1969, p. 105), conformismo este reforçado pelo

mecanismo de reafirmação das normas sociais.

O que as mídias verticais transmitem é uma representação dos fatos selecionados

pelos detentores do poder – o mundo do negócio organizado – de acordo com seus

interesses. Assim, determinam o agenda setting6, ou seja, os temas que serão discutidos

publicamente em um determinado período. Não somente escolhem assuntos em

detrimento de outros, como também estipulam de que forma os temas serão abordados,

a fim de provocar um determinado efeito. Uma vez que o filtro utilizado pelos mass

media é determinado com base tão-somente em seus interesses, a relação de confiança

estabelecida anteriormente é fragilizada no momento em que o receptor compreende a

situação em que é colocado. Essa fragilização da relação de confiança entre emissor e

receptor favorece o ressurgimento de ansiedade, pois a desinformação passa ser vista

como uma situação de perigo eminente, da qual o indivíduo sente necessidade de se

proteger, reagindo por meio de uma busca ainda maior por informação, ou ainda da fuga

desta.

6 “Trata-se de uma das formas possíveis de incidência dos meios de comunicação de massa sobre a

sociedade. É um dos efeitos sociais da mídia. Segundo essa hipótese, a mídia, pela seleção, disposição e

incidência de seus produtos, determina os temas sobre os quais o público falará e discutirá”. (BARROS

FILHO, 2008, p. 157).

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Outras características intrínsecas às mídias verticais são a transmissão de uma

mensagem restrita em seu conteúdo, abrangência e temporalidade, como exemplifica

Almeida (2009, p. 45): “A televisão definia a tendência dominante e sua programação

funcionava como rédeas temporais para fixar o espectador no sofá em horários

definidos”. Na modernidade, havia uma ansiedade, porém esta era limitada pela

temporalidade e pela baixa variedade de opções disponíveis. Se o receptor desejasse

obter mais informação sobre um determinado tema, deveria esperar o jornal ou o

boletim de notícias do dia seguinte. Dependente dos media, o indivíduo sofria de

ansiedade pela não informação, ou seja, por não ter a informação desejada, no tempo ou

meio que julga apropriado. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, era comum as

pessoas se reunirem em torno do rádio, ansiosas, à espera de novidades.

A ausência de instantaneidade das mídias verticais nos casos de acontecimentos

considerados relevantes – para o indivíduo, para uma comunidade ou para a sociedade –

é um dos fatores-chave para o surgimento da ansiedade de informação na modernidade,

um mal-estar no qual o indivíduo sacrificava sua liberdade de escolha – por receber

mensagens únicas, padronizadas e de acordo com o interesse do mundo do negócio

organizado – em nome da segurança, de referências. A confiança abalada nas

referências preestabelecidas entre o emissor e o receptor moderno torna-se então o

embrião da comunicação pós-moderna.

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4. PÓS-MODERNIDADE E MÍDIAS HORIZONTAIS

4.1 Da Pós-Modernidade

Da mesma forma que os autores discordam sobre o período que compreende a

modernidade, são também inconclusivos em relação à pós-modernidade, não somente

em termos cronológicos, como também em seu significado. Esse questionamento

traduz-se no que Giddens (1991) chama de “modernidade tardia”, por considerá-la uma

etapa da modernidade, enquanto Bauman (1998) entende que estamos em uma nova era,

que prefere chamar de “pós-modernidade”. Kumar (2006), ainda que utilize o termo

“pós-modernidade”, propõe três hipóteses sobre este período: a primeira é de que ele se

tornou “[...] uma forma de reflexão sobre a modernidade, uma modernidade consciente

de si mesma e, nesse processo, revelando princípios que não eram óbvios durante a

verdadeira passagem para a modernidade” (p. 43), conceito este que se aproxima ao de

Giddens. A segunda hipótese, similar à de Bauman, é a de que o prefixo “pós” “[...]

pode significar o que vem depois, o movimento para um novo estado de coisas, por

mais difícil que seja caracterizar esse estado tão cedo assim” (KUMAR, 2006, p. 106).

A terceira e última hipótese é a de que o prefixo “pós” “[...] pode ser mais parecido com

o post de post-mortem: exéquias realizadas sobre o corpo morto da modernidade, a

dissecção de um cadáver” (KUMAR, 2006, p. 106).

Neste trabalho, no entanto, será utilizado o conceito de “pós-modernidade”, uma

vez que a análise de Bauman se aproxima mais do objeto de estudo desta monografia,

pois trata do indivíduo inserido em uma sociedade em constante mutação.

A pós-modernidade pode ser definida como um período de questionamento da

modernidade e sua autoridade e ortodoxia, intimamente relacionado ao modernismo do

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início do século XX. Kumar (2006) compara modernidade e pós-modernidade,

afirmando que “Em contraste com a crença no progresso e na razão da era moderna, a

era pós-moderna caracterizava-se pelas crenças e sentimentos de irracionalidade,

indeterminação e anarquia” (p. 145). Jencks (1989) ressalta o questionamento da

modernidade e a perda de referências, reforçando que:

A era pós-moderna é um tempo de opção incessante. É uma era em que

nenhuma ortodoxia pode ser adotada sem constrangimento e ironia, porque

todas as tradições aparentemente têm alguma validade. Esse fato é em parte

consequência do que se denomina de explosão de informações, o advento do

conhecimento organizado, das comunicações mundiais e da cibernética. (p. 7)

Enquanto Jencks entende a pós-modernidade como moldada a partir das tecnologias

digitais, Castells (2003) afirma que “Os sistemas tecnológicos são socialmente

produzidos. A produção social é estrutura culturalmente. A internet não é exceção” (p.

34), sendo o pensamento de Castells mais aceito atualmente. Bauman e Kumar, por sua

vez, associam a pós-modernidade à morte do passado, em que “[...] a única coisa que

nos dá material para contemplação é o presente eterno” (KUMAR, 2006, p. 183). Os

autores argumentam que, no período em que vivemos, o passado deixou de ser

referência, e o futuro deixou de ser previsível, existindo, desta forma, apenas um

presente contínuo.

Seja com a crença efêmera na tradição ou em sua total negação, resta apenas a

incerteza, que, segundo Bauman (1998), já não é vista como um mero inconveniente

temporário. O autor afirma que “O mundo pós-moderno está se preparando para a vida

sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível” (p. 32). Neste mundo, as

referências são efêmeras, como deve ser também a identidade. O autor afirma que

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As utopias modernas diferiam em muitas de suas pormenorizadas

prescrições, mas todas elas concordavam em que ‘o mundo perfeito’ seria um

que permanecesse para sempre idêntico em si mesmo, um mundo em que a

sabedoria hoje aprendida permaneceria sábia amanhã e depois de amanhã, e

em que habilidades adquiridas pela vida conservariam sua utilidade para

sempre (BAUMAN, 1998, p. 21).

Na pós-modernidade, entretanto, resta “[...] a ausência de pontos de referência

duradouros, fidedignos e sólidos que contribuiriam para tornar a identidade mais estável

e segura” (BAUMAN, 1998, p. 155). Assim, ter uma identidade sólida representa uma

desvantagem para as pessoas que vivem na era pós-moderna, pois é “um fardo que

dificulta o movimento, um lastro que elas devem jogar fora para permanecer à tona”

(BAUMAN, 1998, p. 38; grifo nosso). Como as roupas, que vestimos de acordo com o

clima, a ocasião, ou mesmo nosso humor, as identidades são vestidas e despidas de

acordo com as circunstâncias. Se não há identidade consistente e vitalícia, “[...] há

pouca coisa, no mundo, que se possa considerar digna de confiança, nada que lembre

uma vigorosa tela em que se pudesse tecer o itinerário da vida de uma pessoa”

(BAUMAN, 1998, p. 36). Da mesma forma que não existe identidade sólida, já não

existem empregos vitalícios como outrora. “Sem estes, há pouco espaço para a vida

vivida como um projeto, para planejamento de longo prazo e esperanças de longo

alcance” (BAUMAN, 1998, p. 50). Não só o passado foi morto, como também qualquer

perspectiva de futuro. O agora se afirma como protagonista da pós-modernidade.

Ao proporcionar ao indivíduo liberdade de escolha sem a presença de referências

duradouras e com opções inesgotáveis, a pós-modernidade o induz a um nível de

ansiedade sem precedentes. Segundo Bauman (1998), os mal-estares e ansiedades

típicos do mundo pós-moderno resultam do gênero de sociedade “[...] que oferece cada

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vez mais liberdade individual ao preço de cada vez menos segurança. Os mal-estares

pós-modernos nascem da liberdade, em vez da opressão” (p. 156). Fazer escolhas é

correr riscos, como afirma Giddens (1991):

The late modern world – the world of what I term high modernity – is

apocalyptic, not because it is inevitably heading towards calamity, but

because it introduces risks which previous generations have not had to face

(p. 4).

Os riscos mencionados por Giddens são consequência direta de uma pós-

modernidade que proporciona ao indivíduo livre-arbítrio em troca de responsabilidade.

4.2 Das Mídias Horizontais

A fragilização da relação moderna de confiança entre emissor e receptor foi o

cenário do surgimento das novas mídias, as chamadas mídias horizontais. Conforme

argumenta Sousa (2007), “Há todo um conjunto de rupturas com o modelo vertical de

comunicação mediática com deslocamentos de agentes, criando um modelo horizontal

de comunicação” (p. 17). Neste modelo, todo receptor é um potencial emissor, e todos

os emissores e receptores estão ligados em rede. Segundo Castells (2003), o que

permitiu a criação desta estrutura social foram três processos independentes que se

desenvolveram simultaneamente no final do século XX:

[...] as exigências da economia por flexibilidade administrativa e por

globalização do capital, da produção e do comércio; as demandas da

sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação

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aberta tornaram-se supremos; e os avanços extraordinários na computação e

nas telecomunicações possibilitados pela revolução microeletrônica. (p. 8)

Ainda que a Internet não determine a pós-modernidade, sua importância é tamanha

para nossa era, que, como afirma Castells (2003),

Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era

Industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede

elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a

força da informação por todo o domínio da atividade humana (p. 7).

O autor acrescenta que “A Internet é um meio de comunicação que permite, pela

primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala

global” (CASTELLS, 2003, p. 8). Essa comunicação horizontal se reflete na cultura

participativa da web 2.0, que, como descreve Saad (2008), “[...] potencializa a ação do

usuário na rede por meio da oferta, quase sempre gratuita, de ferramentas que permitem

a expressão e o compartilhamento com outros usuários de opiniões, criações, desejos,

reclamações, enfim, qualquer forma de comunicação interpessoal” (p. 149). A

liberdade, então, não se dá apenas no consumo de informação, como também na

produção de conteúdo e nos modos de interação informacional.

Na pós-modernidade, o paradigma da comunicação de massa – que pressupõe a

existência de um emissor, um receptor, um canal e uma mensagem, gerando um

determinado efeito – passa a conviver com o novo paradigma da comunicação

horizontal, em que uma nova configuração emerge com os três princípios básicos da

cibercultura, como descrevem Lemos e Lévy (2010): “liberação da emissão, conexão

generalizada e reconfiguração social, cultural, econômica e política” (p. 45). Por

“liberação da emissão”, entendemos que o discurso, antes editado segundo o interesse

dos mass media, convive agora com uma circulação virótica de informação

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proporcionada pela transformação do receptor em emissor. O princípio de conexão

generalizada pressupõe que tudo comunica e está ligado em rede, princípio também

conhecido como “Internet das coisas”, onde diversos objetos passam a se comunicar

conectando-se à Internet. O terceiro e último princípio é o de reconfiguração, que trata

da transformação de estruturas sociais, instituições e práticas comunicacionais

favorecidas pelas mídias horizontais. Os modelos massivo e “pós-massivo”7 não serão

excludentes, mas complementares, conforme ilustram Lemos e Lévy (2010):

Há e persistirá o modelo ‘informativo’ ‘um-todos’ das mídias de massa, mas

crescerá o modelo ‘conversacional’ ‘todos-todos’ das mídias digitais e redes

telemáticas. Teremos cada vez mais liberdade de escolha no consumo da

informação e novas e inéditas oportunidades de produção livre de informação

e de estabelecimento de comunicação bidirecional, cooperativa e planetária

(p. 47-48).

Nas mídias horizontais, as limitações de conteúdo, abrangência e temporalidade

das mídias verticais deixam de existir, proporcionando ao indivíduo uma liberdade sem

precedentes quanto à escolha da informação que deseja consumir – e uma ansiedade de

informação igualmente sem precedentes. Como afirma Almeida (2009),

Agora é o usuário quem escolhe a que informação quer ter acesso, onde quer

encontrá-la, em que hora do seu dia e quanto tempo pretende dedicar-se a ela.

Se quiser ele ainda pode optar por receber a informação em seu próprio

celular para ser visualizada a qualquer momento e lugar (p. 45).

7 Função personalizável, interativa, que estimula não só o consumo, mas também a produção e a

distribuição de informação. “As chamadas ‘novas mídias’, como a Internet, os telefones celulares, os

microcomputadores, assim como os softwares, agentes e inúmeras ferramentas de comunicação, podem

desempenhar funções não centralizadoras e simplesmente massivas, mas abertas, colaborativas,

interativas, distributivas... ‘pós-massivas’”. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 47)

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Por outro lado, assistimos a uma multiplicação exponencial da quantidade de

informação, como pontua Martins (2008): “Parece ser consenso que vivemos a era do

excesso de comunicação, ao contrário de outras épocas de restrições de ordem política e

tecnológica” (p. 68). Essas restrições foram substituídas por uma avalanche de

informação. Segundo Wurman (1991), “A informação transformou-se na força motriz

de nossa vida e a terrível ameaça dessa pilha cada vez maior a exigir compreensão leva

a maioria de nós à ansiedade” (p. 36). Soma-se a essa explosão de informação a

velocidade – relação entre distância e tempo –, que aumentou vertiginosamente com a

mundialização. Há, de um lado,

[...] a extrema redução das distâncias decorrentes da compressão temporal

tanto dos transportes quanto das transmissões; de outro, o processo, em curso,

de generalização da televigilância. Visão nova de um mundo constantemente

‘telepresente’, 24 horas por dia, 7 dias por semana, graças ao artifício dessa

‘ótica trans-horizonte’ que mostra o que antes estava fora do alcance da visão

(VIRILIO, 1999, p. 20; grifos no original).

Na pós-modernidade, a noção de tempo, cíclica até a Idade Média e linear na

modernidade, passa por uma transformação social, agregando a ela o conceito de

velocidade, favorecida pelo advento da Internet, como conclui Virilio (1999):

Ao tempo-matéria da dura realidade geofísica dos lugares sucede então esse

Tempo-luz de uma realidade virtual que modifica radicalmente toda duração,

ocasionando assim, com o acidente do Tempo, a aceleração de toda

realidade: a das coisas, dos seres, dos fenômenos socioculturais... (p. 115;

grifos no original)

Essa aceleração da realidade é refletida no cotidiano da sociedade e nos processos

comunicacionais. Se, na modernidade, era preciso esperar o jornal do dia seguinte para

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ler uma notícia, hoje ela está disponível em tempo real, e a notícia impressa se torna

antiga. A tentativa de acompanhar os acontecimentos – locais e mundiais – em tempo

real acaba tornando o indivíduo cada vez mais ansioso por informação, e cada vez mais

incapaz de se manter bem-informado, se tomarmos como parâmetro toda a quantidade

de informação não consumida e disponível na Internet.

No ciberespaço, a relação de confiança entre mídia e usuário é ainda mais frágil do

que nas mídias de massa. Em um mundo em que não existe mensagem única e toda

informação é editável, as fontes de informação se tornam pouco confiáveis. Em A

bomba informática, Virilio (1999) cita o caso Clinton/Lewinsky, no qual a Internet

gerou dúvidas sobre a veracidade dos fatos e manipulação das fontes, “[...] mostras de

que a revolução da informação real é igualmente a da desinformação virtual e, pois, da

história que está sendo escrita” (p. 106; grifos no original). Martins (2008) acrescenta

que “O melhor é o que melhor circula, em razão de serem também os pontos específicos

dotados de legitimidade cultural aqueles que dão o grau e o status da produção” (p. 98).

Ou seja: nas mídias horizontais, buzz8 – ou viralização – é sinônimo de legitimidade.

A questão da legitimidade nas mídias horizontais é um paradoxo pós-moderno,

pois, ao mesmo tempo em que se veem fontes de informação pouco confiáveis, a

informação é também dotada do testemunho das pessoas “merecedoras de nossa

confiança”: família, amigos e colegas. Pessoas que selecionam, avaliam e tecem

comentários sobre a informação, e que, com isso, deveriam conferir credibilidade a ela –

o que muitas vezes não acontece, pois não sabemos se a fonte de informação que

utilizaram é confiável.

8 Buzz marketing é uma estratégia de marketing que encoraja indivíduos a repassar uma mensagem de

marketing para outros, criando potencial para o crescimento exponencial tanto na exposição como na

influência da mensagem.

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A utopia da comunicação pós-moderna é a redução da ansiedade de informação

graças a seu fator acessibilidade. De Kerckhove (1997) acredita que

Quando se sabe que todo o conhecimento está distribuído e que tudo é

conhecido por alguém, nalgum lugar, e que essa informação está acessível, e

tem um preço, desenvolve-se uma espécie de psicologia ‘just-in-time’. Para

que preocuparmo-nos em aprender isto agora se, quando precisarmos, estará

acessível? (p. 100)

Wolton (2003) acrescenta que, na era da velocidade e do excesso de informação,

[...] domina a ideia, um pouco calcada, sobre o que ocorre em física, química,

matemática e biologia, de que bastaria acelerar a circulação das informações

para produzir mais conhecimento, mais interesse pelas ideias e para melhorar

a circulação das pesquisas (p. 161).

O que De Kerckhove não considerou com sua afirmação foi a essência da

angústia pós-moderna, que surge a partir da liberdade de escolha e da responsabilidade

que pressupõe, como afirma Bauman (2008):

A aceitação da responsabilidade não aparece facilmente – não exatamente

porque ela leva aos suplícios da escolha (que sempre impõe a privação de

alguma coisa, assim como o ganho de outra), mas também porque ela anuncia

a permanente ansiedade de estar – quem sabe? – errando (p. 249).

A tentativa frustrada de não fazer escolhas, afastando de si a responsabilidade,

leva o indivíduo a consumir informações sem critérios, acreditando que, quanto maior o

consumo, maior será seu conhecimento. “Sem critérios seletivos, muitos ficam

sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, assistir a tudo. É por isso

que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na internet, naufraga”

(CORTELLA, 2008, p. 24).

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5. CONCLUSÃO

E não há coisa alguma como uma liberdade sem ansiedade.

Zygmunt Bauman

A frase em epígrafe acima, de Zygmunt Bauman, coloca em evidência o que

vivemos hoje: há uma ansiedade proporcionada pela liberdade pós-moderna, que coloca

sobre nossos ombros a responsabilidade de fazer escolhas e renúncias em um mundo de

referências líquidas e efêmeras.

No início deste trabalho, optei por conceituar ansiedade e analisar suas relações

com o processo informacional. Sendo a ansiedade um mecanismo de defesa do

indivíduo, que antecipa uma situação de perigo vivenciando-a mentalmente, e sendo

suas origens dadas a partir do livre-arbítrio e da responsabilidade das escolhas do

indivíduo para consigo e com a humanidade, este mesmo mecanismo se aplica ao

processo de seleção da informação – sendo influenciado por aspectos como a

emergência das tecnologias mediáticas e uma explosão na quantidade e na velocidade

de informação que proporcionam.

Em seguida, foi realizada uma análise da modernidade e das mídias verticais,

pois, apesar de as últimas permanecerem na pós-modernidade, suas características de

massificação e padronização, tanto da produção e do consumo quanto da comunicação e

do indivíduo, são características tipicamente modernas. Na modernidade, ao mesmo

tempo em que as normas sociais ditadas pelos mass media tornam-se uma referência,

um modelo que guia as escolhas do indivíduo, desfavorecendo o aparecimento de

ansiedade, as limitações de escolha em termos de conteúdo, abrangência e

temporalidade acabam por proporcionar uma ansiedade, não determinada a partir da

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liberdade de escolha, mas da falta de controle do indivíduo sobre o processo

informacional.

O filtro utilizado pelos mass media para selecionar alguns conteúdos em

detrimento de outros e a determinação da abordagem da mensagem de acordo com seus

interesses acaba por gerar uma fragilização da relação de confiança estabelecida

inicialmente entre emissor e receptor no momento em que o último percebe a situação

em que é colocado. Ora, se as mídias verticais deixam de ser dignas de confiança, o

indivíduo perde aos poucos suas referências e, com isso, acresce sua ansiedade de

informação.

Na pós-modernidade, em um mundo em que o passado é descartável e não há

planejamento para o futuro, identidades são vestidas e despidas de acordo com as

circunstâncias, e há pouca coisa digna de confiança, resta apenas incerteza. Sem

modelos, não há um modo de agir considerado correto, potencializando a liberdade de

escolha e a responsabilidade que acarreta, transformando toda opção em uma ansiedade

potencial. O surgimento das tecnologias digitais não foi determinante nesse processo,

mas contribuiu muito para que ele acontecesse; afinal, elas proporcionam diversas

opções de conteúdo, multiplicado a cada nanossegundo, pelas quais o indivíduo,

pressionado à busca incessante de conhecimento nesta sociedade – pois, como afirma

Castells (2003, p. 8), “[...] ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas mais

danosas de exclusão em nossa economia e em nossa cultura” – busca navegar e acaba

naufragando.

A completa erradicação da ansiedade de informação pode ser considerada uma

utopia, uma vez que a ansiedade é um mecanismo inerente ao ser humano, e a busca por

liberdade só faz crescer. Ao mesmo tempo, se a ansiedade antecipa uma situação de

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perigo, configurando-se em uma importante função do aparelho psíquico, e a sociedade

da informação cobra cada vez mais do indivíduo o conhecimento, talvez tentar erradicá-

la seja uma tentativa de tornar o indivíduo impotente diante desta sociedade.

Pelo fato de estarmos em uma sociedade em constante mutação, não é possível

prever os impactos da ansiedade de informação nos indivíduos nos próximos anos, e se

serão benéficos ou maléficos. Serão necessárias outras pesquisas que forneçam dados

empíricos para formar um conhecimento sólido nesta área.

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