modelos não lineares de efeitos mistos na farmacocinética ......Índice de tabelas tabela 2.1 -...

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Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Departamento de Estatística e Investigação Operacional 2012 Modelos Não Lineares de Efeitos Mistos na Farmacocinética da Ciclosporina em Doentes Transplantados Renais Ana Sofia Cunha Cardoso Dissertação Mestrado em Bioestatística

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  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Ciências Departamento de Estatística e Investigação Operacional

    2012

    Modelos Não Lineares de Efeitos Mistos na Farmacocinética da Ciclosporina em Doentes

    Transplantados Renais

    Ana Sofia Cunha Cardoso

    Dissertação

    Mestrado em Bioestatística

  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Ciências Departamento de Estatística e Investigação Operacional

    2012

    Modelos Não Lineares de Efeitos Mistos na Farmacocinética da Ciclosporina em Doentes

    Transplantados Renais

    Ana Sofia Cunha Cardoso

    Dissertação orientada pela Prof.ª Doutora Maria Salomé Cabral e coorientada pela Prof.ª Doutora Ana Paula Carrondo

    Mestrado em Bioestatística

  • i

    ÍNDICE Índice ....................................................................................................................................................................i Índice de figuras.................................................................................................................................................ii Índice de tabelas ...............................................................................................................................................iii Agradecimentos .................................................................................................................................................v Resumo..............................................................................................................................................................vii Abstract ..............................................................................................................................................................ix Abreviaturas e símbolos ..................................................................................................................................xi 1. Introdução..................................................................................................................................................1 2. Farmacocinética.........................................................................................................................................3

    2.1 LADME .............................................................................................................................................4 2.1.1 Libertação e absorção ..............................................................................................................5 2.1.2 Distribuição ...............................................................................................................................6 2.1.3 Eliminação .................................................................................................................................6

    2.2 Estado Estacionário .........................................................................................................................8 2.3 Análise Farmacocinética ..................................................................................................................9

    2.3.1 Análise Compartimental ........................................................................................................10 2.3.2 Análise Não Compartimental ...............................................................................................16

    2.4 Análise Populacional ......................................................................................................................18 3. Modelo Não Linear de Efeitos Mistos ................................................................................................21

    3.1 O Modelo.........................................................................................................................................22 3.2 Extensões do modelo básico ........................................................................................................27

    3.2.1 Efeitos aleatórios e estruturas da matriz D ........................................................................27 3.2.2 Variabilidade intra individual. Modelação da matriz de variância–covariância dos erros aleatórios.........................................................................................................................................27 3.2.3 Modelo geral............................................................................................................................35 3.2.4 Covariáveis dependentes do tempo.....................................................................................36 3.2.5 Interpretação dos parâmetros do modelo e objetivos da inferência ..............................38

    3.3 Estimação e inferência no modelo não linear hierárquico de efeitos mistos ........................39 3.3.1 Função verosimilhança e estimação dos parâmetros ........................................................39 3.3.2 Inferência .................................................................................................................................44

    3.4 Qualidade do ajustamento.............................................................................................................45 3.5 Construção do modelo...................................................................................................................46 3.6 Abordagens não paramétricas.......................................................................................................48 3.7 Programas para farmacocinética populacional...........................................................................49

    4. Modelação da ciclosporina em doentes transplantados renais.........................................................51 4.1 Dados................................................................................................................................................53 4.2 Modelo..............................................................................................................................................57 4.3 Ajustamento do modelo ................................................................................................................59 4.4 Validação: .........................................................................................................................................69 4.5 Parâmetros farmacocinéticos ........................................................................................................74 4.6 Discussão .........................................................................................................................................76 4.7 Conclusão.........................................................................................................................................80

    Bibliografia........................................................................................................................................................81

  • ii

    ÍNDICE DE FIGURAS

    Figura 2.1 - Perfil da concentração sanguínea em função do tempo de um fármaco hipotético

    administrado em doses múltiplas por via oral. .....................................................................................9 Figura 2.2 - Esquema de input e output de um fármaco no organismo na presença de um, dois e

    três compartimentos. ..............................................................................................................................11 Figura 3.1 – Gráficos de semivariogramas versus distância para correlações espaciais isotrópicas

    com ρ=1 e efeito pepita=0.1.................................................................................................................34 Figura 3.2 – Principais passos na construção e validação de um modelo ............................................48 Figura 4.1 – Esquema dos tempos de amostragem do estudo nas duas ocasiões. ..............................54 Figura 4.2 – Perfil observado da concentração de ciclosporina ao longo do tempo,

    imediatamente após entrada no estudo (primeira ocasião) e cerca de 6 meses depois (segunda ocasião) no indivíduo 114. ....................................................................................................54

    Figura 4.3 – Perfil observado da concentração de ciclosporina versus tempo após entrada no estudo dos 82 indivíduos (primeira ocasião).......................................................................................55

    Figura 4.4 - Excerto dos dados do grupo de modelação, relativo ao doente 101. ..............................57 Figura 4.5 – Estimativas EB dos efeitos aleatórios de lV e de lCl versus as covariáveis em

    estudo. .......................................................................................................................................................61 Figura 4.6 – Gráfico de dispersão dos resíduos padronizados versus valores ajustados......................65 Figura 4.7 – Gráfico de dispersão dos resíduos padronizados versus tempo. .......................................65 Figura 4.8 – Papel de probabilidades da normal dos resíduos padronizados. .....................................66 Figura 4.9 – Papel de probabilidades da normal das estimativas dos efeitos aleatórios.....................66 Figura 4.10 – Estimativa do semivariograma amostral dos resíduos padronizados............................67 Figura 4.11 – Gráfico das concentrações observadas versus valores preditos com base no

    ajustamento populacional e individual.................................................................................................70 Figura 4.12 – Gráfico das concentrações observadas e valores preditos, com base no

    ajustamento populacional (“típico”) e individual, ao longo do tempo, para os indivíduos 114 e 131...................................................................................................................................................73

  • iii

    ÍNDICE DE TABELAS

    Tabela 2.1 - Descrição, gráficos e equações dos modelos de um compartimento mais frequentes

    em TDM, considerando eliminação a partir do compartimento central, em dose única e em doses múltiplas.........................................................................................................................................13

    Tabela 2.2 – Relação do MRT com o modelo de um compartimento e estimação dos parâmetros farmacocinéticos a partir de dados de dose única.........................................................17

    Tabela 2.3 - Fatores de variabilidade farmacocinética. ............................................................................18 Tabela 3.1 – Funções de variância...............................................................................................................30 Tabela 3.2 - Função de autocorrelação para modelação de correlação dos erros aleatórios em

    dados igualmente espaçados e de natureza inteira. ............................................................................32 Tabela 3.3 - Modelos de semivariograma isotrópicos para estruturas de correlação espacial. ..........34 Tabela 3.4 - Programas e respetivo método de estimação de modelos não lineares de efeitos

    mistos aplicados a farmacocinética.......................................................................................................50 Tabela 4.1 - Caracterização dos dados utilizados no desenvolvimento e validação do modelo. ......56 Tabela 4.2 - Estimativas iniciais dos parâmetros. .....................................................................................59 Tabela 4.3 – Efeitos fixos e aleatórios do modelo base (Modelo 1)......................................................60 Tabela 4.4 - Comparação de modelos com diferente número de efeitos aleatórios. ..........................60 Tabela 4.5 - Modelos obtidos por introdução sequencial de covariáveis no modelo base

    (Modelo 1), inicialmente associadas a lCl e depois a lV. ..................................................................63 Tabela 4.6 – Comparação de modelos com covariáveis e diferentes efeitos aleatórios. ....................64 Tabela 4.7 – Comparação de modelos com diferentes estruturas de variância. ..................................68 Tabela 4.8 - Parâmetros do modelo final (Modelo 24)............................................................................69 Tabela 4.9 - Resultados da validação interna e externa do modelo final (Modelo 24). ......................72 Tabela 4.10 - Parâmetros do modelo final (Modelo 24) de ciclosporina na escala original. ..............74

  • v

    AGRADECIMENTOS

    No fim desta etapa não posso deixar de expressar a minha gratidão aos familiares, amigos e

    colegas, que me apoiaram e incentivaram a ir sempre um pouco mais além. Enumerá-los

    equivale a correr o risco de esquecer algum, por isso, aqui fica uma palavra de

    reconhecimento para todos quantos, de uma maneira ou doutra, contribuíram para a

    materialização deste projeto.

    O meu profundo agradecimento:

    À Professora Doutora Maria Salomé Cabral, pelo conhecimento, trabalho, dedicação e

    amizade que sempre me dispensou durante a orientação deste trabalho. Graças ao seu

    empenho e ao seu olhar atento foi possível percorrer este caminho.

    À Professora Doutora Ana Paula Carrondo, colega e amiga, pelo constante incitamento à

    elaboração desta dissertação, bem como, ao seu trabalho como coorientadora.

    Ao Doutor José Guerra do Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal do Hospital de

    Santa Maria.

    A todos os colegas do Serviço Farmacêutico do Hospital de Santa Maria, na pessoa da sua

    Diretora, Drª Piedade Ferreira, pelo interesse e apoio manifestado.

  • vii

    RESUMO

    Os parâmetros farmacocinéticos caracterizam o perfil concentração-tempo de um fármaco

    no organismo sendo, por isso, essenciais na individualização posológica da terapêutica, com

    vista a maximizar a sua eficácia e reduzir os efeitos adversos.

    Os dados necessários para a análise farmacocinética consistem na medição, após a

    administração, das concentrações sanguíneas do fármaco, obtidas ao longo do tempo para

    cada indivíduo. Este tipo de dados, aos quais se dá o nome de dados longitudinais, requer

    particular cuidado na caracterização da variabilidade, uma vez que as observações intra

    indivíduos tendem a estar correlacionadas. Os modelos mistos, através da incorporação de

    efeitos fixos (parâmetros associados à população) e efeitos aleatórios (efeitos associados aos

    indivíduos), permitem modelar esta dependência e acomodar a variabilidade intra e

    interindividual tendo, por isso, particular interesse nesta área.

    Este trabalho teve como objetivo fundamental estimar os parâmetros farmacocinéticos da

    ciclosporina recorrendo a dados longitudinais obtidos, após administração oral, em doentes

    transplantados renais, através da aplicação de modelos não lineares de efeitos mistos,

    também designados por modelos não lineares mistos, e identificar algumas covariáveis

    responsáveis pela variabilidade intra e interindividual da ciclosporina na subpopulação

    estudada.

    Após uma breve descrição dos conceitos básicos de farmacocinética e do fundamento

    teórico dos modelos não lineares de efeitos mistos e a sua aplicação em farmacocinética,

    descreve-se a metodologia de modelação utilizada no tratamento dos dados de ciclosporina.

    Os dados foram analisados usando a função quinModel da biblioteca nlme do

    programa S-Plus (versão 6).

    A inferência “populacional” é baseada na máxima verosimilhança e as predições individuais

    são obtidas usando métodos Bayesianos.

    Palavras chave: modelos não lineares de efeitos mistos, dados longitudinais,

    farmacocinética, ciclosporina, transplante renal, S-Plus.

  • ix

    ABSTRACT

    Pharmacokinetic parameters characterize pharmacological processes within the body that

    dictate the time-concentration relationship of a drug. These parameters are used to adjust

    drug dose and serum concentrations in order to produce the desired pharmacological effect

    and to avoid adverse effects.

    The data required to pharmacokinetics analysis consists of drug concentrations, obtained

    by a serial blood samples collected over time from each subject following cyclosporine

    dose. This type of data, named longitudinal data, require particular care in treating

    variability, since the intra-individual observations tend to be correlated.

    Mixed effects models that, incorporate both fixed effects, which are parameters associated

    with an entired population, and random effects, which are associated to individuals randomly

    selected from a population, allow to model this dependency and accommodate intra and

    inter variability, making this approach a useful framework in pharmacokinetical data.

    The fundamental aim of this work was to estimate pharmacokinetic parameters of oral

    cyclosporine, in renal transplant recipients, using longitudinal data analysed by nonlinear

    mixed effects models, also refered to as nonlinear mixed models, and identify possible

    variables responsible for pharmacokinetics variability.

    After a summary of the basic concepts of pharmacokinetics and the theoretical basics of

    nonlinear mixed effects models and its application to pharmacokinetics, follows the

    description of modelling methodology of cyclosporine data.

    Statistical analyses were made using quinModel function in nlme library of the S-

    Plus (version 6). “Population” inference was based on a maximum likelihood method and

    individual preditions were based on a Bayesian approach.

    Key words: non linear mixed effects models, longitudinal data, pharmacokinetics,

    cyclosporine, renal transplant, S-Plus.

  • xi

    ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

    Principais abreviaturas e símbolos utilizados no âmbito da Farmacocinética:

    τ intervalo de administração

    AUC área sob a curva (area under the curve)

    AUC0∞ área sob a curva após dose única

    AUCtss área sob a curva em estado estacionário

    AUMC área sob a curva do primeiro momento (area under the first-moment curve) AUMC0∞ área sob a curva do primeiro momento em dose única

    C0 concentração do fármaco no tempo zero

    Cl clearance

    Cmáx concentração máxima do fármaco após administração

    Cmáxss concentração máxima do fármaco em estado estacionário

    Cmin concentração mínima do fármaco

    Cminss concentração mínima do fármaco em estado estacionário

    Ct concentração do fármaco no tempo t

    CT concentração do fármaco no fim da perfusão (antes do estado estacionário)

    CTss concentração de fármaco no fim da perfusão em estado estacionário CYP P450 sistema enzimático citocromo P-450

    D dose

    dCt/dt alteração da concentração do fármaco ao longo do tempo

    dM/dt alteração da quantidade de fármaco ao longo do tempo

    F fator de biodisponibilidade IV intravenoso

    k0 velocidade de perfusão (D/τ) Ka constante de absorção

    Ke constante de eliminação

    KM constante de Michaelis-Menten LADME libertação, absorção, distribuição, metabolismo e excreção MRT tempo médio de residência (mean residence time)

    n número de doses administradas

    SS estado estacionário (steady-state)

  • xii t tempo

    T tempo de perfusão

    t0 tempo de latência (lag-time)

    T1/2 tempo de semi-vida TDM monitorização sérica da terapêutica farmacológica (therapeutic drug monitoring)

    tDn tempo após administração ao fim da dose D1, D2, ..., Dn

    tmáx tempo pós administração correspondente à concentração máxima

    Vd volume de distribuição

    Vmáx velocidade máxima da capacidade enzimática

    (Fitzmaurice, Davidian, Verbeke, & Molenberghs, 2009)

    (De Vito, Crass, Blum, Pleasants, & Schentag, 1985; Sheiner, Rosenberg, & Marathe,

    1977)

    (Pillai, Mentré, & Steimer, 2005)

    (Box, Jenkins, & Reinsel, 1994; Diggle, Liang, & Zeger, 1994)

    (Medronho, Carvalho, Bloch, Luiz, & Werneck, 2005; Zeger, Liang, & Albert, 1988)

    (Nothdurft, Kublin, & Lappi, 2006)

    (Maitre, Buhrer, Thomson, & Stanski, 1991; Mandema, Verotta, & Sheiner, 1992; Wade,

    Beal, & Sambol, 1994; Wählby, Jonsson, & Karlsson, 2002)

    (R. J. Bauer, Guzy, & Ng, 2007)

    (Porta Oltra, Pérez Ruixo, Jiménez Torres, & Pallardó Mateu, 2004; Rui, Zhuo, Jiang, &

    Chen, 1995; Schädeli, Marti, Frey, & Uehlinger, 2002)

    (Savic, Jonker, Kerbusch, & Karlsson, 2007) (Lindstrom & Bates, 1990)

    (Brendel et al., 2007; Dartois et al., 2007; Tornøe, Agersø, Nielsen, Madsen, & Jonsson,

    2004; Wade, Edholm, & Salmonson, 2005)

    (Asberg et al., 2010; Ette, Williams, & Lane, 2004) (Jönsson, Henningsson, Edholm, &

    Salmonson, 2012)

  • 1. INTRODUÇÃO

    As ciências biomédicas apoiam-se em outras disciplinas, nomeadamente na estatística, para

    fazer inferências sobre a magnitude da resposta biológica de interesse. Frequentemente

    utilizam modelos construídos com base em dados experimentais, que representam o

    sistema biológico de interesse e permitem explorar a sua estrutura e comportamento. Uma

    vez que os dados experimentais estão sujeitos a erro, o objetivo principal desses modelos

    consiste em distinguir a “informação” do sistema, do ruído ou da componente aleatória do

    sistema (Bonate, 2005a).

    O sistema biológico é então descrito por um modelo estatístico composto por uma parte

    determinística e uma parte aleatória, sendo a resposta biológica representada por uma

    variável aleatória, contínua ou discreta, cuja distribuição de probabilidade é utilizada para

    descrever a probabilidade de se observar um determinado valor da resposta de interesse

    (Davidian, 2007).

    Dentro das ciências biomédicas, a farmacocinética é uma especialidade das ciências

    farmacêuticas, que estuda o percurso de um fármaco no organismo, recorrendo a modelos

    geralmente não lineares nos parâmetros, designados de modelos farmacocinéticos. Estes

    modelos, que representam a variação da concentração, ao longo do tempo, de um fármaco

    após a sua introdução no organismo, derivam da representação do organismo em

    compartimentos incorporando os pressupostos de como o organismo processa a absorção,

    a distribuição e a eliminação de um fármaco em cada indivíduo.

  • 2 1 . Introdução Nesta área, a resposta de interesse consiste nas concentrações séricas de um fármaco ao

    longo do tempo para um conjunto de indivíduos, sendo o objetivo de um estudo

    farmacocinético, caracterizar as alterações dessa variável resposta ao longo do tempo no

    indivíduo. É igualmente objeto de interesse determinar se essas alterações se relacionam

    com um conjunto de características (fatores) fisiopatológicas dos indivíduos como, por

    exemplo, a idade, o peso, a medicação concomitante, as doenças associadas, etc..

    Pode-se então dizer que, os dados resultantes dos estudos em farmacocinética são dados

    longitudinais contínuos com base nos quais se pretende compreender o comportamento

    “típico” do fármaco na população e em que medida ele varia entre os indivíduos, podendo

    este conhecimento ser aplicado na recomendação de posologias individualizadas de forma a

    tirar partido de todo o potencial terapêutico de um fármaco, maximizando a sua eficácia e

    segurança.

    A complexidade da análise de dados longitudinais é aqui acrescida com o facto de os

    modelos farmacocinéticos serem, em geral, não lineares nos parâmetros. Os modelos não

    lineares de efeitos mistos são uma escolha natural na execução do objetivo de um estudo

    farmacocinético.

    Neste trabalho o objetivo fundamental é estimar os parâmetros farmacocinéticos da

    ciclosporina, após administração oral, em doentes transplantados renais, através da

    aplicação de modelos não lineares de efeitos mistos. A estimação dos parâmetros

    farmacocinéticos reveste-se de particular interesse na medida em que têm significado

    fisiológico e caracterizam o comportamento do fármaco no organismo.

    No Capítulo 2 deste trabalho são descritos alguns conceitos básicos de farmacocinética que

    permitem compreender a complexidade dos modelos e, assim, mais facilmente

    compreender e interpretar os capítulos seguintes. Não se trata de uma descrição exaustiva

    de todos os fenómenos envolvidos mas de um resumo dos conceitos necessários ao

    enquadramento da questão e à implementação dos modelos.

    No Capítulo 3 apresenta-se o modelo não linear de efeitos mistos, a inferência a ele

    associada e a sua aplicação em farmacocinética.

    No Capítulo 4 é descrita a farmacocinética da ciclosporina e os vários passos efetuados na

    construção do modelo ajustado aos dados. A validação e discussão do modelo são

    igualmente apresentadas.

    A função quinModel da biblioteca nlme do programa S-Plus (versão 6) foi a usada

    na análise estatística dos dados.

  • 2. FARMACOCINÉTICA

    A farmacocinética é um ramo da farmacologia e uma especialidade na área das ciências

    farmacêuticas que se desenvolveu significativamente nos últimos 30 anos. A

    farmacocinética estuda a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção (ADME) do

    fármaco e dos seus metabolitos no organismo, assim como os fatores que os modificam,

    recorrendo a modelos matemáticos que, ao descreverem o trajeto do fármaco no

    organismo, permitem fazer previsões sobre a quantidade de fármaco disponível para

    exercer ação fisiológica1.

    A farmacocinética pode então considerar-se como o estudo do percurso, desde o seu input

    ao seu output, de um fármaco e seus metabolitos no organismo (Matos, 2004).

    Habitualmente esse estudo recorre à determinação da concentração do fármaco e/ou dos

    seus metabolitos no sangue, por ser o líquido biológico de melhor acesso para descrever o

    perfil da concentração ao longo do tempo (t). Idealmente a concentração devia ser

    determinada no local de ação (recetores biológicos) mas, a maior parte das vezes, tal não é

    possível. Assim, utiliza-se a concentração do fármaco em amostras biológicas acessíveis,

    como o sangue, que estão em equilíbrio, e podem ser relacionadas, com o fármaco

    associado ao recetor (Boroujerdi, 2001).

    Quando a concentração sérica do fármaco tem uma relação estabelecida com o efeito

    terapêutico e tóxico, as concentrações séricas constituem um indicador da adequabilidade

    1 O estudo da relação do efeito biológico do fármaco e a sua concentração no organismo é conhecido por farmacodinâmica.

  • 4 2 . Farmacoc inét ica da terapêutica. Nesse caso, pode ser definido um intervalo de concentrações terapêuticas

    (margem terapêutica) que, em termos clínicos, deve ser encarado com alguma flexibilidade

    (Burton, 2006).

    A análise farmacocinética é determinante no estabelecimento da posologia recomendada

    durante o desenvolvimento de novos fármacos mas, na prática clínica, está indicada

    fundamentalmente na individualização posológica de fármacos com elevada variabilidade

    interindividual e margem terapêutica estreita (Matos, 2004). Na prática clínica, esta

    atividade é habitualmente designada de monitorização sérica (TDM – therapeutic drug

    monitoring).

    Os processos farmacocinéticos de input e output de fármaco podem ser caracterizados

    essencialmente em dois tipos (Boroujerdi, 2001):

    • Cinética linear ou de primeira ordem:

    A velocidade de absorção, distribuição ou eliminação é proporcional à quantidade ou

    concentração do fármaco no organismo e é expressa por uma constante de

    proporcionalidade, K, sendo esta a situação mais comum.

    • Cinética não linear, de ordem zero ou ainda cinética de Michaelis-Menten:

    A velocidade de absorção, distribuição ou eliminação é independente da quantidade ou

    concentração do fármaco no organismo e é expressa por uma constante. A administração

    contínua de um fármaco em bomba perfusora (absorção a taxa constante) ou a saturação

    do sistema enzimático responsável pelo metabolismo (eliminação a taxa constante) são

    exemplos desta situação.

    2.1 LADME

    A concentração de um fármaco no organismo é determinada por vários processos, como:

    Libertação: corresponde à libertação do fármaco da forma farmacêutica;

    Absorção: corresponde à transferência do fármaco do local de absorção para a

    corrente sanguínea;

    Distribuição: resulta da movimentação reversível do fármaco da corrente sanguínea

    para os tecidos, onde exerce efeito farmacológico;

  • 2. Farmacoc inét ica 5

    Metabolismo: consiste na conversão química do fármaco noutras entidades, designadas

    de metabolitos, que podem ser ativas ou não;

    Excreção: consiste na remoção do fármaco do organismo através de um orgão de

    excreção (rim, fígado, pulmão ou outro).

    O processo conjunto de metabolismo e excreção é habitualmente designado de eliminação.

    Os fármacos podem ser administrados por via vascular, diretamente na corrente sanguínea,

    ou extravascular. A absorção só está presente na administração extravascular.

    O processo de LADME é condicionado por vários fatores que determinam a variabilidade

    entre indivíduos (Taylor & Caviness, 1986). Nas secções seguintes descreve-se

    resumidamente o processo e os parâmetros farmacocinéticos que o caracterizam.

    2.1.1 LIBERTAÇÃO E ABSORÇÃO

    A libertação do fármaco da forma farmacêutica envolve a desagregação da forma

    farmacêutica, que lhe serve de veículo, e a sua dissolução nos líquidos biológicos. Esta fase

    condiciona a absorção que, por sua vez, depende de vários fatores (Boroujerdi, 2001), pelo

    que, nem todo o fármaco administrado é absorvido e fica disponível na corrente sanguínea.

    A libertação e a absorção são caracterizadas pelos parâmetros: fator de biodisponibilidade

    (F) e constante de absorção (Ka). A biodisponibilidade consiste numa medida da

    velocidade e extensão de absorção da substância ativa que fica disponível para exercer

    efeito biológico, e em que, o fator de biodisponibilidade representa a percentagem ou a

    fração de dose (D) administrada que atinge a circulação sistémica.

    A constante de absorção traduz a fração da quantidade de fármaco presente no local de

    absorção que é absorvida em cada momento.

    O tempo que medeia entre a administração e o aparecimento de concentrações no sangue

    designa-se de tempo de latência (t0) ou, na terminologia inglesa, lag-time. Esse tempo

    representa um atraso no efeito terapêutico desejado.

    Na fisiologia humana, um fármaco administrado por via oral pode sofrer metabolização no

    fígado, ou ser excretado no ar expirado, antes de alcançar a circulação sistémica geral. Este

    circuito é conhecido por metabolismo pré-sistémico ou efeito de primeira passagem.

  • 6 2 . Farmacoc inét ica Para um fármaco administrado por via extravascular, a biodisponibilidade é determinada

    pela fração absorvida e pela fração que, após absorção, escapa ao efeito de primeira

    passagem.

    A extensão e a velocidade de absorção afetam o perfil de concentração de um fármaco. A

    área sob a curva concentração-tempo (AUC - area under the curve) é um indicador sensível da

    quantidade de fármaco que chega à circulação sistémica (extensão de absorção). A sua

    magnitude é diretamente proporcional à quantidade absorvida.

    2.1.2 DISTRIBUIÇÃO

    Uma vez atingida a circulação sistémica, o fármaco é distribuído aos tecidos e

    simultaneamente eliminado através dos orgãos de eliminação.

    Alguns fármacos ligam-se às proteínas plasmáticas (albumina, α-1-glicoproteína ácida) e

    aos tecidos periféricos. Só o fármaco não ligado, ou livre, está disponível para ser

    distribuído aos tecidos, eliminado pelos orgãos de excreção e a interagir com o recetor para

    exercer efeito biológico (Winter, 1994).

    O parâmetro farmacocinético utilizado para caracterizar a distribuição de um fármaco no

    organismo é o volume de distribuição (Vd). Este volume não corresponde necessariamente

    a um espaço fisiológico. O Vd corresponde a um volume hipotético que relaciona a

    concentração sérica do fármaco no organismo com a quantidade administrada.

    2.1.3 ELIMINAÇÃO

    O parâmetro farmacocinético clearance (Cl) descreve a eficiência do processo de

    eliminação. A clearance de um determinado orgão de eliminação (rim, fígado ou outro) é o

    volume de sangue, plasma ou soro, que é totalmente “limpo” de fármaco por unidade de

    tempo.

    A maior parte do metabolismo é efetuado no fígado mas, outros orgãos ou tecidos,

    também podem contribuir, dando origem geralmente a metabolitos mais polares e,

    portanto, mais fáceis de ser excretados pela bílis, através das fezes, ou pelo rim, através da

    urina. Habitualmente esses metabolitos são inativos mas também podem ser formas ativas

    e esse fenómeno ser explorado com fins terapêuticos.

  • 2. Farmacoc inét ica 7

    O metabolismo é catalizado principalmente por um sistema enzimático conhecido por

    citocromo P-450 (CYP P450). O CYP P450 é responsável por diversas interações

    medicamentosas, uma vez que, alguns fármacos podem competir para o mesmo sistema

    enzimático, e induzir ou inibir algumas enzimas, afetando assim o seu próprio metabolismo

    ou o de outros fármacos.

    Os fármacos e/ou seus metabolitos excretados pela bílis são armazenados na vesícula biliar.

    Quando esta é esvaziada para o intestino, parte do fármaco pode ser reabsorvido,

    completando o processo conhecido como ciclo enterohepático. Como a ingestão de

    alimentos é um estimulador do esvaziamento da vesícula, podem ser observados picos de

    concentração secundários, de fármaco ou metabolitos, após as refeições.

    O rim é o principal orgão responsável pela excreção de produtos endógenos e

    xenobióticos. Tal como na absorção, parte deste processo é mediado por transportadores

    específicos, como a glicoproteína-P, cuja atividade é potencialmente saturável.

    A creatinina é um composto endógeno excretado por filtração glomerular. A clearance

    renal deste composto é considerada um marcador da função renal. Assim, na insuficiência

    renal, a clearance da creatinina é um parâmetro muito útil no ajuste posológico pois

    permite estabelecer um paralelismo com a clearance de um fármaco eliminado por via

    renal.

    A eliminação do fármaco ocorre habitualmente por um processo de cinética linear. Neste

    tipo de cinética, a constante de eliminação (Ke) é um parâmetro, tal como a clearance,

    independente da concentração, que representa a fração de fármaco que é eliminada por

    unidade de tempo em cada momento. O Ke pode ser descrito da seguinte forma:

    VdClKe =

    (2.1)

    O tempo de semi-vida (T1/2), que corresponde ao tempo necessário para que a

    concentração do fármaco se reduza a metade, é outro parâmetro importante, pois,

    determina o intervalo de administração do fármaco (τ) e o tempo necessário para atingir o

    estado estacionário num regime de doses múltiplas (secção 2.2).

    Ke

    T 2ln2/1 =

    (2.2)

  • 8 2 . Farmacoc inét ica No entanto, alguns fármacos têm cinética de eliminação não linear, uma vez que as enzimas

    responsáveis pela metabolização (e transporte) ficam saturadas para a gama de

    concentrações da margem terapêutica. Quando se atinge a capacidade máxima de

    metabolização (Vmáx), à medida que a concentração do fármaco aumenta, a capacidade

    enzimática de metabolização mantém-se e, por isso, há uma redução da clearance.

    O parâmetro KM (constante de Michaelis-Menten), representa a concentração a partir da

    qual se observa saturação dos sistemas enzimáticos e é definido como a concentração de

    fármaco no organismo correspondente a metade de Vmáx.

    Em cinética não linear, o Vd não é afetado. No entanto, como a clearance, e

    consequentemente o tempo de semi-vida, é dependente da concentração, a utilidade, quer

    da clearance quer do tempo de semi-vida, é limitada (L. A. Bauer, 2001; Winter, 1994).

    Existe uma grande variabilidade relativamente à expressão qualitativa e quantitativa dos

    sistemas enzimáticos, pelo que, fármacos deste tipo são difíceis de monitorizar (Taylor &

    Caviness, 1986). Além disso, um fármaco com cinética linear, na gama de concentrações

    terapêuticas, pode apresentar cinética não linear numa situação de intoxicação.

    2.2 ESTADO ESTACIONÁRIO

    Habitualmente uma única administração (dose única) de fármaco não é suficiente para se

    obter o efeito terapêutico desejado. Assim, o fármaco é administrado repetidamente

    obedecendo a um determinado intervalo de tempo entre administrações (doses múltiplas).

    Quando a velocidade de administração ou absorção iguala a velocidade de eliminação é

    atingido o estado estacionário (SS - steady-state). A disponibilidade do fármaco administrado,

    num dado intervalo de administração, substitui exatamente a quantidade de fármaco

    perdido ou eliminado no intervalo anterior. As concentrações máximas (Cmáx) e mínimas

    (Cmin) tornam-se constantes de intervalo para intervalo, e tendo uma dose e um intervalo de

    administração adequados, oscilam na margem terapêutica (Figura 2.1). Na Figura 2.1,

    CminSS, CmáxSS, tmáx, AUC0∞ e AUCtSS representam, respetivamente, a concentração mínima e

    máxima em estado estacionário, o tempo correspondente à concentração máxima e a área

    sob a curva em dose única e em estado estacionário.

  • 2. Farmacoc inét ica 9

    Num fármaco com cinética de eliminação linear, geralmente considera-se que o estado

    estacionário é alcançado ao fim de cinco semi-vidas, 2/15 T× (Boroujerdi, 2001; Shargel &

    Yu, 1999; Taylor & Caviness, 1986).

    Para um fármaco com cinética não linear, se a taxa de administração for maior que a

    capacidade metabólica, o estado estacionário nunca é alcançado e o fármaco acumula-se

    indefinidamente (Winter, 1994).

    Figura 2.1 - Perfil da concentração sanguínea em função do tempo de um fármaco hipotético administrado em doses múltiplas por via oral.

    2.3 ANÁLISE FARMACOCINÉTICA

    Existem várias abordagens no estudo da farmacocinética, sendo as mais comuns a análise

    compartimental e a análise não compartimental.

    A análise compartimental assenta na descrição matemática do declínio da concentração do

    fármaco no organismo ao longo do tempo através da utilização de uma amostra biológica

    como indicador. Em contrapartida, a análise não compartimental utiliza a área da curva

    concentração-tempo (AUC) como base para a estimação dos parâmetros farmacocinéticos.

    Estas duas últimas abordagens estão resumidas brevemente nas secções seguintes.

    0

    0

    Tempo

    Con

    cent

    raçã

    o

    t 0 tmá x

    C má x

    SS

    Margem

    Terapêutica

    AU C0∞

    A UCtSS

    C minSS

    Cm á xSS

  • 10 2 . Farmacoc inét ica 2.3.1 ANÁLISE COMPARTIMENTAL

    Nesta teoria, o organismo é representado como uma série de sistemas ou compartimentos

    que comunicam reversivelmente uns com os outros (Boroujerdi, 2001).

    Um compartimento não é uma região fisiológica ou anatómica real, mas é considerado um

    tecido ou conjunto de tecidos, com fluxo sanguíneo e afinidade semelhantes para o

    fármaco, no qual este se distribui de forma uniforme e homogénea.

    O fármaco move-se dinamicamente entre compartimentos, de tal forma que, cada molécula

    tem igual probabilidade de abandonar o compartimento. Este processo de troca de massas

    entre compartimentos é traduzido por constantes de velocidade (Boroujerdi, 2001;

    Rowland & Tucker, 1986). Desta forma, o modelo matemático envolvido é um sistema de

    equações diferenciais que expressam a velocidade a que a quantidade de fármaco, ou a sua

    concentração, ou o seu efeito farmacológico, é afetado ao longo do tempo em cada

    compartimento.

    Os modelos podem ser mono ou multicompartimentais. Os modelos multicompartimentais

    são descritos por um compartimento central e um ou vários compartimentos periféricos.

    Geralmente assume-se que a eliminação ocorre a partir do compartimento central mas

    pode ser feita a partir dos compartimentos periféricos.

    Na Figura 2.2, as constantes K representam a transferência de massa entre compartimentos.

    O compartimento central foi identificado como 1, e os compartimentos periféricos como 2

    e 3. O valor 0 foi atribuído ao exterior do sistema. A constante Ka, que representa a

    constante de absorção, só está presente se se considerar uma administração extravascular.

    Os tecidos altamente perfundidos (fígado, coração, pulmão e rim) devido ao seu alto fluxo

    sanguíneo e ao rápido equilíbrio com a concentração do fármaco no sangue, são

    geralmente considerados como fazendo parte do compartimento central. Assim, o

    compartimento central, em muitos dos modelos, é composto pela circulação sistémica e

    pelos tecidos altamente perfundidos. O compartimento central corresponde habitualmente

    ao compartimento de amostragem.

    Para incluir outras regiões do organismo que alcançam o equilíbrio com a concentração do

    fármaco na circulação sistémica de forma mais lenta, ou quando um fármaco tem

    determinada afinidade para um dado orgão ou região, são necessários modelos mais

    complexos com dois, três ou quatro compartimentos.

  • 2. Farmacoc inét ica 11

    No entanto, a regra de ouro é incluir sempre o menor número possível de compartimentos

    consistente com o comportamento do fármaco, com a realidade fisiológica, e a facilidade

    de determinação dos parâmetros relevantes (Boroujerdi, 2001).

    Figura 2.2 - Esquema de input e output de um fármaco no organismo na presença de um, dois e três compartimentos.

    MODELOS FARMACOCINÉTICOS

    Os modelos farmacocinéticos procedem da integração analítica ou numérica das equações

    diferenciais (Rowland & Tucker, 1986)., sendo caracterizados pelos parâmetros

    farmacocinéticos referidos anteriormente (secção 2.1).

    A distinção entre os vários modelos farmacocinéticos é feita, essencialmente, pelo número

    de compartimentos, pela cinética do seu input e output e pelo tipo de administração.

    1 1 1

    2 2 2K12K21 K12K21 K12K21

    K20

    K10 K10

    K20

    1 compartimento 2 compartimentos

    3 1 2K12

    K21

    3 compartimentos

    12 1 332K31

    K13

    k20K12

    K21

    K31

    K13

    k10K12

    K21

    K31

    K13

    K30

    3 1 1K12

    K2112 2 332

    k31

    k13

    k20K12

    K21

    K31

    K13

    K20K21

    K12

    K32

    K23

    K10K30K10

    3 2 1K21

    21 2 331K32 K21

    K12

    K32 K21

    K12

    K32k10K30k20

    3 2 1K21

    21 2 331K32

    k30K21

    K12

    K32K10

    K21

    K12

    K32K10K30k20

    K23 K23 K23

    K20

    K12 K23 K23 K23

    K20 K30

    1 32K12

    K21

    K31K20 K30

    K13

    K10

    Ka Ka Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    K101

    KaI II III IV

    V VI VII

    VIII IX X

    XI XII XIII

    XIV XV XVI

    XVII

    K12

    1 1 1

    2 2 2K12K21 K12K21 K12K21

    K20

    K10 K10

    K20

    1 compartimento 2 compartimentos

    3 1 2K12

    K21

    3 compartimentos

    12 1 332K31

    K13

    k20K12

    K21

    K31

    K13

    k10K12

    K21

    K31

    K13

    K30

    3 1 1K12

    K2112 2 332

    k31

    k13

    k20K12

    K21

    K31

    K13

    K20K21

    K12

    K32

    K23

    K10K30K10

    3 2 1K21

    21 2 331K32 K21

    K12

    K32 K21

    K12

    K32k10K30k20

    3 2 1K21

    21 2 331K32

    k30K21

    K12

    K32K10

    K21

    K12

    K32K10K30k20

    K23 K23 K23

    K20

    K12 K23 K23 K23

    K20 K30

    1 32K12

    K21

    K31K20 K30

    K13

    K10

    Ka Ka Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    Ka

    K101

    KaI II III IV

    V VI VII

    VIII IX X

    XI XII XIII

    XIV XV XVI

    XVII

    K12

  • 12 2 . Farmacoc inét ica Na Tabela 2.1 estão indicadas, para o modelo de um compartimento, com eliminação a

    partir do compartimento central, as equações diferenciais e as respetivas equações

    integradas para os modelos farmacocinéticos mais utilizados (Boroujerdi, 2001; Shargel &

    Yu, 1999).

    Podem ser descritos outros modelos que acomodem, por exemplo, uma dose de carga

    seguida de doses de manutenção, eliminação mista (eliminação simultaneamente linear e

    não linear feita por diferentes orgãos de eliminação), etc., que tornam as expressões mais

    complexas.

    Em modelos multicompartimentais, as equações têm, além disso, de acomodar as

    constantes de velocidade entre os compartimentos e, potencialmente, admitir eliminação

    também a partir dos compartimentos periféricos.

    Um modelo de dois ou mais compartimentos pode ser mais realista na descrição do

    comportamento do fármaco no organismo, mas introduz dificuldades na interpretação

    fisiológica dos parâmetros obtidos (Boroujerdi, 2001).

    Em análise compartimental, os métodos clássicos de estimação dos parâmetros

    farmacocinéticos, recorrem, sob determinados pressupostos, à análise gráfica e a

    linearizações dos modelos (Boroujerdi, 2001; Rowland & Tucker, 1986).

    Nas últimas décadas, a existência de computadores com uma velocidade de cálculo cada

    vez maior tem levado ao desenvolvimento de métodos computacionais que permitem

    estimar os parâmetros farmacocinéticos diretamente por regressão não linear.

    A biodisponibilidade (F), no entanto, dado o seu significado fisiológico, continua a ser

    estimada por análise não compartimental (secção 2.3.2), a partir da razão entre a AUC após

    administração oral e a AUC após administração endovenosa.

    Os parâmetros farmacocinéticos obtidos no desconhecimento de F, não são os reais e

    designam-se de aparentes (Cl/F, Vd/F) (Shargel & Yu, 1999).

  • 2. Farmacoc inét ica 13

    Tabela 2.1 - Descrição, gráficos e equações dos modelos de um compartimento mais frequentes em TDM, considerando eliminação a partir do compartimento central, em dose única e em doses múltiplas.

    Tipo de modelo Descrição do modelo Equações do modelo Representação gráfica

    A - Equação diferencial

    KeMKaMdt

    dMa −=

    B – Dose única

    ( ) ( )KatKet

    t eeVdKeKaFDKaC −− −

    ×−=

    C – Doses múltiplas

    ( )

    ⎥⎦

    ⎤⎢⎣

    ⎡×⎟⎟

    ⎞⎜⎜⎝

    ⎛−−

    −×⎟⎟⎠

    ⎞⎜⎜⎝

    ⎛−−

    ×

    ××−

    =

    −−

    −−

    −Ket

    Ke

    nKetK

    Ka

    nKa

    t

    eeee

    ee

    VdKaKeFDKaC

    τ

    τ

    τ

    11

    11

    D – Em SS

    I

    input e output de primeira ordem Ex.: administração oral

    A dose no local de absorção é gradualmente absorvida para o sistema vascular por gradiente ou difusão passiva. Ambos os processos de absorção e eliminação seguem uma cinética de primeira ordem em que as suas velocidades são função da quantidade de fármaco. A velocidade de absorção (RA) é mais elevada no início, quando a quantidade de fármaco é maior no local de absorção, enquanto a velocidade de eliminação (RE) é pequena no início, devido à menor quantidade no organismo, mas aumenta à medida que a quantidade de fármaco absorvido se acumula no organismo, até um ponto em que RE=RA. Nesse ponto atinge-se o máximo da curva concentração tempo (Cmáx) correspondente ao tempo máximo (tmáx). Após tmáx, RE>RA até mais nenhuma quantidade ser absorvida. Após absorção completa, a fase terminal da curva é unicamente função da eliminação. ( )

    ⎥⎦

    ⎤⎢⎣

    ⎡×⎟

    ⎠⎞

    ⎜⎝⎛

    −−×⎟

    ⎠⎞

    ⎜⎝⎛

    −×

    ××−

    =

    −−

    −−

    KatKa

    KetKe

    t

    ee

    ee

    VdKeKaFDKaC

    ττ 11

    11

    0

    0

    Tempo

    Con

    cent

    raçã

    o

    Estado estacionário (SS)Doses múltiplasDose única

    B

    DC

    RA>RE

    RA=RE

    RE>RA

    D1

    D 2

    ...D3

    Dn

    τ

    2. Farm

    acocinética 13

  • 14 2 . Farmacoc inét ica

    Tipo de modelo Descrição do modelo Equações do modelo Representação gráfica

    A - Equação diferencial

    KeMkdt

    dM−= 0

    B – Antes de atingir o SS

    ( )Kett eVdKekC −−×

    = 10

    C – Após de atingir o SS

    VdKekCt ×

    = 0

    D– Fim de perfusão antes de atingir o SS

    ( )TtKeTt eCC

    −−= E – Fim de perfusão após atingir o SS

    II

    input de ordem zero e output de primeira ordem Ex.: administração IV contínua, transdérmica ou oral de libertação prolongada

    KetTt eCC ss

    −= 0

    0

    T e m p o

    Con

    cent

    raçã

    o

    fim d e p e r fu s ã o e m S SF im d e p e r fu s ã o a n te s d e S S

    B

    D

    C

    E

    S S

    0 T0 T s s

    C T

    C T s s

    F - Dose única

    ( ) ( )TtKeKeTt eeVdKek

    C −−− ×−×

    = 10

    G – Doses múltiplas

    ( )

    ( )TtKeKe

    nKe

    KeTt

    eee

    eVdKe

    kC

    −−−

    ×⎟⎟⎠

    ⎞⎜⎜⎝

    ⎛−−

    ×

    ×−×

    =

    τ

    τ

    11

    10

    H –Em SS

    III

    input intermitente de ordem zero e output de primeira ordem Ex.: administração IV intermitente

    O fármaco é introduzido na circulação sistémica a uma velocidade constante e eliminado do organismo a uma velocidade que depende da concentração no organismo. No início a quantidade no compartimento central é pequena e a velocidade de eliminação também é pequena e menor que a velocidade de administração. À medida que a administração continua, a quantidade no organismo acumula-se e a velocidade de eliminação aumenta gradualmente. Até se atingir um nível em que a quantidade administrada é semelhante à quantidade eliminada por unidade de tempo e a concentração no organismo permanece constante. Assim, a acumulação do fármaco no organismo pode ser vista como a diferença entre a velocidade de input e a velocidade de output. No estado estacionário deixa de haver acumulação e dM/dt=0, pelo que k0=KeM. Quando se pára a administração do fármaco, a concentração decai a uma velocidade que é dependente da concentração.

    ( )( )TtKe

    Ke

    KeTt

    ee

    eVdKe

    kC

    −−−

    ×⎟⎠⎞

    ⎜⎝⎛

    −×

    ×−×

    =

    τ11

    10

    0

    0

    T e m p o

    Con

    cent

    raçã

    o

    D o s e ú n ic aD o s e s m ú ltip la sE m e s ta d o e s ta c io n á r ioT e m p o d e p e r fu s ã o (T )

    B F

    H

    BB

    G

    0 T

    D 1

    D 2

    . . .D 3

    D n

    τ

    14 2. Farm

    acocinética

  • 2. Farmacoc inét ica 15

    Tipo de modelo Descrição do modelo Equações do modelo Representação gráfica

    A - Equação diferencial:

    KeMdt

    dM−=

    B - Dose única:

    Kett eVd

    DC −×=

    C – Doses múltiplas:

    KetKe

    nKe

    t eee

    VdDC −−

    ×⎟⎟⎠

    ⎞⎜⎜⎝

    ⎛−−

    = ττ

    11

    D - Em SS

    IV

    input instantâneo e output de primeira ordem E.x: bólus IV

    Assume que: • input no organismo e a transferência do fármaco do plasma para os tecidos é rápida;• a quantidade de fármaco no organismo no instante zero (t=0) é igual à dose (D) administrada; • a velocidade de eliminação do fármaco (dM/dt) no tempo t é proporcional à quantidade do fármaco no organismo. Assim, dM/dt é variável e diminui à medida que a quantidade (M) de fármaco no organismo diminui, mas a constante de eliminação Ke é constante em todos os tempos t.

    KetKet eeVd

    DC −−

    ×⎟⎠⎞

    ⎜⎝⎛

    −= τ1

    1 0

    0

    T e m p o

    Con

    cent

    raçã

    o

    E s ta d o e s ta c i o n á r i o ( S S )D o s e s m ú l t i p l a sD o s e ú n i c a

    B

    DCD 1

    D 2

    . . .

    D 3

    D n

    τ

    A – Equação diferencial

    (equação de Michaelis-Menten)

    Mt

    tmáxt

    KCCV

    dtdC

    −=

    B – Dose única

    t

    Mmáx

    t

    CC

    tKV

    tCC 00 ln−=−

    C - Doses múltiplas

    V

    input instantâneo e output de ordem zero Ex.: administração em bólus IV

    Quando Vmáx diminui, aumenta o tempo necessário para eliminar uma dada quantidade de fármaco no organismo. Um aumento de KM, com Vmáx inalterado, aumenta o tempo de eliminação do fármaco do organismo. O KM não é uma constante de eliminação.

    ( )VdDtCC Dt 1

    )1(1

    ==

    VdDtCtCC nD

    nD

    nt nn

    +== − )()( )1()( 0

    0

    Tem po

    Con

    cent

    raçã

    o

    B

    C

    D os es m ú ltip lasD os e ún ica

    D 1

    D 2

    ...

    D 3

    D n

    τ

    C0 – concentração do fármaco no tempo zero; CTss – concentração de fármaco no fim da perfusão após atingir o SS; Ct – concentração do fármaco ao fim do tempo t; CT – concentração do fármaco no fim da perfusão antes de atingir o SS; dCt/dt – alteração da concentração do fármaco ao longo do tempo; dM/dt – alteração da quantidade de fármaco ao longo do tempo; IV – intravenoso; k0 – velocidade de perfusão; n- número de doses administradas; t – tempo; T – tempo de perfusão; tDn– tempo após administração ao fim da dose D1, D2, ..., Dn.

    2. Farm

    acocinética 15

  • 16 2 . Farmacoc inét ica

    2.3.2 ANÁLISE NÃO COMPARTIMENTAL

    A análise não compartimental faz uma análise direta das concentrações, independente dos

    pressupostos compartimentais e de transferência de massa, baseando-se nos momentos de

    uma variável aleatória.

    A ideia chave é a de que a passagem de um fármaco pelo organismo pode ser considerada

    um processo estocástico sujeito a algumas flutuações aleatórias. Por exemplo, se o que se

    está a medir é a alteração da concentração de um determinado fármaco no organismo com

    o tempo, a alteração é função da variável independente “tempo” e a variável associada à

    alteração é uma variável aleatória (Boroujerdi, 2001).

    Em teoria, um conjunto de observações concentração-tempo pode ser considerado

    realização de uma variável aleatória. Assim, considerando que, a variável aleatória associada

    às curvas concentração-tempo pode ser definida por uma função densidade de

    probabilidade dada pela concentração do fármaco (Ct) no tempo (t), tem-se:

    +∞∞==

    000 AUCdtCtμ

    (2.3)

    +∞∞==

    001 AUMCdttCtμ

    (2.4)

    A equação dada por (2.3) representa a área sob a curva da concentração vs tempo (AUC)

    em dose única e a equação (2.4) representa a área sob a curva do primeiro momento

    (AUMC – area under the first-moment curve) na mesma situação.

    A determinação da AUC e da AUMC pode ser feita por métodos de integração ou mais

    simplesmente pela regra dos trapézios (Boroujerdi, 2001; Rowland & Tucker, 1986).

    O parâmetro farmacocinético determinante na análise não compartimental é o tempo

    médio de residência (MRT – mean residence time). O MRT, que caracteriza o processo de

    eliminação do fármaco, corresponde à média do tempo em que o conjunto total de

    moléculas permanece no organismo e pode ser descrito como:

  • 2. Farmacoc inét ica 17

    =0

    0

    AUCAUMC

    MRT

    (2.5)

    O MRT calculado desta forma relaciona-se com a teoria compartimental de tal forma que,

    para um compartimento, o MRT é equivalente às expressões indicadas na Tabela 2.2,

    donde é possível estimar os parâmetros farmacocinéticos habituais (Boroujerdi, 2001).

    Para mais compartimentos considera-se que o MRT total corresponde ao somatório do

    MRT de cada compartimento (Shargel & Yu, 1999).

    Tabela 2.2 – Relação do MRT com o modelo de um compartimento e estimação dos parâmetros farmacocinéticos a partir de dados de dose única.

    1 compartimento Dose única Parâmetros farmacocinéticos

    input instantâneo e output de primeira ordem (ex: bólus IV) Ke

    MRTbólus1

    = AUMC

    MRTDAUC

    DCl bólustotal×

    ==

    2AUCAUMCDMRTClVd bólustotal

    ×=×=

    input ordem zero intermitente e output de primeira ordem (ex: IV intermitente) 2

    1 TKe

    MRTperf += AUMC

    MRTDAUC

    DCl perftotal×

    ==

    AUCTk

    AUCAUMCTk

    Vd2

    20

    20 −

    ×=

    input de primeira ordem e output de primeira ordem (ex: oral) KaKe

    MRTPO11

    += AUMC

    MRTFDAUCFDCl POtotal

    ×==

    ( )oralbólus

    bólus

    AUCKaFD

    AUCMRTD

    Vd /1×+×

    =

    k0 – velocidade de perfusão; T – tempo de perfusão.

    A determinação de MRT, a partir de dados obtidos após doses múltiplas ou em estado

    estacionário, é mais complexa sendo rara a sua aplicação prática (Boroujerdi, 2001; De Vito

    et al., 1985; Perrier & Mayersohn, 1982; Smith & Schentag, 1984).

    A análise não compartimental não é habitualmente utilizada, de forma independente, na

    estimação de parâmetros farmacocinéticos, mas em complementariedade com a análise

    compartimental.

  • 18 2 . Farmacoc inét ica 2.4 ANÁLISE POPULACIONAL

    Os métodos de análise compartimental e não compartimental, descritos nas secções

    anteriores (2.3.1 e 2.3.2) exigem um elevado número de observações por indivíduo para

    descrever corretamente o perfil da curva concentração-tempo. Tal só é possível no

    ambiente controlado de um estudo farmacocinético.

    Os estudos farmacocinéticos tradicionais apresentam rigorosos critérios de inclusão, em

    que os indivíduos incluídos são selecionados de modo a constituir um grupo homogéneo

    de doentes, uma vez que, as metodologias de análise envolvidas não permitem caracterizar

    a variabilidade interindividual (Tabela 2.3), sendo esta considerada uma fonte de ruído que

    deve ser eliminada (Ette & Williams, 2004a). Estes estudos são conduzidos, por isso, de

    forma artificial, não traduzindo a utilização normal do fármaco na prática clínica.

    Tabela 2.3 - Fatores de variabilidade farmacocinética.

    Fatores

    Demográficos Ambientais Genéticos Fisiológicos e fisopatológicos Outros

    Peso Altura Sexo BSA Idade Etnia

    Tabaco Dieta Poluentes

    Polimorfismo CYP P450 Polimorfismo de PT (glicoproteína-P)

    Gravidez IR IH Alteração da LPP

    Interações medicamentosas Alimentação Ritmo circadiano Desporto

    BSA – área de superfície corporal; IR – insuficiência renal; IH – insuficiência hepática; LPP – ligação às proteínas plasmáticas; PT – proteínas de transporte

    No fim da década de 70, início da década de 80, o grupo de investigação liderado por

    Sheiner e Beal, publicou uma série de artigos (Sheiner & Beal, 1980, 1981a, 1983; Sheiner et

    al., 1977) que descrevem uma nova abordagem na análise farmacocinética, que mais tarde

    veio a ser designada por farmacocinética populacional, e um software, NONMEM, que

    permite implementar a análise estatística envolvida (modelos não lineares de efeitos mistos)

    (Bonate, 2005b), embora atualmente já existam outras alternativas informáticas (secção

    3.7).

    Nesta nova metodologia procura-se avaliar e quantificar fontes de variabilidade em vez de

    tentar eliminá-las, por isso, a utilização de um grupo de indivíduos da rotina clínica, que

  • 2. Farmacoc inét ica 19

    representam a utilização normal do fármaco, é vantajosa. Conhecer a variabilidade e a sua

    magnitude é importante para estabelecer regimes posológicos adequados (Ette & Williams,

    2004a).

    Esta metodologia tem ainda a vantagem de poder ser aplicada a indivíduos com um

    pequeno número de observações (amostragem reduzida), pois, permite “emprestar”

    informação de indivíduos semelhantes, admitindo que o comportamento farmacocinético

    de um indivíduo deve ser semelhante ao de indivíduos com idênticas características.

    Por este motivo, esta metodologia pode ser aplicada em populações especiais que, por

    razões éticas, não poderiam ser estudadas de outra forma: recém nascidos, idosos,

    imunodeprimidos, doentes críticos e oncológicos (Ette & Williams, 2004a), entre outros.

    Apesar de inicialmente a amostragem reduzida ter sido encarada com alguma reserva (Pillai

    et al., 2005), esta metodologia rapidamente ganhou adeptos sendo atualmente aprovada pela

    FDA (Food and Drug Administration)2 e pela EMA (European Medicines Agency)3, quer para

    dados da rotina, quer para desenvolvimento de novos fármacos (Committee for Medicinal

    Products for Human Use [CHMP], 2007; US FDA Center for Drug Evaluation and

    Research [CDER], 1999).

    A análise estatística desta abordagem farmacocinética será o tema do próximo capítulo.

    2 Agência americana do medicamento. 3 Agência europeia do medicamento anteriormente designada por European Agency for the Evaluation of Medicinal Products (EMEA).

  • 3. MODELO NÃO LINEAR DE EFEITOS MISTOS

    Os modelos não lineares de efeitos mistos para dados contínuos são uma metodologia de

    análise cada vez mais utilizada, quando os dados resultam de medições repetidas sobre os

    indivíduos, em particular, quando essas repetições são a consequência da medição da

    característica em estudo ao longo do tempo, isto é, quando se têm dados longitudinais, e

    em que a expressão matemática, que relaciona a variável resposta com as variáveis

    preditoras, é não linear nos parâmetros.

    Essa relação não linear entre a variável resposta e, pelo menos, um dos parâmetros do

    modelo é muitas vezes baseada em modelos do mecanismo de produção da resposta, tendo

    geralmente uma interpretação física ou biológica (Pinheiro & Bates, 2000), como é o caso

    dos modelos farmacocinéticos discutidos no Capítulo 2.

    A existência no modelo quer de efeitos fixos, parâmetros associados à população, quer de

    efeitos aleatórios, associados aos indivíduos, leva a que o modelo se designe de efeitos mistos

    (também designado por modelo não linear misto ou com efeitos mistos).

    Os modelos não lineares de efeitos mistos são, por isso, modelos mistos em que um ou

    mais efeitos fixos e aleatórios ocorrem de forma não linear no modelo (Pinheiro & Bates,

    2000).

    Estes modelos têm particular interesse em farmacocinética onde, a partir de dados

    longitudinais, se pretende fazer inferência sobre as características subjacentes ao perfil dos

    indivíduos selecionados da população.

  • 22 3 . Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos Em dados longitudinais, as observações sobre um indivíduo têm tendência a estar

    correlacionadas. Por outro lado, em dados que seguem um modelo não linear é frequente

    que a variância associada à resposta varie sistematicamente com a magnitude da resposta

    (heterocedastecidade). A incorporação de efeitos aleatórios vai permitir acomodar a

    dependência das observações no mesmo indivíduo e reconhecer e quantificar fontes de

    variabilidade.

    Os modelos não lineares de efeitos mistos mereceram grande atenção por parte da

    comunidade científica nos finais dos anos 80. Durante os anos 90 assistiu-se a um grande

    desenvolvimento destes modelos com a criação de novas metodologias e técnicas

    computacionais para a sua análise. Hoje em dia são uma “ferramenta” de trabalho em

    várias áreas científicas existindo já programas estatísticos específicos para a sua aplicação.

    Neste capítulo apresentam-se os modelos não lineares de efeitos mistos, para a análise de

    dados contínuos com distribuição normal ou aproximadamente normal (Davidian, 2007),

    tendo em vista a sua aplicação a farmacocinética.

    3.1 O MODELO

    Considere-se uma amostra de N indivíduos i ( )Ni ,..,1= da população em estudo. Seja

    ijy o valor da j-ésima resposta ou observação ( )inj ,...,1= do indivíduo i , obtida no

    tempo tij, realização da variável aleatória (v.a.) ijY , a que se dá o nome de variável resposta.

    Ao vetor ( )Tinii iYY ,...,1=Y das variáveis resposta dá-se o nome de perfil do indivíduo i ,

    sendo o número total de observações dado por ∑=

    =N

    iinM

    1

    . Em dados longitudinais ao

    conjunto de medições repetidas sobre o mesmo indíviduo dá-se o nome de grupo.

    O modelo não linear de efeitos mistos pode ser descrito em duas fases. A esta descrição em

    duas fases dá-se o nome de formulação hierárquica do modelo não linear de efeitos mistos

    (Davidian & Giltinan, 1995):

    Fase 1 - Modelo individual (variação intra indivíduos) ( ) ijiijij efY += θx , injNi ,...,1 ;,...,1 == (3.1)

  • 3. Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos 23

    onde f é uma função não linear de um vetor de covariáveis ijx , que sumarizam o

    conjunto de condições a que o indivíduo i estava sujeito na observação j, e iθ é um vetor

    1×r de parâmetros, específico de cada indivíduo i . O termo ije é um erro aleatório que dá

    a variabilidade intra individual e que se assume satisfazer a igualdade ( ) 0| =iijeE θ , o que implica ( ) ( )iijiij xfYE θθ ,| = para cada j. Assume-se habitualmente a homocedastecidade e

    independência do erro aleatório de modo que, ( ) ( )inijiij

    ecovecov Iθ 2| σ== , sendo in

    I a

    matriz identidade de ordem ni. A distribuição normal é a hipótese geralmente considerada

    para a distribuição dos ije condicional a iθ , tal que, ( )inii N I0θe 2,~| σ (Davidian & Giltinan, 1995, n.d.).

    No âmbito da farmacocinética, a função não linear f é representada por um modelo

    farmacocinético, sendo ijY a v.a. associada à concentração sérica do fármaco e ijx um

    vetor de covariáveis como o tempo, a dose, etc..

    Fase 2 - Modelo populacional (variação entre indivíduos)

    ),,( iii bβadθ = Ni ,..,1= (3.2)

    onde d é uma função r dimensional, β é um vetor 1×p de parâmetros fixos, ou efeitos

    fixos, ib é um vetor 1×q de efeitos aleatórios e ia é um vetor 1×a de covariáveis

    correspondendo aos atributos do indivíduo i. Cada elemento de d está associado com o

    correspondente elemento de iθ , de modo que a relação funcional pode ser diferente para

    cada elemento. A relação entre os efeitos fixos e aleatórios pode não ser linear (Davidian &

    Giltinan, 1995, n.d.; Fitzmaurice et al., 2009)

    O vetor iθ , caracteriza a variabilidade entre indivíduos. Esta variabilidade é atribuída a duas

    componentes, uma sistemática e outra aleatória. A componente sistemática contém a

    variabilidade atribuída à dependência sistemática do parâmetro relativamente às

    características do indivíduo (e.g., covariáveis como a idade, o peso, o sexo, etc.). A restante

    variabilidade, que não se consegue explicar, mas que deve ser incluída no modelo, é

    atribuída à componente aleatória.

  • 24 3 . Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos O modelo populacional envolve assim a especificação de cada elemento de iθ e portanto

    de d , de modo a modelar a dependência deste relativamente às componentes sistemática e

    aleatória através da incorporação no modelo de covariáveis explicativas ia e de efeitos

    aleatórios ib , respetivamente (Davidian & Giltinan, 1995, n.d.).

    Geralmente assume-se que os ib são independentes entre si e independentes dos

    ( )Tin1ii ie,...,e=e e dos ai com:

    ( ) ( ) 0| == iii EE bab e ( ) ( ) Dbab == iii covcov | (3.3)

    onde D é uma matriz de variância-covariância definida positiva e idêntica para todos os indivíduos, que caracteriza a magnitude da variabilidade não explicada pelas covariáveis nos

    elementos de iθ e as associações entre eles. Outra hipótese em geral considerada é a de

    ( )D0b ,N~i (Davidian & Giltinan, n.d.).

    No contexto da farmacocinética é frequente d ser uma função não linear das componentes

    sistemática e aleatória. Considere-se como exemplo o modelo de um compartimento com

    input e output de primeira ordem, em dose única, apresentado no Capítulo 2 (Tabela 2.1).

    ( ) ( )

    KatKett eeVdKeKa

    FDKaC −− −×−

    =

    (3.4)

    Considerando que Ke=Cl/Vd (2.1), o modelo pode ser escrito da seguinte forma:

    ⎟⎟⎠

    ⎞⎜⎜⎝

    ⎛−

    ×⎟⎠⎞

    ⎜⎝⎛ −

    = −− KattVd

    Cl

    t eeVd

    VdClKa

    FDKaC

    (3.5)

    sendo iθ = ( )Tiii ClVdKa ,, ( )3r = ; admitindo que ( )Tiiii Clcrgw ,,=a , com wi =peso, gi =idade e Clcri =clearance da creatinina, uma variável binária que assume o valor 1 se > 50

    ml/min e 0 caso contrário, vai considerar-se a Cli a depender de wi e de Clcri, e Vdi a

    depender de gi.

    Tendo em atenção a relação acabada de indicar e, com base no facto de se saber que os

    parâmetros farmacocinéticos (Cl, Ka, Vd) são positivos e exibirem habitualmente uma

  • 3. Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos 25

    distribuição assimétrica com coeficiente de variação (CV) constante e, como tal, permitirem

    assumir uma distribuição log-normal (Fitzmaurice et al., 2009), o modelo sugerido para as

    componentes de d é dado por:

    ( ) ( )

    ( ) ( )( ) ( )iiiiiii

    iiiiii

    iiiii

    bClcrwdClbgdVd

    bdKa

    365333

    24222

    1111

    expb,β,aexpb,β,aexpb,β,a

    +++===++===

    +===

    βββθββθ

    βθ

    (3.6)

    onde bi = (b1i, b2i, b3i)T ( )3=q , ( )T61,...,ββ=β ( )6=p (Davidian & Giltinan, 1995).

    Neste modelo foi associado um efeito aleatório a todos os parâmetros, pois, do ponto de

    vista biológico, é improvável obter um parâmetro sem variabilidade ou em que a sua

    variabilidade esteja completamente explicada pelas covariáveis. No entanto, em alguns

    casos, o efeito aleatório pode ser retirado. A opção de remover o efeito aleatório é então

    uma opção estatística para obter a parcimónia do modelo (Davidian & Giltinan, n.d.).

    Com base em (3.6) garante-se que os parâmetros farmacocinéticos são positivos; além

    disso, se bi segue uma distribuição normal, então, os iθ seguem uma distribuição log-

    normal (e como tal, assimétrica).

    Em geral, a forma de d é baseada no conhecimento do problema combinado com

    considerações de ordem empírica e objetivos da inferência (Fitzmaurice et al., 2009).

    Embora a relação não linear entre d e os parâmetros seja frequente, alguns autores como

    Lindstrom & Bates (1990) restringem d à relação linear:

    iiii bBβAθ += (3.7)

    onde Ai é uma matriz pr × dependente de covariáveis (cujas linhas dependem dos

    elementos de ia ) e Bi é uma matriz qr × de zeros e uns que permite que alguns elementos

    de θi não tenham efeito aleatório associado (Fitzmaurice et al., 2009).

    No caso anterior, esta linearização pode ser facilmente obtida fazendo a reparametrização4:

    4 Os logaritmos neperianos vão ser designados por log.

  • 26 3 . Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos

    ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( )

    ( ) ( )iiiiiiiiiiiii

    iiiii

    bClcrwdClbgdVd

    bdKa

    365333

    24222

    1111

    ,,)(log,,log,,log

    +++===++===

    +===

    βββθββθ

    βθ

    bβabβabβa

    (3.8)

    obtendo-se:

    ⎟⎟⎟

    ⎜⎜⎜

    ⎛=

    ii

    ii

    Clcrwg0100

    00010000001

    A , ⎟⎟⎟

    ⎜⎜⎜

    ⎛=

    100010001

    iB

    e ( )T61,...,ββ=β

    A reparametrização do modelo farmacocinético tem a vantagem, de assumir uma relação

    linear entre a componente sistemática e aleatória, implicando um CV constante dos

    parâmetros originais, que é o seu comportamento mais provável, como garantir que as

    estimativas dos parâmetros farmacocinéticos são positivas. Além disso, Davidian &

    Giltinan (1995) recomendam ainda a reparametrização por melhorar a estabilidade das

    estimativas e tornar a normalidade de bi mais provável de ser alcançada.

    De modo a sintetizar-se o atrás exposto, a formulação hierárquica do modelo não linear de

    efeitos mistos é dada por Davidian & Giltinan (1995) e Fitzmaurice et al. (2009):

    Fase 1 - Modelo individual (variação intra indivíduos)

    ( ) ijiijij efY += θx , injNi ,...,1;,...,1 == (3.9)

    ie são independentes e identicamente distribuídos (i.i.d.), com ( )inii N I0θe 2,~| σ .

    Fase 2 - Modelo Populacional (variação entre indivíduos)

    ),,( iii bβadθ = Ni ,..,1= (3.10)

    ib são independentes e identicamente distribuídos, com ( )D0b ,~ Ni , onde D é uma matriz qq× de variância-covariância definida positiva;

    ib e ie são independentes entre si.

    A este modelo dá-se o nome de modelo básico.

  • 3. Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos 27

    3.2 EXTENSÕES DO MODELO BÁSICO

    Nesta secção apresentam-se outras hipóteses para a estrutura da matriz D, assim como,

    para a estrutura da matriz de variância-covariância dos erros aleatórios, que pretendem ser

    mais realistas. Convém, no entanto, referir que a implementação estatística de uma

    estrutura mais realista nem sempre é tarefa fácil, sendo mesmo em muitos casos uma tarefa

    impossível (Davidian & Giltinan, 1995).

    3.2.1 EFEITOS ALEATÓRIOS E ESTRUTURAS DA MATRIZ D

    Um dos pressupostos frequentemente assumido, em dados complexos e escassos como os

    geralmente observados em farmacocinética, é o dos efeitos aleatórios, ikb , k = 1,...q, serem

    independentes entre si ou, dito de outro modo, a matriz D ser diagonal, evitando-se assim problemas de convergência (Pinheiro & Bates, 2000).

    No entanto, são possíveis outras estruturas para a matriz D, sendo frequente, no processo

    de construção do modelo, modelar a matriz D, o que se traduz quer na identificação dos

    efeitos aleatórios que devem ser considerados e, portanto na dimensão de D, quer na

    relação que esses efeitos aleatórios têm entre si, ou seja, na estrutura de D propriamente dita.

    O pressuposto dos ib serem independentes de ia pode ser relaxado assumindo-se assim

    que ( )( )iii ,N~| aD0ab (Davidian & Giltinan, n.d.).

    3.2.2 VARIABILIDADE INTRA INDIVIDUAL. MODELAÇÃO DA MATRIZ

    DE VARIÂNCIA–COVARIÂNCIA DOS ERROS ALEATÓRIOS

    O pressuposto de independência e da homocedasticidade entre os erros aleatórios

    iij nje ,...,1, = descrito no modelo básico, ( )in2ii ,N~| I0θe σ , pode ser relaxado permitindo a heterocedasticidade e a correlação dos erros. Nesta secção apresentam-se

    outras estruturas para a matriz de variância-covariância, que permitem acomodar a

    heterocedasticidade e a correlação dos erros.

  • 28 3 . Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos A estratégia para caracterizar a variabilidade intra individual é especificar um modelo para a

    estrutura de variância-covariância de ii θe | , ( )iicov θe | , que reflita a heterocedastecidade da variância e/ou a correlação entre indivíduos, isto é, assume-se que (Davidian & Giltinan,

    1995, n.d.):

    ( )iicov θe | ( )ξθR ,ii= (3.11)

    A matriz ( )ξθR ,ii pode ser decomposta num produto de matrizes mais simples:

    ( ) ( ) ( ) ( )( )ξθR

    δθGρδθGθe,

    ,,| 2/12/12

    ii

    iiiiiii

    ovc

    =Γ= σ

    (3.12)

    com ( )TTTσ ρδξ ,,2= , o vetor de todas as componentes da matriz de variância–covariância.

    A matriz ( )δθG ,ii é uma matriz diagonal ii nn × , dependente dos parâmetros de variância

    δ , que caracterizam a variância intra individual, e ( )ρiΓ é uma matriz ii nn × que descreve a estrutura de correlação dentro do i-ésimo indivíduo, dependente dos parâmetros de

    correlação ρ. Com base em (3.12) têm-se que:

    ( ) ( )[ ] jjiijear δG2v σ= e ( ) ( )[ ] jjijiij eecor ′′ = ρΓ, injj

    Ni,...,1',

    ,...,1=

    =

    (3.13)

    ( )ξθR ,ii depende de i, não só através da sua dimensão, mas através também da

    informação específica do indivíduo e da resposta média individual, dado iθ (Davidian &

    Giltinan, 1995).

    Nesta formulação de ( )ξθR ,ii , os parâmetros de ξ são comuns a todos os indivíduos, e se a variabilidade interindividual destes parâmetros não for grande, é razoável pensar num

    parâmetro comum como uma boa aproximação.

    É possível, apesar de mais difícil, formular estes parâmetros dependendo de covariáveis e

    efeitos aleatórios, mas esta especificação não é frequentemente utilizada (Davidian &

    Giltinan, n.d.).

  • 3. Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos 29

    Esta decomposição de ( )ξθR ,ii em matrizes distintas, permite modelar separadamente a heterocedastecidade e a correlação possibilitando uma grande versatilidade na

    caracterização da variabilidade intra individual. No entanto, na opinião de Davidian &

    Giltinan (1995), é provável que seja impossível estimar os elementos de uma estrutura tão

    complicada de forma eficaz. Além disso, a complexidade necessária para modelar estes

    modelos pode degradar a inferência dos componentes do primeiro momento.

    Sempre que conveniente, escreve-se:

    ( ) ( )γθΛξθR ,, ii2ii σ= (3.14)

    com ( )TTT ρδγ ,= .

    MODELAÇÃO DA HETEROCEDASTICIDADE

    Davidian & Giltinan (1995) propõem a modelação da heterocedasticidade através da

    função variância dos erros dentro do grupo (indivíduo) definida da seguinte forma:

    ( ) ( )δυθ ,,| 22 ijijiij gevar μσ= , com Ni ,...,1= ; inj ,...,1= (3.15)

    onde ( )iijij ,xf θ=μ ; ijυ é o vetor de covariáveis da variância; δ é o vetor dos parâmetros da variância; g(.) é a função variância, contínua em δ . Esta função é escolhida de modo a

    refletir a variabilidade intra indivíduos, podendo ser, por exemplo, a função exponencial,

    logarítmica, potência, etc., ou mesmo uma combinação destas funções.

    Esta formulação da função de variância é bastante flexível e intuitiva, na medida em que,

    permite que a variância dentro do indivíduo dependa dos efeitos fixos β e dos efeitos

    aleatórios ib , através dos valores esperados ijμ embora origine algumas dificuldades

    teóricas e computacionais (Davidian & Giltinan, 1995; Pinheiro & Bates, 2000). A solução

    apresentada por Davidian & Giltinan (1995) para ultrapassar esses problemas é usar um

    modelo aproximado em que os valores esperados ijμ são substituídos por ijμ̂ .

  • 30 3 . Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos Na Tabela 3.1 são dadas algumas funções de variância mais utilizadas e que fazem parte da

    biblioteca nlme do S-Plus.

    Tabela 3.1 – Funções de variância.

    Descrição da classe Variância

    Variância fixa ijijevar υ)(2σ=

    Variância constante (por grupo) 22)(

    ijSijδevar σ=

    Potência de uma covariável ( )22 υ)( δijijevar σ= Exponencial de uma covariável ( )2υ2)( ijδij eevar σ=

    Constante + Potência de uma covariável ( )212 2|υ|)( δijij δevar += σ

    Combinações de funções variância -

    ijυ - covariável; Sij – variável de estratificação; δ1 > 0

    MODELAÇÃO DA DEPENDÊNCIA

    A dependência entre observações de um mesmo indivíduo é modelada através de estruturas

    de correlação. Historicamente as estruturas de correlação foram desenvolvidas no contexto

    de séries temporais e dados espaciais (Box et al., 1994; Cressie, 1993). Assume-se que os

    erros estão associados a vetores de posição pij e que a correlação entre dois erros eij e eij’

    depende somente da distância entre os respetivos vetores de posição d(pij, pij’) e não de

    valores particulares que possam assumir ou da sua direção (princípio isotrópico).

    Assim, a correlação pode ser modelada pela função de correlação h(.), que admite valores

    entre –1 e 1, contínua em ρ, em que ρ é o vetor de parâmetros de correlação:

    [ ]ρ),,(),( '' ijijijij ppdheecor = , com Ni ,...,1= e injj ,...,1', =

    (3.16)

    Assume-se que h(0, ρ)=1, ou seja, se duas observações têm o mesmo vetor de posição,

    então são a mesma observação e, por isso, a correlação é 1. Desta forma, quanto mais

  • 3. Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos 31

    próximos estiverem dois erros aleatórios, no espaço ou no tempo, maior a sua dependência

    (Cabral & Gonçalves, 2011).

    Como referido anteriormente, a não ser que existam um grande número de observações

    que cobram um lato intervalo da gama de respostas, a inferência do padrão de correlação

    intra individual pode ser duvidosa. A introdução de estruturas de correlação, sobretudo se

    forem complexas, pode introduzir complicações no modelo, pelo que, a sua utilização deve

    ser cuidadosa (Davidian & Giltinan, 1995).

    ESTRUTURAS DE CORRELAÇÃO SERIAL

    No contexto de séries temporais, a função de correlação h(.) é designada por função de

    autocorrelação e pode ser expressa por:

    [ ]ρ|,|),( '' ijijijij ppheecor −= , com Ni ,...,1= e injj ,...,1', =

    (3.17)

    A função de autocorrelação empírica, que consiste numa estimativa não paramétrica da

    função de autocorrelação, é o meio gráfico usado para verificar a correlação serial quando

    as observações estão igualmente espaçadas (Cabral & Gonçalves, 2011; Pinheiro & Bates,

    2000).

    As estruturas de correlação serial requerem que os tempos de observação sejam inteiros e

    não são facilmente generalizáveis a tempos contínuos.

    No quadro que se segue apresentam-se as estruturas de correlação serial mais utilizadas e

    que podem ser encontradas na biblioteca nlme do S-Plus.

  • 32 3 . Modelo Não Linear de Efe i tos Mis tos

    Tabela 3.2 - Função de autocorrelação para modelação de correlação dos erros aleatórios em dados igualmente espaçados e de natureza inteira.

    Nome Função de autocorrelação Descrição

    Geral h(k,ρ)= ρk , k=1, 2, ... Cada correlação dos dados é dada por um parâmetro diferente

    Simetria composta

    h(k,ρ)= ρ , k=1, 2, ... Igual correlação entre os erros intra individuais para cada indivíduo

    Autoregressivo de ordem p AR (p)

    ( ) ( ) ... ,2 ,1,,...,1),( 1 =−++−= kpkhkhkh p φφφφφ Cada εt é função linear de observações passadas e um termo de ruído (at): ... 2, 1, ...11 =+++= −− patptptt εφεφε

    p parâmetros de