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Modelo Ibero-Americano
de Software Público para o Governo Eletrônico
Documento aprovado pela
XII Conferência Ibero-Americana de Ministros
de Administração Pública e Reforma do Estado Buenos Aires, Argentina, 1-2 de julho de 2010
Preparado por Corinto Meffe, Fausto Alvim e Johanan Pacheco, por solicitação do CLAD
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Introdução
A implementação do governo eletrônico (e-governo) no setor público dos países da Ibero-
América é uma prioridade para o CLAD, expressa na Carta Ibero-Americana de Governo
Eletrônico (CIGE), aprovada pela IX Conferência Ibero-Americana de Ministros de
Administração Publica e Reforma do Estado em Pucon, no Chile, em 1° de junho de 2007, e
adotada pela XVII Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo realizada em
Santiago do Chile em 10 de novembro do mesmo ano.
Entre os Principios do Governo Eletrônico enumerados em seu parágrafo 24, a CIGE enuncia:
“g. Princípio de adequação tecnologica: os governos escolherão as tecnologias mais adequadas
para satisfazer suas necessidades. Recomenda-se uso de padrões abertos e de software livre por
motivos de segurança, sustentabilidade a longo prazo e para evitar que o conhecimento publico
não seja privatizado. Em nenhum caso este princípio deverá pressupor qualquer limitação ao
direito dos cidadãos no sentido de utilizar a tecnologia de sua escolha no acesso às
Administrações Publicas.”
O uso de soluções de e-governo possibilita que as mesmas, se bem aplicadas, facilitem a oferta
de serviços públicos e fomentem o governo democrático, aumentando a transparência na
execução de políticas públicas e a melhoria dos serviços ao cidadão.
Na maioria das vezes, o custo dessas soluções é elevado em comparação com o poder de compra
dos governos nacionais, notadamente com o dos governos locais (municipais) e especialmente se
essas soluções se basearem em software proprietário, incluindo sistemas cujas licenças possam
custar anualmente centenas de milhares de dólares.
Em comparação com o software proprietário, o software livre não pressupõe o pagamento de
licenças de uso e permite obter os códigos-fonte, o que permite que as instituições possam
adaptar os sistemas aos seus requisitos específicos. Assim, diversas legislações nacionais e locais
determinaram a obrigação do uso do software livre, por exemplo, Brasil, Cuba, Equador,
Espanha, Uruguai e Venezuela.
A seguir apresenta-se um resumo da evolução do software livre rumo ao software público, e
definem-se os princípios do Modelo de Software Público para o Governo Eletrônico.
Antecedentes
Desde que os recursos da área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) se
desenvolveram e se tornaram imprescindíveis em todas as atividades da Administração Pública, a
busca realizada pelo setor a fim de compartilhar recursos de informática tornou-se um desafío.
Tal empenho tem como justificativa a necessidade de gerar sinergia a partir dos esforços
realizados pelas entidades públicas com a finalidade de racionalizar a gestão de recursos de
informática, reduzir custos e atividades redundantes, re-aproveitar as soluções existentes e
usufruir dos benefícios de ações de cooperação.
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No Brasil, desde 1995 há registros de inumeráveis tentativas no sentido de compartilhar
softwares desenvolvido pelo setor público. Apesar de serem escassos os dados concretos sobre a
efetiva colaboração entre instituições, a observação de entidades representativas -tal como a
Associação das Entidades Estaduais de Tecnologia da Informação e Comunicação (ABEP)-
mostra que a maior parte destas experiências não se concretizaram. Uma das razões verificadas
no passado para essa partilha não se tornar efetiva foi a dificuldade de encontrar um modelo de
licenciamento do software capaz de atender os intereses de cada instituição.
Além do modelo de licenciamento, razões de ordem técnica e administrativa afetavam o
compartilhamento do software. No aspecto técnico, dentre as dificuldades destaca-se a forte
dependência do hardware nos ambientes mainframe e a arquitetura centralizada no
desenvolvimento de sistemas. No aspecto administrativo, destaca-se a morosidade dos processos
de liberação do software e dos acordos de cooperação técnica para compartlhar sistemas. Este
último concedia mais poderes ao cedente do software e não resolvia totalmente as questões do
licenciamento. Assim, ao se desfazer, por qualquer motivo, um acordo de cooperação, o
beneficiário poderia ficar impossibilitado de continuar o desenvolvimento por sua própria conta.
A transição da arquitetura computacional do ambiente mainframe aos computadores pessoais e o
surgimento das redes sociais criaram possibilidades técnicas mais sólidas para a partilha. Um dos
motivos é a diminuição da dependência de um hardware específico na execução dos
sistemas/programas. Trata-se da chegada da “plataforma baixa”, com hardware com padrões
abertos, e a descentralização dos ambientes de desenvolvimento e produção. Apesar de que a
chegada da arquitetura de microcomputadores tenha causado essa transição, este movimento não
foi suficiente para garantir a partilha dos sistemas, pois os modelos de licenciamento de software
ainda mantinham uma série de restrições de uso, cessão e distribuição.
Com a chegada da Internet, o sentimento de colaboração e de partilha invadiu a cultura das
organizações pois essa grande rede oferece uma lógica anárquica, autônoma e aberta. Ao mesmo
tempo em que avançava a produção, em colaboração, de código, os gestores públicos buscavan
opções para participar ativamente do modelo. A produção difusa de software, sustentada na
licença livre, apresentava garantias técnicas sólidas. Este fato indicava um novo método para a
produção de software: a rede de colaboração. Assim, a Internet e o software livre assinalam para
o setor público um novo cenário de produção de software. Nesta etapa, os obstáculos do
protagonismo da administração pública passam a ser mais de ordem jurídica do que tecnológica.
As bases do Software Público
No Brasil, o primeiro esboço de disponibilização com menor peso nos acordos formais e maior
reforço na licença ocorreu no ano de 2001, quando a empresa “Processamento de Dados do Rio
Grande do Sul” (PROCERGS) disponibilizou a ferramenta de correo eletrônico Direto. O
impacto positivo da liberação foi imediato. No entanto, a mudança na direção da instituição criou
um debate jurídico sem precedentes, que se refletiu em todas as outras instituições que tinham a
intenção de seguir o mesmo caminho. O acontecimento representou uma insegurança no avanço
da disponibilização de sistemas pelo setor público.
A adoção da segunda versão da Licença Pública Geral [1] (mais conhecida pela sigla em inglés
4
GPL-II (General Public Licence II), criada nos Estados Unidos pela Fundação de Software Livre,
Free Software Foundation [2]) fortaleceu o conceito e a prática do Software Livre. Os governos
começaram a buscar fórmulas de utilização dessa licença, ou de outras licenças similares, para
sustentar as relações de partilha de soluções entre instituições do setor público. Nessa época havia
ainda preocupações de ordem jurídica para concluir os processos no sentido de liberar para a
sociedade os programas desenvolvidos e geridos com recursos públicos.
Em 2004, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), órgão responsável pela
coordenação do Comitê Técnico para Implantação do Software Livre do Governo Eletrônico
Brasileiro, solicitou à Fundação Getúlio Vargas um esudo sobre a constitucionalidade da Licença
Pública Geral (LPG), particularmente em sua versão 2.0 em português [3]. O resultado do estudo,
apresentado em 2005, foi a menção de que a LPG não afeta a Constituição nem se opõe ao
ordenamento jurídico brasileiro. A licença pode ser utilizada com o devido amparo legal -
inclusive para a liberação de software desenvolvido pelo setor público. O resultado do estudo deu
lugar à publicação do livro Direito do Software Livre e a Administração Pública [4].
No último capítulo do livro destaca-se o conceito de software público, no qual os autores
afirmam que “a nota que permite à Administração atribuir, de acordo com sua discrecionalidade,
o uso particular é a compatibilidade com o interesse publico[...]” e que “[...]havendo
conveniência e oportunidade na exploração do software pela Administração, em regime livre, a
forma determinada pela legislação específica para essa disposição de direitos é o contrato de
licença -Lei No. 9.609/98” (pág. 161).
A experiência do software público tem seu modelo de produção observado como tendência futura
por vários autores (Benkler 2006, Tapscott e Williams 2007, Amadeu 2008, Simon e Vieira 2008)
[5]. Essa tendência se baseia na lógica comum de produção. Iniciativas desenvolvidas de acordo
com essa lógica constituem o fundamento para o funcionamento de um novo modelo de mercado.
A economia de bens intangíveis afeta a raíz da concepção econômica tradicional e gera mudanças
em toda a estrutura social. Um exame da iniciativa brasileira no tratamento dado ao bem
software, desde a produção até seu modelo de distribução e uso, dá indícios dessa transformação
proporcionada pela economia dos bens intangíveis.
No ano de 2005, o governo federal licenciou seu primeiro software livre, seguindo as
prerrogativas legais do país: a Lei de Direito de Autores, a Lei do Software e a Resolução No. 58
do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Tratava-se da solução de inventário do
hardware e do software CACIC, desenvolvida por Dataprev (Empresa de Tecnologia e
Informações da Previdência Social) e lançada no 6º Fórum Internacional de Software Livre, na
cidade de Porto Alegre, sob a segunda versão da licença GPL em português.
Rumo à definição do Modelo de Software Público
A experiência do CACIC -Configurador Automático e Coletor de Informações Computacionais-
que inicialmente atenderia demandas internas do governo, logo após demostrou ter uma
finalidade que extrapolava o setor público federal. Tal fenômeno deu origen à percepção de que o
software na realidade estava satisfazendo uma demanda reprimida da sociedade [6]. Em pouco
tempo, após a liberação da solução, formou-se uma extensa comunidade de usuários,
desenvolvedores e prestadores de serviço.
5
Ao mesmo tempo, um segundo fenômeno começou a surgir com o modelo de liberação do
CACIC. O fato de que o software fora disponibilizado num ambiente público de colaboração,
possibilitou a intensificação do uso da ferramenta. Nessa época já existiam ferramentas livres,
abertas e proprietárias que ofereciam funcionalidades semelhantes ao CACIC -várias delas mais
maduras e estáveis. Enquanto isto, a rapidez com que a solução foi adotada em todos os setores
da economia, juntamente com sua rápida distribuição, fez com que em menos de um ano fosse
criada uma rede de prestadores de serviços para o CACIC, chegando a todos os estados do Brasil
[7]. Pouco tempo depois, a sociedade começou a assumir um papel dinâmico no processo de
desenvolvimento do software, não somente participando em sua transformação, como também
colhendo frutos da colaboração e criando novas oportunidades de serviços para as empresas..
Em função da legislação vigente, sabe-se que o software desenvolvido por instituições de direito
público é por natureza um bem público. A união da premissa de que o software é um bem público
-juntamente com a percepção de que a disponibilização (amparada pela lei) de um software pelo
setor público extrapola o universo do código livre- estabeleceu a primeira base para o conceito de
software público, cujo lema principal é a manifestação do interesse público por determinada
solução.
A experiência do software público, no governo federal brasileiro, sustentou as primeiras premisas
básicas para a formulação do Modelo, a saber [8]:
O produto: considerar o software como um produto acabado que chega à sociedade com
documentação completa de instalação, e preparado para funcionar como qualquer
software de prateleira. Há um debate muito amplo sobre o assunto, mas não iremos nos
aprofundar agora sobre este tema.
Os serviços associados: organização de um conjunto de serviços básicos, tais como página
na Internet, fórum ou lista de discussão para desenvolvimento, apoio e projetos,
ferramenta de controle de versão e documentação existente do sistema.
A prestação de serviços: formulação de um procedimento simplificado na relação do
governo com o cidadão que acessa os serviços associados, no qual o cidadão conheça as
informações da comunidade, como pode resolver os assuntos relacionados ao software e
os responsáveis por cada serviço, com a disponibilização, por parte do governo, de uma
equipe de atenção à comunidade.
A gestão da colaboração – incentivo à colaboração entre os diversos usuários e
desenvolvedores da ferramenta, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, de qualquer setor
da economia, por meio de ações indutoras; também a necessidade de estruturar
instrumentos de gestão e controle mais rigorosos para estabelecer a periodicidade do
lançamento de novas versões e definir parâmetros de controle de qualidade no
desenvolvimento das soluções.
Concentrar-se na divulgação do conhecimento. A técnica (desenvolvimento de soluções) e
a prática (a aplicação efetiva de soluções) têm comunidades com o mesmo nível de
importância. Há que se contar com a participação de peritos técnicos e administradores da
gestão pública, do setor privado, da sociedade civil e os individuos: todos são bem-
vindos.
As primeiras características do modelo, recentemente descritas, podem ser aplicadas no modelo
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de software tanto livre quanto público, fato que estreita as comparações entre os dois conceitos.
Simultaneamente, os resultados obtidos com o CACIC e as práticas das comunidades do portal
foram logo após fundamentando a transição do conceito de software livre para a adoção do termo
“publico”. A adoção sustenta-se na segunda definição conceitual estruturada para o software
público, contendo a formulação de alguns elementos essenciais do conceito, que são considerados
inovadores, a saber:
i) A necessidade de cuidar da propriedade intelectual da marca e do nome da solução a ser
disponibilizada, junto com o licenciamento. A licença GPL considera o propósito do código,
como define a Lei do Software, mas o nome e a marca são considerados pelo ramo da
propriedade industrial. A intenção é tratar o nome da solução, a marca e o código num processo
de liberação uniforme;
ii) A manifestação expressa do interesse público no software. Além da combinação de
requisitos tecnológicos, o software deve fundamentar-se na ampliação de “consumo” da
população, em que a solução a ser disponibilizada atenda a demanda da sociedade. Ao satisfazer
necessidades sociais, o setor público beneficia a população e é também beneficiário do modelo de
produção mediante colaboração.
iii) A formação do ambiente público de produção de software mediante colaboração, que
tem relação de dependência direta com os dois ítens anteriores e establece um conjunto de regras
coletivas e comuns aos integrantes do modelo;
iv) A alteração na colocação dos recursos públicos, dinamizando outros agentes
econômicos para o crescimento da solução que, além de seguir o alinhamento com o interesse
público, constitui também um componente estratégico para a formulação de uma política pública
específica para o bem do software.
Tal como anteriormente mencionado, os motivos que envolvem as intenções da Administração
em compartilhar sistemas abrangem a possibilidade de reduzir os esforços para o
desenvolvimento de soluções, aproveitar códigos estáveis já existentes e economizar tempo de
produção. Já a sociedade tem opções diferenciadas para suas demandas, que podem compreender
restrições financeiras para adquirir uma solução informatizada, indo até o desconhecimento de
como é possível se beneficiar de algum software. Estas são, às vezes, necessidades diferentes mas
certamente complementares.
Há soluções que são do interesse da Administração Pública e que, de alguma forma, resolvem
problemas comuns de diversos órgãos do setor público. Outras, além de atender necessidades do
governo, também podem servir para resolver necessidades da sociedade. O que se percebe nos
últimos anos é que as soluções de interesse de uma determinada instituição pública já foram
desenvolvidas por algum outro organismo ou dependência. Isto é, boa parte das necessidades de
soluções informatizadas podem ser atendidas pelos sistemas já desenvolvidos pelo próprio setor
público.
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O ecossistema do Software Público
Para materializar o conceito de Software Público, foi criado o Portal do Software Público
Brasileiro [www.softwarepublico.gov.br], que busca promover um ambiente de colaboração de
usuários, desenvolvedores e prestadores de serviço, auxiliando no desenvolvimento,
disponibilização e apoio aos softwares aderentes ao conceito. O Portal foi lançado em 12 de abril
de 2007, durante o 8º Fórum Internacional de Software Livre de Porto Alegre. Em menos de um
mês após seu lançamento, já contava com mais de 3.000 membros inscritos.
O espaço do Portal já oferece à sociedade 37 soluções em diversas áreas (educação,
geoprocessamento, informática, administração e saúde), com mais de 70.000 usuários válidos.
Paralelamente ao crescimento do número de usuários, deu-se um início à dinamização da
economia, com um número crescente de prestadores de serviços. No período de um ano foi
estruturada uma rede de mais de 500 prestadores de serviços para uma das soluções
disponibilizadas, o CACIC.
Hoje, o Portal se consolida como um espaço para a disponibilização de soluções informatizadas
do setor público para a sociedade. Desde o lançamento do Portal a experiência do software
público encontrou adeptos em diversos segmentos da sociedade. A consonância de interesses
deve-se principalmente, ao modelo adotado para a disponibilização das soluções a fim de atender
as antigas demandas da área de Tecnologia da Informação, em especial do setor público, entre as
quais podemos destacar as seguintes:
As instituições públicas com interesse em disponibilizar soluções informatizadas para
outros entes públicos, e desenvolvê-las mediante colaboração;
A necessidade de atender questões legais que assegurem a disponibilização de
soluções para a Administração Pública e o administrado.
A continuidade da disponibilização das soluções independentemente das mudanças
nas estruturas dos cargos;
O gestor público preocupado com o amparo legal para adotar licenças livres e dar o
tratamento adequado ao bem público software;
O responsável técnico preocupado com a continuidade dos projetos
(“Lifeline”/historico) e com o modelo de gestão da cooperação.
O nível de associações aumentou rápidamente na expectativa de que a experiência do Software
Público atendesse às preocupações citadas e criasse um conjunto de procedimentos uniforme e
sólido para o gestor público, o que fortaleceria a formação do ecosistema de produção. Diversas
entidades representativas se aproximaram para contribuir, no ámbito do conceito de software
público, com temas e conhecimentos específicos, tais como qualidade, capacitação profissional,
gestão e articulação internacional[9].
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A aproximação com outros segmentos da sociedade destacou-se em dois aspectos: o primeiro
com base na intuição dos coordenadores do Portal SPB, e o segundo pelo conjunto de
necessidades reprimidas de cada novo associado compromissado com a experiência. Justamente a
partir da articulação com outros atores, ocorreu um aceleramento do processo de expansão do
conceito de software público no âmbito nacional e internacional.
Relativamente à intuição, foram imediatamente incorporadas as oportunidades que surgiam à
medida que o modelo avançava, como no caso de registrar os prestadores de serviços ao CACIC.
Naquela oportunidade foi possível começar um movimento de organização do lado da oferta de
serviços para cada solução, e criar um espaço para os usuários-produtores.
As necessidades reprimidas foram apresentadas pelos associados que, ao entrar em contacto com
a experiência, descreviam suas várias tentativas, tal como ocorreu, por exemplo, na aproximação
com a ABEP, que assinalou a importância de criar um catálogo de software e serviços.
Os ingredientes da experiência acumulada na formação do conceito de software público –fossem
os mesmos provenientes da intuição dos coordenadores ou das demandas reprimidas dos
associados- determinam que o ecossistema do Portal do Software Público Brasileiro seja moldado
e adaptado constantemente. Sem dúvidas, a maturidade atual do modelo já superou as
expectativas iniciais do projeto, a saber, conseguir a simples partilha de software entre entidades
governamentais.
O Portal tem como referências básicas de funcionamento a presença da oferta, da demanda e dos
prestadores de serviços no mesmo ambiente de colaboração. Tais referências sofrem
transformações, especialmente com relação às mudanças de comportamento no processo de
produção de software, a saber:
1) A oferta: a instituição que disponibiliza uma solução tem um espaço de colaboração dos
usuários integrado com o ambiente dos desenvolvedores e dos prestadores de serviço;
2) A demanda: o usuário tem acesso a um conjunto de soluções dentro de um único
ambiente, podendo usufruir e participar do desenvolvimento do código e ter a garantía de
continuidade da solução em concordância com o ambiente público de produção;
3) O prestador de serviços: as empresas e os autônomos têm suas colaborações reconhecidas
pelos clientes, podendo prestar serviços para mais de uma solução oferecida e ser
consultados de forma rápida pelo usuário.
Uma das grandes aprendizagens da experiência de software público brasileiro baseia-se na
observação das demandas institucionais, em especial as do setor público, integrando-as às dos
usuários e aproximando, assim, demanda e oferta. Desta maneira se acelera o desenvolvimento e
a utilização das soluções, o aumento da demanda pelos serviços prestados e a ativação de um
ciclo econômico com relação a cada software. Ocorre então uma espécie de ciclo virtuoso, no
qual todos os participantes são beneficiados com o resultado da produção.
A consolidação do software público abre um conjunto de oportunidades sem precedentes, pois o
ambiente onde se encontra o acervo de soluções tem sua estrutura tecnológica baseada na web 2.0
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e o bem produzido é intangível. No futuro, ações diferenciadas poderão ser realizadas com a
oferta, a demanda e o prestador de serviços. [5] E assim irá melhorar todo o sistema de produção
do software.
A partir de agora, será possível separar a disponibilidade dos softwares, cujos procedimentos são
rotineiros, para a melhoria da qualidade de cada solução e a ampliação do papel das associações
com foco nessa qualidade. O objetivo é estruturar um modelo de produção compartilhado em que
cada perfil de usuário tenha seu papel definido no ambiente de colaboração.
O mais importante neste momento de consolidação é o que poderá ocorrer no futuro, a partir da
combinação de três fatores: o tratamento dado ao bem público, o modelo estável para a economia
dos bens intangíveis e o modo de produção com base na colaboração.
A projeção internacional
Devido à receptividade do modelo, instituições não pertencentes à administração pública direta,
tais como o setor acadêmico e a iniciativa privada, contataram a coordenação do SPB para
ofrecer soluções em áreas ligadas ao interesse público, com o objetivo de ampliar o alcance de
suas comunidades e também da esfera de negócios na área de prestação de serviços.
O modelo desenvolvido no Brasil para o Software Público Brasileiro foi replicado para o projeto
Software Público Internacional (SPI), com apoio do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Neste contexto, em 9 de dezembro de 2009 o CLAD assinou um
memorando de entendimento com o PNUD para impulsionar de maneira decidida a utilização do
modelo do Software Público na Ibero-América, por considerar que é uma ferramenta alinhada
com as recomendações e conceitos expressos na Carta Ibero-Americana de Governo Eletrônico.
Com relação as iniciativas e interesses dos países da região, podemos destacar a implementação
do modelo de Software Público no Paraguai com o apoio do Governo do Brasil em outubro de
2009[10]. Países como a Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, Peru e
Venezuela expressaram grande interesse na utilização do modelo. Alguns deram os primeros
passos para a participação ativa no projeto, além de assistir às diferentes reuniões de coordenação
que foram realizadas desde outubro de 2009, tendo a última sido realizada na sede do CLAD em
Caracas nos días 20 e 21 de maio de 2010.
Cabe igualmente ressaltar que, como em outros continentes, foram identificadas as mesmas
necessidades consideradas pelo Software Público. A este respeito, já foram empreendidas
iniciativas concretas para a criação de modelos próprios baseados nas experiências exitosas do
Software Público. Já existe inclusive um interesse manifesto em estabelecer algum tipo de
colaboração e dessa maneira contribuir para a criação de sinergias. Pode-se observar um exemplo
significativo deste fato na “Declaração de Kochi”, produto da “Conferência Internacional sobre
Software no Setor Público e Software Livre na Educação”. Ver Anexo.
Constata-se que a expansão internacional do Modelo de Software Público sustenta-se em
antecedentes comuns aos países ibero-americanos que convivem com problemas de bases legais
para disponibilização do software, de criação de um procedimento uniforme para a liberação do
10
bem à sociedade, e de definir com exatidão as soluções que deverão ser enquadradas numa
política pública. Se os antecedentes são comuns, existe a percepção de que os benefícios
conseguidos pela experiência brasileira podem alcançar os mesmos resultados positivos em toda
Ibero-América.
Autores
Corinto Meffe
Gerente de Inovações em Tecnologia. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI)
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP). Brasil
Fausto Alvim
Consultor PNUD
Coordenador SPI
Johanan Pacheco
Assessor em Informática e Governo Eletrônico
CLAD
Notas
[1] http://www.gnu.org/licenses/old-licenses/gpl-2.0.html
[2] Free Software Foudation: http://www.fsf.org
[3] Joaquim Falcão, Tércio Sampaio Ferraz Junior, Ronaldo Lemos, Juliano Maranhão, Carlos
Affonso Pereira de Sousa e Eduardo Senna. Estudo sobre o Software Livre. Creative Commons
Atribuição 2.5 Brasil, 2005.
[4] Tércio Sampaio Ferraz JR., Ronaldo Lemos e Joaquim Falcão. Direito do Software Livre e a
Administração Pública. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007.
[5] Christiana Soares de Freitas e Corinto Meffe, A Produção Compartilhada de Conhecimento: O
Software Público Brasileiro. Publicado na IP - Informática Pública, volume 10, número 2, ISSN
1516-697X, 2008.
[6] Anderson Peterle, Carlos Alberto Jacques de Castro, Corinto Meffe, Nazaré Bretãs, Rogério
Santanna, Materialização do Conceito de Software Público: Iniciativa CACIC. Publicado na IP -
Informática Pública, volume 7, número 2, ISSN 1516-697X, set./2005 - fev./2006, Empresa de
Informática e Informação do Município de Belo Horizonte - PRODABEL - Prefeitura Municipal
de Belo Horizonte. http://www.softwarepublico.gov.br/spb/ArtigoMatConceitoSPB
[7] Mercado Público Virtual [http://www.mercadopublico.gov.br]
[8] Corinto Meffe, Um primeiro modelo para o software público - Coluna ComputerWorld -
Seção Governo - 23.03.2007
http://computerworld.uol.com.br/governo/corinto_meffe/idgcoluna.2007-03-23.2475687668
[9] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, Universidade Federal de
Minas Gerais - UFMG, Associação de Usuários de Informática e Telecomunicações - SUCESU,
Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet -
11
ASSESPRO, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE,
Federação Nacional das Empresas de Serviços Técnicos de Informática e Similares -
FENAINFO, Secretaria de Política de Informática - SEPIN/MCT e a Secretaria de Tecnologia
Industrial – STI/MDIC.
[10] http://www.softwarepublico.gov.br/news-item54
Bibliografìa
BRETAS, Nazaré, CASTRO, Carlos Alberto Jacques de , MEFFE, Corinto, PETERLE,
Anderson, SANTANNA, Rogério. Materialização do Conceito de Software Público: Iniciativa
CACIC. Publicado na IP - Informática Pública, volume 7, número 2, ISSN 1516-697X, set./2005
- fev./2006, Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte -
PRODABEL - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
http://www.softwarepublico.gov.br/spb/ArtigoMatConceitoSPB acessado em 12/03/2010.
ANEXO
DECLARAÇÃO DE KOCHI SOBRE O SOFTWARE PÚBLICO
Nós, os e as participantes da “Conferência Internacional sobre Software no Setor Público e
Software Livre na Educação” -organizada conjuntamente pela UNESCO e pelo Governo de
Kerala, em Kochi, Kerala, na Índia, de 27 a 29 de maio de 2010- após longa deliberação entre
diversos atores sociais sobre o contexto, necessidades e imperativos para que o software esteja
consentâneo com o espírito do setor público, fazemos a seguinte declaração:
1. Entendemos o Software Público como aquele software que é de interesse público, que é
desenvolvido ou adquirido por meio de financiamento público e que é de propriedade pública, o
que permite que o mesmo seja compartilhado, modificado e distribuído livremente. Expressamos
o reconhecimento do contexto sui generis do software público e que seu objetivo consiste em
assegurar equidade e justiça social que têm implicações para assegurar o acesso universal a este
software, bem como transparência e participação da cidadania na formulação e uso do mesmo.
2. Para efeitos desta declaração definimos o setor público de maneira ampla, conformado por
aquelas instituições que trabalham em prol do interesse público, abrangendo governos, entidades
estabelecidas por ações do Congreso, instituições acadêmicas e da sociedade civil.
3. Recomendamos que:
a. Uma vez que o acesso universal a serviços públicos requer acesso universal ao software,
especialmente porque cada vez mais tais serviços são proporcionados mediante o uso de TICs, o
Software Público deve ser compartilhado livremente entre todos os membros da sociedade.
b. As instituições públicas defendam os princípios de transparência, equidade, participação
pública e prestação de contas à sociedade em geral. Assim, é esencial que o Software Público seja
aberto para que permita a revisão, participação e auditoria pública.
c. O Software Público deve utilizar padrões abertos para assegurar a interoperabilidade e
portabilidade através de diferentes meios.
d. Sejam estabelecidos repositórios de recursos de Software Público a nível nacional e sub-
nacional, para apoiar a re-utilização de aplicativos.
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e. Os materiais digitais de aprendizagem não devem ser adquiridos por meio do pagamento de
royalties e qualquer exceção deveria exigir uma justificação.
4.Acreditamos que:
O Software Público requer que o mesmo seja 'propriedade pública de maneira estratégica e
substantiva', sendo que para tanto a propriedade do código-fonte é necesaria mas não suficiente.
Assim, há que se asegurar que a entidade pública encarregada do desenvolvimento ou adquisição
de um software assuma completa propriedade sobre o mesmo. Esta propriedade deve ser real e
não nominal, concedendo-se à entidade pública em questão faculdades totais para compartilhar e
modificar o software conforme julgue conveniente, por tempo indefinido.
i. Isto requer um desenvolvimento de capacidades adequado e relevante para as funcionárias e
funcionários públicos, a participação de atores sociais na formulação e desenvolvimento do
mesmo, a definição dos componentes do processo de desenvolvimento, bem como a respectiva
documentação para a programação e uso do mesmo.
ii. Para implementar a propriedade pública de maneira estratégica e substantiva, os aspectos de
documentação, conteúdo, conectividade, segurança dos dados e privacidade da cidadania
deveriam satisfacer as exigências e diretrizes do setor público.
Comprometemo-nos a levar adiante as experiências e aprendizagens do Software Público,
ressaltar e apoiar os estados da Índia e os países do sudeste asiático para que adotem os princípios
do Software Público. Aceitamos e agradecemos o oferecimento feito pelo Governo de Kerala
para apoiar este esforço e reconhecemos o papel da UNESCO como facilitador deste processo.
Instamos os governos e outras instituições públicas destes países a adotar e promover o Software
Público, no espírito desta declaração.