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Modelação de secas. Aplicação a casos de estudo. Diana da Silva Serra Dissertação para obtenção do grau de mestre em Engenharia Civil Orientadores: Prof a . Dra. Maria Manuela Portela Correia dos Santos Ramos da Silva Prof. Dr. João Filipe Fragoso dos Santos Júri Presidente: Prof. Dr. António Alexandre Trigo Teixeira Vogal: Prof a . Dra. Maria Manuela Portela Correia dos Santos Ramos da Silva Vogal: Prof. Dr. António Pedro de Nobre Carmona Rodrigues Fevereiro 2014

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Modelação de secas. Aplicação a casos de estudo.

Diana da Silva Serra

Dissertação para obtenção do grau de mestre em

Engenharia Civil

Orientadores:

Profa. Dra. Maria Manuela Portela Correia dos Santos Ramos da Silva

Prof. Dr. João Filipe Fragoso dos Santos

Júri

Presidente: Prof. Dr. António Alexandre Trigo Teixeira

Vogal: Profa. Dra. Maria Manuela Portela Correia dos Santos Ramos da Silva

Vogal: Prof. Dr. António Pedro de Nobre Carmona Rodrigues

Fevereiro 2014

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Resumo

A investigação teve por objecto avaliar em que medida uma mudança no regime fluvial, devido à

construção de uma barragem com albufeira de regularização, afecta o número e a intensidade de

eventos de seca a jusante de tal infra-estrutura. Para o efeito, e tendo por base nove casos de

estudo, confirmou-se previamente a capacidade do índice SPI (Standardized Precipitation Index)

aplicado às séries de escoamentos detectar ocorrências de seca idênticas às identificadas pela

aplicação do mesmo índice às series de precipitação que estão nas génese daqueles escoamentos.

Esta etapa é importante na medida em que, após a construção de um aproveitamento hidráulico, as

eventuais secas, a jusante da infra-estrutura, advêm dos caudais libertados pela barragem e não das

condições de precipitação ocorrentes na bacia hidrográfica. Consequentemente, para poder

caracterizar-se as ocorrências de seca, há que aplicar o índice SPI às séries de escoamento.

Posteriormente, e tendo por base o caso de uma barragem real (barragem de Vilarinho das Furnas,

no rio Homem), caracterizaram-se os eventos de seca em regime natural (sem barragem) e em

regime modificado (com barragem) no mesmo período de tempo, por aplicação do índice SPI às

correspondentes séries de escoamento. Comparando os resultados obtidos decorrentes de um e

outro regime conclui-se que, de facto, ocorre um agravamento na intensidade do evento de seca a

jusante da infra-estrutura e evidencia-se a vantagem em aplicar o índice SPI a séries de escoamento,

para medir secas decorrentes de variabilidade hidrológica natural ou induzida pela actividade do

Homem.

Palavras-chave: seca; índice padronizado de precipitação; SPI; barragem.

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Abstract

This investigation has the main purpose of evaluating the consequences in drought events due to

hydrological changes that occur when a dam with a regulation reservoir is built. Those consequences

are measured through the number of drought events and their intensity downstream of the dam. Such

study is elaborated using the SPI index (Standardized Precipitation Index) applied to flows series, due

to the fact that after the dam construction, the drought event that may occur will depend on the flow

released to downstream, and not on the precipitation conditions. However, in order to apply SPI to

flow series, a complementary study was needed as such index was defined to be use with

precipitations. Therefore was indispensable to verify the capacity of the index to detect similar drought

events whether applied to runoff or rainfall series. This study was made using nine real cases

distributed in Portugal. After that, using a real dam in North Portugal, called barragem de Vilarinho das

Furnas, the drought events that occur in a natural (without dam) and a modified (with dam) stream

were characterized, using the SPI index, during the same period of time. By comparing the results

obtained in each stream was possible to conclude that in fact there is an increase in the drought

intensity downstream such dam. This shows the advantage of applying SPI to flow series in order to

measure drought due to the natural hydrological variability or due to the Man activity.

Keywords: drought; standardized precipitation index; SPI; dam.

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Agradecimentos

Este espaço é dedicado a todos aqueles que directa ou indirectamente contribuíram para a realização

desta dissertação.

Começo por dedicar à minha família, especialmente aos meus pais, por todo o apoio, motivação e

conselhos que me deram durante todo o processo de elaboração da dissertação.

Quero agradecer também à minha orientadora, Professora Maria Manuela Portela, pelo seu constante

apoio e disponibilidade assim como pelas suas criticas construtivas, recomendações e conselhos

práticos que tanto me auxiliaram como valorizaram o meu trabalho.

Agradeço também ao meu co-orientador, Professor João Filipe Fragoso dos Santos, pelo interesse

que demonstrou e por garantir que não me faltasse dados ou informação necessária para este

projecto.

Por fim, agradeço a todos os meus amigos pela paciência, apoio e incentivo que demostraram

durante o período de realização da dissertação.

A todos deixo aqui o meu sincero agradecimento.

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Índice

1. Introdução .......................................................................................................................... 1

1.1 Objectivo ................................................................................................................................ 1

1.2 Organização do documento ................................................................................................... 2

2. Modelação de secas .......................................................................................................... 3

2.1 Introdução .............................................................................................................................. 3

2.2 Definição de seca ................................................................................................................... 4

2.2.1 Tipos de seca..................................................................................................................... 5

2.2.2 Variáveis instrumentais ...................................................................................................... 6

2.2.3 Outros fenómenos de escassez de água .......................................................................... 6

2.3 Impactes da seca ................................................................................................................... 7

2.4 Monitorização e mitigação ..................................................................................................... 7

2.5 Previsão de ocorrência de secas ......................................................................................... 10

2.6 Causas de uma seca ........................................................................................................... 11

2.7 Modelos de caracterização de secas ................................................................................... 11

2.7.1 Introdução ........................................................................................................................ 11

2.7.2 Palmer Drought Severity Index, PDSI ............................................................................. 12

2.7.3 Percentagem Normal de Precipitação, NP ...................................................................... 13

2.7.4 Método empírico dos Deciles/ quantis de precipitação ................................................... 14

2.7.5 Standardized Precipitation Index, SPI ............................................................................. 14

2.8 Modelo aplicado ................................................................................................................... 16

3. SPI avaliado a partir de séries de precipitação e de escoamento. Casos de estudo. .... 19

3.1 Introdução ............................................................................................................................ 19

3.2 Casos de estudo .................................................................................................................. 19

3.3 Resultados ........................................................................................................................... 24

3.4 Conclusões........................................................................................................................... 34

4. Aplicação do SPI à caracterização do efeito induzido no escoamento por albufeiras .... 42

4.1 Introdução ............................................................................................................................ 42

4.2 Modelo de transposição ....................................................................................................... 43

4.3 Preenchimento de séries de precipitação ............................................................................ 44

4.4 Dados de base ..................................................................................................................... 46

4.4.1 Escoamento ..................................................................................................................... 50

4.4.2 Precipitação ..................................................................................................................... 54

4.5 Aplicação do SPI a séries de escoamento e de precipitação .............................................. 60

4.6 Aplicação do SPI a séries de escoamento com e sem influência da barragem de Vilarinho

das Furnas ........................................................................................................................................ 67

5. Conclusão ........................................................................................................................ 74

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Índice de tabelas

Tabela 1 – Categorias de secas para valores de SPI segundo Agnew, 2000. ....................... 17

Tabela 2 – Casos de estudo inseridos na bacia hidrográficado do rio Douro. Características gerais

das estações hidrométricas e dos postos udométricos. ................................................. 20

Tabela 3 - Casos de estudo inseridos na bacia hidrográficado rio Sado, Tejo, e Guadiana.

Caracteristicas gerais das estações hidrométricas e dos postos udométricos. ............. 21

Tabela 4 – Secas identificadas pelos valores de SPI aplicados a séries de precipitação e de

escoamento. Características relativas a cada escala temporal para os diferentes casos de

estudo. ............................................................................................................................ 35

Tabela 5 – Principais características da Barragem de Vilarinho das Furnas. ........................ 46

Tabela 6 - Características gerais da estaçãos hidrométrica (em regime natural) e dos postos

udométricos com influência na bacia hidrográfica de Covas no período de 1955/56 a 2011/02.

........................................................................................................................................ 47

Tabela 7 - Caracteristicas gerais das estações hidrométricas análisadas para o modelo de

transposição. ................................................................................................................... 48

Tabela 8 – Valor das correlações entre os escoamentos adimensionais das estações hidrométricas de

Manteigas, Fragas da Torre e Ermida-Corgo com a estação hidrométrica de Covas, e

respectivos valores do escoamento anual médio para o período comum de registos. . 51

Tabela 9 – Valores do escoamento anual médio para o regime natural e regime modificado na

estação hidrométrica de Covas. ..................................................................................... 54

Tabela 10 – Características de cada posto udométrico representativo da bacia hidrográfica de Covas,

nomeadamente nome do posto, coordenadas M, P e peso. .......................................... 56

Tabela 11 - Características dos postos udométricos utlizados na definição das área de influência, mas

que não contribuiem para a precipitação na bacia. ........................................................ 57

Tabela 12 - Secas identificadas pelos SPI aplicados a séries de precipitação e de escoamento.

Características relativas a cada escala temporal. .......................................................... 63

Tabela 13 - Valores de correlação entre os SPI decorrentes da série de precipitação e os SPI

resultantes da série de escoamento. .............................................................................. 64

Tabela 14 – Número de ocorrências de seca detectadas pelo índice SPI, organizado por classes, para

a série de precipitação e de escoamento da estação hidrométrica de Covas. .............. 64

Tabela 15 – Valores médios dos SPI, organizados por classes, obtidos da série de precipitação e da

série de escoamento da estação hidrométrica de Covas. ............................................. 65

Tabela 16 - Secas identificadas pelos SPI aplicados a séries de escoamento em regime modificado e

em regime normal. Características relativas a cada escala temporal. ........................... 70

Tabela 17 - Valores médios dos SPI, organizados por classes, resultantes da série de escoamento

em regime modificado e em regime natural da estação hidrométrica de Covas. .......... 71

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Tabela 18 - Número de ocorrências de seca detectadas pelo índice SPI, organizado por classes,

obtido para a série de escoamento em regime modificado e em regime natural da estação

hidrométrica de Covas. ................................................................................................... 71

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Índice de Figuras

Figura 1 – Mapa de Portugal com representação das principais bacias hidrográficas e localização

esquemática das estações hidrométricas estudadas no presente documento. (Mapa adaptado

da Carta da Hidrografia Continental - Principais Bacias Hidrográficas fornecido pela APA, 2013).

...................................................................................................................................................... 22

Figura 2 - Diagramas cronológicos das precipitações (linha azul) e dos escoamentos (linha vermelha)

anuais nas bacias hidrográficas dos casos de estudo no período de registo de 94 entre 1910/11

a 2003/4 (nos diagramas EH designa estação hidrométrica). ..................................................... 23

Figura 3 – Estação hidrométrica de Cunhas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de

escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais

ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

...................................................................................................................................................... 25

Figura 4 – Estação hidrométrica de Castelo Daire. Caracterização das séries de SPI calculadas a

partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações

mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a

2003/04. ........................................................................................................................................ 26

Figura 5 – Estação hidrométrica de Cabriz. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de

escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais

ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

...................................................................................................................................................... 27

Figura 6 – Estação hidrométrica de Vinhais Quinta da Ranca. Caracterização das séries de SPI

calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de

precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos

de 1910/11 a 2003/04. .................................................................................................................. 28

Figura 7 - Estação hidrométrica de Vale Giestoso. Caracterização das séries de SPI calculadas a

partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações

mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a

2003/04. ........................................................................................................................................ 29

Figura 8 - Estação hidrométrica de Torrão do Alentejo. Caracterização das séries de SPI calculadas a

partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações

mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a

2003/04. ........................................................................................................................................ 30

Figura 9 - Estação hidrométrica de Couto de Andreiros. Caracterização das séries de SPI calculadas

a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações

mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a

2003/04. ........................................................................................................................................ 31

Figura 10 - Estação hidrométrica de Vascão. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de

escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais

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ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

...................................................................................................................................................... 32

Figura 11 - Estação hidrométrica de Albernoa. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir

de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais

ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

...................................................................................................................................................... 33

Figura 12 – Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média do

SPI (linhas), divididas por escala temporal, para os diversos casos de estudo, organizados por

ordem decrescente da precipitação média anual. ........................................................................ 37

Figura 13 – Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média

(linhas) dos SPI para todos os casos de estudo, organizados por ordem decrescente da

precipitação média anual. ............................................................................................................. 39

Figura 14 – Fotografia aérea da barragem de Vilarinho das Furnas, retirada de um blog (Pinto, 2012).

...................................................................................................................................................... 46

Figura 15 - Mapa de Portugal com representação das principais bacias hidrográficas e localização

esquemática das estações hidrométricas estudadas no presente documento. (Mapa adaptado

da Carta da Hidrografia Continental - Principais Bacias Hidrográficas fornecido pela APA, 2013).

...................................................................................................................................................... 49

Figura 16 – Estações hidrométricas de Covas, Manteigas, Fragas da Torre e Ermida-Corgo.

Escoamento mensal adimensional no período em comum de registos (de 1955/56 a 1971/72) 52

Figura 17 – Diagrama cronológica do escoamento mensal da estação hidrométrica de Fragas da

Torre e da estação de Covas, no regime natural e no regime modificado................................... 53

Figura 18 – Diagrama cronológica do escoamento mensal da estação hidrométrica de Covas em

regime natural e em regime modificado. ...................................................................................... 53

Figura 19 – Bacia hidrográfica da estação hidrométrica de Covas....................................................... 55

Figura 20 – Caracterização dos períodos de registos dos postos udométricos analisados para o

estudo da precipitação na bacia hidrográfica de Covas. Número de anos que cada posto

udométrico tem no seu registo, no período de anos coincidente com o registo na estação

hidrométrica de Covas (representado a laranja). Os postos udométricos seleccionados estão

representados a verde, e os postos excluídos estão representados a azul. ............................... 57

Figura 21 - Bacia hidrográfica de Covas, com representação dos postos udométricos, dos polígonos

de Thiessen e das áreas de influência. ........................................................................................ 58

Figura 22 – Precipitação mensal na bacia hidrográfica de Covas no período de 47 anos, entre

1955/56 e 2001/02. ....................................................................................................................... 60

Figura 23 - Estação hidrométrica de Covas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de

escoamentos mensais registados nas estação hidrométricas de Covas e de precipitações

mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1955/56 a

2001/02. ........................................................................................................................................ 61

Figura 24 - Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média do

SPI (linhas), divididas por escala temporal. ................................................................................. 66

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xv

Figura 25 - Estação hidrométrica de Covas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de

escoamentos mensais em regime natural (obtido por transposição) e em regime modificado

(registado nas estação hidrométricas de Covas). Período de registos de 1972/73 a 2001/02. .. 68

Figura 26 - Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média do

SPI (linhas), divididas por escala temporal. ................................................................................. 72

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Lista de Símbolos

Estimativa da média de X

Estimativa da média de Y

Volume anual médio afluente à secção k

Escoamento anual médio expresso em altura de água sobre a bacia hidrográfica

Estimativa da precipitação mensal em falta no posto P1 no ano t.

APA Agência Portuguesa do Ambiente

b Declive da recta de regressão linear simples

Correl_1.i Correlação entre registos de precipitação no mês em causa nos postos P1 e P1.i

ENSO El Niño – Southern Oscillation

EUA Estados Unidos da América

INAG Instituto da Água

IPMA Instituto Português do Mar e da Atmosfera

M Número total de postos udométricos próximos do posto a preencher.

N Número de observações simultâneas de precipitações num dado mês no posto P1 e

no posto P1.i

NDMC National Drought Mitigation Center

NP Percentagem normal de precipitação

OMM Organização meteorológica mundial

P1 Posto udométrico que se quer preencher

P1.i Posto udométrico número i próximo de P1

PDSI Palmer Drought Severity Index

SNIRH Sistema Nacional dos Recursos Hídricos

X

Y

ty

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xviii

SPI Standardized Precipitation Index

WMO World Meteorological Organization

X Série de N registos de precipitação do posto udométrico P1.i

xi Elemento genérico da série X

xt Precipitação conhecida no posto P1.i no ano t

Y Série de N registos de precipitação do posto udométrico P1

yi Elemento genérico da série Y

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1

1. Introdução

1.1 Objectivo

A seca é um fenómeno natural, associado principalmente à falta de precipitação e com

consequências gravosas. Sendo, por isso, importante entender e realizar estudos sobre o mesmo.

As secas em bacias hidrográficas podem ser analisadas através da utilização de índices de seca. Em

Portugal continental as secas são monitorizadas pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera com

o auxílio de dois índices, o PDSI (Palmer Drought Severity Index) e o SPI (Standardized Precipitation

Index). Estes dois índices foram já amplamente estudados e validados, não incidindo no objectivo

desta investigação avaliá-los ou compará-los. Pelas vantagens e flexibilidade que o SPI apresenta

(ver Santos & Portela, 2010), seleccionou-se este índice para caracterizar as secas nesta

investigação.

A caracterização das secas com o índice SPI ocorre originalmente a partir da consideração de séries

de precipitação, sendo o objecto desta dissertação avaliar a possibilidade de aplicar esse índice a

séries de escoamento. Ao usar séries de escoamentos para caracterizar secas permite não só

detectar as secas decorrentes da variabilidade hidrológica natural, mas também as secas

eventualmente induzidas pela actividade do Homem, nomeadamente pela construção de

aproveitamentos hidroeléctricos dispondo de albufeiras de regularização.

Assim, e após uma revisão de conhecimentos, prossegue-se com a apresentação dos casos de

estudo e dos dados que suportaram a análise. Para cada caso de estudo aplica-se extensivamente o

SPI a séries de precipitação e de escoamento. Se a correlação entre episódios de seca, detectados

de acordo com os critérios subjacentes ao SPI, decorrentes de umas e de outras séries, for elevada,

será possível recorrer a qualquer uma dessas séries para analisar o fenómeno. Após uma análise

exaustiva chegaram-se a conclusões similares a Santos & Portela, 2010: em condições de uma

elevada disponibilidade hídrica, a caracterização de secas através de séries de precipitação e de

séries de escoamento conduz a resultados equivalentes.

Deste modo, prossegue-se o estudo averiguando em que medida a alteração do regime fluvial,

decorrente da construção de barragens com albufeiras de regularização, poderia indicar um

agravamento da seca a jusante dessas infra-estruturas. Com efeito, após a construção de uma

barragem, as secas que possam ser registadas a jusante da mesma já não advêm das condições de

precipitação ocorrentes na bacia hidrográfica, mas antes, dos escoamentos libertados pela barragem

para jusante. Para averiguar o eventual efeito da barragem na indução de secas procedeu-se à

aplicação do SPI à série de escoamentos em regime modificado, sujeitos à influência da barragem, e

à série de escoamentos em regime natural no mesmo período, mas sem influência daquela infra-

estrutura.

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2

Tal tema é elaborado tendo por base o caso real da barragem de Vilarinho das Furnas situada no rio

Homem, no distrito de Braga.

Por fim, chega-se à conclusão que em média a barragem induz secas mais intensas a jusante da

mesma, ainda que em menor número, pois a regularização dos caudais atenua a variabilidade

temporal do regime natural, diminuindo o número de secas moderadas ou severas, mas aumentando

a ocorrência e a severidade das secas extremas. O rio fica assim mais susceptível a secas extremas,

ou seja, em anos muito secos admite-se que o rio possa secar totalmente durante um maior período

de tempo.

1.2 Organização do documento

Para além do presente capítulo, este documento está dividido em quadro capítulos. No capítulo que

se segue, capitulo 2, são apresentados os conceitos teóricos sobre o tema secas, como a sua

definição, causas e impactos. Neste capítulo é contemplada ainda a descrição dos principais índices

de seca normalmente utilizados, em especial o escolhido no objecto desta investigação.

O capítulo 3 contém a apresentação dos casos de estudo, os resultados da aplicação dos SPI às

séries de precipitação e de escoamento aos casos referidos e as respectivas conclusões.

No capítulo 4 é apresentado o caso de estudo objecto de investigação, a barragem de Vilarinho das

Furnas. Segue-se uma explicação dos métodos usados para o preenchimento das séries de

precipitação e para a transposição de séries de escoamento. De seguida, explicam-se como foram

obtidas as séries de escoamento e precipitação usados nesta fase. Depois apresentam-se os

resultados da aplicação do SPI às séries de precipitação e de escoamento para a respectiva bacia

hidrográfica em análise neste capítulo, bacia hidrográfica de Covas (Covas é a estação hidrométrica a

jusante da barragem em estudo, Vilarinho das Furnas). Esta análise, idêntica à realizada no capítulo

3, é necessária para provar que o índice SPI decorrente das séries de escoamento caracteriza

eventos de seca semelhantes ao SPI resultante das séries de precipitação que estão na génese

daqueles escoamentos. Comprovada essa semelhança, prossegue-se com o objecto desta

investigação: avaliar a influência da alteração do regime hidrológico devido à construção de uma

barragem, nos eventos de seca. Este estudo, que é explicado no capítulo 4, realiza-se aplicando o

índice SPI às séries de escoamento em regime natural e modificado (com influência da infra-

estrutura). Por fim apresentam-se os resultados da investigação e as conclusões que daí advêm.

No último capítulo, capítulo 5, são apresentadas as conclusões gerais da investigação assim como as

considerações finais do estudo.

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3

2. Modelação de secas

2.1 Introdução

Nesta primeira parte do trabalho estudou-se a possibilidade de usar o índice SPI, Standardized

Precipitation Index, (ou índice padronizado de precipitação) para séries de escoamento, em vez de

séries de precipitação, como foi concebido inicialmente por McKee, 1993. Se a correlação entre

episódios de seca, detectados de acordo com os critérios subjacentes ao SPI, decorrentes de umas e

de outras séries, for elevada, será possível recorrer a qualquer uma dessas séries para analisar o

fenómeno. A possibilidade de aplicar o índice em menção a escoamentos permite detectar, não só as

secas decorrentes da variabilidade hidrológica natural, mas também as eventualmente induzidas pela

actividade do Homem, designadamente, através da construção de aproveitamentos hidráulicos, no

geral, e hidroeléctricos dispondo de albufeiras de regularização, no caso específico da presente

investigação.

Assim, é importante perceber primeiro o conceito de seca e conhecer os principais índices de seca

que existem. Por isso, o presente capítulo foca-se na definição do conceito de seca, nos vários tipos

que podem ser considerados, nas variáveis de que dependem e em algumas das suas

consequências. Explicam-se, também, as principais diferenças entre seca, aridez e desertificação,

visto serem fenómenos diferentes e muitas vezes confundidos. De seguida referem-se medidas de

monitorização, mitigação e previsão de secas, pois são processos bastante importantes na

minimização dos riscos causados pelas secas e na gestão e minimização dos respectivos impactos.

Inclui-se, também uma referência ao processo de monitorização e mitigação das secas em Portugal e

às entidades para o efeito envolvidas.

Segue-se uma breve explicação acerca de como caracterizar e comparar secas através de diversos

índices, na qual se inclui a definição de cada índice, as suas principais características, vantagens e

usos.

Por último, justifica-se a escolha do índice padronizado de precipitação como ferramenta de análise

de seca aplicada no âmbito da presente dissertação, explicitando-se as suas principais vantagens,

comparativamente a outros índices. Inclui-se, também, uma breve explicação do procedimento de

cálculo do índice em menção.

Outros trabalhos foram feitos neste tema e serviram de base à presente investigação, com ênfase

para Santos & Portela, 2010, Lajinha & Guerreiro, 2006, e para Mendes, Maia, & Vivas, 2011.

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2.2 Definição de seca

As secas são fenómenos naturais cuja duração temporal pode ser extensa, podendo ser igualmente

extensas as regiões afectadas. A principal característica de uma seca é estar-lhe associada falta de

precipitação, que origina escassez de água, a qual será tanto mais pronunciada, quanto maior o

défice de precipitação (McKee , et al., 1993).

As secas são importantes dadas as suas consequências, associadas a perdas frequentemente

económicas, mas também de vidas humanas, como no caso de países em desenvolvimento (Hipólito

& Vaz, 2011). No entanto é difícil definir com precisão o início ou fim de uma seca, assim como a

extensão geográfica que afecta. Além disso, é um fenómeno que progride lenta e imperceptivelmente

até as consequências se fazerem sentir.

O maior impasse no estudo de uma seca reside na sua detecção o que requer a identificação dos

indicadores para o efeito mais adequados, tendo em conta o que realmente se entende por seca.

Com efeito, a seca, sendo um fenómeno natural de origem climatológica e meteorológica, varia de

região para região, tornando-se difícil de definir enquanto conceito rigoroso e preciso (Wilhite, 1985).

Existem por isso definições conceptuais que ajudam a perceber o fenómeno.

Assim, do ponto de vista conceptual, define-se como um período suficientemente longo de défice de

precipitação que provoca redução de água disponível, com consequente desequilíbrio hidrológico.

Este conceito encontra-se geralmente aceite por vários autores e organizações, nomeadamente, a

WMO, World Meteorological Organization (Organização meteorológica mundial, OMM). Esta é uma

agência especializada das Nações Unidas, actualmente com 185 membros (WMO).

Mesmo perante uma definição do fenómeno mais ou menos abrangente e clarificadora, um dos

problemas que se colocam é identificar quando começa e quando acaba uma seca, e qual a extensão

dos seus impactes, tanto mais que só se manifestam uma vez que a seca já se instalou numa dada

região.

Na análise de secas usa-se o conceito de limiar de seca ou, mais comummente, valor crítico, relativo

ao valor limite a partir do qual se considera estar perante uma ocorrência de seca. Este limiar de seca

pode ser definido consoante a utilização da água na região em estudo, ou seja, depende de factores

económicos e sociais. No entanto este conceito nem sempre é fácil de aplicar pois o consumo de

água não é constante ao longo do tempo, dependendo de diversos factores, tornando-se assim uma

variável não estacionária. Contorna-se este problema usando um valor crítico constante, apoiado em

médias ou em medianas ou no conceito de quantis (Santos, 1998).

Outro factor importante na análise de secas é o intervalo de tempo que se considera para a varável

instrumental utilizada na sua identificação e caracterização. Existem diferenças significativas

consoante o intervalo de tempo utilizado, pois este afecta o tipo de análise a efectuar, o tamanho da

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amostra da variável em análise e consequentemente o número de eventos de seca e a intensidade

da seca. Quanto menor o intervalo de tempo maior a correlação na série temporal, sendo que

intervalos de tempo demasiado pequenos podem conter eventos de seca dependentes, dificultando

ou mesmo impossibilitando o recurso a análise estatística. Assim, para análise de secas o limite

inferior do intervalo de tempo é de um mês (Santos, 1998).

Torna-se também importante a utilização de um registo de valores suficientemente longo para uma

melhor e mais sustentada caracterização dos valores médios e de eventos raros (Santos, 1998).

2.2.1 Tipos de seca

Consoante o nível de impactes causados pela seca definem-se quatro tipos de seca (Wilhite, 1985).

O primeiro tipo respeita à seca meteorológica, caracterizada por um défice de precipitação na

atmosfera. Tal seca ocorre quando o valor de precipitação é inferior em relação ao valor normal,

durante um dado período de tempo. Este tipo de seca depende de factores atmosféricos como a

pressão, temperatura, humidade do ar, ou seja, a definição da seca meteorológica é dependente da

região, uma vez que as condições atmosféricas são variáveis de local para local.

Se persistir o défice de precipitação, tem lugar a chamada seca agrícola, definida como um

desequilíbrio entre a água disponível no solo e a necessidade das culturas e a transpiração das

plantas, dependendo, portanto, das características da cultura e do tipo de solo.

A manter-se a escassez da precipitação ocorre a designada seca hidrológica, por ordem sequencial

mas temporalmente mais desfasada do que a anterior por precisar de um período de tempo maior

para se começar a sentir os efeitos de défice de precipitação. Caracteriza-se pela redução dos níveis

médios de água em escoamentos superficiais, subterrâneos e nas reservas de água aquíferos ou em

albufeiras. Este tipo de seca além de depender de factores meteorológicos ou climáticos pode

depender também de alterações no estado do solo, como degradação ou alteração no tipo de uso, ou

da existência de uma nova infra-estrutura hidráulica que capte caudais, como seja uma barragem.

Por fim, poderá ter lugar a seca socioeconómica que como o nome indica, ocorre quando os impactes

devidos ao continuado défice de precipitação atingem a sociedade e as actividades económicas.

Define-se, por isso, como o desequilíbrio entre a oferta de água e a procura.

Existe ainda outra clarificação para secas: pontuais ou regionais, dependente somente da informação

considerada na sua análise. Se incidiu apenas sobre uma estação de monitorização climatológica

isolada, será uma seca pontual. No entanto se tiver sido considerado um conjunto de estações numa

dada área, passa a ser uma situação regional (Santos, 1998).

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As regiões podem ser bacias hidrográficas ou simplesmente áreas bem definidas. Existem diversas

maneiras de definir e tratar uma seca regional, sendo a mais simples considerar um conjunto de

postos udométricos e aplicar os polígonos de Thiessen, atribuindo assim, um peso a cada posto. Esta

metodologia tem a vantagem de após ponderação por aplicação do coeficiente de Thiessen, permite

estudar a seca como uma seca pontual. No entanto tal simplificação não é aceitável quando a região

considerada é extensa ou quando apresenta características climáticas ou fisiográficas diferentes.

Outra maneira de avaliar uma seca regional é através do conceito de área crítica (percentagem da

área total a partir da qual se considera que a região encontra-se sob seca). No entanto este conceito

depende da percentagem adoptada, o que significa que consoante a área critica considerada têm-se

eventos de seca em números diferentes e com diferentes durações e magnitudes (Hipólito & Vaz,

2011). Na investigação efectuada recorreu-se ao conceito de seca pontual, após se aplicar o método

do polígono de Thiessen ao cálculo da precipitação ponderada na bacia hidrográfica de cada estação

hidrométrica analisada, conforme oportunamente se retomará.

2.2.2 Variáveis instrumentais

Apesar de a seca depender claramente da precipitação esta não é a única variável que permite

descrever e caracterizar esse fenómeno, ou seja, não é a única variável instrumental. Com efeito,

consoante o tipo de seca existem outras variáveis instrumentais (Wilhite, 1985), conforme se

sistematiza seguidamente, em correspondência com o tipo de seca:

Seca meteorológica: evaporação, temperatura e humidade do ar.

Seca agrícola: água no solo, evapotranspiração.

Seca hidrológica: escoamento superficial, nível freático, volume de armazenamento em

albufeiras.

Seca socioeconómica: disponibilidade de água para abastecimento público e necessidade de

água da população.

2.2.3 Outros fenómenos de escassez de água

É importante também distinguir a seca, enquanto fenómeno natural temporário, de outros fenómenos

de escassez de água.

A aridez sendo também um fenómeno natural, é contrariamente à seca, permanente, ou seja, existe

uma constante escassez de água devido a níveis de precipitação anual média persistentemente

baixos. É, por isso uma característica climática da região onde ocorre (Hipólito & Vaz, 2011).

A desertificação ocorre em regiões áridas devido à degradação do solo. Este fenómeno, opostamente

aos dois anteriores, não é natural, tendo uma origem humana, por exploração indevida ou excessiva

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do terreno e dos recursos hídricos existentes, normalmente subterrâneos. Trata-se, também, de um

fenómeno permanente (Pereira, et al., 2002).

2.3 Impactes da seca

Os impactes atingem vários níveis e são sentidos de diferente modo, dependendo da escala

temporal, espacial e do tipo de região que atingem: sociais, económicos e ambientais. Como referido

em Hipólito & Vaz, 2011, “muitas vezes os impactos das secas são agravados pelos problemas

políticos, económicos e sociais subjacentes, que minam a capacidade de produção e de reacção a

desastres naturais de uma sociedade”.

Os impactes ambientais resultam do dano causado em animais, plantas, biodiversidade, habitats

naturais e na qualidade do ar, da água e do solo. Alguns destes impactes são temporários, ocorrem

apenas durante a seca. Contudo outros requerem tempo até que o sistema recupere o seu estado

normal, sendo que tal pode não acontecer, resultando em danos permanentes para aquele sistema.

Exemplifica um impacte permanente a erosão do solo que pode originar uma perda definitiva da

produtividade biológica da região (Monacelli, 2005).

Os impactes económicos podem decorrer de perdas na indústria, na agricultura, na pesca e em

negócios afins que dependam directamente das condições ambientais, como sejam o volume de

água disponível nas reservas subterrâneas e superficiais. As secas também são associadas a um

aumento significado de infestação de insectos, doenças em plantas e erosão pelo vento (Monacelli,

2005).

Os impactes sociais normalmente só são sentidos quando a seca é extrema e prolonga-se durante

um grande período de tempo, em que a saúde pública passa a estar em risco (Monacelli, 2005).Há

zonas do globo em que as condições de seca estão na génese da migração humana.

Os impactos podem também ser distinguidos em dois tipos: directos e indirectos (Hipólito & Vaz,

2011). Os primeiros consistem na diminuição do abastecimento urbano, prejuízos na agricultura,

indústria e produção de energia eléctrica. Podem também restringir a navegação em rios e a pesca

em águas interiores. As consequências indirectas são, por exemplo, a degradação da qualidade da

água, erosão do solo e pode mesmo potenciar a ocorrência e propagação de incêndios florestais.

2.4 Monitorização e mitigação

Sendo as consequências de uma seca tão abrangentes torna-se necessário fazer um estudo sobre

esse fenómeno. Contudo, tal estudo não visará, por regra, evitar uma seca, pois tal não é possível,

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mas antes contribuir para minimizar as suas consequências. Mas para entender o fenómeno é

necessário monitorizá-lo.

Para a monitorização de uma seca começa-se por escolher as varáveis instrumentais a avaliar, sendo

que, normalmente se escolhe a precipitação dada a sua relação directa com as ocorrências de seca,

mas também devido à disponibilidade de séries temporais extensas dessa variável e à facilidade do

seu tratamento. Outras varáveis muito usadas são o escoamento e o nível piezométrico.

De seguida escolhe-se o índice que melhor se adequa à análise pretendida e aos dados para o efeito

disponíveis. Depois, com base nos valores críticos pré-estabelecidos para esse índice, efectua-se a

análise das ocorrências de seca (Hipólito & Vaz, 2011).

Em Portugal, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) é responsável pela monitorização

de secas, estando a informação disponível para o público em geral no respectivo website. Com base

na informação, como precipitação e temperatura, retirada do SNIRH (Sistema Nacional dos Recursos

Hídricos), o IPMA monitoriza a evolução dos eventos de seca meteorológica, fornecendo informação

mensal sobre o grau de severidade e produzindo uma antevisão da evolução do fenómeno com base

em probabilidades de ocorrência. O instituto começou por o usar índice de Palmer (PDSI), explicado

no subtítulo 2.7 do presente documento, que foi implementado e calibrado para Portugal em 2003.

Esse índice é adequado para monitorização de secas agrícolas (Pires, 2003). Em 2009, em Lincoln

(EUA) foi estabelecido que o índice SPI deveria ser usado, em complemento do índice já usado por

cada país, para caracterizar as secas meteorológicas, assim como foi incentivado a divulgação da

informação no website de cada país. Deste modo o IPMA passou a usar os dois índices, o SPI e o

PDSI.

A monitorização regular permite associar a cada nível de seca medidas mitigadoras, mas para tal

torna-se também necessário um estudo das actividades socioeconómicas da região (como por

exemplo o consumo mensal de água). Para uma melhor eficiência do sistema de prevenção e

protecção de secas devem considerar-se dois períodos, um de situação normal (período em que não

se está perante um evento de seca) e situação de seca (Santos, 1998). No primeiro deve haver uma

gestão de recursos hídricos, uma monitorização e avaliação dos recursos hídricos e uma análise e

desenvolvimento de métodos de previsão e monitorização de secas.

Quando se detecta seca, ou, de preferência, quando se prevê uma seca deve ocorrer de imediato

uma alteração na estratégia dos recursos hídricos, e uma intensificação da disponibilidade dos

mesmos. Deve também fazer-se uma avaliação periódica dos impactos da seca e implementar

medidas mitigadoras (Santos, 1998).

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Em Portugal a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) exerce as funções de Autoridade Nacional da

Água e de Autoridade Nacional de Segurança de Barragens. Ou seja é responsável por gerir as

situações de seca e cheias, assim como por adoptar medidas excepcionais.

As medidas de mitigação dependem de região para região, pois cada região tem exigências hídricas,

características climáticas e disponibilidade de recursos hídricos diferentes, bem como capacidade de

aplicar medidas específicas (Hipólito & Vaz, 2011).

A mitigação pode ser feita de diferentes maneiras com base num planeamento adequado. Em

períodos de disponibilidade hídrica, podem, por exemplo, armazenar-se quantidades de água

superiores às necessárias de modo a compensar o período de seca, ou arranjar fontes alternativas de

água noutras cidades e regiões. É possível também diminuir a gravidade das consequências de uma

seca através de uma boa gestão do uso do solo e de práticas agrícolas adequadas, evitando assim a

degradação do solo e o mau uso (desperdício) dos recursos hídricos (Santos, 1998).

Cunha (1985) (referido em Hipólito & Vaz, 2011) definiu três categorias de medidas de mitigação

consoante a sua finalidade:

1. Aumento do abastecimento urbano de água.

2. Redução da procura de água.

3. Minimização dos impactos socioeconómicos da seca.

A primeira categoria não é de fácil implementação em países pobres pois passa pela construção de

barragens de modo a armazenar água para períodos de seca. Tal medida é também cara e pouco

eficiente em países com elevada evaporação. Existe uma alternativa a esta medida, que consiste na

exploração das reservas de água subterrânea nos períodos de seca, que nos países em

desenvolvimento é pouco usada, pois, à partida, espera-se que existam outras fontes de

abastecimento de água disponíveis. É preciso contudo, monitorizar a recuperação daquelas reservas

ou destas fontes no período húmido. Uma outra opção é a recolha e o armazenamento da água da

chuva ou o transporte de água proveniente de regiões que não estejam em seca. A dessalinização da

água do mar também é possível para suprir as necessidades de água; no entanto, não é uma medida

fácil ou de rápida implementação, tendo elevados custos.

A segunda categoria, redução da procura da água, pode ser conseguida com medidas como

campanhas de sensibilização da população para um melhor uso da água, e para a redução de

desperdícios. Compreende, também a medidas como a recirculação da água em processos

industriais ou reutilização da água em habitações. Outra alternativa consiste em impor restrições

através da redução de pressão da rede de abastecimento de água e proibir usos de água como rega

de jardins ou lavagem de carros, assim como aplicar multas por desperdício de água. Alternativas

como a tarifação podem também ser eficientes nestes períodos. Medidas adicionais podem ser uma

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melhor gestão das albufeiras de armazenamento e uma redução dos caudais ecológicos, e ainda a

substituição de culturas de irrigação por outras que consumam menos água.

A terceira e última categoria correspondente aos impactes socioeconómicos foca-se mais na previsão

e monitorização das secas assim como em programas de emergência alimentar e de apoio aos

agricultores, mesmo após o período de seca, visto os impactes da seca na agricultura se prolongarem

para além da ocorrência do fenómeno em si.

2.5 Previsão de ocorrência de secas

A seca não se encontra associada a um único factor ou variável instrumental, sendo por isso difícil de

prever. O tema de previsão de secas tem sido nos últimos anos amplamente estudado, sendo que

alguns dos resultados desses estudos podem ser vistos no website americano do Centro Nacional de

Mitigação de Secas, ou, como escrito originalmente em inglês, National Drought Mitigation Center

(NDMC, 2013).

Surgiram com esses estudos, várias metodologias de previsão de seca que podem ser agrupadas em

três categorias (Hipólito & Vaz, 2011):

1. Métodos baseados na análise de séries temporais, recorrendo a registos históricos de modo

a detectar ciclos.

2. Métodos baseados em correlações das variáveis hidrometeorológicas directamente

relacionadas com a seca (exemplo a precipitação).

3. Métodos baseados em modelos globais da circulação atmosférica e teleconexões (anomalias

climáticas correlacionadas em pontos geograficamente distantes).

As duas primeiras categorias não têm tido grande sucesso; no entanto a terceira tem tido um grande

desenvolvimento.

Um dos padrões de circulação atmosférica ou teleconexões mais estudadas é a ENSO (El Niño –

Southern Oscillation). El Niño é uma alteração de temperatura da superfície do oceano devido a uma

mudança de correntes e ventos. Este fenómeno ocorre na altura do Natal e a temperatura da água

tende a subir, provocando deslocações dos nutrientes, interrompendo assim a cadeia alimentar,

causando prejuízo nas economias locais que se baseiam na pesca (NDMC, 2013). El Niño costuma

ocorrer com um intervalo de 2 a 7 anos e dura cerca de 14 a 22 meses. É no entanto difícil prever a

sua intensidade ou duração exactas. Com este fenómeno ocorre muitas vezes The Southern

Oscillation, que consiste numa inversão da pressão atmosférica na superfície a este e oeste do

pacífico, sendo que os dois fenómenos em menção têm pressões opostas, ou seja quando um

apresenta uma pressão alta, a do outro é baixa. Existe também outro fenómeno idêntico, no qual a

temperatura em vez de subir desce, chamado La Niña. Hoje em dia sabe-se que durante um evento

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de ENSO, podem ocorrer secas em qualquer parte do mundo, sendo mais intensas na Austrália,

Índia, Indonésia, Brasil, este e sul de África, América central, e alguns zonas dos Estados Unidos da

América (NDMC, 2013). Não é ainda possível, no entanto, prever quando é que pode ocorrer um

evento de ENSO. Contudo, após o início do evento, sabe-se que irá ocorrer uma seca, permitindo,

assim, que cada país se prepare para o efeito.

2.6 Causas de uma seca

Para além de padrões climáticos globais como o ENSO, existem outras causas climáticas que podem

originar eventos de secas:

As altas pressões, que provocam movimentos nas massas de ar, impedindo a formação de

nuvens e consequentemente diminuindo a precipitação (NDMC, 2013).

A ausência de perturbações atmosféricas que conduzem à condensação e à ocorrência de

precipitação (Mendes, 2008).

Contudo, nem todas as causas são climáticas, existem também as causas antropogénicas, como o

crescimento excessivo da população, que provocam um aumento no consumo de água e na

ocupação do solo. O crescimento de uma cidade leva a uma diminuição dos espaços verdes, o que

diminui a quantidade de água no solo, que conciliado com uma má gestão, um mau uso e

desperdícios dos recursos hídricos, origina uma escassez de água (Mendes, 2008).

Segundo o IMPA, a situação geográfica de Portugal continental é favorável à ocorrência de secas,

causadas, na maioria das vezes por fenómenos meteorológicos de bloqueio, como por exemplo

acontece quando o anticiclone subtropical do Atlântico Norte se mantém numa posição que impede

que as perturbações da frente polar atinjam a Península Ibérica.

2.7 Modelos de caracterização de secas

2.7.1 Introdução

De modo a caracterizar e descrever uma seca, nomeadamente a sua duração, intensidade e

extensão espacial, foram desenvolvidos vários índices meteorológicos. As metodologias de cada

índice diferem na consideração, ou não, dos efeitos acumulativos das secas, no número e tipo de

variáveis instrumentais utilizados e do modo como determinam o início e o fim de cada seca.

Segue-se agora uma breve explicação dos índices mais conhecidos e utilizados no mundo,

nomeadamente PDSI, Decil e SPI sendo que apenas este último índice mereceu um maior detalhe,

uma vez que a investigação que se apresenta incidiu essencialmente sobre o mesmo. Vários estudos

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foram feitos em relação ao índice SPI, como por exemplo, Rosa, 2011, para além dos já referidos no

subcapítulo 2.1.

2.7.2 Palmer Drought Severity Index, PDSI

Palmer em 1965 desenvolveu o índice de severidade de seca, PDSI, que se baseia no balanço

hídrico mensal da camada superficial do solo. Este índice mede o défice total de água no solo e a sua

duração. Mais concretamente compara a quantidade de água no solo com a quantidade que haveria

em condições normais, definida a partir de valores médios (NDMC, 2013).

O seu cálculo baseia-se em cinco elementos do balanço hídrico: evapotranspiração, precipitação,

escoamento superficial, recarga de água no solo e perdas de água no solo. Considera também o

efeito da temperatura nas suas variáveis (Hipólito & Vaz, 2011). Precisa, no entanto, de registos

bastante longos para estar bem validado (Oliveira, 2007).

Verifica-se que no inverno o índice é bastante sensível à precipitação, quando a evaporação é

mínima, enquanto que no verão a temperatura passa a ter um papel mais importante. Constata-se,

também, que a resposta das anomalias da precipitação e da temperatura ocorre com alguns meses

de atraso. Apesar da vantagem em considerar a temperatura na classificação da seca, dificulta a

análise das implicações da variação da precipitação em relação à média (Mishra & Singh , 2010).

O PDSI usa na sua formulação um outro índice designado por índice de seca hidrológica calculada a

partir da diferença entre a precipitação normal e a que ocorreu, de modo a tornar o índice PDSI

comparável no tempo e espaço (Hipólito & Vaz, 2011).

Este índice permite uma classificação da seca em 11 categorias, cinco correspondentes à

classificação de seca, outras cinco à classificação de chuva e uma corresponde ao estado normal

(NDMC, 2013).

A principal vantagem do uso deste índice para medir secas é que já se encontra amplamente

estudado, aplicado e validado. O PDSI tem sido usado para monitorizar secas, para representar a

extensão de área afectada pelo fenómeno, o grau de severidade da seca, para investigar as

características espaciais e temporais da seca e delinear para as mesmas um comportamento

periódico (Mishra & Singh , 2010). Em Portugal Continental já se encontra implementado e calibrado

desde 2003 (Pires, 2003).

Este índice é bastante sensível à variação de água no solo, e considera os efeitos acumulativos de

uma seca, sendo por isso uma boa opção em zonas de agricultura de sequeiro, pois classifica

bastante bem os impactos na agricultura. Quer isto dizer, que é um índice que se ajusta melhor à

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análise da gravidade de uma seca agrícola, não representando tão bem a seca hidrológica (Hipólito &

Vaz, 2011).

Uma desvantagem deste índice é a dificuldade em comparar resultados obtidos em diferentes regiões

com balanços hídricos distintos. Acresce que não funciona bem em regiões com grande variabilidade

da precipitação e do escoamento superficial. Além disso, é extremamente sensível às características

do terreno e a sua fiabilidade depende grandemente da dimensão das séries históricas (Hipólito &

Vaz, 2011).

Tem também outras desvantagens, como o facto de a sua aplicação só ser possível para secas

pontuais, os limites de classificação da seca serem arbitrários, sem base estatística, e a necessidade

de ajustar as constantes da equação que define o método, pois estas foram estimadas para regiões

dos Estados Unidos (Hipólito & Vaz, 2011).

Em acréscimo às desvantagens mencionadas, existem limitações na formulação deste índice, pois é

considerado que a precipitação advém exclusivamente da chuva, o que em certos países não é

verdade, principalmente no inverno e em zonas montanhosas. É também considerado que só ocorre

escoamento quando todas as camadas do solo estão saturadas, o que leva a uma subestimação do

escoamento (Mishra & Singh , 2010).

2.7.3 Percentagem Normal de Precipitação, NP

A percentagem normal de precipitação, NP, é um índice bastante simples de usar e eficaz para

comparar valores numa dada região. É definido pela razão entre a precipitação observada e a

precipitação normal. Por precipitação normal entende-se a média da precipitação num período de 30

anos (NDMC, 2013).

Este índice pode ser calculado para diferentes escalas temporais, que podem ir desde um mês a um

conjunto de meses, dependendo do período específico que se quer analisar, que pode ser por

exemplo, uma estação do ano, ou até mesmo um ano hidrológico (NDMC, 2013).

A escala mais comum é de um ano, visto que para escalas inferiores a precipitação já não é definida

por uma lei normal (Gaussiana), o que implica que a média deixa de coincidir com a mediana (valor

que é excedido por 50% da ocorrência de precipitação), induzindo erros na análise (Monacelli, 2005).

O índice normal de precipitação é bastante eficaz na análise de uma região. No entanto, não permite

comparar entre regiões nem determinar a frequência de ocorrência de seca (NDMC, 2013).

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2.7.4 Método empírico dos Deciles/ quantis de precipitação

No método empírico dos deciles, desenvolvido por Gibbs e Maher em 1967 para resolver os

problemas da aplicação do NP, a distribuição temporal da precipitação acumulada num dado período

é dividida em dez intervalos com a amplitude percentual constante de 10%, chamados deciles

(Oliveira, 2007).

Existem, portanto, dez deciles, sendo que no décimo decil, a precipitação é alta, e no primeiro decil é

quase inexistente.

A classificação de seca é arbitrária sendo que normalmente se considera seca abaixo do quinto decil.

O primeiro decil representa a quantidade de precipitação que é excedida em noventa por cento das

ocorrências, ou seja, que tem uma probabilidade de ocorrência de dez porcento. Corresponde

portanto a uma seca extrema (Oliveira, 2007). Por definição, o quinto decil corresponde à mediana,

pois representa a quantidade de precipitação que é excedida em cinquenta por cento das ocorrências

(NDMC, 2013).

Este índice é usado na Austrália (local onde foi desenvolvido) para monitorização de secas. Tem a

vantagem de as secas regionais serem consideradas como a soma das secas pontuais (Hipólito &

Vaz, 2011) e de não usar tantos dados como o PDSI (NDMC, 2013).

Não obstante o método dos deciles ser de fácil aplicação, não considera o efeito cumulativo dos

défices de precipitação (Hipólito & Vaz, 2011). Para além disso depende também de dados climáticos

longos.

2.7.5 Standardized Precipitation Index, SPI

O índice padronizado de precipitação, que é um dos mais usados, foi desenvolvido por McKee et al.

(1993) para identificar períodos de seca e a sua severidade em diferentes escalas temporais a partir

de valores de precipitação.

As escalas podem ser de um, três, seis, doze ou vinte e quatro meses, sendo que as diferentes

escalas temporais reflectem atrasos de resposta dos diferentes sistemas de recursos hídricos. Assim,

por exemplo, para uma análise do teor de humidade do solo é mais adequado uma escala de três ou

seis meses, visto a seca agrícola ter uma resposta mais rápida às variações de precipitação. Uma

escala de doze meses é pois mais adequada para a seca hidrológica que tem uma resposta mais

lenta. Uma escala de dois anos permite uma análise no armazenamento em albufeiras e no

escoamento subterrâneo, que tem uma resposta ainda mais tardia (Hipólito & Vaz, 2011). À medida

que a escala temporal aumenta, mais lenta é a resposta do SPI às alterações da precipitação.

Equivalente a dizer que o número de eventos de seca diminui mas com durações maiores (McKee , et

al., 1993).

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15

O SPI fornece valores de défice de precipitação padronizados. Para tal segue-se um procedimento

em que, após a obtenção dos valores de referência de cada mês ou cumulativos, consoante a escala

temporal, transforma as precipitações em precipitações padrão, ou seja, com média nula e desvio-

padrão unitário. De seguida ajusta-se uma distribuição de probabilidades, que pode ser de Gama,

Pearson- III e log-Normal. Então, calcula-se a probabilidade cumulativa da função distribuição para os

valores de precipitação acumulativos observados, ou seja, comparam-se os valores de referência

com os observados. Por fim são as probabilidades cumulativas transformadas numa distribuição

normal com média nula e desvio-padrão unitário (Oliveira, 2007).

Isto é equivalente a dizer que o SPI atribuído a cada precipitação é o valor da normal reduzida

correspondente à probabilidade de não excedência do valor dessa precipitação de acordo com uma

das anteriores leis referidas. Assim, um valor negativo significa que a precipitação foi inferior à média,

e um positivo indica que foi superior.

O cálculo do índice dá-nos o défice de precipitação e pelo facto de estar normalizado permite uma

análise para períodos tanto secos, como húmidos.

Este índice permite calcular a duração da seca (número de meses que ocorrem entre o primeiro mês

como de seca e o último mês), a magnitude (somatório dos valores de SPI durante a ocorrência de

seca, tendo como unidade o mês) e a intensidade (máximo valor de SPI registado num dado mês no

decurso de uma seca) (McKee , et al., 1993).

Por ser um índice padronizado permite comparar entre diferentes locais e períodos de tempo. Exige

apenas que a série temporal das precipitações seja longa, ou seja, com pelo menos 30 anos (Hipólito

& Vaz, 2011).

Os valores deste índice dependem da distribuição de probabilidade escolhida, do método de

estimação dos parâmetros da distribuição, dos valores da amostra, da dimensão da série de

precipitação e da escala temporal de cálculo do índice.

As duas principais limitações deste índice são precisamente a dimensão da série histórica de

precipitação e a escolha da distribuição de probabilidades. Diferentes dimensões conduzem a valores

de SPI diferentes. Isto não ocorreria caso a distribuição de probabilidade fosse idêntica para qualquer

período de tempo, ou seja, independente da sua dimensão. Pois só assim é que os valores padrão

não se alterariam com a quantidade de dados utilizados no cálculo do índice. Além disso, diferentes

distribuições originam resultados diferentes do índice (Mishra & Singh , 2010). Verifica-se, também,

que para escalas superiores a dois anos (24 meses) a distribuição pode tornar-se tendenciosa devido

à limitação da sua dimensão da série (Mishra & Singh , 2010). Para tal, seriam necessárias séries

ainda maiores, o que nem sempre é possível por falta de dados históricos.

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16

Outro aspecto relevante, em termos de limitações do SPI, é que para climas secos, é normal ocorrer

precipitação nula. Assim, não é aconselhável usar escalas demasiado pequenas pois pode não se

verificar uma distribuição normal devido ao grande enviesamento na distribuição de precipitação

(Mishra & Singh , 2010). Escalas muito pequenas podem também verificar-se demasiado sensíveis,

conduzindo a uma discrepância entre o resultado do índice e a situação real de seca. É por isso

aconselhável um estudo do clima da região em análise, para uma melhor interpretação dos valores

do SPI.

Como referenciado em Santos & Portela, 2010, o SPI tem sido um indicador cada vez mais usado

pelas suas principais vantagens:

Grande flexibilidade podendo ser aplicado a diferentes escalas temporais (McKee , et al.,

1993), ou seja, tem uma grande versatilidade permitindo uma monitorização de diferentes

tipos de seca, como agrícola e hidrológica, permitindo também acompanhar o

desenvolvimento e declinação do evento de seca (Hayes , et al., 1999).

Menor complexidade, comparativamente a outros índices, especialmente relativamente ao

PDSI, cuja complexidade da sua formulação é grande (Hayes , et al., 1999).

Grande capacidade de aplicação a outras variáveis hidrológicas para além da precipitação,

tal como escoamento (McKee , et al., 1993).

Boa adequação à representação espacial e à comparação de secas em regiões distintas

(Hayes , et al., 1999).

Não depende das condições do solo nem da topografia do terreno, tornando-se igualmente

eficiente durante o Inverno e no Verão (Hayes , et al., 1999).

2.8 Modelo aplicado

Devido às vantagens referidas para o índice SPI, associadas ao facto de apenas precisar de uma

variável instrumental, optou-se por aplicar tal índice na análise objecto de investigação (contributo das

barragens na ocorrência ou agravamento de eventos de seca).

Houve autores que estudaram o melhor índice a aplicar em Portugal como é o caso de Domingos,

2006, que fez uma análise entre o SPI e PDSI, onde refere que, apesar de terem uma boa correlação,

o SPI tem vantagens na simplicidade do método e na variedade das escalas temporais que permite

analisar.

Há que referir que o autor sugere a aplicação da distribuição Gama para o ajustamento das

precipitações normalizadas. No entanto, no procedimento de cálculo do SPI aplicado a este estudo,

usou-se a lei probabilística de Pearson III, por ser a que melhor se adequa às séries de precipitação,

para qualquer escala temporal (Vicente-Serrano, 2006). O procedimento de cálculo do SPI foi

efectuado de acordo com o disposto em Santos & Portela, 2010.

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17

Para a classificação das classes das seca por categoria é necessário estabelecer limites para o SPI,

que de acordo com Agnew, 2000, são:

Tabela 1 – Categorias de secas para valores de SPI segundo Agnew, 2000.

SPI Categoria da seca

- 1.28 <SPI <- 0.84 Seca moderada

- 1.65 <SPI <- 1.28 Seca severa

-1.65 >SPI Seca extrema

Sendo que este índice foi definido para séries de precipitação, o estudo no capítulo seguinte, capítulo

3, avalia a possibilidade de aplicar o índice a séries de escoamento. Os próprios autores do índice,

McKee et al.,1993, referem que a metodologia pode ser aplicada a outras variáveis.

Por último falta referir o conceito de médias móveis, o qual foi aplicado de modo a facilitar a leitura de

valores do SPI. Média móvel n é uma média que se aplica a n valores da totalidade dos dados,

contudo, como o nome indica, a média é móvel, ou seja, os n valores que são considerados para a

média vão mudando, mais concretamente o primeiro e o último, sendo que o primeiro será excluído e

o último será adicionado.

As médias móveis são importantes de se aplicar aos valores dos SPI, pois para além de facilitarem a

leitura gráfica, permitem eliminar as secas pontuais ou as secas sem expressão efectiva, aquando do

cálculo do índice a escalas temporais reduzidas. Considera-se que uma seca tem pouca expressão

efectiva quando tem curta duração e baixa magnitude. As médias móveis possibilitam também

agrupar as secas mutuamente dependentes. Secas dependentes ocorrem sucessivamente mas

separadas por valores pontuais de valores positivos de SPI, ou acima do limiar de seca, convém, por

isso, agrupar as secas mutuamente dependentes de modo a melhor avaliar a intensidade e duração

da seca que efectivamente ocorre. Diz-se então que as médias móveis têm um efeito de alisamento,

ou smoothing (Santos & Portela, 2010).

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19

3. SPI avaliado a partir de séries de precipitação e de

escoamento. Casos de estudo.

3.1 Introdução

Tendo sido explicado os principais índices e as vantagens do índice SPI, procede-se à aplicação

desse mesmo índice às séries de escoamentos e de precipitações nos nove casos de estudo, com o

intuito de averiguar se conduzem à detecção dos mesmos eventos de seca ou, pelo menos, de

eventos correlacionáveis. Para tal, e em cada caso de estudo, comparam-se graficamente os SPI a

diferentes escalas temporais, estimados com base naquelas duas variáveis, e avalia-se a correlação

entre esses SPI, a qual traduz a capacidade de aquelas variáveis detectarem ou não os mesmos

eventos de seca. Uma análise afim foi apresentada por autores como Santos & Portela, 2010, tendo

estes autores chegado à conclusão de que a aplicação dos SPI às séries de escoamento e de

precipitações conduzia à identificação dos mesmos eventos de seca.

Este capítulo inicia-se com a localização e caracterização dos nove casos de estudo seleccionados,

seguindo-se uma breve caracterização de informação hidrológica utilizada, após o que são

apresentados os resultados obtidos em forma de gráficos cronológicos, de dispersão e outros. Por

último são apresentadas as conclusões que daí advêm, através de uma análise por escala temporal e

por valores de precipitação média anual.

3.2 Casos de estudo

Para a análise da correlação dos SPI (aplicados às séries de precipitação e de escoamento) foram

seleccionadas nove estações hidrométricas, para as quais Santos, 2007, obteve as precipitações e os

escoamentos mensais para um período de 94 anos, compreendidos entre 1910/11 a 2003/4. A

selecção de tais estações decorreu exclusivamente na maior disponibilidade de dados já trabalhados

para as mesmas, nomeadamente no que respeita a precipitações ponderadas nas respectivas bacias

hidrográficas (Santos, 2007).

As estações hidrométricas analisadas situam-se em quatro bacias hidrográficas em Portugal, sendo

que cinco inserem-se na bacia hidrográfica do rio Douro, duas na bacia hidrográfica do rio Guadiana,

uma na bacia hidrográfica do rio Tejo e outra na bacia hidrográfica do rio Sado. Na Tabela 2 e 3

explicitam-se as bacias hidrográficas, as estações hidrométricas e os postos udométricos que lhes

correspondem. Para cada estação estão também indicados os valores anuais médios do escoamento

e da precipitação ponderada na respectiva bacia hidrográfica, no período de 1910/11 a 2003/04. O

período de registo é coincidente para todos os casos de estudo, e em cada estação hidrométrica é

comum aos escoamento e às precipitações.

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20

Tabela 2 – Casos de estudo inseridos na bacia hidrográficado do rio Douro. Características gerais das

estações hidrométricas e dos postos udométricos no período de 1910/11 a 2003/04.

Posto

udométricoPeso (%)

Precipitação

anual média

(mm)

Gondiaes

(04J/05)30

Couto de

Dornelas

(04J/03)

24

Vilar do

Porro

(03K/08)

46

Pendilhe

(08J/05) 37

Touro

(08K/01) 14

Vila Nova de

Paiva

(08K/02)

22

Ariz (08L/04) 27

Gralheira

(07J/05) 1

Marco de

Canaveses

(06I/02)

6

Mosteiro do

Cabril

(08I/01)

92

Sobrado de

Paiva

(07H/02)

1

Moimenta da

Raia (02P/01) 49

Montezinho

(02Q/01) 21

Celas

(03P/01) 7

Vinhais

(02O/02) 23

Cervos

(03K/05) 33

Barracao

(03K/06)35

Firvidas

(03K/04) 32

Vale Giestoso Beça

Tuela

CabrizRibeira de

Sampaio

799.98 1637.84

17 815.55

455 745.60

288

1530.95

78 627.14 1147.18

1195.62

Bacia

hidrográfica

Estação

hidrométrica

Curso de

água

Castro Daire Paiva

Rio Douro

Vinhais Quinta da

Ranca

Escoamento

anual

médio (mm)

Precipitação

1665.43Cunhas Beça 337 889.34

Área da

bacia

hidrografica

(km2)

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21

Tabela 3 - Casos de estudo inseridos na bacia hidrográficado rio Sado, Tejo, e Guadiana. Caracteristicas

gerais das estações hidrométricas e dos postos udométricos no período de 1910/11 a 2003/04.

Na Figura 1 tem-se um mapa de Portugal com a representação das diversas bacias hidrográficas

portuguesas para melhor se localizar as bacias em estudo. Estão também indicadas as localizações

das estações hidrométricas, objecto de estudo nesta investigação, sendo que a estação de Covas

será apenas analisada no capítulo 4 do presente documento.

Posto

udométricoPeso (%)

Precipitação

anual média

(mm)

Alcacovas

(23I/01)16

Santiago do

Escoural

(22/H02)

18

Torrao

(24H/01)6

Viana do

Alentejo

(24I/01)

60

Cabeco de

Vide

(19L/01)

70

Alter do

Chao

(18L/01)

30

Gioes

(29K/02)28

Penedos

(29K/04) 16

Catraia

(30J/02) 11

Sobreira

(30I/02) 20

Santa Cruz

(29J/03) 25

Aljustrel

(26I/03) 5

Castro

Verde

(27I/01)

74

Trindade

(26J/01) 21

647.59

655.43

AlbernoaRibeira de

Terges170 96.61 525.02

Estação

hidrométrica

Curso de

água

Área da bacia

hidrografica

(km2)

Escoamento

anual

médio (mm)

Rio

Guadiana

VascãoRibeira do

Vascão428 221.10

Ribeira do

Xarrama245 305.62

Precipitação

Rio SadoTorrão do

Alentejo

Ribeira do

Xarrama468 156.63 729.58

Bacia

hidrográfica

Rio TejoCouto

Andreiros

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22

Figura 1 – Mapa de Portugal com representação das principais bacias hidrográficas e localização

esquemática das estações hidrométricas estudadas no presente documento. (Mapa adaptado da Carta da

Hidrografia Continental - Principais Bacias Hidrográficas fornecido pela APA, 2013).

No Anexo 1 apresentam-se as precipitações mensais nas bacias hidrográficas em estudo, de acordo

com Santos, 2007, bem como os escoamentos retirados do SNIRH para as correspondentes

estações hidrométricas, ambos utilizados para determinar os SPI. As séries cronológicas assim

obtidas para as precipitações e escoamentos anuais são apresentadas na Figura 2.

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23

Figura 2 - Diagramas cronológicos das precipitações (linha azul) e dos escoamentos (linha vermelha) anuais nas bacias hidrográficas dos casos de estudo no

período de registo de 94 entre 1910/11 a 2003/4 (nos diagramas EH designa estação hidrométrica).

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3.3 Resultados

A partir das precipitações e dos escoamentos mensais e atendendo à metodologia descrita no

capítulo 2, calcularam-se1 os SPI para quatro escalas temporais: um, três, seis e doze meses. Estas

serão as escalas temporais em que o estudo se centrará, pois, como referido, são representativas

desde a seca meteorológica à seca hidrológica.

De modo a facilitar a leitura dos resultados, adoptaram-se dois gráficos distintos. O primeiro

corresponde às séries de SPI em função do tempo, cuja unidade é o mês, ou seja, representa a

sequência temporal dos SPI resultantes da série de precipitação e de escoamento em função dos

meses. O segundo fornece a dispersão daqueles valores, para o que os SPI aplicados às séries de

escoamento são representados em função dos SPI decorrentes de séries de precipitação. Estes

últimos diagramas foram completados com os segmentos de recta a 45°. Quanto mais próximos

desses segmentos se distribuírem os pontos neles representados, tanto mais próximas são as

estimativas dos SPI decorrentes de séries de preciptação e de escoamentos. Para cada um destes

dois tipos de gráficos representam-se os valores em si, bem como as correspondentes médias

móveis. Os incrementos adoptados para estas médias são de 10, para as escalas temporais de um,

três e seis meses, e de 5, para doze meses, Santos & Portela, 2010.

Assim as próximas nove figuras (Figuras 3 a 11) contêm os gráficos referidos para os diferentes

casos de estudo.

1 Programa de cálculo automático fornecido no âmbito da orientação científica da presente

dissertação de Mestrado.

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25

Figura 3 – Estação hidrométrica de Cunhas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas.

Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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Figura 4 – Estação hidrométrica de Castelo Daire. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias

hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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27

Figura 5 – Estação hidrométrica de Cabriz. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas.

Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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28

Figura 6 – Estação hidrométrica de Vinhais Quinta da Ranca. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas

bacias hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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29

Figura 7 - Estação hidrométrica de Vale Giestoso. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias

hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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30

Figura 8 - Estação hidrométrica de Torrão do Alentejo. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias

hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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31

Figura 9 - Estação hidrométrica de Couto de Andreiros. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias

hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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Figura 10 - Estação hidrométrica de Vascão. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas.

Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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33

Figura 11 - Estação hidrométrica de Albernoa. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estações hidrométricas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias

hidrográficas. Período de registos de 1910/11 a 2003/04.

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34

Em linhas gerais e atendendo essencialmente aos gráficos obtidos a partir de médias móveis, por

terem mais fácil leitura, verifica-se que, para cada caso de estudo, existe uma concordância no

andamento dos diagramas cronológicos representativos de um SPI a uma mesma escala temporal,

embora avaliado a partir de precipitações ou de escoamentos. Nalguns casos note-se uma espécie

de translação entre diagramas, que, contudo, exibem um padrão de variabilidade temporal

semelhante.

Os pontos representados nos diagramas de dispersão alinham-se muito consideravelmente segundo

os segmentos de recta a 45⁰ denotando claramente a proximidade entre estimativas dos SPI

decorrentes de séries de precipitação e de escoamento. Tal proximidade é tanto maior quanto maior

é a escala temporal dos SPI.

3.4 Conclusões

No presente subcapítulo precede-se à organização dos resultados apresentados em 3.3 de modo a

permitir comparar os SPI obtidos a partir de séries de precipitação e de escoamento. Para o efeito,

organizou-se na Tabela 4, para cada caso de estudo e escala temporal de SPI, o número de

ocorrências de secas, o valor mínimo da série de SPI, bem como a média e desvio-padrão dessa

série.

Para facilitar a leitura da tabela sombreou-se as situações mais gravosas, entendendo-se por tal as

situações que apresentam:

Um número de ocorrências de seca maior.

Um menor valor mínimo de SPI (seca mais intensa).

Uma média menor (que implica uma intensidade de seca maior).

Um desvio-padrão maior (que descreve uma maior variabilidade temporal do fenómeno).

As cores utilizadas na tabela, não têm qualquer outra relevância, para além de facilitar a leitura.

Considerou-se que uma seca ocorre para valores de SPI inferiores a -0.84, como descrito na Tabela

1, de acordo com a escala estabelecida por Agnew, 2000.

Os casos de estudo estão organizados por ordem decrescente do valor da precipitação anual média.

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35

Tabela 4 – Secas identificadas pelos valores de SPI aplicados a séries de precipitação e de escoamento.

Características relativas a cada escala temporal para os diferentes casos de estudo.

Nota: para cada caso de estudo indicam-se, entre parêntesis, os valores anuais médios da precipitação e do

escoamento.

Na Tabela 4 pode verificar-se que, para os casos em que os recursos hídricos são abundantes como

acontece nas três primeiras estações hidrométricas indicadas na tabela, e para escalas temporais

superiores a 1 mês, o número de ocorrências de seca é sempre superior nas séries de escoamento.

No entanto, os outros parâmetros (valor mínimo, média e desvio-padrão) são mais gravosos para as

séries de precipitação, embora as diferenças na média e no desvio-padrão sejam pequenas. Para o

valor mínimo de SPI a diferença já é mais significativa. Conclui-se assim que para a estação

SPI Ocorrência de seca Precipitações Escoamentos Precipitações Escoamentos Precipitações Escoamentos

Número de ocorrências 212 223 224 205 219 205

Valor mínimo -4.05 -3.92 -4.27 -3.96 -2.95 -4.25

Média -1.31 -1.36 -1.33 -1.53 -1.32 -1.34

Desvio-padrão 0.47 0.58 0.50 0.68 0.38 0.46

Número de ocorrências 217.00 234.00 226.00 231.00 226.00 238.00

Valor mínimo -5.07 -3.75 -4.79 -4.07 -5.23 -4.03

Média -1.44 -1.39 -1.40 -1.36 -1.38 -1.36

Desvio-padrão 0.54 0.54 0.57 0.53 0.49 0.49

Número de ocorrências 218.00 232.00 238.00 246.00 217.00 242.00

Valor mínimo -3.84 -2.93 -3.01 -2.24 -4.46 -2.80

Média -1.41 -1.35 -1.32 -1.28 -1.41 -1.32

Desvio-padrão 0.53 0.40 0.41 0.32 0.48 0.35

Número de ocorrências 207.00 211.00 222.00 233.00 199.00 230.00

Valor mínimo -4.63 -3.23 -2.89 -2.37 -3.51 -2.35

Média -1.45 -1.43 -1.39 -1.36 -1.47 -1.34

Desvio-padrão 0.53 0.47 0.40 0.33 0.56 0.36

SPI Ocorrência de seca Precipitações Escoamentos Precipitações Escoamentos Precipitações Escoamentos

Número de ocorrências 233 211 217 238 193 84

Valor mínimo -4.42 -4.68 -4.36 -4.39 -2.08 -2.16

Média -1.32 -1.65 -1.31 -1.37 -1.25 -1.16

Desvio-padrão 0.46 0.88 0.40 0.57 0.28 0.41

Número de ocorrências 225.00 233.00 226.00 225.00 240.00 159.00

Valor mínimo -5.00 -4.60 -2.54 -3.38 -3.93 -2.25

Média -1.41 -1.43 -1.39 -1.41 -1.36 -1.11

Desvio-padrão 0.51 0.62 0.41 0.50 0.47 0.28

Número de ocorrências 223.00 218.00 224.00 223.00 226.00 240.00

Valor mínimo -3.12 -4.10 -2.62 -4.19 -3.07 -2.94

Média -1.39 -1.43 -1.39 -1.41 -1.37 -1.22

Desvio-padrão 0.43 0.46 0.40 0.45 0.39 0.37

Número de ocorrências 228.00 235.00 227.00 223.00 222.00 251.00

Valor mínimo -2.63 -2.52 -2.86 -4.57 -2.90 -1.87

Média -1.38 -1.37 -1.40 -1.41 -1.33 -1.21

Desvio-padrão 0.36 0.37 0.40 0.52 0.41 0.23

SPI Ocorrência de seca Precipitações Escoamentos Precipitações Escoamentos Precipitações Escoamentos

Número de ocorrências 218 104 182 88 177 0

Valor mínimo -2.97 -2.97 -2.24 -1.85 -2.09 0.00

Média -1.33 -1.63 -1.26 -1.25 -1.22 -

Desvio-padrão 0.40 0.67 0.31 0.28 0.32 -

Número de ocorrências 231.00 164.00 232.00 142.00 222.00 0.00

Valor mínimo -3.58 -3.57 -3.72 -2.00 -3.28 0.00

Média -1.40 -1.42 -1.37 -1.22 -1.35 -

Desvio-padrão 0.51 0.71 0.52 0.29 0.39 -

Número de ocorrências 224.00 225.00 233.00 202.00 214.00 0.00

Valor mínimo -5.32 -3.85 -2.54 -2.03 -2.89 0.00

Média -1.42 -1.41 -1.35 -1.27 -1.40 -

Desvio-padrão 0.55 0.63 0.36 0.31 0.43 -

Número de ocorrências 216.00 199.00 239.00 221.00 196.00 168.00

Valor mínimo -3.21 -4.46 -2.90 -2.72 -3.05 -1.47

Média -1.40 -1.47 -1.33 -1.37 -1.49 -1.10

Desvio-padrão 0.50 0.51 0.39 0.42 0.45 0.16

Couto Andreiros (647.59; 305.62)

Torrão do Alentejo (729.59;156.63)

Estação hidrométrica

Estação hidrométrica

Estação hidrométrica

Albernoa (525.02; 96.61)

Cabriz (1530.95; 815.55)

SPI 1

SPI 3

SPI 12

Vinhais Quinta da Ranca (1195.62; 745.60)

SPI 1

SPI 3

SPI 6

SPI 12

Cunhas (1665.43; 889.34) Castro Daire (1637.84; 799.98)

Vale Giestoso (1147.18; 627.14)

SPI 6

SPI 12

Vascão (655.43; 221.10)

SPI 1

SPI 3

SPI 6

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36

hidrométrica de Cunhas, Castro Daire e Cabriz as características mais gravosas ocorrem para a série

de precipitação, excepto no SPI1, sendo que as diferenças entre o SPI aplicado a séries de

precipitação e o SPI aplicado a séries de escoamento são pequenas, indicando que identificam de

modo similar os eventos de seca.

Contudo, já se verifica o contrário para o caso de Vinhais Quinta da Ranca e de Vale Giestoso, ou

seja, a situação mais gravosa ocorre para a série de escoamento. É de referir que as situações em

que o SPI decorrente de séries de precipitação é mais gravoso, a diferença para o SPI aplicado à

série de escoamento é pequena.

Quer isto dizer que, nestas cinco estações referidas com precipitações anuais médias elevadas, o

SPI aplicado à série de escoamento e o SPI decorrente de série de precipitação detectam eventos de

seca similares.

Na estação hidrométrica de Vascão, à medida que a escala temporal aumenta, as situações mais

gravosas ocorrem para o SPI aplicado à série de escoamento. No entanto, para escalas temporais

pequenas o SPI decorrente de séries de precipitação detecta mais eventos de seca, notando-se uma

diferença grande entre os resultados obtidos dos dois SPI.

Nos dois últimos casos, que têm a menor precipitação média anual de todos os casos estudados e na

estação de Torrão do Alentejo, o SPI aplicado à série de precipitação é mais gravoso. Sendo que, no

caso de Albernoa, nem ocorre seca pelo SPI decorrente da série de escoamento, a não ser para

escalas temporais iguais ou superiores a 12, que representam precisamente a seca hidrológica.

Conclui-se então que nos casos de estudo em que os escoamentos são baixos, como sejam os dois

últimos casos, o sistema hidrológico, como já está habituado à escassez hídrica, não detecta desvios

em relação à média para escoamentos baixos, o que implica que não “entende” tais escoamentos

como situações de seca.

De modo a prosseguir com a análise comparativa, organizaram-se os valores de SPI em classes de

seca, descritas na Tabela 1. Obtiveram-se então os seguintes gráficos onde estão representados o

número de ocorrências para cada classe (gráfico de barras), extrema, severa ou moderada, e a

respectiva média dos SPI (gráfico de linhas). Os gráficos estão agrupados por casos de estudo, na

Figura 12, e por escala temporal, na Figura 13.

Mais uma vez os casos de estudo foram organizados por ordem decrescente do valor da precipitação

média anual. Nos gráficos estão representadas três cores distintas para identificar cada classe de

seca, tal como indicado na legenda. No Anexo 2 apresentam-se as tabelas com os valores que deram

origem às Figuras 12 e 13.

Page 55: Modelação de secas. Aplicação a casos de estudo. · eventuais secas, a jusante da infra-estrutura, advêm dos caudais libertados pela barragem e não das condições de precipitação

37

Figura 12 – Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média do SPI

(linhas), divididas por escala temporal, para os diversos casos de estudo, organizados por ordem

decrescente da precipitação média anual.

Page 56: Modelação de secas. Aplicação a casos de estudo. · eventuais secas, a jusante da infra-estrutura, advêm dos caudais libertados pela barragem e não das condições de precipitação

38

Tal como se verificou na análise da Tabela 4, o número de ocorrências de seca é superior para o SPI

decorrente da série de escoamento nos casos em que tanto a precipitação como o escoamento anual

média são elevados. Relativamente ao valor da média, para as duas primeiras classes, seca

moderada e seca severa, a diferença entre o SPI aplicado à série de precipitação e o aplicado à série

de escoamento é mínima, contudo para a classe de seca extrema, as diferenças já são maiores,

sendo que na maioria das vezes é mais gravosa para o SPI decorrente de série de escoamento.

Na análise à Figura 12 confirma-se o antes descrito, de que o SPI aplicado à série de escoamento

não consegue detectar tantos eventos de secas quanto o SPI aplicado a séries de precipitações nos

casos em que o escoamento anual médio é baixo (como é o caso do Torrão do Alentejo, Vascão,

Couto Andreiros e Albernoa). Esta característica é justificável pois à medida que a altura do

escoamento anual médio diminui, aumenta a variabilidade temporal, sendo que a aridez é tal que a

escassez de escoamento pode não ser indicativa de seca.

Na Figura 13 apresenta-se um estudo comparativo, idêntico ao anterior, mas na perspectiva das

escalas temporais utilizadas. Esta organização permite avaliar melhor o comportamento dos SPI para

as diferentes escalas, permitindo uma conclusão mais generalista acerca das que conduzem à

identificação de eventos mais gravosas quando se consideram séries de precipitação ou séries de

escoamento.

Mais uma vez, as cores são representativas das três classes de seca e os casos de estudo estão

organizados por ordem decrescente da precipitação anual média.

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39

Figura 13 – Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média (linhas)

dos SPI para todos os casos de estudo, organizados por ordem decrescente da precipitação média anual.

Page 58: Modelação de secas. Aplicação a casos de estudo. · eventuais secas, a jusante da infra-estrutura, advêm dos caudais libertados pela barragem e não das condições de precipitação

40

Figura 13 (continuação) – Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências e média

dos SPI para todos os casos de estudo, organizados por ordem decrescente da precipitação média anual.

Para estações hidrométricas com escoamentos anuais médios baixos, o SPI aplicado à série de

escoamento não consegue detectar secas para escalas temporais pequenas, como é o caso de um e

três meses, como se constata na Figura 13. Com o aumento do incremento temporal começa haver

acumulação de escoamento e o índice passa a ser capaz de identificar secas.

Independentemente do escoamento anual médio da estação hidrométrica verifica-se que as

diferenças entre o SPI decorrente da série de precipitação e de escoamento vão atenuando-se com o

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41

aumento do incremento temporal. Constata-se também que, excepto os dois últimos casos de estudo

que são caracterizados por precipitações anuais médias mais baixas, na maioria das vezes é mais

gravoso o SPI estimado a partir das séries de escoamento do que o decorrente das séries de

precipitação.

Pode, então, concluir-se que os desvios das variáveis hidrológicas em relação aos valores médios

indicativos de seca são mais facilmente detectáveis nas séries de escoamento, quando existe uma

maior disponibilidade hídrica, e nas séries de precipitação, quando aquela disponibilidade é menor.

Sendo assim, quando o escoamento anual médio é baixo, não é aconselhável aplicar o SPI à série de

escoamento para detectar secas a escalas temporais pequenas, pois o índice não é tão sensível a

esses eventos.

Em suma, atendendo tanto aos resultados precedentes, como aos apresentados em 3.3, pode

concluir-se que as diferenças verificadas entre os SPI calculados a partir de séries de precipitação e

de escoamento são relativamente pequenas, sendo que em grande parte dos casos de estudo

resultaram secas mais gravosas quando identificadas com bases em séries de escoamento. Face a

estes resultados espera-se que a aplicação do SPI a séries de escoamentos permita também

detectar eventos de secas. Obviamente que a generalização desta expectativa requereria a análise

de um maior número de casos de estudo.

Com base nesta conclusão prossegue-se, no capítulo seguinte, com o objecto desta investigação:

avaliar o efeito induzido no escoamento por albufeiras de regularização nos eventos de seca.

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42

4. Aplicação do SPI à caracterização do efeito induzido

no escoamento por albufeiras

4.1 Introdução

Nesta parte final do trabalho procede-se à aplicação dos resultados antes alcançados por forma a

avaliar a influência de barragens, com albufeiras de regularização, na alteração do regime hidrológico

e no eventual consequente agravamento de secas a jusante daquelas infra-estruturas. Com efeito,

uma vez que uma dada barragem seja construída, as secas que eventualmente se registem a jusante

da mesma já não advêm das condições de precipitação ocorrentes na bacia hidrográfica, mas antes

das séries de caudais libertadas pela barragem para jusante. Por tal motivo é importante averiguar a

capacidade do SPI aplicado a escoamentos detectar eventos de seca similares ao SPI resultante de

precipitações, pois a variabilidade hidrológica, induzida por aproveitamentos hidráulicos, é

caracterizada pelas séries de escoamento.

Seleccionado o caso de estudo – a barragem de Vilarinho das Furnas – a investigação inicia-se pela

aplicação da análise efectuada no capítulo anterior de modo a confirmar que, de facto, para este caso

específico, o índice SPI aplicado a séries de escoamento detecta eventos de seca similares ao SPI

obtido através das séries de precipitação. Em linhas gerais, utilizaram-se os registos de precipitação

e de escoamento no período de 1955 a 2002.

Os escoamentos em regime natural anteriores à construção da barragem, ou seja, anteriores a 1972,

e a série de precipitações no período global estão disponíveis no website SNIRH, Sistema Nacional

de Informação de Recursos Hídricos. Verifica-se, no entanto, que os registos de precipitação não se

encontram completos, sendo necessário recorrer a um método de preenchimento de séries de

precipitação, explicado em devido subcapítulo. Para estimar a série de escoamentos mensais em

regime natural, no período após a construção da barragem, procedeu-se à transposição de uma série

de escoamentos registada numa estação hidrométrica, de acordo com o procedimento de Portela &

Quintela, 2005, apresentado em devido subcapítulo.

Confirmada a capacidade do SPI aplicado a séries de escoamento detectar ocorrências de secas de

algum modo equivalentes ao SPI resultante de séries de precipitação, como oportunamente se

demonstrará, a influência do aproveitamento nas características das secas a jusante do mesmo é

avaliada mediante o cálculo dos SPI tendo por base os escoamentos modificados, ou seja, sob a

influência da barragem, entre 1972 e 2002, e os escoamentos que nesse mesmo período ocorreriam

em regime natural caso o aproveitamento não tivesse sido executado.

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43

Como antes mencionado, a anterior análise foi efectuada tendo por base a barragem de Vilarinho das

Furnas, propriedade da EDP, situada no distrito de Braga. Os registos dos escoamentos a jusante de

tal infra-estrutura foram obtidos da estação hidrométrica de Covas – Figura 15.

O presente capítulo compreende as seguintes etapas:

1. Explica-se a base teórica dos modelos aplicados, designadamente, de transposição dos

escoamentos e de preenchimento de falhas nas séries de precipitação.

2. Descrevem-se as características da barragem, das estações hidrométricas e dos postos

udométricos considerados na análise.

3. Apresentam-se os dados de base utilizados.

4. Apresentam-se os resultados e as conclusões que daí advêm.

A apreciação do efeito da barragem de Vilarinho das Furnas na propagação de secas a jusante da

mesma teve como referência um estudo equivalente apresentado por López-Moreno et al., 2009,

2013, para a barragem de Alcântara, situada no rio Tejo, na fronteira entre Portugal e Espanha.

4.2 Modelo de transposição

De modo a obter os escoamentos mensais em regime natural após 1972 (ano em que a barragem de

Vilarinho das Furnas entrou em funcionamento), ou seja, caso não existisse barragem, foi necessário

recorrer a um modelo de transposição de séries de escoamento apresentado de seguida.

Na ausência de informação hidrométrica, ou simplesmente na presença de falhas de registos em

séries de escoamento, é possível obter essa informação ou completar esses registos por

transposição de uma série de escoamento de outra estação hidrométrica (Portela & Quintela, 2005).

Para tal, há que ter em consideração que o escoamento anual médio expresso em altura de água

sobre a bacia hidrográfica ( representa uma medida de variabilidade temporal relativa do

escoamento (Portela & Quintela, 2000). Quer isto dizer que, é um parâmetro que sintetiza as

características das séries de escoamento, tanto anual, mensal ou diário, e, como tal, pode ser

utilizado como parâmetro de transposição de informação hidrométrica (Portela & Quintela, 2000).

Quanto mais baixo for o escoamento anual médio expresso em altura de água, equivalente a dizer

quanto mais árida for a bacia hidrográfica, maior é a variabilidade relativa do escoamento, quer inter

como intra-anualmente (Portela & Quintela, 2005).

Tal constatação implica que, as séries de escoamentos registadas em estações hidrométricas

dominando bacias hidrográficas com valores de suficientemente próximos, têm variabilidades

temporais relativas também próximas. Este é o critério para transpor uma série de escoamentos de

uma secção de rede fluvial para outra secção sem informação hidrométrica: as bacias hidrográficas

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44

relativas a ambas as secções devem apresentar alturas do escoamento anual médio próximas,

obviamente para além de constrangimentos geológicos e de uso e ocupação do solo afins. (Portela &

Quintela, 2005).

Para transpor a série de escoamento relativo à estação com registos multiplica-se o valor do

escoamento aí medido em cada mês, dia ou ano, identificado por pelo quociente entre os

escoamentos anuais médios relativos à estação sem registos hidrométricos (em numerador, ) e na

estação com aqueles registos (em denominador, ), conforme exprime a seguinte equação, em que

o índice 1 representa a estação com registo e o índice 2 a estação sem informação hidrométrica:

(1)

onde corresponde ao volume anual médio afluente à secção k (m3) e

representa o escoamento

obtido por transposição. O índice i e j são referentes ao ano e ao mês respectivamente (Portela &

Quintela, 2006).

4.3 Preenchimento de séries de precipitação

De modo a avaliar a possibilidade de utilizar indistintamente séries de precipitação ou de caudal para

identificar eventos de seca, houve que obter as precipitações mensais ponderadas na bacia

hidrográfica dominada pela barragem do aproveitamento de Vilarinho das Furnas, para o que se

identificaram, através do SNIRH, os postos com influência na mesma e se recolheram os registos aí

disponíveis. Tais registos exibiam, contudo, algumas falhas a cujo preenchimento houve que

proceder.

Com efeito, muito frequentemente as séries de precipitação facultadas através SNIRH nem sempre

estão completas, tornando-se necessário preenchê-las. De entre as metodologias possíveis de serem

aplicadas ao preenchimento de falhas de registos de precipitação, nesta investigação faz-se apenas

referência ao método usado, que é baseado numa análise de regressão linear. Este método é

amplamente usado em Portugal em estudos regionais (Portela, 2005).

Para preencher as séries de precipitação, do posto udométrico P1, começa-se por identificar os

postos que lhe estão próximos, chamando-se a cada posto P1.i, com i=1,2,...,9,…, M, sendo M o

número total de postos próximos.

De seguida, para cada mês em que P1 exibe falhas, ordenam-se os postos P1.i por forma a que,

independentemente da maior ou menor distância a P1, as correlações entre os registos mensais no

posto P1 e nos sucessivos postos P1.i diminuam com o incremento do índice i. Ou seja, designando

por Correl_1.i a correlação entre registos de precipitação no mês em causa nos postos P1 e P1.i

verifica-se Correl_1.1 Correl_1.2 ... Correl_1.9 … Correl_1.M (Portela, 2005).

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45

O preenchimento das falhas exibidas pelo posto P1 utiliza os registos, em primeiro lugar, no posto

P1.1, desde que Correl_1.1 seja superior a um dado limiar. Não havendo simultaneidade de registos

nos postos P1 e P1.1 que permita o preenchimento da totalidade das falhas do posto P1, ensaia-se o

preenchimento das falhas ainda não preenchidas por utilização dos registos no mês em causa no

posto P1.2 e assim sucessivamente, mas sempre assegurando correlações mínimas entre

precipitações mensais (Portela, 2005).

Identificado o posto P1.i a utilizar no preenchimento de algumas das falhas de P1, segue-se o

preenchimento propriamente dito, por aplicação às séries de precipitação no mês em consideração

nos postos P1 e P1.i do modelo de regressão linear simples sem termo aleatório, cujo formalismo

geral se passa a descrever. O termo aleatório, ou independente, foi considerado nulo visto o número

de falhas no posto P1 serem poucas (Portela, 2005).

Sejam Y e X as séries contendo as N observações simultâneas de precipitações num dado mês no

posto P1 e no posto P1.i (com i fixo), seleccionado para o preenchimento de falhas em P1, de acordo

com os critérios apresentados, e designem-se por xi e yi (i=1, 2, ..., N) os elementos genéricos

daquelas séries.

A estimativa, , da precipitação mensal em falta no posto P1 no ano t ( ) a partir da

precipitação conhecida, para aquele ano e mês, em P1.i, xt, obtém-se por meio de:

, (2)

em que e representam as médias de X e de Y:

(3) e . (4)

A estimativa de b é dada por:

. (5)

Como antes mencionado, para que um posto pudesse ser considerado como candidato ao

preenchimento de falhas noutro posto, a dimensão mínima da amostra de precipitações comuns aos

dois postos tem de ser N, fixado previamente. O preenchimento só prossegue se a correlação entre

essas precipitações num e noutro posto fosse superior ou igual ao limiar escolhido.

ty Nt1

XxbYy tt

X Y

N

x

X

N

1i

i

N

y

Y

N

1i

i

N

1i

2

i

N

1i

ii XxXxyb

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46

4.4 Dados de base

A barragem em estudo é a de Vilarinho das Furnas, situada no distrito de Braga, no concelho de

Terras dos Bouro, no rio Homem (rio Cávado). Na Tabela 5 apresentam-se as principais

características da barragem, como a capacidade útil da albufeira e a cota de coroamento (INAG,

2013).

A barragem entrou em funcionamento em 1972. Por uma questão de simplificação, assumiu-se como

mês de início de funcionamento o de Outubro de modo a fazer coincidir a análise com anos

hidrológicos. Anota-se que o eventual erro que daí possa advir é negligenciável, em face dos

períodos de tempo consideravelmente extensos que sustentaram a caracterização do regime fluvial

antes e depois da construção da barragem.

Tabela 5 – Principais características da Barragem de Vilarinho das Furnas.

Betão Arco

Altura acima da fundação 94 m

Cota de coroamento 570 m

Comprimento do coroamento 385 m

Fundação Granito

Anos de construção 1966-1972

Capacidade útil da Albufeira 116080x1000 m3

A Figura 14, retirada de um blog de fotografias aéreas de Portugal, Pinto, 2012, representa uma

fotografia aérea da barragem em estudo.

Figura 14 – Fotografia aérea da barragem de Vilarinho das Furnas, retirada de um blog (Pinto, 2012).

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47

Para se prosseguir com o estudo da influência de aproveitamentos hidráulicos nas características das

secas a jusantes dos mesmos, é necessário em primeiro lugar avaliar a capacidade do SPI aplicado a

séries de escoamento detectar eventos de seca equivalentes ao SPI decorrente das séries de

precipitação. Com efeito, após a construção da barragem, as eventuais ocorrências de seca não

advêm das condições de precipitação ocorrentes na bacia hidrográfica, mas sim dos escoamentos

libertados para jusante, ou seja, o índice SPI será aplicado às séries de escoamento em regime

modificado (sob a influência do aproveitamento) e em regime natural (caso o aproveitamento não

tivesse sido construído), de modo a analisar-se as possíveis diferenças e concretizar o objecto desta

investigação.

Para avaliar se o SPI aplicado a escoamentos detecta eventos de seca equivalentes aos detectados

pelo SPI decorrente de séries de precipitação concretiza-se um estudo idêntico ao realizado no

capítulo 3. Assim, será necessário dispor de séries de escoamento (em regime natural) e de

precipitação. O processo utilizado na recolha dos valores será explicado em respectivo subcapítulo.

Na Tabela 6 identificam-se os postos udométricos e a estação hidrométrica a cujos registos mensais

foi necessário recorrer nos estudos objecto do presente capítulo, designadamente, para averiguar a

capacidade do SPI em detectar ocorrências de seca idênticas quer quando aplicado a séries de

escoamento como a séries de precipitação. Na tabela são também sistematizadas algumas

características daqueles postos e estação. A selecção da estação hidrométrica de Covas adveio do

facto de a mesma se localizar no rio Homem, a jusante da barragem de Vilarinho, estando, portanto,

sujeita à alteração do regime induzida pela barragem. A escolha dos postos udométricos será

explicada em devido subcapítulo.

Tabela 6 - Características gerais da estaçãos hidrométrica (em regime natural) e dos postos udométricos

com influência na bacia hidrográfica de Covas no período de 1955/56 a 2001/02.

Bacia

Hidrográfica

de Covas

Nome Peso (%)

Precipitação

anual média

(mm)

Precipitação

anual média

(mm)

Portela do

Homem

(03I/01G)

27 3119.91

Leonte

(03I/03UG)21 3145.36

Covide

(03H/02UG)25 2879.31

São Bento da

Porta Aberta

(03H/03UG)

14 2901.66

Rio Lima − − − − Seixas (03H/04G) 13 2497.42

Precipitação

Posto udométrico

2953.75

Bacia

hidrográfica

Estação

hidrométricaCurso de água

Área da

bacia

hidrografica

(km2)

Escoamento

anual médio

(mm)

Rio Cávado Covas Rio Homem 118.15 2087.34

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48

Depois de verificada a capacidade de que, no caso da bacia hidrográfica da barragem de Vilarinho

das Furnas, o SPI identifica os mesmos eventos de secas por recurso a séries de precipitação ou de

escoamento, prossegue-se com o estudo da influência de barragens com albufeiras de regularização

na alteração do regime hidrológico e no eventual consequente agravamento de secas a jusante

daquelas infra-estruturas. A avaliação do eventual agravamento da seca será efectuada, como

referido, por aplicação do SPI a séries de escoamento em regime natural e em regime modificado.

Para se obter os escoamentos em regime natural após a construção da barragem aplica-se um

modelo de transposição de séries de escoamento. Para transpor a informação hidrométrica escolhe-

se uma estação com registos mensais no período em que se quer transpor e que apresente um

escoamento anual médio próximo do da estação hidrométrica com regime natural a reconstituir. Para

a escolha da estação mais adequada para estimar o escoamento mensal em regime natural na

estação hidrométrica de Covas analisaram-se três estações hidrométrica, identificadas na Tabela 7.

Por uma questão de sistematização, inclui-se também na tabela a estação de Covas, conforme

resumo de características aí apresentado.

Tabela 7 - Caracteristicas gerais das estações hidrométricas análisadas para o modelo de transposição.

A série de escoamento em regime modificado obtém-se pelo SNIRH, pois corresponde ao registo de

escoamento mensal (após 1972) na estação hidrométrica de Covas.

Na figura que se segue (Figura 15) estão representadas as localizações das estações hidrométricas

da Tabela 7, assim como a da barragem de Vilarinho das Furnas. São também identificadas as

bacias hidrográficas principais em que se inserem.

M (m) P (m)

Coordenadas de localização

186264.67 528263.242Rio CávadoCovas

(03H/04H)Rio Homem 118.15 2341.22

Bacia

hidrográfica

Estação

hidrométricaCurso de água

Área da bacia

hidrografica

(km2)

Escoamento

anual médio

(mm)

Rio DouroFragas da Torre

(08H/02H)Rio Paiva 646.74 1065.98196025.22 441273.35

Rio DouroErmida-Corgo

(06K/01H)Rio Paiva 294.22 898.33232194.72 473477.55

Rio TejoManteigas

(11L/01H)Rio Zêzere 27.51 2159.392949546.76 378589.69

Perído de

registo

1955-1972

1955-1996

1955-2004

1956-2004

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49

Figura 15 - Mapa de Portugal com representação das principais bacias hidrográficas e localização

esquemática das estações hidrométricas estudadas no presente documento. (Mapa adaptado da Carta da

Hidrografia Continental - Principais Bacias Hidrográficas fornecido pela APA, 2013).

Em seguida apresentam-se dois subcapítulos onde se explica com pormenor como foram obtidas as

séries de precipitação e de escoamento.

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50

4.4.1 Escoamento

Como referido, para analisar tanto a validade de aplicar o SPI a séries de escoamento, como para

efectuar o estudo da influência da barragem com albufeira de regularização no possível agravamento

de eventos de seca a jusante da mesma, foram necessários obter os escoamentos mensais em

regime natural (antes e após a construção da barragem) e em regime modificado (após a construção

da barragem).

Para obter os escoamentos mensais durante o período em análise (entre 1955/56 a 2001/02),

acedeu-se ao SNIRH, de onde se retiraram os escoamentos médios diários, a partir dos quais se

calcularam os escoamentos mensais. O website tem também escoamentos mensais que, no entanto,

não estavam completos, pelo que se optou por trabalhar com base em registos diários. No Anexo 3,

apresentam-se os escoamentos mensais assim obtidos. Como antes justificado, a estação

hidrométrica analisada foi a de Covas (Tabela 7), pois localiza-se a jusante da barragem de Vilarinho

das Furnas, permitindo assim averiguar as diferenças entre regime natural (sem influência da

barragem) e em regime modificado (sob a influência da infra-estrutura).

Dada a proximidade entre a estação hidrométrica e a barragem de Vilarinho, pode admitir-se que os

registos aí disponíveis caracterizam o escoamento mensal em regime natural antes da construção da

barragem, e o escoamento mensal em regime modificado após a construção da barragem (1972).

Faltam, portanto, os caudais mensais em regime natural no período pós-barragem. Para tal, é preciso

recorrer ao método de transposição explicado no subcapítulo 4.2.

Para o modelo de transposição a aplicar utilizaram-se três diferentes estações hidrométricas que

tinham alturas do escoamento anual médio próximas da referente à estação de Covas. O critério de

escolha destas três estações baseou-se nos valores de escoamento anual médio apresentados no

artigo Portela & Quintela, 2005, onde é explicado o procedimento de transposição. Outro aspecto

bastante importante na selecção da estação a utilizar na estimação de escoamento é o período de

anos em que a estação tem registos. Pois além de ser necessário um período coincidente com o

período de registos da estação onde se pretende estimar escoamentos, tem que ter obrigatoriamente

registos no período objecto daquela estimação, que neste caso é o período pós-construção da

barragem, de 1972 adiante. No Anexo 3 encontram-se os escoamentos mensais em cada uma das

estações hidrográficas identificadas na Tabela 7.

Como pode constatar-se na Tabela 7, as três estações escolhidas para transpor informação

hidrométrica tem um registo suficiente longo para o objecto desta investigação. Pode também

observar-se que os escoamentos anuais médios, expressos em altura de água, são da mesma

grandeza do que o escoamento anual médio da estação hidrométrica de Covas. Conclui-se assim

que as três estações escolhidas estão aptas para transpor a informação hidrométrica para este caso

específico. Há que escolher das três a que tiver a melhor correlação entre escoamentos médios

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51

mensais adimensionais, no período de registo em comum (entre 1955/56 a 1971/72), com a estação

hidrométrica de Covas.

O procedimento que se segue foi aplicado às três estações hidrométricas.

Para obter os escoamentos mensais em cada estação hidrométrica consultou-se novamente o

SNIRH, e aplicou-se um procedimento em tudo idêntico ao mencionado a propósito da estação

hidrométrica de Covas. Tais escoamentos foram organizados em dois períodos, antes de 1972 e

após 1972. Para o primeiro período, com registo em comum com a estação hidrométrica de Covas,

calcula-se o escoamento anual médio para cada estação e adimensionam-se os registos nesse

mesmo período, dividindo cada escoamento mensal pelo escoamento anual médio. Realiza-se,

depois, uma análise de correlação entre os escoamentos mensais adimensionais da estação de

Covas e da estação da qual se quer transpor. Na Tabela 8 apresentam-se os valores da correlação e

do escoamento anual médio em cada estação no período de registos em comum.

Tabela 8 – Valor das correlações entre os escoamentos adimensionais das estações hidrométricas de

Manteigas, Fragas da Torre e Ermida-Corgo com a estação hidrométrica de Covas, e respectivos

escoamentos anuais médios para o período comum de registos.

Como se pode observar a estação hidrométrica de Fragas da Torre é a que apresenta maior

correlação com a estação hidrométrica de Covas, sendo por isso a estação escolhida para transpor

os escoamentos mensais. Na Figura 16 estão representados três diagramas cronológicos dos

escoamentos mensais adimensionais para as três estações estudadas, cada um deles sobreposto

com o escoamento mensal adimensional da estação hidrométrica de Covas (representado a azul).

Cada cor identifica uma das quatro estações hidrométricas.

938.58 1956-1972

Coeficiente

de correlação

2341.22 1955-1972

Período de

registo

1955-1972

1193.45 1955-1972Rio DouroFragas da Torre

(08H/02H)

Rio DouroErmida-Corgo

(06K/01H)

Escoamento

anual médio

(mm)

0.85

0.95

0.93

Bacia

hidrográfica

Estação

hidrométrica

Rio Cávado Covas (03H/04H)

Rio TejoManteigas

(11L/01H)2453.58

17

16

Número

de anos

17

17

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52

Figura 16 – Estações hidrométricas de Covas, Manteigas, Fragas da Torre e Ermida-Corgo. Escoamento

mensal adimensional no período em comum de registos (de 1955/56 a 1971/72)

Tendo em conta os diagramas cronológicos da Figura 16, mas especialmente os coeficientes de

correlação sistematizados na Tabela 8, selecionou-se a estação hidrométrica de Fragas da Torre

para reconstruir o regime natural na estação hidrométrica de Covas, após a construção da barragem

de Vilarinho das Furnas (1972). Para tanto procedeu-se à aplicação da Equação 1.

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53

Expôs-se, então, num gráfico, o escoamento transposto para a estação de Covas, representado a

verde na Figura 17, a qual contém também o escoamento mensal na estação de Fragas da Torre (a

vermelho). O escoamento transposto caracteriza assim o escoamento mensal da estação

hidrométrica de Covas em regime natural, ou seja, sem a influência da barragem de Vilarinho das

Furnas. No Anexo 3 apresenta-se a tabela com os escoamentos reconstituídos.

Figura 17 – Diagrama cronológica do escoamento mensal da estação hidrométrica de Fragas da Torre e

da estação de Covas, no regime natural e no regime modificado.

Na Figura 18 representa-se o diagrama cronológico do escoamento mensal da estação hidrométrica

de Covas em regime modificado (após a construção da barragem) e em regime natural antes e após

da construção da barragem (valores obtidos por transposição).

Figura 18 – Diagrama cronológica do escoamento mensal da estação hidrométrica de Covas em regime

natural e em regime modificado.

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54

Como pode observar-se o escoamento mensal diminuiu quando a barragem entrou em

funcionamento em 1972. Na Tabela 9 confirma-se o constatado na Figura 18: o escoamento anual

médio em regime natural no período de 1972/73 a 2001/02 é bastante superior ao escoamento anual

médio no mesmo período mas em regime modificado, ou seja, sob a influência da barragem de

Vilarinho das Furnas.

Tabela 9 – Escoamento anual médio em regime natural (antes e após a construção da barragem) e em

regime modificado na estação hidrométrica de Covas.

4.4.2 Precipitação

Para poder avaliar-se a capacidade do SPI aplicado a escoamentos na bacia hidrográfica de Covas

detectar os mesmos eventos de seca que o SPI obtido das séries de precipitação que estão na

génese daqueles escoamentos são necessárias as séries de escoamento, que foram obtidas como

descritas no subcapítulo anterior, e as séries de precipitação, cuja a obtenção se explica de seguida.

O período de registo da série de precipitação tem de ser coincidente com o período da série de

escoamento em regime natural. Assim, será analisado um período entre 1955/56 a 2001/02.

De modo a obter as precipitações mensais ponderadas na bacia hidrográfica de Covas é necessário

determinar os postos udométricos com influência na mesma e ponderá-los. Segue-se o procedimento

utilizado na determinação da precipitação ponderada na bacia hidrográfica de Covas.

Primeiro e tendo por base as cartas número 29, 30, 31, 42, 43 e 44 à escala 1/25000 dos Serviços

Cartográficos do Exército procedeu-se à delimitação da bacia hidrográfica da estação hidrométrica de

Covas. Uma bacia hidrográfica do ponto de vista topográfico é limitada por um polígono fechado

constituído por trechos de linhas de cumeada que separam uma bacia de outra. O limite de uma

bacia é também chamado de separador de águas, pois qualquer gota de água que caia dentro desse

limite, o seu percurso superficial passa obrigatoriamente pela secção de referência. Os limites nunca

cruzam uma linha de água excepto na secção de referência (Hipólito & Vaz, 2011). Neste caso a

secção de referência é a estação hidrométrica de Covas. Na Figura 19 representa-se a bacia

hidrográfica da estação hidrométrica de Covas.

2341.22

1943.48

738.86

Bacia

hidrográfica

Estação

hidrométrica

Escoamento anual

médio (mm)

1972/73-2001/02 regime modificado

Período de registo

1972/73-2001/02 regime natural (reconstituído)

1955/56-1971/72 regime natural

Rio Cávado Covas (03H/04H)

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55

Figura 19 – Bacia hidrográfica da estação hidrométrica de Covas.

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56

Depois de se ter a bacia hidrográfica devidamente delineada, representam-se os postos udométricos

com influência na mesma e aplica-se o método dos polígonos de Thiessen para determinar o peso de

cada posto, e assim determinar a precipitação mensal da bacia. Neste método, também designado

por método das áreas de influência, considera-se que dentro de uma área de influência o valor da

precipitação é constante e igual à do posto que define essa área. Para identificar as áreas de

influência começa-se por traçar uma rede de triângulos adjacentes e tão equiláteros quanto possível,

em que os vértices coincidem com os postos udométricos. Os polígono de Thiessen serão então

definidos pelas mediatrizes dos lados dos triângulos. A área de influência será a intersecção do

polígono de Thiessen com a área da bacia hidrográfica. Cada segmento de área representa assim os

lugar geométrico dos pontos que estão mais próximos do posto representativo da área, do que

qualquer outro posto, sendo que o posto que define essa área, não tem de estar obrigatoriamente no

interior da bacia hidrográfica em estudo (Hipólito & Vaz, 2011).

Concluídos os polígonos de Thiessen, mede-se a área de influência de cada posto, e ao dividirmos

pela área total da bacia hidrográfica, temos o peso do posto. Para saber a precipitação da bacia,

basta multiplicar a precipitação de cada posto pelo respectivo peso e somar os valores.

Contudo, antes de se poder desenhar os polígonos, há que escolher os postos a usar. Primeiro

começa-se por seleccionar os postos dentro e mais perto possível da bacia hidrográfica em estudo,

de modo a garantir as condições hidrológicas mais realistas possíveis. De seguida verifica-se se a

série de precipitação de cada posto está o mais completa possível e se é longa. Assim, optou-se por

desenhar um gráfico de barras com o número de anos em que cada posto tem registos (Figura 20).

Convém que o período de anos com informação coincida com o período de anos em análise na série

de escoamento. Como a série de escoamento só começa em 1955, considerou-se esse mesmo ano

para o início da série de precipitação, para manter a concordância adoptou-se também o limite da

série no ano 2002.

Na Tabela 10 estão enumerados os postos considerados para a determinação da precipitação

ponderada na bacia hidrográfica de Covas, assim como as coordenadas cartográficas e os

respectivos pesos. Na Tabela 11 enumeram-se os postos udométricos que apesar de não terem

influência na bacia hidrográfica de Covas serviram de apoio para as áreas de influência.

Tabela 10 – Características de cada posto udométrico representativo da bacia hidrográfica de Covas,

nomeadamente nome do posto, coordenadas M, P e peso.

Número do posto

Posto 1 Posto 2 Posto 3 Posto 4 Posto 5 Total

Nome do posto Seixas Portela do Homem

Leonte Covide São Bento da Porta Aberta

Coordenadas (M;P) km

(184;536) (200;538) (199;533) (197;530) (194;525)

Peso 0.13 0.27 0.21 0.25 0.14 1.00

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Tabela 11 - Características dos postos udométricos utlizados na definição das áreas de influência, mas

que não contribuiem para a precipitação na bacia.

Número do posto

Posto 6 Posto 7 Posto 8 Posto 9

Nome do posto Caldelas Pincães Xertelo Outeiro

Coordenadas (M;P) km

(180;522) (207;526) (210;529) (216;536)

Na Figura 20, apresenta-se o gráfico de barras, em que cada barra representa o número de anos com

registos no posto udométrico a que se refere. A laranja representa-se a dimensão da série de

escoamentos na estação hidrométrica de Covas, que serviu como referência. A verde representam-se

os postos que de facto foram usados para o cálculo da precipitação na bacia hidrográfica.

Figura 20 – Caracterização dos períodos de registos dos postos udométricos analisados para o estudo

da precipitação na bacia hidrográfica de Covas. Número de anos que cada posto udométrico tem no seu

registo, no período de anos coincidente com o registo na estação hidrométrica de Covas (representado a

laranja). Os postos udométricos seleccionados estão representados a verde, e os postos excluídos estão

representados a azul.

Como pode notar-se pelo gráfico, existem postos com poucos registos, que foram imediatamente

excluídas, nomeadamente Gerez, Bouça da Mó e Cibões. Com a identificação dos postos, definem-

se os polígonos de Thiessen, e verifica-se que existem postos que ficam mais longe do que outros,

portanto, como referido, optam-se pelos mais próximos. Na Figura 21 observam-se os postos

udométricos, os polígonos de Thiessen e as respectivas áreas de influência.

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58

Figura 21 - Bacia hidrográfica de Covas, com representação dos postos udométricos, dos polígonos de Thiessen e das áreas de influência.

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59

A partir dos elementos anteriores obtiveram-se os pesos dos postos especificados na Tabela 10.

Como pode verificar-se na Figura 20, nem todos os postos udométricos com influência na bacia

hidrográfica têm registos completos no período em análise, ocorrendo falhas mensais. Foi por isso

necessário preencher essa informação em falta, como explicado no capítulo 4.3.

A análise dos registos de precipitações mensais nos cinco postos com influência na área da bacia

hidrográfica de Covas revelou a existência das seguintes falhas mensais no período de 47 anos,

entre 1955 e 2002: posto de Seixas 72 falhas; posto de Portela do Homem 102 falhas; posto de

Covide 12 falhas; posto de Leonte 4 falhas; posto de São Bento da Porta Aberta 3 falhas. O número

total de falhas é, assim, de 193 para um número de registos mensais de 47 anos x 12 meses x 5

postos – 193 = 2627.

Na aplicação do método descrito para preenchimento das falhas usou-se portanto, um total de cinco

postos, sendo que apenas quatro (M=4) podem ser utilizados no preenchimento de cada uma das

falhas de P1 (posto que se quer preencher). Nas aplicações efectuadas o valor mínimo da correlação

entre amostras de precipitações, num dado mês no posto objecto de preenchimento e no posto a

utilizar no preenchimento foi fixado em 0,8. O número de observações simultâneas de precipitação

entre o posto que se quer preencher, P1, e o posto com informação disponível para preencher, P1.i,

foi de N=15.

No Anexo 4 encontram-se as séries de precipitação mensal de cada um dos cinco postos,

destacando-se a vermelho os valores que foram preenchidos pelo procedimento referido.

Preenchidos os valores em falta, multiplicado pelos respectivos pesos, obtêm-se os valores

ponderados da precipitação mensal na bacia hidrográfica de Covas, presentes no Anexo 4. Na Figura

22 representa-se a precipitação mensal na bacia hidrográfica de Covas no período analisado, entre

1955/56 a 2001/02.

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60

Figura 22 – Precipitação mensal na bacia hidrográfica de Covas no período de 47 anos, entre 1955/56 e

2001/02.

4.5 Aplicação do SPI a séries de escoamento e de precipitação

Para caracterizar uma seca há que recorrer a um índice de seca, no caso desta investigação, o índice

SPI, o qual foi aplicado primeiramente à série de precipitação mensal na bacia hidrográfica de Covas,

apresentada no Anexo 4, e à série de escoamento mensal em regime natural, constante do Anexo 3.

A aplicação do SPI tanto à série de precipitação como à série de escoamento permite avaliar, mais

uma vez, a eficácia do índice SPI na detecção dos mesmos eventos de seca. Na Figura 23

apresentam-se os gráficos com os SPI resultantes das séries de precipitação e de escoamento. Cada

coluna de gráficos corresponde a uma escala temporal: 1, 3, 6 e 12 meses. Organizaram-se os

valores de SPI em dois gráficos distintos, à semelhança do capítulo 3.3 do presente documento. O

primeiro corresponde às séries de SPI em função do tempo (mês), o segundo representa um

diagrama de dispersão dos SPI aplicados a escoamentos (eixo vertical) e a precipitações (eixo

horizontal). Cada um destes anteriores gráficos contém os resultados propriamente ditos e as médias

móveis aplicadas a esses resultados. O incremento das médias móveis foi de 10, para as escalas

temporais de um, três e seis meses, e de 5, para a escala temporal de doze meses, Santos & Portela,

2010. Assim, tem-se um total de 16 gráficos representados na Figura 23.

O período em análise é o de 1955/56 a 2001/02 (47 anos), como indicado nos subcapítulos

anteriores.

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61

Figura 23 - Estação hidrométrica de Covas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estação hidrométricas de

Covas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1955/56 a 2001/02.

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62

Figura 23 (continuação) - Estação hidrométrica de Covas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais registados nas estação

hidrométricas de Covas e de precipitações mensais ponderadas para as respectivas bacias hidrográficas. Período de registos de 1955/56 a 2001/02.

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63

Nos gráficos de dispersão quanto mais perto os valores estiverem da recta a 45⁰, representada a

preto, mais similares são os valores de SPI obtidos das séries de precipitação e das séries de

escoamento. Quer isto dizer que as secas estão igualmente presentes naquelas séries. Como pode

constatar-se, principalmente pela análise das séries móveis, os valores de SPI acompanham a recta

a 45⁰.

Analisando as séries cronológicas observa-se também a mesma conclusão: o SPI resultante das

séries de precipitação e de escoamento têm o mesmo andamento, ou seja, são idênticos. Verifica-se

também que, como nos casos anteriores, os SPI são tanto mais próximos quanto maior a escala

temporal em análise.

Para uma melhor avaliação organizou-se na Tabela 12 os valores do número de ocorrências, do

mínimo, da média e do desvio-padrão dos SPI, para cada uma das escalas temporais. A vermelho

destacam-se os valores mais gravosos. Mais uma vez considerou-se que uma seca ocorre para

valores de SPI inferiores a -0.84, como descrito na Tabela 1, de acordo com a escala estabelecida

por Agnew, 2000.

Tabela 12 - Secas identificadas pelos SPI aplicados a séries de precipitação e de escoamento.

Características relativas a cada escala temporal.

Nota: entre parêntesis indicam-se os valores anuais médios da precipitação e do escoamento.

Por análise da tabela, verifica-se que para escalas temporais pequenas (um e três meses) a média é

mais gravosa para a série de escoamento; no entanto, para escalas temporais maiores (seis e doze

meses) tanto a média como o valor mínimo são mais gravosos para a série de precipitação.

Relativamente ao número de ocorrências de seca constata-se exactamente o contrário: esse número

é mais gravosos na série de escoamento para as maiores escalas temporais. Quer isto dizer que,

SPI Ocorrência de seca Precipitações Escoamentos

Número de ocorrências 122 109

Valor mínimo -3.02 -3.97

Média -1.31 -1.44

Desvio-padrão 0.39 0.68

Número de ocorrências 113 104

Valor mínimo -4.19 -3.77

Média -1.42 -1.49

Desvio-padrão 0.58 0.59

Número de ocorrências 98 113

Valor mínimo -5.43 -3.09

Média -1.50 -1.36

Desvio-padrão 0.74 0.40

Número de ocorrências 108 111

Valor mínimo -5.38 -2.83

Média -1.43 -1.38

Desvio-padrão 0.66 0.45

SPI 12

Estação hidrométrica Covas (2953.75; 2087.34)

SPI 1

SPI 3

SPI 6

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64

para escalas pequenas, o SPI obtido da série de escoamento detecta uma menor ocorrência de

secas, no entanto, ligeiramente mais intensas do que o SPI resultante da série de precipitação.

Contudo as diferenças antes reportadas são de um modo geral pequenas.

Neste caso há que ter em consideração o facto dos escoamentos mensais usados para o cálculo do

SPI, no período entre 1972/73 e 2001/02, serem reconstituídos, o que pode originar uma margem de

erro. Decidiu-se por isso avaliar adicionalmente a correlação entre os SPI obtidos da série de

precipitação e os SPI resultantes da série de escoamento, para cada uma das escalas temporais nos

seguintes períodos: global, natural antes da construção da barragem entre 1955/56 e 1971/72, e

natural reconstituído, após 1972. Os valores das correlações estão apresentados na Tabela 13.

Tabela 13 - Valores de correlação entre os SPI decorrentes da série de precipitação e os SPI resultantes

da série de escoamento.

Global Natural

Natural reconstituído

SPI 12 0.90 0.91 0.91

SPI 6 0.85 0.91 0.81

SPI 3 0.80 0.87 0.73

SPI 1 0.69 0.78 0.60

Verifica-se que tendencialmente a correlação aumenta com o aumento da escala temporal. Admite-se

que os menores valores de correlação nas escalas temporais de um e três meses, referentes ao

regime natural reconstituído, encontrem justificação no facto de se estar perante uma série estimada

e não observada. Apesar deste facto, os valores de correlação são na sua maioria superiores a 80%,

ou seja, indicativos de uma boa correlação.

Foi realizada também uma análise do SPI dividindo-o em classes de seca, classificadas na Tabela 1.

Assim, organizou-se o número de ocorrências de seca de cada classe, para cada escala temporal, e

o valor das médias dos SPI de cada classe, também para cada escala temporal, Tabela 14 e 15,

respectivamente.

Tabela 14 – Número de ocorrências de seca detectadas pelo índice SPI, organizado por classes, para a

série de precipitação e de escoamento da estação hidrométrica de Covas.

Precipitação Escoamento Precipitação Escoamento Precipitação Escoamento Precipitação Escoamento

Seca moderada 68 62 61 62 47 55 53 53

Seca severa 37 22 23 34 21 35 33 33

Seca extrema 17 25 29 24 30 23 22 25

Covas

Número de ocorrênciasSPI1 SPI3 SPI6 SPI12

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Tabela 15 – Valores médios dos SPI, organizados por classes, obtidos da série de precipitação e da série

de escoamento da estação hidrométrica de Covas.

O sombreado a vermelho na Tabela 14 realça o SPI que detectou um maior número de ocorrências

de seca: o SPI decorrente da série de precipitação ou da série de escoamento. Como se verifica, o

SPI aplicado escoamentos detecta um maior número de eventos de seca, excepto na escala temporal

de um mês.

Na Tabela 15 optou-se por não sombrear os valores mais gravosos, ou seja, com média mais

negativa, nas classes de seca moderada e severa visto os valores serem bastante próximos. Quer

isto dizer que tanto o SPI obtido de escoamentos, como o SPI resultante de séries de precipitação

detectam valores idênticos, ou intensidades de seca similares. Na classe de seca extrema, as

diferenças já são maiores, sendo que para escalas temporais pequenas, 1 e 3 meses, o valor da

média é mais baixo para o SPI aplicado a escoamentos e nas escalas maiores, 6 e 12 meses, a

média é mais baixa para o SPI resultante da série de precipitação. Esta diferença está coerente com

a análise feita na Tabela 12, ou seja, não considerando o agrupamento do SPI por classes.

As Tabelas 14 e 15 serviram de base à Figura 24 na qual o gráfico de barras representa o número de

ocorrências por classe de seca, e o gráfico de linhas as médias dos SPI por classe de seca. A figura

está organizada por escala temporal (de SPI1 a SPI12) e cada cor representa uma classe de seca.

moderada severa extrema

Precipitação -1.05 -1.48 -2.01

Escoamento -1.03 -1.42 -2.49

Precipitação -1.06 -1.43 -2.19

Escoamento -1.08 -1.45 -2.36

Precipitação -1.04 -1.41 -2.27

Escoamento -1.05 -1.47 -1.95

Precipitação -1.05 -1.45 -2.29

Escoamento -1.02 -1.44 -2.08Spi12

Classe da secaMédia dos SPI

SPI1

SPI3

SPI6

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Figura 24 - Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média do SPI

(linhas), divididas por escala temporal.

No gráfico torna-se mais perceptível o facto dos valores das médias serem bastante similares para as

classes de seca moderada e severa. Para a classe de seca extrema já existem algumas diferenças

que são detectadas quando se analisa o SPI não agrupados por classes. Confirma-se também, que o

SPI calculado a partir das séries de escoamento detecta mais eventos de seca para escalas maiores,

sendo que a diferença destes valores reside principalmente na classe extrema. Para seca moderada

os valores são mais uma vez similares.

Estes resultados são coerentes com os obtidos para os casos de estudo com valores de escoamento

anual médio alto. Confirma-se assim a possibilidade de, no caso de estudo, detectar secas por

aplicação do SPI a séries de escoamento. É assim possível prosseguir com a análise da influência da

alteração do regime fluvial decorrente da construção de um aproveitamento hidroeléctrico no possível

agravamento de eventos de seca a jusante de tal infra-estrutura.

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67

4.6 Aplicação do SPI a séries de escoamento com e sem

influência da barragem de Vilarinho das Furnas

O facto do índice SPI quando aplicado a séries de escoamento conduzir à identificação de secas

equivalentes às que decorrem da sua utilização tendo por base séries de precipitação, permite

concretizar o objecto desta investigação: avaliar a influência de uma barragem dispondo de uma

albufeira de regularização, nos regimes hidrológicos e consequentemente nos eventos de seca a

jusante da mesma. Para tal, tendo por base a estação hidrométrica de Covas, localizada a jusante da

barragem de Vilarinho das Furnas, aplicou-se o SPI à série de escoamento em regime natural

(valores reconstituídos por transposição) e à série de escoamento em regime modificado, ou seja,

sob a influência daquela barragem (obtidos pelo SNIRH), de modo a comparar o número de eventos

de secas e a sua intensidade. Os valores dos escoamentos utilizados nesta análise encontram-se no

Anexo 3.

De modo a facilitar a leitura dos resultados obteve-se o digrama cronológico mensal das séries dos

SPI. Mais uma vez aplicou-se também o conceito das médias móveis pelas vantagens já referidas no

capítulo 2.8. As escalas adoptadas para esta análise foram as mesmas, ou seja, 1, 3, 6 e 12 meses.

Os oito gráficos assim obtidos estão representados na Figura 25.

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Figura 25 - Estação hidrométrica de Covas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais em regime natural (obtido por

transposição) e em regime modificado (registado nas estação hidrométricas de Covas). Período de registos de 1972/73 a 2001/02.

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Figura 25 (continuação) - Estação hidrométrica de Covas. Caracterização das séries de SPI calculadas a partir de escoamentos mensais em regime natural (obtido

por transposição) e em regime modificado (registado nas estação hidrométricas de Covas). Período de registos de 1972/73 a 2001/02.

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70

Por análise dos gráficos verifica-se que os SPI obtidos da série de escoamento em regime modificado

(linha azul no gráfico) apresentam valores mais negativos, ou seja, as secas são mais intensas.

Apesar disso principalmente nas séries de médias móveis, constata-se que o andamento das duas

séries é similar, ou seja, apresenta idêntica flutuação.

De modo a complementar os gráficos organizou-se a Tabela 16 com o número de ocorrência, o valor

mínimo, a média e o desvio-padrão dos SPI resultantes da série de escoamento em regime

modificado e em regime natural. Para uma melhor leitura da tabela sombrearam-se a vermelho as

situações mais gravosas.

Tabela 16 - Secas identificadas pelos SPI aplicados a séries de escoamento em regime modificado e em

regime normal. Características relativas a cada escala temporal.

Por análise da tabela constata-se que o número de eventos de seca em regime natural é superior ao

número de ocorrência de seca em regime modificado; contudo e como se observa nos gráficos, os

valores mínimos e as médias dos SPI são, de modo geral, mais gravosos, ou mais negativos, para as

séries de escoamento em regime modificado (sob a influência da barragem).

Para uma análise mais pormenorizada classificou-se o SPI em classes de seca, e organizaram-se os

valores das médias de cada classe e do número de ocorrência de secas por classe, Tabelas 17 e 18,

respectivamente. Mais uma vez sombreou-se a vermelho os valores mais gravosos.

SPI Ocorrência de seca Regime modificado Regime natural

Número de ocorrências 62 64

Valor mínimo -4.50 -4.15

Média -1.86 -1.64

Desvio-padrão 0.98 0.79

Número de ocorrências 63 72

Valor mínimo -4.22 -3.91

Média -1.97 -1.52

Desvio-padrão 1.04 0.70

Número de ocorrências 63 74

Valor mínimo -4.02 -4.03

Média -2.09 -1.50

Desvio-padrão 1.10 0.75

Número de ocorrências 67 69

Valor mínimo -3.74 -4.15

Média -1.91 -1.45

Desvio-padrão 1.10 0.56

CovasEstação hidrométrica

SPI 1

SPI 3

SPI 6

SPI 12

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Tabela 17 - Valores médios dos SPI, organizados por classes, resultantes da série de escoamento em

regime modificado e em regime natural da estação hidrométrica de Covas.

Tabela 18 - Número de ocorrências de seca detectadas pelo índice SPI, organizado por classes, obtido

para a série de escoamento em regime modificado e em regime natural da estação hidrométrica de

Covas.

De acordo com a Tabela 17 verifica-se que para a classe de seca moderada e severa os valores da

média dos SPI são bastante próximos entre escoamentos nos dois regimes, sendo que são na sua

maioria mais negativos para o regime natural. No entanto, para a classe de seca extrema as médias

já são mais distintas e os valores mais gravosos ocorrem para escoamentos em regime modificado.

Quer isto dizer que para secas extremas, o evento de seca é mais intenso no regime modificado do

que no regime natural.

Para o número de ocorrências de eventos de seca (Tabela 18) constata-se a mesma tendência: para

as classes de seca moderada e severa ocorrem mais eventos de seca em regime natural do que em

regime modificado. No entanto, para a classe de seca extrema o número de ocorrência de secas é

maior para as séries de escoamento em regime modificado.

Tendo por base a Tabela 17 e 18, obteve-se a Figura 26 onde se organizou a informação num gráfico

de barras, para o número de ocorrências de seca, e de linhas, para as médias dos SPI. Na figura a

informação foi dividida por classes, sendo que cada cor representa uma classe diferente, como

indicado na respectiva legenda.

moderada severa extrema

Regime modificado -1.02 -1.42 -2.64

Regime natural -1.01 -1.54 -2.51

Regime modificado -1.06 -1.40 -2.97

Regime natural -1.08 -1.40 -2.44

Regime modificado -1.01 -1.41 -3.20

Regime natural -1.07 -1.47 -2.90

Regime modificado -1.02 -1.42 -3.17

Regime natural -1.07 -1.45 -2.23

Média dos SPIClasses de seca

SPI 1

SPI 3

SPI 6

SPI 12

Regime modificado natural modificado natural modificado natural modificado natural

Seca moderada 20 32 23 35 22 37 33 34

Seca severa 13 8 12 18 12 25 8 18

Seca extrema 29 24 28 19 29 12 26 17

Número de ocorrênciasCovas

SPI 1 SPI 3 SPI 6 SPI 12

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Figura 26 - Caracterização das três classes de seca em número de ocorrências (barras) e média do SPI (linhas),

divididas por escala temporal.

A figura anterior permite uma melhor visualização do constatado nas tabelas: independentemente da

escala temporal, as séries de escoamento em regime natural sofrem mais eventos de seca para as

classes de seca moderada e severa (cor azul e vermelha do gráfico), sendo que os valores médios

são quase idênticos. Na classe de seca extrema inverte-se a situação, ou seja, ocorrem mais eventos

de seca no regime modificado e os valores da média dos SPI são também mais gravosos para o

regime modificado. Contudo e como verificado na análise à Tabela 16, no total ocorrem mais eventos

de seca em regime natural do que em regime modificado, sendo que este último apresenta secas

mais intensas.

O regime modificado, com influência da barragem, é mais regularizado, ou seja, tem menor

variabilidade temporal que o regime natural. Como o SPI mede desvios em relação à média, o regime

natural apresenta mais secas em condições meteorológicas médias.

Em média a barragem induz secas mais severas, mesmo que em menor número, pois de algum

modo atenua a variabilidade temporal do regime natural, em condições meteorológicas médias.

Contudo, quando se olha por classes, o que se verifica é que o efeito da barragem é especialmente

nocivo em situações de seca extrema, ou seja, em anos secos o não lançamento de água para

jusante aumenta o número de ocorrência de seca extrema e os valores dessas secas são mais

gravosas, ou seja, as secas são mais intensas.

Assim, tendo por base o regime fluvial na estação hidrométrica de Covas, conclui-se que a barragem

de Vilarinho das Furnas induz secas mais gravosas, no curso de água a jusante, e maior número de

secas extrema. O rio fica mais susceptível a secas extremas, ou seja, em anos muito secos admite-se

que o rio possa secar totalmente durante um maior período de tempo.

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74

5. Conclusão

De modo a finalizar a presente investigação sistematizam-se as suas conclusões.

Para concretizar o objectivo deste estudo foi necessário avaliar, em primeiro lugar, a capacidade do

índice de secas SPI aplicado a séries de escoamentos detectar secas de algum modo equivalentes

às decorrentes do SPI aplicado às séries de precipitação que estão na génese daqueles

escoamentos (capítulo 3). A possibilidade de aplicar este índice a escoamentos permite caracterizar

secas decorrentes tanto da variabilidade hidrológica natural, como as eventualmente induzida pela

actividade do Homem, nomeadamente pela construção de aproveitamentos hidráulicos.

Analisando nove casos de estudos distribuídos por Portugal Continental obtiveram-se os seguintes

resultados:

Para as cinco estações hidrométricas com maior precipitação anual média (Cunhas, Castro

Daire, Cabriz, Vinhais Quinta da Ranca e Vale Giestoso inseridas na bacia hidrográfica do rio

Douro) as diferenças entre o SPI aplicado a precipitação e o SPI aplicado a escoamento são

pequenas, indicando que identificam de modo similar os eventos de seca.

Para estações hidrométricas com valores baixos de escoamento anual médio, como sejam

Vascão, Couto de Andreiros, Torrão do Alentejo e Albernoa, o SPI aplicado a precipitações

identifica claramente secas mais gravosas. Verifica-se também, nestes casos, que para

escalas temporais pequenas, como 1 e 3 meses, as diferenças entre os dois SPI aplicado a

cada uma das séries, de precipitação e de escoamento, são grandes, ou seja, não detectam

os mesmos eventos de seca.

Estes resultados permitiram chegar às seguintes conclusões:

Para estações hidrométricas com escoamentos anuais médios baixos, o SPI decorrente de

escoamentos não consegue detectar secas para escalas temporais pequenas, como é o caso

de um e três meses. Com o aumento do incremento temporal começa a existir acumulação

de escoamento e o índice passa a ser capaz de identificar secas.

Independentemente do escoamento anual médio da estação hidrométrica, verifica-se que as

diferenças entre o SPI aplicado a séries por um lado, de precipitação e por outro, de

escoamento se vão atenuando com o aumento do incremento temporal.

Os desvios das variáveis hidrológicas em relação aos valores médios, indicativos de seca são

mais facilmente detectáveis nas séries de escoamento, quando existe uma maior

disponibilidade hídrica, e nas séries de precipitação, quando aquela disponibilidade é menor.

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Face a estes resultados espera-se que a aplicação do SPI a séries de escoamentos permita também

detectar eventos de secas. Obviamente que a generalização desta expectativa requereria a análise

de um maior número de casos de estudo.

Com base na anterior conclusão prosseguiu-se com a análise da influência da barragem de Vilarinho

das Furnas no regime fluvial, a jusante da mesma, e consequentemente no agravamento de secas. A

estação hidrométrica a jusante da barragem de Vilarinho das Furnas é a de Covas, e a bacia

hidrográfica que lhe corresponde apresenta tanto escoamentos como precipitações anuais médias

elevadas, sendo, por isso, esperado que o SPI aplicado a escoamento fosse capaz de detectar

eventos de seca similares aos decorrentes a aplicação do SPI à precipitação. Foi precisamente essa

a conclusão chegada no capítulo 4.5, onde se verificou mais uma vez as conclusões obtidas no

capítulo 3.

Estando provada a capacidade do SPI aplicado a escoamentos detectar eventos de seca

equivalentes aos que decorrem da sua aplicação às séries de precipitação que estão na génese

daqueles escoamentos, compararam-se os eventos de seca que ocorreram após a construção da

barragem, ou seja, em regime modificado, com os eventos de seca que ocorreriam em regime natural

no mesmo período, ou seja, caso a barragem não tivesse sido construída.

Comparando as duas séries de SPI concluiu-se o seguinte:

O número de ocorrências de seca em regime natural é superior ao número em regime

modificado, no mesmo período.

O valor mínimo e a média dos SPI são mais negativos em regime modificado do que em

regime natural no mesmo período.

Para a classe de seca moderada e severa constatam-se duas relações: os valores médios de

SPI são bastante próximos entre as séries de escoamento nos dois regimes e ocorrem mais

eventos de seca em regime natural do que em regime modificado.

Para a classe de seca extrema as médias dos SPI e o número de ocorrência de eventos de

seca são mais gravosos para a série de escoamento em regime modificado.

Constata-se que, por efeito da albufeira da barragem de Vilarinho, o regime modificado é mais

regularizado, ou seja, tem menor variabilidade temporal. Consequentemente, em condições de seca

moderada e severa, o SPI detecta um menor número de eventos de seca, pois ocorrem menos

desvios em relação à média. Mas, em anos muito secos, o facto de a barragem reter a água de

montante, aumenta, a jusante, o número de ocorrência de seca extrema e os valores dessas secas

são mais gravosas, ou seja, as secas são mais intensas. Demostrou-se então que,

independentemente da escala temporal, para secas extremas, o evento de seca é mais recorrente e

intenso no regime modificado do que no regime natural.

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76

Conclui-se então que a barragem de Vilarinho das Furnas induz secas mais gravosas, no curso de

água a jusante, e em maior número. O rio fica mais susceptível a secas extremas, ou seja, em anos

muito secos o rio pode secar.

Para uma generalização da conclusão torna-se necessário avaliar mais casos reais de barragens em

Portugal Continental, de norte a sul, de modo a avaliar se o comportamento verificado, do

agravamento de secas extremas, é idêntico em todos os casos, principalmente nos casos em que a

precipitação média anual é baixa, o que poderia ser feito numa investigação futura. Um estudo mais

extenso de aplicação do SPI a séries de escoamentos merece também uma continuação, visto

permitir avaliar seca hidrológicas tanto naturais como induzidas pela construção de aproveitamentos

hidráulicos, expandindo os casos de estudo a mais estações hidrométricas do sul de Portugal, onde o

escoamento anual médio é inferior, e talvez a estações de outros países de modo a obter uma ideia

mais completa do comportamento do SPI aplicado a escoamentos.

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